20/06/2018 - 24ª - Comissão de Assuntos Sociais

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Havendo número regimental, declaro aberta a 24ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura do Senado Federal.
Vou começar com o Comunicado nº 3, de 2018, aguardando ainda a chegada de uma das palestrantes.
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Reforço o comunicado de abertura de prazo para apresentação de emendas à LDO 2019, PLN nº 2, de 2018. Peço para Senadores, Senadoras e assessores que nos estejam vendo pela televisão também que prestem atenção, porque mudou o prazo da apresentação da Lei Orçamentária. Então, nós mudamos a abertura para 19 de junho, terça-feira, com encerramento em 25 de junho, segunda-feira. Até as 18h nós receberemos as emendas propostas pelos membros da CAS para o Orçamento.
A deliberação das emendas da CAS vai ser feita no dia 26 de junho, terça-feira, às 11h30 da manhã. O Relator escolhido foi o Senador Eduardo Amorim para a deliberação de quais emendas serão selecionadas pela Comissão de Assuntos Sociais para o Orçamento.
Esclareço que as emendas deverão ser enviadas pelo sistema de emendas e em via impressa assinada pelo Senador membro desta Comissão, entregue perante a Secretaria desta Comissão de Assuntos Sociais no prazo já comunicado.
Temos aqui uma retificação. Foi antecipado - por isso nós estamos fazendo este comunicado - para o dia 22 de junho o recebimento das emendas. Então, ficou um tempo curto, mas é o tempo que foi decidido pela Lei Orçamentária.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o Projeto de Lei do Senado nº 514, de 2017, de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), que altera o art. 28, da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para a descriminalização do cultivo da Cannabis para uso pessoal terapêutico, em atendimento ao Requerimento da Comissão de Assuntos Sociais nº 16, de 2018, de minha iniciativa.
Informo que esta audiência pública será dividida em duas partes: a primeira Mesa com o tema "Maconha medicinal: caminhos e alternativas para a legalização"; e a segunda Mesa, "Educação para a Prevenção e Ciência sobre as Repercussões do Uso da Maconha na Adolescência".
Informo, ainda, que esta audiência pública é interativa - várias pessoas já mandaram alguns comentários, que eu vou até ler. As pessoas com interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, digitando www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, 0800-612211. Repito: 0800-612211.
Comunico também aos oradores convidados que a Presidência concederá a palavra por dez minutos a cada um.
Nós estamos esperando a chegada de uma das palestrantes. Entrementes, eu vou ler alguns comentários do e-Cidadania que já chegaram, e aí iniciaremos.
Samuel Figueiredo, de São Paulo: "É tão bom ver mais um passo para uma regulamentação da Cannabis. Chega de violência com essa guerra inútil".
Marcelo Almeida, de Minas Gerais: "O traficante detém o monopólio da produção, distribuição e comercialização das drogas no mundo atual. Descriminalizar a droga para inibir a violência é o mesmo que acabar com o direito de propriedade para inibir o roubo".
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Taís Nunes, do Espírito Santo: "Sou a favor da liberação para uso medicinal, tendo em vista os grandes avanços, já provados através da ciência, dessa substância como auxiliadora em alguns tratamentos. Se é lícito adquirir livremente drogas como Aspirina, Paracetamol, entre outros, por que não liberar a Cannabis?"
Daniel Ribeiro, do Paraná: "Por favor não se esqueçam de nós, pesquisadores, pois a autorização para as universidades também é superimportante!"
Kira Shinigami, de Santa Catarina: "Não vejo qual a razão para ser considerado criminoso quem planta Cannabis para cuidar da própria saúde. Mesmo quem faz uso recreativo planta para não recorrer ao tráfico. Plantar é a melhor maneira de combater o crime".
Pedro Henrique, de Pernambuco: "Um retrocesso. Demonstra o quanto o Poder Público é ineficaz e fraco para combater o crime. Cannabis é suprimento para o crime".
Bem, como vocês veem, o povo está interessado. As opiniões são as mais diversas. E nós estamos aqui exatamente para possibilitar a todos os Senadores e às Senadoras a instrução desse projeto.
Convido para compor a Mesa o Dr. Luís Fernando Tófoli, Psiquiatra e Professor da Unicamp e Coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos - bem-vindo, Dr. Tófoli.
Dr. Renato Filev, Neurocientista do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas.
Drª Margarete Brito, Coordenadora-Geral da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal.
Cidinha Carvalho, Presidente da Cultive - Associação de Cannabis e Saúde.
E Renata de Morais Souza, Gerente de Produtos Controlados da Anvisa - muito bem-vinda.
Antes de dar a palavra, informo que cada um dos oradores terá dez minutos. Ali nós temos um relógio, que apita, automaticamente, um minuto antes de se encerrar o prazo.
Eu vou fazer uma pequena fala de abertura.
O PLS 517, de 2017, é decorrente de uma proposta legislativa do e-Cidadania. O que é o e-Cidadania? O e-Cidadania é a possibilidade de o brasileiro, de qualquer cidadão entrar na internet do Senado e fazer uma proposta. Essa proposta tem adesão ou não tem adesão. Se ela tiver adesão e chegar a receber 20 mil apoiadores, ela vai para a Comissão de Direitos Humanos e lá se transforma num projeto, para o qual é escolhido um relator. Esse relator avalia a proposta, aceita-a ou não, e aí ela começa a tramitar se ela aceita que aquela é uma boa ideia.
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Essa proposta caminhou desse jeito, ou seja, chegou aqui, e o Relator... Ela não veio do jeito que está agora; ela veio como descriminalização da maconha. O Relator pediu o arquivamento. Eu achei que podia haver alguma coisa interessante no que se refere ao uso medicinal, aí fiz um substitutivo. O substitutivo foi aprovado e virou um projeto de lei de outra forma, ou seja, não descriminalizando todo tipo de maconha, para todo uso, como estava no projeto original, mas propondo uma coisa mais focada. Então, o mais focado, que é este Projeto 157, permite o semeio, o cultivo e a colheita da Cannabis para uso pessoal, terapêutico, em quantidade não mais que suficiente ao tratamento, de acordo com a indispensável prescrição médica.
Para entender melhor, o primeiro contato que eu tive foi com a mãe de uma jovem que estava fazendo esse uso medicinal. Aí, eu consegui entender a dimensão do problema, e a dimensão do vazio que as famílias que têm jovens com epilepsia passam para comprar o medicamento, que é importado - o preço do medicamento. E nesse testemunho a mãe me contou o número de crises epiléticas que a criança tinha até ter entendido que podia fazer um óleo. Mas para isso ela correu muitos lugares; foi ao Chile, aprender a fazer. Eu fiquei muito tocada com essa situação, porque não tinha ideia da dimensão. São dois milhões de brasileiros que sofrem de epilepsia e que podem se beneficiar com esse medicamento.
Qual é o interesse? É poder fazer um projeto que realmente atenda as pessoas que poderão fazer esse uso e, ao mesmo tempo, fazer algo que possa ter uma tramitação nesta Casa. Então, nós temos que saber os limites, até aonde a gente pode ir, e fazer o projeto o mais amplo possível para que as famílias possam ser beneficiadas. Essa é a ideia. E os detalhes todos de como fazê-lo nós vamos aprender, primeiro, com esta primeira audiência pública, com a segunda, que vamos ter à tarde, e com outras que se seguirão, ou até individualmente, depois, quando nós formos buscar uma compreensão para fazermos o melhor possível.
Eu queria lembrar também que nem o Senado Federal tampouco o Brasil estão sozinhos nesta discussão. Recentemente, percebemos que vários países, em diferentes estágios, estão enfrentando esse debate, cada um considerando as suas particularidades culturais, suas realidades socioeconômicas, seus processos civilizatórios. Nosso desafio é, sem desconsiderar as experiências internacionais, construir uma solução institucional política e técnica genuinamente adequada ao quadro brasileiro. Em virtude da complexidade do tema e das suas repercussões no conjunto da sociedade, propusemos essas duas Mesas - claro, não temos nenhuma intenção de esgotar o assunto aqui.
Então, sem mais delongas, vamos começar dando a palavra à Srª Renata de Morais Souza, Gerente de Produtos Controlados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por dez minutos.
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA - Bom dia a todos!
Muito obrigada pelo convite. Em nome da Anvisa, eu agradeço a todos os presentes. Gostaria de cumprimentá-los e de dizer que estamos muito satisfeitos de poder estar aqui participando deste debate.
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Eu trouxe uma breve apresentação para ajudar a contextualizar: quais são as legislações internacionais que versam sobre esse tema, quais são as normas atuais, a legislação brasileira que também traz já algumas diretrizes sobre isso, e um pouco do espaço de atuação sob a perspectiva da competência da Anvisa. Então, eu vou trazer um pouco dessa visão mais técnica e mais regulatória sobre o tema.
Para falar disso a gente precisa dizer que a Cannabis é uma planta que está sujeita a controle internacional. Existe uma convenção, que é hoje fiscalizada pela ONU, por essa Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, que traz para todos os Estados-membros da ONU diretrizes sobre esse tema. O que essas convenções dizem? Quais são essas convenções? Basicamente, sobre Cannabis, a gente deve focar o nosso olhar sobre essas duas primeiras convenções: a de 1961, que foi internalizada pelo Decreto 54.216, de 1964, que traz a Cannabis listada no seu anexo; e a convenção de 1971, que é a Convenção de Psicotrópicos, que traz o THC, um os principais componentes cannabinoides presentes na Cannabis.
Para que a gente comece a abordar o tema sob a perspectiva regulatória, é preciso entender o que a Convenção traz. A de 1961, que traz a Cannabis, lista essa planta, as resinas, os extratos e as tinturas nas Listas 1 e 4, que são as listas mais restritivas dessa convenção. Ela define, dentre vários aspectos, que o país deve proibir a produção, manufatura, exportação, importação, etc., várias atividades, mas traz um item importante: ela excetua para fins médicos e científicos essa proibição, sob controle e supervisão direta do país-membro. Então, apesar da possibilidade de permissão para esses dois fins, é necessário que o país faça um controle e uma supervisão direta das atividades.
A convenção de 1971 vai também na mesma linha; traz um dispositivo muito semelhante à de 1961. Ela diz que o THC também deve ser proibido para todos os tipos de atividades, todo tipo de uso, exceto para fins científicos e propósitos médicos muito limitados, por meio de estabelecimentos médicos e pessoas autorizadas pelas autoridades governamentais. Então, sob a perspectiva internacional, aqui a gente encontra, sim, um espaço possível de atuação regulatória.
A nossa lei, hoje, que trata da política sobre drogas, a Lei nº 11.343, de 2006, também vai nesse mesmo alinhamento. Apesar de proibido o plantio, a cultura, a colheita de vegetais dos quais possam ser extraídos drogas, no parágrafo único do art. 2º, essa lei diz que a União pode autorizar o plantio, o cultivo, a cultura, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização. Então, aqui a gente já vê algumas possibilidades condicionadas a algumas atuações do órgão regulatório, do órgão competente.
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E, aí, o decreto que regulamenta a Lei 11.343 já define a quem compete essa autorização. No seu art. 14, ele diz que o Ministério da Saúde, além de baixar instruções de caráter geral sobre limitação e fiscalização, controle e produção de drogas, que é o que já existe na Anvisa - a gente tem aí a Portaria 344, que já traz o tema -, também é o Ministério que autoriza o plantio, a cultura desses vegetais. Mas, no parágrafo único, o decreto traz que a competência aqui especificada se estende também aos órgãos e entidades que lhes sejam vinculados. Então, foi feito na Anvisa já um levantamento jurídico, uma análise jurídica sobre isso, e o parecer que foi apresentado pela procuradoria é que, sim, a Anvisa é competente para autorizar o cultivo de plantas controladas - lembrando que a gente tem aí não só a Cannabis, mas outras plantas também controladas.
Essas finalidades de cultivo eu vou tentar trazer de uma forma mais objetiva. Com base nas nossas legislações, o que a gente pode fazer? Finalidade científica, pesquisa - agora eu vou começar a tratar como pesquisa -, ou para finalidade medicinal.
Para pesquisa - ali o item saiu já tampado - a gente tem dois caminhos: ou o acesso aos produtos ocorre por meio de importação, ou por meio, se se tratar de planta, do cultivo. Lembro que a via do cultivo ainda não está regulamentada pela Anvisa, mesmo que a finalidade seja a pesquisa. É o que se está discutindo no momento. Hoje a gente tem a via da importação. Os dois levam à permissão da pesquisa e do desenvolvimento, o que traz diversos benefícios de fato. Por exemplo, a gente vai contar com mais evidências científicas, com possibilidade de haver novas tecnologias, novos medicamentos, inteligência policial, inovações. Então, o que falta no âmbito da pesquisa é a regulamentação da atividade do cultivo, em termos de segurança, contenção da planta, quem é autorizado etc.
No âmbito medicinal, a gente já tem um medicamento registrado. Então no Brasil já se podem usar produtos à base de Cannabis ou os seus derivados, por meio do registro de medicamentos. Nesse caso, há o Mevatyl, internacionalmente conhecido como Sativex. Ele já está no mercado brasileiro, a empresa já o lançou, já está sendo comercializado, mas trata somente espasticidade na esclerose múltipla, não é indicado para o tratamento de epilepsia. Então, a gente encontra aí uma lacuna de falta de disponibilidade no mercado de produtos registrados.
Aqui eu trouxe a lei, que traz que qualquer medicamento tem que ser registrado antes de ser entregue ao consumo.
No âmbito medicinal, a Anvisa já conta também com uma regulação para importação por pessoa física, que é regulada pela RDC 17. Hoje a gente tem mais de 3,5 mil pacientes autorizados e mais de 5 mil pedidos. E isso só vem crescendo, como a gente mostra ali naquele gráfico. Se vocês acompanharem a barra verde, ela representa, em cada mês, o ano de 2018. Pode-se ver, por exemplo, em abril, a diferença de pedidos que ocorreram de 2015 a 2018. Então, a gente vê uma tendência de crescimento exponencial de pessoas que procuram o acesso por meio da importação.
Mas aqui a gente percebe um problema: essa importação não dá acesso a produtos seguros ou comprovadamente seguros, porque eles não foram avaliados por nenhuma autoridade sanitária. Eles são produtos comercializados sem passar por uma avaliação de eficácia, segurança e qualidade. Então, preocupa-nos, em termos sanitários, que o acesso esteja ocorrendo por meio de produtos cuja utilização fica realmente na responsabilidade do médico e do paciente. Então, o que falta no âmbito medicinal? A gente já viu que a importação é possível, e aí qualquer empresa, por exemplo, poderia, a partir da apresentação de estudos clínicos, regularizar seu produto e disponibilizá-lo no mercado. Mas para aquela que deseja cultivar a planta para fins de produção no País, esse caminho ainda não está regulamentado. Então, essa segunda linha é o que ainda está em discussão para que haja mais possibilidades, para termos mais opções terapêuticas - é o que está do lado direito ali -, traria mais produtos seguros...
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(Soa a campainha.)
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA - ... possivelmente um menor custo, mais opções terapêuticas e uma menor burocracia para o acesso, porque ele não precisaria mais acessar por meio da importação necessariamente. Então, a gente teria um caminho aqui.
Então, o objetivo na Anvisa é discutir esses dois caminhos, o que então daria origem à fabricação nacional de produtos regulados, produtos seguros, e também a possibilidade de desenvolver pesquisas e produtos etc.
Lembro que, quanto a produtos seguros, aqui, quando a gente fala de Cannabis...
É o último eslaide. Já vou finalizar.
Eu acho importante a gente dizer do que a gente está tratando. A Cannabis tem uma diversidade de possibilidades de produtos. Não é simplesmente a flor. Existem cápsulas, óleos, extratos, diferentes teores, diferentes composições, diferentes formas de administração. E tudo isso pode conferir diferentes efeitos. Então, a gente não está falando de um efeito só - acho que os nossos próximos palestrantes vão trazer isso mais evidentemente. E a gente não consegue tratar tudo num pacote só, porque a gente pode estar falando de diversos produtos.
Em tudo isso, para se comprovar a segurança, no mínimo - no mínimo! -, eles precisam ser fabricados de acordo com alguns critérios de qualidade; esse e qualquer outro produto para tratamento de saúde. A gente precisa evitar contaminação, assegurar o teor, composição, o processo de produção precisa ser robusto, porque tudo isso influencia na dose que vai ser administrada, na posologia que vai ser aplicada. Porque o prescritor fica com aquela dificuldade para saber quanto tem aquele produto, qual é o teor. Como é que ele vai saber a dose necessária, por exemplo, para o tratamento de epilepsia, que a gente sabe que precisa ser uma dose mais específica, mais controlada? E tem de haver eficácia e segurança também, porque é a partir de dados de estudos clínicos que se conhece se o produto tem evento adverso, se tem contraindicação, se tem interação medicamentosa. A maioria dos pacientes usam outros medicamentos. Então, quando a gente chama de produto seguro, minimamente a gente está dizendo isso; é conhecer minimamente essas informações, para inclusive definir dose etc.
A Anvisa está estudando esse assunto. Foi formado um grupo de trabalho interno. A gente já fez um levantamento das regulações internacionais, fez um estudo prévio dos modelos existentes ou que estão em implantação, e atualmente a gente se encontra na etapa de proposição da iniciativa regulatória, que é aprovada pela Diretoria Colegiada da Anvisa. Essa etapa ainda não aconteceu, é a próxima etapa.
Mas, de uma forma geral, posso dizer que a regulação do cultivo, sob a perspectiva da Anvisa, de atuação da Anvisa, que precisa se preocupar em diminuir o risco à saúde, passa por estes três parâmetros: é necessário garantir a segurança do cultivo, ou seja, controlar o acesso ao local, às plantas, evitar a possibilidade de desvios e promover a contenção daquela planta - é isso que a gente vê em todos os modelos internacionais -, então as pessoas têm que estabelecer mecanismos de segurança de acesso; é necessário o atendimento às convenções e à legislação brasileira; e, com isso, viabilizar a pesquisa e a produção de produtos seguros.
É isso. Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Eu que agradeço, porque já dá uma boa ideia de em que momento nós estamos na Anvisa, da qual vamos depender muito, pela regulamentação de toda a lei, se for aprovada, para poder funcionar.
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Inclusive, vamos manter contato para saber mais detalhes do que vocês estão encaminhando.
Com a palavra Luís Fernando Tófoli, Psiquiatra e Professor da Unicamp e Coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos.
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - Bom dia.
Agradeço o convite para poder falar a vocês. Agradeço à Senadora Marta e saúdo os Senadores presentes, em nome dela, e todos os presentes também. Sejam bem-vindos!
O tempo é muito curto, dez minutos, para o tanto que precisa ser falado. Então, eu vou me adiantar logo em dizer para vocês três pontos principais que eu vou abordar nesta apresentação.
Um é a pergunta - e vou passar isso bem rapidamente, até porque a apresentação da Renata já nos facilita - sobre se maconha é remédio ou pode ser. O segundo, no qual eu vou me ater um pouco mais, é discutir os potenciais riscos das leis vinculadas à aplicação da regulamentação da maconha medicinal, usando como principal exemplo as variações nos Estados Unidos, de Estado para Estado, onde há leis diferentes nesse tocante, e, com isso, funciona como um laboratório de estudos para a gente poder verificar alguns dos resultados. E, por fim, fazer uma argumentação para vocês sobre por que é necessário a gente regulamentar. De certa forma, a fala da Renata já me facilita bastante, porque ela já coloca bem claramente que já existe maconha medicinal no Brasil, por via judiciária, e aí nós não temos regulação do legislador. Então, esse é um ponto que eu vou abordar no final.
Para começar, então, eu quero dizer para vocês que eu não tenho nenhum conflito de interesse com a indústria da Cannabis, seja recreativa, seja medicinal. Eu sou um pesquisador, não recebo dinheiro da indústria farmacêutica e nunca fiz nenhum convênio para fazer pesquisa com as empresas de outros países que já exploram legalmente a Cannabis.
Há três pontos de partida importantes, além das três perguntas que eu mencionei para vocês. Primeiro, há riscos associados à maconha. Nós não vamos em nenhum momento negligenciar esse ponto. Então, é preciso que a gente tenha conhecimento sobre isso. Infelizmente, não há tempo para eu abordar esses riscos para vocês, mas é importante que a gente tenha...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Nós teremos as perguntas depois, quando poderemos, então...
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - Excelente.
Então, depois podemos conversar sobre isso também. E haverá a Mesa da tarde também, a audiência da tarde, que pode também ajudar nisso.
Outro ponto é a ideia de que a Cannabis medicinal serve - e de fato isso a gente encontra popularmente - como uma espécie de desculpa para o uso recreativo ou para... Como se fosse para simplificar a complexidade da questão da Cannabis. Não é este o ponto também. É uma planta complexa, interagindo com outro organismo bastante complexo, que se chama ser humano, em sociedades complexas também. Então, é importante levar tudo isso em consideração.
Mas também não podemos usar esse tipo de desculpa como forma de negligenciar o fato das propriedades terapêuticas e de como podemos, do ponto de vista da regulamentação, maximizar benefícios e reduzir riscos.
E, do ponto de vista dos efeitos negativos, há grupos que são mais vulneráveis. À guisa de facilitar o raciocínio de vocês, é importante ter a clareza de que os mais jovens são os mais vulneráveis.
Evidentemente, nós estamos falando de jovens que não têm doenças graves, o que é uma outra configuração completamente diferente, porque ela envolve crianças com doenças graves como o autismo, como a epilepsia refratária. Estamos falando do jovem médio. Esses estariam mais expostos aos riscos, principalmente vinculados ao consumo precoce e exagerado de Cannabis, porque aí está associado aos riscos sobre os quais a gente pode conversar depois.
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Então, para começar, maconha é remédio?
Quando a Anvisa já me antecede, dizendo que já existe um processo organizado pela Anvisa e intermediado pela Justiça brasileira, isso já me facilita para eu poder dizer para vocês que sim, é. Mas em que termos?
Recomendo a leitura desse documento. É um livro, na verdade, organizado pela Academia Americana de Ciências, Engenharia e Medicina, que faz um consolidado das melhores evidências científicas disponíveis - ele saiu em 2016, se não me engano...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - ... em 2017. Evidentemente, as evidências vão crescendo com o tempo e, depois, é preciso ser reeditado. Mas atualmente é o que traz, de uma forma simplificada e condensada num volume só, os melhores dados. E eles vão investigar uma série de doenças que estão aí como propostas para a Cannabis medicinal.
O que a gente pode dizer é que, do ponto de vista da melhor evidência científica disponível, as doenças para as quais a Cannabis ou o uso de canabinoides - são também duas coisas diferentes, e depois do Renato pode me ajudar esclarecer essas diferenças... Já temos evidência suficiente para dizer que é remédio para essas doenças ou para estas situações: náusea causada pela quimioterapia - e a evidência melhor, do ponto de vista científico, é a dos canabinoides, embora a gente saiba que a maconha fumada pode ter um papel nisso também, anedoticamente, como a gente chama -; falta de apetite; dor crônica; dor de origem neurológica, neuropática, por lesão neurológica; e espasticidade, que é a rigidez muscular, especialmente quando é causada por uma doença chamada esclerose múltipla. Além disso, a gente tem o uso compassivo em uma série de outras situações em que, a olhos vistos - as mães, inclusive, vêm trazendo essa questão; as mães e os pais das crianças com doenças graves -, por uso compassivo, se percebe melhora nas crianças. Mas a gente não tem estudos sobre isso.
Este é um ponto importante: a ciência se move em um ritmo que nem sempre é o ritmo da necessidade das pessoas. A gente faz o melhor possível, mas existe uma série de restrições a respeito disso, e às vezes a sociedade civil - aliás, frequentemente - toma a frente e conduz, como a gente vai ouvir aqui na própria Mesa depois.
Lembro que, quando se vai falar de canabinoides, há um pouco essa ideia de que o THC é um canabinoide muito negativo e o CBD é o positivo... Em ciência, não existe bem ou mal. Existem riscos, existem problemas, existem fatores que podem ser favoráveis ou não aos seres humanos em circunstâncias diferentes.
O que a gente tem, do ponto de vista da neurociência, é já uma evidência de que há um efeito de interação entre os canabinoides que justifica, em alguns casos, uma observação clínica de melhores respostas no uso da planta, e não só dos canabinoides isolados, embora eles também possam ser usados em algumas circunstâncias, em diversas circunstâncias inclusive. Então, a maconha é uma planta rica em diversos produtos, na verdade, e vem sendo refinada pela humanidade para uso há muito tempo.
Quais são os riscos associados à regulamentação medicinal? A gente tem alguns resultados que são preocupantes, são os mais desafiadores, que incluem: a redução no preço e o aumento da potência da maconha, embora esse seja um efeito que tem acontecido na maconha, de uma forma geral, em qualquer ambiente, legalizado ou não - então, não fica muito claro se isso é por causa exatamente das leis da maconha medicinal ou não -; o aumento do risco de exposição pediátrica à maconha - crianças que comem o medicamento à base de maconha de seus pais e de seus avós e, com isto, geram emergências psiquiátricas -; e a redução do risco.
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Sobre a emergência, eu vou falar um pouquinho para vocês. Isso é uma coisa que, do ponto de vista da regulação do legislador, tem um ponto importante. Em relação à redução da percepção do risco, há uma associação de que, em alguns Estados onde há a maconha medicinal, haveria uma diminuição da percepção de que a maconha tem riscos. Entretanto, esse também é um efeito que tem acontecido em toda parte, nos países que regulamentaram ou nos que não regulamentaram, que legalizaram ou que não legalizaram. Tem havido uma sensação geral de que a maconha é menos lesiva do que ela pode ser. E aí vem o ponto - que é o mais importante - que independe da regulamentação, que é a educação para a prevenção dos verdadeiros riscos, de quais são os verdadeiros riscos associados à maconha e que, de certa forma, independem das leis sobre maconha medicinal.
Então, esse é um dado dos Estados Unidos, mostrando um claro aumento no número de relatos de crianças que tiveram emergências consumindo maconha depois que foi aprovada a lei da maconha medicinal no Colorado. E o Colorado é bastante desregulamentado. De certa forma, eles permitem produtos em uma variedade muito grande, inclusive balinhas...
(Soa a campainha.)
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - ... que são coisas que crianças podem ter a vontade de consumir.
Eu vou me apressar aqui, mas vou estourar um pouquinho o tempo.
Outra coisa que a gente sabe é que parece estar associado consistentemente o aumento do uso da maconha por adultos nos Estados onde se regulamenta a maconha medicinal, o que é mais ou menos óbvio. Se se aumenta o acesso a indivíduos adultos, eles vão apresentar em diversas situações e dizer: "Olha, eu estou usando o remédio, procure um médico que a prescreva". E isso está associado a um certo aumento também. Se isso é uma coisa negativa ou positiva, ainda não fica muito claro, no caso de adultos. No caso de crianças e jovens, é obrigatoriamente ruim se isso acontecer. O ponto é que não acontece, no caso dos jovens - e vou mostrar isso para vocês.
Do ponto de vista de trânsito, os dados são controversos. Há dados que apontam por uma redução no número de acidentes fatais; outros dados mostram um aumento do número de pessoas com medidas positivas para canabinoides em acidentes fatais - não é o mesmo dado, então uma coisa pode acontecer ao mesmo tempo da outra -; e ainda há o detalhe também que eu vou mencionar para vocês, que é a heterogeneidade das leis de maconha medicinal nos Estados Unidos.
Do ponto de vista tranquilizador, o que a gente sabe... Isso é bem consistente, porque já existem metanálises, que são estudos que condensam diversos estudos; é um estudo que condensa diversos estudos, demonstrando que as leis da maconha medicinal não causam aumento no consumo de jovens. Isso pode parecer paradoxal, mas foi repetido várias vezes, em diversos estudos, com diversos desenhos, e esse resultado é bastante consistente. Talvez seja porque "agora quem usa maconha é vovozinho", e isso ficou fora de moda. Não sei. O fato é que isso está acontecendo nos Estados Unidos de forma consistente. E isso nos tranquiliza, na verdade.
Do ponto de vista favorável, existe uma associação na redução no consumo e no número de mortes por opioides. Vocês devem saber que nos Estados Unidos está havendo um problema muito grave de aumento de consumo de opioides em diversos Estados, e, nos Estados onde há a maconha medicinal, isso tem um impacto mais brando, e o número de mortos por overdose de opioides é mais baixo.
Há uma redução no consumo de álcool. E aí há um tradeoff; a gente ainda não sabe muito bem, em termos de saúde pública, o que é mais positivo ou não. É possível, inclusive, que fumar mais maconha e beber menos álcool tenha um impacto positivo na saúde pública. Isso ainda não está suficientemente esclarecido.
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Não há efeitos negativos na segurança pública, e ela não parece funcionar como porta de entrada, especificamente no caso da maconha medicinal.
Já mencionei isto e vou ter que falar muito rapidamente: as leis da maconha medicinal nos Estados Unidos são muito diferentes de um Estado para outro. Há Estado que regulamenta só um canabinoide, há Estado que regulamenta o uso da planta, alguns vão proibir comestíveis, outros, não. Então, é importante ter isso em clareza.
Agora, para concluir: por que é necessário a gente regulamentar? A primeira razão é que já vem acontecendo. Esses são os países que têm o registro, que legalizaram a maconha medicinal. O mais recente que entrou nessa lista foi Portugal, há alguns dias inclusive.
Então, quando a gente ouve falar, a gente pensa só nos Estados Unidos, mas, na verdade, nos Estados Unidos, são Estados nos Estados Unidos, assim como acontece na Austrália, e alguns países já fizeram essa regulamentação há bastante tempo, como o Canadá, que legalizou a maconha recreativa ontem, à noite, e já regulamentou a medicinal desde 2001.
Outro ponto. Este é um dado da própria Anvisa, mostrando as doenças para as quais já foi prescrita a maconha medicinal no Brasil, segundo dados de 2017. Então, já está acontecendo. Aqui são as especialidades médicas que prescreveram; em destaque, em amarelo, aquelas que são autorizadas pela resolução do CFM, que teoricamente não autorizaria todas as especialidades médicas. Mas as especialidades médicas brasileiras estão prescrevendo para diversas doenças. Isso já está acontecendo. A grande questão é regulamentar isso de uma forma consciente, ciente, desapaixonada, com base nas evidências e na discussão ampla dentro da sociedade e controlando. Por exemplo, eu sou totalmente contrário à ideia de comestíveis que pareçam com doces ou balas, isso não faz o menor sentido; remédio tem que ter cara de remédio.
Para concluir, há mais uma razão, e eu acho que essa é a principal razão pela qual é preciso regulamentar. Eu trago o caso aí - vocês devem conhecer - do filme O Óleo de Lourenzo. Esses são os personagens reais, o Lorenzo Odone e o seu pai, que ajudaram a descobrir um alimento, na verdade um óleo derivado de extratos vegetais que é capaz de interromper o desenvolvimento da doença gravíssima que o filho dele tinha. Os dois já faleceram atualmente. Isso foi a sociedade se movimentando. E, no Brasil, a discussão da Cannabis medicinal veio por conta principalmente das crianças portadoras de epilepsia refratária e mais adiante das crianças portadoras de autismo, com um óleo também envolvido nessa história, mas esse é um óleo extremamente caro. É o que a Anvisa pode, na atual prerrogativa legal que tem, organizar, é o que ela pode fazer: tem que vir de uma indústria farmacêutica. Só que ele é extremamente caro, como vocês vão ver.
E o que a sociedade brasileira está fazendo? Estão aqui a Margarete, que vai falar depois de mim, e o esposo Marcos. Eles já têm autorização para plantar a maconha e fazer o óleo para uso compassivo dentro da sua família. A sociedade está se movimentando, e a gente precisa tirar aquelas pessoas que estão - e é um número grande de pessoas - fazendo isso para cuidar de seus filhos da ilegalidade. Eu acho que essa é a principal razão.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada pela exposição.
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Agora, eu vou dar a palavra ao Dr. Renato Filev, neurocientista do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas.
O SR. RENATO FILEV - Olá! Bom dia a todas e a todos!
É um prazer estar aqui.
Saúdo a Senadora Marta pelo convite, em nome de todos os Senadores presentes.
Eu trabalho na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) com o tema da cânabis. Minha declaração de conflito de interesse é que também não tenho nenhum vínculo com nenhum tipo de empresa. Sou acadêmico e pesquiso a cânabis há cerca de dez anos.
O uso terapêutico é um uso bastante tradicional, remonta há cinco mil anos. Essa gravura aí é de um imperador chinês chamado Shen Nung, que fez o primeiro relato de uso terapêutico da cânabis na história da humanidade.
Recentemente, há cerca de 30 anos, o sistema endocanabinoide foi descoberto, uma maquinaria celular que permite economias de gastos energéticos dentro das células, principalmente dos neurônios, e nós, todos os organismos humanos, produzimos a nossa maconha endógena, como o Prof. Carlini fala, que são endocanabinoides, substâncias provenientes do nosso organismo, da nossa constituição, que participam de processos fisiológicos e que encontram na maconha semelhantes ou substâncias análogas que realizam a mesma função endógena do nosso organismo.
Se eu fosse resumir para que serve o sistema endocanabinoide no nosso organismo, ele serve para estas cinco funções: relaxar, comer, dormir, esquecer e proteger. Ele é um regulador fisiológico da homeostase, modulador de outros sistemas de neurotransmissão, como a dopamina, a serotonina e a noradrenalina. Sua deficiência desencadeia uma série de enfermidades, e, por conseguinte, ele pode ser alvo farmacológico para diversos tratamentos. No entanto, por ser recente, necessita de uma maior compreensão desse potencial e de estudos científicos que versem sobre a temática.
O Prof. George Kunos é um dos expoentes na pesquisa com canabinoides, inclusive é Diretor do Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo nos Estados Unidos. Ele aponta para um dado bastante interessante: "Modulando a atividade do sistema canabinoide, podemos interferir em quase todas as doenças que afetam os [seres] humanos..." Então, existe um grandíssimo potencial aí que precisa ser compreendido, que precisa ser estudado a fundo, de maneira responsável, de maneira séria.
Em contrapartida, na cânabis, os fitocanabinoides, os canabinoides presentes na cânabis e que conseguem interagir com o nosso organismo, também cumprem um papel de ação terapêutica. Há um dado importante, que eu acho que vale a pena ressaltar, que é o efeito comitiva. O efeito comitiva é a interação dos diversos canabinoides e de outras moléculas presentes na cânabis, como, por exemplo, os terpenos ou óleos essenciais, as substâncias que dão a fragrância, o aroma e o odor, que juntos interagem e resultam em um efeito diferente do que existiria se você utilizasse cada componente isoladamente.
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Então, o efeito comitiva é resultante final de efeitos e se configura em uma reposta final, em uma resposta diferente de um dos princípios ativos isolados. Então, o efeito comitiva é responsável, então, por uma diversidade do efeito terapêutico. Isso pode ser benéfico e precisa ser aprofundado, porque a maioria dos estudos científicos realizados até hoje foi feita com princípios ativos isolados. Então, a gente precisa compreender a utilização desse potencial de forma mais ampliada.
Como a Renata já trouxe, as convenções internacionais, de fato, não proíbem a utilização dos canabinoides para finalidades médicas, terapêuticas e científicas. Então, é um dever nosso regulamentar o acesso para essas finalidades dentro do Território nacional. É importante destacar que, como as convenções nunca proibiram o uso para essas finalidades, a regulação do acesso terapêutico e científico ficou a cargo dos países, da regulação dos próprios países, e cada um desses fez da forma que lhe convinha no momento.
Só que, no Brasil, como o Tófoli também já colocou, nós temos a realidade de pacientes que conquistaram na Justiça um salvo-conduto para cultivo terapêutico. Essa realidade já existe para 19 famílias, foram 19 habeas corpus concedidos para doenças crônicas e incapacitantes. O que o Governo tem a oferecer àqueles cidadãos, como a medicina convencional, não funcionou, fracassou, e o entendimento dos juízes é o de que, de fato, então, a cânabis ou os canabinoides em extrato ou in natura poderiam beneficiar aquelas pessoas.
Eu fiz um resumo sobre esses tipos de acessos que a Renata colocou.
Então, os produtos importados são suplementos alimentares, não são medicamentos registrados. Eles têm uma padronização variada e têm ausência de estudos; as agências regulatórias dos países não permitem a execução desses estudos clínicos. Há diversidade de produtos e de apresentações, como o Tófoli mostrou também, como, por exemplo, as balinhas, que podem também causar danos e prejuízos.
Os custos para acesso a esses medicamentos importados são de intermediário a alto, e as limitações são justamente a qualidade e a consistência desses produtos, que são questionáveis, e o teor de canabinoides, que é variável. Quando se faz uma análise de cromatografia, por exemplo, desses produtos, nós percebemos que o rótulo difere do que foi retirado do aparelho. Então, existe aí uma diferença. Talvez, se o medicamento fosse registrado, haveria uma precaução, uma preocupação com esse tipo de variável.
O medicamento registrado é o Mevatyl, um medicamento fitoterápico de alta padronização e de estudos consistentes, mas é um produto único. O custo é elevado, varia de cerca de R$1 mil a R$3 mil por mês para o paciente, dependendo da sua patologia. As limitações são estas: ele é uma única apresentação, dentro das diversas formas de se apresentar o produto canabinoide, é um spray, que é absorvido pela mucosa oral, e o tratamento é caro e limitado. Já os artesanais são produzidos, extraídos de forma caseira, de forma artesanal, e a padronização é inexistente, visto que cada um faz da forma que lhe convém. Existem muitos relatos de casos, demonstrando a progressiva melhora de pacientes de patologias crônicas com a utilização desses óleos. Há uma relativa limitação de apresentações, até porque são produtos farmacêuticos produzidos de maneira artesanal. Então, realmente se limita a quantidade, a versatilidade desses produtos.
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No entanto, em geral, os cultivos vêm sendo feitos com genéticas apropriadas, genéticas que apresentam perfis de canabinoides que podem beneficiar certo tipo de enfermidade, como é o caso de cepas ou de variedades de cânabis que apresentam alto teor de canabidiol, no caso do controle das epilepsias resistentes ao tratamento convencional. O custo é baixo, é intermediário, e há uma necessidade de orientação de boas práticas desses cidadãos para manejo, cultivo, extração e consumo.
Segundo a Lei de Acesso à Informação - nós obtivemos esses dados da Anvisa, no dia 18 de maio de 2018 -, 4.617 brasileiros têm autorização de importação desses produtos. Foram 78 mil unidades de produtos importados até o momento. Mais de 800 médicos os prescrevem, de uma diversidade de especialistas, como o Tófoli pontuou, para uma diversidade de enfermidades. Houve 62 reações adversas relatadas e notificadas à Anvisa, sendo 10 delas classificadas como graves. Então, nós temos um universo de 78 mil unidades de importação e 10 classificações de eventos adversos graves, segundo o próprio dado que a Anvisa nos cedeu.
O custo de um extrato importado pode variar, em média, de R$375 a R$7 mil por mês, sendo um tratamento bastante distante da realidade do cidadão brasileiro. Como eu ressaltei, em alguns dos produtos, a própria FDA aponta irregularidade na concentração, na composição desses produtos, alertando para algumas marcas cuja importação o Governo brasileiro permite. Há um desencontro do teor do produto e do que é alertado no rótulo.
Eu destaco aqui a necessidade da compreensão da classe médica e dos farmacêuticos para terem à mão uma ampla gama de produtos canabinoides, não apenas cápsulas e produtos isolados. Também têm de pensar e conhecer a utilização da matéria orgânica...
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO FILEV - ...da flor in natura. Essa é uma realidade mundial. A maioria dos usuários que fazem uso terapêutico o faz a partir da flor. Então, nós precisamos pensar em como regular isso.
A minha perspectiva é a de que, através de boas práticas, esses profissionais possam conduzir e orientar estas pessoas, agrônomos, médicos, farmacêuticos, a como produzir esses produtos de maneira menos danosa nas suas casas. Existe, evidentemente, como eu enfatizei, uma diversidade de produtos canabinoides. O Prof. Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fala "as maconhas" e não só um tipo de maconha. Existem maconhas com baixíssimos teores de THC, que não produzem efeito euforizante, enquanto outras, com altos teores de THC, são buscadas por quem faz uso social. As diferenças da planta, nas suas características macro e microscópicas, configuram, então, uma diversidade de possibilidades e também um desafio de se encontrar a cepa adequada para o seu tratamento, para a remissão dos sintomas e para o tratamento da enfermidade, mas se torna claro também o potencial terapêutico da maconha.
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Aqui nós temos um panorama de uma terapia milenar e de uso contemporâneo, que demanda uma necessidade de regulação. Eu enfatizo aqui o que está na nossa Constituição e também nas regulações tanto do Ministério da Saúde como do que a gente discute dentro dos Conselhos de Medicina e das área de saúde: o direito inalienável à saúde; o direito à escolha da ampla terapia; o acesso às informações idôneas; o protagonismo do paciente na escolha terapêutica, que é fundamental no ajuste da dose - dizem que o paciente pode ser seu próprio cromatógrafo, saber qual teor de canabinoides é adequado para aquela remissão dos sintomas - e na percepção da remissão desses sintomas.
Nós já temos um precedente jurídico, uma judicialização desses acessos, desses pedidos. Eu acho que o legislar, que é o que está na incumbência dos senhores, vai aumentar o acesso à saúde e ao tratamento, sem deixar apenas nas mãos dos juízes esse tipo de abordagem, que amplia o acesso a milhões de brasileiros, para que possam se beneficiar desse tipo de terapia.
Para finalizar, destaco a perspectiva do associativismo. O cultivo associativo tem diversas modalidades, mas pode fortalecer a troca de informações para boas práticas de cultivo; diminui os custos de produção; auxilia quem não pode ou não consegue produzir seu medicamento; diminui a probabilidade de interrupção do tratamento, com o acesso a cepas e genéticas variadas e específicas, de acordo com a sua enfermidade; facilita a troca de informação e produção de pesquisas; amplia o acesso a esses medicamentos; e reduz o dano associado ao mercado ilegal.
Aqui, para finalizar, eu destaco as iniciativas de associações que já existem no Brasil. Há uma dezena de associações espalhadas em todo o Território nacional que vêm, de uma forma ou de outra, tentando facilitar o acesso de pessoas enfermas a uma terapia que, embora milenar, é bastante promissora para a remissão dos seus sintomas.
A Cultive é a associação de São Paulo da qual faço parte, como membro.
Agradeço o convite e a discussão. Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada. Foi bastante interessante.
Passo a palavra agora à Margarete Brito, Coordenadora-Geral da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi).
Eu tenho uma dúvida: é cânabis ou Cannabis?
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O SR. RENATO FILEV - Os dois servem.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Os dois podem.
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - No Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa está grafado cânabis, com acento no primeiro "a", mas muita gente fala Cannabis, pelo uso.
O SR. RENATO FILEV - O Dicionário Houaiss permite as duas formas: cânabis ou Cannabis.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Cannabis sativa e Cannabis sátiva...
Eu vou falar Cannabis, então.
Com a palavra a Margarete.
A SRª MARGARETE BRITO - Bom dia a todos e a todas!
Primeiro, eu quero agradecer o convite à Senadora e parabenizar pela iniciativa do debate toda a Comissão.
Cumprimento toda a Mesa e me apresento. Eu sou Margarete, sou advogada, sou mãe da Sofia e da Bia. A Sofia foi quem me trouxe para esta luta. Eu me mantive na luta por conta de inúmeras injustiças que fomos vendo nesse caminho. Sou Coordenadora-Geral da Apepi e membro da Renfa e também, em 2015, considerada traficante internacional de drogas. É irônico, mas, pela lei, pelo fato de importar medicamento que estava na Portaria 344 da Anvisa, as ações eram consideradas tráfico internacional. Hoje em dia, a gente só faz tráfico nacional.
Pela Lei 11.343, art. 33, o ato de solidariedade de ajudar o próximo ainda é considerado tráfico de drogas. Então, esse é o principal motivo por que a gente precisa avançar e precisa fazer a regulamentação. A minha contribuição nestes dez minutos é exatamente isto: pensar e refletir sobre a necessidade de alterações que a Lei 11.343 precisa ter e sobre a questão do cultivo, da minha experiência pessoal e da minha experiência como coordenadora de uma associação, sobre a segurança, sobre como isso pode ser uma coisa tranquila, não um bicho de sete cabeças, como muita gente pensa que é.
Eu fui a primeira família brasileira a ter autorização para plantar maconha e fazer o remédio da minha filha em casa, porque, no finalzinho de 2015 e no comecinho de 2016, eu me desorganizei, fiquei sem o óleo importado e recebi um óleo por doação. Esse recebimento por doação é considerado, pela Lei 11.343, tráfico. Para a minha surpresa, o óleo artesanal funcionou, para a minha filha, melhor ainda do que o óleo importado. Então, em vez de outras pessoas correrem o risco, eu mesma resolvi aprender a plantar e a fazer o remédio da minha filha.
Esse é o cultivo, um cultivo pequeno, doméstico, que a gente tem em casa. É sempre importante mostrar, porque é muito diferente daquela imagem que a televisão passa da maconha prensada, no morro, cheio de armas em volta. É uma planta como qualquer outra planta, talvez não como qualquer outra planta, porque ela é toda envolvida de tanta polêmica, o que não deveria acontecer.
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Mostro a importância de haver uma regulamentação. Esse eslaide mostra que só foi possível essa oficina de cultivo dentro de uma universidade, levando uma planta, porque o meu cultivo era permitido. Então, em vez de ficarmos cheios de medo, de mito, quando temos uma permissão, quando fazemos as coisas dentro da legalidade, conseguimos informar, conseguimos tirar os riscos ao invés de aumentá-los. Então, para mim isso é muito simbólico, porque são várias mães, várias famílias que fazem o uso. Muitas delas plantam ilegalmente. Quando você tem as coisas dentro de um ambiente permitido, você consegue informar, consegue reduzir a insegurança e os danos.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Faço uma pergunta só: essas oficinas eram dadas para mães ou para outras pessoas?
A SRª MARGARETE BRITO - Para mães e famílias. Todo mundo que está de toquinha aí são mães, são famílias. Muitas delas já plantam, a grande maioria ilegalmente. Muitas já fazem o remédio dos filhos. Essa é uma parceria que a gente tem com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, um projeto de extensão, em que é possível essa ajuda, porque, pelo fato de eu ter o salvo-conduto num habeas corpus, a gente consegue avançar nessa questão da informação. Por isso, é importante a gente regulamentar.
Existe uma planta. Pela primeira vez na história, a gente consegue levar uma planta de maconha dentro da universidade, exatamente porque a gente não estava fazendo nada de ilegal.
Essa é outra oficina. A pergunta que a gente mais ouve é se é fácil fazer, se é seguro e se é de qualidade. Não é nenhuma inovação essa questão da extração alcoólica, é um processo feito com qualquer outra planta, não só com maconha. Se você perguntar a qualquer farmacêutico, ele vai dizer que esse processo de extração não é nada novo. Então, é seguro, sim, principalmente quando você consegue fazer dentro da legalidade, quando você consegue apoio, por exemplo, de uma universidade como a UFRJ.
Aqui temos até o e-mail para quem quiser entrar em contato.
Esse é um protocolo que a Profª Virgínia, coordenadora do projeto, fez dessa planta. Essa planta, a Harle-Tsu, é uma planta rica em CBD. Através dessas oficinas, nós conseguimos fazer um protocolo para haver uma padronização básica.
Esse eslaide é para mostrar que esse óleo artesanal que todo mundo questiona pode ter qualidade melhor inclusive até que os importados, em que a gente paga uma fortuna, quando a família pode pagar.
A gente quer fazer um comparativo do óleo artesanal com o óleo importado. Sem falar da questão do custo e do controle de qualidade, uma informação muito importante que a gente vem trazendo é sobre o sistema endocanabinoide. O sistema endocanabinoide é como uma digital, como a Cidinha falou outro dia: cada pessoa tem o seu. A medicina canábica, eu acredito que, com o avançar das pesquisas, a gente vai chegar a essa conclusão de que pode ser uma medicina personalizada. Então, a vantagem da regulamentação do cultivo se dá muito por isso.
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Na experiência que a gente tem com os nossos filhos e com as famílias, a gente vê que, com a possibilidade de achar a sua planta certa, a sua cepa certa, talvez você consiga alcançar uma terapêutica mais adequada. Então, eu acho que esse é um ponto muito importante de que a gente precisa falar quando a gente fala da permissão do cultivo domiciliar, doméstico.
E se a gente continuar como está? Quem não tem condição? Como plantar sem semente? E qual a opção do cultivo associativo? Eu acho que este projeto de lei é uma iniciativa muito bacana, mas a gente tem de avançar no debate. A gente não tem como falar de regulamentar o cultivo individual e doméstico sem a gente falar da importação de semente. Como aquela pessoa que tem uma receita médica e que agora pode plantar em casa vai obter a sua muda? Como ela vai obter a sua semente? Ela não consegue fazer isso se ela não fizer uma associação com o tráfico, porque, se eu der para outra pessoa uma planta, uma semente, ela, necessariamente, estaria cometendo um crime de tráfico.
Também é importante dizer que muitas famílias, embora tenham boa vontade e queiram plantar, não têm espaço, não têm tempo. É importante a gente avançar no debate da questão do cultivo associativo. É muito importante que seja permitido esse cultivo associativo, que já existe, que é um fato social. Então, a gente precisa pensar na questão da regulamentação também do cultivo associativo.
Isto aqui é um exemplo de quando é proibido e de quando é permitido.
Em João Pessoa, a Abrace Esperança é coordenada pelo Cassiano, que, numa das audiências públicas em Brasília, na época do Senador Cristovam Buarque, saiu preso.
(Soa a campainha.)
A SRª MARGARETE BRITO - Hoje, ele é coordenador da primeira associação do Brasil que tem permissão para plantar. Hoje, eles atendem mais de 800 pacientes e estão conseguindo melhorar os produtos cada dia mais. Tudo por quê? Porque não faz dentro da ilegalidade. A ilegalidade só traz para a gente prejuízo. Eles conseguiram agora fazer um convênio com a Universidade Federal da Bahia para a ampliação do cultivo para pesquisa. E, pela primeira vez na história no Brasil - mais uma vez, é importante repetir que é porque não é proibido -, eles conseguiram aprovar no Conselho de Ética e Pesquisa um teste clínico com o óleo artesanal. Então, isso é muito importante.
Ao contrário disso, a proibição gera um comércio informal de óleo medicinal. Então, recentemente, foi preso um dos companheiros que fornecem e atendem a um mercado, a uma demanda que existe dentro do País. Ele foi preso e, depois, enfim, já não está mais preso, porque é um caso de uma associação já constituída que fornece para pacientes.
Sempre quando a gente ouve o outro lado, a gente escuta dizer que existem interesses, fala-se em George Soros, na indústria, dizendo que existe o interesse da indústria, que quer legalizar a maconha, porque vai dar lucro, pois é um mercado bilionário. A gente tem de prestar muita atenção quando a gente ouve isso, porque também houve interesse financeiro na proibição. Então, é importante a gente pensar nisso.
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Aqui, esse eslaide é para mostrar que muitas das nossas crianças utilizam a Cannabis para fins terapêuticos porque estavam quase morrendo com o fenobarbital, estavam com o cabelo caindo, estavam moles. Essas crianças tomam 400 milhões de remédios que acabam com a saúde. Então, quando a gente fala dos perigos da maconha, a gente também tem de pensar nos perigos dos outros remédios que essas crianças tomam. A gente nunca pode esquecer isso.
Meu tempo acabou. Então, esse eslaide é só para a gente pensar também no interesse da proibição.
Aqui, eu acho que o Renato Filev já falou muito bem do uso milenar.
Esta aqui é a redação da Lei 11.343. De um lado, o que a gente considera como solidariedade a Lei 11.343, no seu art. 33, considera como tráfico. Então, a gente mostra aí a importância da regulamentação.
Eu termino - esta é a minha filha linda -, lendo aqui: "A desobediência civil é um verdadeiro fundamento da liberdade. No caso do uso terapêutico da maconha, obedecer a essa lei vigente e injusta é ser desumano. Por isso, seguiremos plantando e ajudando o próximo. Precisamos que sejam regulamentadas todas as formas de acesso!"
Gente, muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada.
Eu quero também agradecer a presença do Deputado Federal Antonio Carlos Mendes Thame, da cidade de Piracicaba, do PV, de São Paulo.
Agora, vamos ao último depoimento, que é o da Cidinha Carvalho, Presidente da Cultive - Associação de Cannabis e Saúde.
A SRª CIDINHA CARVALHO - Primeiro, eu quero agradecer à Senadora Marta pelo convite e também pela sua coragem em pedir vista do relatório do Petecão, quando ia ser engavetado, e transformar num projeto de lei.
Senadora, peço, como mãe e como representante de várias famílias de pacientes, que a Senadora continue com um olhar de mulher, de mãe e de uma autoridade em que estamos depositando muita esperança de que haja o prosseguimento desse projeto.
Eu sou mãe da Clárian, que é portadora da síndrome de Dravet, uma epilepsia severa, com risco de morte súbita. Eu também sou membro da Cultive - Associação de Cannabis e Saúde, em que o Dr. Elisaldo Carlini é o nosso Diretor.
Antes de começar, eu só queria mostrar para vocês, rapidamente, um vídeo com alguns relatos de outras patologias, além da epilepsia, que é conhecida por todos.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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A SRª CIDINHA CARVALHO - Essa é a Clárian, que toma óleo há quatro anos, um óleo artesanal. No início, ela começou com um importado. Na época, paguei US$500. Eu não tinha condições de continuar com esse tratamento. A minha luta começou em julho de 2013, quando vi o caso da Charlotte Figi, com a mesma síndrome da Clárian. Desde então, a Clárian vem tomando óleo artesanal, e as crises diminuíram 80%. A minha filha não corria, não subia escada sozinha, não pulava. Hoje, ela pula, corre, sobe escada sozinha. O cognitivo melhorou incrivelmente, o equilíbrio dela melhorou muito, assim como o tônus muscular. Minha filha não tinha sudorese desde bebê, o que é uma característica da síndrome de Dravet, e, com quatro meses tomando óleo, minha filha começou a transpirar. Minha filha já teve várias paradas respiratórias convulsionando, por ser uma epilepsia severa, e uma parada cardiorrespiratória. A nossa vida era só hospital. Faz quatro anos que ela toma o óleo, faz quatro anos que eu não sei mais o que é um pronto-socorro.
Eu e o meu marido temos o habeas corpus. É até contraditório você dizer que você tem um habeas corpus para você não ser presa, porque você está plantando, cultivando uma planta para tirar a sua filha do risco de morte. É praticamente uma inversão de valores. Enfim, por falta da regulamentação, a lei pede isso.
Quando nós começamos, na verdade, nós dependemos de uma rede para, assim como o Renato Filev falou, nós obtermos o clone com uma genética específica, até mesmo para testar outras espécies, até encontrar a melhor resposta, para obter melhores práticas de cultivo, para obter melhores práticas de extração de óleo. A farmacêutica Renata nos instrui com a extração do óleo, para obter a melhor prática nisso, e com a purificação do óleo.
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Por que estou dizendo isso? Porque, embora o autocultivo seja de extrema importância, o cultivo associativo não está incluído nesse projeto de lei. Tudo isso que eu e meu marido tivemos com essa rede de pessoas é o que cultivo associativo oferece. Ele dá todo o respaldo para as pessoas nas melhores práticas de autocultivo e de tudo que eu já citei, também fazendo a inclusão das pessoas que já são excluídas justamente pelo limite físico, por causa da sua patologia, pelo limite físico de espaço, como a Margarete falou. Há muitos casos de mães em que os maridos, ao verem um filho especial, acabam abandonando a casa, e essas mães têm de fazer papel de pai e mãe e ainda trabalhar fora, cuidando do filho. Elas não têm tempo nem estado psicológico para isso.
Então, o cultivo associativo acaba sendo abrangente, incluindo aqueles que realmente estão excluídos. Hoje, a maioria, mais de 90% dos pacientes, está sendo excluída por causa do alto custo e pelo fato de o importado não oferecer várias opções. O autocultivo é muito importante. Por quê? Porque você tem de saber a cepa que você está dando para seu filho, justamente para você dar continuidade se obtiver uma boa resposta ou, então, se você não obtiver uma boa resposta, para você testar outras cepas até você encontrar a melhor resposta.
Fora isso, o cultivo associativo faz um trabalho de redução de danos, o que hoje a Cultive já faz e várias associações já fazem. Inclusive, nós mesmos da Cultive damos cursos para as mães que chegam ali até mesmo cheias de preconceitos, com o preconceito até mesmo de falar a palavra "maconha". Dizem: "Não posso falar maconha." Então, falam Cannabis. E até mesmo não se pode dizer que é CBD, porque não é só CBD, mas são todas as substâncias que estão juntas, e todas elas agem em um efeito comitiva. Quando usei a artesanal com a minha filha, quando, depois, mudei para o artesanal, realmente, foi uma mudança incrível, pois, até hoje, estou vendo avanços na minha filha. Minha filha está começando a se alfabetizar, o que antes era impossível.
Além disso, esses pacientes que realmente não têm condições de importar acabam recorrendo à ilegalidade, como a Margarete citou, sem saber nenhuma procedência do óleo, porque acaba sendo um pouco mais barato que o importado - eu até diria que nem tão barato. O associativo pode oferecer uma forma democrática, com baixíssimo custo.
A indústria farmacêutica já está aí. Nós queremos um acesso democrático. Um acesso democrático é ter uma livre opção de escolha e ter essa escolha respeitada. A indústria farmacêutica não precisa de luta. Nós estamos aqui na luta, para que todos tenham esse acesso. Só que é muito triste saber que ela já chegou dentro da luta, enriquecendo-se cada vez mais, com tanta dor, com tanto sangue derramado. E essas dores continuam. Por quê? Porque ela não contempla todos os pacientes que necessitam.
O que eu tenho a dizer é que nós que estamos cultivando com autorização ou não só estamos exercendo nosso direito legítimo à saúde diante de uma lei omissa. A regulamentação é extremamente necessária, é emergencial, mas de forma ampla, de forma que possa...
(Soa a campainha.)
A SRª CIDINHA CARVALHO - ...incluir todos, com o autocultivo e com o cultivo associativo. Eu até acabei resumindo um pouco, justamente por causa do tempo. Nós estamos tão à deriva, que hoje a lei que nós temos não nos protege, e o que nós precisamos é disto: uma lei que nos proteja, que não nos trate da mesma forma que trata o traficante. É assim que nós estamos sendo tratados e vistos pela lei.
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Com isso, eu aproveito para mostrar para vocês que a planta que está sendo julgada está aqui: eu planto no quintal da minha casa. Está nesse óleo, nesse vidrinho. A minha filha toma 12 gotas, duas vezes ao dia, o que a tirou do risco de morte, trouxe todos esses avanços para a minha filha, trouxe qualidade de vida para a minha filha e para a família inteira.
Então, eu aproveito para entregar às mãos da Senadora um pedido, uma minuta, pedindo uma emenda para incluir o cultivo associativo.
Obrigada, Senadora. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Eu lhe agradeço.
Agradeço à Cidinha, que foi meu primeiro contato com o problema. Nós ficamos um bom tempo conversando, e, quando ela terminou de explicar, eu falei: não tenho nenhuma dúvida de que a gente tem de ir atrás disso. Eu não tinha ideia da dimensão do benefício que nós poderíamos ter e de toda a situação que foi muito bem descrita aqui. Vocês podem ter a certeza de que vou tentar fazer o melhor.
Eu tenho agora algumas questões que me ficaram, que fui anotando em papeizinhos aqui. A partir da fala, eu já tinha entendido que o cultivo associativo tem de estar presente na lei. Agora, a gente pode fazer uma lei que é mais genérica, simplesmente autorizando a plantação para uso medicinal, e aí a regulamentação fica para o Ministério da Saúde, para a Anvisa e tal, ou a gente pode introduzir alguns parâmetros do que a gente acha importante - quando eu digo "a gente" são vocês, que trabalham nessa área. Essa é uma das questões que já está colocada para todos. Eu gostaria de saber o que vocês acham.
Depois, uma das coisas que eu aprendi quando comecei a ler sobre isso é a riqueza das cepas da Cannabis. Pode haver uma cepa muito boa para epilepsia, mas pode haver outra cepa ainda melhor para epilepsia. Como fazer isso, essa "experimentação", entre aspas? Ou seja, você planta e aí vai experimentando o óleo que você faz para diferentes cepas, e cada paciente vai ter de experimentar como é. É isso?
A SRª CIDINHA CARVALHO - O que nós sempre instruímos primeiro é sempre começar com alto CBD e menos THC, que é esse que eu cultivo para minha filha.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - É o mais geral e depois o mais específico. É isso?
A SRª CIDINHA CARVALHO - A gente fala que é o que tem menos THC. Por quê? Porque o THC, em alta dose, pode dar algum efeito psicoativo. Então, até mesmo para não ter um mal-estar, a gente sempre indica começar com o mais alto CBD e com menos THC.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Então, chegamos a uma questão: se a gente permite o uso associativo medicinal, talvez tenha de haver alguma regulamentação, para não acontecer esse tipo de coisa. Entende?
A SRª CIDINHA CARVALHO - Senadora, o problema é o efeito psicoativo. Os anticonvulsivantes dão efeito psicoativo. A minha filha ficava dopada com vários anticonvulsivantes.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Entendi.
A SRª CIDINHA CARVALHO - Além de ficar dopada, ela teve até intoxicação medicamentosa e ficou sem andar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Entendi. Os remédios são piores do que a Cannabis ou a experimentação de como chegar ao melhor.
A SRª CIDINHA CARVALHO - Exatamente.
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Há outra coisa: quem orienta o paciente? Por exemplo, se a pessoa tem uma pessoa da família que precisa, ela vai a que tipo de médico?
A SRª CIDINHA CARVALHO - Isso depende da patologia. Se for algum problema neurológico, a gente indica um neurologista que já tenha conhecimento com a Cannabis terapêutica. Se for alguém que está com câncer, a gente indica algum oncologista que também tenha esse conhecimento.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - É sempre o mesmo médico da área referente à doença que a pessoa tem?
A SRª CIDINHA CARVALHO - Nem sempre.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Mas ele pode não achar que é bom. Vocês têm indicações? Como é feito isso?
A SRª CIDINHA CARVALHO - Nem sempre, porque há médicos também que... É a mesma coisa. Há médico que já receitou para mim topiramato, que é anticonvulsivante, para emagrecer. É o off label, como é chamado na medicina, que ele pode prescrever para outras patologias se ele achar que pode ter o mesmo resultado. Ele está amparado pela lei. Alguém me corrija se eu estiver errada.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª CIDINHA CARVALHO - Isso.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Eu vou deixar agora... As perguntas que eu tenho são muito vagas. Nós vamos ter de aprofundar mais isso. Nós temos de buscar um medicamento que seja eficaz, que tenha qualidade, que tenha segurança e que tenha bom preço. Esse tem de ser o norte do que a gente vai fazer. E como garantir tais fatores em um ambiente com alto cultivo? Essa é uma das questões sobre a qual eu também gostaria de uma reflexão. Como garantir que as plantas cultivadas e seus extratos terão seus princípios terapêuticos desejáveis e com o mínimo de risco e de efeito colateral? Acho que a senhora colocou muito bem que não tem nada contra a empresa, o laboratório. Que façam os remédios em laboratório e que a gente tenha a opção para a pessoa poder fazer o seu cultivo legalizado ou comprar o remédio!
Eu tenho dúvidas de como será feito isso, no sentido... Só de falar do que nós começamos a discutir, os laboratórios estão muito acesos em fazer isso. Ninguém tem nada contra o laboratório.
A SRª CIDINHA CARVALHO - Sim.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Mas tenho muito receio de o mercado ser invadido por um monte de pílulas mágicas e coisas do tipo. Acho que a Renata vai poder falar um pouco sobre isso.
São muitas dúvidas ainda. Eu vou dar... Que hora nós temos agora?
A SRª MARGARETE BRITO - Eu posso só falar uma coisinha?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Acho que posso dar cinco minutos para cada um, para voltar a fazer suas considerações. Quer começar?
A SRª MARGARETE BRITO - Eu queria só falar uma coisa.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Comece, então. São cinco minutos, Margarete.
A SRª MARGARETE BRITO - Sempre que ouço essas várias dúvidas, penso na diferença entre um ambiente de proibição e um ambiente onde isso seja permitido. Quando você pensa em uma regulamentação, começa a haver pesquisadores, você começa a ter mais informação. Então, por exemplo, em relação às dúvidas, nos países onde é regulamentada, existe determinado número de cepas que são estudadas para determinadas doenças. Para dores, por exemplo, no Canadá - alguém, de repente, que tenha mais conhecimento pode me corrigir, se eu estiver errada -, há quatro ou cinco cepas já muito estudadas para a dor, há outras que são estudadas e que funcionam melhor para epilepsia, há outras calmantes, há outras para pessoas que precisam de um pouco mais de energia.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - A gente não precisa criar a roda, não é?
A SRª MARGARETE BRITO - A gente não vai inventar a roda. Então, sempre a gente tem de pensar que, quando a gente tem a regulamentação, a gente vai ter informação. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Quer começar?
Com a palavra o Dr. Renato Filev.
O SR. RENATO FILEV - Eu queria comentar algumas coisas. Uma é sobre essa questão da regulamentação, se se insere na lei ou se deixa para a Anvisa regulamentar. As convenções internacionais nas quais a Anvisa se sustenta para regular a Cannabis nunca proibiram o acesso para finalidades terapêuticas ou científicas, para finalidades de pesquisa, e até hoje não foi regulamentado. Eu temo que isso aconteça também se a gente deixar na mão da autarquia, para que ela o faça.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Deixe-me fazer um comentário: eu soube que o Presidente da Anvisa agora está muito debruçado sobre essa questão. Eu gostaria que a Renata depois mencionasse. Ele vem à Comissão para falar de outros assuntos, mas certamente...
(Interrupção do som.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP. Fora do microfone.) - Já concluiu?
O SR. RENATO FILEV - Perfeito. Não, ainda não, desculpe-me.
Então, eu endosso a colocação da Margarete. A gente tem de pensar em como garantir a padronização dentro de um cenário regulado. Não adianta a gente pensar em tentar garantir a regulamentação em um cenário em que o produto é ilícito. Então, a partir do momento em que ele for colocado dentro de um cenário legal, vão se criar as oportunidades de se garantir essas padronizações de acesso a uma cepa com genética garantida, estável, e a produtos que permitam o cultivar atingir a sua capacidade máxima e adequada.
Existem alguns estudos na comunidade acadêmica que apontam que existem aproximadamente sete clusters, ou sete agrupamentos, de variáveis de maconha. Então, embora haja uma ampla diversidade de perfis de canabinoides diferentes em cada cepa, em cada variável, existem esses agrupamentos. Então, em um cenário em que a pesquisa é facilitada, em que há uma regulação do produto, obviamente novas pesquisas serão feitas também. Mas, a priori, de ponto de partida, a gente já tem algumas informações que mostram que as variantes, as cepas, se agrupam em sete perfis. Então, esse já seria um ponto de partida.
É importante destacar que cada enfermidade vai precisar de um perfil de canabinoides, mas também de uma via de administração. No caso da epilepsia ou no caso do Parkinson, por exemplo, a pessoa pode tomar por via oral um extrato com canabinoides concentrados, mas, em momentos de crises, de espasmos, ou na crise convulsiva, ela pode lançar mão de outro produto - pode vaporizar ou aplicar um spray intranasal -, de alguma coisa que a tire daquele cenário agudo, daquele quadro agudo. Como são doenças crônicas, você pode aumentar o teor de canabinoides no plasma, no sangue dessa pessoa, através da via oral, mas pode também lançar mão de produtos que possam retirá-la de um momento de crise. E, para cada uma, pode ser um perfil de canabinoides específico.
A clínica dos fitoterápicos não é uma clínica tão amplamente divulgada e conhecida como a clínica dos alopáticos. A gente precisa também trabalhar em uma educação permanente, para que profissionais da saúde saiam com essa especialidade, com esse conhecimento e know-how de trabalhar com fitoterápicos para a terapia dessas enfermidades.
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Obrigada.
Agora vem uma pergunta... Eu acho que, quanto menos a gente engessar um projeto, é melhor. Ao mesmo tempo, tem de haver bastantes garantias.
Essas questão de que são seis cepas que são...
O SR. RENATO FILEV - Sete.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - São sete cepas para diferentes doenças. Por exemplo, uma coisa desse tipo... Seria interessante incluir na fabricação, por exemplo, por indústrias, uma coisa assim, ou deixar mais livre? Na hora em que você limita, há uma vantagem, porque você limita e sabe que vai ser fabricado o que é importante realmente. Só que a gente sabe o que é importante realmente hoje, mas amanhã se pode descobrir outra coisa. Então, você engessa, e fica péssimo. Então, é melhor deixar mais vago isso, não é?
O SR. RENATO FILEV - Posso complementar?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Pode.
O SR. RENATO FILEV - Na verdade, são sete agrupamentos de cepas, mas, assim como é a característica dos cultivares, fazer a associação de dois tipos diferentes, de duas variáveis diferentes, é muito comum. Então, existe uma infinidade, milhares de tipos de maconha. Esses agrupamentos tornam o perfil bioquímico dessas variedades semelhante, mas existe uma possibilidade muito maior do que só sete perfis.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - A minha preocupação - já estou percebendo que, em um projeto de lei, talvez, a gente não devesse colocar - é: como impedir a proliferação de remédios através da Cannabis que não vão servir para muita coisa? E também nós sabemos que, por exemplo, o cultivo vai ser só com receita médica; o remédio por farmácia também vai ser com receita médica. Mas, depois, acho que a Renata, da Anvisa, vai poder falar mais.
Renata, você já não quer falar? Depois, fala o Dr. Tófoli.
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA - O.k.! Realmente, a gente precisa enquadrar bem aquilo de que a gente está tratando. Vou tentar aqui ajudá-los.
Pelas demandas que vêm sendo apresentadas, por exemplo, cultivo em associações ou cultivo doméstico, esse tipo de cultivo, de fabricação ou de elaboração de medicamento não se assemelha à elaboração de medicamento no âmbito industrial. De fato, não há evidência ou referência que possa dar à Anvisa a segurança de dizer que eles serão iguais ou serão seguros da mesma forma. Quero deixar claro que a gente nunca vai chegar a esse patamar. O que a gente está discutindo aqui, possivelmente, é uma regulação específica, porque se a gente vai à seara do que existe hoje... Aí vou colocar um pouco dos desafios dentro da Anvisa, independentemente de isso ser proibido até - esta é uma limitação para qualquer fitoterápico. Existe a Lei nº 6.360, que diz que o medicamento tem de ter registro para ser distribuído. Nesse lugar, a gente se esbarra, e é onde está a limitação, por exemplo, para regular o uso medicinal de um produto que nunca teve um estudo clínico. Essa é uma dificuldade legal que eu acho que pode ser, sim, tratada no âmbito desta Casa.
O que outros países fizeram - por exemplo, o Canadá - foi estabelecer uma política para a Cannabis especificamente, por meio de uma lei que deu o mandato para o Health Canada, que, aí sim, é a autoridade reguladora, para regular aquilo, mas ele trouxe alguns parâmetros, e esses parâmetros é que destravaram algumas outras questões.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA - Exatamente.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Então, imediatamente, vamos procurar a lei no Canadá para aprofundar.
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA - Eu acho que a gente pode se colocar à disposição também para fazer uma discussão mais técnica, com mais detalhes.
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Eu acredito, sim, que a lei teria de trazer alguns parâmetros que destravem essas questões legais, que já são existentes, porque existem outros fitoterápicos também que estão aí e precisam cumprir com todas as outras regras, que são o registro, o estudo clínico. Então, a gente precisa fazer uma legislação específica para a Cannabis, para dar esse mandato legal. É preciso dizer assim: o.k., para a Cannabis, é possível fazer a fabricação num ambiente em que não haja todos os requisitos, por exemplo, de uma indústria farmacêutica, mas em que haja requisitos mínimos de segurança para uma administração, para a parte clínica mesmo. Israel fez isso, tem guias clínicos para isso, mas eles foram todos subsidiados por uma lei, por algo legal, que deu à autoridade reguladora isso.
Então, esse é o maior desafio da Anvisa. A gente consegue, sim, regular, por exemplo, o cultivo, mas só para aquilo que é lícito hoje, para o que é possível hoje. E hoje o que a gente encontra na legislação é medicamento registrado. Então, eu não consigo avançar muito por conta da legislação, da Lei 6.360. Eu acho que é mais ou menos esse o cenário.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Ajudou muito, porque eu acho que, a partir daí, a gente já sabe o enfoque em que a gente tem de caminhar.
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - Eu vou aprofundar um pouquinho aqui as reflexões a partir do que a Renata falou e, enfim, do que todos falaram.
Eu acho que é importante termos em vista o quanto isso é peculiar nesse caso. Nós estamos falando de algo, como o Renato falou, absolutamente tradicional, antigo. Já há relatos de maconha tendo efeito para controle de epilepsia no século XIX, o que fazia parte de um guia, o chamado Chernoviz, se eu não me engano, de medicina popular. As pessoas tinham muita dificuldade de acesso ao médico no século XIX. Então, eram muito populares livros que faziam diversos tipos de receitas, de tratamentos, inclusive até como arrumar uma fratura, colocar no lugar e tudo isso. E lá estão descritos historicamente vários usos, inclusive, de tipos diferentes de Cannabis. Nós estamos falando de algo que já fazia parte da farmacopeia dos nossos tataravós e que agora se assemelha, de certa forma, à aloe vera, à babosa, ao guaco, que alguém pode plantar em casa, mas, ao mesmo tempo, é um psicotrópico vetado por convenções internacionais. E todo o ambiente da proibição da maconha recreativa, o seu impacto no encarceramento - e isso tem também problemas para a saúde -, isso afeta toda a história. Por que não temos pesquisa para isso? Porque o ambiente não permite fazer pesquisa com tranquilidade.
E nós estamos falando de algo que foi moldado pelos seres humanos. Há maconha que não tem nada de psicoativo, que é o cânhamo, usado para fazer fibra, e há várias maconhas com efeitos diferentes, dependendo do que vamos usar do ponto de vista terapêutico ou social. O Sidarta Ribeiro gosta de dizer que a maconha é como o cachorro: foram desenvolvidas raças, há raças assustadoras, mas há o pequinês, há o poodle, há os cães de companhia. Moldamos essa outra espécie, da mesma maneira que moldamos a espécie Canis lupus familiaris.
Como transferimos isso para a lógica da Anvisa, que foi montada dentro de uma estrutura para dialogar com a indústria farmacêutica basicamente? Eu, por exemplo, faço pesquisa com uso terapêutico de psicodélicos, basicamente a ayahuasca. Para eu conseguir os reagentes de que eu tenho necessidade para fazer algumas análises simples, eu tenho de pagar taxas; sem nenhum interesse de medicamento específico, de ganhar dinheiro com isso, eu preciso pagar as mesmas taxas que a indústria farmacêutica paga para poder ter os reagentes. Então, isso está dentro da própria estrutura de como a Anvisa foi montada. E não é uma forma de falar mal de quem trabalha na Anvisa, mas de entender como ela é regulada. A partir daí, é muito importante que essa lei, ao sair, dê esta oportunidade de certa garantia de que vá funcionar não pela lógica única da indústria farmacêutica. Eu acho que esse é o ponto. Nada tenho contra existir indústria farmacêutica dentro desse processo, isso é extremamente fundamental e importante, mas é fundamental, talvez mais ainda, que proporcione formas de autocultivo, de cultivo compartilhado e de acesso.
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Por outro lado, fico pensando que não dá para deixar também como no caso da Lei de Drogas, a Lei 11.343, se eu não me engano. Ela diz: o plantio, para fins científicos, vai ser regulamentado pela agência responsável, que é a Anvisa. E está aí. A lei tem dez anos, e isso não foi regulamentado. Agora, por um movimento dentro da Anvisa, pressionada pela sociedade, a Ansiva começa a fazer essa regulamentação do plantio para fins científicos. Então, é importante haver também... Não sei como isso se coloca dentro da lei - vocês é que são especialistas em fazer lei -, mas é preciso pressionar para que não se fique esperando que dez anos se passem para que isso seja regulamentado. Essa é uma preocupação que eu tenho.
(Soa a campainha.)
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - Para concluir, falo na questão da receita médica. Eu queria só lembrar que, em alguns casos, em alguns países, a maconha medicinal também funciona não unicamente com receita médica. Há alguns países que consideram a possibilidade de o próprio indivíduo decidir se ele adquire e usa a maconha medicinal por conta própria. Eu sei que isso é polêmico, mas eu só queria trazer que existem algumas leis em alguns países que funcionam desse jeito. Não sei como é que isso pode ajudar dentro da questão das famílias, mas acho que valeria a pena olhar essas leis, como elas funcionam em outros países.
É isso.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Obrigada. Nós precisamos olhar. Precisamos pensar em tanta coisa, inclusive na possibilidade de isso tramitar. Esta é uma Casa em que esse assunto ainda é um pouco um tabu. Então, precisamos fazer isso de forma que possibilite a todos, mesmo os que têm um pouco o pé atrás, entendendo melhor o que é e vendo uma regulamentação bastante cuidadosa, que se sintam à vontade para votar.
Eu vou ler. Eu não li ainda, gente. Acabou de chegar um monte de perguntas do e-Cidadania. Eu não sei o que vai aparecer aqui, mas vou ler, porque acho que está bem interessante haver tanta pergunta.
A primeira pergunta é feita à representante da Anvisa.
Eu vou fazer todas as perguntas, e depois vocês comentam.
Diz Daniel Ribeiro Grijo, do Paraná: "O art. 28 da Convenção de Entorpecentes de 1961 diz: 'A presente Convenção não se aplicará ao cultivo da planta de Cannabis destinado exclusivamente a fins industriais (fibras e sementes) [...]'. Por que esse tipo de cultivo é proibido?"
Eu acho que aqui até nós comentamos um pouco, mas podem falar mais.
Há outra pergunta desse cidadão: "Por favor, não se esqueçam de nós, [que somos os] pesquisadores. A autorização para universidades também é superimportante!"
Eu tinha acabo de escrever aqui como inserir diminuição de taxa ou isenção de taxa para insumo ou para pesquisa.
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA (Fora do microfone.) - Já se está propondo isso.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Já se está propondo?
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA (Fora do microfone.) - Há um projeto de lei...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Então, no projeto de lei, já podemos inserir isso.
A SRª RENATA DE MORAIS SOUZA - ...para se retirar a taxa. É uma proposição, inclusive, da nossa gerência para a parte de pesquisa. A gente sabe que é...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Nós podemos inserir isso ou fazer isso paralelamente, porque ficou muito claro que isso vai precisar ser feito.
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Edri Alves de Almeida, também do Paraná, diz: "Enquanto se debate a regularização, pessoas morrem, outros entram em estado gravíssimo, outros têm de suspender o tratamento, outros são presos mesmo tendo a prescrição médica [como nós ouvimos aqui], outros morrem nesta guerra sanguinária, falida, que só interessa aos poucos que lucram com ela."
Edri Alves de Almeida - aqui só há pessoas do Paraná; não, mais atrás, há pessoas de outros Estados - também afirma: "Muitos pacientes não têm garantia de ter o remédio na hora em que precisam devido ao alto custo do produto importado. Nós já temos autorização judicial para que alguns pacientes possam cultivar suas plantas para fazer uso medicinal [...]". Isso é verdade, comentamos aqui, mas ainda é pouco.
Flávio Thozo, do Paraná, diz: "'A ignorância atravanca o progresso'. Boa sorte a todos! E que se mostre que ignorância é a proibição do autocultivo da planta. Chega de prender não traficantes à toa! Somos pessoas normais, não [somos] criminosos."
Jonas Rafael Rossatto, do Paraná, afirma: "Também acho que deve ser informado a todos os presentes que todo indivíduo pode optar pela homeopatia, por exemplo. Então, deve-se dar a liberdade a qualquer cidadão de optar pelo tratamento com Cannabis sem a necessidade de um especialista, valendo a liberdade individual!"
Diz Lívia Carvalho, do Rio de Janeiro: "A legalização da maconha pode ser o primeiro passo para a descriminalização das drogas. O enfraquecimento do crime organizado e o fim da falida política de guerra às drogas pouparão muitas vidas pobres, periféricas e negras."
Lívia, a mesma senhora do Rio de Janeiro, faz três observações: "A legalização da maconha só traz benefícios à população, aos pacientes que dela necessitam, à qualidade de vida e, muitas vezes, até à preservação da vida, à ciência, que poderá avançar em diversas possibilidades terapêuticas ainda não exploradas."
A mesma senhora afirma: "Não suportamos mais importar remédios para nossos filhos, que podemos fazer aqui, por R$1,5 mil, por R$2 mil, por R$3 mil por mês. [É um absurdo!] Temos pressa, e a vida dos nossos filhos não pode esperar."
Roberto RC, do Rio de Janeiro, declara: "Contra. Já temos muitas drogas. Falta de cultura política. A venda a menores e o uso de bebidas por eles já é tão comum, que, se liberar, passará para a veia social da sociedade. Até as crianças usarão. O que não é crime torna-se hábito."
Do Acre, Márcio Camargo Cordeiro diz: "Liberar apenas para fins medicinais precisará de ter controle rígido. Primeiro, a pessoa terá de ter um laudo médico comprovando a necessidade de uso, cabendo a um juiz proferir a decisão. Esse produto, maconha, poderá ser adquirido nas delegacias, onde um delegado fornecerá o necessário." Aí eu acho que já vai complicar um pouco.
Do Amapá, diz Mara Lúcia Costa Santos: "Se for para consertar o problema de saúde e não trazer danos para universos, se for para uso terapêutico, é um direito humano, então diremos sim [...]".
Da Bahia, Cláudia Bloisi Vaz Sampaio diz: "Esperamos que as pessoas que insistem na continuidade dessa proibição nunca tenham um filho que necessite desse tratamento, só assim verão que pode ser a última solução. Esse tratamento devia estar no serviço público de saúde, por ser barato e de fácil acesso. Liberação já!"
Joaquim Reis, da Bahia, diz: "Apoio essa causa. Minha filha, portadora de retardo mental e TEA, precisa usar esses medicamentos."
Douglas Sousa, do Ceará, diz: "Legaliza!"
Diz Ítalo Coelho de Alencar Sobreira, do Ceará: "Cannabis é remédio desde sempre. O uso terapêutico é um direito humano fundamental, assim como o uso social chamado 'recreativo', pois lazer, bem-estar e felicidade também são direitos humanos!"
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O Ítalo Sobreira, o mesmo senhor, faz mais duas observações: "Senadora, a regulamentação permitirá que as universidades públicas pesquisem e produzam os produtos da Cannabis como forma de controle de qualidade e democratização do acesso, assim como formar profissionais que possam assessorar as famílias a fazer o autocultivo."
O mesmo senhor pergunta: "Vai haver transmissão ao vivo?" Está havendo na internet, pode achar no YouTube depois. Procure na Comissão de Assuntos Sociais. Uma parte desta audiência foi transmitida ao vivo; depois, entrou outra comissão. Mas, inteira, ela está no YouTube para quem quiser ter acesso.
Rodrigo Bardon, do Ceará, faz duas questões: "Alguém pode passar um link para acompanhar ao vivo?" Veio tarde. "Será transmitida por algum meio?" Já acabei de explicar: pela internet.
Víctor Meyer, do Ceará, diz: "Excelente passo para que pacientes e suas famílias, muitas vezes sem condições financeiras para importar os remédios à base de Cannabis, deixem de ser taxados de traficantes. Viva o plantio e a regularização da Cannabis medicinal!"
Esta eu já li.
Há uma questão de um cidadão, via Alô Senado, que não quis dar o nome. Ah, deu o nome, sim! Liane Pereira, do DF. afirma: "Minha filha Caroline, de 8 anos, é portadora da síndrome de Dravet e tinha de 50 a 60 crises por dia, mas, após o uso da Cannabis terapêutica, essas crises foram zeradas. Estou torcendo pela descriminalização da Cannabis, pois esta traz qualidade vida."
Fábio Filgueira de Sousa, do DF, faz duas observações: "Legalizem o uso pessoal de Cannabis para fins terapêuticos"; "Legalizem o cultivo pessoal de Cannabis para fins terapêuticos". Aqui veio errado.
Mauro Machado Chaiben, também do DF, diz: "Precisamos incentivar a produção nacional e respeitar famílias que precisam desse medicamento. A possibilidade de associações é de extrema importância para abraçar as famílias que não possuem condições de cultivar seu próprio remédio."
Do Espírito Santo, diz Taís Nunes: "Sou a favor da liberação para o uso medicinal, tendo em vista os grandes avanços já provados através da ciência dessa substância como auxiliadora em alguns tratamentos. Sé é lícito adquirir livremente drogas como aspirina, paracetamol, entre outros, por que não liberar a Cannabis?"
Eu acho que eu já li todos.
A Srª Cidinha era a última que ainda não tinha se manifestado. Então, ela está com a palavra.
A SRª CIDINHA CARVALHO - Eu queria complementar. Houve até um dos comentários também dizendo que há, pela lei, algumas liminares.
Eu vou citar o exemplo de uma mãe, Maria Antônia, mãe de Wellington. Ele, que tem pouco mais de 30 anos, tem epilepsia severa e é totalmente dependente da mãe. A mãe ganha menos de dois salários mínimos. Ela tem uma liminar judicial para o Estado subsidiar o importado. Faz três anos, e o Estado o subsidiou apenas uma vez. Quer dizer, nessa situação, há vários pacientes que estão na Cultive, na nossa associação. Eles não podem esperar, não têm como esperar.
Essa mãe depende de doações. É o que nós fazemos: um grupo de mães ajuda outras mães, que, como a Margarete falou, correm risco, correm total risco. E nós nos ajudamos a tentar ter acesso não só a esse óleo, mas também às melhores práticas, porque todo conhecimento que nós estamos tendo partiu de baixo para cima; isso não se deu do médico para baixo, para a população, mas, sim, as mães é que acabaram buscando os conhecimentos.
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Quando eu comecei, em 2013, a primeira opção em que eu pensei foi buscar no tráfico, porque o estado da minha filha era desesperador, e eu poderia perdê-la a qualquer momento. Mas, antes disso, eu fui ler. Por quê? Porque o caso dela era muito delicado. Eu não conhecia nada da maconha. Eu tinha medo, de repente, de pegar uma substância, de ela entrar em parada novamente e de eu perdê-la por tentar acertar. Mas, antes disso, eu fui buscar isso.
Todas as mães estão buscando conhecimento, uma está compartilhando com a outra. Esse compartilhamento está sendo de baixo para cima, das mães para os médicos. E nós temos relatórios observacionais. Há quatro anos, a minha filha toma o óleo e faz exames periódicos, e não deu nenhuma alteração, mas, muito pelo contrário, só benefícios.
Também o que eu tenho a dizer... A Senadora perguntou: "Como vocês indicam?" A gente começa indicando realmente para tomar com mais CBD e com menos THC, mas isso não é regra de dose. Não há padrão de dose, porque cada um responde de uma maneira. Há muitas crianças com epilepsia que acabam não respondendo com mais CBD e com menos THC, que respondem com um por um, o mesmo THC e CDB, ou com mais THC e com menos CBD. Há uma resposta única para cada um. Então, o cultivo associativo, o autocultivo possibilita tudo isso.
De que nós precisamos? Hoje nós temos a UFRJ, e eu também enviei meu óleo para a UFRJ fazer os testes. Nós precisamos de mais laboratórios regionais, para que possamos ter esse respaldo, o respaldo associativo e o respaldo do autocultivo. O associativo já pode dar esse respaldo para o autocultivo. Há a possibilidade de parceria com os laboratórios regionais. Conforme os comentários que a maioria colocou, a regulamentação vai trazer tudo isso, até mesmo o encarceramento, que não está sendo debatido aqui, que não é o foco desse assunto, mas ela abrange todas as áreas. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada.
Eu gostaria de agradecer a cada um dos participantes, porque vocês ajudaram imensamente nessa gama de reflexões. Foi a primeira audiência em que a gente teve a ideia do desafio do problema. Nós já temos várias possibilidades por onde começar a trabalhar. Espero poder contar com cada um, na medida em que formos prosseguindo, e ter o compromisso com cada um, pois enviaremos o projeto de lei antes de ele se tornar público, para que cada um possa dar a sua contribuição, porque foram extremamente úteis.
Muito obrigada.
Está encerrada a audiência.
Recomeçaremos às 13h com outro tipo de discussão. Onde está? (Pausa.)
Eu quero saber o título oficial do que nós vamos discutir à tarde.
A 2ª Mesa, à tarde, vai tratar de educação. A gente está falando aqui da maconha para fins medicinais. Quando eu comecei a pensar na Mesa, conversando com várias pessoas estudiosas, começamos a falar do consumo da maconha pelo adolescente. Como está sendo? O que ocorre? Há malefício, de fato? Há algum benefício? E, se há malefício, como devemos prevenir? Então, essas informações, essas perguntas nós vamos discutir na Mesa às 13h. O título é "Educação para Prevenção e Ciência e sobre as Repercussões do Uso da Maconha na Adolescência".
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Virão aqui Gustavo Camilo Baptista, Diretor de Articulação e Projetos da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça; Felipe Felisbino, Coordenador-Geral de Educação Ambiental e Temas Transversais da Educação Básica, do MEC; João Paulo Becker Lotufo, Doutor em Pediatria pela USP e Representante da Sociedade Brasileira de Pediatria nas ações de combate ao álcool, tabaco e drogas; Alberto José de Araújo, pneumologista, membro da Comissão de Tabagismo do Conselho Federal de Medicina e da Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira; e Andrea Gallassi, Professora da Universidade de Brasília e Coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da UNB.
Concluídas as exposições, então...
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/MDB - MS) - Senadora, eu gostaria de me manifestar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Com enorme prazer, Senador Moka!
V. Exª tem a palavra.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/MDB - MS) - Quero cumprimentar a Mesa como um todo e dizer que este assunto só é polêmico porque falta informação. Eu acho que uma audiência como esta contribui para a informação.
Você fala no tratamento e no uso de Cannabis para fins medicinais. Eu sou médico, já vi crianças com crises epilépticas repetitivas e sei que realmente funciona. Não há como você negar isso. A dificuldade que você tem é exatamente esta: ou a pessoa importa, ou, então, como disse a Cidinha, vai acabar tendo de recorrer ao tráfico. Isso é uma coisa, quer dizer, é o extrato, é para fim medicinal. Agora, ao querer misturar isso com prazer, aí, Marta, eu acho que vamos acabar dificultando a aprovação de um projeto que traz tantos benefícios às pessoas que necessitam disso. Não adianta querer juntar isso e defender a liberação da maconha. Não há como! Aqui, não vai passar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Nós estamos a anos-luz disso. Eu concordo. Por isso, eu tirei a recreativa e coloquei focada na medicinal. V. Exª tem toda a razão. Agora, nós temos de nos unir. V. Exª tem uma importância enorme nesta Comissão; a sua fala está sendo ótima.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/MDB - MS) - Eu gostaria de terminar, Presidente.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Sim, eu só estou aplaudindo.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/MDB - MS) - A senhora não me deixa concluir.
Estou colocando isto aqui como alguém que quer contribuir. Eu, como médico, também sou obrigado a dizer isso. Já tive enormes discussões sobre isso. Não sei se há algum colega médico na Mesa.
Eu não sei o porquê, mas há gente que passa a vida inteira fumando cigarro e que para na hora em que quiser. São pessoas que não têm tendência a vício. Mas há gente que começa com a maconha e que não para na maconha. É difícil ver alguém que toma uma droga mais pesada que tenha iniciado por aquela droga mais pesada; normalmente, o início vem de drogas mais leves. Isso é discutido. E a população, sobretudo a pessoa que não tem informação, tende a achar que vão liberar a droga no País, e isso é uma coisa que não vai acontecer.
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Por isso, estou dizendo que nós temos de ter foco na discussão da liberação para uso medicinal, porque aí várias pessoas vão defender, como eu vou defender e vou dar o testemunho. Agora, não sou e não serei nunca favorável à liberação, porque as pessoas reagem de forma diferente. Essa é a verdade. Há gente que realmente fuma maconha a vida inteira, sem que isso lhe traga qualquer tipo de malefício, e que fica o tempo todo na maconha, mas há gente que não, que começa com a maconha e que vai parar nos opiáceos, no ópio, e não é pouca gente.
Então, acho que a forma de fazer evoluir a tramitação de um projeto como esse é a gente ter foco exatamente naquilo que está sendo discutindo aqui.
Eu, lamentavelmente, só pude ouvir a Renata e o Luís Fernando. Ouvi o Renato pela televisão. Eu não ouvi tudo. Mas eu achei que a contribuição, a audiência foi válida. Mas tenho, como médico, de me posicionar nisso. Eu já travei, como Deputado Federal, vários debates sobre isso. Na minha avaliação, não adianta insistir na questão da liberação. Pode ser que um dia se chegue a isso, mas, na população como um todo, a reação é negativa e acaba evitando que se aprove o projeto da regulamentação para uso medicinal. São coisas muito diferentes. Isso vai realmente trazer muito benefício, sobretudo para as crianças, não só para as crianças, mas principalmente para as crianças que têm crises epilépticas repetitivas.
Então, eu queria só colocar minha opinião.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Pois não. Nós estamos hoje bagunçando tudo aqui, mas pois não.
O SR. LUÍS FERNANDO TÓFOLI - Eu vou ser breve.
Senador Moka, o senhor tem toda a razão. Concordo com dois pontos fundamentais de que o senhor falou: a importância da informação, da informação de qualidade sobre um tema em que existe certa cortina de fumaça, se me permite o trocadilho; e o fato de que este projeto trata do uso medicinal, do uso terapêutico. Eu não veria como esse projeto poderia fazer de outra forma. Essa é minha opinião.
Entretanto, do ponto de vista da informação, é importante a gente lembrar algumas coisas também, porque nós médicos acabamos vendo esse lado que o senhor mencionou em que há diversos problemas. Existe uma tendência maior de vermos justamente isso que o senhor falou. Há uma potencialidade de progressão, que, hoje em dia - isso vai ser provavelmente falado na Mesa da tarde -, tem a ver com vulnerabilidades pessoais, tem a ver com vulnerabilidades sociais. Por vezes, focamos só na substância, mas, de fato, há essa possibilidade, embora seja a exceção dos usuários, como o senhor mencionou também. Há aqueles com os quais não acontece isso.
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Embora a matéria em pauta, a matéria em tela seja medicinal - e é isso que se está discutindo -, a gente não pode se esquecer da necessidade de discutir também esse outro campo, como o senhor falou, mais para frente, em outro momento, inclusive para clarear, porque tudo na cabeça das pessoas vem com esta palavra "liberação". Quando a gente discute políticas de drogas, a gente discute legalização, regulamentação pela legalização, descriminalização do porte - que é descriminalizar o usuário, que é outra coisa - e uso medicinal. E a imprensa, inclusive, coloca tudo como a mesma coisa: liberação.
Então, estou aproveitando o momento para a gente poder lembrar de aprofundar essas discussões também, para lembrar também que a prisão leva a danos à saúde, leva a danos à saúde mental também, enfim, para fazer uma problematização sobre isso, insistindo e reiterando que compreendo que este projeto seja um projeto vinculado ao uso terapêutico, com o que concordo.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/MDB - MS) - Eu concordo e é exatamente isso que eu quero dizer. Neste momento, eu acho que, se a gente realmente quer aprovar a Cannabis para fins medicinais, o foco, neste momento, tem de ser esse. Querer achar que as pessoas vão entender sem uma informação maior é realmente apostar, porque vamos ouvir discurso de que vai começar por aí, mas aí todo mundo vai plantar, aí de repente todo mundo vai querer consumir, e aí não vai haver fiscalização. Você conhece os argumentos.
Então, acho que nós temos de ter - para quem quer realmente ter uma opinião a respeito do uso para fins medicinais - um foco. Se a gente deixar cair para essa discussão neste momento, eu temo pela tramitação do projeto.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Eu acredito que nós discutimos todas as possibilidades de como deve ser esse projeto e temos clareza exatamente de como ele tem de ser delimitado, porque nós queremos que ele passe aqui e tramite bem, vá bem.
A partir das considerações do Senador Moka, eu também já tinha colocado que tem de haver um limite muito claro do que está sendo discutido e do que vai ser possível. Nós acreditamos que hoje demos um passo bastante importante.
Eu vou agora declarar suspensa a presente reunião e anuncio a reabertura para as 13h, neste Plenário 9, para darmos início, então, à nossa 2ª Mesa de Debates sobre "Educação para Prevenção e Ciência sobre as Repercussões do Uso da Maconha na Adolescência".
Até mais! (Palmas.)
(Suspensa às 11 horas e 22 minutos, a reunião é reaberta às 13 horas e 17 minutos.)
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Declaro reaberta a 24ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura do Senado Federal.
A presente reunião é destinada à instrução do Projeto de Lei do Senado nº 514, de 2017, que altera o art. 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para descriminalização do cultivo de Cannabis para uso pessoal terapêutico.
Daremos início à realização da 2ª Mesa de debates e trataremos de outro tema, que nada tem a ver com o da 1ª Mesa, em que houve a discussão em torno da Cannabis medicinal. Agora, nós vamos ter uma discussão sobre "Educação para Prevenção e Ciência sobre as Repercussões do Uso da Maconha na Adolescência".
Mais uma vez, relembro que esta audiência pública é interativa. As pessoas com interesse em participar com comentários ou com perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, pelo endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, pelo número 0800-612211.
Eu gostaria de ler um comunicado antes de começar a nossa audiência.
Comunicado nº 3.
Eu gostaria de reiterar a comunicação dos prazos para a apresentação de emendas à LDO. Já recebemos hoje algumas emendas de Senadores, mas temo que alguns não tenham escutado que temos um prazo curto. Essas emendas são para dispor sobres as diretrizes para elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2019 e para dar outras providências, conforme o seguinte cronograma. Prestem atenção!
A Casa está recebendo as emendas desde ontem, 19 de junho. O encerramento se dará no dia 22 de junho, que é a próxima sexta-feira. É um tempo muito exíguo, até as 6h. A deliberação das emendas da CAS será feita no dia 26 de junho, que é a próxima terça-feira, às 11h30. Temos de estar aqui presentes. Nós a antecipamos de quarta para terça porque achamos que seria mais prudente e porque tem de abrir uma reunião da CAS só para isso, pela lei. O Relator será o Senador Amorim.
Eu esclareço que as emendas deverão ser enviadas pelo sistema de emendas, e a via impressa deve ser assinada pelo Senador membro desta Comissão e entregue perante a Secretaria desta Comissão de Assuntos Sociais.
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Convido para compor a 2ª Mesa nossos ilustres oradores Gustavo Camilo Baptista, Diretor de Articulação e Projetos da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas do Ministério da Justiça - seja muito bem-vindo -; Felipe Felisbino, Coordenador-Geral de Educação Ambiental e Temas Transversais da Educação Básica do MEC - seja bem-vindo -; João Paulo Becker Lotufo, Doutor em Pediatria pela USP e Representante da Sociedade Brasileira de Pediatria nas ações de combate ao álcool, tabaco e drogas - seja bem-vindo, Professor -; Alberto José de Araújo, pneumologista, membro da Comissão de Tabagismo do Conselho Federal De Medicina e da Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira - seja muito bem-vindo -; Andrea Gallassi, Professora da Universidade de Brasília e Coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da UNB.
Nós aqui estamos estipulando dez minutos para cada conferencista e, depois, fazemos outra rodada com mais cinco, conforme o tempo nos permitir, para alinhavarmos algo que ficou não tão esclarecido.
Eu gostaria de dizer da importância desta audiência pública hoje e de repetir que ela é outro momento, bem diferente daquela realizada pela manhã. De manhã, nós trabalhamos para a instrução do projeto de lei para tornar possível a Cannabis de uso medicinal. Hoje estão vivendo uma dificuldade enorme os milhares de cidadãos que gostariam e necessitam - tivemos vários depoimentos - desse uso para aliviar seus problemas, suas dores e suas doenças. Agora, nós vamos tratar de outro assunto. O assunto de que vamos tratar agora é a discussão da Cannabis e os impactos que ela possa ter na adolescência, as consequências e as formas que hoje são utilizadas para prevenção e informação do adolescente sobre o uso da maconha.
Então, declaro que vamos ter agora o início.
Mais uma vez, relembro que esta audiência é interativa e que, como já declinei, pode ser acessado o portal e-Cidadania ou o Alô Senado, pelo 0800-612211.
Comunico aos oradores que a Presidência dará dez minutos. Ali há um relógio que marca e avisa um minuto antes por um som, que é automático. Se a pessoa estiver na metade da frase, por favor, tenha toda a liberdade para completar o pensamento. E, depois, reassumiremos com as outras dúvidas que se seguirão.
Vamos começar com Dr. Gustavo Camilo Baptista, Diretor de Articulação e Projetos da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça.
O SR. GUSTAVO CAMILO BAPTISTA - Obrigado.
Boa tarde a todos!
Eu trouxe uma apresentação. Se puderem colocá-la...
Inicialmente, quero dizer que é uma honra para nós, do Ministério da Justiça, participar desta audiência pública. Vamos aproveitar a oportunidade para falar um pouco do nosso trabalho dentro do Ministério e das competências da nossa Secretaria.
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A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas tem dois grandes papéis. Tem um papel de articulador da Política Nacional sobre drogas do Governo Federal e, dentro desse contexto, secretaria o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, que tem representação de várias outras pastas do Governo Federal bem como de órgãos da sociedade civil. Ela tem a composição do Ministério da Justiça, do Ministério da Saúde, dos órgãos de segurança pública - Polícia Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Ministério da Segurança Pública - e, por conseguinte, do Ministério da Educação, do Ministério de Direitos Humanos, da Anvisa, da Receita Federal, dentre outros órgãos com competência vinculada a uma política de drogas.
A política de drogas, de forma em geral, precisa ter elementos que conciliem a redução de demanda, a redução de oferta, a redução de danos, que, em outras palavras, consigam articular as diferentes políticas públicas, as diferentes ações estatais que se vinculam às questões de drogas.
Está difícil localizar? Eu havia passado hoje de manhã. (Pausa.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Estamos com um probleminha aqui no computador. Vai demorar dois minutos. Então, vou pedir ao Dr. Gustavo para interromper e vou dar a palavra para outra pessoa. Assim que acabar, nós voltamos para sua apresentação.
Desculpe-me!
O SR. GUSTAVO CAMILO BAPTISTA - É claro, sem problema!
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Vou dar a palavra, então, para João Paulo Becker Lotufo, Doutor em Pediatria pela USP e Representante da Sociedade Brasileira de Pediatria nas ações de combate ao álcool, tabaco e droga.
Por favor, tem de consertar o relógio marcador. (Pausa.)
Por favor, estou sendo informada de que o Felipe e o Alberto não têm um PowerPoint. Então, vamos começar por eles por causa do probleminha que acabamos de ver.
Vamos começar pelo Felipe Felisbino, que não tem nenhuma apresentação, enquanto o PowerPoint fica pronto. Ele é Coordenador-Geral de Educação Ambiental e Temas Transversais da Educação Básica do MEC.
O SR. FELIPE FELISBINO - Boa tarde!
É uma satisfação estarmos aqui mais uma vez participando da sua convocação, com a sua direção nos trabalhos, Senadora Marta Suplicy.
Em nome do Ministério da Educação, trabalhamos aqui os temas transversais da educação básica, delineados nos PCNs, nos Parâmetros Curriculares Nacionais da educação básica, agora aprimorados e muito bem encaminhados pela BNCC. Então, a temática que nos traz aqui e que vamos apresentar são as ações do Ministério da Educação junto aos territórios escolares, com o intuito de conscientizarmos e de formarmos uma rede de combate ao uso de drogas.
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Nós estamos muito presentes, em parceria com o Ministério da Saúde, no PSE (Programa Saúde na Escola). Nós temos, nesse programa, a formação continuada dos professores. Há uma oferta desde 2014 de cursos de 180 horas, que visam à prevenção do uso de drogas, envolvendo a comunidade escolar, o dirigente escolar, o professor, o aluno. E, dessas vagas, 30% são destinados à sociedade civil que está no entorno daquela unidade escolar. Nós, nesse histórico de quatro anos, já conseguimos com o PSE alcançar 248 mil pessoas que estão envolvidas com a educação nessa temática de prevenção do uso de drogas.
Um dos componentes específicos do PSE é a promoção e a prevenção à saúde, a prevenção do uso de álcool, de tabaco e de outras drogas e o curso de prevenção do uso de drogas para educadores das escolas públicas neste primeiro momento. O PSE 2017 foi o último edital de chamada pública de adesão às prefeituras. Nós estamos presentes num universo de 5.040 Municípios, em 5.040 Secretarias Municipais de Educação, num universo de 85 mil escolas de educação básica, com 30 milhões de brasileiros matriculados nessas 85 mil unidades escolares. O nosso universo de alunos é de 52 milhões de brasileiros. Então, estamos com 30 milhões nessa assinatura, nesse acordo de cooperação entre o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde e as Secretarias Municipais de Saúde e Educação.
Além desse trabalho em conjunto, em parceria com o Ministério da Educação, nós temos um histórico muito positivo de ação junto à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça. Temos o melhor case de intervenção e de orientação hoje da educação pelo índice de profissionais que concluíram esses cursos que foram ofertados à comunidade escolar. Essa nova oferta para 2018 está sendo rediscutida pelos dois Ministérios, o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça. Está em andamento, dando continuidade à nossa experiência do passado, o curso de combate, agora alcançando e preparando os profissionais da saúde, dos postos de saúde, que estão...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE FELISBINO - ...em atividade na comunidade escolar, que estão próximos da comunidade escolar, sempre em parceria com uma universidade federal, que desenvolve o material didático-pedagógico com que se vai fazer essa formação do profissional.
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Como falei para vocês inicialmente, nós tivemos várias outras atividades no combate. Então, tivemos o programa "Crack, é possível vencer", também em parceria com o Ministério da Justiça, com bons índices, com bons encaminhamentos, com bons resultados. A temática foi muito bem situada, assegurada e amarrada dentro da BNCC, da proposta da Base Nacional Comum Curricular, que versa sobre os temas transversais e integradores da educação básica.
No quesito saúde, nós temos essa orientação muito bem delineada. Agora, isso está num processo de audiências públicas, de debates das Secretarias Municipais e Estaduais de Educação na construção, na concepção dos seus novos currículos à luz da BNCC. Esses temas têm de ser assegurados nas áreas de conhecimento, nas áreas de formação, nos objetivos de aprendizagem e nas habilidades e competências programadas ou elencadas pela BNCC, o que devemos alcançar na construção dos novos currículos.
Então, avançamos muito na direção da prevenção e da orientação do uso de drogas, sempre buscando a cooperação, sempre buscando a participação dos outros mecanismos e organismos do Governo Federal. Eu citei aqui duas grandes parcerias: Ministério da Educação e Ministério da Justiça.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada pela participação.
Passo a palavra para Andrea Gallassi, Professora da Universidade de Brasília e Coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas da UnB.
Alberto José, pneumologista, você tem apresentação também? (Pausa.)
Então, vou conceder a palavra para o Lotufo.
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO (Fora do microfone.) - Também tenho.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Se todos têm, então é melhor a gente mudar de sala. Vamos mudar de sala. Para qual sala vamos?
Estamos interrompendo a nossa apresentação para a mudança de sala, em virtude do fato de que não está funcionando o PowerPoint.
Para qual sala iremos? (Pausa.)
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Há alguém que não precisa fazer a apresentação? Se todos precisam, então esperamos. (Pausa.)
A audiência está suspensa por cinco minutos, que é o tempo que vamos ter para mudarmos para o Plenário 15.
Já podemos nos locomover.
(Suspensa às 13 horas e 37 minutos, a reunião é reaberta às 13 horas e 41 minutos.)
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Já estamos acomodados no Plenário 15.
Declaro reaberta a reunião.
Eu estava perguntando sobre o MEC, ou melhor, eu não estava perguntando, eu escutei. Mas, como agora a gente tem alguns minutos antes de darmos a palavra, quero saber como as escolas pleiteiam essa ida do MEC, qual a metodologia, como ela foi desenvolvida, se há follow-up do método utilizado. O senhor poderia discorrer um pouco sobre isso, enquanto nós aguardamos?
O SR. FELIPE FELISBINO (Fora do microfone.) - A adesão ao Programa Saúde na Escola é feita pela municipalidade, pela Secretaria Municipal de Educação e pela Secretaria Municipal de Saúde. E as escolas da rede municipal de ensino já ficam cobertas, já ficam com a atenção do programa. O programa vai para dentro da escola a partir da adesão. Não precisa mais...
(Interrupção do som.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - O PSE, então, é para o professor?
O SR. FELIPE FELISBINO - Para o professor.
(Interrupção do som.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - O professor se voluntariava? De que cadeiras esses professores geralmente são? Qual é o interesse?
O SR. FELIPE FELISBINO - É multidisciplinar.
(Interrupção do som.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Esse curso seria feito, na prática, junto com o aluno ou é só de informação? Como é esse curso oferecido? Há uma interação com o aluno, e ele tem uma supervisão separada, o professor? Como ele aprende a fazer essa interação?
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O SR. FELIPE FELISBINO - Nesse primeiro momento, foi com o professor. Então, o professor tinha um orientador, um tutor, que o acompanhava durante a execução da carga horária do curso, vinculado a universidades. Ele concluía o seu curso e, na conclusão do curso, apresentava um case, um encaminhamento da sua comunidade escolar.
Então, dando seguimento a isso, nós estamos agora em parceria com o PSE, com o PeNSE, que é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, que vai encaminhar às escolas participantes um questionamento sobre a identificação, sobre o encaminhamento, sobre o tratamento, quais as providências que vamos ter. Daí há esse feedback da unidade escolar, do território escolar, que participou desse conjunto.
Então, estamos indo para um terceiro momento, que vai nos dar elementos para planejarmos o quarto momento. Em parceria, nesse planejamento do quarto momento, a Senad já está se antecipando, preparando a área da saúde. Se a escola identificou, vai encaminhar para quem? Vai encaminhar para o posto de saúde, para a saúde, para os encaminhamentos possíveis. Então, é para a etapa 2017/2018 que os profissionais da saúde estão sendo capacitados.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada, Professor Felipe Felisbino.
Agora, voltamos ao primeiro orador, Gustavo Baptista, que teve de ser interrompido. Mas agora já está pronto o PowerPoint.
O SR. GUSTAVO CAMILO BAPTISTA - Eu agradeço.
Já havia falado algumas coisas. Eu já tinha falado um pouco sobre os órgãos que compõem o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, que inclui o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, que inclui órgãos federais, estaduais e municipais. Eu já tinha falado de maneira geral com relação à estrutura do Conselho, à necessidade de haver uma política que inclua vários ministérios, para que haja uma política de drogas coerente, para um ministério não fazer uma coisa e outro ministério fazer outra coisa.
No final do ano passado, o Governo Federal percebeu a necessidade também de articular políticas que se vinculam com o que a gente chama de redução de demanda, que é uma das facetas de uma política de droga de qualquer país. E, dentro desse contexto, ele montou um Comitê Gestor Interministerial para integrar as políticas sobre drogas relacionadas à prevenção, formação, pesquisa, cuidado e reinserção social. Esse comitê foi composto inicialmente pelo Ministério da Justiça, que, na época, estava vinculado à segurança pública também, pelo Ministério da Saúde, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e pelo Ministério do Trabalho. Eu cheguei posteriormente e acho que falta, por exemplo, a presença do Ministério da Educação dentro desse comitê.
Esse comitê tenta dar uma organicidade maior às políticas de prevenção, cuidado e reinserção social na área de drogas no País. Por que isso foi considerado relevante? Porque havia, muitas vezes, dois ministérios com a mesma política concorrendo entre si. Dessa maneira, o Governo Federal ficava muitas vezes desarticulado. Há, por exemplo, projetos de prevenção que tinham o mesmo nome em duas pastas diferentes, e, em cada pasta, havia um encaminhamento diferente com relação ao mesmo projeto, ou seja, os ministérios terminavam concorrendo entre si.
O Comitê Gestor, dentro desse contexto, tenta dar coerência para a política do Governo Federal na área de prevenção, cuidado e reinserção social e pesquisa na área de drogas.
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Desse aqui já falei de maneira ampla.
Os eixos. Isso é uma parte do eixo da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, a articulação interministerial. Um segundo eixo, evidentemente, são políticas de cuidado e reinserção social; pesquisa; formação e prevenção; e articulação.
Não vou entrar aqui em cuidado e reinserção social. Não é parte tão relevante em si.
A parte de pesquisa é muito relevante, porque normalmente um país depende de pesquisas epidemiológicas para conseguir verificar os impactos de determinadas políticas na população em si. Então, há uma linha muito forte, na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, de fomento a pesquisas, em especial de caráter epidemiológico, para entender o uso e a dependência de drogas dentro da população, para tentar verificar, eventualmente, a eficiência ou a eficácia de políticas.
Na parte de prevenção e formação, nós temos uma parceria, que durante algum tempo foi com o MEC e durante algum tempo a Senad fez sozinha - tal número está incorreto ali; ele é muito superior àqueles 70 mil -, que é um acordo com a UnB de realização de ações de formação para profissionais de escola em si. Em outras palavras, esses cursos são normalmente montados em EaD, são disponibilizados para professores da rede pública, com uma carga horária de aproximadamente 120 horas-aula, e tenta-se, dentro desse contexto, capacitar o professor a realizar ações de prevenção dentro da escola de maneira sistêmica; não apenas, muitas vezes, na escola, mas considerando a articulação da escola com família e com outros operadores.
Nós temos também um portal que disponibiliza conteúdos em formato EaD de acesso ao público no site do Ministério da Justiça, que, digamos, é uma espécie de curso sem tutoria, ou seja, a pessoa faz o curso, ela mesma, e tem acesso a diferentes tipos de formação dentro do site do Ministério da Justiça.
E, em um terceiro eixo, há cursos de formação e qualificação para profissionais de outras áreas, não na área educacional. A gente tem um curso chamado Escuta, para profissionais da área da saúde, em que a gente ofereceu sete mil vagas em 2018; e um curso com previsão para o segundo semestre, para profissionais, de execução penal e medidas socioeducativas, cinco mil vagas em 2018.
Um ponto que eu também gostaria de destacar como muito relevante é que o Ministério da Justiça organizou uma série de outras ações de prevenção nos anos anteriores tentando criar projetos de prevenção focados em públicos específicos, aí diretamente por um fomento do Ministério da Justiça, incluindo, dentre outros, programas voltados para crianças de sete a dez anos, voltados para adolescentes e voltados para famílias.
Muitos desses programas tiveram avaliação negativa, ou seja, verificou-se que um dos grandes problemas da área de prevenção ao uso de drogas é que muitas vezes um programa, ao invés de diminuir a motivação de uma pessoa usar drogas, termina aumentando essa motivação; ele tem um efeito, uma externalidade negativa ou um efeito iatrogênico - são os nomes técnicos. Em outras palavras, em alguns programas, o Ministério da Justiça fez a aplicação e fez uma pesquisa de seguimento, de avaliação de impacto, de maneira que, um ano depois, foi verificar se aquela criança, aquele adolescente que tinha passado pelo programa, usava mais ou menos drogas. Em alguns casos, verificou-se que houve um uso superior na população que passou pelo programa, quando comparada com a população que não realizou o programa em si.
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Em outras palavras, isso fez com que...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP. Fora do microfone.) - Estimulou?
O SR. GUSTAVO CAMILO BAPTISTA - Exatamente. É um dos problemas complicados na área de prevenção de drogas. Alguns programas que o Ministério da Justiça realizou no passado tiveram avaliações externas que mostraram a estimulação.
É um dos problemas também das campanhas nacionais de prevenção. Muitas vezes, campanhas que foram feitas nos Estados Unidos, por exemplo, terminaram aumentando...
(Soa a campainha.)
O SR. GUSTAVO CAMILO BAPTISTA - ... o uso em si, em vez de diminuir.
Em outras palavras, o Ministério da Justiça, hoje em dia, por meio do Comitê Gestor Interministerial, tem muita preocupação de, antes de lançar um programa em larga escala, fazer uma avaliação piloto dele, para verificar se ele não tem um efeito iatrogênico.
Dos três programas que nós implementamos no passado, nós e o Ministério da Saúde fizemos uma divisão: o Ministério da Saúde está cuidando de dois, tentando fazer uma reavaliação do programa, verificar os erros e lançar uma segunda versão em caráter piloto; e nós estamos com um programa específico, chamado Famílias Fortes, de que nós estamos aguardando o resultado da primeira avaliação e estamos fazendo um redesenho para lançar uma segunda edição em caráter piloto, ou seja, sem o tamanho de política pública.
O curso de formação para professores tem uma característica interessante dentro desse contexto, porque ele tem algumas avaliações de processo - sabe-se que os professores adoram esse curso, têm muita demanda por esse curso -, mas a gente não tem muito claro, com metodologias aceitas pelos órgãos públicos, a avaliação de impacto. A gente gostaria de tentar fazer isso na próxima edição, que deve ser a sétima edição desse programa.
Bem, basicamente é essa a minha fala.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada pela colaboração.
Pediram-me para dizer que nós estamos reabrindo a 24ª reunião - tem que ficar gravado isso.
Então, agora eu vou dar a palavra a Andrea Gallassi, Professora da Universidade de Brasília e Coordenadora do Centro de Referências sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da UnB.
O relógio continua sem funcionar, gente.
A SRª ANDREA GALLASSI - Não, acho que está lá.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Agora foi.
A SRª ANDREA GALLASSI - Está legal.
Boa tarde a todas e a todos.
Senadora, parabéns por acolher esta audiência e realizá-la. Acho que esse debate é superimportante. A gente teve uma excelente introdução na parte da manhã e agora acho que a gente vai poder expandir a questão com esse outro tema, especificamente voltado para a questão dos adolescentes.
Eu vou pedir a gentileza de colocarem ali a apresentação. (Pausa.)
Bem, como a Senadora me apresentou, eu sou professora da UnB e coordeno um centro de pesquisas sobre drogas. Eu vou, então, trazer algumas questões relacionadas ao tema, especificamente, da adolescência e vou tentar me ater aos 10 minutos - esta apresentação foi desenhada para 15 minutos; vamos ver o que eu consigo...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Eu vou pedir, então, para usar os seus 15 minutos, senão, fica uma falta grande.
A SRª ANDREA GALLASSI - Legal. Vou até olhar aqui o horário.
É importante que a gente comece dizendo sobre essa relação de adolescência e vulnerabilidade. Quando a gente fala da questão de uso de drogas na adolescência, a gente está falando de uma questão que está composta, junta, com outras questões que também compõem esse cardápio de vulnerabilidades.
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Eu digo isso porque o meu foco específico, quando eu discuto as questões relacionadas aos adolescentes e à população em geral, é muito voltado para essa população mais periférica, para essa população que tem menos assistência do Estado. Então, quando a gente olha esse eslaide, eu coloco uma série de vulnerabilidades às quais os adolescentes estão expostos, e o uso de drogas é um deles; eu não posso dizer que ele é o principal, ou não, e também não posso dizer que as outras vulnerabilidades causam o uso de substância, mas é fato que a gente tem que observar que esses adolescentes também estão expostos a essas outras situações adversas.
Eu trouxe alguns dados científicos para a gente tentar pensar um pouquinho nessa relação de uso de maconha e adolescência. Acho que essa é uma questão importante, e eu procurei trazer as principais questões que são elucidadas quando esse debate acontece.
De acordo com o Nida - o Nida é uma agência americana ligada à saúde, e ela é a principal, vamos dizer, organizadora, financiadora e a que detém grande parte das evidências científicas sobre drogas. Eles fizeram um levantamento - as referências estão embaixo - para tentar entender um pouco o que leva os adolescentes a experimentarem drogas. As três principais razões que eles observaram foram: para se sentirem bem, ou seja, os adolescentes usam drogas porque acham que é legal, que isso faz bem; para fazerem as coisas melhor, como estudar, se relacionar, enfim, conviver com os seus grupos; e por curiosidade ou porque outros estão usando. Então, acho que é legal termos claras essas razões, porque isso nos ajuda a pensar em medidas, já que o tema é esse, de prevenção e de abordagem dessa população.
O que as evidências nos mostram hoje: que o uso pesado de maconha e de forma precoce aumentam as chances de se ter problemas quando adulto. O Prof. Tófoli falou isso de manhã. Acho que não há muita discussão com relação a uso entre adolescentes ou uso pesado. De fato, você aumenta o risco. Eu não posso dizer em causalidade - e vou reforçar isso adiante -, mas que aumenta o risco. Porém, o uso na adolescência e juventude não implica necessariamente o uso problemático na vida adulta. Então, de manhã também foi falado que esse uso problemático ou dependência - como queiram chamar - é uma exceção à regra. Qual é a regra? A regra é usar com poucos problemas ou nenhum problema. Então, eu não posso dizer que quem usa quando adolescente vai desenvolver um problema necessariamente quando adulto.
O mais importante, segundo essas literaturas que eu trouxe, é a gente entender quais razões para o uso de substâncias estão mais associadas a problemas no futuro. Eu acho que isso é bem importante: a gente entender por que os adolescentes usam substâncias, para que eu possa planejar intervenções mais focadas e adequadas.
Há um outro estudo, também relativamente atual, de 2011, que analisou 2,4 mil estudantes do ensino médio americano, de uma amostra de 16 mil. Os Estados Unidos têm um programa que se chama Monitoring the Future. Eles monitoram os adolescentes desde a década de 70 com relação ao uso de drogas. Então, eles têm uma amostra gigante de dados, e esse estudo pegou uma mostra desses dados e acompanhou esses adolescentes até os seus 32 anos, por 17 anos - se eu errei na idade aí, me desculpem; mas eles foram acompanhados por 17 anos -, para observar se aqueles que relataram uso de álcool e de maconha quando adolescentes reportavam problemas quando adultos.
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O interessante dessa pesquisa foi observar que o uso de álcool quando adolescentes esteve majoritariamente associado a um uso problemático quando adultos, o que não aconteceu com a maconha. E aí, muito nessa linha do que eu trouxe, para entender as razões que esses adultos relataram de por que mantiveram esse uso, eles referiram que era para ficarem bêbados, para fugirem do tédio, para relaxarem, para se divertirem com os amigos e aliviarem raiva e frustração.
Eu queria chamar atenção com relação a essas questões que eu trouxe, com relação às razões para o uso. Eu acho que é legal a gente observar que há uma ideia de que adolescentes ou adultos usam drogas, inclusive álcool, para fugir de problemas; o uso está sempre associado a uma questão negativa, vamos dizer assim. Mas a gente observa que há um mix, e que essa questão da diversão, do prazer, como também foi falado na Mesa da manhã, é uma coisa que está associada ao uso de substância também. Eu acho importante que a gente tenha isso claro, até para desenvolver programas de prevenção, para se aproximar de adolescentes, com uma fala assim: "Eu entendo que você usa porque é legal, mas como a gente pode fazer a vida, enfim, de alguma maneira, ser divertida, com menos problemas, etc.?" Acho que é importante destacar essas razões.
Um outro dado. Este foi publicado em abril de 2018 pela JAMA Psychiatry, uma das revistas de saúde mais importantes do mundo, que fez uma revisão sistemática, que é um agrupamento de revisões; uma revisão da revisão. Ela agrupou vários estudos que fizeram pesquisas com o mesmo objetivo, e o objetivo era a associação entre o uso de maconha e a função cognitiva entre usuários adolescentes de maconha. E, aí, o resultado dessa revisão, publicado este ano, demonstrou que houve, sim, um prejuízo pequeno desses adolescentes que faziam uso de maconha na sua função executiva, mas, quando passadas 72 horas de abstinência, esses adolescentes retornavam para um padrão de função cognitiva que tinha um efeito muito pequeno ou não significativo. Então, isso é uma outra questão importante para a gente poder observar e, de alguma maneira, quebrar alguns mitos de que: "Ah, quem usa maconha vai ficar 'goiaba', vai ficar passado, vai ficar... " - enfim, a metáfora que a gente queira usar.
Eu trouxe um outro dado também muito falado, que é o uso de maconha por adolescentes e o desenvolvimento de psicose.
Antes de mais nada, eu queria deixar bem claro - eu deveria, na verdade, ter colocado essa frase no início, no eslaide anterior - que existe um pressuposto, que é o seguinte: adolescente não deve ter contato com droga, ponto. Acho que isso a gente tem que deixar claro; que a gente tem que evitar que adolescentes tenham contato com álcool, com tabaco, com maconha, com crack. E, se eles estão tendo, a gente tem que entender também por que isso está acontecendo.
Bem, essa discussão da associação entre psicose e uso de maconha é uma discussão que vem tomando a pauta na última década pelo menos. E, aí, o que as evidências científicas vêm demonstrando? Que a gente não pode estabelecer uma relação causal: ele desenvolveu esquizofrenia, alguma psicose, porque ele fuma maconha. Essa relação causal, não há evidência que sustente essa causalidade. Eu não estou dizendo que não há possibilidade ou que não há risco, como eu aponto ali; não se exclui a possibilidade de haver essa relação em alguns casos ou de se aventar a possibilidade de haver essa relação.
Outro dado que é bem consolidado na literatura é: o uso pesado de maconha é o fator que apresenta maior associação para o desenvolvimento de psicose. Então, a gente volta àqueles pressupostos: o adolescente não tem que ter contato com substância; e, quando tem, e tem de uma forma pesada, esse é, sim, um fator de risco para poder desenvolver psicose. Mas uma coisa é dizer que é fator de risco, outra coisa é dizer que há causalidade.
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Por que a gente não pode falar de causalidade? Justamente porque a gente está falando de um problema que é multifatorial. São vários fatores que se associam ao fato de uma pessoa desenvolver algum quadro de psicose se ela usou maconha; não é só isso. Como eu mostrei no primeiro eslaide, quando a gente vai discutir as vulnerabilidades às quais os adolescentes estão expostos, elas são várias. Eu não posso estabelecer relação causal, isso é um fato. A gente está falando, então, de um problema multifatorial que tem relação com as outras vulnerabilidades. Esse estudo que eu trouxe ali foi um estudo que trouxe - é recente, do ano passado - uma associação com a questão hereditária relacionada à psicose.
Então, as relações causais a gente tem que de ver uma forma muito cautelosa, e essa associação direta a gente não pode afirmar que aconteça, justamente porque a gente não tem estudos que assegurem esse tipo de afirmação.
Aqui eu trouxe alguns dados, só para a gente ter uma ideia, um pouco, do que a gente tem de uso de drogas entre os adolescentes - é uma sequência de quatro eslaides. Trata-se de um estudo realizado pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas), em 2010, com uma população de estudantes do ensino médio, tanto de escolas privadas quanto de escolas públicas, com representação brasileira.
Então, aqui são estudantes - é uma afirmação que a gente pode dizer - que representam os estudantes brasileiros. E aqui é uma comparação entre Estados Unidos e o Brasil com relação ao uso de drogas. Como a gente pode observar, a única substância que os brasileiros estudantes do ensino médio usam mais que os americanos são os inalantes: loló, cola de sapateiro, lança-perfume. As demais substâncias nós usamos menos que os americanos.
Aqui, trago o uso de álcool comparado com vários países. É também interessante a gente observar que, dentre os países latino-americanos, especialmente sul-americanos, nós, de fato, entre Brasil, Colômbia, de alguma maneira, temos um uso de álcool na vida mais exacerbado. Porém, quando a gente observa os outros países, como Alemanha, Reino Unido e Suíça, o nosso uso também não é algo muito espantoso.
O tabaco, enfim, é uma política absolutamente consolidada em nosso País, uma política de sucesso. Regulamentamos, regulamos o tabaco sem disparar nenhum tiro. Essa expressão eu não acho muito boa, mas é verdade: a gente não teve que proibir o tabaco; a gente conseguiu regular, e os dados demonstram de fato que a gente tem aí, entre os adolescentes, um uso bastante pequeno quando a gente compara com os demais países.
Quanto à maconha, que é o foco deste debate, também a gente tem que os estudantes, em torno de menos de 10%, ou seja, 8,6% de estudantes, entre 15 e 16 anos, referiram ter usado maconha pelo menos uma vez na vida.
Uso do crack: bastante pequeno.
Esse eslaide é interessante porque o Gustavo, que representa a Senad, me antecedeu e trouxe a política do Ministério da Justiça, quer dizer, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, e é bem importante dizer que a nossa política refere, orienta o cuidado e a intervenção junto aos adolescentes de uma maneira bem clara no seu texto: "orienta a promoção de estratégias e ações de redução de danos, voltadas para a saúde pública e direitos humanos" e uma intervenção intersetorial. Então, quando o Gustavo apresenta os ministérios que compõem a política, enfim, essa portaria ministerial, é importante a gente observar que há uma série de ministérios envolvidos justamente porque é uma questão que deve ser tratada de forma inter e intrassetorial.
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Acho que é importante só fazer um destaque, porque, no final do ano passado, houve a aprovação de uma resolução no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas que, de alguma maneira, conflita com a política atual, uma vez que essa resolução, que não é superior à própria política, traz alguns pontos que são um pouco conflitantes e, na minha opinião, obviamente, retrocedem nessa política absolutamente consolidada, de 2005, que está bem atual e é o que a gente defende, justamente...
(Soa a campainha.)
A SRª ANDREA GALLASSI - ... por abordar a questão na perspectiva da saúde, da redução de danos e dos direitos humanos.
Agora, eu estou já me encaminhando para o final e quero só deixar alguns pontos para a gente pensar nessa política, numa abordagem sobre drogas para adolescentes.
É importante destacar que a maioria dos riscos e prejuízos relacionados às drogas ilícitas não é naturalmente inerente ao problema das drogas, mas é fruto de uma política que é equivocada, que não garante os direitos, ou seja, expõe adolescentes a outras vulnerabilidades. É o que eu digo: adolescente não deve fazer uso de substância; se a está usando é porque de alguma forma o Estado não chega de alguma maneira para proteger esses adolescentes e entregar os direitos que lhes são assegurados. E essa exposição traz as vulnerabilidades que eu acabei de dizer. Mais danosa do que a própria droga é a política que a gente adota para tratar.
Um outro dado importante, que já é bem batido, mas é importante destacar, é que o potencial de dano das drogas ilícitas não é maior do que o das drogas lícitas. Acho que isso é uma coisa que também deve ficar clara.
A gente tem que pensar em elevar fatores de proteção de adolescentes e minimizar fatores de risco. Então, quanto mais eu consigo possibilitar com que este adolescente vivencie a sua adolescência de acordo com as suas necessidades e com os seus direitos sendo gozados, a gente consegue afastá-los de situações de risco.
Adiar a experimentação é um fato bastante importante, ou seja, quanto mais tardiamente a pessoa tem contato com uma substância, inclusive álcool, é melhor do ponto de vista de diminuir a questão da possibilidade de desenvolver dependência.
E isto aqui, para mim, é um dos pontos principais: a questão da educação responsável sobre drogas. Por quê? Porque a gente passou a vida inteira - eu tenho 39 anos, e as pessoas aqui têm mais ou menos essa idade - vendo "drogas, nem morto" e aquele monte de propaganda super, enfim, alarmante, temerosa, sem que houvesse, de fato, uma discussão responsável, clara, que pudesse falar: "olha, vamos aqui conversar, papo reto" - como os próprios adolescentes dizem -, "sobre o que de fato são os problemas ocasionados pelo uso de maconha quando usada em excesso, ou não". Enfim, isso, para mim, Senadora, é o ponto chave quando a gente discute o uso de drogas entre adolescentes.
Prevenção e tratamento são investimentos mais custo-efetivos do que a repressão, mas a gente precisa de evidência científica para pensar no modelo que a gente quer tanto de prevenção - o próprio Gustavo apresentou que teve dificuldades com a questão dos programas de prevenção que eram financiados, então a gente precisa ter um pouco de evidências, e o estudo que foi realizado demonstrou que, talvez, não fosse um programa adequado - como de tratamento, da mesma forma.
A gente tem que abordar esse assunto de uma maneira bastante pragmática. Então, audiências como esta são superimportantes para que a gente desapaixone o debate e o trate de maneira séria, correta; para que a gente se interesse em debater este assunto à altura da complexidade que ele tem.
Era isso que eu queria falar.
Agradeço. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Agora, passo a palavra ao Dr. João Paulo Becker Lotufo, Doutor em Pediatria pela USP, representante da Sociedade Brasileira de Pediatria nas ações de combate ao álcool, tabaco e drogas.
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Agradeço esta oportunidade.
Eu represento a Sociedade Brasileira de Pediatria nessa questão.
Vou mostrar um pouquinho a incidência de tabaco na população de 10 a 17 anos, do 5º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. A gente vê que o pulo do gato, mais ou menos, é ali com 13, 14 e 15 anos. E a gente tem ali que 25% da população, aos 17 anos, já experimentou o cigarro. Aqui nós estamos falando de experimentação. Só que aquele roxinho lá em cima é o indivíduo que já usa diariamente, e o azulzinho claro é aquele que já usa duas ou mais vezes por dia.
Para a gente ter uma ideia, essa é a incidência de experimentação de álcool, aos 17 anos - a última coluna -, em que o roxinho é aquele que bebe todo dia e o azul claro é aquele que bebe duas ou mais vezes por dia.
E aqui, a maconha: 20% dos jovens nas escolas públicas - foram 10 escolas públicas que investiguei no entorno da USP - já experimentaram a maconha. A gente tem ali o roxinho, que é o usuário diário, e o azul claro é aquele que usa duas ou mais vezes por dia.
Isso é muito próximo do tabaco. Para muitos dos adolescentes, a primeira droga não é mais o tabaco; já é a maconha a primeira droga utilizada.
Eu gosto de comparar esta situação aqui: 300 casos de dengue para 100 mil habitantes é epidêmico, é uma epidemia. Todo mundo conhece o nome do pernilongo e o que precisa fazer para acabar com a dengue. Se eu pegar 100 mil jovens de 17 anos, com essa minha estatística, nós vamos ter que 25 mil experimentaram o tabaco; 20 mil, a maconha; 5 mil, o crack; e 60 mil, o álcool. Se eu considerar que 20% desses são dependentes, em 100 mil jovens de 17 anos, eu tenho 5 mil tabagistas, 4 mil maconhistas, mil no crack e 12 mil alcoólicos. Isso é muito alto comparado com os 300 casos de dengue para 100 mil habitantes. E qual é a política pública que a gente tem para isso?
Numa escola classe A de São Paulo, perguntei para os alunos por que os avós deles fumavam. E eles colocaram isto claramente: porque era chique, porque era charmoso, porque tinha glamour, dá prazer, acalma, socializa. Eles disseram que a maioria das pessoas fumava - o que não é verdade - e que os avós achavam que o tabaco não viciava e não conheciam os problemas de saúde causados pelo cigarro.
Quando perguntei por que o jovem usa maconha, houve a coincidência de respostas: acham chique, é charmoso, tem glamour, dá prazer, acalma, socializa, a maioria das pessoas usa - o que não é verdade -, acham que não vicia e não conhecem os problemas de saúde relacionados à droga.
Então, para mim, a maconha hoje é o tabaco da década de 50. Quer dizer, para os meus pais, para os meus avós passarem da adolescência para a vida adulta, existia um pedágio, que era o tabagismo. Hoje, a maconha ocupa esse lugar.
Há vários trabalhos mostrando aí problemas na educação. Por exemplo, o Fergusson mostrou isto aqui: na Corte que ele acompanhou: na Nova Zelândia, quando a pessoa estava com 16 anos, quem nunca usou maconha, 14% abandonou a escola; quem havia usado mais de 100 vezes, 80% abandonou a escola. Então, há relação com esse tipo de coisa.
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Há trabalhos científicos mostrando diminuição de massa cinzenta com uso de maconha, e também há trabalhos cientificamente comprovados com o problema da esquizofrenia, surto psicótico, etc.
Eu sou um pediatra que trabalha com pneumologia pediátrica, por isso comecei a trabalhar com tabagismo. Toda essa luta antitabágica eu acompanhei de perto. E não é possível que eu tenha, em um consultório pediátrico pequeno, seis comas alcoólicos aos 14 anos de idade - nós estamos falando de coma alcoólico, e não de vomitar no banheiro - e seis surtos psicóticos por uso de maconha, dos quais dois estão esquizofrênicos, lesados pelo resto da vida. Então, isso tem aparecido para o pediatra, e por isso a Sociedade Brasileira de Pediatria está preocupada.
A gente sabe que, na hora em que se legalizar a droga - não estou falando de maconha medicinal; estou falando de legalização, como aconteceu em alguns Estados americanos -, dobra-se o uso. Dobrando-se o uso, nós vamos ter mais crianças e adolescentes utilizando e vamos ter mais problemas em relação a isso.
Isto aqui, por exemplo... Na pediatria, o gráfico da esquerda está mostrando atendimentos do Samu, vamos chamar assim, nos Estados que aprovaram a maconha medicinal e a legalizaram, e a intoxicação também em crianças de zero a cinco anos. Há um mês, eu atendi uma criança de cinco meses no pronto-socorro, convulsionando durante quatro horas, porque ela ingeriu a droga que o pai havia preparado. O pai pôs a droga em uma garrafa de água, a tia preparou a mamadeira dessa criança com essa garrafa, e a criança convulsionou durante quatro horas. Então, nos Estado Unidos, dobrou a intoxicação em crianças, e nós já estamos começando a atender esse tipo de coisa aqui.
Quando se pergunta para o jovem qual é a cidade ou país em que a droga está liberada, todo mundo fala de Amsterdã, Holanda. Eu estive em Amsterdã recentemente - meu filho mora lá. Este é o coffee shop mais antigo de Amsterdã, que foi fechado por estar próximo de uma escola. Então, na Holanda não é liberada a droga; é tolerada, segundo a Embaixadora que me falou. É tolerada no sentido de que existem lugares em que você pode usar, mas mesmo esses lugares estão diminuindo. Foram fechados já 50% dos coffee shops na Holanda porque não estão interessados no turismo da maconha.
O nosso trabalho de prevenção é patrocinado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP. Foram feitas atividades em dez escolas, no entorno da USP, em que a gente, a cada mês, teve uma atividade na escola. Esse tipo de trabalho tem que ser contínuo. Você ir a uma escola para fazer uma palestra de prevenção é efetividade zero - todo mundo já sabe disso -, mas esse projeto foi contínuo, durante o ano inteiro, com várias atividades na escola.
Nós montamos um caderno de aulas, de propostas de aulas, para que o professor... Quando eu fui fazer esse projeto na escola, meu filho, que era professor estadual e municipal, falou: "Pai, esquece, esse projeto não vai funcionar, porque o professor não vai fazer isso. O professor não tem esse tipo de atitude. Olha, eu vejo dados aí - não querendo causar polêmica - de 'tantas' escolas que já fizeram isso ou aquilo. Na frente, na ponta, as escolas não têm esse tipo de atividade."
Esse foi um projeto que nós fizemos de preparar 64 aulas dentro do currículo escolar do Fundamental II, com as oito matérias clássicas - Português, Matemática, História, Geografia, Artes, Ciências, Educação Física e Inglês -, nas quais cada professor tem uma aula de prevenção de álcool e uma de tabaco para ser colocada em prática dentro do currículo escolar já existente. Então, são várias aulas trabalhando questões relacionadas ao currículo escolar, mas usando material de prevenção de drogas. São 64 aulas que estão no nosso site, disponíveis a qualquer professor que queira utilizar esse material.
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O que a gente vê? No nosso trabalho, o professor de Matemática colocou uma questão de prova na lousa: o pai de família fuma dois maços; cada maço custa R$10; quanto ele já gastou, se ele fuma há 20 anos? Essa questão matemática é simples: R$140 mil. Essa é a questão que foi colocada, do custo de 20 anos de cigarro. Na verdade, isso causou uma certa polêmica, porque esse professor teve que discutir esse assunto durante duas aulas; a questão do custo da droga dentro da família.
Na festa junina, onde eu estava com o meu projeto, um pai me chamou e falou: "O senhor que é o tal do Dr. Bartô? O senhor é sacana, hein!" "Por quê?" - perguntei eu. Ele falou: "É que, quando eu acendo cigarro, meu filho pede a bicicleta nova dele, porque eu já gastei R$140 mil em cigarro." Então, através da criança, isso chega à família.
Nós mostramos o pulmão bom, e o pulmão ruim: o pulmão bom parece uma esponja; o pulmão ruim parece uma bucha. É a fibrose do enfisema pulmonar, por exemplo. Um garoto de 14 anos parou de fumar com a aula de Ciências, porque o avô dele era dependente de oxigênio, e ele entendeu o que era fibrose pulmonar.
Mostramos coisas talvez chocantes: uma tromboflebite obliterante com amputação de perna. Chorou ali uma menina do Fundamental I quando viu essa cena, e eu fui chamado à direção da escola - aos 60 anos de idade; é duro ir para a direção aos 60 anos. Mas eu mostrei o cartaz do Fundamental I que ganhou o prêmio de cartazes na escola...
(Soa a campainha.)
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - ... dizendo: "Fumar é tão legal Por que você não tenta?" "Vai, então, me passa um!" Depois, os dois estão sem perninha ali. E a Natália ainda coloca ali: "Eu me arrependi!" "Eu também!"
Mostramos uma dependente de oxigênio, e ganhou o concurso de cartazes este aqui: "Fumar é a mesma coisa que correr de braços dados com a morte - mas nem correr, andar mesmo, porque quem fuma não corre!" Quem fuma não corre; é a falta de ar do enfisematoso.
Este trabalho nosso é em relação à experimentação de droga. Esporte é importante? Sim. Espiritualidade é importante? Sim. Mas o que deu diferença estatística na experimentação de droga? Quem tinha diálogo no relacionamento familiar diminuiu a experimentação de droga em 60%, tanto o álcool, como o cigarro, a maconha e o crack. Então, a gente trabalha muito com isso. Nós temos que aumentar o diálogo da família em relação à droga. O nosso projeto aumentou em 60% a discussão do assunto de drogas nas famílias.
Este é o livro da Sociedade Brasileira de Pediatria: Álcool, Tabaco e Maconha: Drogas Pediátricas - porque o pediatra está atendendo esse tipo de situação.
Este é o material que a gente distribui em todos os lugares. Nós temos um programa de aconselhamento breve na consulta pediátrica, em que a gente discute com a família o problema de droga e distribui o material. E esse material funciona, porque um avô veio parar de fumar, no mês passado, no meu ambulatório - apesar de ser pediatra, eu trato o tabagista. Eu lhe perguntei: "Por que o senhor veio parar de fumar aos 75 anos?" Ele comentou assim: "É que o senhor deu um livrinho desses para o meu neto, e, cada vez que eu acendo o cigarro, o meu neto me faz ler o livro novamente. Eu já li o livro 68 vezes. Eu resolvi parar de fumar." Então, isso chega na família através da criança.
Este é o nosso site.
Eu passo à mão da Senadora Marta Suplicy uma carta da Sociedade Brasileira de Pediatria com dez sugestões para a gente diminuir a experimentação de álcool e de drogas na criançada e na adolescência, assinada pela Drª Luciana Rodrigues Silva, e o Caderno de Propostas de Aula, que pode ser implantado se houver interesse.
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Obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Eu bati o olho aqui nesse trabalho que o senhor está enviando e uma das coisas que vi foi a retirada da propaganda de cerveja da mídia, entre as 6h e as 21h, inclusive aquelas que informam sobre os possíveis "baixos teores" ou "zero teor de álcool em sua composição".
Pode haver baixo teor ou zero teor?
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - É, existe cerveja sem álcool.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Sim.
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - O problema da legislação é que a cerveja é considerada refrigerante, vamos chamar assim. A propaganda é proibida para bebida alcoólica com mais de 13 graus Gay-Lussac, e a cerveja tem 4, 5, 6.
A propaganda de cerveja foi proibida na mídia de dezembro de 2014 até maio de 2015, se não me engano, pois houve um promotor do Rio Grande do Sul que bateu o martelo nessa questão, mas isso foi revogado - pela indústria, é óbvio. Isso impressiona as crianças. Um filho de um médico perguntou para ele: "Pai, o que é ser brahmeiro?" Porque a propaganda dizia que "O sucesso é ser brahmeiro". Então, a propaganda influencia muito. E foi isso funcionou no tabagismo. A coisa mais importante na luta antitabágica foi a retirada da propaganda da mídia.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Hoje nós temos, na nossa Comissão, vários projetos de lei para retirar-se a informação de que há componente transgênico, para retirar-se a proibição, dizendo que faz mal à saúde. Essa é uma discussão muito grande, com lobbies muito variados e muito pesados aqui. Há vários em votação e que são discutidos nesta Comissão, o que também é bastante preocupante, porque a gente sabe o impacto que podem ter.
Achei muito interessante a forma de apresentação. Depois, teremos um momento de discussão - porque foi antecipado o plenário hoje - de como é feito, em termos concretos, de qual é a metodologia. Não vou pedir para fazermos agora, porque, de repente, eles podem nos interromper por começar a sessão.
Então, vamos dar a palavra ao nosso último orador - depois, a gente volta -, Alberto José de Araújo, pneumologista, membro da Comissão de Tabagismo do Conselho Federal de Medicina e da Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira.
Gozado... Eu percebi que estamos falando da maconha, mas como ela está ligada ao tabaco, não é?! Acho que todos aqui não deixaram de colocar a questão do tabaco. Impressionou-me muito a menção feita pelo Dr. Lotufo de que o tabaco de ontem é a maconha de hoje. Eu não tinha pensado nisso. Mas é bem verdade.
O SR. ALBERTO JOSÉ DE ARAÚJO - Obrigado, Senadora. É um prazer estar aqui neste debate.
Eu atuo na área de drogas, mais particularmente tabaco e álcool, maconha nos últimos anos, no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e participo dessa comissão cujo nome é Drogas Lícitas e Ilícitas, do Conselho Federal de Medicina.
Nós vamos mostrar alguma coisa. Vamos pular alguns eslaides, porque já moram mostrados pelo André e tal, e com isso vamos ganhar um pouco mais de tempo.
Essa é uma imagem da Índia, mostrando um pouco essa questão da cultura, que está muito ligada à questão da maconha, talvez mais do que a qualquer outra droga.
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Também quero declarar que não tenho conflitos de interesse. O meu interesse é no campo acadêmico, de pesquisa e de advocacy - atividade societária.
Isto já foi falado de manhã. Há uma quantidade de substâncias - não são alcaloides os princípios ativos da Cannabis -, uma quantidade imensa, pelo menos cem, das quais algumas dezenas podem ter efeitos medicinais, mostrando que há esse uso também - esta é uma tintura de Cannabis sativa usada na Índia, para dor e para induzir o sono. Porque existem dois tipos de Cannabis. Há uma que é usada mais para relaxamento. Essa aqui é encontrada no Oriente. Então, é muito antigo o uso da maconha no aspecto medicinal.
Quero lembrar que existe uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável e Políticas Integradas na Ação e Prevenção, da qual o Brasil é signatário. Nessa agenda, em relação às drogas, diversos fatores devem ser considerados nas políticas.
Eu chamo bastante atenção para este fator da exclusão social e da estigmatização, que entram num outro debate, num outro campo, que é o da descriminalização: não criminalizar um indivíduo que é dependente, que tem porte de pequenas quantidades de maconha, o que acaba atingindo de forma desigual a sociedade, porque são os pobres, os negros e os favelados que vão para as cadeias entrar na escola do crime e começar a usar outras drogas.
Precisamos, então, entender todo esse processo dessa agenda integrada para que a gente faça muito não só ação de recriminação, mas ações de prevenção. Por exemplo, em grande parte das escolas que têm aulas sobre drogas, quem é que dá a aula sobre droga? É um agente de segurança, é um policial e é um bombeiro. Não é legal isso. Deveria ser um professor! Porque a visão dele é outra, a missão dele é outra, é a de reprimir.
Nós temos aqui dados mostrando que 247 milhões de pessoas usaram droga no último ano. São dados do Atlas de Drogas no Mundo, publicado pelo órgão das Nações Unidas relacionado com drogas. E uma coisa interessante: é o único órgão relacionado com drogas e com crime. Ou seja, trata a droga como algo de segurança, e não de saúde, de educação.
Então, nós vemos que 28 milhões de pessoas sofrem algum distúrbio, no caso do uso de droga; e somente uma em seis pessoas que precisa de algum tipo de abordagem está em tratamento. Ou seja, essa população é negligenciada. Se formos considerar que grande parte dessa população começa a consumir droga na adolescência - tabaco, 70% a 80%; álcool, 70%; maconha, 60% a 70% -, há mais negligência ainda.
Então, esse é o relatório.
A maconha, de todas as drogas ilícitas, é a mais usada no mundo, tanto na forma de resina quanto na de erva. E agora a gente tem a maconha potencializada, que é o skunk, que pode chegar a 20%, 30% do teor de maconha. Está mudando também a maconha. Como o tabaco mudou com os aditivos, a maconha mudou ao longo do tempo também. Esse é o Relatório Mundial sobre Drogas.
Também foi dito de manhã - vou passar rapidamente - que a maconha, mais até do que o tabaco, se apresenta de formas múltiplas. No Colorado, nós temos cookies, bolos, candy, pirulitos, sorvete com maconha. Aqui no Brasil, a garotada da universidade em que eu trabalho já criou o brigadeiro de maconha para aumentar a renda. Aqui nós temos bebidas... Olhem só a quantidade imensa de formas de consumo!
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No Brasil, há 1,5 milhão de usuários diários; 7% experimentaram e 3% consumiram a droga no último ano. Há 1,3 milhão que relatou sintomas de abstinência da maconha. Este é um mito: "A maconha não causa dependência; seu uso é inofensivo." Esse é o estudo do Lenad/Inpad, que o Prof. Laranjeira coordena - parece que ele tem um estudo mais recente, de 2016, mas os dados ainda não foram divulgados -, que mostra a relação de 1,3 milhão de pessoas com dependência. Então, isso não é pouco. Uma parte dessa dependência se estabelece entre os 15 e os 16 anos, que é o mesmo pico da dependência para o tabaco; não a do álcool, mas a do tabaco começa nessa faixa de idade.
Então, o que nós levantamos, nos últimos seis meses, no trabalho junto com o Lotufo, nessa comissão do CFM? Nós já protocolamos esse documento técnico hoje de manhã. Nós levantamos o que há de evidência científica, tanto no uso medicinal da maconha, que foi discutido na parte da manhã, quanto em relação aos efeitos para a saúde. O que tem relação de causalidade e o que não tem? Esse material, depois, nós poderemos disponibilizar para vocês, na página do Conselho Federal de Medicina, ou trocando depois e-mail.
Bem, o que a gente viu aqui? No consumo da maconha, mais ou menos em que momento acontece o efeito? Duas a quatro horas após ser inalada; em apenas uma hora quando ingerida. O tabaco demora nove segundos para fazer efeito; a maconha demora um pouco mais. Ela demora de trinta a quarenta minutos, pelo menos.
Os efeitos incluem: percepção alterada do som, das cores e de outras sensações; confusão mental; ansiedade e ligeira paranoia; redução da coordenação e do equilíbrio; e também alterações em relação à pressão arterial e à frequência cardíaca, aumentando a chance de ataque cardíaco. Todo mundo vai sentir isso? É claro que não. Vai depender da dose, da época em que começa a usar, e alguns dos efeitos as pessoas não vão sentir na segunda experimentação ou na terceira. Outros efeitos, como confusão mental e paranoia, o uso continuado vai favorecer, principalmente se forem duas ou três vezes por semana. O consumo em doses altas, então, vai levar à agitação psicomotora, ansiedade e pânico, distanciamento da realidade e redução do tempo de reação.
Por isso, no Colorado, que é um dos Estados que está querendo rediscutir a liberalização da maconha, o índice de acidentes de trânsito, em oito anos com a lei lá, aumentou drasticamente, porque a maconha diminui os reflexos e, quando associada com o álcool, o que é costumeiro, aumenta mais ainda esse risco.
No longo prazo, há dificuldades cognitivas, na concentração, na capacidade de aprendizagem e memória.
Lá também, o Estado do Colorado era um dos cinco Estados com melhor índice de performance dos estudantes até o ensino médio. Eles passaram, em oito anos, do quinto para o vigésimo lugar. Então - é a expressão que a gente usa -, há um certo emburrecimento, uma certa dificuldade de aprendizagem. Se começa a fazer um curso, começa a haver evasão, começa a ter dificuldade de concluir se faz esse uso mais regular da droga.
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Além disso, a maconha é irritante para os pulmões. Ela é queimada também; é um fumo. A maconha é um fumo, então ela aumenta a probabilidade de crise de asma, traz agravamento em quem já tem asma, maior propensão para ter tosse, resfriado e redução do sistema imunitário.
Na mulher e no homem, há a queda da libido, ciclo menstrual irregular...
(Soa a campainha.)
O SR. ALBERTO JOSÉ DE ARAÚJO - ... redução na ovulação. No homem, pode levar a uma redução do número de espermatozoides.
V. Exª me concede uns dois minutinhos para concluir?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP. Fora do microfone.) - Claro.
O SR. ALBERTO JOSÉ DE ARAÚJO - Como falou a Drª Andrea, quanto à psicose induzida por Cannabis, o que nós encontramos não foi uma relação de causalidade, mas uma relação que a gente chamou de excesso de risco, independentemente do fator genético, de ter psicose induzida por Cannabis, de ter transtorno psicótico. Inclusive, não só do tipo esquizofrênico, mas depressão, pensamento suicida e tal. E não está claro se esses problemas podem ser revertidos após uma para de longo prazo. Então, pessoas mais vulneráveis vão ter um aumento dessa chance de desenvolver.
Na gravidez, na amamentação, não se deveria usar nem a maconha medicinal. E, se for usar, teria que controlar-se o uso da dose ou pensar em outra medicação. Normalmente, na gravidez não se deveria usar medicação nenhuma, nem maconha medicinal, nem qualquer outro princípio farmacológico, mas há situações em que há a necessidade de usar-se alguma coisa. O uso está associado a transtornos na atenção, memória e resoluções de problemas nas crianças quando entrarem para a escola, aos seis, sete anos. Isso é observado no tabaco também, no tabagismo na gravidez. E o bebê pode apresentar síndrome de abstinência.
No leite materno, o THC pode sair em quantidades de quatro a seis vezes mais do que em qualquer outro líquido corporal. Isso também acontece com a nicotina. Então, as mulheres que estão amamentando não devem consumir a droga ou usar algum princípio.
Então, nós temos diversos problemas da maconha.
Eu vou fechar com este eslaide aqui.
Esse é o grupo de evidências que está lá no Nida 2017, esse relatório da associação americana que saiu este ano, ou melhor, no ano passado, sobre a questão da maconha. Ele classifica em: evidências moderadas; limitadas - evidências ainda insuficientes -; ou, se ainda não há evidências comprovadas, o que precisa de estudos. Então, nós vemos que há diversos domínios na área psicossocial que já têm evidências em relação aos prejuízos cognitivos com o uso da maconha; evidências substanciais sobre o consumo problemático de Cannabis.
Finalmente aqui, também, nesse relatório que nós apresentamos, há um capítulo especialmente dedicado a evidências de uso medicinal.
E aqui, só ilustrando, para terminar, quero dizer que, efetivamente, nós temos dois grandes campos de batalha em relação à maconha. Um deles é garantir que as boas propriedades medicinais, ainda algumas desconhecidas, desses canabinoides, possam ser aproveitadas para benefício humano; e, ao mesmo tempo, evitar que a maconha possa provocar dor, doenças nas pessoas, especialmente se o consumo começa na juventude. Então, essa é a grande questão.
E isso implica - para completar o triângulo - que não podemos produzir mais criminosos a partir da criminalização dos jovens que são encontrados com trouxinhas de maconha. Então, essas são grandes questões.
Fechando aqui, agora nós temos a maconha eletrônica, a vaporização da maconha, que já foi lançada na Suíça e na Bélgica; o cigarro eletrônico de maconha, com 30% a 40% de THC. Ou seja, é mais uma forma de poder trazer grandes prejuízos.
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Esses são mitos e crenças que a gente trabalha lá com os jovens, com os universitários.
Vou mostrar só uma imagem aqui, as referências, dizendo que há uma data muito importante para todos nós: 26 de junho é o Dia Internacional de Combate às Drogas.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - O senhor desculpa... Uns quatro quadros para trás - o senhor passou um pouco rápido por causa da sua preocupação com o tempo...
O SR. ALBERTO JOSÉ DE ARAÚJO - Ah, sim. Desculpa. O dos mitos?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Sim, o que é isso?
O SR. ALBERTO JOSÉ DE ARAÚJO - "Fumar maconha é uma alternativa natural e mais segura do que os cigarros regulares" - dos universitários lá onde eu dou aula, na UFRJ, um grande percentual fuma maconha, e eles acham isso. Mas fumar maconha não é uma opção segura. Os efeitos físicos, psicológicos e sociais são numerosos. O uso crônico pode gerar a psicose induzida por Cannabis. Isso é o que a gente responde lá no trabalho que a gente faz de prevenção.
"Ao interromper o consumo, o usuário não sofre com sintomas de abstinência." Não; ele pode ter abstinência, em grau menor do que o do tabaco, mas pode ter, conforme mostrou o trabalho do Lenad. Em torno de 26 a 30% podem desenvolver dependência.
"Fumar maconha não é viciante, ao contrário do tabaco." Também causa dependência.
"Fumar maconha é menos ofensivo do que fumar cigarros regulares." Depende; para ataque cardíaco, há uma revisão deste ano que mostra que, se a pessoa já tem predisposição a algum problema cardíaco, o simples fato de ela estar em um ambiente em que pessoas fumam maconha pode desencadear algo. Mesmo o fumante passivo de maconha.
Assim, é preciso a gente considerar todas essas questões na análise desse problema, porque, como o Lotufo disse, no momento em que se legaliza, não só vai haver um boom da indústria do tabaco, que já está de olho. Lá nos Estados Unidos, já há cigarros de maconha produzidos pelas grandes multinacionais do tabaco, como há o cigarro eletrônico. Enfim, a maconha pode vir até em um combo aí, junto com nicotina ou, quem sabe, junto com o crack. Porque a moda do consumo são os combos.
Então, é isso.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Bem, agradeço a sua apresentação e também comunico o recebimento do Ofício nº 5.590, de 2018, do Conselho Federal de Medicina, encaminhando nota técnica sobre as consequências da maconha para a saúde. É de autoria do Dr. Alberto José de Araújo (organizador) e do Dr. João Paulo Becker Lotufo (revisor).
Informo que o referido documento será anexado ao processado do Projeto de Lei do Senado nº 514, de 2017, e vai ficar disponível em meio eletrônico no sítio do Senado Federal.
Parece que é um trabalho bastante...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - É, eu tenho interesse em ler para saber, porque vai nos ajudar aqui na orientação.
Agora eu vou dar a palavra para consideração final de cada um dos... Não é hábito, mas, como nós não estamos com a presença dos Senadores, que estão no plenário, eu vou dar a palavra ao senhor, que participou da nossa mesa anterior.
Pois não.
O SR. RENATO FILEV - Obrigado, Senadora.
Eu queria fazer uma observação e uma pergunta em relação a equiparar a maconha ao tabaco. Em verdade, é um tanto complicado fazer essa comparação, visto que, só nos Estados Unidos, um dado que vem se repetindo ano a ano, inclusive da Organização Mundial da Saúde, é que cerca de meio milhão de pessoas morrem, só naquele país, só nos Estados Unidos, por ano por causa direta ao consumo do tabaco. Já em relação à maconha, existe um único relato de caso de morte por intoxicação por maconha na literatura científica, que é um estudo de 2014, do pesquisador Hartung, da Alemanha. Então, não dá para a gente comprar uma droga que mata meio milhão de pessoas em um país com uma droga para a qual existe um relato na história da Medicina de morte por intoxicação de uso.
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Segundo isso, considerando que todos os apresentadores levaram em consideração essa equiparação, e a gente consegue enxergar no tabaco um modelo de regulação responsável, em que não se proibiu o uso da substância, mas ao mesmo tempo se conseguiu reduzir de maneira significativa o número de usuários da substância, por que não utilizar a mesma política de controle do tabaco para a maconha?
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - É uma crítica feita pelo Dr. Renato Filev, neurocientista do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Foi um ponto interessante levantado.
Eu acho que eu vou dar a palavra aos dois que se pronunciaram em relação à equiparação - não foi equiparação; foi colocando até uma analogia.
Vamos lá.
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Na verdade, veja, a nossa preocupação, da Sociedade Brasileira de Pediatria, é em relação ao uso precoce das drogas, qualquer que seja ela. Então, a nossa questão é retardar a iniciação de drogas, se não se puder abolir.
É a mesma coisa com o álcool. Nos Estados Unidos é com 21, e a nossa molecada está aqui bebendo com 12, 13, 14 anos. Então, é retardar o início do álcool.
Fazer essa comparação é uma comparação no sentido de iniciação de uso. Quer dizer, o nosso jovem hoje pensa na maconha como se pensava no cigarro. Seria uma questão disso. Eu não estou comparando uma coisa com outra.
É lógico que o tabaco é muito... Apesar de a maconha ter 55% mais cancerígenos do que o cigarro, você fuma dois, três, quatro baseados, e acabou. No cigarro, o nosso índice recorde são 80, 100 cigarros por dia.
Agora, na hora em que você pega uma droga... O cigarro hoje tem 1% de nicotina, e a maconha tem 2% de THC - a maconha oficial no Uruguai. Mas, se a gente não tivesse o controle do tabaco, você teria tabaco hoje com 2%, 3%, 4% de nicotina. Com a maconha, a mesma coisa.
Então, se quer usar, tudo bem, nada contra, mas use depois dos 21. Esse é o ponto de vista da Sociedade Brasileira de Pediatria. Quer dizer, o risco de usar na criança e no adolescente é muito grande. Então, essa comparação é mais no sentido de iniciação de uso de drogas, porque a maconha hoje tem sido, na periferia, a primeira droga utilizada; o pessoal já pula o tabaco.
O SR. ALBERTO JOSÉ DE ARAÚJO - Só para complementar, quero dizer o seguinte: é claro que a gente não está falando em termos... O tabaco é insuperável. O tabaco mata mais do que todas as drogas, morte violenta, acidente de trânsito. E o tabaco responde por uma sexta parte de todas as mortes do mundo, principalmente as doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas e câncer, dentre outras.
Mas, quanto à maconha, só nos últimos cinco anos começaram os estudos mais de longo prazo para ver efeitos em relação à maconha como um fator concorrente para morte, como há os estudos já de mais de cinquenta anos em relação a tabaco e câncer, por exemplo. Há, inclusive, alguns princípios da maconha que se suspeita possam proteger o indivíduo de ter câncer ou de desenvolver um enfisema. Há estudos recentes mostrando isso. Então, a maconha, ao mesmo tempo em que agride, também tem um remédio de certa forma para evitar um mal maior - simplificando.
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Então, a preocupação é a de que nós não estamos falando... Como se falou de manhã aqui, as maconhas, eu diria para você, nós não estamos falando mais da maconha dos anos 70, dos anos 80, dos anos da revolução, dos anos da ditadura, dos anos da revolução estudantil. Nós estamos falando de uma maconha concentrada que está vindo aí. E essa maconha concentrada, a gente não sabe o que poderá acontecer com ela, como não sabe o que poderá acontecer com o cigarro aquecido e com o cigarro eletrônico. Por isso, a gente é contra também que essas novas formas sejam introduzidas no Brasil.
Então, nós não temos a dimensão disso. Certamente não vai ser igual à do tabaco, mas pode nos trazer bastantes surpresas, e nós temos que ter essa responsabilidade. Até porque, certamente, muitos de nós não vamos estar daqui a 30, 40 anos para poder presenciar o que vai acontecer, a não ser espiritualmente.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - A Srª Margarete Brito, que também participou da outra Mesa, que é Coordenadora-Geral da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal, também gostaria de fazer uma intervenção.
A SRª MARGARETE BRITO - Eu fiquei com uma dúvida - é uma dúvida que eu sempre fico, quando ouço essa fala de quem é contra a regulamentação. De fato, hoje em dia, existe uma quantidade muito menor de fumantes do que existia alguns anos atrás. Hoje em dia, é fato, você olha ao redor, em todos os ambientes, em vários ambientes, e pouquíssimos jovens fumam cigarro, o tabaco. Então, por que os senhores... Não é? Isso não é fato? Com a educação feita de várias formas, reduziu-se muito o número de pessoas fumantes. Eu vejo pouquíssimos jovens fumando tabaco hoje em dia.
Por que, então, os senhores não defendem esse mesmo critério para redução do uso de maconha fumada em um ambiente legalizado? Os senhores não acham que, em um ambiente legalizado, conseguiriam fazer esse mesmo trabalho de redução da maconha fumada, como se fez com o cigarro?
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Eu diria o seguinte: o cigarro, na década de 50, era uma coisa; o cigarro hoje é outra. Nós éramos 30% de fumantes no País; hoje nós somos 10% de fumantes. Só que, dos jovens, 25% estão experimentando. Então, se a gente não tomar cuidado, vai haver uma reversão nessa história.
Então, nós temos que continuar trabalhando a prevenção. Quer dizer, na luta antitabágica houve quatro tópicos importantes: retirada da propaganda, aumento do preço do cigarro, tratamento gratuito para a população e o quarto eu esqueci agora aí...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - E advertências, etc., etc.
Então, eu não gostaria de estar, daqui a 30 anos - o Alberto não vai estar aqui, mas eu vou estar aqui -, trabalhando a mesma coisa que nós estamos trabalhando com o cigarro.
Eu só queria deixar uma coisa clara. É o seguinte: nós não somos contra o que foi dito hoje de manhã. Em absoluto.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Não... Nós estamos discutindo outra coisa, e a pergunta não era essa. A pergunta que foi mencionada antes é que o tabaco mata muito mais, é muito mais prejudicial e tal. E a maconha tem menos efeitos nocivos e tem muitos positivos. Do tabaco, eu acho que eu não saberia citar nenhum positivo, a não ser... Deve haver algum, pelo menos de a pessoa ficar assim... Pôr a mão - não tem onde pôr a mão, fica segurando o cigarro, qualquer coisa do tipo. Então, ficou meio pairando essa dúvida, que foi o que a Margarete colocou: por que não pode ser feito um trabalho de diminuição do uso, prevenção - é diminuição do uso -, como foi feito com o tabaco com tanto êxito? Eu sei que demorou muito tempo, e deu muito certo. E a resposta não foi tão clara.
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O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Na verdade, é o seguinte. Então...
A SRª MARGARETE BRITO (Fora do microfone.) - Não é para fazer daqui a 30 anos. A gente tem hoje uma quantidade de jovens fumantes...
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Sim.
A SRª MARGARETE BRITO (Fora do microfone.) - ... de maconha. Então, para que vamos fazer esse trabalho daqui a 30 anos? A gente tem que fazer hoje.
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Temos que fazer hoje, eu não tenho dúvida.
A SRª MARGARETE BRITO (Fora do microfone.) - Então? Mas fazer em um ambiente legalizado não é mais adequado?
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Eu acho que, legalizando, nós vamos ter aumento de consumo. Do ponto de vista de saúde, eu vou ter mais problemas. Se eu analisar do ponto de vista judicial, etc., talvez eu tenha vantagens. Então, quando me perguntam: "Você é a favor da legalização ou não?" Eu não tenho nenhuma preocupação com isso. Eu não sou nem a favor, nem contra. Eu sou a favor de se fazer uma ampla campanha de prevenção para que a gente diminua a iniciação na droga. Ponto. Se vai legalizar... Eu digo o seguinte: já está legalizado. Onde você não encontra maconha hoje?
A SRª MARGARETE BRITO - Exatamente!
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Você encontra em qualquer lugar. Só esqueceram de oficializar a liberação.
Na escola em que eu atendi, houve uma rede de distribuição na escola. Foi uma delação premiada de um aluno. Havia dez alunos que distribuíam a droga dentro da escola. Quando você pega uma família que reprime o garoto e corta a mesada dele porque ele está usando maconha, em três meses ele está traficando. Isso é de classe social alta que eu estou falando.
Então, legalizar ou não não é o problema. O que a gente precisa é aumentar o conhecimento da população sobre o risco da droga. Esse é o ponto.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Bem, eu tenho aqui o e-Cidadania, que também está se manifestando.
Eliane Nunes, de São Paulo: "Eu acho equivocado misturar o dano com a cura. O dano existe, porque a maconha nacional é a prensada. Se fizer como na Suíça, que vende maconha hemp oil, hookah e canabidiol em supermercado, nós tratamos todos." Bem, se alguém conseguiu entender e quiser explicar... Porque eu não entendi bem o que é hemp oil, o que é isso.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - É óleo. Bem, depois, se alguém quiser responder essa questão...
Paula Paz, do Distrito Federal: "Senadora Marta, eu sou mãe de um autista severo. Meu filho faz uso medicinal de Cannabis há dez meses e teve avanços no seu desenvolvimento. Eu sou associada à Aliança Verde, coordenadora de assuntos do canabidiol pelo Moab, que é o Movimento Orgulho Autista Brasil. Precisamos da regulamentação da Cannabis, direito ao cultivo também."
Fábio Portela, do Rio de Janeiro: "O uso da maconha entre adolescentes já existe com a proibição. É fato que não tem como proibir o uso. O mínimo a ser feito seria cuidar da qualidade e da saúde pública." Estão bem antenados com o que nós estamos conversando.
Anderson Nazareno, de Minas: "Quais as vantagens de uma educação para drogas em um cenário regulamentado no atual modelo de prevenção proibicionista? Não seria mais adequado um modelo mais calcado em informações científicas do que o modelo Proerd ora vigente?"
Rafael Ladeira, do Distrito Federal: "O maior perigo é a proibição. Precisamos resguardar a soberania do Brasil com produção local, seja o autocultivo ou o cultivo associativo. Não podemos virar commodity do mercado internacional. Queremos direito de escolha e que a cannabis faça parte da farmácia viva."
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Italo Coelho, do Ceará: "A Sociedade Brasileira de Pediatria é a favor da proibição dos remédios farmacológicos por conta de seus possíveis, e muitas vezes comprovados, efeitos colaterais? É importante lembrar que há inúmeros casos de envenenamento com essas drogas. Demagogia não ajuda no debate."
Paula Paz, do DF: "Senadora..." Esse eu já li.
Bem, essas são as considerações do pessoal que assiste e que faz essa interação conosco. Eu vou dar um pouquinho de tempo - aí, cada um se controla - para uma saudação de despedida para cada.
O SR. LUIZ CARLOS BASSUMA - Eu posso falar um minuto, Senadora? Um minuto, por favor.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Pois não.
O SR. LUIZ CARLOS BASSUMA - Só um minuto. Eu queria apenas parabenizar por esta iniciativa a Comissão. Não quero me estender, mas quero parabenizar, porque esse assunto é muito importante.
E eu queria só dizer, assim, o que eu sinto também por ter um pai que praticamente faleceu pelo uso do tabaco - era a única pessoa que fumava na família.
O mundo levou 30 anos, precisou sacrificar uma geração para medir os efeitos do tabaco na saúde para depois reprimir com sucesso. Da maconha ainda nem se tem isso. Então, nós podemos estar hoje - quem está estimulando a legalização - fazendo, às vezes, esse preço ser pago daqui a 20, 30 anos, pior do que o cigarro, porque não existe estudo.
E aí eu pergunto para quem é da pediatria da criança - só esta pergunta que eu deixo no ar para responder: o senhor tem uma filha de cinco, seis, sete anos de idade, inteligentíssima, e ela vê toda hora dizerem "maconha é ilegal"; na cabecinha dela, isso também não presta. Agora, na hora em que ouvir todo mundo falar "maconha é legal", isso vai se tornar, para aquela criancinha, estimulante moral. Esse é o grande risco desse processo.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Diferentes opiniões.
Vamos agora dar a palavra para o Felisbino.
O SR. FELIPE FELISBINO - Agradeço a oportunidade de o Ministério da Educação estar aqui interagindo com essa temática tão importante e relevante e deixo aqui a nossa disponibilidade, a nossa abertura para a programação de políticas públicas.
Nós estamos, então, nesse processo de BNCC, na construção dos currículos, nos Estados, nos Municípios, e o nosso Plano Nacional de Educação prevê, orienta todos esses entes federativos no regime de colaboração. Nos temas transversais, nós estamos construindo uma proposta que harmonize, que catalize esse sistema, esse regime de colaboração.
Então, os exemplos que eu citei aqui a vocês, nesta tarde, são resultados positivos dessa organização de regime de colaboração, e nós temos que ampliar isso. Então, eu vejo aqui como grandes parceiras as sociedades de pediatria, e o Conselho, que também poderão ser parceiros que poderão estar nesse regime colaborativo para organizarmos a política pública que vai chegar até o território escolar, em sala de aula, e chegar à comunidade escolar dos nossos alunos.
Então, mais uma vez, muito obrigado, Senadora Marta, por esta oportunidade de estarmos aqui interagindo.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada.
Eu vou pedir rapidamente agora que o Ministério da Justiça se pronuncie. Parece que abriu a Ordem do Dia, então nós vamos ter que encerrar. Mas, por favor. Depois dou a palavra à Andrea, e encerramos.
O SR. GUSTAVO CAMILO BAPTISTA - Queria, então, brevemente agradecer o convite de V. Exª para a realização desta audiência pública e deixar-nos à disposição. No site do Ministério da Justiça, temos sempre informações da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e dos cursos que nós realizamos em EaD. As pessoas que tiverem interesse podem acompanhar no site. Nós vamos abrir cursos no segundo semestre para públicos específicos, inclusive para professores. Recomendo que olhem o site www.mj.gov.br.
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Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - Muito obrigada.
E agora com a palavra Andrea Gallassi, Coordenadora do Centro de Referência.
A SRª ANDREA GALLASSI - Obrigada.
Muito brevemente, eu acho que a Margarete, com a fala dela, ajudou. Quer dizer, para pensarmos em um modelo de prevenção, é importante que tragamos essa discussão para um cenário que é legalizado. Se a proibição existe para afastar as pessoas do contato com a substância, ela está absolutamente, então, equivocada, porque não estamos conseguindo fazer isso. Esse é um dos primeiros argumentos que se sustenta quando se fala em proibição, para que as pessoas não tenham acesso, mas, como o próprio Dr. Alberto falou, as pessoas estão consumindo. Desculpa, o Dr. Lotufo falou.
Legalizado está, e está mesmo, Senadora. Se quisermos comprar maconha é mais fácil do que comprarmos um antibiótico na farmácia. Eu garanto para a senhora que é. O campus em que eu trabalho na UnB é o campus de Ceilândia, que é uma cidade daqui, do Distrito Federal, que é bastante vulnerável. É a cidade mais populosa, a região administrativa mais populosa e com bastante vulnerabilidade do ponto de vista socioeconômico, e eu garanto para a senhora que as pessoas com que eu me relaciono no Centro de Atenção Psicossocial de Ceilândia garantem isso com certeza.
E justamente para que possamos discutir um modelo de prevenção, temos que trazer para o cenário em que o Estado atua com todas as suas pastas, e não só a pasta da segurança. Temos que trazer para um cenário onde está a educação, que está aqui, onde está a saúde, onde está a própria segurança também. Então, acho que é importante destacarmos essa questão.
E, como temos um cardápio de maconha, temos para diferentes indicações, precisamos estudar essas substâncias, para justamente pensar quais são as devidas indicações. E aí eu acho que temos que pensar, então, trazendo para a questão da saúde pública, que é também por onde eu falo, temos que pensar do ponto de vista epidemiológico e dos impactos. Ou seja, se imaginarmos as mortes e tudo o que a proibição gera - a cidade do Rio de Janeiro é a mais emblemática -, será que não é uma questão de saúde pública imaginarmos a violência e as mortes todas ocasionadas pelo tráfico, pela proibição? Acho que isso é uma questão muito importante para pensarmos.
E, por fim, eu queria colocar assim, para pensarmos um pouquinho... Mesmo com os danos do tabaco, absolutamente sabidos, absolutamente consolidados na literatura - e temos uma política de sucesso -, eu queria sugerir que possamos pensar se, mesmo com todos esses danos, alguém aqui imaginaria um cenário de proibição do tabaco. Eu acredito que não. Então, acho que é importante termos isso em mente para que nos desapaixonemos, olhemos essa questão e, de fato, regulemos para afastar - eu concordo absolutamente, no meu eslaide estava claro - o contato dos adolescentes com essas substâncias. Em um cenário regulado, vamos ter as restrições para que essas pessoas não acessem, justamente como é com o tabaco.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP. Fazendo soar a campainha.) - A senhora estava falando, e eu pensei: na verdade, o tabaco foi tendo leis restritivas, e hoje quase em nenhum lugar você pode fumar. Quer dizer, se você quiser fumar, como funcionária de uma loja, você tem que ir para a rua. Daqui a pouco, já não estão mais admitindo pessoas que fumam, porque ninguém quer um funcionário indo fumar na rua ou dentro do carro.
Nesta semana, acho que nós aprovamos um projeto, ele está em discussão aqui - eu não sei se foi nesta semana que foi aprovado ou se discutimos para ter um Relator -, com mais proibição: dentro de carro e para criança, para várias coisas. Então, vai sendo cerceado. Mas o interessante é que está sendo cerceado de uma forma que não foi no começo. As pessoas foram primeiro tendo a informação, e, a partir da informação, foi vindo a proibição. Eu não diria a proibição, na verdade, mas foi vindo restrição.
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A SRª ANDREA GALLASSI - Restrição.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco Maioria/MDB - SP) - E as pessoas foram ficando envergonhadas. Por exemplo, se alguém começar a fumar aqui, vão dizer: "Ficou louco! Vai fumar aqui?" Eu não estou falando aqui, no Senado nacional. Se eu entrar na sala da sua casa, tirar um cigarro e começar a fumar, eu vou ser muito mal-educada. Então, isso foi ficando... Alguma coisa foi introjetada, e as crianças foram aprendendo. É muito interessante!
Eu acho que a coisa mais interessante que aprendi nesta segunda Mesa foi isso. Nós temos que ter um cuidado, porque nós não sabemos exatamente quais as consequências da maconha. Ela pode ser muito nociva em alguns casos e pode não ser em outros. Cada organismo vai responder de um jeito, a vulnerabilidade de cada um - nós estamos falando do adolescente e da criança -, ou vai ser de outro.
Então, como nós devemos fazer essa prevenção no sentido de eliminar a possibilidade de termos pessoas viciadas? Porque também já vimos que é possível ser viciado. Não é a maioria que fica, mas há uma gama enorme que pode ficar.
Eu agradeço a presença de todos os que vieram e que colaboraram para que possamos sempre fazer uma reflexão e aprofundar um tema que se discute na nossa sociedade. Aliás, discute-se pouco, eu acho. Fala-se muito, discute-se pouco, e temos que avançar e aprofundar.
Muito obrigada a todos.
(Iniciada às 9 horas e 15 minutos, a reunião é suspensa às 11 horas e 22 minutos. Reaberta às 13 horas e 17 minutos, a reunião é suspensa às 13 horas e 37 minutos, reaberta às 13 horas e 41 minutos e encerrada às 15 horas e 05 minutos.)