20/06/2018 - 5ª - Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Boa tarde a todas, boa tarde a todos.
Havendo número regimental, declaro aberta a 5ª Reunião da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
A presente reunião destina-se à apreciação de requerimentos e à realização de audiência pública, para debater a violência obstétrica, em atendimento ao Requerimento nº 4, de 2017, de minha autoria.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular.
As pessoas que têm interesse em participar podem enviar comentários pelo senado.leg.br/ecidadania ou pelo 0800-612211.
De acordo com as normas regimentais, a Presidência adotará os seguintes procedimentos: a convidada - ou o convidado - fará sua exposição por sete minutos, sendo prorrogáveis até dez minutos, e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Srªs e Srs. Parlamentares inscritos. A palavra às Srªs e aos Srs. Parlamentares será concedida na ordem da inscrição.
Bem, primeiro eu queria pedir desculpa a vocês. Houve uma mudança da ordem de discussão no plenário da Câmara dos Deputados, e uma boa parte das Deputadas estão com dificuldade de vir, porque está havendo votação sistemática. Tanto é, que há apenas a minha presença e a da Deputada Carmen Zanotto, que é desta Comissão. Mas nós achamos que é importante tanto a realização do debate como também acolher as pessoas que vieram, a partir do nosso convite, para discutir um tema de tanta importância.
Então, nós gostaríamos de pedir a compreensão de todos e de todas.
São oito convidadas. Então, nós vamos fazer primeiro uma mesa de quatro, posteriormente outra mesa de quatro, antes de abrir o debate para quem queira falar.
Vou pedir para fazermos por ordem de chegada: as quatro primeiras e as quatro seguintes.
Então, eu gostaria de chamar, para compor a Mesa, já agradecendo a presença de vocês, dizendo que esta reunião está sendo transmitida, como eu falei, pela internet, ao vivo... E nós esperamos, como tem acontecido, sair daqui com um belo debate, um debate que possa apontar exatamente as competências a que esta Comissão se propõe, que é levantar a discussão e propor soluções concretas no combate à violência contra a mulher no Brasil.
Então, esta Comissão vem se organizando em torno dessa questão, e nós estamos discutindo as várias dimensões das violências sofridas pelas mulheres. E acho que mais um tema, agora, neste momento, nós abordamos, até porque é um tema que não é muito discutido publicamente, é uma coisa que fica muitas vezes numa esfera mais privada da própria classe médica e, ao mesmo tempo, das mulheres que sofrem esse tipo de violência. Então, acho que é importante que tragamos a público, levantemos esse debate, e que possa fazê-lo da melhor forma possível.
Portanto, eu convido para a Mesa a Srª Thais Fonseca Veloso de Oliveira, que é Assessora Técnica da Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres, do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
Muito obrigada pela presença, Thais. (Palmas.)
Convido também o Sr. Etelvino de Souza Trindade, que é integrante da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina.
Muito obrigada pela presença do senhor. (Palmas.)
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Eu gostaria também de convidar a Srª Daphne Rattner, Presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa). (Palmas.)
Eu gostaria também de chamar a Srª Hellen Cristhyan, representante da Casa Frida e integrante do Fórum de Mulheres do Distrito Federal e Entorno. (Palmas.)
Srª Hellen, obrigada pela presença.
Portanto, gente, vamos pela ordem de chamada. Vou chamar aqui, naquela perspectiva: vamos dar sete minutos e mais três, se precisar, antes de abrir o debate, já que somos muitas debatedoras. E acho que tem tudo para ser muito rico este debate.
Então, convidamos a todos que estão assistindo pela internet, ao vivo, para participar, entrando naquele endereço que eu dei - eu vou repetir aqui. Podem fazer perguntas ou posicionamentos. Depois vamos ver aqui a possibilidade de fazer essas colocações que vão chegar até nós.
Então, vou repetir aqui: podem enviar comentários pelo endereço senado.leg.br/ecidadania ou pelo 0800-612211.
Portanto, passo a palavra agora à Srª Thais Fonseca Veloso de Oliveira, que é Assessora Técnica da Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres.
Vou abreviar, porque é um nome grande, Thais.
A SRª THAIS FONSECA VELOSO DE OLIVEIRA - Boa tarde.
Eu queria agradecer o convite em nome da Coordenação, em nome do Ministério da Saúde.
Vou tentar ser breve, porque a gente colocou bastantes eslaides aqui.
Mas a ideia da gente foi poder apresentar um pouco o que é que o Ministério da Saúde tem feito em relação às políticas para as mulheres no combate à violência obstétrica e pela humanização do parto.
A saúde da mulher, então, no Ministério, se pauta pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. É uma política de 2004 e é uma política muito inovadora, porque traz a questão da vulnerabilidade das mulheres a certas doenças e a causas de morte que estão mais relacionadas à discriminação do que a fatores biológicos.
Então, é uma política que considera muitas questões de gênero, sociais e econômicas como determinantes para a saúde das mulheres.
Hoje, como um diagnóstico da atenção obstétrica, por meio da pesquisa Nascer no Brasil, que foi realizada em 2014, a gente vê que a nossa razão de morte materna tem mais de 90% das mortes que poderiam ser evitadas. E a gente tem de 15 a 20 casos de near miss materno, que são aquelas mulheres que foram salvas de uma situação de quase morte.
Há um excesso de episiotomia, de litotomia ou ocitocina no trabalho de parto, de manobra de Kristeller, que já são contraindicações na atenção ao parto, uma baixa inclusão de acompanhante no parto... Das mulheres entrevistadas, somente 18,8% tiveram acompanhante, e a Lei do Acompanhante é uma lei de 2005. Então, a gente ainda tem que avançar muito nessa questão.
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Nós tivemos, em 2016, 56,5% de cesarianas, 44,49% de parto normal, e, nessa pesquisa Nascer no Brasil, o que se identificou foi que as mulheres tinham uma preferência inicial pela cesariana (27,6%), variando de 15% (primíparas, que são aquelas mulheres com primeiro parto) a 73,2% (multíparas, que são aquelas pessoas que já tiveram mais um parto). E o principal motivo para a escolha do parto normal foi a melhor recuperação, mas para a escolha da cesariana foi o medo da dor do parto, e a gente sabe que essa dor está muito relacionada à atenção.
As mulheres do setor privado, então, apresentaram 87,5% de cesarianas, e esse aumento da decisão pelo parto cesário é lá no final da gestação. Então, muitas mulheres iniciam a gestação querendo fazer um parto normal e, ao longo do pré-natal, elas vão sendo convencidas, ou se convencendo, a quererem o parto cesário.
A inadequada atenção à gestação e ao parto é responsável por 68% da mortalidade infantil. Nós tivemos, em 2016, 11% de prematuros e 8% de bebês com baixo peso. Foram observados nessa pesquisa também: uso inadequado e desnecessário de aspiração de vias aéreas dos bebês e aspiração gástrica; oxigênio inalatório; não viabilização do contato pele a pele - que é uma política do Ministério: as boas práticas do parto e nascimento. Então, o contato pele a pele do bebê, logo depois que nasce, a amamentação na primeira hora de vida e o clampeamento tardio do cordão umbilical.
A gente tem tentado trazer quais são os riscos da cirurgia cesariana.
A cesariana é uma cirurgia muito importante, porque ela salva vidas, mas quando ela é indicada. Existem vários riscos, como em qualquer cirurgia: hemorragia, rotura uterina, endometrite, depressão, embolia...
Então, a cesariana é boa quando ela é indicada, mas quando a gente tem um número maior do que o indicado, a gente observa que também há muitos riscos, e esses riscos geralmente não são falados.
Então, o parto normal é essencial para a saúde da mulher e do bebê. É um fenômeno neuroendócrino. Ele ativa a imunidade do bebê, fortalece o organismo do bebê. O bebê tem menor risco de internação em UTI, de prematuridade, baixo peso. Os hormônios do parto aumentam a confiança da mulher. Aliviam a dor também. Há um menor risco de infecção, hemorragia e acidentes anestésicos, porque, no parto normal, a mulher só é anestesiada se ela quiser. E uma recuperação mais rápida também, maior facilidade na amamentação e redução do risco, também, de, em uma futura gestação, ela ter que fazer uma cesariana.
A OMS apresentou essa declaração em 2014, que é para prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde, considerando que esse tratamento...
(Soa a campainha.)
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A SRª THAIS FONSECA VELOSO DE OLIVEIRA - ... viola os direitos das mulheres e o cuidado respeitoso.
Então, a gente entende a violência obstétrica como a violência vivida no momento da gestação, parto, nascimento e pós-parto, evidenciada, entre outras coisas, pela violência física, psicológica, verbal, simbólica, sexual, assim como a negligência na assistência e discriminação.
Esses são os nossos marcos legais nessa questão da humanização do parto.
O Marco Legal da Primeira Infância, que foi aprovado em 2016, também reforça a questão da importância e da atenção ao parto e ao nascimento humanizado.
E nós temos como desafio, então, essa promoção do parto e do nascimento saudáveis, com uma implantação de um modelo novo de atenção, que considere essas dimensões afetivas, culturais, o potencial desse evento para a promoção da vida da mulher, um cuidado centrado na mulher e na família e redução das morbimortalidades materna e neonatal.
Em 2011 foi lançada a Rede Cegonha, para poder fomentar esse novo modelo de atenção à saúde, organizando a rede de atenção à saúde também, com o objetivo de reduzir a mortalidade materna e a infantil, e foram lançadas, em 2015 e em 2016, as diretrizes do parto normal e as diretrizes da cesariana. São protocolos que foram criados a partir de vários estudos do mundo inteiro. A gente reuniu um grupo de especialistas, que fizeram os protocolos, mostrando quais são as reais indicações de cesariana e o que é que as evidências mostram também a respeito do parto normal.
Essa nossa política, então, tem como objetivo valorizar o protagonismo da mulher, e eu trouxe algumas dessas boas práticas que o Ministério da Saúde tem incentivado: as mulheres serem informadas sobre os locais de parto e serem informadas sobre a vinculação ao local de parto, que é conhecer a maternidade onde ela vai ganhar o bebê antes.
Um parto de baixo risco realizado pela enfermeira obstetra e obstetriz. São profissionais muito importantes quando a gente fala na questão da humanização do parto. O médico obstetra fica na retaguarda e ele atende aqueles casos de partos de alto risco que têm que ser atendidos pelo médico.
E, no Brasil, a gente tem um déficit, ainda, de enfermeiras obstetras e obstetrizes, e o Ministério tem investido, então, na formação dessas profissionais, por meio de residência, especialização, aprimoramento... A gente já formou 4.700 enfermeiras, mas a gente precisaria... Para ter uma taxa de partos normais de 65% assistidos por enfermeiras, a gente precisaria...
(Soa a campainha.)
A SRª THAIS FONSECA VELOSO DE OLIVEIRA - ... de 10 mil profissionais.
Eu posso passar mais rápido e depois eu disponibilizo.
Disso aqui a gente já falou, a questão do acompanhante, a questão da deambulação e de a mulher pode ingerir líquidos e não ficar em jejum... Poder ficar em outras posições e não apenas deitada na hora do parto...
Esse foi um cartaz que a Rede Cegonha distribuiu para todas as maternidades do País, com as posições de parto.
O contato pele a pele, de que a gente já havia falado, e restrição àquelas intervenções que a gente já viu, por evidências científicas, que não são indicadas.
Então, a Rede Cegonha investiu na reforma de maternidades, construção de Casas de Gestante, habilitação de maternidades de alto risco, construção de centros de parto normal - que é onde as enfermeiras obstetras atuam -, e também fornecimento de equipamentos para as maternidades.
Esses são alguns centros de parto normal que nós temos no Brasil.
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E, agora, a nossa grande estratégia é o ApiceON, que é o Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia.
Então, é uma qualificação de 96 hospitais de ensino universitário, para a gente poder mudar a formação dos profissionais a respeito do modelo obstétrico.
É isso. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Eu acho que, de qualquer jeito, Thais, você conseguiu dar o seu recado no tempo previsto.
Muito obrigada, pois são dados extremamente importantes. A gente está recebendo esses dados para fazer, inclusive, o relatório desta Comissão.
A gente, agora, vai passar a palavra para o nosso convidado. E eu brinco sempre, quando bendito sois entre nós.
Eu vou chamar o Sr. Etelvino de Souza Trindade, que é integrante da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina.
Muito obrigada pela presença.
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - Boa tarde a todas - todas, aqui, são três - e à Mesa, que eu cumprimento no nome do Deputado José Anis.
A gente, como médico, tem umas normativas de apresentações públicas. Então, há umas coisas de comum interesse, não vêm bem ao caso...
Isso aqui nem precisaria, porque o que interessa aqui é lembrar que esse estudo da Fundação Perseu Abramo, de 2010, mostra que 25% das mulheres receberam agressão no pré-natal ou no parto. Esse ainda é um dado válido, porque não há estudos posteriores que venham confirmar ou modificar esse dado.
Aqui também se mostra uma série de coisas que acontecem. Basicamente, numa súmula de queixas, o que aparece mais são: procedimentos cirúrgicos, abuso sexual, violência verbal, discriminação. E isso tudo vai cair num contexto mais ampliado, que são os reporters que foram feitos nesse questionamento de pacientes. Então, ele vai se ater à violência física, à violência sociológica, que são esses todos que constam do trabalho, e violência psicológica.
Logicamente, aqui eu represento médicos, e nós não gostamos muito dessa expressão "violência obstétrica', porque, no Brasil, em sendo o parto uma ação centrada no médico, o que a paciente vê é o médico. Nós entendemos que a violência ... E até tentamos mudar esse nome, mas o que se impõe pela sociedade nós temos que aceitar. E acatamos isso como violência obstétrica sim, só que nós tentamos fazer uma discussão ampliada - e eu acho que este fórum, este debate aqui vai caminhar para isso, justamente -, dentro das circunstâncias todas que estão envolvidas na violência obstétrica. É muito mais do que o assistente ao parto.
E também há o viés de formação nossa de médico, pois nós nos entendemos protagonistas dessas coisas, porque somos formados para intervir em benefício da saúde, para resgatar a saúde.
Então, dentro do parto, que não é um processo nem emergencial nem urgente - embora se fale como tal, mas é um processo fisiológico -, o médico, quando entra nessa centralidade do parto, ele é intervencionista. Essa é uma questão da nossa formação. É preciso mudar, e é lógico que os médicos estão trabalhando nesse sentido da mudança. As pressões sociais foram bem-vindas, porque, através delas, nós conseguimos refletir. Senão, ficamos na mesmice. E é isso que está acontecendo.
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Então, nós entendemos que existe um viés claro ou velado de que o obstetra é violento, mas isso muda, porque, nesses casos aqui, muitos grupos já entendem que são profissionais de saúde e muito mais: que é a terceira circunstância, aceita como um statment multicausal, em que o médico também tem as suas responsabilidades.
O que se comprova é o seguinte: o médico não é tão ruim. Tanto é, que médicos fazem clientelas.
Também a violência é explícita, principalmente nos hospitais. Todos os dias em que você abre os jornais, você vê pacientes amontoados em corredores, em colchões, essas coisas, e existe a violência obstétrica também.
O Governo não cumpre normas e decretos que ele mesmo faz. Então, pede, por exemplo, o acompanhamento. Muitas vezes, a mulher não tem acompanhamento porque não tem ambiência, porque, se você tiver, há hospitais que nem biombo têm. Então, você bota uma enfermaria com três pacientes; não tem nenhum biombo. Como um homem vai ficar lá, acompanhando o trabalho de parto de outras? Então, são coisas que ainda precisam ser restruturadas e pensadas no País. Não há acomodações suficientes. PPP é pré-parto, parto e pós-parto. E faltam insumos básicos e leitos de UTI.
Esse relatório do Cedaw mostra que houve esse problema da mortalidade materna aqui. Parece-me que isso já está sendo revertido, por causa dos trabalhos do Ministério da Saúde - esses atuais. Isso nos interessa muito, e nos parece muito interessante o ApiceOn, porque para nós é a primeira vez que aparece um trabalho em que não há uma pontualidade de ações governamentais, em que existe um programa. Digo isso porque nós temos que partir para ações programáticas, que tenham começo e objetivos a serem atendidos e que, dentro do processo da execução, haja auditoria, para haver as intervenções necessárias ao bem-estar do produto final, que é a paciente.
O CFM é isto: nós não gostamos da violência obstétrica também. Isso não quer dizer que os médicos não a façam, mas nós entendemos que os médicos que a fazem são minoria.
Existe um outro problema: nós estamos em discussões sociais importantes que eu acho que têm que ser colocadas, porque, às vezes, é um princípio físico. Quase todo mundo aqui fez segundo grau. A primeira coisa que você estuda em Física é o estudo dos erros. O erro pode ser sistemático ou fortuito. O erro fortuito você audita e conserta, o erro sistemático você acha que está fazendo certo, mas está fazendo errado. Então, isso tem que ter um auditor externo.
E, dentro desses aspectos que se discutem neste plenário aqui, as pessoas estão atrás do quê? De que esses erros, que podem ser sistemáticos, sejam refletidos e apareçam melhores práticas.
As bases são as mesmas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, pelo Ministério da Saúde...
(Soa a campainha.)
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - Há o esclarecimento...
Agora eu tenho três. É isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - Eu vou usar o mesmo critério do Ministério da Saúde, para não haver também uma questão de vulnerabilidade dos homens aqui numa plateia feminina. (Risos.)
O Conselho tenta antecipar problemas, faz divulgação de conclusões, houve esse fórum recentemente lá, nós discutimos muito mais assuntos, mas, vejam, eu destaquei violência obstétrica... Mas tudo, lá... Aplicação de planos de partos nós aceitamos... Só foi discutido conosco, porque a paciente tem que ser esclarecida de que ela não pode radicalizar. Há certas intervenções que não são recomendadas nem usuais - e que vinham num processo de continuidade, tipo o caso de episiotomia - que já mudaram. Tanto mudou na rede pública - e o ApiceOn já tem resultados disso, já tem o primeiro resultado aferido -, como mudou também no parto adequado, que é um trabalho realizado através de nossos grupos especializados em obstetrícia, junto com o Albert Einstein, que capitaneia isso com 102 hospitais inseridos, para Medicina privada e suplementar.
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Nós não aceitamos que a desdita da saúde como um todo e da obstetrícia seja um problema só de médicos e nem só dos profissionais de saúde. Há muita coisa. Nós entendemos que a construção está sendo realizada. Nós acreditamos no ApiceOn.
O Ministério da Saúde conseguiu fazer um acordo com a Febrasgo, da qual fui presidente. Conseguiu fazer, e foi resolvido que a Febrasgo vai fazer conteúdos normativos. Vão sair, este ano ainda, 120 para os médicos, ambientação dos médicos, dentro do sistema ApiceOn.
Então, eu acho que você ajudou nisso - porque ela está trabalhando com a Febrasgo também.
Ele entende que a chamada humanização está dentro de um contexto muito mais amplo e é preciso se pensar em horizontes maiores, sem dúvida nenhuma.
Ele denuncia o problema de falta de leitos, falta de funcionários, de médicos, de enfermeiros, de insumos... Tem-se posicionado nos fóruns e grupos sociais... Hoje nós temos, quase sistematicamente, nos fóruns grandes da Febrasgo, o apoio da... A Daphne está sendo convidada. Não está?
A SRª DAPHNE RATTNER (Fora do microfone.) - Não.
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - Em Belém você não foi?
A SRª DAPHNE RATTNER (Fora do microfone.) - Eu fui convidada para um congresso.
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - É. Congresso. Exatamente.
Então, a gente acha que a designação é meio tendenciosa - eu falei no início. A gente pensa que deveria ser no contexto geral.
Eu acho importante isso aqui, porque o último item ali, "os players envolvidos..." Eu usei o termo em inglês porque, se você falar em português, parece que não puxa bem. A ideia é a de que está havendo players. Nós estamos em confronto. Player é jogador. Um jogador confronta com o outro. Ele quer ganhar.
(Soa a campainha.)
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - E o partner é o que nós temos que procurar. O partner é o colaborador, é quando nós trabalhamos em conjunto. Então, nós temos que caminhar num sistema da mudança do sistema para essa ideia de termos partners.
E o que é que vai acontecer? Como é que nós vamos abrir essa caixa preta e como mudar essa realidade? Eu trouxe aqui esta frase do Miguel de Cervantes: "Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, não é utopia, é justiça." Eu achei interessante trazer o Miguel de Cervantes porque, quando ele escreveu esse livro, no século XVII, a Espanha estava passando por um processo similar ao que o Brasil passa hoje, um processo em que a nação não se acreditava como nação possível. E o Brasil está na mesma situação. Nós temos que criar esperanças, nós temos que ser agentes disso quando temos oportunidade para tal; e fazer um arcabouço de proteção, associado a um problema que eu acho complicado no Brasil, porque a nossa Constituição tem muitos direitos e poucos deveres. Nós devemos também caminhar para os deveres. E, nos deveres, nós nos incluímos como médicos, porque o médico tem o dever também de, quando não está utilizando boas práticas, mudar, como as pessoas que apontam os nossos erros também podem se transformar, de players em partners.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Muito bom, muito bom!
Também conseguiu dar o recado em pouco tempo.
Eu quero agradecer, inclusive porque a gente sabe que, normalmente, a tendência de alguns setores de classe é uma coisa meio alguns setores de classe, muitas vezes, é uma coisa meio de não ver as coisas, para não ter que agir sobre elas. Então, eu fico muito feliz de o senhor ter essa abordagem sobre essa questão, que...
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(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Exatamente, do debate, da discussão, e também, ao mesmo tempo, de avaliar e de receber, quando chega uma observação dessa natureza, o Conselho poder também investigar e se posicionar. Isso é muito importante para nós.
Bom, vou passar aqui a palavra para a Deputada Carmen Zanotto. Eu pedi à Carmen - nós vamos fazer isso - para ela dar presença... Ela vai, então, depois que ela falar, sair para dar presença. E aí a gente continua. E, quando ela retornar, ela fica, enquanto eu darei a minha presença, está certo? Senão a gente fica com falta, está bom?
Então, Deputada Carmen Zanotto.
A SRª CARMEN ZANOTTO (PPS - SC) - Obrigada, nobre Presidente, querida Deputada Luizianne.
Eu sou enfermeira e não poderia me furtar de falar num tema tão importante, proposto pela nossa Presidente da Comissão Mista da Violência Contra a Mulher. Além da presença, Deputada, eu preciso só votar as propostas das emendas nossas na Comissão do Idoso. E eu retorno para cá, para te ajudar nessa condução importante.
Mas eu queria dizer que nós, lamentavelmente, vivemos de modismo na saúde. Digo isso porque eu sou enfermeira já de 30 anos e acompanho todo o histórico da evolução nesses 30 anos do Sistema Único de Saúde. Nós avançamos muito, mas eu senti falta, por exemplo, de uma política que nós tínhamos alguns anos atrás, que era a questão dos hospitais amigos da criança, em que nós tínhamos os dez passos tão bem definidos, e nós tivemos um rito e uma dificuldade para implantar aquilo dentro das nossas unidades. E eu chego à minha maternidade - digo assim porque sou servidora pública dela - e não acho mais nem a placa que nós recebemos, o título de hospital amigo da criança. Quer dizer, o contato mãe e filho pós-parto, o colocar no peito... Tudo isso está previsto nos dez passos. Então, nós só avançamos se implementarmos as coisas e não zerarmos para recomeçar, zerarmos para recomeçar. Então, isso me assusta muito.
A Rede Cegonha, eu acho, é um caminho que nós temos. Agora, inclusive, com as casas de parto, na minha cidade também há - em frente à minha maternidade, em Lages, no Tereza Ramos, agora - uma casa que acolhe as gestantes, até que elas entrem efetivamente no trabalho de parto, porque é uma maternidade de referência para uma macrorregião.
Uma outra questão que nós já superamos agora é o local de nascimento, porque nós tínhamos bebês nascendo - porque tinham que nascer naquela cidade - sem um enfermeiro - nem digo um enfermeiro obstetra -, sem médico, sem anestesista e sem pediatra. Havia um profissional da Medicina, clínico geral, que fazia tudo. Fazia anestesia, quando precisava ir para cesária, retirava o bebê, cuidava do bebê e suturava a mãe. Quer dizer, nós não estamos mais em tempos como esse. Então, agora também nós temos que repensar as unidades hospitalares pequenas, que existiam para dizer que os bebês nasciam lá. Agora, a legislação permite que seja assistido no seu pré-natal na sua comunidade, na sua cidade, tenha o parto na cidade de referência e retorne. Então, não deixa mais aquilo que nós ouvíamos muito de senhores prefeitos e prefeitas: "Não temos mais bebês."
Mas como eu vou voltar, e eu só tenho medo de perder o Dr. Etelvino, eu gostaria de fazer um pedido: que nós discutíssemos - e isso vale para os profissionais da Medicina, para toda a equipe de saúde, inclusive para os enfermeiros obstetras e para os demais profissionais da área da saúde - o racismo institucional na obstetrícia. Esse tema nós não podemos deixar de fora. Nós dedicamos menos tempo de cuidado - e aí é meramente discriminatório - a uma mulher negra do que a uma mulher branca. Com isso, as nossas mulheres negras morrem mais no trabalho de parto. E eu aprendi isso aqui nesta Casa, ali na Câmara, quando nós participamos de uma comissão, Subcomissão da Seguridade Social e Família, tratando a questão da saúde das mulheres negras. E, aí, nós vimos trabalhos científicos mostrando que nós... E eu, como aluna, nunca aprendi; como professora, nunca ensinei; e, como gestora, nunca pratiquei a fala de que não podemos cometer racismo institucional.
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E eu, daquela Comissão para cá, nunca mais deixei de falar, em todos os momentos em que tenho a oportunidade, que nós precisamos despertar, dentro da política, inclusive do ministério, destacar um capítulo para que nós combatemos. Porque isso muitas vezes é sem intenção, mas nós praticamos. Nós praticamos, e precisamos ser alertados de que temos de dedicar para uma mulher negra o mesmo tempo de assistência e a mesma assistência, por toda a equipe de saúde, dentro das nossas unidades públicas ou filantrópicas prestadoras de serviços.
Então, queria fazer esse apelo. Quando o senhor tratar da violência, que o senhor possa trazer isso para nós.
E queria também...
Ah, a senhora trouxe? Ótimo!
E queria também que o senhor falasse para nós um pouquinho, porque eu tenho uma preocupação: nós não reduzimos taxas de cesariana por portaria ou decreto, minha gente. Nós nunca vamos conseguir fazer isso. Sabe por que, nobre Deputada, a senhora que não é tão da nossa área, mas é tão preocupada com essa causa? Porque, chega um determinado momento, as AIHs, que são as autorizações de internamentos hospitalares, são faturadas em cima do total que é permitido. Aí, depois, fica aquela pilha de contas. Agora mudou um pouquinho, mas nós sabemos que ainda existe, porque estouram os índices. Então, muitas vezes, talvez os índices do SUS passem muito de 50%, se nós formos olhar aqueles prontuários que ficaram sem ser processados porque estouraram.
E o que é pior: mulheres que precisam, por indicação médica, fazer a cesariana, porque ela precisa realmente, o bebê está correndo risco de vida - e a mãe -, e, aí, já estouramos demais a cota... Então, tem que ficar lá, no parto normal, sob todos os riscos, inclusive sequelas.
E eu digo isso com muita propriedade, porque eu sei, eu sou irmã... Nós somos em oito irmãos. Eu sou nascida de parto domiciliar, e o último foi para a maternidade. E a minha mãe, na simplicidade dela, sem estudo, ela dizia: "Está passando da hora." Resultado: o meu irmão mais novo, o Cirim, teve lesão por falta de oxigênio no cérebro, e é um homem, é um adulto, mas com idade de uma criança, que não sabe... Ele não consegue ler, ele copia as letras, e ele criou uma formação intelectual do desenho das letras. Ele até toma ônibus, porque ele sabe as letras para se deslocar de um bairro ao outro da cidade, mas é porque a vida ensinou que nós temos que sobreviver.
Então, que nenhuma criança mais nasça em nenhuma maternidade deste País porque nós temos que fazer o parto normal, porque não podemos estourar os índices de cesariana. Então, nós só vamos reduzir esses índices de cesarianas no País quando todos nós, da equipe de saúde e a família, compreendermos a importância do pré-natal e do acompanhamento da família no trabalho de parto, porque não é raro recebermos ligações de familiares pedindo, pelo amor de Deus, para se fazer uma cesariana, porque não querem esperar o parto normal, por causa da lógica aqui apresentada, das contrações uterinas durante o trabalho do parto, porque nós não preparamos aquela mulher para aquelas contrações, ou não se usa analgesia, que era uma outra questão que eu gostaria de perguntar: como é que estão as nossas maternidades, com a analgesia, para o parto normal? Deve-se utilizar ainda ou não se deve? Temos novas técnicas? Como estamos? Eu já retorno aqui. Peço desculpas, mas a nossa assessoria está aqui, e eu vou poder acompanhar as outras duas falas, para depois poder ouvir as respostas.
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Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Quero agradecer a brilhante fala e acho que trouxe elementos muito importantes para nós.
O Dr. Etelvino estava perguntando se, em outro momento, vai poder falar. Eu disse que, quando você retornar, ele vai poder fazer uma colocação em cima da fala.
Parabéns, Carmen.
Vamos agora passar a palavra então...
Vou só fazer um comentário aqui, que eu acho que é importante, porque eu tive essa experiência.
Eu fui prefeita de Fortaleza por oito anos, e a gente criou um programa do parto humanizado, para o qual, na verdade, houve toda uma formação dos profissionais da área de saúde - estava lembrando disso -, para que a gente pudesse trabalhar culturalmente, trabalhar profissionalmente esse estímulo. E foi extremamente importante.
Quando eu fui prefeita, logo do primeiro para o segundo ano de governo, e principalmente a partir do segundo até o último ano, Fortaleza reduziu em 50% a mortalidade materna, e reduzimos em 60% a mortalidade infantil, por esse programa da humanização do parto, mas também - inclusive, já como vereadora, trabalhamos esse projeto de lei - uma outra coisa que foi fundamental foi a ampliação do Programa Saúde da Família. Antes, a cobertura, quando nós chegamos, era de 14,5%. Nós praticamente chegamos a 100% de cobertura do Programa Saúde da Família, exatamente para prevenção e para acompanhamento no caso da gestante, e isso foi fundamental. Quer dizer, os dados de 50% de diminuição da mortalidade materna foram acima, no mesmo período, da média nacional. Então, foi a cidade brasileira que mais diminuiu a mortalidade materna naquele período. Portanto, são coisas simples do ponto de vista - digamos - da Medicina, mas que têm um impacto gigantesco.
Eu, particularmente, não tive a oportunidade de ter um parto normal. Eu me preparei - inclusive conversando com o médico - toda a gestação para ter um parto normal. Queria muito. A partir do momento em que rompeu a bolsa, eu esperei ainda duas horas, porque eu queria, pedia para o médico esperar, segurei até duas horas, até que ele alertou sobre essa possibilidade que foi colocada aqui pela Deputada Carmen Zanotto, que é quando você não tem mais o que fazer. Você tem que se render ao argumento de autoridade do médico, acreditar e confiar, mas isso também acontece.
Então, nós vamos passar a palavra, para continuarmos o debate. Temos muita coisa ainda para ouvir, para juntarmos aqui as peças. A audiência pública funciona muito assim: cada um traz a partir de que perspectiva está, no processo do debate. Por exemplo: nós ouvimos o médico, nós ouvimos aqui a Drª Thais... É técnica do Ministério, não é?
A SRª THAIS FONSECA VELOSO DE OLIVEIRA - Eu sou analista de políticas sociais.
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Analista de políticas sociais do Ministério. Eu tenho alguns amigos também que são analistas de políticas. Ela tem um olhar.
E agora a gente vai ouvir a Drª Daphne Rattner, que é Presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa).
Com a palavra a Drª Daphne.
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A SRª DAPHNE RATTNER - Eu queria dar boa-tarde e agradecer o convite, muito honrada. Espero trazer uma boa contribuição.
Eu gostaria de dizer que a ReHuNa é um movimento social e eu tenho a certeza da importância desse e de outros movimentos sociais no País, que fizeram com que se abrisse essa janela de diálogo com a corporação médica, porque, hoje em dia, existe essa possibilidade de nós estarmos conversando sobre o tema violência na atenção obstétrica. Então, eu acho que a iniciativa foi nossa, dos movimentos sociais, e nós percebemos esse avanço e essa oportunidade de estarmos conversando sobre o tema.
E aí, como eu sou Presidente da Rede pela Humanização, eu trago a pergunta: por que é que a atenção ao parto deve ser humanizada?
Eu vou partir de alguns pressupostos. O primeiro deles é que o trabalho de parto é um trabalho nobre: a mulher está trabalhando sério para trazer um bebezinho. O segundo é que o parto, além de um evento biológico para reproduzir, para termos mais gente, é um evento social e familiar - a família inteira fica envolvida e, além da família, os vizinhos, a comadre, etc; é um evento cultural - em cada cultura ele tem uma representação diferente; ele é espiritual, ele é emocional, é de uma riqueza, na vida da pessoa, muito grande. Pergunte a cada mulher que engravidou e pariu.
Parto também é uma expressão da sexualidade. Nós temos um filme, Parto Orgásmico, que foi feito pela Debra Pascali-Bonaro, que mostra muitos partos orgásmicos. Esta mulher está parindo na banheira e olhem a expressão dela: ela está entregue.
Levando tudo isso em conta, o cuidado deve levar em conta os fatores familiares, psicológicos, sociais, etnológicos, espirituais, valorizar o estado emocional da mulher... Por exemplo, uma gestão resultante de estupro é diferente de uma gestação planejada. Então, como é que ela está no momento do parto, quando ela tem que lidar com essa situação? As crenças e, principalmente, o sentimento de dignidade e autonomia durante o parto. É isso que se espera do cuidado.
Esse agora é um parecer meu, pessoal. Eu considero que não há nada mais sublime do que trazer uma vida nova para o Planeta. Há gente até que acha sagrado. Esta mulher, no momento em que acabou de parir, olha para o céu e agradece. E o corolário de todos esses pressupostos é que esse processo nobre e sublime deveria ser cercado de muita amorosidade, muito respeito e muito apoio, e o cuidado deveria estar centrado no bem-estar da mulher, do bebê e da família. E, infelizmente, a cultura institucional faz com que o cuidado esteja centrado na conveniência do profissional e da instituição.
Então, com tudo isso que nós dissemos, o que acontece é que nós temos violências. A Thais já trouxe, e o Etelvino também, a pesquisa da Perseu Abramo, em que 25% das mulheres disseram ter sofrido alguma violência, de diferentes maneiras - toque doloroso, negou alívio da dor, gritou, violência física... Eu vou falar um pouco mais sobre isso depois, mas o que eu queria comentar é que essa mesma pesquisa identificou que 27% das mulheres que foram atendidas na rede pública disseram que tinham sofrido, e 17% no privado. Então, não é uma questão do SUS. É uma questão da cultura da nossa sociedade, que é uma cultura que legitima feminicídio; que legitima, quando uma menina de 16 anos é estuprada por 33, que postam na internet e dizem: "Mas ela estava com uma roupa, ela chamou, ela pediu". Como é que é isso?
Então, essa mesma cultura está fora dos hospitais, mas está dentro dos hospitais. E é a cultura que legitima que uma mulher, quando vai parir, possa ser vítima de alguma forma de violência. Então, eu trouxe alguns eslaides. Como o meu tempo foi muito reduzido - eu tinha preparado para 30 minutos -, eu vou ter que rodar agora. Essa é uma violência interpessoal, de procedimentos desnecessários.
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É o seguinte: a Carla Raiter pegou vítimas de violência, fotografou essas mulheres, pegou depoimento delas, digitou e colou em um plastiquinho na pele delas. E você tem o depoimento, então, de procedimentos desnecessários, negligência... Essa mulher diz assim: "Eu chamava, chamava, e ninguém prestava atenção." Outras violências: violência psicológica no pré-natal, violência psicológica no parto - "Não se faça de vítima, levanta, sai andando". Abandono. Essa mulher disse assim: "O dia em que a minha filha nasceu foi o dia em que eu me senti mais sozinha no mundo." E já existia direito a acompanhante, desde 2005, como foi bem lembrado aqui.
Essa foi violência verbal, em que eu não vou entrar, maus-tratos...
Na violência verbal - e isso é da pesquisa da Perseu Abramo -, as falas que muitas mulheres ouvem... E é assim: nós saímos fazendo palestra no Brasil inteiro, e a mulher diz assim: "Olha, eu fui a um hospital universitário, e ela vira e diz: 'Ah, no ano que vem você está aqui de novo'." Então, essa coisa acontece e é aprendida nas instituições de ensino, esse tipo de atitude que desrespeita a dignidade da mulher.
(Soa a campainha.)
A SRª DAPHNE RATTNER - Agora eu vou correr. V. Exª me dá mais três minutos?
Violência física.
Essa é uma episiotomia que olha até onde foi: abuso total! E a mulher dizendo: "Eu deitei e pedi para não ter episiotomia. Colocou os pés nos apoios, ele cortou, e o marido disse: "Não cortou demais, doutor?" E ele disse que não, com a cabeça.
Violência física de amarrar a mulher, violência física do Kristeller... E eu gostaria de dizer que não é uma manobra inócua. Essa é uma notícia de 2016, em que o bebê faleceu.
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - O que é Kristeller?
A SRª DAPHNE RATTNER - É uma manobra em que se empurra o bebê. Chama-se também pressão fúndica - no fundo, aqui, para sair. Eu costumo brincar que ela...
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - É brutal.
A SRª DAPHNE RATTNER - É brutal.
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - Às vezes vem o enfermeiro... O médico geralmente pede para um enfermeiro fazer. Às vezes, o próprio anestesista faz, quando ele passa a mão por cima e segura na maca, para poder dar uma alavanca de força. Então, se ele tiver força de, digamos, 100 dinamômetros, vira 200.
A SRª DAPHNE RATTNER - É o meu tempo que você está... (Risos.)
O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - Desculpe. A intervenção é dela.
A SRª DAPHNE RATTNER - Não... Deixa eu explicar. Eu costumo dizer...
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Normalmente eu interajo assim, porque, cada vez mais junto, cada vez mais que todo mundo compreenda junto... Assim... Eu não sabia, de fato, a manobra de Kristeller. Não sei se todos sabiam essa designação. Talvez muitas mulheres até passem por isso e nunca vão saber o nome disso. Agora a gente já está sabendo, até para combater, não é? E eu estou entendendo que é grave.
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A SRª DAPHNE RATTNER - É muito grave. Eu costumo brincar e dizer assim: é assumir que a mulher é um tubo de pasta de dente, em que você empurra por aqui e o bebê sai por lá. É assim, é essa visão mecânica de como a gente faz um bebê nascer. É por isso que a gente fala em humanização, para tirar a mecanização do parto.
Aqui... Travou, e agora? (Pausa.)
A gente falou de violência interpessoal, violência dos serviços de saúde, desrespeito aos direitos, de ter acompanhante. Pai não é visita. Ele é parte do nascimento, de fazer e de nascer o bebê.
O que está acontecendo? Para onde eu tenho que mirar?
Violência: não ter protocolo. Você tem muito serviço que não define o que é para se fazer. Usar práticas sem evidências científicas. Kristeller é uma delas. Uma gestão permissiva de violências interpessoais. O pessoal vai lá, reclama e ninguém faz nada, deixa continuar. Falta de acolhimento a queixas e inexistência de ouvidoria. São formas de violência dentro da instituição do serviço de saúde.
Próximo.
Você tem violência do sistema de saúde. A mãe e o filho, nesse caso, peregrinaram. Falta de vagas. Ela falou que, hoje em dia, a mulher, no momento em que engravida - é uma lei, proposta pela Luiza Erundina, que foi aprovada em 2007, a Lei nº 11.634 -, quando ela começa o pré-natal, tem direito de saber onde ela vai parir. Ainda não se respeita esse tipo de direito. Aqui no caso morreram mãe e bebê: ali com dois atestados de óbito e dois caixõezinhos.
Próximo. Aquilo que eu ia dizer: a coisa fica pior se ela for de raça, cor preta ou parda - ela recebe mais violência -, se ela for adolescente, se ela for pobre ou se ela estiver abortando.
(Soa a campainha.)
A SRª DAPHNE RATTNER - Aí está a fala de um estudo, em que se recolheram casos de aborto, e a mulher dizia: "Me senti um lixo, me senti um pacote de lixo. Me jogavam para um, me jogavam para outro dentro do serviço, e ninguém queria atender".
Vamos para o próximo.
E aí, como deveria ser o atendimento no nível interpessoal?
Vamos em frente.
O que se espera de uma pessoa cuidadora?
Em frente.
As qualidades. Como faz isso? Ela tem que ser comunicativa. Isso foi uma pesquisa feita no Japão. Tem que ser simpática e carinhosa, companheira. Só como quarto item aparece tecnicamente capacitada; e, no quinto, autoconfiante. Essa foi uma pesquisa feita com mulheres no Japão. A gente acha que japonesa é meio fria, mas não; elas querem pessoas comunicativas interagindo com elas. Acho que isso é uma aprendizagem para profissionais de saúde, de como é que a gente tem que estar na cena do parto.
Em frente.
No nível do serviço. Eu não vou ler, mas está no site da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo o que o serviço deve oferecer em termos de humanização.
Vamos em frente.
No nível do serviço, adotar protocolos com evidências científicas. Esse é um cartaz que a gente distribui pela ReHuNa, parecido com o do Ministério, mas o nosso tem mais.
Oferecer suporte por doulas. O John Kennel dizia que, se doula fosse um medicamento, seria antiético não prescrever. E antes que você me pergunte o que é doula, a ADDF vai falar, a Associação de Doulas do DF.
Então, eu vou chegar ao finalzinho do meu tempo. Vamos lá.
E mais alguns motivos para humanizar a atenção ao parto.
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Vai lá.
Dá licença: vocês acham que parto tem que ser sofrimento? Não precisa, não é?
Olhem como está bonito... Olhem aquela mulher: está saindo uma cabeça lá embaixo. Deu para notar? Ela não está sofrendo.
Então, só mais uma.
Esta é uma frase do Frédérick Leboyer, no livro Se Me Contassem O Parto: "É preciso devolver à mulher a dignidade e a felicidade que lhe são devidas".
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada também a Daphne Rattner. Quero parabenizá-la também pelo trabalho.
Eu sempre tive uma relação muito importante com as instituições que trabalham essa questão no Ceará. Eu estou licenciada, mas sou professora da Universidade Federal do Ceará. E quando, à época, era Vereadora de Fortaleza, nós visitamos uma casa de parto que tinha recebido, à época, uma verba do Governo Federal, mas apenas para se instalar, e quem nos apresentou esse problema foi a direção do departamento de Enfermagem, porque a casa de parto ficaria sob a responsabilidade, digamos assim, da diretoria da Enfermagem, com toda a relação com a faculdade de Medicina, onde se calculava, inclusive, o tempo. Se houvesse qualquer tipo de complicação, etc. e tal, havia uma ambulância de pronto atendimento para que ela pudesse chegar a tempo na maternidade universitária, que ficava a tantos minutos e tal. Tudo era muito...
A SRª DAPHNE RATTNER - Ficava a dez minutos do hospital. Eu visitei essa casa de parto.
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Ah, você visitou? Pronto.
E estava fechada exatamente porque havia uma briga, digamos assim, uma discussão de que não poderia ficar sob a custódia do departamento de Enfermagem esse problema. E a casa era muito bonita.
Inclusive, quando eu fiz, como Prefeita, o Hospital da Mulher de Fortaleza -é um espaço gigantesco que tem 80 mil metros quadrados de área, 27 mil metros quadrados de área construída... Eu acho que tenho até um eslaide; vou mostrar, no final, para vocês -, nós fizemos assim: uma UTI neonatal de Primeiro Mundo. Temos uma sala onde você tem uma piscina enorme, uma piscina aquecida, onde as mulheres fazem todo o trabalho para o parto humanizado, com a presença de multiprofissionais, multidisciplinar... É, assim, muito interessante.
Mas eu lembro demais que nós visitamos a casa, e a casa estava com tudo para funcionar, estava equipada, muito bonita, mas estava impedida de funcionar em função de que o departamento de Medicina e o departamento de Enfermagem - as diretorias, enfim, dos departamentos - não chegaram a um acordo. Até nem sei como é que está, neste momento, isso aí.
A SRª DAPHNE RATTNER - Eles ficaram só para atender a prevenção de câncer e planejamento reprodutivo. Mais nada.
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Nunca efetivou o parto.
Bom... Então, vamos para frente.
Muito obrigada. Muito bom. Um olhar muito interessante, aí, de quem trabalha e milita pela humanização do parto.
Então, agora nós vamos ouvir a Hellen Cristhyan, que é representante da Casa Frida e integra o Fórum de Mulheres do Distrito Federal e Entorno.
Muito obrigada pela presença.
A SRª HELLEN CRISTHYAN - Obrigada.
Boa tarde a todas.
É um prazer estar aqui. Agradeço, Deputada, o convite.
Eu sou Hellen Cristhyan. Sou doula, conselheira de saúde de São Sebastião e componho o Fórum de Mulheres do DF e Entorno. Sou fundadora da Casa Frida, que é uma casa de cultura e acolhimento a mulheres em situação de violência. Carrega este nome Frida como homenagem a Frida Kahlo, artista latino-americana, e também como uma sigla, que é Feminismo, Revolução, Igualdade, Diversidade e Amor - são as palavras norteadoras do nosso fazer e vou falar a partir desse ponto de vista também.
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Quando recebemos o convite para estar nesta audiência, entendemos que era um convite para falar do ponto de vista das mulheres que estão, no dia a dia, passando por esses processos do período gravídico-puerperal. Seja na rede pública, seja na rede privada, entendemos que a violência obstétrica começa não na cena do parto, mas começa desde os direitos sexuais e reprodutivos, desde o planejamento familiar, em que é negada, entre várias coisas, informação sobre outras composições de família, em que não há as orientações adequadas para as mulheres lésbicas que querem ter bebê, seja por inseminação, seja por adoção por várias formas - o que é possível. A partir do momento em que não respeitamos a diversidade de composição familiar, começa a violência obstétrica no nosso País.
Seguida dessa primeira violência, vem a violência que é a falta de informação ou a informação criminosa, que é feita sem evidência científica: colocam-se as mulheres num local - e falo por ter passado por isso e por ter recebido várias mulheres em São Sebastião e em várias cidades do Distrito Federal - onde são aconselhadas a fazer todo o seu planejamento de parto para um parto cesáreo, porque a Medicina evoluiu para que as mulheres não passassem pela dor. Aí, as mulheres são aconselhadas, desde o início do pré-natal, a fazer o parto cesáreo, sendo que o parto normal e o parto natural vão acarretar muitos benefícios para ela e muito menos risco.
Então, acreditamos que a violência obstétrica começa nesses dois pontos de partida, e o que acontece, que comprova, inclusive, isso... Quero pedir até licença ao médico representante do conselho na Mesa: a violência obstétrica não é uma acusação direta a médicos obstetras, porque existem médicos e médicas obstetras que entendem o parto como o protagonismo da mulher e auxiliam para que essa mulher tenha o protagonismo, mas, quando a Medicina, a partir das pessoas que são formadas para isso, que estão ali na cena do pré-natal, faz esse tipo de informação, isso é um tipo de forma de pensarmos onde está a questão de a mulher ser protagonista. Então, há aí um sexismo também colocado.
A mulher sempre pariu desde que existe a humanidade. Nem existia homem na cena do parto. A cena do parto era protagonizada pelas mulheres. Achei muito bacana a imagem colocada ali da indígena, ela fazendo o próprio parto - porque não é uma terceira pessoa que faz o parto, é a mulher que faz o parto; a equipe de saúde está ali para auxiliar aquela mulher e para dar o suporte, os subsídios de que ela necessitar para que ela possa fazer o seu próprio parto.
Então, consideramos que a palavra é, sim, violência obstétrica, o que é a partir do momento em que medicalizamos a cena do parto compulsoriamente. Todavia, logicamente, existe a cesárea que é indicada. Existem casos em que é preciso ter a cesárea, mas a maioria, na real, não é, e temos como uma prática comum a indicação do parto cesariano. As mulheres chegam ao posto de saúde da família e recebem essa orientação; então, elas acreditam na autoridade da médica, do médico...
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(Soa a campainha.)
A SRª HELLEN CRISTHYAN - ... do enfermeiro, de quem estiver ali orientando, porque teve um curso profissionalizante para isso.
Então, a gente tem de ter o maior cuidado com os termos que são utilizados, com as orientações que são dadas. É preciso haver um protocolo da humanização do parto para que essas mulheres tenham todas as informações necessárias.
E aí, falando do Distrito Federal, que deveria ser um laboratório de experiências de sucesso pensando numa construção de sociedade do bem viver, isso não ocorre. Ao contrário, reproduz essas práticas inadequadas e criminosas, como a manobra que foi citada aqui, a episiotomia e várias outras situações que são recorrentes - acho que a segunda Mesa vai tratar mais disso. Há, inclusive, pesquisas recentes aqui, no Distrito Federal, apontando isso, mas a gente reconhecer essa violência é o primeiro passo. E, para reconhecer essa violência, é preciso que, como profissionais, a gente também reconheça que existe uma violência institucional sendo colocada para as mulheres, sobretudo as mulheres negras. As mulheres assumirem essa violência que sofreram é um local de muita dor. Por isso a gente não tem um número muito grande de denúncias sobre a violência obstétrica, apesar de ela acontecer cotidianamente.
As mulheres são colocadas em um espaço onde, primeiro, a Justiça está totalmente descredibilizada, lenta para processar esses casos; as mulheres não conseguem testemunhas no local da cena do parto, porque a equipe de enfermagem, a equipe de doulagem ficam coagidas a não se posicionarem porque ficam com medo do conselho de médicos, seja ele distrital ou nacional. Então, há uma série de coisas que são acometidas para as mulheres não fazerem a denúncia, inclusive a questão do racismo, porque, quando elas pedem uma anestesia, a elas é negada; quando elas pedem um atendimento, quando elas pedem um acompanhamento, é negado. Então, a mulher não pode ter o marido ou a companheira ali, na cena do parto; a mulher não pode ter o acompanhamento de uma doula, porque ainda, no Distrito Federal, é negado o acesso das doulas. E ela não pode ter também a equipe médica que deveria dar um suporte para ela, porque: "Ah, ela é mulher negra. Ela é forte o suficiente para estar ali na cena do parto." Ou ainda: "Ela quis parir, então ela que aguente". O mesmo País que diz que a mulher que quis parir, então ela aguente o parto - e ela não pode gritar e não pode fazer uma série de coisas -, é o mesmo País que nega a possibilidade do aborto,...
(Soa a campainha.)
A SRª HELLEN CRISTHYAN - ... sendo que a mulher precisa ter escolhas, já que a gente está em um país que não tem a humanização do parto garantida e uma série de outras coisas.
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Vou pedir mais dois minutos aqui para falar que desencorajar a mulher ao parto natural é uma violência não só obstétrica, como é um crime de humanidade. A gente nega àquela mulher a possibilidade de ter o prazer que é o parto.
Na hora em que foram mostradas as últimas fotos no eslaide, eu me emocionei. Eu estou aqui com minha filha, Ana Frida, que nasceu, inclusive, no dia 6 de julho, no dia de aniversário da Frida Kahlo. Ela nasceu de parto natural, na Casa de Parto de São Sebastião. E a Casa de Parto, que é uma referência do parto natural e humanizado, hoje atende cerca de 34 mulheres por mês. É um número muito baixo, que é utilizado para, inclusive, fechar a Casa de Parto, sendo que isso está acontecendo na região leste porque os postos de saúde da família não estão indicando as mulheres para a Casa de Parto.
Então, essa contraindicação é também uma violência obstétrica e precisa acabar, porque a gente não está falando de um conflito de interesses de fato. A gente está falando que as equipes de saúde - e aí no seu conjunto de profissionais, médicos, enfermeiras, técnicas, assistentes sociais, doulas - precisam atuar de forma a garantir àquela mulher uma possibilidade de parto sem sofrimento. A gente já tem aí um sofrimento materno muito grande causado pela ausência da paternidade, pela desresponsabilização da paternidade, e a gente causa, mais uma vez, uma violência à mulher na cena do parto quando a gente nega a ela essa série de direitos.
Havia uma série de outras coisas aqui para falar, mas eu vou aguardar as perguntas e, quando eu retornar aqui, concluo.
Obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada pela participação e pelas palavras. A gente quer aqui saudar a Ana Frida. Obrigada pela presença também, testemunha viva do parto humanizado. (Palmas.)
Seja bem-vinda aqui a esta Casa.
A gente vai pedir o seguinte: a gente vai trocar a Mesa, está certo? Vocês irão para lá, essas plaquinhas vão também junto com vocês, e a gente vai recompor aqui, com a segunda rodada de debatedoras, e aí eu vou chamando aqui, também já agradecendo o convite, agradecendo a atenção, agradecendo também a colaboração que vocês estão dando.
Nós vamos convidar a Srª Ilka Teodoro, que é Diretora Jurídica da Associação Artemis. Seja bem-vinda e muito obrigada pela presença. (Palmas.)
Gostaria de chamar também a Srª Silvia Badim Marques, que é Doutora em Saúde Pública. Muito obrigada. (Palmas.)
Vamos chamar também a Srª Marilda Castro, que representa a Associação das Doulas do Distrito Federal. (Palmas.)
E, por fim, a Srª Renata Reis, que é médica ginecologista e obstetra. (Palmas.)
Bom, composta esta nova Mesa, nós vamos iniciar convidando para usar a palavra a Drª Silvia Badim Marques, que é Doutora em Saúde Pública.
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E tivemos aí, de volta... Estamos iniciando esta Mesa, se você quiser ficar... Esta Mesa agora, esta aqui, porque acabou de sair aquela Mesa primeira - são duas Mesas. Se você puder ficar aqui para eu dar a minha presença, está certo?
Então, eu convido aqui, para presidir esta reunião, com total pertinência no assunto e falando de causa, a nossa Deputada Carmen Zanotto, que é enfermeira e vive a saúde pública.
Eu volto daqui a pouco, está certo? Eu vou lá dar a minha presença.
Pena que eu não vou ouvir vocês do começo.
A SRª PRESIDENTE (Carmen Zanotto. PPS - SC) - Mais uma vez, boa tarde a todos os nossos convidados e autoridades da primeira e da segunda Mesas.
De imediato, então, passo para a Doutora em Saúde Pública, Drª Silvia Marques.
A SRª SILVIA BADIM MARQUES - Está funcionando? Está, agora está.
Obrigada. Muito obrigada pelo convite. É um prazer estar aqui.
Eu gostaria de dizer que eu sou também professora da Universidade de Brasília e vou buscar contribuir para o debate, não querendo repetir muito o que já foi dito. Então, eu só trouxe uma apresentação para trazer alguns dados de pesquisas que eu fiz aqui no Distrito Federal. E vou passar aí alguns conceitos, mas eu deixo disponível para vocês uma pesquisa de projetos de lei etc., porque eu não vou me estender.
É interessante a gente ter em mente que a violência obstétrica é um conceito em construção. Isso não está dado ainda. Como o Dr. Etelvino problematizou o termo, a gente também problematiza o que está envolvido no âmbito da violência obstétrica.
Como a própria Hellen colocou, a gente tem que entender a violência obstétrica como uma série de atos praticados. Como se diz ali no dossiê: "Parirás com dor no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva", isso dá uma definição do que pode ser cometido por profissionais de saúde, mas que também acontece de forma institucionalizada.
Uma definição que eu gosto muito está também num projeto de lei que tramita em apenso hoje na Câmara dos Deputados e que traz uma definição muito interessante também, porque traz a violência obstétrica como uma apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres, e amplia um pouco, pois traz uma série de questões que envolvem, portanto, o que pode acometer uma mulher nesse escopo da violência obstétrica.
E, ao final, eu gostaria de lembrar, um pouquinho mais adiante, que a violência obstétrica é uma violência de gênero - acho que isso é uma coisa importante de a gente comentar -, que nos acomete a nós mulheres, que somos vítimas de machismo e de diversas violências de gênero no âmbito da sociedade. É muito importante que ela seja tratada como uma violência de gênero, que ela esteja envolta no âmbito de todas as violências que envolvem as mulheres na sociedade. Ela não é um fato isolado.
Será que, se os homens parissem, esse tanto de violência os acometeria? Por que é que as mulheres...Não só em relação à violência obstétrica no momento do parto e do puerpério, mas também em toda... A gente tem que começar a falar também em violência ginecológica. A gente tem que falar também nas negligências que acometem mulheres no âmbito hospitalar, muitas vezes voltadas à sua sexualidade, ao exercício da sua sexualidade: às vezes piadas, ofensas morais que as mulheres recebem dentro de hospitais e clínicas privadas por serem mulheres.
Então, hoje, ser mulher não é seguro nem dentro de um estabelecimento de saúde, de uma clínica ou de um hospital. A gente tem uma série de violências perpetradas.
E gostaria também de ampliar um pouquinho. A gente fala muito que a violência obstétrica é cometida contra mulheres, mas a gente também tem de dizer que ela pode ser cometida também hoje contra homens transsexuais, que também são capazes de engravidar. Então, a gente tem que questionar essa mulher que a gente vem usando, porque, na hora em que chega um homem transsexual, de que forma ele é tratado? Isso também envolve violências específicas e reconhecimento de suas dignidades no âmbito do atendimento de saúde. Então, é importante.
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E, como lembrou a Hellen - eu estava vendo quando a Daphne estava trazendo a presença do acompanhante -, é muito importante a gente também dissociá-la da presença do pai, porque nem sempre é o pai o acompanhante. A gente tem que lembrar que dados de 2014 do Conselho Nacional de Justiça nos mostram que 5,5 milhões de crianças não têm sequer o nome do pai no registro de nascimento. E, muitas vezes, o próprio homem estar presente na cena do parto pode significar uma violência a essa mulher, porque, muitas vezes, ela é vítima de violência por parte desse pai dessa criança. Então, não é sempre o homem; muitas vezes é a mãe, a avó, que vai estar presente; ou a própria companheira, por que não? Mulheres lésbicas também têm filhos e merecem todo reconhecimento, dignidade e acompanhamento.
Então, antes de a gente começar, eu queria só ressaltar de novo a Fundação Perseu Abramo, porque uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. É um número bastante assustador.
Eu mesma me deparei - comecei a me deparar - com a violência obstétrica no meu próprio processo de parto, há 11 anos, quando fui vítima de violência obstétrica. Não conhecia o conceito e me aterrorizou o fato de a médica virar para mim - eu perguntava o que ela estava fazendo - e dizer que estava me costurando. E eu perguntei: "Por quê?". Ela: "Uai, porque eu a cortei para fazer uma episiotomia".
E aí eu fiquei pensando em tudo que eu tinha estudado, no âmbito jurídico, do princípio do consentimento e da autonomia dos corpos. A mulher não merece ser ouvida acerca do consentimento sobre o que é praticado no seu corpo? Será que a mulher não é considerada uma pessoa capaz de consentir para que, no momento em que vá ser feito um corte na sua vagina, ela seja consultada sobre esse procedimento? Isso fere sobremaneira a autonomia e o princípio do consentimento das mulheres. Então, é interessante que não somos vistas, do ponto de vista jurídico, sequer como pessoas capazes de consentir no momento de parto e puerpério.
E lembrando também, obviamente - como a Hellen lembrou e a Daphne também -, as situações de abortamento, que também têm que ser abrigadas por esse contexto, em que há uma série de ofensas, inclusive uma criminalização às mulheres num ambiente onde elas não devem ser criminalizadas.
Então, eu só vou passar rapidamente para dizer que, mesmo que esse termo juridicamente...
(Soa a campainha.)
A SRª SILVIA BADIM MARQUES - ... ainda não tenha sido calcado, definido legalmente, a gente encontra isso numa breve pesquisa que eu fiz junto com uma aluna chamada Desirée Marques. A gente olhou processos no TJDFT sob a ótica da violência obstétrica, mas eles, na verdade, se referiam a erros médicos e negligências médicas no processo de parto e puerpério. Então, numa breve pesquisa, nós ficamos bastante impressionadas, porque nós analisamos 80 processos. Desses, quatro foram ações penais, os outros todos correram na esfera cível, sob o grande âmbito que hoje nós denominamos responsabilidade civil - tanto objetiva, dos hospitais; quanto subjetiva, dos profissionais de saúde. Só que a gente vem tratando de uma forma ampla dentro desse instituto, sem dar a devida característica do gênero da violência que ela merece. Enfim, são indenizações de danos morais.
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E é interessante que, entre as lesões físicas que a gente encontrou nos acórdãos, constavam lesões medulares nas mulheres; mulheres que ficaram em estado vegetativo por conta de erros de anestesia, de o médico anestesista sair da sala de parto; esquecimento de objeto dentro das mulheres, que é algo bastante comum infelizmente; infecções pós-operatórias; fístulas vesicouterinas; restos placentários na cavidade uterina; laqueaduras sem autorização - o que nos remete a um caso que aconteceu uma semana atrás, que está causando polêmica no Município de Mococa, onde uma mulher foi esterilizada a pedido de um promotor de justiça, o que abre o debate, de novo, sobre os nossos direitos sexuais reprodutivos -, que aconteceram aqui no Distrito Federal; queimadura; fístula retovaginal; histerectomia devido a complicações pós-cirúrgicas sem o aviso à mulher; e laqueadura realizada e não informada. Então, de novo, a gente teve vários danos. E, aí, outros danos causados que a gente encontrou foram parto desassistido, problema com diagnóstico de HIV, negativa de acompanhante e peregrinação, que também é algo que tem aparecido muito nos tribunais. A mulher fica peregrinando e muitas vezes... Num desses casos, a mulher teve o parto no banco de fora do hospital.
Então, a gente problematiza muito o parto cesáreo, mas é preciso dizer também que a desassistência da mulher também é uma violência obstétrica. Você deixar uma mulher parir sem assistência, deixar ela fazer uma peregrinação e parir no banco de uma praça, em frente ao hospital, porque foi dito a ela que não havia material no hospital, não havia avental, portanto ela não podia ser recebida no hospital... Ela atravessou a rua e o bebê nasceu no banco da praça. A desassistência também é uma violência obstétrica. Não é só o parto cesáreo; a gente tem que ampliar esse escopo.
(Soa a campainha.)
A SRª SILVIA BADIM MARQUES - Bom, eu tenho todos esses resultados documentados para quem quiser depois.
Tenho uma outra pesquisa - de que eu ia falar, mas não dá tempo - que a gente fez no HRC também, coletando frases que as mulheres ouviram dos profissionais. A mais recorrente delas foi colocada aqui, que era: "Na hora de fazer, você não sentiu dor". E algo que era muito comentado pelas puérperas lá no HRC era que elas sabiam que, quanto menos elas gritassem, elas seriam melhores atendidas. Então, há uma cultura ali em que elas sabiam que não podiam manifestar a dor, porque, quanto mais elas gritassem, menos os profissionais de saúde iriam atendê-las. Isso foi algo bastante triste.
Mas, enfim, eu tenho esses resultados dessas pesquisas; depois, se vocês tiverem interesse...
Obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Carmen Zanotto. PPS - SC) - Muito obrigada, Drª Silvia. A senhora ficou nos dez minutos rigorosamente. Obrigada! Sete mais três, muito obrigada.
Eu agora passo, então, para a representante da Associação de Doulas do DF, a Srª Marilda Castro. Sete minutos e mais três, se necessário.
A SRª MARILDA CASTRO - Boa tarde a todas e a todos.
Eu falo de um lugar aonde essas mulheres chegam vítimas de violência no ciclo gravídico-puerperal - é assim que nós o denominamos. Então, a maioria das doulas hoje, uma grande parte de doulas, é de mulheres que sofreram violência no ciclo gravídico-puerperal. Poucas delas são mulheres negras que conseguem atingir esse curso. Poucas delas! E colocam também bastante sobre violência no ciclo gravídico-puerperal, mais do que as mulheres brancas. E temos poucas mulheres, pouquíssimas, que acreditam que tiveram partos com boas experiências. E lá, realmente, quando a gente as recebe, nos cursos de doulas, relatam que entendem que sofreram violência.
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Então, quem é a doula? A doula, nós saímos de um conceito de que ela é a mulher que serve, que segura a mão da mulher grávida no trabalho de parto, parto e nascimento, para uma mulher maior de 18 anos, que tenha nível fundamental incompleto, capacitada por curso livre, que apoia física, emocional e informacionalmente a mulher no ciclo gravídico-puerperal, bem como acompanhante e família dessa mulher. Nós temos registros da Fadynha como a primeira doula no Brasil. Nós temos também experiências do Ministério da Saúde e no Sofia Feldman como as primeiras experiências com doula na assistência à mulher, principalmente nos serviços de saúde.
Nós pertencemos hoje, por um movimento iniciado aqui no Distrito Federal em 2009, ao cadastro brasileiro de ocupações desde janeiro de 2013. Nós temos hoje o PL 8.363, de agosto de 2017, que fala sobre a profissionalização e regulamentação das atividades da doula. E hoje nós temos leis de acesso às doulas nas maternidades em dez Estados mais o Distrito Federal e em quarenta Municípios. Então, o PL 8.363 é uma lei para que a gente saia desse lugar de cada Município, de cada Estado criar a sua lei, e tenhamos uma lei em nível federal, nacional.
Então, eu estou falando aqui pela ADDF, mas hoje falo aqui também com a anuência da Federação Nacional de Doulas, da qual eu faço parte, que foi constituída agora em maio de 2018. E isso para nós é muito importante porque nós temos agora uma conversa não só em níveis locais, mas em nível federal. Então, várias associações fazem parte dessa federação.
Essa apresentação está disponível, então eu vou passando mais rapidamente.
E quero falar um pouco deste lugar sobre o que nós temos feito hoje, desde quando nós iniciamos esse movimento em nível nacional. Ele inicia em 2009, chega em 2014 com a primeira convenção, que foi um evento especial para doulas, só de doulas para doulas. Nós começamos em 2014.
A nossa primeira pauta, inclusive com a participação da Profª Silvia Badim, foi sobre violência na atenção à mulher, porque nós somos as profissionais mais próximas de assistir a todas as violências que ocorrem à mulher, principalmente na cena do parto. E daí, nós trabalhamos nesse momento também em relação às leis das doulas no DF, que é a lei do Estatuto do Parto Humanizado, que é a 5.534, de 2015. Essa lei foi fruto de todo um trabalho feito entre o grupo, na época, de articulação na associação mais a ReHuNa - a Daphne, que está aqui presente -, e chegamos nessa lei, até por um estudo de leis em relação à mulher. E outras pautas referentes à formação das doulas.
Eu não sei o que aconteceu... Eu é que mexi? Fui eu? Porque eu não sei mexer, pois eu não sou a pessoa que mexe muito bem nessas coisas.
Bom, então, só voltando um pouquinho. Então, nós éramos a ADDF e duas doulas do Rio de Janeiro nessa primeira convenção. E aí, na segunda convenção, que foi em 19 de maio, nós falamos sobre o projeto que foi citado aqui, que a gente chama de Deputado Jean Wyllys, e consideramos entregar um projeto de lei das doulas, que é esse atual projeto.
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E, naquele momento também, na intenção de expandir o curso de doulas, nós assinamos o convênio com o Instituto Federal de Brasília. Então, hoje nós temos um convênio e realizamos o primeiro curso de doula pelo Instituto Federal. Então, eram duas associações naquele momento - a Adosc, que é de Santa Catarina, em construção.
Então, a ADDF foi constituída oficialmente em 21/6/2015 e oficializada em 18/9/2015. Então, nós amanhã fazemos já três anos de constituição. E hoje nós somos mais de 15... A partir da nossa associação, nós passávamos para todas as associações o nosso estatuto, a ata de constituição, e hoje nós somos mais de 15 associações constituídas e outras em fase de constituição. E temos a Federação Nacional de Doulas para falar pela categoria.
E nós temos também algo que nós reputamos de muita importância, que é o voluntariado de doula. Essa é uma...
(Soa a campainha.)
A SRª MARILDA CASTRO - ... É um voluntariado em que nós estamos mais próximas às mulheres, principalmente as que estão no Sistema Único de Saúde. Aqui no Distrito Federal, estamos prestes a assinar um convênio com o Governo do Distrito Federal para haver doula em todas as maternidades públicas e na Casa de Parto, 24 horas por dia, o que vai ampliar o nosso acesso às mulheres, e para que elas tenham o nosso apoio no momento do parto.
Então, nós tivemos o primeiro curso de doula. E o interessante é que esse primeiro curso de doula serviu de base para o primeiro curso de doula agora próprio do IFB. Ele não é mais da parceria da Associação de Doulas; ele é um curso FIC. Então, ele é um curso em que o próximo já entra para o ensino. Então, ele, esse projeto, pode, inclusive, ser requisitado por qualquer instituto federal do Brasil. E isso para nós é tornar esse recurso próximo de todas as mulheres, para terem todas as informações que nós consideramos privilegiadas do ciclo gravídico-puerperal.
Então, nós temos a 3ª Convenção Nacional de Doulas, em que tratamos de questões mais próximas às nossas. Aprofundamos na Lei Nacional de Doulas, já com sete associações.
A 4ª Convenção de Doulas foi em maio deste ano, em que finalizamos o PL 8.363, com as nossas considerações - para o relatório do PL já houve audiência pública; o relatório já saiu da comissão devida, de família e assistência social, já saiu de lá. Nós estamos na organização da formação das doulas nos institutos federais em nível nacional. Estamos construindo um código único de ética das doulas. E trabalhamos com as doulas nas políticas públicas.
E já está marcada para o próximo ano a 5ª Convenção Nacional de Doulas no Rio de Janeiro. E já somos 15 associações a construir este momento.
Então, a importância da doula. Nesses últimos minutinhos que eu tenho, eu quero dizer que somos mulheres. Doula é uma mulher que está mais próxima das mulheres nesse momento. É porque somos nós que mais ouvimos todas as queixas das mulheres em todo o seu ciclo gravídico-puerperal. Por isso ainda nós temos tanta dificuldade de entrar no hospital para acompanhar essas mulheres, porque nós somos vistas ainda muito como aquela mulher que vai fiscalizar todos os processos nessa cena de parto e vamos denunciar.
Não é esse o nosso trabalho. Inclusive, nós encaminhamos em 14/11/2016 uma sugestão para a Câmara aqui do Distrito Federal para que houvesse um lugar, para que houvesse uma forma de a mulher denunciar aquela violência que ela sente, que ela sofre e que ela passa verdadeiramente.
(Soa a campainha.)
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A SRª MARILDA CASTRO - E isso foi levado para a Câmara, e foi criada a lei, que é a 6.144, agora de 7 de junho de 2018. É uma lei ainda para ser revista. Nós não participamos da discussão. Nós entramos com uma sugestão, e ela agora é lei aqui no Distrito Federal.
Mas, assim, eu quero dizer que, em todo esse processo, nós estamos sempre perto da mulher, junto da mulher, para que nós tenhamos pelo menos uma doula para cada mulher acompanhando essa mulher em todo o seu ciclo gravídico-puerperal. É isso que nós desejamos. Nós não temos nenhum problema com outros profissionais. Nós queremos ter a segurança de a mulher ser muito bem assistida no seu ciclo gravídico-puerperal. É isso que eu quero deixar bem marcado aqui. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Carmen Zanotto. PPS - SC) - Muito obrigada. E eu quero, mais uma vez, registrar a pontualidade das nossas expositoras.
Eu passo agora, então, para a Drª Renata Reis, que é médica ginecologista e obstetra.
A SRª RENATA REIS - Boa tarde a todas as pessoas aqui presentes, é um prazer muito grande estar aqui. Agradeço imensamente o convite.
Eu vou adaptar muito a apresentação que eu havia preparado, vou passar um bocado de eslaide e tentar chamar atenção para alguns pontos que eu acho que ainda podem contribuir com este debate.
Eu queria retomar essa questão de quando começa essa violência obstétrica, e penso que, além de todas as problematizações que já foram colocadas aqui em relação a esse termo, talvez caiba mais uma, que é o quanto ela reduz a violência que nós, mulheres, sofremos ao longo da nossa vida.
Direitos sexuais e direitos reprodutivos nos dizem, nos garantem o direito a exercer a sexualidade sem discriminação e sem violência, a escolher se a gente quer engravidar, quando a gente quer engravidar, quantas vezes a gente quer engravidar. Direito ao acesso a métodos contraceptivos seguros e eficazes e às informações pertinentes, para que a gente possa fazer a escolha sobre qual método a gente quer usar.
E quantas vezes nos é negado isso? Nós somos colocadas em situações de abortos inseguros e somos condenadas e penalizadas dentro das instituições. Não é raro a gente ouvir mulheres contando histórias de que foram submetidas a curetagens uterinas sem anestesia como penalização pela suposição de que aquele aborto foi provocado, sendo que ela não está lá para ser julgada; ela está lá para ser assistida pelo serviço de saúde.
Quantas de nós poderíamos ter evitado gravidezes indesejadas com DIU de cobre? - que está ampla e largamente oferecido no Sistema Único de Saúde e que é subutilizado por mitos, por falsas crenças, por desatualização científica, por achar que não pode usar em quem não teve filho, por achar que não pode usar em adolescente, por achar que não é eficaz, sendo que as evidências nos mostram que o DIU de cobre é tão eficaz quanto a laqueadura tubária, com a vantagem de ser reversível e laqueadura não é, a priori.
Quantas vezes é negado às mulheres, especialmente adolescentes, contracepção de emergência? Porque é aquele discurso moralista lá no serviço de saúde: "Por que está tendo relação sexual com essa idade? Não, mas contracepção de emergência é abortivo". Se fosse abortivo, minha gente, aborto não era a quinta causa de morte materna no País. Porque, mesmo quando é negado no serviço saúde, ela compra por poucos reais na farmácia. Se pílula de emergência fosse abortiva, as mulheres não morreriam de aborto. Mas ela pode sim evitar a situação de uma gravidez indesejada, e uma possível situação de risco e de morte.
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Mas o que temos hoje... Vou contar um caso de uma amiga minha, médica anestesista que trabalha em um hospital público daqui, do DF. Ela estava em um plantão, e um outro amigo nosso, também anestesista, foi anestesiar uma mulher para uma cesariana e usou uma agulha grossa, mais grossa. E ela falou assim: "Não use essa agulha grossa; use outra fina, porque dá muita dor de cabeça, cefaleia pós-raqui. "Não, mas a agulha fina não presta." Usou a grossa. Essa mulher teve uma cefaleia pós-raqui depois, e a minha amiga foi vê-la. E ela chegou muito brava: "Está vendo, você usou aquela agulha, agora você compra aqui o remédio que ela tem que tomar, porque não está tendo no hospital." Sabe qual foi a resposta do meu amigo médico? Abre aspas - e me perdoem pela expressão -: "Quem mandou ela dar?"
Nesse mesmo hospital tem PPP, tem quarto PPP. Um hospital novo e tal. O quarto PPP é o quarto onde deve ocorrer o pré-parto, o parto e o pós-parto. É um ambiente regulamentado pela RDC nº 36, de 2008, da Anvisa - é de 2008, e nós estamos em 2018: são dez anos. Pouquíssimas instituições já se adequaram à norma, inclusive as privadas - não é só no Sistema Único de Saúde. E aí você pensa assim: "Nossa, mas tem um quarto PPP!" Realmente, é um quarto espaçoso, tem banheiro anexo e tal... Mas tem um vidro! Muitas vezes eu estava atendendo parto lá, aí tinha a equipe da limpeza olhando tudo. Com isso você viola.
É difícil falar de violência obstétrica, e nós, médicos, nos sentimos pessoalmente ofendidos com isso. "Meu Deus, mas eu?" Mas, de fato, nós somos os principais responsáveis por isso sim, já que 98% dos partos acontecem em hospitais hoje, no Brasil, e, como a Thais falou, temos poucas enfermeiras obstetra ainda. Então, a maioria dos partos e nascimentos é assistida, sim, por médicos. Mas também existe o vigilante que, quando a mulher chega lá, ele fala: "Onde você mora?" "Ah, eu moro na Ceilândia." "Não, sua referência não é aqui, não. Pode voltar para lá." Na porta mesmo. Então, é um modelo que favorece violações de direitos sistematicamente - sistematicamente!
Eu vou pular esse eslaide.
E aí eu sempre uso muito esse eslaide porque... Você imagina: colocamos a mulher nua em um ambiente frio - não só como o ar-condicionado desta sala, mas frio do ponto de vista das relações que se estabelecem entre as pessoas que estão ali -, com uma camisola muito da esquisita, com uma toca no cabelo, sem brinco, sem nenhum ornamento, e isso, sim, nos caracteriza enquanto mulheres, não é? E aí ela está sozinha, deitada, que é a pior posição, a que mais dói, começando a correr uma maratona em jejum e sem beber água. Não há ninguém para segurar a mão, e tudo o que ela quer nesse momento é segurança. E aí você fala para ela ficar sozinha, deitada, com fome. Ela quer perguntar, tirar dúvida, ninguém ouve. Se ela chama, se ela grita, se ela pede socorro, mandam-na calar a boca. Aí você a deixa em posição litotômica, que é essa posição ginecológica. Hoje colocar a mulher em posição litotômica é causar dano e ferir um dos princípios do exercício médico, que é primum non nocere. É causar dano, é provocar um mal para aquela mulher e para aquele bebê porque reduz o fluxo de sangue que chega para aquele bebê, dificulta a respiração da mulher, você comprime a porção final da coluna, o sacro e o cóccix, impede que a bacia se amplie naquele momento, favorecendo a descida e a passagem do bebê. E aí enche o peito de ar, segura o ar e força comprida, não respira, não respira, não respira. Não respira! E a gente reproduzindo isso e fazendo isso. E o Wagner, sanitarista da OMS falecido, tem um artigo em que ele fala que o peixe não vê a água em que ele nada. E é isso. A gente reproduz isso no automático. Eu aprendi isso. No meu primeiro plantão do R1 falaram para mim, R1 é primeiro ano de residência: "Kristeller é uma manobra proscrita da obstetrícia." E, no parto seguinte, falaram para mim: "Faça o Kristeller."
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Episiotomia seletiva, primigesta em todas. Na primeira gravidez, todas têm o períneo cortado, afinal de contas, não vai passar o menino. E aí você enche o peito de ar e força, força, força, força. Ela não consegue, está exausta. Você coloca oxitocina ou o hormônio sintético, o mesmo hormônio do vínculo, do amor, da intimidade, da penumbra, do orgasmo, que as mulheres produzimos naturalmente num trabalho de parto, de uma maneira adequada e respeitosa. Você coloca oxitocina sintética, que está em duas listas da OMS: a lista de medicamentos essenciais, porque ela realmente é essencial tanto para conduzir um trabalho de parto que necessite quanto para prevenir a hemorragia pós-parto, por exemplo, mas ela também está na lista de medicamentos mais perigosos que aumentam o descolamento prematuro de placenta, sofrimento fetal, hemorragia pós-parto, porque, se você usa demais, você esgota os receptores uterinos, e no pós-parto não há mais receptor, sangra, sangra, sangra, sangra. Baixa a pressão, falta oxigênio para o menino. O menino desacelera, o coraçãozinho fica ruim. Aí ou você corta o períneo, faz um Kristeller, usa um fórceps ou faz uma cesariana. O menino está na UTI, e a culpa é do parto ou é do que a gente fez com o parto? "Ah, mas o parto normal é perigoso!" Será? Ou é isso tudo? Isso aqui é produto dos serviços de saúde, é produto desse modelo e dessa cultura.
Eu vou pular essas imagens porque a Daphne já...
E a cesariana vem como rota de fuga, porque quem é que quer um parto violento, inadequado, desassistido daquele jeito? "As mulheres escolhem a cesariana." Escolhem? Mas que opção você dá para elas? É um parto horroroso ou uma cirurgia teoricamente indolor, limpa e segura? Mas alguém falou para ela que a cirurgia não é tão segura assim?
(Soa a campainha.)
A SRª RENATA REIS - Que ela tem muito mais risco de morrer, que o bebê tem muito mais risco de ter desconforto respiratório? Alguém falou para ela que o parto dói, mas não precisa ser sofrimento, como já foi dito aqui? O profissional de saúde está realmente sensibilizado e convencido de que o parto normal, bem assistido, adequado, com base em evidência, que devolve o protagonismo e a autonomia da mulher, que tem equipe multiprofissional, é o melhor? Não está, porque, na esposa dele, na filha dele, ele marcou uma cesariana.
Não basta só mostrar evidências científicas; é uma coisa que não está no campo mental e racional. Se assim fosse, a gente não estaria aqui discutindo isso em 2018, já que a gente tem evidência publicada pela OMS desde 1996. É uma coisa profunda, do campo da crença, dos preconceitos. Não tem quem diga que é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito?
Que escolha? "Ah, mas a mulher não tem o direito de escolher?" Escolha baseada em informação e realidade é uma coisa; escolha baseada em medo, mito e má prática é outra. Então, não basta só, como já foi dito aqui, reduzir taxa de cesariana, precisamos oferecer uma assistência digna, respeitosa, amorosa, um bom parto, um parto prazeroso, que, de fato, seja baseado nas evidências científicas, com equipe multiprofissional.
E não tenho dúvida alguma...
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Eu vou pular logo, porque já está acabando o meu tempo.
Esse bebezinho da foto é o Bernardo, o meu filho. Vai fazer um ano agora, no dia 30. Então, sou eu, na foto, e o meu marido. (Risos.)
E é isto: eu não tenho dúvidas de nada do que eu estou falando. Eu tenho bastante gratidão por ter podido vivenciar uma gestação de baixo risco, que foi prioritariamente cuidada e acompanhada por enfermeiras obstétricas, no pré-natal, no parto, no nascimento e no puerpério, em que eu tive os meus direitos todos garantidos. E não foi um parto fácil, foi um parto difícil, danado de difícil, porque o Bernardo estava mal posicionado. Então, em geral, os bebezinhos nascem com a cabeça bem fletida, bem dobradinha e bem centralizada na pelve; o menino resolveu que ele tinha que ficar assim e assim, defletido e assinclítico, como chamam.
Eu acho que a grande diferença entre médicas, médicos e a enfermagem, as obstetrizes é que, como temos uma formação médica muito centrada na doença, na patologia, no risco e nessa coisa de diagnosticar rápido e intervir logo, tudo o que estudamos de patologia elas estudam de fisiologia. Então, enquanto já estamos com a luz amarela, quase vermelha, acendendo, elas estão bem tranquilas e calmas na luz verde, procurando qual é o melhor caminho para reconduzir aquele processo à sua fisiologia. Então, eu fui submetida a manobras, posturas físicas, nada muito complexo que, corrigindo o tônus da minha musculatura, das minhas fáscias, favoreceu que o Bernardo mesmo se corrigisse. Rodou, desceu e nasceu.
Essa coisa do acreditar no poder do corpo da mulher de parir, fabricar gente e parir, porque a única via de chegada ao planeta Terra é esta aqui... Saber disso e acreditar, de fato, nisso. Esse alinhamento entre a mente e o coração é fundamental quando se está no encontro com a mulher. E aí há tudo: posição vertical, o contato pele a pele, o cordão estar íntegro. Não dá para ver tudo, mas teve tudo aí. Eu tive acesso a métodos não farmacológicos de alívio da dor no chuveiro, na banheira, na massagem, na movimentação. Eu comi. Quer dizer, colocavam bebida na minha boca, colocavam uma água na minha boca assim. Eu me lembro do canudo, meu marido colocava o canudo na minha boca. Está aí.
Então, eu acho que todo esse debate diz muito de qual é o mundo e a sociedade que a gente quer construir, porque é aí que começa. Se a primeira impressão é a que fica, qual é a primeira impressão que a gente está deixando para esses bebês que estão nascendo e qual é a marca que a gente está deixando na alma dessas mulheres?
Eu acho que assim eu encerro.
Obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Carmen Zanotto. PPS - SC) - Renata, muito obrigada (Fora do microfone.) ... pelas suas palavras, em especial por ser uma profissional especialista da área de ginecologia e obstetrícia.
Eu vou devolver a Presidência dos trabalhos à nossa Presidente. Não sei se a senhora votou, Presidente, mas há votação. Então, eu vou correr novamente ao plenário para votar.
E passo, então, agora, para a sua exposição, à Diretora Jurídica da Associação Artemis, a Srª Ilka Teodoro. (Palmas.)
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A SRª ILKA TEODORO - Boa tarde a todos.
Agradeço também, em nome da Artemis, o convite para estar aqui presente, debatendo esse tema que nos toca tanto.
Por ser a última, fico numa posição bem desconfortável, porque muita coisa já foi dita. A representante do Ministério da Saúde trouxe dados oficiais superinteressantes e elementares para conduzirmos este debate. O Dr. Etelvino Trindade trouxe a posição do CFM. Temos nos encontrado, com bastante frequência, nesses debates todos, nos últimos quatro anos. A representante da ReHuNa, a Drª Daphne, falou para nós sobre o movimento de humanização. Precursora, desde a década de 80, a ReHuNa vem trazendo esse debate com muita propriedade, e é uma instituição superimportante no movimento. A Hellen, representando o movimento de mulheres, trouxe também sua experiência pessoal no parto da Ana Frida, linda. A Drª Sílvia, trouxe também dados e pesquisas qualitativas, sob a ótica da universidade. A Marilda, com a Associação de Doulas... Doula para a gente é uma estratégia importantíssima de redução da violência obstétrica e de redução de mortalidade materna. Então, é mais do que necessário que essa profissão seja reconhecida. E a Renata traz uma lâmina, um eslaide em que eu me vejo na situação do meu primeiro parto, tendo que parir em posição litotômica, sem acesso à comida, bebida. Sofri episiotomia também e só fui me dar conta de que isso tudo era violência tempos depois. E é a pessoa que tem um dos relatos de parto mais lindos que eu já vi. Foi um dos relatos que, ao ler, realmente me fez chorar.
E eu venho tentar acrescentar alguma coisa ainda neste debate, do meu lugar como diretora jurídica de uma associação, a primeira organização da sociedade civil que tem, no estatuto social, como objeto, o enfrentamento da violência obstétrica. E vou tentar conduzir aqui um pouco - os dados já foram trazidos, várias questões já foram faladas - da nossa posição como associação, como organização da sociedade civil que tem como objetivo incidir diretamente em políticas públicas e exercer também o controle social, alguma ideia de estratégias que podemos, de fato, adotar para reduzir a ocorrência, prevenir e reduzir a ocorrência de violência obstétrica; na verdade, erradicar a violência obstétrica.
Eu queria, antes de mais nada, até dialogar um pouco com a classe médica - a Renata está aqui na Mesa e é uma das pessoas com que podemos contar muito nesse movimento, tem inclusive nos ajudado nos cursos de capacitação, por tudo o que já foi demonstrado aqui. Mas a gente sabe que a classe médica foi a categoria que mais reagiu ao surgimento desse conceito da violência obstétrica, que é um conceito cunhado muito no seio do movimento de mulheres.
E eu queria aqui, na verdade, fazer um diálogo com a classe médica, trazer um ponto de vista muito importante. Por quê? Quem descreve e tem condição de conceituar e qualificar a dor, quem descreve e tem condição de conceituar e qualificar a violência e quem descreve e tem como conceituar e qualificar a opressão é quem sofre, quem sofre a dor, quem é violado e quem é oprimido. Então, de certa forma, o conceito de violência obstétrica é um conceito que foi cunhado em cima de histórias de dor, histórias de violências das mais simbólicas às mais graves, em cima de um histórico de muita opressão de mulheres nesses serviços. E foi a forma que o movimento de mulheres, as mulheres que se viram nessa situação unidas encontraram de colocar essa dor e essa violência num espaço político e disputar esse movimento de atenção obstétrica.
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Então, é muito importante que aqueles que são colocados no lugar de violador, que praticam essa violência, possam parar um pouco e fazer um movimento de escuta dessas mulheres que estão, de certa forma, gritando e mostrando para o mundo o que elas sofrem. Então, fazer pouco dessa dor ou negá-la é também uma violência, é também uma forma de nos silenciar.
Eu acho que a gente chega a um momento... E foi muito importante para mim participar do Fórum de Assistência Obstétrica, que foi realizado pelo Conselho Federal de Medicina, há uns dois meses mais ou menos, porque, pela primeira vez, nesses quatro anos que venho trabalhando com essa temática, eu pude perceber minimamente um espaço dentro da classe médica, dentro da institucionalidade, que é o Conselho Federal de Medicina, para que pudéssemos, de fato, abrir um espaço de escuta e dialogar sobre essa demanda das mulheres, de nos sentirmos ali, de nos colocarmos na posição de sermos constantemente violadas, de sofrermos diversas formas de opressão e de violência dentro do sistema de saúde. Então, é muito importante esse conceito, a forma como ele se coloca, a forma como tem circulado e a forma como está chegando também em outros lugares, inclusive no sistema judicial.
Então, era isso como introdução.
Acho que muita coisa aqui já foi falada. A Renata acabou tocando num outro ponto que eu tinha trazido aqui para falar, que a cesárea não pode vir como uma estratégia de redução de violência obstétrica. Quer dizer, a gente não pode vender para as mulheres que a única forma de fugir de partos normais...
(Soa a campainha.)
A SRª ILKA TEODORO - ... violentos é através da cesariana. O que nós precisamos, de fato, enfrentar - e aí com muita seriedade, com muita honestidade, com um debate muito amplo e muito transparente no seio da nossa sociedade - é o modelo de assistência hoje que a gente tem e a formação médica de todos os profissionais de saúde envolvidos no ciclo gravídico puerperal. Precisamos discutir esses modelos de formação e os modelos de assistência no Brasil.
Então, o que a Artemis, como organização da sociedade civil, tem proposto é que, de fato, nós tenhamos um incremento das ações de fiscalização e de promoção na defesa da mulher, principalmente no favorecimento da ambiência nos hospitais, que se crie, de fato, um ambiente adequado para a parturição e se estimule, de certa forma, também o parto domiciliar, que é um parto que não é proibido hoje no Brasil, mas existem muitos mitos criados em torno dele.
E aí entra a nossa segunda estratégia que é a existência de cartilhas informativas para a população porque informação é poder. Então, mulheres amparadas, mulheres bem informadas, mulheres esclarecidas estão em melhor condição para tomar decisões sobre a sua vida sexual e reprodutiva. A mulher informada sobre os seus direitos pode não só escolher melhor como também evitar que os seus direitos sejam violados.
É uma alteração do modelo de assistência praticado nos estabelecimentos de saúde - isso é óbvio. O nosso sistema de saúde, seja o SUS, seja a saúde complementar, seja a saúde suplementar, hoje não está preparado, e aí, quando eu falo preparado, eu estou tratando como um todo. Existem hospitais de referência, existem algumas exceções, mas, na grande maioria, não temos um sistema que esteja preparado para isso. Precisamos investir muito na capacitação dos profissionais de saúde. E aí, quando falo capacitação, é investir na formação desses profissionais e também na reciclagem dos profissionais que já estão no mercado. As evidências científicas estão constantemente sendo atualizadas...
(Soa a campainha.)
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A SRª ILKA TEODORO - ... e a essas atualizações das evidências não corresponde uma atualização dos profissionais. Então, a gente precisa fazer esse casamento e uma atualização dos currículos também.
Nós temos a figura do currículo oculto, que a Renata trouxe aqui muito claramente num exemplo: mesmo havendo manobras que são proscritas, que são contraindicadas pela Organização Mundial de Saúde, e que isso não conste de um currículo oficial, o que a gente percebe é que, na tradição oral dos hospitais universitários, isso vai passando de geração para geração. Isso precisa ser modificado.
A ampliação do curso de obstetrícia e a utilização das doulas como estratégia de redução de mortalidade materna; campanhas de sensibilização e conscientização tanto para os órgãos de classe como para a população em geral; e também uma sensibilização e capacitação de todos os envolvidos no sistema judicial, para que as demandas que envolvem a questão da violência obstétrica sejam encaminhadas para o Poder Judiciário da maneira adequada. Até meados dos anos 2000, nós tínhamos todas essas demandas sendo encaminhadas para o Poder Judiciário como erro médico, mas violência obstétrica... No erro médico, pode ser que exista uma violência obstétrica ali envolvida, mas violência obstétrica, no geral, é uma violação de direitos humanos, e é assim que precisamos encarar essas violações no sistema judicial. Logicamente, defendemos que o ideal é que não haja sempre o acionamento da Justiça para os casos de violência obstétrica, pois é muito melhor que se trabalhe em outros âmbitos também. Mas, na maioria das vezes, as mulheres precisam também ser reparadas, principalmente na esfera cível, dos danos que elas sofrem.
Então, é muito importante que essas demandas sejam levadas ao Poder Judiciário como violação de direitos humanos, que é isso que violência obstétrica é; é uma violência de gênero que viola sistematicamente o direito das mulheres, em especial o direito à autonomia, o direito de escolha, o direito a não discriminação, o direito a um parto respeitoso, o direito a uma vida sexual e reprodutiva adequada.
São essas as minhas considerações. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - A gente quer agradecer aqui a Ilka Teodoro, que é Diretora Jurídica da Associação Artemis.
Como eu havia colocado para vocês, é muito rico, tanto para nós... Tudo que está sendo transmitido ao vivo pela internet também está sendo gravado para posteriormente ser transcrito. Então, quero dizer para vocês que nós vamos ter essa riqueza, digamos assim, que foi esta reunião.
Infelizmente, as Deputadas não tiveram como participar porque nós estamos nessa correria, e achamos por bem fazer porque há muita gente vendo, há muita gente que está nos assistindo neste momento, e isso aí é uma coisa que sempre tem desdobramento.
Eu vi aqui a Hellen colocando uma sugestão - e todas as sugestões que estão aqui vão para o relatório - que foi a questão de uma cartilha para saber assim: "Eu quero parto humanizado: onde recorro no meu Estado? Como eu procedo para poder ter acesso a essas informações?" Porque, às vezes, a questão da maternidade ainda é uma coisa que tem um corte profundo na questão da classe social. Ela é muito diferenciada, devido a classes sociais diferenciadas.
Eu não vou poder, em função do adiantado do horário, voltar a palavra para todo mundo. Então, eu queria saber... Por exemplo, o Dr. Etelvino queria fazer um comentário - já tinha me dito aqui -, em cima da fala da Drª Carmen. Então, eu vou perguntar se há quem queira ainda fazer alguma complementação, para a gente encerrar - para os oito que compuseram a Mesa. Isso é só para a gente encerrar sem esvaziar a nossa audiência.
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O SR. ETELVINO DE SOUZA TRINDADE - A Deputada Carmen saiu. Ela me pediu na hora, e eu entendi que ela quisesse um posicionamento talvez nosso. Eu não tenho instância resolutiva, eu represento um grupo. O CFM não é uma associação de médicos, é uma autarquia. A finalidade precípua dos conselhos de medicina é defesa social. Então, muito embora nem sempre ele aja nesse sentido, dentro de origem e principialismo, ele deveria estar mais do lado social.
Então, o que ela falou, só para esclarecer como os médicos pensam... Por exemplo, sobre a casa de parto, que o decreto dividiu em tipo I, II e III, o conselho se posiciona contra a Casa de Parto tipo III. Qual é a logística razoável disso? Nós entendemos que um problema bastante sério, que foi tocado inclusive pela Mesa, é o problema dessas migrações de pacientes. No Brasil, quando se fala em 20 minutos, não é aplicável, porque, se for um dia de intenso tráfego, a paciente não chega. O entendimento do conselho não vai mudar pelo seguinte: enquanto não houver outros bojos, outros adendos, a possibilidade de atenção adequada... Fica-se no medo de o conselho se posicionando... Dentro de conjuntura jurídica, o que vale é a lei. Não havendo lei, vale a resolução. Não havendo resolução, valem as normas. Não havendo normas, vale o costume. Dentro desse aspecto, se o conselho se posicionou e não há uma lei, essa vai ter validade de lei. Se houver desfechos não desejados, o conselho ficaria, digamos, num terreno sem sustentação. Ele não vai avançar nisso. É um problema, porque não sei se o grupo todo sabe.
A negra discriminada foi uma coisa bem interessante que falaram, porque acho que isso não está no universo médico, não, mas é a realidade. Dentro da nossa cultura, a gente pensa que a discriminação brasileira se dá pelo fato de não haver inserção social, por ser pobre, mas, na verdade, a negra sofre mais. Sofre mais porque é vista talvez como uma pessoa de segunda categoria, herança escravocrata. Então, são perseguidos e sempre foram.
O problema de cesarianas e limites, eu acho que tem de vir à pauta. O Congresso talvez devesse entrar com alguma coisa sobre isso, não no sentido restritivo de punibilidade, mas o que a doutora falou é uma verdade: nós temos um risco intrínseco da cesariana e há o risco de como ela é mostrada para a paciente ou como a paciente percebe. Às vezes, nem é a equipe de saúde que mostra, mas a paciente acha - e há isso no trabalho da Fiocruz sobre como se pare no País -, a paciente quando muda, há outras injunções relacionadas a isso. A injunção que chega a ela pode ser de equipe de saúde, mas pode ser também de problemas culturais. A própria família começa, de repente, a discutir o assunto sem embasamento suficiente, porque a informação não é suficiente também, Ilka. Nós precisamos de conhecimento, e conhecimento precisa de análise da informação. E, para você analisar a informação, você tem de ter competência. A população não tem. Então, a cartilha é uma boa ideia. Se a mulher chiar, o médico vai pensar um pouquinho, a enfermeira ou quem seja vai pensar: "Espera aí que, de repente, vem problema."
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Eu acho que, nesse problema de doulas, o Conselho não é contra doulas. Recentemente, eu falei isso em congresso, falei com os médicos que não existe luta contra doula, nós queremos uma doula que funcione no real papel de doula. O conceito internacional mais bem codificado é o da Associação de Doulas dos Estados Unidos, aquela doula que realmente dá à paciente o apoio necessário para ela ficar tranquila. Isso que foi dito aqui. Ela falou: "Por que ela pare com assincretismo?" Porque ela está tranquila do que vai acontecer. Se ela ficar nervosa, ela não vai parir. Então, a doula, nesse sentido, é muito útil. Nós não somos contra, mas é uma luta muito grande. Não tem ambiência. De repente, entra muita gente, os hospitais não estão adequados. Mas é um caminho. Pelo fato de não haver, não pode ser um obstáculo para não tentar a resolução. É um caminho que tem que passar.
De modo geral, é mais ou menos isso o que eu ia falar. Pelo menos, esclarecemos o público, que grande parte é de ativistas feministas. Eu sou praticamente o único homem aqui. Nós também conseguimos evoluir. As mulheres têm mais sistema de relação cerebral, os homens têm mais neurônios. Foi motivo, inclusive, da demissão do reitor de Harvard, no início dos anos 2000, que falou que mulher não aprendia matemática porque os homens tinham mais neurônios. Ele se justificou, mas foi demitido assim mesmo. Mas há outra coisa: as conexões cerebrais. A mulher é mais rápida, porque ela tem multifacetas. A mulher consegue cozinhar, cuidar do filho, ver televisão, ouvir música. Depois, ela sabe que música tocou, o que está na televisão; o homem, se está lendo jornal e a mulher fala com ele, só fala "é", "não" e não sabe nada. Então, são mais ou menos os comportamentos masculino e feminino.
Mas a gente tem de estar nessa luta, sem dúvida. É aquilo que eu falei, acho que a ideia é criar parcerias realmente. Todos os grupos aqui representados têm muito a cobrar de nós, para que a gente reflita. O médico, na hierarquia de saúde, está no topo. A gente tem posições bastante arrogantes, digamos assim. Tanto é que o médico senta atrás de um birô, a mulher fica na frente, longe dele. De repente, a cadeira dele é maior também do que a cadeira que é fornecida. Faz lembrar O Grande Ditador, o filme do Chaplin. Então, é mais ou menos isso. A gente tem de avançar e a gente avança. Logicamente, nesses avanços, a lei não tem perna suficiente de imediato. Isso é costume.
Como ela falou, o que existe quando você tem de fazer uma reconstrução, há um processo muito difícil na reconstrução, porque a reconstrução implica a demolição. Mas, quando você tem costumes, a demolição tem de ter uma memória de quantos tijolos foram postos e como foram postos. Teria de ser uma desconstrução tijolo a tijolo; depois de desconstruído, a construção é mais fácil.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Vamos passar aqui a palavra para Daphne Rattner.
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A SRª DAPHNE RATTNER - Eu queria agradecer. Eu vou pedir desculpas, porque tenho outro compromisso às 5h30. Então, vou sair correndo logo depois de falar, não vou escutar as outras pessoas, e peço desculpas de antemão.
O que eu queria comunicar é que a gente percebe esse movimento. A ReHuNa foi fundada em 1993, estamos em 2018 e, nesses 25 anos, houve muitos avanços. Sobre a política pública a gente teve a apresentação da Thais. Eu gostaria de dizer que o nosso movimento teve um papel importante para provocar algumas políticas públicas. Então, eu acho que isso mudou.
Outra mudança que a gente tem é que as enfermeiras obstétricas estão assumindo, cada vez mais, o papel, vamos dizer, de protagonistas da assistência à gestação, ao parto, puerpério, nascimento, daí para frente. Esse é um modelo que, não tendo o médico como protagonista e sim a mulher como protagonista e profissional - midwife, sage-femme, hebamme -, ou enfermeira obstétrica, obstetriz, no Brasil, como cuidadora, é um modelo bem-sucedido no exterior, é um modelo com menos intervenções, menos mortes maternas, menos lesões perinatais. É um modelo que usa, em geral, intervenções de maneira adequada, principalmente porque enfermeira não faz cesárea. Então, com isso, já se consegue reduzir.
Estamos num processo de mudança de modelo. Efetivamente, temos tido avanços. Houve um fórum que a Ilka inclusive comentou, o Fórum de Assistência Obstétrica, no Conselho Federal de Medicina, em parceria com a Febrasgo, em que a gente percebe uma abertura maior para o diálogo e para compreender o que está sendo proposto pelo movimento social. Então, eu gostaria de dar o devido reconhecimento à categoria médica por estar disposta a fazer isso que o Dr. Etelvino acabou de dizer, de fazer a desconstrução, para fazer uma reconstrução. Efetivamente, o que a gente espera estar construindo é a mudança de cultura, que é necessária. É uma mudança de cultura que vai ocorrer fora e dentro do serviço de saúde, no reconhecimento da mulher como ser de equidade de direitos. Existem diferenças entre o que é ser mulher e ser homem na nossa sociedade, mas a gente tem que construir a possibilidade de ela poder exercer os direitos.
Acho que foi a Casa Frida, a Hellen, que trouxe a questão dos direitos sexuais e reprodutivos. Como é que nós vamos construir um país de direitos? Eu acho que esta Casa, principalmente, tem um papel muito importante para discutir o que são direitos e como avançar nos direitos. Depois que esses direitos viram leis... E a Marilda trouxe o Projeto 7.633, do Jean Wyllys. Desde 2014, foi lançado no dia 28 de maio de 2014, que é uma data muito importante para quem é ativista, o Dia Nacional de Luta pela Redução da Mortalidade Materna, o Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e foi lançado esse projeto, que está parado em alguma comissão e não avança. Então, a gente espera que isso passe a ser reconhecido como direito e, depois de reconhecido como direito, a gente sabe que há leis que pegam e leis que não pegam. A lei da acompanhante é uma delas. Ela existe desde 2005, iniciativa de uma Senadora, mulher, Ideli Salvatti. Ela propôs em 2003. Essa lei é de 2005. Em 2006, havia 16% das mulheres com acompanhante. A pesquisa Nascer no Brasil identificou 18% das mulheres tendo acompanhante o tempo todo. A pesquisa de Paternidade e Cuidado do Ministério da Saúde identificou que, no SUS, 34% dos homens disseram que estiveram presentes. Essa pesquisa foi de 2013 e 2014. Então, veja como é complicado. A gente, em 2006, um ano depois, tinha 16%. A gente leva dez anos para que mais 16%, ou o dobro, consiga ter acesso a direitos.
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Então, acho muito importante que esta Casa se empenhe em definir leis e depois, em parceria com movimentos sociais, com o Governo - porque o Ministério da Saúde é interessado também - e com outras instâncias, para que as leis sejam cumpridas.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Gente, antes de finalizar, eu gostaria de mostrar para vocês...
Alguém quer ainda falar, colocar alguma coisa?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Você quer? Então, antes de a gente passar...
A SRª MARILDA CASTRO - Eu quero falar uma questão da doula realmente. A doula sofre já violência, inclusive da própria equipe. Não é só médico, não. Eu estou falando até da entrada. Não é só o médico. Eu queria só ampliar: é da enfermeira obstetra, da portaria, da técnica de enfermagem, da mulher que limpa o chão. "Por que a doula não fez a mulher vomitar dentro do cestinho, deixou ela vomitar fora?" Tudo isso a gente passa dentro dos hospitais, públicos e privados. No hospital público, deixam a criança quase nascer na nossa mão, para saber se a gente pega essa criança mesmo, o que a gente está fazendo lá, para, se a gente pegar uma criança, tirar a gente de lá, porque a gente pegou criança.
Eu, pelo menos, sou voluntária de Ceilândia e já passei por várias situações lá. Fui ser voluntária para não ouvir; eu vi com os meus próprios olhos.
Então, ficamos fora de várias políticas públicas - doula ou acompanhante. Nos hospitais universitários, entram todas as pessoas que estiverem disponíveis, mas a doula não tem como entrar porque ela não cabe na sala. Cabem três residentes de pediatria, três de ginecologia, cabem dez milhões de pessoas lá dentro e a doula não pode entrar. Em vários hospitais, nós participamos de partos em que a pessoa da limpeza, a faxina toda do corredor vai assistir a um parto normal, porque é um evento, e a doula não pode entrar. Acompanhantes ficam fora, doula fica fora. Apesar de haver várias leis, nós diuturnamente temos que fazer muitas manifestações para ter esse direito da mulher garantido, que é entrar com a sua doula, porque, quando o parto sai de casa e entra para dentro do hospital, fica o acompanhante para fora, fica a doula, ficam várias pessoas que acompanhavam esse parto em casa.
Eu faço um pedido. Nós não temos aqui na Mesa, além da Deputada, que não está neste momento, o pessoal da enfermagem convidado para estes momentos. Infelizmente não temos aqui o Conselho de Enfermagem, nem a Abenfo, que é a associação das enfermeiras obstétricas, que eu acho bem importante estar. E eu quero dizer o seguinte, só para finalizar: quando nós falamos de médico, é porque há uma hierarquia na atenção, na assistência, e hoje é muito difícil essa hierarquia ser um atendimento mais circular, em que a mulher diz como é que ela está se sentindo e quem está à volta dela toma as providências devidas. É nesse sentido que a Renata coloca que a mulher é vítima de procedimentos, como a gente fala, de não olhar para ela e dizer: "Como é que você está?" A ponto de a gente pedir para a mulher, às vezes, ficar de quatro apoios porque nós sabemos que, ficando de quatro apoios, na integração que a gente faz com ela, até mesmo diretamente lá no hospital... E a médica ou o médico chegar para a gente e falar assim: "Por que ela está de quatro apoios?" E a mulher ficar de quatro apoios e parir. E aí voltam a mulher e falam: "Não, a gente tem que fazer de outra forma."
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São coisas que nós vamos passando. Então, a nossa situação de doula é muito parecida, é junto com a mulher que sofre a violência. Nós queremos sair desse lugar junto com as mulheres. É por isso que nosso movimento é em nível nacional. Nós estamos, neste momento, começando a falar em nível nacional, a acertar. Isto eu quero dizer: se nós nem temos a fala de quem é a doula em nível nacional, nós não temos em nível internacional, e a DONA não nos representa. Eu sempre digo isso. Eu sempre digo isso. Eu tenho muito respeito pela Debra Pascali, que pertence à associação de doulas norte-americanas, mas a DONA não representa as doulas do Brasil. Quem representa hoje as doulas do Brasil é a Federação Nacional de Doulas, que solicita a todas as pessoas que estão nos ouvindo e que estão aqui presentes que nos convidem para os seus eventos, que nós vamos falar quem realmente nós somos e o que realmente nós queremos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Passo a palavra agora para a Hellen.
A SRª HELLEN CRISTHYAN - A Casa de Parto São Sebastião é uma maternidade para partos de baixo risco e a gente defende que haja uma casa de parto em cada macrorregião do Distrito Federal. É extremamente importante o papel que desenvolve a casa de parto para a gente conseguir avançar nos direitos reprodutivos, para que as mulheres tenham acesso a um parto humanizado, respeitoso, natural, como a natureza possibilitou para nós.
A gente precisa tomar uma decisão, que eu acho que é uma decisão de gestão, inclusive. O Conselho precisa tomar essa decisão, o Governo Federal precisa tomar essa decisão, o Governo do Distrito Federal precisa tomar essa decisão, que é a decisão de possibilitar, de abrir as portas para que aconteça uma mudança na cultura do parto e nascimento, porque, se a gente não romper com essa cultura da violência contra as mulheres, a gente não vai conseguir avançar na conquista de nenhum direito.
Eu estou falando isso porque a gente está vivendo a Emenda Constitucional 95, que corta os investimentos em educação e saúde, e isso tem um impacto direto no combate à violência obstétrica. Como doula, a gente não pode fazer procedimentos de fisioterapia; como doulas, a gente não pode fazer orientação nutricional. E uma mulher que tem total possibilidade de ter um parto de baixo risco, de ter o parto na casa de parto, mas, por causa de uma violência doméstica, às vezes, o que é muito recorrente, ela passa por uma pressão alta durante duas consultas do pré-natal, já é encaminhada para ter o parto em um hospital, sendo que ela não tem pressão alta, não tem histórico de pressão alta; ela está passando por aquilo, porque está numa situação de violência doméstica. Então, a gente precisa, sim, de maiores investimentos em saúde e de uma decisão de gestão para que as mulheres, no período gravídico puerperal, tenham assistência social, atendimento com nutricionista, atendimento com fisioterapeuta, com a equipe de saúde, com a equipe que for necessária para que elas sejam encaminhadas para o parto natural e normal e só façam o parto cesário caso haja realmente uma indicação baseada em evidências científicas.
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Ser contra a casa de parto de nível III: eu não vejo onde há comprovações para isso, porque, na Casa de Parto de São Sebastião, por exemplo, não há ocorrência disso. As mulheres chegam para parir em situações de baixo risco e parem lá. Quando acontece um caso de precisar ir para o Paranoá, é uma exceção - é uma exceção! Mesmo assim, há a possibilidade de ir com a ambulância, com a equipe médica dentro da ambulância para o Hospital do Paranoá, que é na cidade do lado, a cerca de 25km - faz-se esse percurso dentro dos 20 minutos, inclusive.
Então, acho que a gente precisa dessa decisão, que é uma decisão de gestão, para avançar nesses direitos, inclusive dando indicativo para que os postos de saúde da família realizem rodas de grávidas, porque é na roda de grávidas que se possibilita a troca, a conversa, a escuta ativa e onde a equipe que está atendendo aquela mulher passa a saber quais são os problemas que ela tem na sua vida, para que possa ajudá-la a sair daquela situação de violência e a ter o parto a que ela tem direito.
Então, essa é a posição da Casa Frida e do Fórum de Mulheres do DF e Entorno também.
Obrigada. (Palmas.)
A SRª RENATA REIS - Eu queria fazer só um complemento, Hellen. A Casa de Parto de São Sebastião provavelmente tem os melhores indicadores pré-natais do DF. Recém-nascido com Apgar menor do que 7 no quinto minuto é menos do que 0,5%. Os resultados são excelentes. O modelo funciona, e funciona muito, muito bem.
Não adianta a gente pensar ou ser contra um modelo com base numa expectativa que não é baseada em dados. Mas, quando você olha os indicadores - eles têm que produzir indicadores, porque é política pública do Ministério da Saúde; o Ministério exige que mandem indicadores para lá -, os indicadores da Casa de Parto de São Sebastião são de aplaudir. (Palmas.)
A SRª SÍLVIA BADIM MARQUES - Eu só gostaria de me despedir, porque eu preciso sair.
Agradeço a todas e a todos que estiveram presentes.
As falas foram muito enriquecedoras, e vou usar esse material também. A gente precisa continuar construindo junto.
Lembro também a importância de nós trabalharmos institucionalmente questões como o machismo e o racismo.
O doutor, em sua fala, disse que o racismo não estava presente no meio médico, e eu fiquei lembrando que o racismo é uma questão institucional. Quantos médicos negros há nos hospitais? O número é ainda infinitamente menor que o de médicos brancos. Como é que a gente quer um tratamento diferenciado ou como é que a gente não quer tratar as pessoas negras de forma racista, se não há médicos negros ou em número infinitamente menor que os médicos brancos?
Então, são questões basilares que a gente precisa debater, com muito mais afinco, na nossa sociedade.
Obrigada, gente. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Bom, eu queria passar agora para a Thais Fonseca, do Ministério da Saúde.
A SRª THAIS FONSECA VELOSO DE OLIVEIRA - Eu só queria reforçar aqui que o Ministério da Saúde tem investido em políticas públicas para a atenção humanizada e para a qualificação do ciclo, dando atenção a esse ciclo gravídico puerperal.
Concordo plenamente com a Hellen; isso tem que começar desde o pré-natal. Os profissionais do pré-natal têm que estar qualificados também com essa orientação para a mulher, para fazer com que as mulheres discutam e troquem experiências entre elas, porque ninguém sabe melhor o que é parir do que quem já pariu.
Então, o Ministério tem reforçado essas políticas, tem trabalhado com evidências científicas, porque a gente não pode trabalhar com achismo, a gente não pode trabalhar com o que "eu ouvi dizer...". Todas as políticas do Ministério são baseadas em evidências, inclusive, o CPN PeriHospitalar.
Eu queria colocar também em uma questão que é a nossa morte materna. A gente avançou muito pouco na redução da morte materna nesses últimos anos. O que a gente vê é que, apesar de a gente ter uma morte materna ainda indesejável aqui no Brasil - e a gente tem agora uma meta de poder diminuir a morte materna para 30 por 100 mil nascidos vivos até 2030, desculpem-me -, 98% dos partos, no Brasil, são hospitalares.
Quando a gente compara com a morte materna em outros países, a gente tem uma morte materna baixa com partos em casas de parto, com partos domiciliares. Então, eu acho que é uma coisa para a gente pensar: do que essas mulheres estão morrendo e onde elas estão morrendo.
Acho que não há nada de errado com as mulheres brasileiras para que elas não consigam parir. A gente ter, no setor privado 87%, das mulheres fazendo cesariana, alguma coisa está errada. Não existe essa incapacidade. O que acontece com as outras mulheres, nos outros lugares, nos outros países que elas conseguem e as brasileiras não?
Eu acho que um grande apoio que a gente tem tido, uma grande parceria tem sido a da sociedade civil. A gente se sente assim muito reforçada nas nossas políticas pelos movimentos de mulheres, pelos grupos da sociedade civil que têm lutado pela atenção humanizada ao parto nascimento, pela formação de mais enfermeiros obstetras - e aí quero dizer que o investimento na formação de enfermeiros obstetras está muito alinhado ao objetivo da OMS, que é a cobertura universal dos serviços de saúde e enfermagem é uma profissão estratégica para isso. Nós tivemos, no mês passado, um congresso com a Confederação Internação de Midwives e a Confederação Internacional de Enfermagem, junto com a OMS, reforçando esse modelo e reforçando a campanha do Nursing Now, que é para a gente poder formar mais enfermeiros para garantir uma atenção mais qualificada, uma cobertura universal de saúde. Então, a gente concorda que esse modelo tem que mudar. Acho que a sociedade civil tem ajudado muito ao levar essa discussão para outros campos, e o Ministério tem tentado fazer a sua parte, principalmente para a formação.
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Então o projeto Apice On, que é um projeto em parceria com hospitais universitários, hospitais de ensino de todas as unidades federadas do Brasil, tem como seu objetivo mudar a forma de ensinar a obstetrícia, a neonatologia, para que a gente comece a formar profissionais que ajam de acordo com as evidências científicas, mas também com o que é a nossa Política Nacional de Humanização, que é uma política do SUS.
Então a gente acredita que a formação desses profissionais é como a gente vai conseguir garantir, para o longo prazo, que a gente tenha uma atenção humanizada em todos os lugares.
Obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - E por fim, a Drª Ilka Teodoro, que pede 30 segundos.
A SRª ILKA TEODORO - Vou tentar ser bem rápida aqui. Eu queria só fazer um alerta. Realmente na minha primeira fala não deu tempo. É porque, quando a gente trata da questão da violência obstétrica, a gente tem uma tendência, às vezes, a universalizar e achar que as mulheres são todas iguais, que nós somos um ser único e universal, que todas as mulheres são iguais. E eu acho que nessa questão, não só nessa, quando a gente fala de direitos humanos das mulheres, a gente precisa ter em mente que as mulheres têm as suas especificidades.
Então nós não podemos perder de vista, tanto do ponto de vista da coleta de dados como de todas as ações estratégicas para enfrentamento e prevenção dessas violências, nós não podemos perder de vista a questão de raça, a gente precisa enfrentar e fazer o recorte de raça em todas essas questões; a questão da deficiência, as mulheres com deficiência têm sistematicamente sido deixadas de fora dessa coleta de dados; lésbicas e trans, e principalmente o imbricamento de todas essas violências.
A Hellen trouxe uma questão aqui que me acendeu a luz, que a gente não tinha falado, que é a inter-relação dessas violências; mulheres que estão ali, que acabam sofrendo violência obstétrica já partindo do pressuposto de uma violência doméstica.
Então a correlação de todas essas violências também é muito importante que fique claro, quando a gente pensa num serviço de saúde que, de fato, está de olho na mulher como um ser humano integral.
Era isso. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Bom, gente, agradecendo a presença de todos, eu queria apenas, rapidamente, são só três eslaides, isso foi uma apresentação que eu fiz na semana passada numa audiência da Comissão da Mulher lá da Câmara, em que eu estava falando sobre a cidade para as mulheres. Aí eu relatei a experiência que foi o nosso trabalho voltado às mulheres na Prefeitura de Fortaleza.
Eu queria, em especial aqui, já que estamos tratando dessa questão, mostrar que isso aqui foi construído, isso foi tirado do chão. Na verdade, esse hospital foi todo construído...
Passa para mim, Carla, aí.
Ele é enorme. Como eu falei, essa área é gigantesca, 80 mil metros quadrados de área total e 27 mil metros quadrados de área construída.
É importante vocês saberem aqui que são consultórios, laboratórios, enfermarias, são oito centros cirúrgicos, são 184 leitos e uma UTI neonatal e que a gente trabalhou com um projeto arquitetônico mais ou menos no caminho do Sarah Kubitschek. Eles têm iluminação artificial, ele é todo um processo humanizado, a própria água, o sistema de água quente é todo a partir de placas de energia solar, ele é todo sustentável.
Isso aqui é a recepção do Hospital da Mulher de Fortaleza. E ali, aquele cantinho ali, aquela piscina, que é enorme, é um ambiente fechado, mas com iluminação natural, onde nós temos ali exatamente a preparação do parto humanizado.
Você tem ali a UTI neonatal, a primeira, o eslaide do lado direito, logo em seguida a recepção da maternidade neonatal e aquela parte que é do tratamento, de toda a preparação do pré-natal, principalmente quando há gravidez de risco. Ela também é assistida pelo médico, em várias terapias combinadas.
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Só que eu deixei a prefeitura, e o atual prefeito, que é médico, infelizmente já mudou. Era uma mulher a diretora do hospital, ele colocou um homem, que é pediatra, e, já meio que instituiu que não é mais hospital da mulher, é um hospital agora da família. Ou seja, nós nunca temos direitos, nem os direitos reprodutivos são efetivamente...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - ... Exatamente.
E ele é muito grande, os equipamentos são de primeiro mundo. Tudo é muito, muito precioso. Hoje 50% da capacidade não está sendo utilizada, porque, certamente, custa caro manter um hospital desses. E acho que o prefeito, que é médico, achou que nós, mulheres, não merecíamos.
Eu tive essa alegria de deixar isso para as mulheres de Fortaleza. Isso era um sonho.
E, lá atrás, havia umas mulheres pedreiras, que fizeram uma formação - boa parte do hospital foi construída por mulheres pedreiras -, elas tiveram toda uma preparação. Quando eu chegava lá, elas corriam para me contar em que pé andava a construção do hospital. E fizeram com perfeição e com muito, muito, muito cuidado; tudo é muito cuidadoso, tudo muito precioso. Elas foram importantíssimas. Inclusive, depois, eu tive a oportunidade de me encontrar com elas, e as filhas de algumas já haviam parido no próprio hospital. Então, foi muita alegria para mim também.
Eu queria finalizar agradecendo vocês, as nossas convidadas, o nosso convidado, o Dr. Etelvino. Foram colaborações muito importantes, é o início de um debate que acho que, cada vez mais, deve aumentar para dar visibilidade a essa questão. Há coisas que a gente acha que está tudo certo, muito bem, mas passam ao largo das políticas públicas.
Eu lembro aqui que a gente fez uma audiência sobre guarda compartilhada. E, para minha surpresa... Por isso que, quando a Daphne falou - eu já pergunto logo, porque para mim é um processo de aprendizado, não sou da área, sou jornalista -, mas a gente falou sobre guarda compartilhada, pois, até então, no nosso imaginário, era tudo certo, estava tudo bem. Agora, sim, haverá a partilha e dará tudo certo. Mas a gente fez uma mesa como fizemos aqui com vocês, com vários olhares sobre isso, e ficamos muito impressionados, foi um recorde de participação via internet. Ficamos muito impressionados com como existem problemas que precisam ser revistos nessa questão. E como nós estamos até hoje sendo procurados para fazer esse debate nos Estados. Então, era uma realidade que estava invisível para nós
Como agora também. Eu acho que a violência obstétrica ... Se a Ilka - você é advogada? -, que é advogada, ou seja, é formada, essa coisa toda, não imaginava que estava passando por uma violência naquele momento, imagine milhões de mulheres que, de fato, acham que é isso mesmo e já vão meio que devendo, porque, como o hospital é público, elas acham que têm que se submeter a qualquer coisa. E, às vezes, esse debate é fundamental e tem que chegar lá na ponta. Temos que ver a forma com que se chega à ponta: é através das escolas, das associações, das rodas de conversas? Como as mulheres vão se empoderar desse direito, que é o direito de parir com segurança, com humanidade?
Então, valeu para isso. E, certamente, a gente vai fazer contato posterior para dar o resultado do material dessa audiência para vocês.
Muito obrigada a todas e a todos.
Declaro encerrada a presente audiência
(Iniciada às 15 horas e 18 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 50 minutos.)