Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a 9ª Reunião da Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, da 4ª Sessão Legislativa Ordinária, da 55ª Legislatura. Esta audiência pública é para discutir a nova CLT que estamos construindo de forma coletiva. Será realizada nos termos do Requerimento nº 103 desta Comissão, de minha autoria, para debater hoje o tema: "A jornada de trabalho, o trabalho extraordinário e o salário mínimo". Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211. |
| R | Nós teremos duas Mesas. Na primeira Mesa, teremos Paula Freitas, Pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp). Seja bem-vinda, Paula Freitas. (Palmas.) Tadeu Henrique Lopes da Cunha, Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho. Seja bem-vindo, Tadeu Henrique Lopes da Cunha. (Palmas.) Lucas Reis, Auditor-Fiscal do Trabalho, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). Seja bem-vindo Lucas Reis. (Palmas.) Ludmilla Abílio, Pesquisadora do Centro de Estudo Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp). Seja bem-vinda. (Palmas.) Antes de iniciarmos os nossos trabalhos, oficialmente, informo a todos que, em função da relevância e qualidade dos debates realizados nas audiências públicas nesta Comissão, as palestras serão organizadas para publicação ao final de cada semestre, com base nas notas produzidas pelo Serviço de Taquigrafia do Senado, que desde já ficam solicitadas, conforme encaminhamento aprovado em reunião anterior. Como de praxe, como nós estamos ao vivo, para todo o País... Isso é toda segunda-feira pela manhã. E também as audiências estão se desenrolando durante as terças, as quartas, as quintas e sextas também. Só não teremos nesta quarta, porque quarta é dia de sessão deliberativa. Bom dia! Seja bem-vinda. Acho que a senhora está na segunda Mesa. A primeira Mesa já está aqui. Para situar a todos, nesta audiência pública vamos discutir alguns dos relevantes temas do texto de que sou o relator, que é o Estatuto do Trabalho, tendo como premissa o princípio basilar da República Federativa do Brasil, que é a dignidade da pessoa humana, do que deriva o imperativo de relações de trabalho decentes, base necessária para um real desenvolvimento social e econômico, porque nós temos a visão de que essa reforma trabalhista que apresentaram é indecente. A sugestão legislativa para o Estatuto do Trabalho é uma iniciativa construída coletivamente com a Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho, criada nos termos do Requerimento 83, de 2017, apresentado por este Senador. A Subcomissão foi presidida pelo Senador Telmário Mota - é ainda -, e eu estou na relatoria. Após a realização de mais de 30 reuniões, entre audiências públicas e reuniões do Grupo de Trabalho, em que foram colhidas contribuições de toda a sociedade, foi acordado entre todos os participantes desta Comissão e do Grupo de Trabalho que a primeira versão do Estatuto do Trabalho seria apresentada em forma de uma sugestão legislativa. |
| R | A apresentação ocorreu no dia 10 de maio. Subscreveram essa Sug nº 12, de 2018, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho (ALJT), além da contribuição direta de todas as centrais sindicais, federações e sindicatos, que participaram ativamente dos trabalhos. Também contribuíram o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit). Ou seja: trata-se de um texto técnico, legitimado também por uma visão social, econômica e humanitária que nasce da própria sociedade, nasce dos esforços dos maiores especialistas brasileiros em legislação trabalhista. E o fato de ser um trabalho técnico e legitimado já é, por si só, uma vitória a ser lembrada e comemorada, ainda mais no contexto sombrio em que vivemos nesse cenário pós-golpe. A reforma trabalhista, como todos aqui presentes bem sabem, melhor deveria ser denominada "deforma trabalhista". O desserviço que essa legislação causou, aliado à legislação que autorizou a terceirização, inclusive nas atividades fins, é um desserviço ao nosso País. É assombroso e de difícil mensuração. Aqui mesmo, dentro do Senado, depois da reforma trabalhista, vejam bem, estamos travando um combate aqui, que me obriga, quando eu deveria estar trabalhando em cima de novas leis para o País, a estar reunindo quase que diariamente, para que não reduzam os salários dos terceirizados. Em resumo é isso. Querem reduzir, adivinhem onde, ainda? No vale-alimentação e no vale-transporte. Segundo o Tribunal de Contas - assim me disse a Casa -, a lei que foi aprovada pelo próprio Congresso é que abriu esses espaços lamentáveis de permitir que, via instrumentos e artigos da lei, uma lei, um projeto que foi desarquivado, se eu não me engano, antes de 2000 ainda, na época de Fernando Henrique. Foi desarquivado, não passou pelo Senado, consequentemente nesta geração que está aqui - foi lá de 98 -, que permitiu a terceirização geral na atividade fim, sem nenhuma regra que proteja o terceirizado. Todo dia, quando eu chego, os terceirizados: "E daí, Senador? Vão diminuir em R$10 o nosso vale-alimentação? Vão me obrigar a mentir que moro aqui no Plano, quando eu moro ali, por exemplo, numa cidade que é vizinha aqui ao DF, uma cidade satélite aqui vizinha?" Porque o tíquete, de lá até aqui, é um, e o de quem mora aqui no Plano é outro. Então, a pessoa tem que mentir para não perder o emprego. Isso que a lei permite. Por isso que nós estamos aqui. Mas, enfim, são leis que vão impactar negativamente em nosso Índice de Desenvolvimento Humano, na renda média do brasileiro e no aumento de número de brasileiros em situação de pobreza no Mapa da Fome. Todavia, por mais sombrios que os tempos sejam, o ofício de legislador não nos deixa escolha senão partir para a luta contra esses retrocessos. A resposta técnica, a resposta científica, a resposta acadêmica à malfadada reforma trabalhista será a aprovação da nova CLT, o Estatuto do Mundo do Trabalho. O Estatuto do Trabalho, que aborda todos os temas relacionados à regulação do trabalho, incluindo os aspectos de direito material e processual, numa visão de políticas humanitárias... Quando o tal de Trump, lá, agora, quer que até as crianças que estão vindo do México - entre eles haverá 59 brasileiros - fiquem em casa. Crianças encarceradas e separadas dos pais! |
| R | Felizmente - eu digo felizmente -, a informação que me chegou é que até a esposa dele deu declaração de que esse é o fim do mundo. Quer dizer, criticou essa posição, e ele acabou, então, voltando atrás. Mas agora quer, numa pressão ao Congresso Americano... Ele diz: "Tudo bem, eu deixo as crianças ficarem junto com os pais, mas vamos ter que aprovar uma lei mais severa quanto à chegada dos famosos imigrantes." Veja a que ponto nós chegamos! E essa visão desumana que circula no mundo está aqui no Brasil também. E essa reforma que fizeram foi nessa linha. E, por incrível que pareça - eu tenho que comentar isso na abertura -, há um projeto aqui que piora ainda mais a terceirização. Alguém poderia dizer: "Não, mas pior do que está é impossível!" Não. Eles conseguem fazer um projeto, e querem voltar ainda neste semestre. Eu estou resistindo, fiz requerimento para que vá para outras comissões. Querem aprovar, ainda neste semestre, um projeto em que fica muito pior do que está a terceirização nos dias de hoje. Quer dizer, a visão somente do mercado! E por isso eles nos atacam tanto. Eles sabem que nós, aqui, somos uma... Como é que chama? Nós todos estamos entrincheirados, fazendo a resistência. E nos atacam todo dia, todo dia. Podem atacar. Nós vamos ficar resistindo sempre, aqui, e, se depender, espero eu, de nós outros... Este ano e ainda no ano que vem, porque eles farão de tudo para que nós não voltemos, mas nós faremos de tudo para voltar, e vamos nos submeter, claro, à democracia. O povo é que vai decidir. Enfim, um Estatuto do Trabalho que aborda todos os temas relacionados à regulação do trabalho. O Estatuto do Trabalho é resultado de um amplo debate com as entidades que têm compromisso com o social, representante inclusive de empregados e empregadores, autoridades e personalidades do mundo do trabalho. Enfim, queremos resgatar os direitos fundamentais do povo trabalhador, que praticamente perdeu com essa dita reforma. Eles estão tendo, como é que se diz, a ousadia de agora querer fazer debate nos Estados... Porque nós fizemos o debate contra essa CLT e contra a reforma da previdência. Na Previdência fomos vitoriosos, depois de termos instalado, inclusive, a CPI, eu encaminhei o requerimento, presidi, o Hélio José foi o relator, conseguimos fazer com que eles recuassem, mas graças à mobilização da sociedade. Foram duas, três greves gerais, mobilização, pressão, tudo se somou, e os senhores ajudaram. Mas eles, assim mesmo, estão num movimento permanente, permanente... Agora resolveram que o mesmo trabalho que nós fizemos para mobilizar contra a reforma da previdência e a própria CLT, criando esta nova proposta... Eles estão marcando encontro nos Estados, com setores, digamos, superconservadores, para mobilizar, no sentido de não deixar aprovar a nova CLT. E defendendo ainda a reforma da previdência, que é um crime aquilo ali. As pessoas vão se aposentar com 90 anos! Tem casos ali que só depois de 90 anos. Mas, enfim, vamos em frente. Agora caem as máscaras da mentira. Diziam que a mudança na lei do emprego iria criar mais empregos. O que é que vimos? A população sofre com a maior taxa de desemprego dos últimos 20 anos. A maior taxa de desemprego dos últimos 20 anos. O desemprego avança a cada dia que passa. Se pegarmos os dados do IBGE, entre emprego precarizado... Aqueles que desistiram de procurar emprego são mais de 5 milhões de pessoas, e o número dos que estão desempregados chega a 27 milhões de pessoas, já, no Brasil. |
| R | Enfim, não podemos assistir parados ao aumento da precarização da relação de trabalho, com a redução, inclusive, da massa salarial - está comprovado -, desemprego e informalidade. Entendo que apenas um verdadeiro estatuto do trabalho, uma nova CLT, poderá propiciar o necessário equilíbrio entre empregado e empregador, atendendo às normas constitucionais que prestigiem, igualmente, os valores sociais do trabalho e da própria livre iniciativa. O debate hoje versará - aqui eu estou terminando - sobre jornada de trabalho, trabalho extraordinário, salário mínimo no Estatuto do Trabalho, temas de crucial importância, especialmente em virtude das recentes alterações das legislações trabalhistas terem promovido enorme retrocesso nesses direitos sociais. Eles querem, se depender deles, inclusive acabar com a política do salário mínimo - de inflação mais PIB -, que foi uma construção que fizemos viajando todo o País. E me lembro de que o meu relatório na época foi inflação e o dobro do PIB, mas eu botei o dobro para segurar, pelo menos, a inflação ou o PIB, não é? E, no fim, houve um grande concerto: o meu relatório só tirou o dobro, mas deixou a inflação mais o PIB, e aprovamos uma política de salário mínimo nos governos Lula e Dilma, que elevou o salário mínimo, de US$60 a US$300. Eles não engolem isso. Estão fazendo de tudo para rejeitar também, revogar, essa proposta. E é claro que nós vamos resistir dia e noite, aqui dentro, para que não aconteça. Exemplo desse retrocesso é o trabalho intermitente, que nós sabemos muito bem o que significa. Vocês vão aqui falar que, se a pessoa ganhar 20 horas por mês - estou dando um exemplo -; 19, 20 horas, terá que devolver dinheiro para o empregador no fim do mês. Não recebe um centavo. Não receberá nada, fica tudo preso lá, e ele tem que dar mais R$3 para pagar a previdência, porque tem que ser sobre o salário mínimo. Vejam a que ponto nós chegamos. Mas, enfim, hoje vamos debater aqui um tema pelo qual eu sou também apaixonado, que é a redução de jornada, salário mínimo, por exemplo... E eu vou dar um destaque nesses dois. Eu fui Constituinte, e lá nós brigamos muito para reduzir para 40 horas, mas sabíamos que a vida é assim, tem que negociar. E conquistamos as 44 horas. Disseram que aquilo iria gerar desemprego em massa. Pelo contrário: não gerou desemprego nenhum e gerou mais emprego. Tanto que, na era Lula-Dilma, nós chegamos a ter um desemprego de 5%; hoje está quase, direto, em torno de 14%. Então, não venham me dizer que redução de jornada gera... Pelo contrário: se você reduzir a jornada, de 44 para 40, poderá - conforme o caso, claro, mas há estudos que mostram, do Dieese - chegar a 3 milhões de novos empregos, com a redução de jornada em todos os setores. E, quanto ao salário mínimo, ninguém tem dúvida: é um instrumento de redistribuição de renda, reativo no mercado interno, porque você terá outros tantos milhões de pessoas ganhando mais, produzindo mais, comprando mais e reativando a economia. Nós temos 210 milhões de brasileiros. Se não fizermos isso, quem vai consumir internamente? Se arrochar cada vez mais o salário, como é que faz? Quem compra? E sabemos que, na economia globalizada, o mercado internacional de exportação está mais do que congestionado. Mas, enfim, isso é uma rápida introdução, para que todos estejam percebendo o que está acontecendo e o trabalho de nós todos, aqui, para aprovarmos a nova CLT nos moldes que a sociedade há de construir. De imediato, então, Paulo Freitas. A SRª PAULA FREITAS - Paula. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Paula Freitas. O meu nome é Paulo. Então, eu corro aqui os olhos... Mas é legal saber que a Paula já é uma das nossas líderes aqui. |
| R | Muito bem. Paula Freitas, Pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp). É com você, Paula. A SRª PAULA FREITAS - Bom dia a todos e a todas. Dou bom-dia e cumprimento a Mesa em nome do Senador Paulo Paim. Hoje a gente está aqui para falar de um tema, Senador, pelo qual eu também sou apaixonada, ouviu? Eu tive a sorte de me apaixonar cedo, na faculdade, por isso me dedicar brevemente ao estudo. (Palmas.) E o motivo dessa paixão não é à toa, não é uma questão meramente técnica, mas é porque, logo que a gente tem um primeiro contato técnico com a questão da limitação da jornada, acho que sobressai de imediato o quanto que isso é importante para a própria compreensão do desenvolvimento humano, enquanto que, historicamente, enquanto você não estipula uma limitação para a jornada, ou melhor - já adotando a linguagem do Estatuto -, para o tempo de trabalho, é que você acaba possibilitando que, cada vez, mais situações de caos, de exploração da força de trabalho sejam intensificadas, até o nível da exaustão. E por isso mesmo é uma paixão, e eu me sinto muito feliz de poder participar e contribuir, se possível, nesta Mesa no dia de hoje. E, nesse sentido, minha apresentação aqui vai tratar primeiramente das questões que a gente entende como fundamentos adotados durante o processo de escrita do Estatuto. Depois, mais à frente, vou mostrar alguns artigos do Estatuto que acabam demonstrando um pouco o que eu vou trabalhar aqui e, por fim, eu trago alguns dos dados da PNAD Contínua, que acabam corroborando já com a fala do Senador, sobretudo na questão dos subutilizados - que é a terminologia utilizada pelo IBGE - e também a questão do trabalho intermitente, como que ele acabou se desenhando, principalmente nesse primeiro trimestre de 2018. E aí, nesse particular, achei muito feliz a escolha metodológica da equipe que escreveu o Estatuto, ao utilizar a expressão "tempo de trabalho" para tratar do regime jurídico de limitação não só da jornada, mas dos diversos pequenos tempos ou outros institutos que acabam sendo impactantes na definição desse tempo de trabalho. E faz isso, a meu ver, pelo menos, de uma forma muito importante, por já atribuir ao sentido do tempo de trabalho a compreensão de tempo à disposição do empregador, não deixando margens para, digamos, picuinhas interpretativas que tentam ficar fatiando o tempo de trabalho e a composição do desgaste da força de trabalho, que é apropriada no mercado pelo empregador. Então, achei que essa foi uma opção feliz do Estatuto, de já literalizar a teoria do tempo à disposição do empregador como elemento definidor daquilo que vai caracterizar esse tempo de trabalho. É importante observar que um outro fundamento que acaba sendo trazido também pelo Estatuto é uma retomada daquilo que a atual norma nega, que é o caráter dessas normas limitadoras do tempo de trabalho como normas de ordem pública e de proteção da saúde do trabalhador. |
| R | Infelizmente, também foi literalizado por esse "Estatuto do Capital", que hoje é vigente - vamos tirar "Estatuto", para não criar confusões: pela "CLT do Capital". E aqui nós - só retomando - já tivemos oportunidade de discutir sobre como que a lei vigente acaba sendo a CLT do Capital, porque, em alguns aspectos, promove uma proteção mesmo da figura do empregador. Então, é uma inversão do princípio protetor, não é só uma paridade; é criar um desequilíbrio em favor do empregador. E eu acho que, nesse ponto, a propositura do Estatuto acaba sendo de suma importância, para a gente retomar algo que realmente foi perdido durante esses anos, durante todas as pressões de austeridade e das alterações de flexibilização exacerbada que venham a caracterizar desregulação dessas relações de trabalho, porque, quando a gente trata essa preocupação da limitação da jornada como sendo norma de ordem pública e de proteção de saúde do trabalhador, o que a gente está fazendo é reafirmando a compreensão do princípio da dignidade humana, que é o princípio maior da nossa Constituição Federal. Não no seu sentido geral, mas no seu sentido mais específico, aplicado às relações de trabalho. Então, é a dignidade humana do trabalhador, vinculada, aqui, a essas relações de trabalho. E isso é fundamental para que a gente recobre o sentido da própria Constituição no que trata da matéria trabalhista. E essa compreensão vai ser aqui promotora, fomentadora, de uma segurança de vida do trabalhador. Por quê? Porque é um sentido de proteção da sua dimensão física - claro, quando a gente limita a jornada, a gente está diminuindo aqui situações de exposição, um risco exacerbado de acidente de trabalho -, a questão psíquica, porque esse trabalho, essa pressão, a fadiga decorrente do excesso de horas é algo que acompanha o trabalhador para casa, que não se limita tão somente àquele ambiente ou àquela hora específica de trabalho. E, com o acúmulo, você vai criando uma situação de efetivo desgaste da figura humana desse sujeito. É a sua subjetividade colocada, aqui, em ataque direto, pela exacerbação de jornada de trabalho. E no seu plano não só físico e psíquico, mas também social. E aqui eu retomo a compreensão desse tempo de trabalho, porque, quando a gente define o que é tempo de trabalho, a gente está, na verdade, criando aqui uma linha delimitadora dos tempos de vida desse empregado, porque, em oposição ao tempo de trabalho, você tem o tempo social, que é o tempo de ser pai, é o tempo de ser mãe, é o tempo de ser filho, já que nossos jovens entram muito cedo no mercado de trabalho, tendem a entrar muito cedo no mercado de trabalho. Além disso, é o sujeito político que está ali se construindo, como cidadão, nas outras atividades. Então, é necessário ter essa compreensão de que limitar o tempo de trabalho não é uma coisa adstrita à relação de trabalho, mas é uma coisa que se expande, que vai para as relações sociais, que define quem somos nós, sujeitos, também nessa sociedade, nas nossas relações, de termos tempo para educar os nossos filhos, atenção para dentro de casa, por exemplo - eu estou dando uma dimensão de exemplo; porque também tem a ver com a própria questão de você ter tempo para se qualificar dentro do que o próprio mercado pede, não é? |
| R | Então, como eu posso pensar em qualificação, se eu tenho o meu tempo completamente tomado, aqui, não só pelo excesso de jornada, mas, atualmente, sobretudo pela questão da desorganização dessas horas de trabalho? Porque, além do módulo extenso, as novas formas de contratação acabam permitindo aqui que o empregador tenha, no seu poder de gestão, no uso do seu poder diretivo, uma capacidade extremamente ampliada de intervir na organização do tempo de vida desse trabalhador. Porque, quando eu posso dispor desse tempo num trabalho intermitente, com um aviso quase que imediato - porque é pouco antes para avisar, e a capacidade de resistência não existe quando o aviso chega imediatamente, em cima da hora -, você não vai se negar, enquanto intermitente. É um trabalho que foi chamado há 2 horas. Por mais que você possa, do ponto de vista da CLT, você não vai fazer isso, porque você é intermitente, não tem segurança e, quanto mais você puder se mostrar disponível, é a chance que você tem de ser reiteradamente chamado para os trabalhos. Então, é uma dinâmica cruel, que coloca o sujeito inteiramente preso a essas dinâmicas de contratação. E aqui eu peguei o intermitente, mas poderia fazer uso de outras figuras para exemplificar a mesma questão. E ainda mais: a gente vê que a consequência disso é uma sobreposição cada vez maior do tempo de trabalho sobre esse tempo social. Então, é uma apropriação mesmo da vida do empregado para as relações de trabalho, à completa disposição dos interesses da empresa ou daquele que o contrata. Então, é a limitação do tempo de trabalho, é a limitação dessa jornada, é a limitação da sua possibilidade de prorrogação, é a limitação das suas possibilidades de compensação que são aqui definidoras do quanto que esse sujeito vai poder ser sujeito, enquanto.... Ou o quanto que ele vai estar assujeitado à exploração das relações de trabalho. Por isso que eu acho que, muitas vezes, a definição do tempo de trabalho pode vir a ser até mais importante do que a própria definição salarial, embora andem de mãos juntas, porque, é óbvio, o salário é definido pelo tempo de trabalho, é a unidade que o define. Mas você definir a jornada é definir a própria compreensão de vida, de sobrevida e da qualidade de vida desse sujeito. O salário vai lhe dar o poder de compra, para se realizar dentro das relações capitalistas, mas é o tempo de trabalho que lhe dá a integridade da sua subjetividade, e essa, talvez... (Soa a campainha.) A SRª PAULA FREITAS - ... seja o bem maior que um sujeito possa ter. Pois bem. Infelizmente, hoje, o que a gente vê com essa fragmentação de jornada é uma consequente fragmentação também remuneratória. Por quê? Porque a redução da jornada tem sido acompanhada da redução proporcional do salário. Costumam falar que é o ganho proporcional; a meu modo de ver, é uma redução proporcional, e eu acho que isso não é banal, essa troca, porque mostra qual é a regra, porque, hoje, a Constituição define uma jornada como teto. A jornada de 44 horas é uma jornada teto, para ganhar um salário mínimo, e está sendo feita uma inversão desses valores, com esse discurso de que é um ganho proporcional, porque eu pego aquilo que é teto e eu praticamente transformo em piso. Ou seja, eu preciso trabalhar 44 horas, para ganhar um salário mínimo. E, se eu trabalho aquém disso, eu vou ter redução desse salário que deveria ser mínimo. |
| R | Então, eu acho que esse aspecto é um outro aspecto que, no Estatuto, vem com uma roupagem completamente nova, que acaba também com qualquer possibilidade de contradição interpretativa em relação a isso, quando deixa explícito: "Olha, a jornada máxima vai ser tanto, e o salário não pode ser menor do que o mínimo." Proporcional, só se ele for um salário que é maior do que o mínimo. E pode ser reduzido proporcionalmente às horas trabalhadas, mas desde que o mínimo, por ser mínimo, é evidente, seja respeitado. Então, são aspectos que eu acho importantes no Estatuto, e é muito, muito importante, que a gente dê atenção a como ele está se configurando, porque não é no ponto a ponto; é o conjunto da obra do Estatuto que está sendo muito bem pensado, dentro de um sistema real de proteção. Não são reformas pontuais, que vão criando aqui pontos de proteção e pontos de conformação ou de negociação com a classe empregadora. É uma compreensão de um estatuto do trabalho para o trabalhador, coisa que realmente precisa ser estabelecida, a meu modo de ver, na nossa legislação. E, por fim, eu retomo aqui uma questão que dialogou com o tema da última audiência, com a organização sindical, que é o quê? Dentro das hipóteses de prorrogação ou compensação dessa jornada de trabalho que vem limitada pelo Estatuto - muito bem limitada pelo Estatuto -, exige-se a participação da entidade sindical. E esse é um elemento a que eu gosto de dar destaque, porque é um resgate também do papel dessa organização sindical, de compreensão de que o sindicato tem que participar mais ativamente, não se sobrepondo à lei, não fazendo o negociado prevalecer sobre o legislado, mas tendo a legislação ao seu lado, como um instrumento de fortalecimento do seu poder político. E isso é feito quando você cria as hipóteses de negociação, o que seria a possibilidade de adaptação dessa jornada máxima a determinadas realidades setoriais, com a participação daquele que melhor conhece essa realidade mais segmentada, que é a representação sindical. Isso lhe dá o poder, o devido poder, de barganha, para realizar os acordos e as convenções em termos que não sejam os termos pífios a que a gente tem assistido em 2018, de mera retificação do termo da CLT, como se fosse uma instância de ratificação de que o empregador pode aplicar esses absurdos que estão hoje vigentes. E eu estou falando isso com base em dados: o Dieese fez um levantamento a partir do banco de dados do mediador, que é do Ministério do Trabalho, e identificou uma série de cláusulas - eu posso até disponibilizar o trabalho do Dieese depois, para colocar junto com o link da audiência, que mostra todas as cláusulas que trataram de reforma trabalhista, que incluíram a reforma trabalhista -, e o percentual foi quase de 100% de mera retificação da CLT, o que significa, já que isso não tem nenhum valor hoje - porque, se já está na CLT, já teria, em tese, a devida aplicação -, que é o sindicato ratificando, para dar a legitimação e a segurança jurídica para aplicação dessa CLT. Então, quando a gente reforça as possibilidades de negociação dentro da própria lei, a gente está possibilitando que o sindicato seja capaz de resistir a esse tipo de pressão. (Soa a campainha.) A SRª PAULA FREITAS - Isso não se pode perder de vista. Então, vou aqui só passar brevemente os eslaides, para mostrar um pouco como é que está, não é? |
| R | Então, aqui: a questão da redução da jornada foi o primeiro aspecto. Você muda a jornada que hoje é prevista, de 44 horas, para 40 horas semanais, mantendo as 8 horas diárias. Isso aqui é importante ressaltar que não está na contramão do que se pode ter, porque a gente vê que as taxas de desocupação estão altas, a gente vê que as contratações, onde existem, estão ficando cada vez mais polarizadas, o que significa pessoas com muitas jornadas e pessoas com jornadas mais baixas. E, quando você faz isso, você cria um mecanismo de distribuição desse tempo de trabalho, para que a gente possa, cada vez mais, incluir pessoas com esse tempo que está extrapolando a jornada, o excesso de horas, e fazer um processo de inclusão e preservação, com menos tempo de trabalho, para aqueles que já estão inseridos nesse mercado de trabalho. (Soa a campainha.) A SRª PAULA FREITAS - Além disso, a gente vê aqui a questão do registro como um exemplo das situações em que se pode fazer o controle desse tempo de trabalho que hoje não é feito. Você deixa aquele que está no home office ou trabalhando fora da empresa sem controle de jornada, e muito se usa o fundamento de que não há como fazer esse controle. Ludmilla, aqui, que estuda o Uber, deve conhecer a plataforma. Se você pega o Uber em uma cidade que você chega, eles vão registrando os espaços em que você passa. Como é que o Uber sabe por onde a pessoa que faz uso do serviço passou e como é que o empregador não pode ter um mecanismo de controle que possa, remotamente, por meio de um IP, definir, no login, as atividades realizadas? Ou, em atividades de campo, por onde o aparelho que ele usa - que pode ser um tablet ou qualquer outra coisa - está passando e resgatar, portanto, esse trajeto? É completamente viável - parece-me, pelo menos -, e por isso mesmo que eu acho que o Estatuto faz muito bem em reafirmar essa forma de controle, inclusive para trazer um pouco de igualdade entre esses trabalhadores, não havendo somente aquele que vai possuir a sua jornada controlada dentro do espaço direto da gestão do empregador, mas também aquele que vai ser deslocado para fora do ambiente de trabalho, direto para um trabalho de campo, por exemplo. Da variação do tempo de trabalho, para dar um exemplo desse fortalecimento sindical. A gente vê que a própria prorrogação, ali, no 104, vai estar definida a partir, necessariamente, da existência de um instrumento coletivo de trabalho, que pode ser o acordo ou a convenção coletiva, a depender do âmbito de negociação. No 102, a duração ordinária de trabalho em turnos ininterruptos, apesar da limitação da jornada. Nessa jornada, se, eventualmente, você identifica - ou o sindicato identifica, melhor dizendo - que a atividade, aquela atividade específica, é merecedora... (Soa a campainha.) A SRª PAULA FREITAS - ... de um aumento, faz-se o aumento por meio, também, de um instrumento coletivo. O mesmo vai valer para compensação e para os outros institutos que estão definidos no Estatuto. Do ponto de vista dos dados, a gente vê que... Quanto a isso aí, eu tirei os dados do primeiro trimestre do IBGE. É o percentual da taxa de desocupação, na semana de referência da pesquisa, das pessoas de 14 anos ou mais, que é o recorte que o IBGE faz. Então, a gente vê claramente como, em 2007 e 2018, a taxa de ocupação cresceu substancialmente. Então, a gente tem que se preocupar em como trazer a inclusão dessas pessoas e distribuir, digamos, a massa de trabalho existente com a redução da jornada. É um dos mecanismos mais interessantes, a meu ver. Esses são os grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana, no trabalho principal, por faixa de hora. A gente vê que existe um percentual, no último trimestre de 2018, de 4% para até 14 horas e de 22% até as 39 horas. |
| R | Então, quando você soma, ali, já dá um percentual de 26% de pessoas trabalhando aquém das 40 horas. Então, a redução para 40 horas está completamente de acordo com a estrutura que a contratação do trabalho, no Brasil, vem adotando como tendência, que é o aumento das contratações aquém das 40 horas. Então, não há por que não se defender isso. E, ao mesmo tempo, a gente vê que a margem daqueles que trabalham além da jornada máxima constitucional, de forma habitual, também é significativa: vai bater em 20%. Então, isso é um processo que a gente está vivendo de polarização: jogar muitas jornadas altas e outras tantas fragmentadas. Quando a gente pega e reduz essa jornada, isso é importante para tentar uniformizar melhor a distribuição de horas e, com isso, trazer uma maior homogeneidade dos esforços de cada um, individualmente, para o mercado de trabalho, para a contribuição do mercado de trabalho. E aqui, por fim, os brasileiros subutilizados, que são justamente esses que o professor, desculpa, o Senador falou aqui - como uma aluna de doutorado, acabo sempre me referindo às autoridades como professores. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se eu fosse, mas eu me senti elogiado aqui. A SRª PAULA FREITAS - Não deixa de ser, não é? Afinal de contas, o que a gente faz aqui é um trabalho constante de troca de processos de ensino e de aprendizagem, sem dúvida. Então, no primeiro trimestre de 2018, esse número de subutilizados é o maior dessa série histórica, que é o da PNAD Contínua trimestral, porque você tem as outras PNADs, mas a contínua trimestral começou ali, no primeiro trimestre de 2012, e, portanto, tem se mostrado a maior com tendência de crescimento. Então, acho que esses são dados que acabam corroborando para mostrar como é que a gente precisa, de fato, criar uma forma de inclusão. Aqui temos como ficou o trabalho intermitente. Houve uma indicação de 5.600 contratações, sendo que ficaram concentradas sobremaneira no comércio. Existe, também, uma tendência - eu vi os dados aqui. Eu estou falando, mas estão lá no IBGE - que tem sido um processo crescente. Então, isso foi o do primeiro trimestre. Provavelmente no segundo trimestre, quando saírem, teremos os números para comparar, e esse número deve crescer um pouquinho mais ainda. E as mulheres, para variar, vivem da relação mais precária, sendo a maioria nessa contratação. Então, esses foram os dados, só para ilustrar. Espero ter aqui contribuído para apresentar um pouco o que é esse texto do Estatuto e deixar aqui também, marcado, o agradecimento do Cesit ao Senador, por nos ter convidado para participar desse processo de elaboração e discussão. Quero dizer que, com certeza, eu não posso participar no processo democrático com o voto, mas, certamente, participarei com o desejo e com o apoio, para que possamos tê-lo aqui, continuamente, nos próximos anos. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado, Paula. Muito obrigado, Paula Freitas... (Palmas.) Pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp). Aqui, pelo celular, uma pergunta. Vieram umas duas na mesma linha e que, em um momento adequado, se alguém puder responder... Eles perguntam: "Qual é a tendência do mundo do trabalho para o futuro?" Se alguém puder falar alguma coisa nesse sentido... Qual é a tendência? Vai ser mesmo a redução de jornada? Eu acredito que sim. A SRª PAULA FREITAS (Fora do microfone.) - Esperamos, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai ser a automação? Vai ser o trabalho, como muitos já fazem, em casa? E, aí, você lembrou aqui que há como controlar, não é? Ninguém é contra o trabalho em casa, desde que haja um trabalho decente e não haja exploração. |
| R | Meus cumprimentos a Paula Freitas, que fez uma bela exposição aqui, que só vai dar mais subsídio para a construção final da nossa CLT, a nova CLT - ou melhor, como ela diz, o Estatuto do Trabalho. De imediato, Tadeu Henrique Lopes da Cunha, Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT). O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Bom dia, Exmo Senador, Sr. Paulo Paim, na pessoa de quem aproveito para cumprimentar os demais membros desta seleta Mesa de trabalho. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me só que eu registre aqui a presença do Wilmar Lacerda, que é suplente de Senador - e pelo que me informam - e pré-candidato, agora, a Deputado. É isso? Posso dizer que é pré-candidato? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ah, está definindo. Tudo bem. Mas ele é suplente de Senador e está aqui prestigiando o nosso trabalho. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Está o.k. Para mim, é uma honra representar o Ministério Público do Trabalho aqui nesta audiência pública, com o objetivo de discutir o Estatuto do Trabalho, que é uma norma que objetiva concretizar direitos fundamentais trabalhistas, sobretudo após o esfacelamento da legislação do trabalho ocasionado pela reforma que veio no ano passado, a Lei 13.467, de 2017. Bom, quando me foi passada esta oportunidade de participar aqui, primeiro perguntei qual seria o objeto e quanto tempo eu teria disponível para fazer a apresentação, e a minha ideia foi fazer um quadro comparativo do projeto, do Estatuto, juntamente com a CLT, na redação mais antiga, e a redação trazida pela reforma. E fiz uma série de observações. O Estatuto, de um modo geral, reconstrói a legislação trabalhista, além de trazer alguns novos regramentos que concretizam direitos. Por exemplo, a questão da automação, que está em nossa Constituição desde 1988 - portanto, próximo de 30 anos - e que nunca foi regulamentada, o Estatuto abrange. Então, seria uma concretização, digamos assim, mais pura de direito, porque ele não havia sido regulamentado antes. Além disso, traz outros regramentos interessantes, como a duração semanal de 40 horas, a vedação expressa do trabalho intermitente, e, vamos dizer assim, dentre as situações trazidas pela reforma, a que talvez seja a mais, se não for a mais precarizante delas, é a terceirização ampla, que também veio um pouco antes. Mas nós estávamos, digamos assim, fazendo uma interpretação, Senador, em que aquela primeira lei da terceirização não autorizava a terceirização da atividade fim, porque o texto dizia que se poderia terceirizar atividades específicas, o que de fato são. São atividades específicas que são terceirizadas. Não se levava, pela leitura do texto, à conclusão de que era, necessariamente, a atividade fim. E o mesmo texto... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me só... Segura o teu raciocínio aí. Pois aqui no Senado, aquela lei, que era o PL 30 à época, que nós já criticávamos... O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Sim, PLS 30. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... mesmo aquele, ele, na Comissão, rejeitaram, porque acham que dá para piorar ainda mais. |
| R | O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Retrocederam mais. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - O 30 é opção do Mabel? Aquela primeira opção do Mabel. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É aquele que veio para cá, que já era ruim, mas aqui... O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Ele deveria trazer responsabilidade solidária, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Exatamente. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Porque ainda teria um resguardo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Chegamos a conclusão que o bom mesmo é aquele do Fernando Henrique, em tese, o da época dele, de 1998, que eles aprovaram lá, e aqui eles estão rejeitando... E, aí, conseguem piorar aquele de 1998, aquele do Fernando Henrique, para você ver a que ponto nós chegamos. Você está com toda a razão. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Naquela regulamentação que, na verdade, é uma regulamentação do trabalho temporário, da Lei 6.019, em que foi acrescida essa regulamentação da terceirização, ao trabalho temporário havia, sim, uma referência, mas expressa à intermediação de mão de obra, que, de fato, já era o regulamento. Mas a lei nova da terceirização não fazia a mesma referência. Então, a interpretação que nós fazíamos, o Ministério Público... Eu cheguei a atuar em um caso específico, na minha região, e defendi que não havia essa aplicação. Defendi, primeiro, a inconstitucionalidade da lei, por uma série de aspectos, e também defendi que a interpretação não seria nesse caminho. O fato é que, depois disso, veio a reforma trabalhista, que trouxe, de modo ipsis litteris, inclusive repetindo palavras, termos até estranhos numa redação de lei: "Pode terceirizar todas as atividades, inclusive a atividade principal." Quer dizer, ele retoma o termo "atividade", algo que nem precisaria, do ponto de vista da língua. Mas vi vários artigos. Eu acho que não é o caso de ficar falando de tudo o que eu verifiquei, até porque a maioria do que eu verifiquei, do que eu constatei, eu concordo e entendo que o Ministério Público também concorda com essa visão. Então, eu vou passar diretamente para aquilo que eu acredito que poderia sugerir algum tipo de aperfeiçoamento ou alteração na legislação - ou, melhor dizendo, no projeto. Nesse sentido, eu passo aqui diretamente para o art. 95, que trata do registro de jornada. O art. 95 é muito parecido com o 74, que não foi alterado pela reforma. Ele diz: O registro diário de frequência dos empregados é obrigatório para todos os empregadores e pode ser feito por meio manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela autoridade nacional em matéria de inspeção do trabalho, devendo refletir fidedignamente os horários praticados, incluindo o registro do intervalo para alimentação. Eu diria aqui que duas alterações que foram incluídas, sobretudo a questão do termo fidedigno, mas isso era algo que jurisprudencialmente já se poderia entender. Obviamente, o controle tem que ser fidedigno. Ele tem que refletir a jornada efetivamente praticada, e não se faz aqui uma ressalva para a questão de estabelecimentos menores. O texto da CLT estabelece a obrigatoriedade de controle para estabelecimento com mais de dez empregados. A minha sugestão seria tornar obrigatório o registro eletrônico e não haver essa possibilidade dos registros manuais e mecânicos, a não ser em situações muito excepcionais. Eu digo isso sob dois aspectos: o primeiro... O Dr. Lucas aqui pode até me dizer melhor, mas, para o ponto de vista da fiscalização, o registro eletrônico é muito mais vantajoso: fica muito mais fácil, mais célere a fiscalização e consegue-se apurar muito mais rápido e abranger um maior número de estabelecimentos. Então, do ponto de vista fiscalizatório, é muito mais fácil o registro eletrônico. Quando ele veio nos termos da Portaria 1.510, de 2009, ele possibilitou esse aumento, essa expansão da fiscalização, e ele evita a fraude. |
| R | Do ponto de vista do trabalhador, eu também acredito que ele é mais interessante, porque o trabalhador pode controlar aquela jornada, ele pode saber, diariamente, pois vem um extrato diário, e o trabalhador pode acompanhar diariamente se ele vem fazendo horas extras ou não e se vem recebendo por elas. Muito mais fácil com o papel do que, por exemplo, ele lembrar - não vai lembrar de tudo isso. E, em uma futura ação judicial, caso eventualmente seja proposta, a sua prova é muito mais fácil; a prova documental, processualmente falando, é muito melhor do que a prova testemunhal. A prova documental é o papel. É difícil desmentir, quebrar essa prova. Diferentemente de uma testemunha, cuja idoneidade pode ser questionada em uma audiência, pode-se dizer que é um amigo e que vai gerar uma suspeita naquele depoimento. Além do fato de a testemunha ser uma prova mais falha. A testemunha pode se esquecer, pode até faltar, eventualmente, em audiência; isso pode acontecer. Então, a sugestão seria que o registro fosse unicamente eletrônico, e não ter essa possibilidade do registro manual e mecânico. Talvez, no caso de empresas muito pequenas, empresas com faturamento menor, talvez se pudesse pensar, eventualmente, neste outro registro mais barato, digamos assim, o manual ou mecânico, mas isso teria que ser feito com critério, com cautela. E não como hoje, em que nós excepcionamos pelo número de trabalhadores, porque pode haver empresas altamente tecnológicas com menos de dez empregados e que tenham um faturamento muito grande; elas estariam fora... (Soa a campainha.) O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - ... do §2º do art. 74. Então, essa seria uma primeira sugestão. A segunda e algumas outras na sequência estão no art. 97, que trata da jornada reduzida. O art. 97 diz: É reduzida a duração ordinária do trabalho das categorias profissionais especificadas, nas seguintes condições: I - para empregados em bancos, casas bancárias, financeiras e caixas econômicas, inclusive os empregados nas atividades meio desses estabelecimentos, a jornada máxima é de seis horas, compreendida entre sete e vinte e duas horas, de segunda a sexta-feira, totalizando trinta horas semanais, excetuados vigilantes e empregados integrantes de categorias profissionais com jornada definida em lei; Aqui, a minha sugestão seria de não ter essa exceção dos vigilantes. Eu entendo que não há uma justificativa plausível, juridicamente falando, para que exista esta exceção. A jornada de 6 horas dos bancários está prevista desde tempos remotos, desde da redação da CLT. Uma lei de 1958 autorizou que essa jornada de 6 horas fosse de outras categorias que trabalhassem dentro de um banco - categorias, digamos, não genuinamente bancárias. E, nesse sentido, havia lá, por exemplo, a categoria de limpeza, o pessoal da limpeza, o pessoal de portaria. O que fizeram as instituições financeiras? - essa lei é de 1958. Elas começaram a terceirizar estes empregados, empregados de portaria e empregados de limpeza, exatamente com o objetivo de fugir dessa jornada de 6 horas e passar para 8 horas. |
| R | Em 1969, veio o Decreto-Lei 1.034, que trata da segurança das instituições financeiras. Não é um decreto-lei que cria uma categoria diferenciada de vigilantes; é um decreto-lei que trata da segurança das instituições financeiras. E, lá no meio dele, ele trata do vigilante. A partir dali, a jurisprudência começa a diferenciar o que é um empregado de portaria, o que é um vigia, o que é um vigilante e começa a aceitar a jornada acima de 6 horas para vigilantes. Ao ponto até de nós termos uma súmula do TST, Súmula 257, que diz que o vigilante empregado de banco não se submete à jornada de 6 horas. A súmula diz que não é bancário. Não é genuinamente bancário, mas é um empregado de uma instituição bancária. A meu ver, deveria ser tratado como tal e ter uma jornada equivalente. E daí, os bancos começam a terceirizar outras atividades, exatamente com esse objetivo de fugir das 6 horas. Então, a meu ver, a sugestão seria tirar a questão dos vigilantes lá. Excetuados os vigilantes? Não, os vigilantes também. A meu ver, seria mais adequado que eles se submetessem à jornada de 6 horas. Até porque os defensores da terceirização alegam que a terceirização é feita para que a empresa - agora menos, porque agora até a atividade fim querem terceirizar; mas, originariamente, a ideia de terceirização era esta - se foque no seu objetivo principal e deixe atividades ditas acessórias para outras empresas especialistas nessas atividades. Ou seja, se o foco é especialização, eu tirar o meu foco daquilo que eu não sei fazer e deixar outro fazer, pouco importa a jornada do outro. Qual é a relevância da jornada do vigilante se o banco quer terceirizar essa atividade? Se a ideia é especialização, pouco importa qual o tamanho da jornada. E, inclusive, aproveito para dizer que a lei que substituiu o Decreto 1.034, a Lei 7.102, também não trata especificamente da jornada dos vigilantes. Ela não diz nada lá que a jornada dos vigilantes é de 8 horas. O que ela diz é... Ela regulamenta estabelecimentos bancários, segurança dos estabelecimentos bancários e trata do vigilante, dizendo que ele tem que ter uma determinada idade, que ele vai ter o porte de arma, que ele tem que ter o treinamento na Polícia Federal, mas ela não diz qual é a jornada dele. Isso é uma mera interpretação. Então, a minha sugestão seria a de que ele também fosse abrangido com a jornada de 6 horas. Até porque a questão de profissão regulamentada, de categoria diferenciada é muito mais afeta, a meu ver, a profissionais liberais. (Soa a campainha.) O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - E sabemos que o vigilante não é um profissional liberal. O outro comentário em relação ainda ao art. 97 diz respeito aos incisos II e VII. O comentário é o mesmo para ambos. Para trabalhadores nas áreas de telefonia, telegrafia, radiotelefonia, radiotelegrafia, telemarketing, taquigrafia, digitação e processamento de dados, a jornada máxima é de 6 horas por dia, totalizando 36 horas semanais. E o VII: para empregados em minas de subsolo, a jornada máxima é de 6 horas por dia, incluído o tempo despendido pelo empregado da boca da mina ao local do trabalho e vice-versa, totalizando 36 horas semanais. |
| R | A minha sugestão aqui se baseia inclusive, na sequência, em outros incisos do dispositivo que tratam do módulo semanal de outras categorias, que não estas do telemarketing e das minas de subsolo, com 30 horas semanais. O que justificaria esse tratamento diferenciado? A meu ver, essas profissões têm até um ritmo de trabalho, uma situação de trabalho até mais intensa, mais degradante do que outras, por exemplo, que têm o módulo de 30 - como a do próprio bancário. O trabalhador em mina de subsolo se submete a um ambiente totalmente confinado, com grandes riscos, inclusive de soterramento, questão de calor, conforto térmico, muito difícil. O telemarketing, o regime de trabalho em telemarketing - participei já de cursos na Escola Superior do Ministério Público da União - é um regime extremamente degradante. A pessoa fica o dia inteiro falando e, para isso, ela tem que tomar água e não pode ir ao banheiro porque há uma limitação de tempo, metas. Então, assim, é um sistema de trabalho extremamente desgastante e que, na minha opinião, deveria ser abrangido por um módulo semanal mais generoso, de 30 horas, assim como é o do bancário, assim como é o do operador cinematográfico, assim como é o do músico, que são categorias abrangidas dentro desse artigo com um módulo de 30 horas. Então, a sugestão aqui seria que o módulo de 30 horas fosse para todos, que abrangesse também essas outras duas categorias de trabalhadores, os músicos e os operadores. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para ficar claro para quem está nos assistindo: você é favorável, claro, pelo que eu entendi - você pode me corrigir, porque aqui é para esclarecer -, que a jornada seja reduzida para 40 horas semanais. Mas que, em inúmeros casos, conforme você explicou, nós teremos situações que têm que ser 36 e até 30 horas. É isso o raciocínio? Categorias específicas. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Sim. A regra geral hoje são 44 horas, pela Constituição Federal. A redução para 30 horas é louvável do ponto de vista do cansaço físico, do tempo de trabalho, como disse a Drª Paula na fala anterior, e até, por uma questão de política de emprego, pode - o fato dessas 4 horas a menos -, em tese, possibilitar um aumento, um incremento do emprego. Mas algumas categorias, historicamente... Os bancários - eu diria historicamente -, pelo menos, já têm uma jornada reduzida desde tempos idos. E outras, que estão dentro desse dispositivo que trata da jornada menor ainda, a meu ver, elas teriam, pelas condições de trabalho, também direito às 30 horas do bancário, às 30 horas do músico, às 30 horas do operador cinematográfico. Quer dizer, é uma jornada ainda mais reduzida por questões peculiares. Assim como - na sequência eu vou falar de intervalo -, em geral, o intervalo é só aquele intervalo para o almoço, intervalo intrajornada. São 8 horas de jornada e 1 hora de intervalo, de 1 a 2 horas. Mas há algumas categorias que têm intervalos específicos devido a suas condições específicas de trabalho. |
| R | Por exemplo, quem trabalha em frigorífico, a cada 1 hora e 40 minutos, tem 20 minutos de intervalo. E esses 20 minutos são considerados como tempo de trabalho. Então, é um intervalo que nem todos têm, mas, como a condição dele de entrar em um ambiente artificialmente frio e sair gera uma situação de desgaste físico, ele tem um intervalo especial. O digitador, desde a própria CLT, tem um intervalo a cada 90 minutos de trabalho: 10 minutos de intervalo, que são computados na jornada. Um intervalo específico devido a uma condição especial de trabalho. Então, aqui nesse art. 97, são as categorias que, por alguma condição especial de trabalho, têm direito a uma jornada ainda menor do que a jornada regra. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso aí ficou claro. Algumas questões específicas de algumas categorias. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Exatamente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - No princípio geral, vamos em frente. Está bem. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Ainda no art. 97, o §2º dele estabelece o seguinte: "Os trabalhadores a que se refere o inciso II não podem trabalhar, de modo ininterrupto, na transmissão manual, bem como na recepção visual ou auditiva, com escrita manual ou em máquina, quando a velocidade for superior a 25 palavras por minuto". Aqui, a sugestão na verdade é mais de preciosismo, digamos. Eu sugeriria que a redação fosse mais precisa, fosse mais clara, porque ali diz que "não podem trabalhar de modo ininterrupto" - não podem trabalhar de modo ininterrupto, o que significa dizer que a pessoa trabalha 6 horas. Se ela não pode trabalhar de modo ininterrupto, ela pode trabalhar 2 horas, parar 5 minutos; trabalhar 2, parar 5; e trabalhar 2. Ou seja, ele não trabalhou de modo ininterrupto. Mas alguém poderia falar: mas e se ele parar 3 minutos? Também não é ininterrupto. Se ele parar 1 minuto? Também não é ininterrupto. Então, colocar o modo ininterrupto ali, sem ter um parâmetro, pode trazer margem a várias interpretações. Considerando que nós estamos em um tempo sombrio, quanto mais clara... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Para não dizer outra coisa. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Para não dizer outra coisa, para ser bem educado. Considerando isso, quanto mais clara for a redação eu acredito que seja mais adequado, tanto mais adequado. Por exemplo, eu trago aqui a redação do item 17.6.4, alínea "d", da Norma Regulamentadora 17, do Ministério do Trabalho, que trata de ergonomia, que prevê na verdade o intervalo de 10 minutos a cada 50 minutos de trabalho em atividades de entrada de dados. Ou seja, a cada 50 minutos, tem que parar 50; 50, tem que parar 10; e assim vai. No fundo, acaba se tendo uma jornada de 5 horas e não de 6 porque são 10 minutos de intervalo a cada hora, dentro daquela hora. Então, se você multiplicar por 6, isso vai dar 5 horas de trabalho e 1 hora de intervalo, dentro desse contexto. Então, eu acredito que fosse mais adequado a gente ter uma redação mais clara: "de modo ininterrupto" não é totalmente claro, pois fica uma situação que gera margem a um intervalo muito grande, como também gera margem para um intervalo muito pequeno. E, dentro dessas condições de tempos sombrios, como eu disse, a tendência é a de que o intervalo seja muito pequeno. |
| R | Mais três dispositivos que eu separei. O art. 101 do estatuto estabelece o seguinte: considera-se tempo de trabalho, aliás, trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 25 horas semanais. A redação é igual à do art. 58-A original. A original não: digamos assim, a anterior à reforma, porque a original não tinha o regime de tempo parcial. E o §1º diz: "O salário a ser pago aos empregados sob regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral, vedada a remuneração mensal inferior ao salário mínimo". Na verdade, aqui não há sugestão. Aqui, esse artigo cumpre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Por quê? A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vai no sentido de que é vedado ao servidor público receber menos do que um salário mínimo. Inclusive, há julgado, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, no sentido de que, mesmo que a jornada seja reduzida, não pode o Poder Público pagar um salário inferior ao salário mínimo. Qual a diferença entre o trabalho do servidor público, que não pode ganhar menos do que o salário mínimo - ainda que trabalhe em jornada reduzida -, para o trabalho do trabalhador da iniciativa privada? (Soa a campainha.) O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - O que justifica esse tratamento desigual? A meu ver, aqui seria uma afronta ao princípio da isonomia, e o trabalhador da iniciativa privada teria que ter direito, sim, ao salário mínimo, no mínimo. Se o empregador quer uma jornada de regime de tempo parcial, ele que arque com essa despesa - entre aspas - "maior" por exigir menos horas do que a lei possibilita a ele exigir do trabalhador. Até porque o direito do servidor público ao salário mínimo está previsto no art. 39 da Constituição, §3º. E esse artigo remete ao 7º, inciso IV, que é exatamente o salário mínimo da iniciativa privada. Ou seja, a lógica é exatamente a mesma. Vamos dizer assim, do ponto de vista jurídico, não há como defender a proporcionalidade abaixo do salário mínimo. Quanto à proporcionalidade acima, tudo bem. Inclusive, o próprio estatuto dá a entender isso,... (Soa a campainha.) O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - ... mas a proporcionalidade abaixo, a meu ver, é inconstitucional. Então, aqui, na verdade, não é nem uma sugestão, é mais uma menção de elogio aqui a essa alteração. O art. 108 do estatuto diz respeito à compensação de horários. Banco de horas: Mediante convenção coletiva de trabalho, é lícita a pactuação de banco de horas, assim considerado o acordo de compensação e que o excesso de horas em um dia seja compensado pela correspondente diminuição em outro dia [O.k.]. §1º A compensação total de horários deve ocorrer até 31 de dezembro de cada ano, vedada a prática de novas horas sob esse regime quando já acumuladas quarenta horas. §2º As folgas compensatórias devem ter seu tempo acrescido de 50%, no mínimo, como tempo indenizatório de folga. O §2º, o.k. Ele está dentro da lógica jurídica. Se a pessoa trabalhou em horas acima da oitava, aquelas horas custariam para o empregador 1 hora e 30 minutos. Ele teria direito a 50%, até por uma questão de um desgaste maior, um desgaste físico. Nada mais justo do que, caso ele vá compensar, ele compense também 1 hora e 30 minutos. Então, se ele trabalhou 2 horas a mais no dia, que ele compense 3 horas no outro; 1 hora e 30 minutos vezes 2: 3 horas. Aqui, o.k. A minha questão é em relação ao §1º, que, a meu ver, traz um tempo muito elastecido para a compensação. Elastecido porque é possível que uma empresa comece a exigir a compensação no dia 2 de janeiro, vamos dizer assim. Se ela começar a exigir essa compensação em 2 de janeiro, terá praticamente um ano para conceder essa hora de compensação, e nós estaríamos praticamente dentro do regime atual. Lógico, existe aquela limitação das 40 horas, que é louvável, mas estaremos quase dentro do mesmo sistema atual. |
| R | E vejam que o sistema atual, primeiramente, não foi regulamentado dessa forma. A Lei 9.601, de 1998, regulamentou o prazo em 120 dias para a compensação, e não em um ano. Veio a Medida Provisória 2.164, que foi reeditada 41 vezes, até chegar a Emenda Constitucional 32, que tornou lei todas as medidas provisórias, com eficácia de lei, por isso não houve mais reedição dela. Ela virou uma lei. Essa medida provisória é que tornou o prazo para compensação em um ano. Esse prazo é muito longo. A minha proposta aqui - e eu já vou falar exatamente por que dessa proposta - é que o parâmetro utilizado para compensação fosse o parâmetro mês, e não ano. Por que o parâmetro mês? Primeiro, o parâmetro mês é o parâmetro normal para toda a legislação trabalhista, para quase tudo a gente usa esse parâmetro. Quando a gente vai pagar o salário, em geral, o salário é pago com base no mês de trabalho. As férias, quando se vai calcular valor de férias, por exemplo, alguém que tenha entrado no meio do ano, e não que já esteja na empresa, vai receber férias proporcionais àquele período - por exemplo, quando ela é dispensada -, proporcionais ao número de meses que ela trabalhou. Parâmetro mês. Décimo terceiro, a mesma coisa: parâmetro mês. E o interessante é que o Tribunal Superior do Trabalho, quando aceitou a jornada 12 por 36 - 12 horas de trabalho por 36 de descanso, mais 12 horas de trabalho -, aceitou porque, dentro de um mês, o número de horas trabalhadas seria menos do que a CLT prevê. Então, veja que a jornada 12 por 36 no dia passa das 8, ela passa da regra. Então, a rigor, ela não deveria nem ser aceita. Durante a semana, ela também passa, em algumas semanas. Na semana em que ele trabalha mais, são 48 horas. Na semana em que ele trabalha menos, são 36. Na semana em que ele trabalha 48, ele passa das 44 da Constituição Federal. Por que o TST aceitou? Exatamente porque, no mês, ele trabalha 192 horas, menos do que as 220 da CLT. Essa é a justificativa que eles dão em vários dos precedentes da Súmula 444. Então, por que não utilizar o parâmetro mês? Ele já foi utilizado pela jurisprudência para aceitar o 12 por 36 e ele é o parâmetro padrão da própria legislação trabalhista. A meu ver, a compensação que coloca até 31 de dezembro pode gerar uma compensação em um prazo muito longo e ela é prejudicial ao trabalhador. E, se a ideia é a de um estatuto de trabalho com o objetivo de reconstruir a legislação e de concretizar direitos constitucionais, a meu ver, a compensação deveria ser limitada ao parâmetro mês. E, por fim, o último dispositivo que eu destaquei foi o art. 120 do projeto do estatuto... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mestre Tadeu, nós estamos com um problema de tempo. |
| R | O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O normal aqui são 10 minutos, com mais cinco; e já está com 25. Mas, vou lhe dar mais 5. Fica nos 30 minutos, daí. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Obrigado. Só para concluir, o art. 120 trata do intervalo intrajornada: Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de quatro horas, é obrigatória a concessão de intervalo, para descanso ou alimentação, nas seguintes condições: ....................................................... II - Intervalo entre sessenta e cento e vinte minutos, para jornada acima de seis horas. .......................................................... §3º O intervalo a que se refere o inciso II pode ser ampliado para até duzentos e quarenta minutos, mediante instrumento coletivo [...]. Aqui, a meu ver, a legislação, a proposta de legislação sugeriria que não fosse possível esse elastecimento do intervalo entre a jornada. Por quê? Veja que o intervalo de 2 horas já é um intervalo muito longo de almoço, e um intervalo chegando a 4 horas ficaria um intervalo extremamente amplo, inclusive afetaria o próprio tempo social de que a Drª Paula falou antes. Por exemplo: imaginemos uma pessoa que resida a 2 horas de distância do local de trabalho, que trabalhe num restaurante e que comece o trabalho às 11h da manhã. Ele vai sair de casa um pouco antes das 9h, vai pegar uma condução, vai chegar às 11h, vai trabalhar das 11h às 15h, horário de almoço, e vai ter 4 horas de intervalo. Então, ele vai ficar até às 19h, com 4 horas de intervalo. Vai voltar para casa? Não vai, porque demora 2 horas para chegar no trabalho. Se são 2 horas para ir e 2 horas para voltar, acabou o intervalo dele. O intervalo dele vai ser dentro do ônibus. Então, ele vai ficar provavelmente no local de trabalho ou nas redondezas, não vai ter tempo para fazer alguma outra coisa - tempo disponível talvez para fazer alguma aula de algum curso -, não vai ter oportunidade de arranjar um outro emprego ou de fazer alguma outra coisa que exija um pouco mais de tempo. E depois volta ao trabalho às 19h, ficando mais 4, sem nenhuma hora extra. Veja, ele vai ficar até às 23h e vai embora de ônibus para chegar à 1h da manhã em casa (pouco menos talvez por causa do trânsito, que deve estar menor nesse horário). E depois vai acordar, no dia seguinte, para começar de novo às 9h. Então, veja que o tempo social dele aqui acabou, ele não tem, não existe. Então, meu posicionamento seria contrário a essa ampliação no intervalo entre a jornada. Essa ampliação, no fundo, acaba fazendo aquela questão da dupla pegada, que é muito usada para empresas de transporte coletivo urbano. Entendo que poderia ser suprimida essa possibilidade ou, pelo menos - e aí deixando bem claro, de novo, porque a redação quanto mais clara melhor, em tempos sombrios -, que fosse acrescentado, ali, mediante instrumento coletivo de trabalho, que oferecesse contrapartida. Em tempos normais eu não diria isso, porque, pelo princípio da adequação setorial negociada, que a gente entende que vige no Direito do Trabalho, as negociações deveriam ser para melhorar a condição do trabalhador; inclusive a Constituição Federal, quando fala dos direitos dos trabalhadores, ela diz que são direitos dos trabalhadores, urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria da sua condição social. Ou seja, aquilo é o piso, é o mínimo, não é o máximo. Então, a negociação coletiva deveria ser para melhorar. Como a gente está num tempo em que a lei, literalmente falando,... (Soa a campainha.) O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - ...não a interpretação que a gente faz, mas literalmente falando, ela possibilitaria essa piora... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais um minuto. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Eu diria que, se não for possível excluir essa possibilidade de ampliação, ao menos que fosse inserida, dentro do dispositivo, a necessidade de uma contrapartida nessa negociação coletiva. Então, essas basicamente eram as minhas observações. E agradeço novamente pela oportunidade. E fico à disposição para eventuais dúvidas. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), o Sr. Procurador Tadeu Henrique Lopes da Cunha! (Palmas.) Tanto a Paula como o Tadeu foram um pouco além do tempo, mas foram pela importância do tema e pela, eu diria, beleza da fala feita aqui, que contribui, e muito, para a formação final do texto. Só vou ler aqui agora, como é de praxe, alguns questionamentos ou afirmações. Lucas Loeblein, do Rio Grande do Sul: "No que tange à jornada de trabalho, ainda é preciso melhorar a fiscalização nas empresas sobre intervalos e etc. O salário mínimo deve receber maiores aumentos a cada ano [porque o que se recebe atualmente é muito pouco]". É o que ele diz aqui. Adriano Silva, do Rio de Janeiro: "A tecnologia permite o home office não contabilizado no salário, e com impacto na saúde do trabalhador. Além disso, se o Governo não fornecer saúde e educação de qualidade, o tal gasto deve ser incorporado ao salário, que, por sua vez, onera o empresário. Como resolver tais problemas?". Isso, no final da segunda Mesa, vocês poderão comentar, enfim. Ou, senão, na fala daqueles que faltam; vocês podem comentar. Nilo Bezerra, do Ceará: "Simplesmente diminuir 14 horas da atual carga tributária poderia trazer sérias consequências às empresas que mantêm esses mesmos trabalhadores [O Nilo dá a entender que não tem como diminuir 14 horas de um momento para outro]. Contudo, a atual carga priva e fatiga-nos; é algo para o debate" E, por fim: "A atual jornada de trabalho não reflete a crescente flexibilidade do mercado, no qual muitas atividades não exigem presença física na sede da empresa. Além disso [nessa linha], uma carga de 6 horas/dia é justa!!!". Enfim, vamos em frente. Passo a palavra para Lucas Reis, Auditor-Fiscal do Trabalho, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). O SR. LUCAS REIS - Bom dia. O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - Senador Paim, eu poderia fazer um breve comentário,... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pois não. O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - ... porque vou ter que sair e pediria... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pois não. Em seguida, o Lucas. O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - Com a permissão do Lucas. Infelizmente vou ter que me ausentar e gostaria de fazer aqui algumas considerações. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É Wilmar Lacerda quem está falando, suplente de Senador - suplente do Senador Cristovam, para ficar bem completo. O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - Primeiro, quero agradecer a você por esse belíssimo trabalho que você vem fazendo à frente da Comissão de Direitos Humanos aqui do Senado Federal. Fico refletindo que algumas eleições de alguns Parlamentares tinham que ser feitas no Brasil inteiro, porque é uma responsabilidade do conjunto dos trabalhadores da população brasileira. E vejo que, depois de Getúlio Vargas, o político, a liderança que mais vigia e cuida das condições de trabalho e salário da população brasileira é o Senador Paim, pela história como Deputado Federal e como Senador da República. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Obrigado. O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - E também sei que o Estatuto do Trabalho seria impossível, mesmo com esta referência de uma sugestão legislativa, se você não estivesse num mandato de Senador da República e aqui nesta Comissão; seria impossível articular centrais sindicais, autoridades, empresários, trabalhadores para, num contexto deste que vivemos, conciliar interesses e não retirar direitos consagrados da classe trabalhadores ao longo das últimas décadas. Eu falo da década de 40 para cá, depois do governo de Getúlio Vargas, que é também do Estado em que V. Exª nasceu. Então, queria saudar aqui e dizer da responsabilidade do povo do Rio Grande do Sul com a sua reeleição. Imagine se, no ano que vem, a gente não tiver o Senador Paim aqui no Senado Federal? Quem no Brasil, quem no Senado poderá, com conhecimento de causa, conduzir esse trabalho que o senhor vem conduzindo tão bem aqui na Comissão de Direitos Humanos do Senado? Então, queria fazer essa referência, porque é muito importante, e chamar à responsabilidade - que sei que tem o povo do Rio Grande do Sul - nessas próximas eleições. Até porque, depois da eleição do Tocantins, a gente fica muito preocupado, porque 52% da população não quis participar do processo eleitoral. E isso é um exemplo... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - V. Exª está coberto de razão. Ouvi a notícia, pela manhã, também; 52%, a soma dos dois não alcança o voto de nulos e abstenção. O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - É. E isso retrata uma situação que a gente vive no País do desinteresse do povo brasileiro pelos políticos, pela política, e a gente não resolve o processo democrático se não for através da participação popular intensa do povo brasileiro e fundamentalmente da classe trabalhadora. Quero dizer que fui Presidente Nacional do Sinpaf (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário) por algum tempo, e estive nessa luta por muito tempo, na mesa de negociação, representando a classe trabalhadora. Quero um pouco responder aqui à pergunta que você fez para a Paula: "Para onde vai o mundo do trabalho?". Eu falo que, por mais que nós vivamos uma situação, no Brasil, degradante do trabalho e por mais que o capital se imponha ao trabalho neste momento no Brasil, nós já tivemos períodos em que essa coisa foi mais equilibrada - períodos de Getúlio Vargas, que impôs uma CLT ao empresariado e ao povo brasileiro, impôs porque negociou, aprovou e ela ficou em vigor até pouco tempo atrás; um sindicalismo que, na década de 80, mudou, inverteu a característica, um sindicalismo mais atuante, com a criação de muitos sindicatos e de centrais sindicais no Brasil, o que teve um avanço; até a chegada do Presidente Lula à Presidência da República. O Brasil, com a CLT antiga, chegou ao desemprego de 4,5%, chegou a uma distribuição que o povo jamais viu na história do Brasil de inclusão social. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E chegou a um salário mínimo maior do que US$300. O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - Sim, maior. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Lá atrás, lembro-me, me permita só um aparte,... O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - Exatamente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... eu brigava para chegar a US$100. Graças a Deus, nesse período, com aquela CLT. |
| R | O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - Sim, com aquela CLT e com uma coisa muito simples: a distribuição de parte da riqueza nacional para o povo trabalhador. Isso fez com que o Estado brasileiro distribuísse renda através de diversos programas sociais. O Presidente Lula falava assim: "É só colocar um pouco de dinheiro na mão do pobre e do trabalhador que a economia gira". E foi isso que aconteceu em milhares de Municípios do Brasil - com aposentadoria, com salário mínimo, com a regularização do trabalho, com emprego e distribuição de renda. O País alcançou... O problema do capitalismo e da imposição de um programa - que não foi eleito - pelos golpistas é que o povo experimentou trabalhar, experimentou alimentar, experimentou ter direitos, e quando um povo experimenta alguma coisa e perde, o povo tende a se movimentar e a restabelecer as condições que lhe garantiram durante um determinado período. Então, estou muito... Apesar de tudo que vemos no País, acredito que o Brasil tende a evoluir para alguns países da Europa que têm carga horária semanal de 37 horas semanais ou de 35 horas semanais, porque a classe trabalhadora vai melhorando as condições de vida, de cultura, de salário, de condições de trabalho, reduzindo a carga de trabalho e fazendo outras coisas, estudando, fazendo cultura, o desenvolvimento, o lazer, etc., etc., com a família e com a sociedade de maneira geral. Portanto, Senador, quero parabenizá-lo e dizer que torço muito para que o povo do Rio Grande do Sul possa reelegê-lo sinceramente, para que a gente possa, no ano que vem, com essa sugestão - com todos esses técnicos que têm vindo aqui no Senado, na Comissão de Direitos Humanos -, elaborar, com muito cuidado, um Estatuto do Trabalho, que não representa só os interesses da classe trabalhadora, mas representa também o interesse do capital, do empresariado nacional. Mas, o senhor viu, houve um empresário que falou aí, o Nilo, que não dá para reduzir a carga horária. Eu falo a ele que dá sim; dá sim, porque o mundo inteiro reduziu carga horária e aumentou salário e condições de trabalho. Por que o Brasil não pode? Então, o Brasil pode sim. Acho que é isso que devemos ao senhor e à sua condição de Senador da República, aqui no Senado Federal. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Wilmar Lacerda, suplente do Senador Cristovam, pela sua bela contribuição! E agradeço pelos comentários em relação ao nosso trabalho, nessa visão de políticas humanitárias. V. Exª está coberto de razão. Temos que apostar no mercado interno. A história mostra isso. E, para o mercado interno, só você valorizando o salário do nosso povo e da nossa gente. E tem que caminhar no debate de hoje, de reduzir a jornada, para que outros milhões de brasileiros tenham acesso ao trabalho. Parabéns a V. Exª pela fala! O SR. WILMAR LACERDA (PDT - DF) - Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Voltamos, então, para o Auditor-Fiscal do Trabalho, falando pelo Sinait, o Sr. Lucas Reis. O SR. LUCAS REIS - Bom dia a todas. Bom dia a todos. Antes de mais nada, gostaria de cumprimentar a Mesa, gostaria de cumprimentar também o Senador Paulo Paim, por essa iniciativa, e também as entidades que têm construído esse Estatuto do Trabalho - a Sinait, o MPT, a Anamatra, e também a Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho -, com apoio do Cesit, com apoio das centrais sindicais. O Senador já situou esse debate, mas é importante, só para os telespectadores agora da TV Senado entenderem o que a gente tem discutido aqui - se de repente alguém tenha ligado agora. É importante, só vou situar, mais uma vez, esse debate. |
| R | Frente a essa reforma trabalhista que atacou, de forma tão veemente, os direitos dos trabalhadores, algumas entidades - essas quatro que eu disse -, com apoio das centrais sindicais, com apoio do Cesit, com apoio de técnicos e do movimento social brasileiro, apresentaram uma sugestão legislativa que se contrapõe a essa reforma trabalhista. E apresentaram uma outra proposta de Direito do Trabalho que garanta a dignidade da pessoa humana, que garanta a dignidade do trabalhador e que garanta, pelo menos, o patamar civilizatório mínimo das condições de trabalho, das relações de trabalho no Brasil, e garanta aqueles direitos que foram historicamente conquistados pela classe trabalhadora brasileira - e que esses direitos possam resistir, possam continuar existindo e não sejam atacados. Então, é nessa conjuntura que a gente situa este debate que temos feito aqui, para a gente compreender o que a gente tem dito; quando a gente diz Estatuto do Trabalho é exatamente isso que a gente está debatendo. As duas falas que me antecederam foram brilhantes e tocaram em alguns pontos que eu ia tocar. Então, vou economizar alguns pontos. Reorganizei minha fala. Vou falar primeiro... Eu dividi a minha fala em três períodos bem curtos, vou tentar ser sintético, já que eles já tocaram em alguns pontos que eu ia dizer. Mas, organizei minha fala iniciando para a gente discutir um pouco sobre o porquê da proteção, o porquê da regulamentação da jornada de trabalho e do salário mínimo. Por que a gente precisa fazer isso? - é o primeiro ponto que vou discutir aqui, e vou tentar trazer para a gente refletir um pouco, para refletir juntos aqui. E, depois, discutindo o porquê da necessidade dessa proteção do salário mínimo e da jornada de trabalho, a gente vai discutir como a jornada de trabalho e o salário mínimo são protegidos pelo Estatuto do Trabalho, que faz uma releitura da jurisprudência, a partir de preceitos constitucionais e da CLT, e redesenha essa proteção do salário mínimo e da jornada de trabalho. E a gente vai discutir um pouco sobre essas questões também. Reorganizei a fala assim para não precisar tocar em alguns pontos que eu tocaria, como, por exemplo, na fala da Drª Paula, a questão do tempo de trabalho versus tempo social - eu até incluiria o tempo individual também, além do tempo social, porque existe também um tempo individual. O trabalhador quer parar um momento - e esse tempo não é necessariamente social - para ouvir uma música, fazer um poema, e isso ele faz fora do ambiente de trabalho. Não é um tempo social, mas é um tempo individual que também é controlado pela necessidade de limitação da jornada de trabalho. Também tocaria numa crítica, porque concordo plenamente com a crítica do Dr. Tadeu à questão do banco de horas. Eu ia falar exatamente a mesma coisa. Vou economizar do meu tempo, porque concordo exatamente com ele, e reorganizei a fala nesse roteiro, como eu disse. Então, vou começar minha fala pelo primeiro ponto: por que a gente precisa regulamentar? Por que a gente precisa proteger a jornada de trabalho e o salário mínimo? - e a importância disso. Primeiro, por que estes dois elementos, jornada de trabalho de um lado e salário mínimo de outro, são os principais elementos do vínculo empregatício. O ataque a esses dois elementos é o ataque à própria relação de trabalho como um todo. O que é a relação de trabalho? O que é o contrato de trabalho? O contrato de trabalho é o trabalhador entregando parte de sua vida, consubstanciada na forma de jornada de trabalho, de tempo de trabalho, e recebendo, por essa parte da vida dele, um salário. Então, quando o Estado ou o capital ou as organizações políticas atacam, desorganizam essa relação, eles desorganizam toda relação de trabalho. Quando eles desregulamentam o salário mínimo e quando eles desregulamentam a jornada de trabalho, eles não precisam fazer mais nada, porque eles realmente já desregulamentaram toda a relação trabalhista e desprotegeram toda relação trabalhista e deixaram o trabalhador absolutamente a ver navios. |
| R | E é exatamente isso que o mundo do capital faz, e a gente viu isso no Brasil, no ano passado, de forma muito clara. E isso está claro nas propostas de reforma trabalhista de 2017; por exemplo, na do contrato de trabalho por jornada intermitente. A jornada intermitente ataca estes dois polos: ela ataca tanto a jornada de trabalho, porque o trabalhador, como a Drª Paula disse, é chamado com uma antecedência quase que imediata para o trabalho; e ataca também o salário, porque o contrato intermitente, necessariamente, reduz o tempo de trabalho, flexibiliza o tempo de trabalho e flexibiliza o salário. A gente viu isso no contrato de trabalho intermitente, a gente viu isso no contrato de trabalho por tempo parcial também - um ataque tanto à jornada quanto ao salário -; a gente viu isso também na 13.429, que é da terceirização irrestrita, também um ataque à jornada e também um ataque ao salário. Ou seja, todo ataque ao mundo do trabalho, todo ataque aos trabalhadores parte do ataque à jornada de trabalho e ao salário; por isso, faz-se necessária a proteção da jornada de trabalho e do salário como elementos principais da relação de emprego e do vínculo empregatício. Do outro lado, quando se tem ganhos do ponto de vista da dignidade da pessoa humana e da dignidade do trabalhador, esses ganhos também se dão nesses dois polos. Desde o século XIX, com a Encíclica do Papa Leão XII, em 1891, já existia uma preocupação do controle da jornada de trabalho e do estabelecimento de um limite para a jornada de trabalho. No século XIX, já se entendia que não dá para trabalhar 16 horas, 18 horas por dia. E os trabalhadores, na sua luta pela redução da jornada de trabalho e pela limitação da jornada de trabalho, conseguiram avançar em direitos que foram além, que extrapolaram o mero controle da jornada de trabalho. Então, se por um lado o ataque do capital aos trabalhadores se dá no ataque à jornada e ao salário, o ganho dos trabalhadores também se dá quando eles lutam pela jornada de trabalho reduzida e pelo salário que lhes garantam a dignidade como ser humano. Então, é exatamente a proteção desses dois polos que são importantes. Outra questão que demonstra a necessidade da regulamentação da jornada de trabalho e da regulamentação do salário. Estas questões, tanto a jornada quanto o salário, estão intimamente ligadas às questões de segurança e saúde do trabalho. Quando a gente regulamenta a jornada de trabalho, a gente está prevenindo acidentes, a gente está diminuindo as mortes no ambiente laboral, e o Brasil é o quarto país que mais mata trabalhadores no seu ambiente de trabalho. A gente não percebe, mas o que acontece no Brasil, de fato, é uma verdadeira chacina aos trabalhadores deste País no ambiente de trabalho, e essa chacina acontece devido ao fato de os trabalhares brasileiros trabalharem desprotegidos e trabalharem demais. Então, reduzir a jornada de trabalho, limitar a jornada de trabalho significa evitar mortes, é uma questão de saúde pública, inclusive. A gente vê que quem mais morre em acidentes de trabalho no Brasil são os motoristas, que tiveram sua jornada de trabalho desregulamentada em 2007. E o que acontece? A gente vê que a morte dos motoristas não é só - e já seria um grande problema por ser morte dos trabalhadores, mas ela é além disso - a morte dos motoristas, mas representa risco constante nas estradas brasileiras pela desregulamentação da jornada de trabalho. Então, questão de jornada de trabalho é uma questão de saúde pública, é uma questão de trabalho, é uma questão de direitos humanos e é uma questão de saúde pública. Por isso, a necessidade de regulamentação da jornada do trabalho, além do fato de o salário ter caráter alimentar. |
| R | Não existe uma possibilidade de o trabalhador viver - e aí fazendo um gancho com a fala da Drª Paula - fora do ambiente de trabalho com dignidade e sem salário. Então, quanto a esse tempo fora do trabalho, esse tempo social, esse tempo individual, ele necessita de salário, para sobreviver. Ele precisa pagar um livro que ele vai comprar, ele precisa pagar uma escola de música para estudar, ele precisa pagar o que ele vai consumir em um bar no fim de semana e, para isso, ele vai precisar de salário. Então, a necessidade da regulamentação da jornada de trabalho e a necessidade da garantia de um salário mínimo... (Soa a campainha.) O SR. LUCAS REIS - ... são de extrema importância na relação de emprego. Além disso, eu acho que o Estatuto do Trabalho caminha no sentido correto quando ele reconhece a jornada exaustiva como elemento definidor do trabalho escravo contemporâneo. Eu acho que ele acerta nessa direção porque isso inclusive tem sido questionado por portarias do Ministério do Trabalho - a Portaria 1.129, por exemplo - ou tem sido questionado nesta Casa com o PLS 432, do Senador Romero Jucá, que tenta excluir jornada exaustiva dos elementos definidores da jornada de trabalho. Mas o estatuto vai no caminho certo quando reafirma a jornada de trabalho como um dos elementos definidores do trabalho escravo. Se o trabalhador trabalhar 16 horas por dia e tiver só 8 horas para poder viver, ele é um trabalhador escravo contemporâneo, e o Estatuto Trabalho vai no sentido positivo quando reconhece a importância da jornada exaustiva, da jornada como elemento definidor de trabalho escravo. O Estatuto do Trabalho também acerta quando coloca as infrações relativas a jornada e a salário como infrações graves a serem autuadas pelo Ministério do Trabalho e pelos auditores fiscais do trabalho, e eu acho que tem que ser desse jeito mesmo. Como elas são os principais polos, os principais elementos da relação de emprego, as infrações a esses elementos - jornada ou salários - são infrações graves porque são infrações ao cerne da legislação trabalhista. Também outra questão que demonstra a importância e o relevo destes dois elementos é a própria previsão constitucional no art. 7º, tanto da jornada quanto do salário. Então, o art. 7º da Constituição deu relevo a essas duas questões, a esses dois elementos, e comprova que esses dois elementos são elementos basilares na relação de emprego e precisam ser protegidos. Outra questão que, no meu ponto de vista, é fundamental para a gente entender - e essa é a última desse primeiro ponto, é outra questão que eu coloco - é a questão do número de desempregados que a gente tem hoje no Brasil, que ultrapassa a cifra dos 14 milhões. Quando a gente tem uma massa tão grande de trabalhadores desempregados, um exército de reserva tão grande de desempregados, a tendência do mercado é, lógico, reduzir os salários e aumentar a jornada. Por isso é que manter a jornada ou o salário desprotegidos em um momento desse é completamente inaceitável, é perigoso, é um risco, é um risco social, porque a desproteção do salário e da jornada neste momento significa reduzir os salários e aumentar a jornada de trabalho, inclusive aumentar o desemprego. Isso é mais um aspecto importante da necessidade da regulamentação da jornada de trabalho e do salário. Existe um discurso aí liberal, um discurso completamente descontextualizado da questão social brasileira, que procura fundamentar e procura colocar essa hipótese da necessidade de desregulamentação, de não intervenção do Estado no salário, de não intervenção do Estado nessa política de salário mínimo e de jornada de trabalho. Isso aí está materializado nessas propostas de negociação coletiva que a gente vê muito em discussão hoje nesta Casa e na Câmara também, só que a minha análise é exatamente o contrário dessa. |
| R | Neste momento e por esses elementos de que eu já falei, a necessidade de garantia do salário mínimo protegido e da jornada de trabalho regulamentada e protegida é questão de saúde pública, é questão de dignidade do trabalhador, dignidade da pessoa humana e garantia de relações sociais um pouco menos desiguais. Tendo dito isso, agora eu vou passar brevemente para a questão do salário mínimo, como o salário mínimo tem sido protegido pelo Estatuto do Trabalho. Primeiro, eu acho que o Estatuto do Trabalho também, ao reafirmar a necessidade de equiparação e de proibição da diferença salarial por qualquer razão, por motivo de sexo, idade, cor, estado civil, condição de portador de deficiência ou qualquer outra condição, caminha no sentido socialmente adequado. Infelizmente, hoje a gente tem uma situação em que as mulheres têm um ganho salarial 38% menor do que o dos homens na mesma função, no exercício das mesmas atividades. Então, quando o Estatuto do Trabalho reconhece a necessidade de proteção e de proibição, na verdade, de uma diferença salarial, ele caminha no sentido adequado do ponto de vista constitucional da igualdade entre as pessoas e de não discriminação em função do gênero ou em função de qualquer outro motivo também. Eu acho que o Estatuto do Trabalho caminha no sentido correto quando faz essa previsão. Também a irredutibilidade salarial já é um princípio que a gente já tem observado e tinha observado aqui no Brasil, durante alguns anos. (Soa a campainha.) O SR. LUCAS REIS - É importante que o Estatuto do Trabalho reafirma esse... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais um minuto. Eu estou fazendo um apelo, porque todos os outros painelistas da segunda Mesa já chegaram e nós estamos com dificuldade agora se nós ultrapassarmos o tempo de, no máximo, 15 minutos para cada um. Eu até gostaria de dar, no mínimo, meia hora para cada um. O SR. LUCAS REIS - Falta-me quanto tempo? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você já usou 15 minutos. O SR. LUCAS REIS - Mas não posso falar nem mais cinco minutos só? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos lá, mais cinco minutos. O SR. LUCAS REIS - Então, eu não vou falar mais do salário. Vamos falar agora da jornada, então. Com relação à jornada de trabalho, eu vou falar só da redução da jornada de trabalho. Eu tinha outros elementos para falar da jornada também, mas vou falar só da redução da jornada de trabalho. Historicamente, como eu já tinha dito, os direitos dos trabalhadores avançaram muito quando a gente discutiu a redução da jornada de trabalho, isso tanto na Europa quanto aqui na América Latina. A redução da jornada de trabalho como elemento que acompanha o avanço das forças produtivas tem sido um fator importante para a garantia de direitos. Se a gente perceber, por exemplo, que, nos últimos anos, a força produtiva avançou - hoje, um banco, por exemplo, emprega dez vezes menos empregados do que empregava há 30 anos e lucra cinco, dez, vinte vezes mais -, então, a única saída que nós temos para a empregabilidade não é outra senão a redução da jornada de trabalho. Só a redução da jornada de trabalho pode garantir esse avanço das forças produtivas, que a tecnologia possa ser socialmente apropriada, e não apropriada só pelo patrão, não apropriada só pelo empregador. Então, não há solução para a crise do desemprego que não passe pela redução da jornada de trabalho. Por isso, o estudo do Dieese, a Nota Técnica 27, comprova que uma redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais já, de imediato, criaria 2.283.000 empregos diretos, sem contar os empregos indiretos. Então, não há outra solução que não seja a redução da jornada de trabalho. E aí o Estatuto do Trabalho vai no sentido correto quando aponta para a redução da jornada semanal de 44 horas para 40 horas. Eu acho que é um ganho, e ele avança nesse sentido. |
| R | O Estatuto do Trabalho também faz uma equiparação, de fato, entre os trabalhadores domésticos e os trabalhadores rurais, uma equiparação que a gente não viu na Constituição de 1988, que infelizmente excluía os trabalhadores domésticos da aplicação do art. 7º. Para os empregados domésticos, na verdade, a Constituição não representou uma Constituição cidadã, pelo contrário, representou a Constituição da exclusão de direitos. A gente vê isso agora sendo compensado, sendo melhorado, sendo resolvido com o Estatuto do Trabalho. Eu acho que ele avança também nesse sentido. Para concluir agora - eu acho que eu tenho só mais três minutos e tinha muito mais coisas para falar aqui -, eu gostaria só de comentar... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Teremos outras, com certeza absoluta. O SR. LUCAS REIS - A gente vai falar em outras oportunidades. Eu gostaria só de comentar essa questão que foi colocada pelo telespectador sobre a tendência no mundo do trabalho. Eu percebo que a tendência no mundo do trabalho hoje... E a gente pode ver no Brasil ou na Europa também... A França passou por isso recentemente. A gente vê isso na Argentina, por exemplo. Inclusive, eu gostaria de saudar os trabalhadores da Argentina que hoje, neste momento, estão iniciando uma greve geral e já paralisaram o sistema de transportes de Buenos Aires e de outras cidades daquele país, de cidades grandes daquele país. A gente vê uma tendência de polarização. O capital ataca de um lado, retirando direitos, e isso aconteceu na França, aconteceu na Itália, aconteceu na Espanha e em vários países da Europa, aconteceu na América Latina também, aqui no Brasil e na Argentina. Se a gente falar sobre tendência no mundo do trabalho, a gente não pode deixar de dizer que a tendência, neste momento, é de ataque aos direitos dos trabalhadores. Os trabalhadores têm perdido direitos com a reforma trabalhista e com essa proposta de reforma previdenciária no Brasil. A tendência é de ataque ao mundo do trabalho. Por outro lado, existe uma tendência que precisa ser reforçada, que é a tendência de resistência a esse movimento, uma resistência ao movimento de retirada de direitos dos trabalhadores. É por isso e é nesse contexto que o Estatuto do Trabalho é inserido, nesse contexto de tentativa de resistência, tentativa de não perder esses direitos que, desde do século XIX, têm sido construídos a duras penas, a sangue e suor da classe trabalhadora e que, neste momento, corre-se o risco de perdê-los. Então, se a tendência no mundo do trabalho é, por um lado, o ataque aos direitos dos trabalhadores, um ataque veemente que passa por vários países em todos os continentes, por outro lado, é de resistência da classe trabalhadora que é onde esse estatuto se insere e é onde nós, como defensores e pensadores do Direito do Trabalho, também nos inserimos. Era isso. Muito obrigado, Senador. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Lucas Reis, auditor fiscal do trabalho e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). Eu percebo que todos os convidados queriam falar, no mínimo, uma hora aqui, para ver como o tema é apaixonante e preocupante, e eles se prepararam para isso. Então, o que eu posso garantir é que nós teremos outras audiências com esse mesmo tema para aprofundar ainda mais o debate. Todos estão indo aqui quase que na mesma linha: é um desastre essa reforma para discutir uma nova CLT, principalmente se tratando de jornada de trabalho e da questão do próprio salário mínimo. É um assunto que cada um teria que falar, no mínimo, por 30 minutos, mas eu vou fazer um apelo para que todos fiquem em 15 minutos para que todos possam falar. Eu ainda irei dar uma oportunidade para o Plenário porque o Plenário é importante para interagir mediante aquelas milhões de pessoas que estão nos assistindo neste momento. Eu tenho me dedicado muito a essas audiências públicas, porque entendo que é uma maneira de a população entender o que está acontecendo no País. A grande mídia não vai falar o que vocês estão falando aqui nunca; o que ela pode fazer é soltar uma notinha ou outra criticando, inclusive, esse debate franco, aberto, corajoso e honesto que nós estamos fazendo com todo o País. A Srª Ludmila Abílio é pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp) e tem nos ajudado muito nesse debate. |
| R | A SRª LUDMILLA ABÍLIO - Boa tarde a todos e todas. Eu queria cumprimentar o Senador e os demais membros da Mesa e novamente, Senador, parabenizá-lo pela iniciativa. Acho que hoje está completando aproximadamente um ano de trabalho na construção desse estatuto. E quero dizer da sua importância talvez não só em nível nacional, mas ele se apresenta como uma iniciativa extremamente rara, uma tentativa de o Estado se contrapor ao movimento mundial de massacre aos trabalhadores e de ataque às forças do trabalho. Então, o que nós estamos fazendo aqui é um exemplo para o mundo de como o Estado pode se posicionar a favor dos trabalhadores, sem desconsiderar as inovações tecnológicas em curso, sem desconsiderar as demandas do mundo do trabalho, mas trazer para o centro do debate a vida do trabalhador. Nós estamos aqui discutindo jornada de trabalho. Eu fiquei me lembrando do Prof. Antonio Cândido, um dos maiores pensadores brasileiros. Ele nos diz que tempo não é dinheiro, tempo é o tecido da vida. Então, quando nós estamos discutindo jornada de trabalho, quando nós estamos discutindo o que é tempo de trabalho ou não, nós estamos discutindo como é a vida desse trabalhador em ato e qual o direito que ele tem a viver a sua dignidade, a sua alegria, o seu lazer, o seu descanso. Estamos discutindo também quais devem ser as condições do trabalho desse trabalhador. Então, pensando um pouco, eu vou falar talvez respondendo ao cidadão ou à cidadã que perguntou sobre as tendências do mundo do trabalho, pensamos já em tendências. Estamos falando em revolução 4.0, automação. Isso é algo que está se desenhando, mas nós temos tendências que estão em curso no mundo do trabalho há décadas e talvez tenhamos que pensar com mais clareza o que são essas tendências e como o Estado pode se contrapor a elas. É isso que o Estatuto do Trabalho faz. Então, nós temos que pensar, por um lado, em tendências mundiais que tratam dessa relação entre inovação tecnológica e reconfigurações do papel do Estado e, ao mesmo tempo, lidar com a nossa brutal realidade brasileira. Se a gente olhar, nós temos hoje - voltamos a ter infelizmente - a predominância do trabalho informal sobre o trabalho formal. Dados do IBGE mostraram, em 2016, que 50% dos trabalhadores recebiam uma renda 15% abaixo do valor do salário mínimo, 50% da população brasileira não recebe nem um salário mínimo, enquanto 1% recebe 27 mil para cima. Quer dizer, é uma concentração de renda e uma distribuição de renda totalmente desiguais e brutais. Então, quando nós estamos construindo esse estatuto, temos que pensar nisto o tempo inteiro, nessas tendências do mundo do trabalho que são tendências mundiais e como elas se intercruzam com uma realidade extremamente desigual que é a nossa realidade social brasileira. |
| R | Então, pensando um pouco o que é esse movimento que tem sido feito, que não é pura inovação tecnológica. A inovação tecnológica não cai do céu e é aplicada nas sociedades, ela se dá na parceria com o Estado. E a reforma trabalhista, que, na verdade, é uma modernização capitalista - e o que nós estamos propondo aqui é uma modernização trabalhista de fato, algo extremamente inovador -, vou dizer assim, embarcou nessas tendências do mundo do trabalho com toda a força e reafirmou o papel do Estado na eliminação dos direitos do trabalhador. E não são só eliminação de direitos, é a transferência de custos e riscos para esse trabalhador e a retirada do Estado nas mediações que garantem a qualidade de vida, a dignidade e os limites da relação entre capital e trabalho. Então, temos que entender o que são essas tendências. Por exemplo, o que nós estamos vendo aí? Nós estamos vendo uma série de eliminações. Por exemplo, o que é o trabalho por metas? É uma forma, na verdade, de alterar a jornada de trabalho. Você está perdendo regulações públicas sobre o tempo de trabalho e botando esse trabalhador para trabalhar por metas. Se você mantém a jornada, ao mesmo tempo, você está intensificando o trabalho desse trabalhador. O que é o home office da forma como está configurado agora? Tem todo o lado positivo do home office, que é evitar o deslocamento do trabalhador. Por que será que ele passa três horas dentro do ônibus? Ou mesmo o trabalhador de mais alta qualificação, etc., que gasta seu tempo de deslocamento pela cidade... O que é o home office, por um lado? É uma liberdade para o trabalhador e uma eliminação de um tempo, que é o tecido da vida dele, em função do trabalho; por outro lado, da forma como o home office está posto agora, ele elimina qualquer mediação e controle sobre o trabalho. Isso é uma postura do Estado. Por quê? Porque nós temos tecnologia para promover essa liberdade para o trabalhador sem perder o controle sobre o tempo de trabalho dele. É isso que está posto no estatuto. Como a Drª Paula falou, se o motorista Uber pode ser mapeado como é, obviamente nós temos tecnologia para controlar o tempo de trabalho do trabalhador onde quer que ele esteja. Então, aí vai da postura do Estado, se é a favor ou contra essa regulação. Pensando, Senador, numa forma mais ampla, o que a gente vem chamando de "uberização" do trabalho, que os motoristas Uber deixaram claro, mas isso é a tendência do mundo do trabalho. Caso o Estado não interaja de outra maneira com essas relações, com as inovações tecnológicas e atue pró-trabalhador, qual a tendência posta hoje no mundo do trabalho? É transformar o trabalhador em trabalhador autônomo e num trabalhador que a gente costuma chamar de just in time, o trabalhador que é usado de acordo com as demandas do capital. Então, essa vida do trabalhador é reduzida a ser um fator de produção que é recrutado, sem ter nenhuma rede de proteção social, a ser utilizado na exata medida das demandas do capital, ele se torna um mero fator de produção. Aí ele é remunerado exatamente por aquilo que produz e, ao mesmo tempo, está inteiramente disponível para o capital com o seu tempo. Isto é a "uberização" do trabalho: transformar os trabalhadores em autônomos, eliminar todos os direitos do trabalho e utilizar esses trabalhadores como se eles fossem um fator de produção. |
| R | O Estado pode se contrapor a essa tendência sem que isso... E também nós temos que desconstruir e combater permanentemente essa tese de que eliminação de direitos do trabalho promove desenvolvimento econômico. Está mais do que provado que as reformas trabalhistas feitas nas últimas décadas não só não promoveram desenvolvimento econômico como não promovem desenvolvimento social. Então, isso é uma falácia que a gente tem de combater. Como o próprio Senador diz, regulamentar o salário mínimo pode aquecer o mercado interno. São outras formas de pensar o desenvolvimento. Então, pensar que nós estamos aqui propondo uma contraposição a uma tendência ao mundo do trabalho, que é essa tendência de eliminar direitos, de recrutar o trabalhador como um trabalhador just in time. E não estamos nos esquecendo, como essa reforma trabalhista fez, dos 50% da população que são trabalhadores informais; estamos olhando permanentemente para esse mundo e vendo que é um mundo extremamente desigual: 50% de trabalhadores informais vivendo com menos de um salário mínimo no todo da população trabalhadora brasileira. Por fim, Senador, eu gostaria de falar - estou correndo aqui para cumprir meu tempo - da importância do salário mínimo e da fixação do salário mínimo. O salário mínimo, por um lado, é complexo nesta nossa realidade brasileira... (Soa a campainha.) A SRª LUDMILLA ABÍLIO - ... porque o que nós determinamos, apesar de todos os ganhos, de toda a redução da pobreza que foi promovida nesta última década, desse aumento supersignificativo do salário mínimo, ainda hoje o valor do salário mínimo não corresponde, de fato, à cesta de necessidades mínimas do trabalhador. Então, nós estamos numa luta permanente para garantir as melhores condições de trabalho para esse trabalhador. Mas o salário mínimo se estabelece como uma referência mínima, existem estudos que já provam isso, não só no trabalho formal; falamos que ele é o farol. O salário mínimo culturalmente se estabelece como o mínimo possível, mesmo para esse trabalhador informal, que não está sendo registrado e que não vai ganhar de acordo com o que a lei determina necessariamente, culturalmente o salário mínimo determina que esse é o mínimo aceitável com que você pode remunerar o trabalhador. O trabalho intermitente, por exemplo, está mexendo nisso, está garantindo o rebaixamento do valor da força de trabalho. As pessoas poderão, por lei, ganhar menos do que um salário mínimo. E o que vai acontecer, então, no mercado informal? Por outro lado, o salário mínimo funciona como piso da previdência para aposentados e pensionistas. Quer dizer, ele tem uma função extremamente importante em todo o mundo do trabalho, em suas dimensões culturais, legais, e se expande além mesmo do trabalho formal. Então, Senador, vou encerrar aqui para cumprir... Eu tenho mais quatro minutos? Eu corri aqui porque eu estava olhando ali e vi... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem ainda 4min15. |
| R | A SRª LUDMILLA ABÍLIO - Eu vou encerrar dizendo o seguinte: o que nós temos que ter clareza é que as inovações tecnológicas estão aí, cada vez mais, dando saltos tecnológicos. Elas propiciam realmente formas de redução da força de trabalho e, ao mesmo tempo, geram novas ocupações. Por exemplo, no final dos anos 70, com as inovações tecnológicas da tecnologia da informação, falou-se que o trabalho ia acabar. E o que nós vimos foi uma enorme expansão do setor de serviços, de novas ocupações que se formaram juntamente com o desenvolvimento tecnológico. Então, essa relação direta de que desenvolvimento tecnológico elimina posto de trabalho é muito mais complexa do que isso, pois também gera novas ocupações. O que temos de entender é que esse movimento de redução da força de trabalho em alguns setores e expansão da força de trabalho em outros não significa que temos de desproteger o trabalhador e atacar as forças de trabalho. Pelo contrário, o Estado tem de ter uma postura de promoção da proteção social e do não retrocesso social, aliada ao progresso tecnológico. Este é o desafio que está posto aqui e que nós estamos encarando já há um ano: como pensar nessa questão. Acho que estamos muito bem-sucedidos em posicionar o Estado ao lado do trabalhador, garantindo que essas tendências do mundo do trabalho tenham lugar de uma forma em que a dignidade do trabalhador não seja perdida. É isso, Senador. Vou terminar aqui e agradeço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito obrigado, Ludmilla Abílio, pesquisadora do Centro de Estudo Sindicais e de Economia do Trabalho do Cesit/Unicamp. Vou aproveitar o seu tempo para ler um comunicado que chegou aqui agora, que vai exatamente nessa linha de tudo que estamos falando aqui. Quem me trouxe foi o Peixe, que é o coordenador, o líder do sindicato dos terceirizados no Congresso. Olhem o comunicado que chegou, a que ponto nós chegamos. As pessoas que estão em casa têm que entender, eu diria pelo amor de Deus, o que estão querendo fazer neste País. É praticamente a volta do trabalho escravo. Alguém tem de resistir. Nós estamos fazendo nosso papel aqui. Vou ler o comunicado. Comunicado da empresa Esparta Segurança, aqui para o Congresso. Calculem o que estão fazendo lá fora. Eu digo as outras empresas, porque não é só esta, não. "Prezado colaborador, diante da ausência da convenção coletiva do trabalho da categoria, vigente em 2018..." Quer dizer, eles não querem fazer o acordo, não fazem acordo. É importante as pessoas ouvirem no plenário, se puderem ouvir, vou ler aqui. Quem fala aí o som pega aqui, mas vou ler na íntegra. Por isso, não precisava colocar lá, porque lá não dá para ler. Mas tudo bem, deixa aí. Considerando que, após entendimento com o TST (Tribunal Superior do Trabalho), às alterações da reforma trabalhista não se aplica mais a ultra-atividade dos efeitos das normas coletivas do trabalho. Consequentemente, o Supremo Tribunal Federal oficiou a empresa da suspensão do pagamento do vale-refeição [do vale-refeição, não podem comer mais, é proibido comer], planos médicos e odontológicos, a partir de 1º de julho [daqui a cinco dias] de 2018 - Ofício Circular nº 1, SECTR. Dessa forma, comunicamos que a empresa não fará o repasse do vale-refeição a partir de 1º de julho deste ano. Em relação a planos médicos e odontológicos, o funcionário que optar por permanecer nos referidos planos deverá preencher o formulário em anexo autorizando o desconto integral em folha de pagamento. [Não vai receber nada, vai acabar o salário.] Brasília, 22 de junho. Esparta Segurança. |
| R | Assina aqui o responsável por esta nota e assina claramente em comunicado público. Vejam os senhores que estão em casa a que ponto nós estamos chegando. Nós estamos falando aqui de avançar na CLT, ter um novo Estatuto do Trabalho, e vem esse documento, inclusive ele cita claramente, respaldado no TST e também no Supremo Tribunal Federal. Não há mais vale-refeição. Vale-transporte também, por consequência, eu entendo que adotarão eles a mesma coisa, ainda dizendo que plano de saúde... É como vocês, que têm plano de saúde, de repente ficassem sabendo que vão ter de pagar integralmente o plano de saúde, como está lá na área privada. Todo mundo vai abandonar o plano de saúde e vai fazer o quê? Vai para o SUS. Milhões de pessoas estarão no SUS. E o SUS, com a Emenda 95, não pode investir em nada. Por isso é que eu uso este espaço aqui para dizer: "Acorda, Brasil, para ver onde nós estamos." A situação só vai piorar e muito, muito mais, com essa reforma trabalhista que eles fizeram. Eles estão defendendo no País todo, com apoio da grande mídia, que foi bom. É bom não ter mais vale-refeição. O vale-transporte, já falei como está a briga aqui dentro. Se você não mentir dizendo que mora ao lado do Congresso, se morar numa cidade-satélite, não contratam, porque dizem que o vale-transporte é muito alto. Que dirá se estiver na divisa com Goiás. Quais as cidades que são divisa com Goiás? Valparaíso, Águas Lindas, Pedregal, é tudo pessoal simples, pobre, que mora ali. Vão ter que mentir que moram do outro lado da rua. Sabe aquela história de divisão de fronteira? Quem mora do lado de lá tem direito a trabalhar aqui; quem mora do outro lado não tem. E pior que usam o nome do TST e do Supremo Tribunal Federal. Eles estão oficialmente - está circulando aqui - dizendo que têm o aval, a indicação, e dão o número do ofício ainda que receberam, segundo os dados que estão aqui. Eu vou fazer o seguinte, então: se é um erro, eu vou convidar alguém do TST para que venha aqui explicar isso e alguém do Supremo Tribunal Federal para ver o que é isso. |
| R | O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Na verdade, há uma súmula do TST que aplica a ultra-atividade, sim, das normas coletivas. No entanto, os efeitos dessa súmula estão suspensos por uma decisão em uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que, em uma decisão monocrática, suspendeu os efeitos dessa súmula. Então, é a partir dessa decisão do Ministro Gilmar Mendes, salvo melhor juízo, que o entendimento acaba sendo no sentido de que as normas não têm ultra-atividade. Ou seja, acabou o período de vigência da norma, ela para de valer e não tem mais efeitos. Aí, volta-se à situação da legislação comum, que não tem previsto o direito ao plano de saúde, ao vale-alimentação. São situações previstas em norma coletiva. Como a norma coletiva provavelmente não foi renovada, não foi feita, o entendimento é de que, como a súmula do TST que aplicaria, sim, a ultra-atividade foi suspensa pela decisão do Ministro Gilmar Mendes do STF, então não há a ultra-atividade. Esse é o ponto. Ele fala que é um entendimento do TST, mas, na verdade, não é. O entendimento, nessa ADPF, salvo engano a ADPF 323... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aqui ele fala o seguinte: "Considerando que, após entendimento com o TST..." Então, entendimento que ele quer dizer, eu quero até... O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Entendimento do TST, não com o TST. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, após entendimento do CTST. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Do Colendo, mas não é entendimento do TST. Há um erro nesse ofício. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O TST deve ter dito para ele o que você disse aqui. Na verdade, é a mesma coisa. O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O TST disse para ele que houve uma decisão, que ele cita aqui embaixo, do Supremo Tribunal Federal, que causou essa situação. Ele foi ao TST, segundo eles dizem, e o TST deve ter dito isso que foi dito aqui, e o Supremo, por uma decisão liminar do Supremo... E agora? Tudo isso embasado na reforma trabalhista que nós estamos debatendo aqui. Então, é mais grave do que eu imaginava ainda. Eu estava achando que era um erro de redação e que isso não poderia ser verdade. Cortar o vale-refeição das pessoas? Vem trabalhar e não come mais aqui? Onde nós estamos, pessoal? Por isso, urge a necessidade de avançar. Nós vamos ter outra conversa com o Presidente do Congresso nesta semana, para ver o que poderemos fazer em matéria de mantermos, pelo menos, o vale-refeição e o direito ao vale-transporte, porque vai tudo na mesma linha. O vale-transporte, já disseram aqui dentro, claramente, na minha frente, que não manterão empregados aqueles que morarem muito longe, porque isso aumenta o valor do vale-transporte. É gravíssimo isso aqui. Mas vamos em frente. Eu queria chamar agora para usar a palavra Gabriela Neves Delgado, professora e Vice-Diretora do curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB). (Palmas.) Chamo também para a Mesa a Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Drª Noemia Aparecida Garcia Porto. (Palmas.) |
| R | Estou recebendo aqui o livro A Reforma Trabalhista no Brasil, com os comentários sobre essa lei, de Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado. Já é a segunda edição, que comenta a crueldade dessa dita reforma, como agora eu recebo uma nota como essa dizendo que estão baseados na nova CLT. Muito obrigado, doutora. De imediato, passo a palavra à professora e Vice-Diretora do curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Profª Gabriela Neves Delgado. A SRª GABRIELA NEVES DELGADO - Bom dia a todas e a todos. Cumprimento imediatamente o Senador Paulo Paim, agradecendo pela oportunidade de fala e estendendo os meus cumprimentos aos demais membros desta Mesa neste contexto de audiência pública. Nós somos convidados para falar sobre a jornada de trabalho, o salário, no contexto da nova proposta do estatuto do trabalhador. Eu vou tomar a liberdade de perpassar os diplomas legais que trabalharam e trabalham sobre o tema, especialmente da jornada de trabalho, para que nós possamos pensar, neste momento, quais são e quais devem ser as telas de proteção social ao trabalho no Brasil hoje, que Direito do Trabalho nós conseguiremos reconstruir. Para pensar quais devem ser as telas de proteção social no Brasil hoje, nós precisamos necessariamente retomar as premissas de proteção social ao trabalho lançadas nos idos de 1988, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal de 1988 promove um giro hermenêutico nos demais textos constitucionais brasileiros, exaltando a condição da pessoa humana no sistema de proteção social. E essa exaltação é muito importante, sob o ponto de vista justrabalhista, porque a condição da pessoa humana em sua dignidade também vai orientar o direito fundamental e social ao trabalho. Então, nessa circunstância, a Constituição de 1988 traça a figura do direito fundamental ao trabalho digno. E esse direito fundamental ao trabalho digno, na perspectiva constitucional, precisa ser visto a partir da matriz dos direitos imateriais da pessoa humana, sobretudo os direitos da personalidade, e dos direitos materiais da pessoa humana. Aí nós podemos elencar o extenso rol do art. 7º da Constituição de 1988. Entre os direitos fundamentais materiais destaca-se o direito à jornada de trabalho. Para o Texto Constitucional de 1988, a jornada, a duração do trabalho deve ser de 8 horas diárias e 44 horas semanais. A Constituição de 1988 vai além e também traça a figura do direito ao descanso, mais precisamente em relação ao descanso semanal remunerado e ao direito às férias, acrescida do texto constitucional. A CLT dos idos de 1943, interpretando a Constituição de 1988 - este é o olhar que nós devemos ter, como intérpretes da CLT; quer dizer, interpretar a CLT à luz das lentes constitucionais -, vai trabalhar com a figura do tempo efetivo de trabalho, que é uma figura oriunda do art. 4º da CLT. Então, o tempo de trabalho é formado pelo tempo de execução mais o tempo de disponibilidade. Essa figura é muito importante para nós resgatarmos e compreendermos o que foi traçado pela Lei 13.467, de 2017, e pela finalidade do estatuto do trabalhador. Então, vejam bem, a categoria-chave de compreensão, quando nós falamos de tempo de trabalho, integra em si o tempo efetivamente trabalhado, mas também o tempo de disponibilidade. Para além do tempo efetivamente trabalhado e do tempo de disponibilidade, ao empregado são assegurados os períodos de descanso. Então, a CLT de 1943 vai trabalhar com as figuras dos tempos de descanso e dos intervalos para que a recuperação física, psíquica, integração no mundo social se façam plenos. Lembrando aqui também que a CLT estabeleceu a possibilidade e a necessidade de remuneração do tempo de deslocamento, reconhecido como hora in itinere. |
| R | O que ocorre com a Lei 13.467, de 2017? Essa é uma lei que estabeleceu uma flexibilização intensa, potencializada da jornada de trabalho. Então, nós podemos aqui estabelecer vários exemplos elencados na Lei 13.467: o aumento da jornada de trabalho nos contratos a tempo parcial; a autorização equivocada de jornada 12 por 36 no setor de saúde por contrato individual de trabalho; a autorização equivocada de fixação do sistema de banco de horas por contrato individual de trabalho; a supressão da figura das horas in itinere, o que gera uma redução da duração do trabalho e uma redução da renda salarial do trabalhador; e a flexibilização do período de gozo de férias. Entre todas essas mudanças, o que mais me chama a atenção é a tentativa, estabelecida por meio da Lei 13.467, de 2017, de romper ou até mesmo suprimir a figura do tempo de disponibilidade. E isso fica muito evidente quando nós destacamos, na Lei 13.467, a supressão da figura das horas in itinere. Então, na morfologia da jornada de trabalho, nós não mais contabilizaremos a figura da hora in itinere. E, quando, no art. 4º, na redação nova da Lei 13.467, eles apresentam, no §2º, algumas excludentes ao tempo de disponibilidade, não estranhe que entre essas excludentes está a troca de uniforme. Então, vejam bem que equívoco! O trabalhador que, nas dependências da empresa, está trocando de uniforme não terá este tempo contabilizado como tempo à disposição do seu empregador. Lembrando, todavia, que este trabalhador está sob o comando do empregador e sob a orientação direta do empregador, no que concerne ao exercício do poder fiscalizatório e diretivo deste empregador. Para além dessa supressão tópica, nós também temos a regulamentação na lei da reforma do contrato de trabalho intermitente, que também é, ou talvez seja, a possibilidade mais evidente de tentativa de supressão do tempo de disponibilidade do trabalhador. Então, vejam bem, esse trabalhador poderá ficar à disposição do seu empregador, aguardando o chamado para o serviço por 24 horas ininterruptas e ele somente será remunerado quando ele estiver executando o trabalho. Então, vejam o equívoco. Se o Texto Constitucional de 1988, colocando a pessoa no centro da sua normatividade jurídica e elegendo a categoria trabalho, tendo como suporte de valor a dignidade, estabelece como marcos o trabalho executado, o tempo de disponibilidade e o período de descanso, não há possibilidade de se compreender a constitucionalidade da supressão do tempo de disponibilidade. Mais do que isso, se o trabalhador precisa, até para se afastar as possibilidades de dano existencial, ter tempo de vida, tempo para uma vida vivida e não uma vida mortificada, obviamente os limites de disposição precisam estar bem estabelecidos; que seja através da figura de uma escala de revezamento, de um período em que ele possa efetivamente estar sob o comando do empregador, conforme a diretriz constitucional que são 8 horas - 8 horas não de trabalho, são 8 horas de jornada e, na jornada, integram-se o tempo de execução e o tempo de disponibilidade. Não bastasse esse ledo engano, o art. 611-B, parágrafo único, da Lei da Reforma Trabalhista estabelece que as "regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho..." |
| R | Essa flexibilização estabelecida pela Lei 13.467, obviamente, incrementa as possibilidades de acidentes de trabalho. Vejam bem, os dados da Fundacentro, de 2017, discriminam quais são as principais causas de acidente de trabalho no Brasil hoje. São elas: meio ambiente de trabalho inadequado; excesso de trabalho... (Soa a campainha.) A SRª GABRIELA NEVES DELGADO - ... e de jornada; e pagamento por produtividade. Todas essas hipóteses foram potencializadas na Lei 13.467, de 2017, o que significa que, daqui a algum tempo, as instituições de pesquisa certamente nos ofertarão dados estatísticos do aumento do índice de acidentes de trabalho no Brasil de hoje. O que traz o estatuto do trabalhador, que é o ponto central para o nosso debate hoje? O estatuto do trabalhador retoma as lentes constitucionais de 1988 e retoma também o sistema internacional de proteção aos direitos humanos trabalhistas, sobretudo sob o ponto de vista da ordem internacional do trabalho, da Organização Internacional do Trabalho, em sua Convenção 155. O Estatuto do Trabalho vai retomar algumas categorias-chave de compreensão, como já foi dito hoje nesta audiência pública. Então, nós temos, a partir da previsão do art. 6º do estatuto, duas categorias-chave eleitas como referência para o trabalho humano, que é o tempo de trabalho e o tempo social, com uma limitação mais avançada do que a prevista no Texto Constitucional, porque o Estatuto do Trabalho almeja a fixação da jornada de 8 horas, mas de 40 horas semanais. Vejam bem, para além da fixação dessas categorias-chave, de tempo de trabalho e tempo social, o art. 16 do Estatuto do Trabalho estabelece que as normas de saúde, higiene e segurança no trabalho são indisponíveis. Isso é muito importante, porque, obviamente, quando nós falamos de saúde, nós pensamos na saúde no trabalho, na vivência do trabalho e, por isso, a necessidade de compatibilização entre o tempo de trabalho e o tempo social. Para que haja essa compatibilização, o estatuto do trabalhador vai estabelecer alguns comandos, exatamente na direção oposta àqueles previstos na Lei 13.467. Então, quais são esses comandos dentro dessa linha de raciocínio que eu apresento para os senhores e para as senhoras hoje? Primeiro, a manutenção da figura do tempo in itinere, que seriam as horas de deslocamento. Isso é muito importante, porque nós retomamos o conceito nuclear de jornada de trabalho, na sua morfologia primária - repetindo: tempo de execução; tempo de disponibilidade; os intervalos intrajornada remunerados, que foram aqui bem traçados pelo Dr. Tadeu, e o período de deslocamento que é identificado como hora in itinere. Então, caminha muito bem o estatuto do trabalhador, quando retoma a figura do tempo de deslocamento, identificado como hora in itinere. |
| R | Mais do que isso, o estatuto do trabalhador estabelece, no seu art. 115, que também foi aqui explorado, a figura do direito do descanso, identificando todo e qualquer direito de descanso como direito indisponível. É importante esse avanço estabelecido pelo estatuto do trabalhador, porque nós vamos além da previsão original dos idos de 1988, estabelecendo como direito do descanso todo e qualquer período de tempo de parada do trabalhador, seja para uma melhor inserção no trabalho, seja para uma recuperação mínima de energia para o trabalho, que seria a alimentação - e ele está dizendo aqui que suprimiram o vale-alimentação a uma parada mínima, que é o intervalo intrajornada -, sejam as paradas mais crescentes, como o intervalo interjornada, o descanso semanal remunerado, descansos em feriados e períodos de férias. Tudo isso é exatamente uma tentativa de se potencializar novamente o período do tempo à disposição do trabalhador, certamente. Se nós alcançarmos êxito com a aprovação do Estatuto do Trabalho, nós teremos, como caminho oposto àquele perseguido pela Lei 13.467, uma diminuição em escala potencial do número de acidentes de trabalho e, diria eu, Senador Paim, também uma diminuição dos pleitos de indenização por dano existencial. Porque o que ocorre? Hoje em dia, no Tribunal Superior do Trabalho, as decisões que deferem pedidos de indenização por dano existencial estão umbilicalmente relacionadas a excesso de jornada de trabalho. (Soa a campainha.) A SRª GABRIELA NEVES DELGADO - Então, quando há excesso de jornada de trabalho, compreende-se que esse trabalhador não terá tempo de vida para as suas socializações, para a vivência dos seus laços afetivos, e, por essa razão, a figura do dano existencial é identificada. Então, veja bem, se nós reconhecemos, pela via do Estatuto do Trabalho, que o tempo à disposição é tempo de trabalho, nós estamos minorando as possibilidades de dano existencial. Então, esse é um ganho importante que fica na linguagem subliminar do Estatuto do Trabalho e que, certamente, trará uma resposta a partir da jurisprudência constitucionalizada do Tribunal Superior do Trabalho. Já em conclusão, porque o meu tempo está acabando, eu gostaria de retomar o que já foi dito aqui algumas vezes nas inúmeras audiências públicas que vêm sendo encaminhadas... (Soa a campainha.) |
| R | A SRª GABRIELA NEVES DELGADO - ... nesta Comissão de Direitos Humanos, que a positivação da norma jurídica não finaliza o processo de afirmação da norma jurídica. Leis socialmente injustas devem ser interpretadas, como é o caso da Lei 13.467. O Estatuto do Trabalho, segundo o meu ponto de vista, insere-se num tempo de resgate, num momento do tempo de resgate do patamar civilizatório constitucional e do patamar civilizatório internacional. É necessário que nós retomemos as premissas constitucionais de proteção ao trabalho, relembrando o tempo inteiro que a Constituição é viva e formada por uma interpretação e por uma comunidade de intérpretes. Muitas alterações constitucionais profundas se verificam - e se verificaram - na história do constitucionalismo contemporâneo brasileiro. Essas alterações constitucionais profundas provocaram alterações inúmeras na gramática das práticas sociais. Mais uma vez, nós precisamos retomar as alterações constitucionais a partir de uma vivência de progressividade social - e isso está almejado no estatuto do trabalhador - para que as práticas das gramáticas sociais possam seguir por um caminho de engrandecimento civilizatório. É esse o ideal do Estado democrático de direito, no qual, sob pelo menos do ponto de vista teórico, insere-se a República Federativa do Brasil. Muito obrigada. Parabéns, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Parabéns a V. Sª, Profª Gabriela Neves Delgado, que é Vice-Diretora do curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Meus cumprimentos pela exposição, que vai na linha de resgatar as políticas humanitárias no mundo do trabalho, tão violentadas como este documento que me chega aqui. Passamos a palavra agora para a Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Juíza Noemia Aparecida Garcia Porto. A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - Um bom-dia a todos e a todas, especialmente um bom-dia ao Senador Paulo Paim. Agradeço novamente a oportunidade de a Anamatra poder participar de uma audiência pública com esta, que eu tenho chamado de audiências públicas de resgate do mundo do trabalho; audiências públicas que possibilitam uma discussão de retomada de um caminho que nós não poderíamos ter aberto mão, que era justamente um caminho de civilização ou de patamar mínimo civilizatório para todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras do Brasil. Quanto ao tema específico desta audiência pública, é claro que todas elas, todas as que antecederam a esta versaram sobre temas muito importantes, mas é inegável que, quando se escolhe o recorte jornada e remuneração, nós estamos diante daquilo que está no centro da luta histórica dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho. É por isso que, no Brasil e fora do Brasil, quando se quer atingir o patamar, eu diria, de condição digna de trabalho, mexe-se coordenadamente em remuneração e salário, ou para que essa dignidade se torne mais potente, mais evidente, ou justamente para atingi-la de modo negativo e regressivo, como acabou acontecendo com o advento da Lei 13.467, de 2017. Volto, tal como a Profª Gabriela Neves Delgado e todos que me antecederam, ao texto da Constituição Federal de 1988. E por que faço isso? Nós estamos numa época em que os próprios cidadãos precisam se apropriar da linguagem constitucional. Conhecer a Constituição passa a ser, sem dúvida nenhuma, uma grande militância pela cidadania. Então, a Constituição não pertence aos doutos, a Constituição não pertence aos juízes, ela não pertence aos procuradores, ela não pertence aos auditores, ela não pertence ao Parlamento, ela pertence à população brasileira. Assenhorar-se desse texto, saber o que ele significa é hoje um ato de resistência e um ato de cidadania. |
| R | Voltando à Constituição, justamente o que ela prevê: são direitos dos trabalhadores, urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social, a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução de jornada mediante - único instrumento que a Constituição prevê - acordo ou convenção coletiva de trabalho. Portanto, a Constituição do Brasil aponta o limite de 8 horas diárias e 44 semanais como um mínimo - um mínimo - de proteção trabalhista, e a própria Constituição assume que normas futuras poderiam melhorar essa condição da disponibilidade para o trabalho. É nesse sentido que se insere a Recomendação nº 116 da Organização Internacional do Trabalho, recomendação de 1962. Portanto, há mais de 50 anos, firmada em Genebra, na sessão da Conferência nº 46, da qual o Brasil participou e é integrante, versa sobre a redução de horários de trabalho. O item 2 desta recomendação, de cuja construção, volto a dizer, o Brasil participou, diz exatamente o seguinte: Cada Estado deve promover [é um dever portanto] e, dentro de limites compatíveis com as condições e costumes nacionais, garantir a aplicação do princípio da redução progressiva do horário normal de trabalho, em conformidade com o nº 4, utilizando os meios adequados, os métodos existentes ou pode ser criada para regular o horário de trabalho. Esse é um assunto que permanece, portanto, em aberto no Brasil. Há mais de 50 anos, comprometemo-nos com a progressiva redução da jornada de trabalho. Com a Constituição Federal de 1988, nós cumprimos uma pequena etapa no avanço progressivo. Saímos de uma jornada semanal de 48 horas para uma jornada semanal de 44 horas, mas isso já há 30 anos. A expectativa era de que, depois da Constituição Federal de 1988, com outros instrumentos e com um avanço de uma cultura cidadã e democrática, nós apontássemos para mais uma redução progressiva dessa jornada. Isso se fez necessário não por outro motivo, mas pela constatação empírica de que nós temos atualmente a intensificação na forma de controle sobre os trabalhadores, sobre a vida dos trabalhadores, sobre a mente dos trabalhadores. Há uma maior disponibilidade dos trabalhadores quanto ao seu tempo. Nós temos uma maior conexão e exposição dos trabalhadores e das trabalhadoras ao trabalho. Essa intensificação deveria ter significado ou provocado uma maior preocupação dos Poderes constituídos, incluído o Poder Legislativo do Brasil, em procurar desenvolver meios para realizar aquela promessa de 50 anos atrás: a promessa de uma progressiva redução do horário normal de trabalho, amenizando os impactos dessa realidade sobre a vida dos trabalhadores. Mas isso não ocorreu. (Soa a campainha.) |
| R | A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - A redução do horário normal de trabalho tem como fonte dois aspectos que foram falados, e eles precisam ser repetidos. O primeiro deles, já dito antes, diz respeito a levar a sério regras de medicina e segurança do trabalho; maior disponibilidade do trabalhador; mais trabalho; maior conexão com o trabalho; ser trabalho o tempo todo prejudica a qualidade de vida, adoece e, no limite, mata. Segundo, há que se considerar também a sério o art. 170 da Constituição do Brasil, que deve obrigar a todos. O art. 170 estabelece uma promessa, que é justamente a garantia do pleno emprego. Ora, o excesso de disponibilidade de um trabalhador, além de significar grave risco de adoecimento, também implica que outro posto de trabalho não está sendo criado. Adota-se uma lógica de descarte: é a vida do trabalhador que é esgotada, jogada para fora e descartada; outra vida de um trabalhador que é esgotada; ele adoece, ele é descartado, em um ciclo vicioso e permanente de adoecimento e de pobreza. Ora, se o sistema econômico necessita, de forma regular, da tomada de serviço para mais de oito horas diárias, na verdade o que eu necessito é abrir novos postos de trabalho e mais vagas de trabalho. Lançando esse olhar para a experiência internacional, já que eu comecei com a recomendação nº 116 da OIT, nota-se que outros países de capitalismo avançado procuram aliar desenvolvimento econômico com a ideia de desenvolvimento sustentável. Por isso, nesses países, a carga horária dos trabalhadores é melhor, visando-se com isso a que tenham qualidade de vida e de produtividade. Ao contrário do que se propaga de modo desavisado no Brasil, excesso de disponibilidade no trabalho não tem nenhuma relação comprovada com incremento de produtividade. Cita-se como exemplo o caso da Suécia, com altos índices de produtividade econômica e paulatina redução da jornada de 40 horas semanais para 36 horas semanais. Salvo exceções, as jornadas de trabalho mais extensas ocorrem justamente nos países chamados periféricos, nos países mais pobres. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, nos Estados Unidos - e vou citar os Estados Unidos da América única e exclusivamente pela razão de, vez por outra, no senso comum ou na grande mídia, serem utilizados como exemplo de desenvolvimento, exemplo de direitos, exemplo para o mundo -, caso fôssemos tomar esse como exemplo, 41% dos trabalhadores atuam em jornada média de 40 horas semanais; 31,3% desses trabalhadores em menos de 40 horas semanais; e apenas 27,9% atuam em jornada acima de 40 horas semanais, e mesmo assim isso é concentrado nos trabalhadores imigrantes. (Soa a campainha.) A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - Assim, embora a realidade americana esteja marcada pela maior liberdade contratual, com menor interferência estatal, a média horária semanal é de 40 horas. A partir da análise do estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, conclui-se que países com menores quantidades de horas trabalhadas por ano têm elevado PIB per capita, o mesmo ocorrendo com o Índice de Desenvolvimento Humano. Então, se alguma relação nós temos que estabelecer aqui é entre redução de jornada, maior qualidade de vida no trabalho para os trabalhadores, redução de índice de acidentes e de absenteísmo e maior Índice de Desenvolvimento Humano. |
| R | Outro exemplo, para ficarmos então nos aspectos comparativos, é o da Grécia, considerada um país, na União Europeia, mais pobre. Exatamente esse país apresenta a média de jornada de trabalho mais longa da Europa. O país também tem níveis mais baixos de produtividade econômica do que outras nações da União Europeia. Em contrapartida, trabalhadores da França, Alemanha e dos Países Baixos são mais produtivos e trabalham menos horas. É lógico que esses índices desconsideram, talvez propositadamente, a realidade do que têm enfrentado os trabalhadores imigrantes nos países europeus. Especificamente quanto ao caso francês... E por que quero fazer referência ao caso francês? Porque, durante a tramitação do projeto que redundou na aprovação da Lei nº 13.467, vez por outra, tocando de ouvido, se falava que a França ia aumentar o seu limite de jornada de 35 horas para 60 horas. Daí porque é importante dizer que nada disso efetivamente aconteceu. No caso francês, que é referido daqui e de acolá, em 2016 foi anunciada uma alteração de jornada de 35 para 60 horas. Mas, veja bem: a legislação francesa, na verdade, manteve a conhecida semana de 35 horas, em média, e o que ela modificou foram as regras para negociações coletivas entre empresas e trabalhador. Mesmo com a reforma, foi mantida a jornada padrão de 8 horas diárias, com a possibilidade de execução de 2 horas extras, mas tudo limitado a 35 horas semanais. Apenas em casos emergenciais - emergenciais! - e após negociação com o sindicato, é que é possível estender o trabalho para até 4 horas extras e o máximo de 8 horas diárias, mas o excesso é pago como hora extra, e só ocorre em situações emergenciais e precedidas de negociação coletiva. E aí eu me pergunto: na chamada reforma trabalhista brasileira, o que disso foi preservado? A negociação coletiva ficou atingida; o excesso não é apenas em casos emergenciais; basta uma negociação direta entre trabalhador e empregador; e tudo isso fica longe dos olhos estatais. De todo modo, a maior parte dos países europeus possui um rígido controle do limite de horas extras, que pode ser diário, semanal ou anual. Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Alemanha e Suécia, para ficar em alguns exemplos, exigem que seja concedida autorização administrativa para execução de horas extras, e mesmo assim dentro dos limites legais. Já a Noruega e a França demandam autorização governamental em caso de horas acima do limite legal. No Brasil, por outro lado, o art. 59 da CLT prevê apenas a necessidade de acordo por escrito entre empregador e empregado. A chamada reforma trabalhista tentou estabelecer banco de horas e regime de compensação sem negociação coletiva, ao contrário do que diz a Constituição do Brasil. Permitiu que, dentre os temas da negociação coletiva, figurasse o controle de jornada, mesmo que abaixo do patamar mínimo legal. A reforma não aliou aumento de horas de trabalho com comprovada situação emergencial. Banalizou-se a hora extra no Brasil. Tentou tornar os trabalhadores mais disponíveis com jornadas imprevisíveis e sem contrapartida remuneratória. O Estatuto do Trabalho, para ficar nele, no Capítulo V, versa justamente sobre esse importante tema do tempo do trabalho. Dentre as diversas previsões ali inseridas, acho que merece um grande destaque nosso, de todos os estudiosos do Direito, o art. 96, que prevê o seguinte: a duração ordinária do trabalho para os empregados em qualquer atividade privada não excederá oito horas diárias e 40 horas semanais. |
| R | (Soa a campainha.) A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - Essa previsão gera uma enorme expectativa nos trabalhadores em geral. Gera essa expectativa porque essa previsão, acaso levada a sério pelo Parlamento brasileiro, torna concreto o compromisso que o Brasil estabeleceu com a Recomendação nº 116 da OIT. Passa a estabelecer paralelismo com experiências internacionais relacionadas à redução da jornada que visam a incrementar a qualidade de vida no trabalho. Torna evidente o compromisso da aliança entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento sustentável. De fato, é urgente que a gente passe a discutir aspectos de incremento da produtividade econômica para além do senso comum, com dados comprovados fora do sistema do achismo - "eu acho que explorar mais os trabalhadores melhora a produtividade". Isso não tem nenhuma comprovação empírica. Nesse sentido, não há uma aliança entre aumento da jornada, aumento de disponibilidade e aumento de produtividade. Isso precisa ser desmitificado em algum momento. Nesse ponto, nota-se que o Estatuto do Trabalho, que é o que estamos discutindo, além de atender a cláusula de progressividade dos direitos sociais trabalhistas, implementa a possibilidade de uma experiência nacional que nos aproxime da realidade de países que procuram considerar renda per capita e Índice de Desenvolvimento Humano. Dentre 188 países, o Brasil permanece como 79º colocado em Índice de Desenvolvimento Humano, e o aprofundamento das desigualdades de renda colabora para isso; o achatamento dos salários faz o mesmo; o aumento dos índices de desemprego, da mesma maneira. (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto. A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - E o retrocesso dos direitos trabalhistas pode agravar essa situação. O Estatuto do Trabalho, portanto, é uma oportunidade de retomada dos direitos que foram retirados da chamada reforma trabalhista, incluindo a importante questão da jornada de trabalho. Dito dessa forma, o que quero dizer é que são abusivos todos os discursos que têm chamado a reforma trabalhista que foi aprovada de modernidade. Modernidade é olhar para 50 anos atrás e notar que paramos em 1988 e ainda não avançamos. O Estatuto do Trabalho, sim, poderá, sem abusos, ser grafado de moderno. Muito obrigada! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Juíza Noemia Aparecida Garcia Porto, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). A Drª Tânia queria fazer um esclarecimento. Pediu-me antes, e eu disse para deixar concluir as Mesas. A SRª TÂNIA MÁRCIA OLIVEIRA DE ANDRADE - Bom dia a todos! - ainda é bom dia. Em relação ao que disse o Dr. Tadeu, quando chamou a atenção para as jornadas específicas, e no art. 121 há os intervalos específicos, eu quero dizer que foi uma opção do GT não elaborar sobre as categorias específicas e deixar isso para uma construção no diálogo com essas categorias e com a sociedade, porque eram detalhes muito íntimos de cada categoria e o grupo não tinha condição de legislar - vamos dizer assim -, propor sobre eles sem a consulta a esses segmentos. Por essa razão, a redação que está no art. 97 e a redação que está no art. 121, quando trata de todos aqueles segmentos com jornadas específicas e com intervalos específicos, é a redação e os valores que vieram da própria CLT ou de alguma legislação esparsa, eventualmente - o caso dos radialistas, por exemplo. |
| R | Então, é um texto em construção. Suas sugestões são muito bem-vindas, e a gente aguarda que as categorias, os sindicatos também nos enviem as sugestões para aprimoramento, até para coerência, porque, se virmos os intervalos das minas de subsolo, são menores do que alguns outros que trabalham com digitação ou coisa parecida. Então, há uma certa incongruência entre eles, e a gente entendeu, por bem, de remeter tudo isso para o debate com as categorias. Por último, o art. 70, no seu §2º, trata os registros de horário como de natureza pública, o que corrobora em muito a sua sugestão de que o registro fosse eletrônico, primordialmente. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Tânia, pela contribuição ao debate. Eu vou abrir para o Plenário, como sempre faço, para três pessoas, e em seguida vêm as considerações finais de todos os nossos convidados, para que eles concluam nosso debate de hoje. Digam o nome e a entidade, cada um. Serve para todos. O SR. ALEX MYLLER - Tudo bem. Alex Myller, representante também do Sinait (Sindicato Nacional dos Autores Fiscais do Trabalho). Eu queria primeiro saudar, Senador Paim, a iniciativa, mais uma vez, de continuarmos a debater, porque eu penso que, estrategicamente, do ponto de vista político, foi importante a iniciativa do Estatuto para manter inclusive o debate da reforma. E estamos em outro momento desse debate do Estatuto, que é - uma vez que a SUG foi apresentada, a sugestão legislativa - o momento que passamos a aperfeiçoar o texto que está colocado, no debate com a academia, com os estudiosos, com os que aplicarão diretamente, com as entidades sindicais e com a população em geral. Agora temos uma base para conversar, que não é mais só uma teorização. Então, primeiro realmente quero agradecer essa iniciativa e parabenizar sempre. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Diga-se de passagem - me permita, já que você participou ativamente -, na nova CLT do Estatuto, está garantida a ultra-atividade, que eles querem agora surrupiar. O SR. ALEX MYLLER - Exatamente. Seria a única consequência possível para interpretação constitucional. Só é possível se existir ultra-atividade, já que não é possível retroagir as condições, haver retrocesso. Só é possível com ultra-atividade. É nesse sentido que o Sinait aqui se manifesta. O Lucas já falou por nós em um sentido mais técnico. Eu queria lembrar politicamente da importância dessa iniciativa, e que realmente pudéssemos divulgar e difundir essas audiências, porque, como em todas as outras anteriormente, hoje também foram muito felizes as falas. São aulas mesmo. Nós estávamos comentando aqui. Aprendemos sempre com o gabarito das pessoas que são chamadas para falar, e nesse sentido continuarmos ativos e altivos na compreensão de que precisamos aperfeiçoar, amadurecer e fazer esse debate público, que vai ser necessário, vai ser intenso e é importante para legitimar o estatuto como uma iniciativa que não é de quatro entidades, que não é de uma pessoa, mas que é da população brasileira e do povo brasileiro. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Alex! Parabéns! Permita-me que diga, Alex: aqueles que defendem a reforma, em véspera eleitoral, estão indo lá para tentar explicar, em encontros estaduais, o inexplicável. Nós estamos aqui, falando para todo o Brasil, e também os convidamos, só que eles não vêm aqui. Nenhum deles vem aqui para fazer o contraditório. E nós vamos visitar todos os Estados no ano que vem, que não é ano eleitoral, não. Estaremos lá para mobilizar a população para ajudar a aprovar a nova CLT. |
| R | Parabéns, Alex. Mais alguém do plenário? Por favor. Microfone, luz verde. Identifique-se. Cinco minutos. A SRª MÔNICA DUAILIBI - Olá! Bom dia, Senador! Bom dia a todos aqui presentes. Meu nome é Mônica Duailibi, eu sou Auditora Fiscal do Trabalho do Maranhão. Eu quero falar quatro tópicos, muito rapidamente. Primeiro, duas perguntas que foram feitas por telespectadores. Na primeira delas, que foi a que o senhor falou, um telespectador perguntou qual seria o futuro do trabalho. Veja bem, Senador: o que diz a literatura especializada, o que diz a experiência internacional e o que diz a experiência nacional? Uma certeza a respeito de qual será o futuro do trabalho, pelo que tem sido, pela história, é que não é através da desregulamentação do mercado de trabalho que você gera trabalho e emprego. Isso aí é claro, isso é pacífico. (Palmas.) Partindo desse ponto, isso está definido. A geração de trabalho e de emprego se dá a partir do desenvolvimento econômico, a partir das opções de crescimento econômico que são feitas no País e da forma como o País se insere mundialmente. Dito isso, o aspecto da regulação do trabalho - é disso que trata o Estatuto do Trabalho - é fundamental para que se definam as condições dos postos de trabalho criados. Se você não tem uma regulação de trabalho consistente, definida, e se você não tem também um arranjo institucional - magistratura do trabalho, Ministério Público do Trabalho, fiscalização do trabalho - forte, fortalecido, você não vai ter aplicação dessa legislação. Essa é a primeira coisa que se diga. Outra pergunta também feita por um telespectador, seu conterrâneo, Lucas Nobre, do Rio Grande do Sul: ele diz que sente falta da fiscalização do trabalho na questão da jornada. Eu queria dizer, Lucas, que nós aqui somos sete auditores fiscais do trabalho, e nós também sentimos falta de maior fiscalização, não só na jornada de trabalho. Nós, auditores fiscais aqui representando o Sinait, nosso sindicato nacional, sentimos falta de auditores fiscais trabalhando na formalização de vínculos, combatendo a informalidade, no combate ao trabalho escravo, no combate ao trabalho infantil, na promoção de condições de saúde e segurança. O número de auditores fiscais hoje no Brasil é o menor número nos últimos 30 anos, a despeito da população ocupada ter praticamente dobrado nesses 30 anos. Essa insuficiência de auditores fiscais, é claro, é uma decisão política do Estado brasileiro, fortalecida nos últimos três anos, e o nosso sindicato tem continuamente tomado medidas de gestão junto ao Ministério do Trabalho, junto ao Ministério do Planejamento, junto à Organização Internacional do Trabalho no sentido de denunciar o que significa essa redução do número de auditores fiscais para a proteção dos trabalhadores brasileiros. Essa luta nossa é incansável. Nós vamos continuar. Por último, dois aspectos. A Drª Noemia agora terminou a fala dela dizendo que a reforma trabalhista não é moderna. Exatamente, Drª Noemia. Nós entendemos que é preciso, inclusive, que se desmitifique essa alegação muito atual, muito contemporânea, de que há uma ligação entre modernidade, entre trabalho autônomo, entre empreendedorismo e as novas formas de proteção. É o contrário. O trabalho autônomo, via de regra, esse novo empreendedor, essa figura do MEI, esse trabalho de ambulantes, esse trabalho desprotegido é na verdade arcaico. Ele é arcaico porque simplesmente significa precarização das condições de trabalho. Então, é importante que a gente trabalhe a questão da reforma trabalhista como nociva, não só do ponto de vista racional, da legislação, mas é importante também que a gente tente combater a ideologia que está por trás dessa forma de trabalho considerada moderna. |
| R | (Soa a campainha.) A SRª MÔNICA DUAILIBI - Não é moderna coisa nenhuma! Essas formas são arcaicas e desprotegem o trabalhador. Estou terminando, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem um minuto ainda. A SRª MÔNICA DUAILIBI - Só para o senhor ter uma ideia, Senador, na minha experiência como auditora fiscal, e eu sou há vinte e poucos anos, diariamente nós visitamos as empresas, recebemos os contadores para apresentar a documentação e fazemos a análise documental depois de termos visitado as empresas. Os contadores dizem assim - eles me chamam de doutora, não precisa chamar de doutora, mas eles me chamam: "doutora, venha cá, me diga uma coisa, como é que a gente aplica essa questão do trabalho intermitente?". E eu digo: não sei. Eu também não sei. Essa chamada reforma trabalhista é tão absurda, é tão descontextualizada da nossa legislação trabalhista e é de tão difícil operacionalização que ela simplesmente não pegou, se é que se diz isso. Ela não tem efetividade, porque ela não é aplicável. Na prática, o trabalho intermitente não é sequer aplicado na vida real das empresas. Era só isso. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Meus parabéns! Terceiro, o Peixe, que é da associação dos terceirizados da Casa. Os seus cinco minutos. Daí volta para a Mesa. O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUZA - Certo. Em primeiro lugar, bom dia a todos! A questão, Senador, é que nós estamos nessa guerra. A cada dia, um absurdo. Eu fui chamado para uma reunião de manhã, e me falam de cortar, tirar, além do vale-transporte, a alimentação. É essa barreira que nós estamos passando no dia a dia, nós estamos em uma guerra terrível, travada aqui dentro do Senado Federal, e a gente pede ajuda de ambos os lados, que está refletindo na questão das eleições lá no Tocantins. E vai refletir na eleição aqui. O pessoal tem que estar muito atento a essa questão, porque, senão, nós vamos trazer pessoas que realmente são esse grupo que está aí massacrando o trabalhador brasileiro. E ele conseguiu afetar todas as classes, não só a classe dos terceirizados em si, porque eles querem pegar o terceirizado, e para valorizar o terceirizado, enfiar no meio fim, para falar que o terceirizado tem valor; na verdade, ele não tem valor, é só para desvalorizar o funcionalismo público. Aquele que foi para lá, que estudou, que passou, ele não quer ver... Ou seja, é a amplitude daquele esforço do dia a dia. Nós estamos aqui, a cada dia, debatendo a questão do Estatuto, para melhoria, mas a questão deles é só piorar, Senador, cada vez piorando mais as coisas. Cada dia que a gente está na rua, que a gente vem para o trabalho, o telefone toca e falam: "Peixe, peça ao Senador..." - o Senador Paulo Paim, como dizem, é a estrela que vai falar sobre isso. O Senador Paulo Paim está aberto porque ele entende a questão do trabalhador. Ele é um trabalhador que mostra para o pessoal a necessidade disso. É por isso que nós pedimos encarecidamente ao nosso pessoal do Rio Grande do Sul: nós precisamos desse Senador para que nós terminemos esse trabalho, esse trabalho que começou e que tem que terminar, Senador. É isso que eu peço ao pessoal do Rio Grande do Sul: para que traga o senhor de volta aqui, que é muito importante para nós. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vocês podem não acreditar, mas, na semana passada, sabe qual era o debate, em uma outra terceirizada? É que o vale-transporte que as pessoas recebiam era R$31,50. Essa empresa queria baixar para R$22, tirar R$10 do vale-alimentação. |
| R | Nós fizemos uma peleia enorme e estamos até agora discutindo. Agora vem outra empresa, aqui já é outra, que disse que vai tirar é tudo. É inacreditável. É um terrorismo em cima do trabalhador. E o pior é que alguém deve estar duvidando: "Mas não pode." Está aqui, é um comunicado oficial da empresa. Vou repetir o nome da empresa: Esparta Segurança Ltda. disse que, a partir de 1º de julho, todo pessoal da segurança não terá mais direito ao vale-alimentação. Eu nunca vi isso. Eu nunca vi. Vamos em frente. Agora volto para as considerações finais da Mesa. Agora vamos inverter, os últimos serão os primeiros. A Juíza Noemia Aparecida Garcia Porto, Vice-Presidente da Anamatra. A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - As considerações finais, Senador, são muito breves, mas gostaria de voltar à fala da colega auditora fiscal do trabalho no tema da linguagem. Nós vivemos hoje, eu diria, um mundo bastante estranho; no Brasil, estranho demais. Então, a apropriação da linguagem, a apropriação dos conceitos gera uma forma de pensamento que, às vezes, apaga a possibilidade do pensamento crítico. Então, quando alguém diz assim: "Tal coisa é moderna", é muito importante que entendamos: moderna para quem, qual é a modernidade, quem está vendendo a ideia de modernidade. A mesma coisa quando um texto legislativo, como é o caso da reforma, diz assim: "Olhe, intervalos, descanso, essas coisas aí não são medicina e segurança do trabalho." Veja: nós estamos numa época em que uma lei diz assim: "Esta mesa - e você está olhando e vendo uma mesa -, eu a proclamo uma porta." É esse tempo que nós estamos vivendo. Então, na questão da linguagem, na questão do que se fala, na questão do que se afirma, é extremamente importante para a autonomia da cidadania e para a autonomia dos próprios trabalhadores que se coloque numa postura crítica em relação a tudo que se fala e a tudo que se vende. Empreendedorismo para quê? O empreendedor era, na verdade, o trabalhador proletário da década de 70 e 80, com garantia de limitação de jornada, com carteira assinada, com piso salarial, com negociação coletiva. Hoje é ele por ele mesmo. E eu me pergunto: a quem esse trabalhador, que é ele por ele mesmo, pode interessar num processo que nós estamos vivendo de enorme empobrecimento da classe trabalhadora? E, quando eu falo em empobrecimento, não é só o empobrecimento de salário, é o empobrecimento de conhecimento, é o empobrecimento do domínio sobre os mecanismos do mundo do trabalho, é o empobrecimento por estar fora da sua organização coletiva, que hoje perde nesse processo de dessindicalização dos trabalhadores, que passam a ser autônomos, PJs, donos da banquinha ou coisa que o valha. Então, se o alerta pode ficar nesse tema importante da jornada e da remuneração, é o alerta sobre a importância de que os próprios trabalhadores se apropriem do discurso e do debate que está em curso. Não são juízes, não são os promotores, não são os auditores fiscais, não são os Parlamentares; os próprios trabalhadores precisam estar conscientes do processo que está em andamento. Muito obrigada, novamente, pela oportunidade, Senador. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Noemia Aparecida Garcia Porto, que falou pela Anamatra. De imediato, a Professora e Vice-Diretora do curso de Direito da UnB (Universidade de Brasília), a Srª Gabriela Neves Delgado. Profª Gabriela. A SRª GABRIELA NEVES DELGADO - Obrigada, Senador. Eu queria também retomar um dos pontos de fala da Drª Mônica para reforçar o período que nós vivemos, desde o ano de 2016, que é um período ultraliberal, de profunda e desenfreada flexibilização das premissas protetivas do Direito do Trabalho. Eu queria, nesta oportunidade de fala, destacar algumas dessas características. Primeiro, a PEC 55, que impôs o congelamento dos gastos públicos por 20 anos; um período de concentração de renda e aumento da pobreza; ampliação das estatísticas de mortalidade; encarceramento; sucateamento das universidades públicas; deslocamento dos conflitos do Tribunal Superior do Trabalho para o Supremo Tribunal Federal, que, em relação ao Direito do Trabalho, vem tendo uma postura permanente de restrição do mapa cognitivo protetivo do Direito do Trabalho; o papel da mídia, que vem continuamente identificando a Justiça do Trabalho e todos os instrumentos institucionais de proteção ao Direito do Trabalho como instituições jurássicas, que, enfim, impedem a modernização do Direito do Trabalho e das relações de trabalho; e a política de concentração e de contenção da expansão das instituições públicas vinculadas à proteção ao mundo do trabalho. Nesse sentido, Drª Mônica, nós sabemos que o Ministério do Trabalho e Emprego, a Auditoria Fiscal do Trabalho sofreram enormemente com esse movimento de contenção de avanço de políticas públicas de um Estado de matiz neoliberal. E nós percebemos isso claramente na legislação em vigor, que é a Lei nº 13.467, de 2017. Por isso, a necessidade da retomada dos pressupostos constitucionais de proteção ao trabalho, desse mapa cognitivo do Direito do Trabalho, através dos diversos locos do saber, seja academia, seja o espaço do Legislativo, de fiscalização e do Poder Judiciário. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Profª Gabriela Neves Delgado, que falou como Vice-Diretora do curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB). De imediato, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp), Srª Ludmilla Abílio. A SRª LUDMILLA ABÍLIO - Senador, eu queria agradecer e finalizar dizendo que, de fato, o termo é este mesmo: nós vivemos tempos sombrios. Algo está muito claro: existe um projeto de país que está em jogo, existe um projeto muito claro de aumento da concentração de renda, de aumento da desigualdade social e um projeto que deixa claro que os trabalhadores e trabalhadoras deste País, que são os de baixo, que constituem a maioria da população brasileira, principalmente os trabalhadores negros e trabalhadoras negras, são ou objeto de extermínio, ou estão aqui para servir essa classe que, cada vez mais, concentra a sua renda. Então, está claro que projeto de país está em jogo aí. Eu fico muito feliz em fazer parte desse processo que se contrapõe a tudo isso e mostra que é possível, sim, o Estado combater todo esse discurso ideológico, combater determinadas tendências que estão em curso no mundo do trabalho, recolocando um novo papel do Estado que seja um promotor da igualdade e da justiça social. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp), Srª Ludmilla Abílio. Lucas Reis, Auditor Fiscal do Trabalho, representante do Sinait. O SR. LUCAS REIS - Para concluir, eu gostaria só de retomar. As falas de todos da Mesa foram no mesmo sentido de pontuar e observar esses tempos sombrios, esses tempos estranhos e esse assustador avanço neoliberal sobre os direitos dos trabalhadores. Isso é consenso nas falas aqui. Eu, só para concluir, estava vindo aqui para o Senado hoje de manhã e ouvindo uma música do Caetano, cuja letra me inspirou muito: Oração ao Tempo. Ele disse o seguinte: "Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos num outro nível de vínculo." E eu realmente acredito, acho ser possível os trabalhadores brasileiros se reunirem num outro nível de vínculo trabalhista, num vínculo trabalhista que garanta a esses trabalhadores uma jornada de trabalho que não seja uma jornada de trabalho exaustiva, que garanta um vínculo trabalhista novo, que garanta a esses trabalhadores um salário mínimo que permita a existência com dignidade, que caminhe no sentido do combate ao trabalho infantil, do combate ao trabalho escravo, do combate aos acidentes de trabalho. Eu acredito que só a luta dos trabalhadores, a luta da sociedade como um todo pode fazer com que esse novo vínculo possa ser estabelecido, em vez do vínculo proposto atualmente no Brasil. Eu gostaria de finalizar com essa mensagem otimista. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Lucas Reis, Auditor Fiscal, que falou pelo Sinait. Agora Tadeu Henrique Lopes da Cunha. O Sr. Tadeu Henrique Lopes da Cunha é Procurador do Trabalho e fala pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - A Drª Tânia havia feito uma referência à minha fala sobre a questão da jornada reduzida - infelizmente ela não está aqui. Eu havia percebido, sim, que o texto era uma repetição da CLT e também da legislação específica dos jornalistas, com jornada de 5 horas. A ideia era, de fato, sugerir algo que fosse mais isonômico, e, a meu ver, esse seria o contexto desta audiência. Só para pontuar a questão da ultra-atividade - não era objeto da fala, mas veio aqui a situação -, a questão é a seguinte: o TST tem uma súmula, Súmula nº 277, que trata da questão da ultra-atividade das normas coletivas, ou seja, normas coletivas que estão dentro de um instrumento coletivo - uma convenção ou um acordo coletivo de trabalho -, que vigoram por um tempo, que é previsto nesse próprio acordo ou convenção, mas, quando ele não é renovado, elas passam um pouco, elas vão além, elas passam desse tempo de vigência. Por que isso acontece? Porque, até a Emenda nº 45, de 2004, que diminuiu o poder normativo da Justiça do Trabalho, até ali, o que era a prática? As normas não tinham ultra-atividade, mas, pouco tempo antes de acabar a vigência, era feita uma tentativa de negociação coletiva. Se não houvesse a negociação, essa questão era submetida ao Judiciário, que dava uma decisão, sentença normativa, e ali eram estabelecidas essas condições normativas. Então, não havia a necessidade de haver a ultra-atividade daquela regra, ou seja, ela valia exatamente até aquele momento, e o Judiciário garantia talvez até uma regra melhor posteriormente por meio da sentença normativa. |
| R | O fato é que, com a Emenda nº 45, foi restringido o poder normativo da Justiça do Trabalho, que passou a atuar muito mais em questões jurídicas e menos em questões econômicas. Aí o Tribunal Superior do Trabalho percebeu que a inércia do setor empresarial, ou seja, do sindicato da categoria econômica ou das empresas, era favorável a ela mesma, porque, se ela não fizesse a negociação, as normas cairiam, simplesmente parariam de ter vigência e, parando de ter vigência, voltaria à legislação anterior, ou seja, para aquilo que era menos do que a negociação coletiva. E, por conta disso, para não favorecer essa inércia e até para estimular a negociação coletiva, o TST deu uma nova redação para a Súmula nº 277 no sentido de que haveria ultra-atividade. Então, as normas, ainda que não houvesse uma negociação, continuariam valendo até uma nova negociação. Então, elas vigorariam, a vigência continuaria até a revogação por uma nova norma coletiva. Essa súmula foi questionada por uma arguição de descumprimento de preceito fundamental, uma ADPF, no Supremo Tribunal Federal. E, nessa ADPF, a ADPF 323, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática desse Ministro - ainda não foi submetida ao Plenário -, foram suspensos os efeitos dessa Súmula nº 277, ou seja, passa-se a entender que não há mais ultra-atividade exatamente por conta dessa decisão. É por isso que eu havia dito naquele momento que não era um entendimento do TST. Apesar de, de fato, o comunicado dizer isso, está dizendo isso de modo equivocado. (Soa a campainha.) O SR. TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA - Não é entendimento do TST. A Súmula nº 277, podem conferir, só está com os efeitos suspensos por conta dessa decisão na ADPF nº 323, mas ela é uma súmula que não foi revogada nem cancelada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Basicamente eram essas as minhas ponderações, agradeço, mais uma vez, pela oportunidade e parabenizo o Senador Paulo Paim pela proposta de Estatuto do Trabalho. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cumprimento V. Exª, Dr. Tadeu Henrique Lopes da Cunha, Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, que deixa muito claro que a posição foi do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, revogando a súmula do TST, via liminar, claro, uma suspensão provisória e liminar. A empresa aqui, apropriando-se disso, disse que consultou o TST e o TST disse isto que V. Exª está dizendo. "Não fomos nós, mas existe uma liminar lá que acabou. Agora o problema é de vocês." Em resumo, é isso. Enquanto não derrubar a liminar, o problema continua. Infelizmente é isso. Enfim, vamos lá para a pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp), Drª Paula Freitas. A SRª PAULA FREITAS - Eu gostaria de, nas considerações finais, responder um pouco também a questão colocada de para onde vai o futuro do trabalho. Essa é uma das coisas que mais discutimos no Cesit e acho que compete, portanto, trazer aqui. De logo, coloco que, apesar do otimismo dos membros da Mesa - e eu me incluo entre eles, porque também sou uma entusiasta do Direito do Trabalho -, a bem da verdade, estamos num momento agora crítico de disputa de para onde vai o Direito do Trabalho ou o mundo do trabalho, mais ampliadamente. |
| R | Apesar de o movimento do Tocantins da não votação ou da ausência de votantes representar mais de 50% e me parecer expressar um desânimo meio que geral dos brasileiros com a política, nós estamos num momento em que não podemos nos dar ao luxo, porque isso significa abrir mão da nossa cidadania e deixar que os rumos do futuro fiquem a cargo e decisão justamente daqueles que estão nos causando esse desânimo. Então, ao contrário, eu gostaria aqui de trazer uma palavra de reiterar a importância de nós, como cidadãos, estarmos reafirmando o nosso direito de voto nas urnas. Aqui aproveito para fazer menção à palavra da Drª Noemia e também da Drª Mônica de que o significado dessas palavras, desses signos discursivos tem que ser apropriado pelos brasileiros, porque isso não é só uma questão linguística, mas é um discurso que trabalha uma ideologia, uma ideologia pesada, forte, que é reproduzida dentro de nossas casas diariamente por meios de comunicação que reforçam domínios oligopolistas, sim. E isso dentro de uma estrutura que não se restringe à nossa organização interna em termos de Brasil. Então, temos que pensar relações de trabalho dentro do nosso contexto interno, mas entender que isso não se resume a pensar tão somente o mundo produtivo, entendendo as relações disso com uma dimensão de um mundo financeirizado, onde as próprias empresas que estão atuando no campo produtivo, as grandes empresas têm seus rendimentos muito mais fortalecidos com seus ativos financeiros... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fazendo soar a campainha.) - Não dá para ouvir aqui, pessoal. A SRª PAULA FREITAS - ... do que com seus ganhos produtivos. E isso pressiona para que não haja investimento. Então, hoje temos um sistema internacional, o capitalismo se organiza em cadeias globais de produção, em cuja ponta o Brasil, neste momento, com as decisões do Presidente Michel Temer, se posiciona, olhando para reposicionar o Brasil na área de manufatura e de exploração de commodities. A despeito do boom de commodities havido no governo Lula, aquilo foi conjuntural e só subiu, salvo engano, cerca de 12% do PIB nacional. Então, houve um boom, mas aquilo não foi, em si mesmo, a estrutura produtiva mais significativa do País. Mas hoje, quando eu vejo o sistema de privatização da Petrobras, a privatização da Embraer, estamos abrindo mão de ir para a ponta da cadeia, em que está a tecnologia, está o trabalho imaterial, o trabalho intelectual, o trabalho de qualidade, que verdadeiramente gera riqueza, para que possa ser distribuída dentro do País. Ao invés disso, nós nos posicionamos na manufatura, nos posicionamos na exploração de commodities, o que significa trabalho escravo, trabalho precário e, por isso, a necessidade dessa pseudomodernização, que, como bem pontuou a Drª Mônica, é, na verdade, arcaica, é retomar estruturas de trabalho que antecedem até mesmo a nossa legislação trabalhista. Nesse sentido, para vermos como esses argumentos são atrasados, eu sugiro a leitura de um livro Ensaios Inéditos, foi publicado pela Unicamp há algumas décadas, em que traz os ensaios de Oliveira Vianna,... (Soa a campainha.) A SRª PAULA FREITAS - ... que foi um dos colaboradores do governo getulista. Quando você vê lá quais são os argumentos de resistência dos empresários àquela época, você pode pegar e ticar, porque são os mesmos reproduzidos hoje, que, assim como não se sustentaram ao longo dessas décadas, em que nós construímos e estruturamos o nosso mercado de trabalho, não se sustentam. Eu acho que era isso que era importante deixar aqui. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Srª Paula Freitas, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). Chegaram mais três afirmações na verdade. Eu vou ler aqui, como é o meu compromisso de ler todas, seja contra, seja a favor ao eixo do debate. Maria de Fátima, de São Paulo: "Muitos trabalhadores, comerciantes e empresários já foram prejudicados com multas e processos por causa dos auditores fiscais, que não advertem e não orientam antes de punir." Há para todo gosto aqui. Vamos em frente. José Araújo, de São Paulo: "A discussão sobre a jornada de trabalho é pertinente na medida em que o trabalhador volte a ser o foco das legislações. Hoje a legislação não beneficia em nada o trabalhador, que, a cada dia, tem se tornado um escravo e, quando não se sujeita a tal, torna-se desempregado." Outra, Maria de Fátima, de São Paulo: "A meu ver, o desenvolvimento dos trabalhadores melhora a economia do País, então os Senadores do Brasil deveriam fazer seminários para estimular os auditores fiscais a realizarem [...] [mais com acerto]." Enfim, na verdade, se tivermos uma estrutura maior de auditores fiscais, com certeza poderemos avançar mais. O problema é: quanto foi reduzido do número de auditores fiscais? Vocês sabem aí, não? O SR. ALEX MYLLER - Nos últimos dez anos, nós reduzimos o quadro em cerca de mil pessoas. Então... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aí responde: diminui a estrutura. Vocês até gostariam de fiscalizar mais, mas não há como. O SR. LUCAS REIS - Existe um número de 3 mil vagas para auditores fiscais do trabalho ociosas hoje no Brasil. Três mil. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Três mil vagas ociosas para que pudéssemos ampliar a fiscalização e garantir os direitos básicos dos trabalhadores. Eu até gostaria aqui, num encaminhamento final, de fazer um apelo à Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, mas aqui alguns me disseram o seguinte: "Não sei se você tem que fazer o apelo, porque isso, que é uma liminar, pode virar até uma norma permanente, pela forma conservadora como tem agido o Supremo Tribunal Federal." Mas veja a que ponto nós chegamos: a liminar... Eu perguntava aqui ao Dr. Tadeu, e ele me dizia: "Isso aí é para todos, não é só para terceirizado, não." Qualquer entidade que tivesse uma série de direitos, entre eles - eu estou repetindo - o vale-alimentação, se o prazo do acordo terminou e não foi renovado, poderá tirar o vale-alimentação. Veja, Brasil, a que ponto nós chegamos com essa reforma trabalhista e com essa liminar aí do Ministro Gilmar Mendes. Eu me lembro de que, na fábrica, eu tinha alimentação de graça. Então, de um momento para outro, eu poderia não ter mais, se eu estivesse lá. É inacreditável, não é? É inacreditável que estejamos vivendo um momento como esse. E deve ser isso aí tudo aquilo que pensam. Vocês devem lembrar até o nome de um projeto que vem da Câmara que diz que, desde que haja uma lona daquelas de plástico para morar, casa de pau a pique, como se chama, e alguma coisa para comer - é mais ou menos isso o projeto que está na Câmara -, está bom, não precisa de mais nada para o trabalhador. Mas agora vão tirar até a alimentação. Agora é só a lona. Vai trabalhar e comer capim, se quiser. Não pensem que estou feliz. Temos que quase que... Não sabemos se rimos ou choramos. Mas, como Senador da República de um país continental como este, quero dizer que nós estamos debatendo isto: se o trabalhador pode ou não ter o direito à alimentação quando ele ficar à disposição do local de trabalho por todo o dia. É mais ou menos isso que nós estamos dizendo. Ele vai ficar lá na empresa, como os terceirizados ficam aqui dentro: eles vêm para cá de manhã, porque eles não querem pagar já o vale- transporte, e eles têm que vir. Calcule se ele pensar em ir a casa ao meio-dia: quem vai pagar o vale-transporte? Ninguém. Ele vai ter que comer aqui dentro. E, aí, não querem pagar. Lei é lei. |
| R | Diga, pois nós vamos terminar. A SRª PAULA FREITAS - Pois, então: olha a contradição da estrutura do capitalismo, que vem muito nessa fala do Senador e que também está na questão trazida pelo Adriano Silva, do Rio de Janeiro. Ou seja, a tecnologia permitiu o home office, não contabilizado no salário o impacto na saúde do trabalhador. Aí, se o Governo não fornecer a saúde e a educação de qualidade, tal gasto deve ser incorporado ao salário, que, por sua vez, onera o empresário. Como resolver tais problemas? Ou seja, é a contradição do liberalismo, porque o empresário não quer pagar um salário maior. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Não quer pagar nada! A SRª PAULA FREITAS - Ao mesmo tempo, você quer um Estado mínimo. Então, como é que eu posso dar um Estado mínimo e transferir para o indivíduo ter que pagar por sua saúde, por sua educação, por sua habitação,... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vale-transporte, alimentação. A SRª PAULA FREITAS - ... por 100% das coisas, ao tempo em que eu não dou para ele um salário necessário para isso? E só para responder ao Lucas também na questão do salário: a gente tem uma diferença entre o salário mínimo legal e o salário mínimo necessário, que é definido pelo Dieese. Então, agora em maio, o salário mínimo é de R$954 e o necessário é de R$3.574 - salvo engano -, que é calculado com base em quê? No art. 6º da Constituição Federal. Então, a gente vê que, de fato, já hoje existe uma insuficiência contando que existe alguma estrutura mínima de assistência. Aí você tira essa assistência e ainda reduz o poder de compra do salário mínimo, já que você vai ter reduções que já não vão acompanhar o que vem sendo nos últimos anos. Então, é a contradição do capitalismo. E esse discurso é articulado para fazer a gente crer que esse empreendedorismo e que essa autonomia nos beneficia, nos dá liberdade. Não! Não há que se falar em liberdade de barriga vazia, liberdade sem você ter educação, liberdade sem você ter saúde. Isso não existe! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu deixo algo só para complementar - e vou passar para o Alex -, só para dar a última pincelada. Temos que lembrar disto: quando a gente tem receio agora de fazer um apelo para juntos eliminar o trabalho escravo, a bem dizer, a gente tem que lembrar que o salário mínimo, desse tamanhinho, que estava previsto para ser R$1.002, o Temer disse que não será R$1.002, que vai ser R$998. Olha a mesquinhez: reduzir do trabalhador R$4. Já anunciou: vai reduzir R$4. Onde estamos? Aonde chegamos? E aí fica aquela pergunta - que é de uma música também: que País é este? Alex. O SR. ALEX MYLLER - É nesse sentido que eu lembro a fala de um advogado das centrais que esteve presente aqui e comentava um documento acerca da produção agropecuária brasileira que dizia como o gado ia ser tratado. Há toda uma preocupação para não estressar o gado. Então, o nosso trabalhador está menos bem tratado do que o gado. A gente deve lembrar do momento em que ele citou isso: foi na audiência pública sobre saúde e segurança no trabalho. Isso, portanto, é inaceitável, é imoral, é vexatório. É incompreensível que um país, que é o Brasil, que está há tanto tempo integrado no mundo ocidental, como nós conhecemos, dentro dos mesmos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade - nós não estamos falando de nações que estavam fora dessa lógica -, com 30 anos de Constituição democrática, esteja em nº 79 de IDH, e nós estejamos, desde esse tempo, entre as dez maiores economias do mundo. É isso que foi falado naquele dia lá de celebração do Dia do Trabalhador, e é isso que a gente tem que lembrar. É inaceitável isso. Obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos concluir. Eu só queria, enfim, dizer que isso que está acontecendo agora no Brasil é fruto desse time, como a gente fala, dessa gente que está aí: aqui no Congresso com a maioria e lá no Palácio. Calculem os senhores - e eles devem estar todos indignados tanto quanto nós por tudo que foi dito aqui hoje - se esse pessoal for vitorioso nas eleições, se eles elegerem a maioria no Congresso e mantiverem um time igual a esse ou semelhante a esse que está mandando no Palácio? Vejam a que ponto nós chegamos! É como dizia Ulysses Guimarães: "Quando está ruim te prepare que pode piorar!". Isso eu vivi com o Ulysses Guimarães, com o Covas na Constituinte, com o Lula, enfim, com aquele time todo lá, com o Cabral, com o Brizola - que vinha aqui seguidamente dar depoimento, embora ele não fosse Constituinte. E Ulysses disse, numa grande reunião, com todas essas figuras presentes: "Vocês se preparem que, quando está ruim, pode piorar!". Então, se nós repetirmos o que Tocantins fez, onde 52% anularam o voto, não foram votar, e quem não teve nem sequer a metade mais um está governando... Podem saber que os corruptos compram votos. E eles é que estarão aqui para continuar com o poder do mercado - leia-se, com muito, muito dinheiro na mão -, para deixar pior do que está hoje essa situação. Mas vamos resistir. Muito obrigado a todos. Vida longa à classe trabalhadora! (Palmas.) (Iniciada às 9 horas e 07 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 38 minutos.) |

