25/03/2019 - 11ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a 11ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 1, de 2019, de nossa autoria, para debater o tema: "Previdência e Trabalho", com foco na economia.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania - link: www.senado.leg.br/ecidadania - e do Alô Senado, através do número 0800 61221.
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Esta audiência pública faz parte de um ciclo de debates que estamos aqui fazendo desde o início já desta Legislatura, preocupados que estamos com a reforma da previdência. Com essa, já é a sexta audiência pública, sempre com o foco do dia. Hoje, é na repercussão na economia e no mundo do trabalho da reforma da previdência.
Já fizemos aqui dos professores, já fizemos dos trabalhadores rurais, fizemos uma geral, logo que chegou a proposta à Casa. Já temos uma programada para a segurança pública, um dia só para ouvir os empresários, e aí vamos levando esse ciclo. Haverá um dia da cidadania, um da dívida pública, e vamos avançando com tantas reuniões quantas forem necessárias.
Informamos que, por iniciativa do Vice-Presidente desta Comissão e deste Presidente, com o aval de toda a Comissão, nós já encaminhamos para o Plenário uma audiência pública para que haja lá um debate, a chamada comissão temática. Serão cinco a favor e cinco contra a reforma da previdência. Estamos esperando o dia que o Presidente Davi vai marcar. Mas os cinco convidados nossos já foram comunicados, estão esperando só o dia dessa comissão temática, que vai ser também muito importante. Vamos torcer para que seja ainda este mês, no mais tardar no mês que vem.
Eu faço essa abertura rápida e tenho um comunicado para fazer com uma certa... Eu não diria indignação, porque seria muito forte - eu até quero manter aqui toda a diplomacia que tenho tido como Presidente desta Comissão; o Capitão Styvenson sabe, todos os Senadores sabem -, mas eu lamento, lamento muito, porque eu esperei até 9h, antes de abrir, porque sempre abro às 9h, em ponto, sempre, esperando a chegada dos convidados. Os que nós tínhamos previstos estão aqui, mas infelizmente o Secretário da Previdência do Ministério da Fazenda não virá. Veio aqui um assessor agora, neste momento... Está aqui ele na Casa. Inclusive, o seu nome é?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Wildemberg veio aqui e nos comunicou que ele teve um compromisso de emergência em São Paulo, se não me engano, e não poderá vir. A gente lamenta, porque não é a primeira vez. De todo esse ciclo de debate, essa aqui deve ser a sétima audiência, sempre convidamos, para que aqui estivesse, o representante do Governo. E o representante do Governo infelizmente nunca pôde vir a nenhuma delas.
Olha, é para debater a reforma da previdência, que está movimentando, eu diria, toda a sociedade brasileira. Eu acho que não ajuda essa posição do Governo; não ajuda até para a gente avançar, seja qual for a conclusão final. Por isso percebo que há uma certa... Eu não diria insegurança, mas uma certa preocupação - olha, eu estou me preocupando aqui com os termos - uma certa preocupação com o próprio Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que tem demonstrado... Dá a impressão de que o Governo quer, mas não quer a reforma. Sei lá o que é isso.
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Eu não estou falando pelo Governo, estou dizendo pelo que ele tem colocado. E percebo que o Presidente aqui do Senado também, o Davi Alcolumbre, está com a mesma preocupação.
Eu acho que 90% do povo brasileiro não quer. Eu vou colocar 90%. Mas o debate sempre é importante. Eu sou um defensor do debate. Eu dizia para os convidados, Senador Styvenson, que já está aqui, que eu aqui, hoje, seria um mediador, como sempre fui. Eles vão expor o ponto de vista.
O meu papel como Presidente, e assim eu defendo que deveria ser - é a minha opinião - a posição do Presidente da Câmara e do Senado: eles não têm de ser defensor dessa ou daquela proposta, no exercício do cargo. No exercício do cargo, eles têm de estar como estadistas. O Executivo manda, o Legislativo recebe, abre o debate, e o Plenário vota. É assim que deveria ser.
Mas eu entendo a situação muito difícil por que passa o País.
Mas vamos lá. O que importa no dia de hoje é que estamos ao vivo para todo o Brasil. Nós anunciamos pelas redes que estariam aqui representantes do Governo e da sociedade civil. Infelizmente, alguns minutos atrás, quatro minutos atrás, eu fui comunicado de que o representante do Governo, mais uma vez, não virá.
Capitão Styvenson, antes de mesmo de iniciar os trabalhos.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN) - Sr. Presidente, bom dia. Bom dia a todos os que estão assistindo à TV Senado, às redes sociais.
É lamentável, porque, desde o início, desde quando abriu esta Comissão, eu estou aqui sentado nesta cadeira, assistindo a todos os debates, a quem ainda está dizendo que é contra, a quem está mostrando algumas falhas que devem ser moldadas. Eu estava aguardando este dia. Estava na expectativa de ouvir o outro lado.
Aqui estou vendo que o senhor está sabendo separar muito bem, muito bem mesmo. Estou aqui presente. Sou testemunha disso.
É lamentável. É lamentável que as pessoas que estejam em casa, que possam assistir...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E foi anunciado há três dias e hoje pela manhã, ainda ao vivo pelas redes, né?
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN) - Pois é.
Comigo também, eu acho que é um desrespeito. Eu sei que houve um caso excepcional, mas que mande alguém, que trague alguém para falar sobre este assunto. Ninguém aqui, eu pelo menos não sou contra que exista alguma forma de modificação na previdência. Mas, da forma que está, a gente precisa de esclarecimento. E é isso que o Governo tem de dar: esclarecimento para, através de argumentação, para nos convencer, porque, como o senhor mesmo disse, talvez isso não vá se mover um centímetro, da forma que está.
Então o parabenizo pela postura, por ter convidado insistentemente. Não foi uma vez só. Eu estou presente aqui e vejo a sua insistência em convidar as pessoas, os secretários, os Ministros, quem quiser falar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quem quiser.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN) - Quem quiser falar sobre esse assunto. Qualquer ser humano que estiver assistindo, que quiser debater e discutir e que for favorável pode vir para cá, argumentar e nos convencer. Não precisa ser partidário, não precisa ser agressivo. Precisa apenas nos convencer, não é, Paulo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É exatamente isto que nós queremos: suscitar o bom debate, qualificado e respeitoso, como sempre fizemos aqui nesta Comissão.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN) - Há que se esperar, mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos esperar a próxima. Mas vamos insistir. E eu continuarei insistindo.
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Senador Girão, eu estava aqui falando neste momento que, infelizmente, antes mesmo de formatar a Mesa, os representantes que tinham uma posição contrária... E havia um secretário executivo do Governo com os seus assessores, ele poderia colocar na Mesa quantos quisesse, poderia colocar dois, três para conversar junto com ele, mas, na última hora está aqui o assessor do secretário executivo, do Leonardo Rolim, dizendo que não poderão vir, que, por um motivo, segundo eles, de força maior, não virão. Daí eu estava, inclusive, comentando, porque existe uma preocupação muito grande, e o Presidente da Câmara tem demonstrado a sua preocupação, o próprio Presidente do Senado, e nós outros também aqui, Senador Eduardo Girão que sempre está aqui presente.
Hoje nós esperávamos ver o contraditório. Que falassem dois ou três, pois não haveria problema nenhum. Isso foi orientado. O secretario me garantiu que viria, o Leonardo Rolim, e há questão de minutos é que eu fiquei sabendo que ele não virá. Então, falarão três pessoas para preencher o espaço aqui na Mesa, que terão uma visão semelhante, creio eu, creio eu. E alguém vai perguntar: "Mas ninguém fala pelo lado do Governo?" Não é por falta de convite. Eu já mandei convite, mando convite todas as semanas, porque todas as audiências, na segunda-feira pela manhã, são para debater a previdência e de preferência com o mesmo número de convidados. O problema é que não achamos quem venha, não encontramos. Eu fiz um apelo até a pessoas da sociedade civil, a algum economista que quisesse vir. Será bem-vindo aqui, ou alguém representante dos mais variados setores.
Nós vamos fazer uma só do empresariado. Quando eu falo empresariado, é de uma forma muito carinhosa, respeitosa e propositiva, do setor empreendedor, seja banqueiro, seja grande empresário, seja médio empresário, para eles virem aqui, colocarem o nome. Vamos fazer esse convite para a Fiesp, para a CNI, para a Federação dos Bancos. Se os senhores ajudarem será muito bom. E vamos insistir, setor financeiro, todos para que venham aqui e coloquem o seu ponto de vista.
Senador Eduardo Girão com a palavra, sempre presente aqui na Comissão e nos debates no Plenário.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE. Pela ordem.) - Senador Paulo Paim, muito bom dia! Presidente desta Casa, com muita honra estamos aqui juntos, Senador Capitão Styvenson, demais convidados que já vão participar de mais esta audiência que tem sido coordenada de uma forma muito obstinada por V. Exa., que tenta buscar o contraditório, que tenta buscar diversos ângulos na sociedade.
Eu queria também aproveitar e sugerir uma Mesa em algumas dessas segundas-feiras. Eu tive oportunidade de conhecer alguns juízes também. Acho que essa área da magistratura é muito importante. Eu tenho até sugestão de nomes para passar para V. Exa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Excelente sugestão, do Judiciário.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Do Judiciário.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aí ficam os três Poderes.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Exatamente, muito importante.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Que essa audiência seja... V. Exa. deve encaminhar o requerimento para a Mesa com os nomes, e nós vamos colocar... Por exemplo, só como contribuição, eu estou falando um pouquinho mais porque depois eu não falo mais. E os senhores falam em qualquer momento. Eu estou esperando chegarem um pouco mais e aí as pessoas ficam na expectativa de que vai falar em seguida o professor, economista e um estudioso nessa área, Eduardo Moreira; vai falar o economista e também estudioso Clovis Scherer, que falará pelo Dieese; e o Leonardo Rolim, inclusive, não veio. A sua equipe não veio. E nós convidamos também o Sr. Roberto Piscitelli. Está certo?
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Roberto Piscitelli é do Conselho Federal de Economia e vem falar a visão do Conselho Federal de Economia. Então, eu acho que abre um pouco o debate.
Então, fica assim acertado, Senador Eduardo Girão, porque o Senador Styvenson já encaminhou um sobre... E, nesse dia, nós vamos ficar juntos na Mesa. Eu vou para o Plenário, sem problema nenhum, mas, nesse dia, pela sua iniciativa... Porque a minha intenção aqui também é não ficar sempre eu presidindo. Como a iniciativa veio do Senador, o Senador preside, e eu ou fico aqui do lado acompanhando ou vou para o Plenário, sem problema nenhum, mas, nesse dia dos juízes, a presidência - já fica acertado - vai ser de V. Exa. E, no dia da segurança pública, será o Capitão Styvenson.
Eu acho que é bom isso. Eu dizia antes para o Eduardo que esses meus últimos oito anos - já estou com quase 70 - são para fortalecer as lideranças novas. Alguns não entendem isso e ficam achando que eu estou... Eu estou aqui para fortalecer as lideranças novas. Esse é o meu papel. Se eu puder deixar um legado para este País, depois de mais de 40 anos de vida pública - são mais de 40 já de vida pública... Só no Congresso, vou completar 40 no fim deste mandato, mas estive também lá fora. Eu acho que é isto: fortalecer as novas lideranças para o nosso País. Nosso País está precisando muito de novas lideranças.
Vamos lá?
Convido, com enorme satisfação, dizendo que, no primeiro momento, o Frei David, que está presente, foi quem fez o contato comigo: "Paim, convida o Eduardo Moreira, professor, economista, liderança jovem. Está tendo uma posição muito firme em relação a esse tema". Eu, de imediato, liguei para ele. Sei que a agenda dele é disputadíssima. Estou sabendo. Não precisa você falar, porque eu vou falar. Todo mundo quer vê-lo presente em todos os lugares. Eu liguei para ele, ele me atendeu na hora, falamos um pouco, depois ele me ligou de novo, falamos um pouco mais, e ele está aqui presente para fazer a exposição. Perguntei-lhe se ele poderia ser o primeiro, porque alguns gostam de ser os últimos a falar. Ele disse: "Não, posso ser o primeiro! Não importa quem esteja aí. Eu falo em primeiro lugar sem ter problema nenhum".
Então, com uma salva de palmas, eu convidaria o escritor, professor e economista Eduardo Moreira. (Palmas.)
Parabéns pelo trabalho que vem fazendo em todo o Brasil.
Convido o Sr. Roberto Piscitelli, que vem falar pelo Conselho Federal de Economia. Ele é que faria o equilíbrio aqui, talvez, às posições divergentes. (Palmas.)
Clóvis Scherer é Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos, Dieese. Todo mundo sabe a importância do Dieese para o nosso País. (Palmas.)
E, neste momento, então, eu peço que a assessoria recolha, infelizmente, a placa do Secretário da Previdência do Ministério da Fazenda, Sr. Ronaldo Rolim, que, infelizmente... Esse é o depoimento que eu tenho de dar: infelizmente só. Eu não usei nenhum outro termo. Ele não vem representando a proposta do Governo e a sua equipe, porque estavam ele e a equipe convidados. Poderiam colocar na Mesa quantos eles quisessem.
O.k., assunto encerrado. Vamos em frente.
De imediato, para ganharmos tempo, porque foi anunciada muito esta audiência de hoje... Então, o Brasil, pode ter certeza, e milhões de pessoas estão esperando. Seria a primeira vez que haveria o contraditório: falariam dois a favor, dois contra e, se um estivesse em minoria, eu daria um tempo maior. Isso foi tudo avisado: teria um tempo maior para poder se expressar.
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De imediato, Eduardo Moreira, professor, economista, estudioso, enfim... Eu não vou ler o currículo dele aqui. É ele quem fala, e os senhores falarão em seguida.
Sejam todos bem-vindos.
A palavra é sua.
Trinta minutos para cada um, porque foi esse o combinado com o representante do Ministro. Uma exposição de 30 minutos para cada um, porque hoje, para mim, seria o dia mais nobre, com todo o respeito a todos os convidados, neste primeiro momento. Virão outros agora, não é? Cada um deles falaria 30 minutos, e teríamos o contraditório das partes. Esperamos que atinja o objetivo.
A palavra é sua.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Bom dia, Senador Paim.
Bom dia, colegas de Mesa.
Bom dia, Senadores.
Agradeço demais a oportunidade aqui. A ponte foi o Frei David, por quem tenho uma admiração enorme, pelo trabalho que faz com o movimento Educafro e com todo o movimento negro neste País. E vejo na figura dos Srs. Senadores não uma pessoa, mas centenas de milhares de pessoas que elegeram os senhores. Eu acho que a discussão hoje em dia está caminhando para um lado muito pessoal, e as pessoas se esquecem de que por trás do Senador Girão, de que por trás do Senador Styvenson existem centenas de milhares de brasileiros que não podem estar aqui, mas que têm os senhores aqui. Muitas vezes a gente acaba pensando nos grupos que elegeram, nas bancadas, etc., e a gente se esquece de que esta é uma Casa que representa os 200 milhões de brasileiros e não aquelas pessoas que permitiram a alguém se eleger ou não. Então, vejo na figura dos senhores e honro, olhando para os senhores, as centenas de milhares de brasileiros que elegeram os senhores.
A ideia hoje é falar um pouco sobre a reforma da previdência e trazer um pouco de luz a um tema que também tem sido tratado de uma forma quase que publicitária, muito marqueteira, dos dois lados, Senador. Eu acho que existe um desconhecimento muito grande, e não há problema nenhum em ter opinião. Aliás, uma democracia é formada por opiniões, e por opiniões distintas. A gente só consegue formar um conjunto maior quando junta ideias divergentes. É a chance de a gente atravessar o muro e descobrir o que tem do outro lado. E nessa reforma da previdência as pessoas têm, como efeito das redes sociais, lido cada vez mais aquilo que já acreditam, têm reforçado cada vez mais uma ideia preconcebida que lhes foi dada, e isso está quase que inviabilizando o debate. Então, a ideia é trazer dados para que as pessoas possam, a partir de dados reais, de fatos, ter, cada um, a sua opinião, e aí aquela que for a opinião preponderante no País deveria ser a opinião adotada.
Eu começo falando um pouco sobre o déficit fiscal. O que motivou essa pressa toda para a gente ter a reforma da previdência foi o déficit fiscal que existe no País. O que quer dizer o déficit? A gente tem despesas no País que são maiores que as receitas.
Agora, de onde vem esse déficit e por que ele existe? O Brasil teve contas, considerando o resultado primário, que é a forma como a maior parte não só do mercado , mas dos institutos olha as contas públicas, o resultado primário, ou seja, excluindo-se os juros, positivo até 2014, e a partir de 2014 a gente teve um déficit que foi crescente, atingindo R$120 bilhões no final do ano passado, considerando-se sempre os últimos 12 meses.
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Agora, vamos entender um pouco de onde vem esse déficit. Se você for pegar desde 2005 e usar ali uma base 100 para a economia... Quer dizer o seguinte, vamos começar a contar o tempo a partir do final de 2004 e ver como a nossa economia cresceu de 2004 até hoje. Você vai ver que ela cresce, até 2014, terminando 2014 40% acima de como começou 2005. Depois, decresce, na maior recessão que este País enfrentou durante dois anos seguidos, na história recente. Depois cresce bem pouquinho até chegar, no final do ano passado, a 33% acima de como começou 2005.
De 2005 a 2013, antes de começar essa desaceleração abrupta, a gente teve um crescimento médio da economia de quase 4%, de 3,82%. Então, fiz um exercício simples que foi o seguinte: e se, a partir de 2013, tivéssemos crescido um índice que é considerado para países emergentes e para a história recente do País, medíocre, metade dos 3,82%? Onde estaríamos hoje? Se tivéssemos crescido 2%, após 2014, estaríamos hoje 54,76% acima do nível em que fechamos 2014. Ou seja, a gente estaria 15,58% acima de onde a gente está hoje em termos de Produto Interno Bruto, no País. O Produto Interno Bruto do País é de R$6,8 trilhões. A gente teria um Produto Interno Bruto adicional, ou seja, uma quantidade de riqueza gerada todo ano no País, adicional, de R$1,059 trilhão, com o crescimento medíocre de 2% ao ano, menor do que todos os nossos pares no Mundo e do que a maioria dos nossos pares na América Latina.
Levando-se em consideração que a carga tributária brasileira oscila, independentemente do Governo que passa, entre 31% e 33% do PIB, ao longo das últimas décadas, considerando-se 32% de arrecadação - algo até conservador, dado o que a gente teve nos últimos anos -, a gente teria uma arrecadação adicional de R$338, quase R$339 bilhões. Só que nem tudo isso vai para o Governo Federal, só 68% dessa arrecadação é do Governo Federal. Isso significaria, com 68%, R$230 bilhões a mais para o Governo Federal. Ou seja, é bom começar de uma análise simples para as pessoas compreenderem o seguinte: o déficit acontece porque o Brasil não cresceu. Se o Brasil tivesse crescido minimamente, ao longo dos três últimos anos.... E a gente vai discutir aqui a questão do ovo e da galinha, se a gente não cresceu por causa da previdência ou se o déficit da previdência veio porque a gente não cresceu. Mas o fato é que se o País tivesse crescido 2% ao ano, metade do que cresceu entre 2005 e 2013, a gente teria hoje um superávit primário de mais de R$100 bilhões no País.
Mas a gente tem ouvido muito que o principal motivo desse déficit é a previdência. E aí eu trago um questionamento, que é um questionamento importante: como podemos estar querendo votar uma das propostas mais importantes do País... É uma das mais importantes porque é uma proposta que diz respeito a cada cidadão brasileiro. Tantas propostas que a gente tem de novas leis, de reformas, vão atingir, no máximo, 5% da população, 2% da população, 10%.
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A gente está falando aqui de uma proposta que afeta 100% da população brasileira. São poucos momentos em que a gente para discutir isso. E como a gente pode estar com uma pressa tão grande de aprovar uma coisa que, se você der um Google sobre déficit da previdência - dê um Google; eu fiz isso na semana passada -, você vai ver: previdência tem déficit de 195 bilhões; rombo da previdência aumenta para 290 bilhões no mesmo ano; a farsa chamada déficit da previdência; déficit do INSS é de quase 200 milhões; CPI confirma: não tem déficit na Previdência Social, a CPI que o senhor, com muita eficiência, presidiu; e rombo da previdência é uma mentira? Como podemos estar apressando uma questão onde a sociedade não sabe ao certo chegar aos números? E, talvez aqui, esse é um dos maiores objetivos. Vamos entender os números que se jogam na mídia para podermos ter opinião. A gente tem o direito de ter uma opinião desde que... É o quê? É 290? Ou é 195,2? Se você pesquisar nos sites oficiais do Governo, você vai ver números diferentes para a mesma coisa. Então, a gente não pode tomar uma decisão que impacta a vida de 210 milhões de brasileiros sem saber o problema. Aqui é uma tentativa de jogar um pouco de luz nessa questão.
Existem, no mínimo, três visões sobre as contas da previdência. E entendermos cada uma das visões nos ajuda a formar a nossa opinião sobre o tema. A primeira delas é aquela visão mais simples que diz o seguinte: olha, a gente tem que considerar somente aquilo que o trabalhador e a empresa contribuem para o INSS, para o Regime Geral da Previdência Social e a quantidade de benefícios que são pagos todo ano. Tem muita gente que fala isto: existe um rombo na previdência porque se contribui com tanto para o INSS e gasta-se tanto para o INSS. Aí você vai ver que, usando essa conta, que vários jornais e sites dizem, existe um déficit, em 2017, de R$182 bilhões, ou seja, as contribuições do RGPS, as contribuições sociais previdenciárias, sem contar as não previdenciárias - vamos ver adiante -, somam 374 bilhões e as despesas, 557 bilhões. Aí você já tem um problema.
Einstein dizia que a média é um perigo, porque, se você estiver com metade do seu corpo no forno e metade na geladeira, na média, você está na temperatura ambiente e, na prática, você está morto. Aqui a gente está considerando dois subconjuntos: o RGPS para o trabalhador urbano e o para o trabalhador rural. O trabalhador urbano é aquele onde a previdência tem, estruturalmente, uma natureza contributiva. É onde se buscou, ao determinar as leis, uma lógica atuarial. E, na previdência urbana, ali entre 2010 e 2015, você chegou a ter um superávit, ou seja, nessas contas, olhando só a da urbana, é maior o que você arrecadou, entre 2010 e 2015, do que o que você gastou com os trabalhadores urbanos.
O trabalhador rural foi incluído na Constituição de 1988 para se fazer justiça social, porque passou décadas sendo aquele boia-fria, safreiro, meeiro, que não tinha a menor condição de sobreviver quando as intempéries...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ...estava lá. E é exatamente isso que foi debatido na época.
O SR. EDUARDO MOREIRA - ...quando as intempéries climáticas faziam com que ele não conseguisse colher nada. E aí? Vamos deixá-lo à própria sorte e vamos trair aquele grupo que coloca mais de 80% das verduras e legumes que comemos na nossa casa? Porque mais de 80% do que comemos na nossa casa vêm do pequeno agricultor rural. Então, a Constituição de 1988, com muita justiça, resolveu dar a essas pessoas um mínimo de condição de vida. E ali elas passavam a ter que comprovar que trabalharam durante 15 anos para poder ter direito a esse benefício. Logo, inicia-se com o estoque de pagamento a se fazer sem nenhuma contribuição. É claro que é, estruturalmente, deficitária, mas a função dessa previdência não é equilibrar as contas. É equilibrar uma injustiça social. (Palmas.)
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A previdência do trabalhador rural existe para equilibrar uma injustiça social. Mas essa não é a visão da Constituição, porque o senhor, como Constituinte, sabe que, em 1988, criou-se um pacto social, um pacto copiando, simplesmente - não inventamos a roda -, o que aconteceu na Europa, o que aconteceu no Estados Unidos, que agora é tão exemplo para o Brasil. A gente criou uma rede de proteção social: a Seguridade Social, social security, securité sociale, que é o quê? Ela compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade - prestem atenção - destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social. Os três fazem parte de um grupo só. É a Constituição que diz.
E aí ela diz o seguinte: que compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a Seguridade Social - vejam bem - com base nos seguintes objetivos: diversidade da base de financiamento. A Constituição diz. Não é só mais aquilo que é contribuído para o RGPS.
E aí um ponto que acho importante, que quis trazer, que é o seguinte: com a participação da comunidade, em especial, de trabalhadores, empresários e aposentados. E eu sei que aqui ela se refere ao Conselho Nacional da Previdência Social, que foi criado, mas para mim é muito mais amplo do que isso. Quando você abre hoje os jornais, assiste ao noticiário, você vê o seguinte: representantes dos bancos, que são os macroeconomistas que sentam lá no ar condicionado... Quando você liga a televisão, até aqui na TV Senado, você vê o quê? Brancos, ricos, que vivem o dia inteiro no ar-condicionado, comentando sobre a questão da previdência. E a pergunta que eu faço é a seguinte: quantos negros já foram ouvidos no Jornal Nacional, já foram ouvidos no Jornal da Bandeirantes, no Jornal do SBT, nas primeiras páginas dos principais jornais do Brasil? Quantos negros foram ouvidos falando sobre isso? Quantos representantes dos trabalhadores rurais? Quantos representantes das pessoas que mais vão ser impactadas por essa previdência estão sendo ouvidos? Ora, por quê? Porque quem veste um terno, trabalha no ar-condicionado e tem mais dinheiro é mais inteligente? Veja a importância da representatividade.
Este Governo é o governo que mais tem militares de todos os últimos governos. O que aconteceu com as regras da previdência dos militares? Foi mais amena ou foi mais rígida do que as outras? Ela foi mais amena. E por quê? Porque é importante a empatia. O militar que está lá ele sabe o que é uma carreira militar. Ele sabe lutar pelos direitos daquelas pessoas. E a gente no Brasil também está pegando raiva de militar. A gente esquece que o militar está lá distribuindo água no Nordeste também. O militar está lá junto com os bombeiros no desastre de Brumadinho...
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Foram ao Haiti.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Foram ao Haiti, onde fizeram muito bem a sua missão lá. A gente está conseguindo um absurdo: tirar a credibilidade de uma das instituições que têm a maior credibilidade no Brasil, que são os militares. Agora, se ter militares ajudou o Governo a ser empático com os militares, ter negros no Governo, ter mulheres no Governo... (Palmas.)
... mais que somente duas, faz também o Governo ser um governo empático a essas causas.
A Constituição diz isso. E, quando o Ministro da Economia diz que "é R$1 trilhão, senão eu estou fora", ele não leu a Constituição Federal, porque, em uma questão que, constitucionalmente, exige o debate com todas as classes, ele não pode colocar o País contra a parede.
E, aí, no seu próximo artigo, o art. 195, ele diz claramente que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, e com as seguintes contribuições sociais - e explicita todas elas: a Cofins - Contribuição para Financeira da Seguridade Social, o PIS/Pasep, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, além do RGPS, que é do trabalhador e dos demais segurados da previdência social. E, quando você olha o que a Constituição diz e faz a conta, sendo estritamente fiel àquilo que a Constituição diz, você chega a uma receita que bateu R$780 bilhões em 2017 e a um total de despesas de R$837 bilhões em 2017. Ou seja, seguindo o que manda a Constituição, até 2015, tivemos um superávit nas contas da seguridade social. Os números estão todos aí. Contra os números a gente não pode brigar. A matemática... Eu brinco, às vezes, quando eu estou dando uma aula, dizendo o seguinte: você não pode pular para cima e torcer para continuar subindo, porque, se você pula para cima, você cai para baixo. Não adianta você somar dois e dois e torcer para dar cinco. Dois e dois dão quatro.
Então, o que a Constituição diz, colocando-se no papel, faz com que a previdência, até 2015... Não a previdência, a seguridade social, até 2015, tenha um superávit e, a partir de 2015, exatamente 2016, 2017, quando o País começa a decrescer, a gente passa a ter um déficit. E, aqui, há um dado interessante: em 2015, a gente já tem déficit do superávit primário, mas ainda tem superávit da seguridade social. Olha que interessante!
Se a gente tivesse, hipoteticamente - isso aqui não é necessariamente uma sugestão -, um fundo onde todo o superávit que a gente teve nessa conta que a gente fez na Constituição tivesse sido guardado e atualizado quando a gente teve uma recessão no País, a gente ia olhar para esse fundo e veria que lá haveria mais de R$1 trilhão, e esse fundo amorteceria um movimento de crise, porque todos os países passam por crises. Só que não! Todas as vezes que o sistema de seguridade social teve um superávit, esse superávit foi gasto. Onde foi gasta a maior parte dele? Com os juros da dívida ou para financiar outros regimes, como o regime próprio. E, aí, no primeiro ano em que há déficit, a gente fala o seguinte: "Vamos mudar todas as regras e cortar".
Que País é este que, quando tem sobra, gasta e, quando tem falta, corta? Você não consegue ter nenhum tipo de estabilidade ou política de longo prazo funcionando assim, porque o mundo não cresce como uma reta, o mundo cresce com ondas. Existem ciclos econômicos.
E, aí, eu faço uma pergunta: se era estruturalmente deficitária, por que criaram a DRU, que é o mecanismo de Desvinculação de Receitas da União, que hoje tira até 30% das contribuições sociais, as não previdenciárias?
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Como é que você cria uma coisa que desvincula receitas de uma coisa que dá prejuízo? É claro que sempre deu superávit e ajudou a financiar o resto do orçamento fiscal. Agora, no momento em que precisa, a gente diz que tem que cortá-la.
E, aqui, a visão do Governo e a visão que a mídia tem passado. Pega-se aquilo que a Constituição estabelece como a Seguridade Social e, além disso, você coloca o regime próprio dos servidores, que é o regime próprio de previdência. Só que ele não faz parte da Constituição. E você pega também e coloca os militares.
A conta é tão confusa que até 2016 somava-se nessa conta aquilo que os militares da reserva recebiam. Só que não existe contribuição previdenciária para se encaixar com a despesa previdenciária, vamos chamar assim, dos reformados, simplesmente porque ele não é considerado um aposentado. Ele é considerado um da reserva.
Então, isso é um ônus da sociedade, ter que pagar como um salário e, aí, a partir de 2016, isso passa a ser contabilizado como um militar da ativa, como soldo. Só que está tudo misturado nos dados do Governo.
Então, ali, chegamos ao número 290 bilhões, mas temos que entender que esses 290 bilhões representam o RGPS, que é estruturalmente superavitário, com o RPPS, que hoje - hoje - é estruturalmente deficitário e é onde estão aqueles privilégios que os jornais adoram falar, do sujeito que se aposentou com 30 mil, 40 mil. E, aí, um ponto interessante: essa injustiça já foi corrigida em 2013, porque, desde 2013, o servidor público não pode se aposentar com valor acima do teto, aquele que entrou no sistema depois de 2013.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Que é R$5,9 mil.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Que é R$5,9 mil, é a fortuna de R$ 5,8 mil para uma pessoa que dedicou a vida inteira também à Nação.
Vamos parar de ter raiva também de político. Como é que a gente pode ter raiva de político aqui? E falo, um líder da base falou uma coisa muito bacana, eleito por São Paulo, o Major Olímpio, na TV Senado, outro dia, falou assim: "Estão colocando a população com ódio do servidor público" e é muito paradoxal ter um Governo que fala que tem que ser patriota, nós temos no Brasil que ser patriotas, nós temos que no Brasil cantar o hino todos os dias, mas temos que odiar aqueles que representam a Nação, porque Nação é o grupo, o Estado é a pessoa jurídica que representa esse grupo. Como é que a gente vai ter ódio daqueles que nos representam?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Major Olímpio é Líder do PSL, que é o partido do Governo.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele demonstrou também na Comissão de Economia e questionou também essa história do déficit. Ele disse lá: "O Paim, está aqui, presidiu a CPI da Previdência, disse que não tem déficit" - é o que você está explicando - "e outros dizem que tem. Digam-me - havia um painel montado - tem ou não tem?". Ninguém respondeu para ele - ninguém respondeu para ele.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Mas os números estão aqui. Contra números, esses números são indiscutíveis.
Eu cheguei nos 290 bilhões que o Governo mostra e mostrei como se chega nos 290 bilhões. Como se chega? Desrespeitando aquilo que a Constituição nos manda fazer. E, aí, duas perguntas chaves surgem. A primeira: o déficit da previdência freou a economia ou foi a economia fraca que gerou o déficit da previdência? E a segunda pergunta: para onde iria a economia do R$1 trilhão desejada e de onde ela vem? Porque aqui eu provoco todos os senhores a pensar não mais em dinheiro, mas em riqueza. Pensar só em dinheiro confunde muito a gente, porque dinheiro é uma coisa potencialmente infinita. A gente constrói mais 10 casas da moeda, coloca para imprimir dinheiro lá e, às vezes, a gente fica com a impressão de que... "Olha, cortou um trilhão". De onde? "Ah, do orçamento", como se o Orçamento fosse um ente privilegiado, que se aposentou com muito dinheiro ou mora nas Bahamas. E vai um trilhão para...
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Não existe, toda a riqueza que vai para um lugar vem de outro. A riqueza é limitada, é finita. A água que os senhores estão bebendo, os biscoitos que nós comemos antes de vir para cá, a madeira que faz isso aqui são as riquezas que temos. A inteligência que os senhores têm, a energia que têm para poder vir andando até aqui isso é a riqueza, e a riqueza é limitada, a riqueza não é infinita.
Todo ano, ela é acrescida daquilo que se gera de riqueza no País, o Produto Interno Bruto, e todo ano ela é de decrescida também daquilo que se consome de riqueza para poder sobreviver.
Por natureza e por definição, toda a sociedade consome riqueza para poder sobreviver, mas a soma daquilo que a gente tem, consome e produz é finito. Logo, se vai para um lugar tem de vir de outro.
E essa pergunta tem que ser feita: De onde vem o 1 trilhão que o Governo quer economizar? Essa é a pergunta mais importante. E para poder responder a essas perguntas eu queria puxar um tema aqui que é a questão chave do nosso País, que é a seguinte: A máquina de desigualdade existente neste País chamado Brasil.
Esse é um gráfico, Senador Paulo Paim do Word Inequality Report, a maior instituição do mundo, com dezenas de milhares de funcionários e colaboradores no mundo inteiro, que estuda a desigualdade, e desde de 2005, mais ou menos, o Brasil passou a ser o país do mundo que mais concentra renda no 1% mais rico.
Veja bem, a gente está falando de fluxo, de renda, e não de estoque, riqueza. O Brasil Desde 2005... A gente perdia para o Oriente Médio, que os sheiks, os sheiks concentram quase toda a renda do Oriente Médio.
Bem, hoje os nossos sheiks são melhores que os deles. Nós somos o país, volto a repetir, que mais concentra renda do mundo. Mais do que os países subsaarianos, aqueles países como a República do Congo, a Etiópia, mais do que todos esses. A gente é o sapo na panela que foi sendo aquecida, e não percebeu que a panela estava fervendo.
E aí a gente tem que entender como é que existe essa máquina de desigualdade no Brasil. Primeiro, é o seguinte: a gente tem como elemento redistributivo de renda no País os impostos. Em qualquer país do mundo, o maior elemento redistributivo de renda que existe são os impostos. E aqui temos um gráfico de como os impostos sobre bens e serviços, que compõem 50% da carga tributária do Brasil arrecadada, sobre como é que eles estão em relação ao resto do mundo.
Nós somos, segundo o estudo da OCDE, de todos os países estudados, o segundo país que cobra a maior alíquota de produtos e serviços do mundo, e esses são os impostos que impactam os pobres.
Por quê? Porque tudo que o pobre ganha ele gasta, tudo que o pobre ganha vira bens e serviços. Aí, já há uma informação muito útil para todo mundo: Todo dinheiro da Previdência Social que é apago no RGPS - no RPPS ninguém ganha mais do que o teto lá de pouco mais de R$5 mil, ninguém ganha mais -, todo esse dinheiro, imediatamente depois que é ganho ele é gasto. Metade desse dinheiro, portanto, volta automaticamente para o Governo como impostos. Se você somar o que volta para o Governo como impostos daquilo que é pago pelo RGPS, imediatamente ele também vira superavitário em qualquer situação e muito superavitário. Já os juros da dívida quem recebe são as pessoas que têm mais dinheiro. Esse dinheiro recebem e poupam e, ao pouparem, ele não volta para o Governo como impostos imediatamente e ele trava. É por isso que existe um estudo que mostra que quando você... Estudo do FMI. Não existe uma organização mais de direita, mais neoliberal do que o FMI. O FMI diz... Christine Lagarde, Diretora-Gerente do FMI em 2015, diz o seguinte: O FMI, nos seus estudos, mostra que, quando você aumenta aquele 1% mais rico, você aumenta a parcela de renda dele em 1%, a economia decresce em cinco anos 0,08% ao ano o PIB. Já, se você aumenta os mais pobres do País 1% da renda a que eles têm direito você aumenta 0,38% o PIB. Por quê? Porque o dinheiro que vai para o mais rico vira aplicação, vira estoque. O dinheiro que vai para o mais pobre vira fluxo, vira atividade econômica. É só pensar numa planta. É regar na folha e regar na raiz. Quando você rega na raiz, a planta absorve toda a água. Quando você rega na folha, muito fica na folha e pouco cai na raiz, alimentando a planta. E se a gente não tomar cuidado, a planta morre. E esse outro imposto que é usado para distribuição, que é o imposto sobre renda. Esses dados são dados do Ministério do Planejamento. Entre aí no site do Ministério do Planejamento. Não é dado de nenhum site de esquerda, não, dados oficiais do Governo. O Brasil é o país do mundo que menos cobra alíquota de imposto sobre renda, lucro e ganho de capital de todos os estudados. Somos um paraíso fiscal para os ricos. Essa é a verdade. A maior parte da renda dos ricos é recebida via dividendos e os dividendos são isentos. Só nós e a Estônia não tributamos dividendos no mundo, no mundo inteiro. Eram quatro. O México e a Eslováquia também não tributavam e passaram a tributar. Só nós e a Estônia. Só que somando tudo, a Estônia tem uma carga tributária maior que a do Brasil. Perdoem-me a palavra, mas é estúpido não cobrar dividendos, porque se você é dono de empresa e tem um imposto dentro da empresa só e nenhum imposto fora, o seu estímulo é deixar o dinheiro na empresa ou tirar o dinheiro? É tirar o dinheiro. Agora se você tem essa carga tributária dividida entre os dois, você fala assim: "Enquanto o meu dinheiro estiver na empresa, eu não pago esse imposto. Vou mantê-lo na empresa". E, quando você mantém na empresa, você está investindo em produtividade. Somando os dois, o que se paga dentro e fora da empresa, no Brasil a gente paga menos de 30%, porque a gente tem a figura do juro sobre capital próprio também, que é mais uma moleza que o empresário tem no País. E a gente quer ser igual os Estados Unidos. Nos Estados Unidos, somando os dois, o empresário paga 57%. A gente quer ser igual à França. Na França, somando os dois, o empresário paga 64%. A gente quer ser igual a Austrália. Na Austrália, somando os dois, o australiano paga 49%.
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E aí o que acontece? Acontece o seguinte: 1% mais rico, do dinheiro que ele ganha, ele poupa quase tudo e gasta pouquíssimo. E 90% mais pobre consome tudo aquilo que ele ganha. Não sobra dinheiro para poupar. O dinheiro que o rico gasta ele paga o imposto sobre bens e serviços, mas é tão pouco perto do total, que proporcionalmente ele paga um imposto muito pequeno perto do total. Já tudo aquilo que ele poupa, ele poupa e recebe o quê?
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Juros do Governo. E esses juros que ele recebe são pagos com quê? Vamos seguir o dinheiro até o final, como diria o jornalista do escândalo Watergate: "Follow the money!" - "Vamos seguir o dinheiro". Esses juros que ele ganha na parcela que ele poupa são pagos pelos impostos que ele mesmo paga e que o pobre paga. Os ricos fazem as suas fortunas com juros pagos pelo governo que são financiados pelos impostos pagos pela população - está aqui, a nossa maior especialista nisso, Maria Lucia Fattorelli, que não me deixe falar besteira -, e aí eu sempre falo, porque o rico no Brasil tem mania de falar o seguinte: "Olha, eu até pagaria mais imposto se houvesse pelo menos no País educação de qualidade, saúde de qualidade, boas estradas". Aí eu falo assim: "Meu amigo, o dinheiro que você tem foi um dinheiro acumulado em cima dessa estrutura aqui, de juros. E você tem dinheiro hoje para comprar um bom carro, para ter um bom plano de saúde, para botar os seus filhos numa escola particular boa, então o seu imposto volta como educação, volta como saúde, volta como transporte. O imposto que não volta é o imposto do pobre, esse imposto não volta". E com isso a gente tem uma máquina de desigualdade dos pobres para os ricos.
E aí, Senador, esses são os números da dívida pública, essa é a engrenagem dessa máquina de desigualdade, números do Tesouro Nacional: uma dívida pública federal total, anunciada e divulgada pelo Tesouro, de 3,8 trilhões - ele só deveria colocar lá em cima o seguinte: "Estoque da dívida pública federal líquida", porque a dívida pública federal é superior a R$5 trilhões, e não é de R$3,8 trilhões. O custo médio dessa dívida as pessoas se enganam: "Ah, o custo da dívida no Brasil é 6,5%, porque a Selic..." - não é: o custo médio da dívida no Brasil é de quase 10%. Isso faz com que, só de juros, a gente pague quase R$500 bilhões por ano. Só que tem dívida que vence, porque dívida vence, e aí a gente tem... Só nos próximos 12 meses - esse relatório que eu tirei foi o último - R$600 bilhões vencendo, ou seja, no próximo ano temos mais de R$1 trilhão para pagar para os detentores dessa dívida, que são pessoas que estão com dinheiro parado, que é um dinheiro que não volta: como a Cofins, que é um dinheiro que não volta; como o PIS. Quanto mais você aumenta a desigualdade, mais você aumenta o dinheiro que está desse lado e mais diminui o do outro, porque a riqueza é finita, a riqueza sai de um lugar e vai para o outro.
Não existe aquela história: "Ah, vamos levantar a maré para todo mundo". A Oxfam, outro instituto que estuda isso, fez um estudo interessantíssimo. Tem muita gente que fala: "Vamos crescer o bolo", etc. Se você, só crescendo o bolo ou levantando a maré, quiser fazer com que no mundo, com a distribuição de renda atual que existe no mundo, todas as pessoas vivam com no mínimo R$5,5 dólares por dia - estamos falando de menos de meio salário mínimo -, só para saírem da faixa de pobreza, o mundo teria que crescer 175 vezes para isso. Só que o mundo cresce 3% ao ano, quando cresce bem.
E aí o resultado: na maior crise da história - e isso são coisas que eu tirei também da internet; vivemos a maior crise da história recente do País -, quais as notícias que a gente, ao abrir a internet, vê? "Vendas de carros importados cresce 32% em 2018" - o mercado de luxo nunca esteve tão forte. E aqui: "Com lucros recordes em 2017, bancos fecharam mais de 17 mil postos de trabalho". E aqui uma confusão grande: as pessoas às vezes dizem: "Ah, a bolsa está subindo, então é sinal de que a economia está bem".
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Bolsa é o valor de mercado das empresas, e o valor de mercado das empresas só tem a ver com o lucro que a empresa tem. Nesses últimos anos, as ações dos bancos subiram, e os bancos demitiram: 17 mil, em 2017. É esse o termômetro? De 2014 até hoje, a bolsa subiu de 44 mil pontos para cem mil pontos. Nesse período, foram milhões de desempregados a mais; foi um decréscimo do PIB, porque o PIB hoje está em níveis reais de 2011. E aí, o que que a gente gera com isso? Uma sociedade onde não há meritocracia.
Esse é um estudo da OCDE que mostra o seguinte: se você nasce nos 10% mais pobres do Brasil, quantas gerações demoram até um descendente chegar à renda média do País? O Brasil é o vice-campeão mundial: demoram nove gerações, 225 anos, até alguém nascer. Ou seja, no Brasil se você nasceu pobre, você vai ser pobre. Se você nasceu rico, você vai ser rico. A riqueza dos seus pais ou a pobreza dos seus pais explica 70% da sua condição; é o que eles chamam de sticky ceilings, sticky floors, ou seja, "chãos pegajosos e tetos pegajosos". É difícil, você não consegue sair do teto nem do piso. A gente só perde, sabe para quem? Para a Colômbia, que é outro país que a gente está querendo imitar agora. O que que a Colômbia fez? Colocou as pessoas armadas até os dentes e as escondeu nos guetos. Fez com que fosse mais difícil ainda você ter mobilidade social. Enquanto isso, na Dinamarca e na Noruega, em duas, três gerações em média, quem nasce nos 10% mais pobres consegue ter um descendente que ganha a renda média.
E como é que a seguridade social ajuda a resolver este que é o maior problema do País? O País tem problema com corrupção? Tem. Com sonegação? Tem. Com maus políticos? Tem, mas tem também com maus empresários, que ninguém fala. Agora, qual é o maior problema do País, é esse? Não. O maior problema do Brasil chama-se desigualdade. E eu não tenho o menor medo de falar isso e ser tachado de ser conivente com a corrupção, porque não sou, e a minha história mostra isso.
Como que a seguridade social ajuda? Primeiro lugar: ela beneficia, só o Regime Geral, quase 30 milhões de pessoas. Só que essas pessoas têm filhos, têm netos, e com isso ela beneficia, só o Regime Geral, quase cem milhões de pessoas. Senador, eu não sei se o senhor sabe, mas em quase 4 mil Municípios do Brasil, a receita dos benefícios da previdência, só do RGPS, é maior do que o Fundo de Participação dos Municípios, o FPM. Se eles param de ter isso, esses Municípios quebram, e aí o tal pacto federativo vai ter que ser um pacto federativo muito maior do que se imagina, porque isso mantém esses Municípios.
A previdência fomenta a agricultura familiar. Só para você ter ideia, o tempo do trabalhador rural no campo estava sendo cada vez menor, porque ele estava sendo esquecido, largado, para morrer, sem nenhum tipo de proteção social, de seguridade social. Depois da Constituição de 1988, esse tempo não para de crescer, porque ele tem uma proteção, ele consegue se estabelecer, ele consegue viver - porque eu aprendi morando - e falo dois minutos, se tiver a chance, ao final passei no último mês 20 dias...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO MOREIRA - ... morando com os trabalhadores rurais mais pobres deste País para conhecer a realidade deles. E eles falam o seguinte: "Nós não queremos sobreviver, porque isso seria demais para a gente; porque sobreviver é mais do que viver, doutor. A gente quer só viver, e nem isso a gente consegue". Então, eles só querem viver. Eles não querem nem sobreviver, porque sabem que hoje em dia é muito difícil ter essa perspectiva. E a Previdência Social promove a economia regional - o número que eu falei é de 3.875 Municípios, que têm isso - e reduz a pobreza: hoje em dia a gente tem uma taxa de pobreza muito grande nos jovens, o que é absolutamente triste, e isso desenha o futuro da nossa Nação - os jovens que a gente tem hoje - e uma taxa de pobreza muito baixa nas pessoas mais velhas. Não fosse o Regime Geral de Previdência, isso é um dado que o IBGE fez, a gente teria 65% das pessoas com mais de 75 anos vivendo na pobreza. Hoje são menos de 10%. Ela refaz uma justiça social que é quebrada nos anos mais tenros de idade dessas pessoas.
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E as injustiças ocultas, o BPC. Quando eu vejo a frase do Sr. Ministro da Economia Paulo Guedes, falando o seguinte: "O BPC foi um bode na sala?" - pergunta o repórter. E ele responde: "[...] se o valor de R$400 for para R$500 ou R$600, passa. O Marinho botou [essas] coisas porque só ele sabe o que é [bom] para negociar". Como é que você vai negociar o BPC? O BPC... Isso indignou os Senadores e Deputados da Base! Eu ouvi o Senador Eduardo Braga, eu ouvi várias pessoas falando o seguinte: "As pessoas não são números. São vidas". E vocês querem saber o quanto de vida? Eu quis trazer esse número aqui: um estudo feito em 2008, que é o último estudo que se tem, mostra o seguinte, analisando-se grupos que têm o BPC e outros que não têm - porque muita gente que tem direito ao BPC não pega; centenas de milhares de pessoas. O grupo que tem o BPC vive, a mais, com qualidade, expectativa de anos de vida saudáveis: os homens vivem um ano a mais; as mulheres, quatro a mais. Logo, cortar o BPC significa... Essa é a matemática: cortar esses anos a mais, e cortar anos de vida significa o que, Senador Paulo Paim? Significa matar, não tem outra palavra. Quem aceita essa reforma da previdência do jeito que veio, tratando as pessoas que vivem na miséria - porque só alguém que vive na miséria pode receber o BPC -, tratando alguém que não tenha capacidade física de exercer mais nenhuma função, que são as pessoas deficientes, que recebem o benefício do BPC; quem trata isso como número e aprova, sem nenhum comentário, essa reforma da previdência tem as mãos sujas de sangue, não há outra palavra para falar: está matando brasileiros. (Palmas.)
Não existe outra palavra.
E agora, este questionamento foi feito pelo Frei Davi, e o Frei Davi, com toda a sua inteligência e toda a sua inspiração, me falou o seguinte: "Eduardo, faça um favor para mim? Sempre que puder, faça o recorte racial das informações". E aí eu fiz... Existe um estudo feito na cidade de São Paulo, superdetalhado, e os dados estão todos aqui na apresentação, ali embaixo: ele pega os bairros de São Paulo e coloca a idade média ao morrer da pessoa, dependendo do bairro. Você vê que os bairros mais da Zona Sul as pessoas morrem com quase 80 anos de idade em média e nos bairros da periferia chegam a morrer com menos de 60 anos de idade. Mas esse sujeito foi além: ele fez o recorte racial disso. E aqui é o seguinte: vamos ver se a reforma é racista, Frei Davi? Quando você olha os bairros de São Paulo, os bairros pintados em preto são aqueles bairros onde os brancos morrem em média com menos de 65 anos de idade. Por que 65 anos de idade? Porque é a idade mínima, agora, exigida pela previdência. Então, nesses bairros pintados em preto, em média, os brancos não terão direito a poder viver esse final de vida com aposentadoria.
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Agora, vamos ver quais, vamos ver agora...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... e nós fizemos um acordo com os Senadores e Deputados que, nessas audiências públicas, só falam os painelistas, Deputados e Senadores. Eu faço um apelo ao Plenário. No fim, abraços, nossas posições divergentes, beijos, tudo é livre, mas agora, regime de...
O SR. EDUARDO MOREIRA - Então, Senador Paim, vamos ver os bairros de São Paulo onde os negros morrem em média com menos de 65 anos de idade. Esses são os bairros de São Paulo. Agora, existe um problema, porque você não se aposenta com 65 anos de idade se não tiver o que, agora? Vinte anos de contribuição. E aquilo que parece somente cinco anos a mais de contribuição não são cinco anos; porque mais de 40% das pessoas no Brasil conseguem comprovar no máximo nove meses de contribuição por ano e uma média de cinco meses de contribuição por ano, logo isso representa 12 anos a mais de contribuição. E que vai piorar com a reforma trabalhista, pela qual as pessoas passaram a ter trabalhos onde não contribuem e com a nova realidade. Pergunte a um amigo de vocês, que tem 50, 55 anos, e perdeu o emprego, se está mais fácil ou mais difícil de arranjar emprego numa idade mais velha hoje em dia. Então, o seguinte: vamos ver quantos, para ter uma aposentadoria integral, bairros em São Paulo têm os negros morrendo em média com mais de 75 anos de idade? Nenhum. Em nenhum bairro de São Paulo.
E digo mais: os negros, na sua idade mais jovem, têm 34% da sua população abaixo da linha de pobreza, pobres. Os brancos têm 26% só. Olhem que coisa maravilhosa! Com mais de 60 anos, os dois têm a mesma parcela da sua população. Sabe por quê? Sabe o que é que ajuda a reduzir essa desigualdade? Não é só porque eles vão morrendo, não. É a aposentadoria! É uma coisa chamada piso. Piso significa o mínimo para você poder ter uma qualidade de vida. Então, a aposentadoria corrige uma injustiça racial que existe no País, onde os estudos estatísticos mostram que 30% da diferença de salário entre os negros e brancos não é explicado porque os brancos tiveram mais tempo de estudo na escola - porque têm ainda neste País desigual -, é simplesmente a cor da pele da pessoa. É o puro preconceito.
O que é que acontece? Os benefícios previdenciários são 70% da renda dos idosos, mais para os negros do que para os brancos, por isso eles têm esse efeito. E 55% dos brancos são formais, 40% dos negros; quando você põe os 20 anos, você está fazendo com que os negros tenham que trabalhar muito mais, porque o trabalho dele conta menos, porque é menos tempo na formalidade.
E por fim a família dos negros tem 2,94 membros em média; a dos brancos, 2,55. Quando você corta os benefícios para os negros, você tem um efeito cascata. Não é só a eles que você está cometendo a injustiça. E você está perpetuando e potencializando essa injustiça racial que é feita no Brasil.
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Portanto, eu e o estudo... E eu tenho aqui o estudo, não vou ler o último parágrafo porque sei que já passei do meu tempo. O estudo é muito claro e eu posso afirmar, com toda a certeza: a reforma da previdência proposta pelo novo Governo é racista. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu continuo fazendo o apelo a todos, permita-me, vai ser na sequência, houve uma decisão tomada coletivamente aqui, em que a gente pede que o pessoal deixe para o final.
Foi uma decisão tomada pelo coletivo. E a partir do momento em que tomamos essa decisão na Comissão, passaram muito mais a participar aqueles que pensam diferente.
Porque nós estamos falando aqui, permita-me, eu vou descontar do seu tempo, não é aqui para dentro, isso foi orientação inclusive dos Senadores, nós estamos falando no mínimo, hoje eu garanto que três milhões de pessoas estão ouvindo essas palestras.
Então aqui dentro, faz parte da presença, a gente agradece a todos que estão aqui, mas também agradecemos muito à TV Senado, à Rádio Senado, à Agência Senado, e à democracia, naturalmente, porque o que nós estamos aqui neste momento debatendo, e o Prof. Eduardo usa a palavra, no mínimo, 3 milhões de pessoas estão assistindo.
Agradeço a todos. Sei que vocês entendem a mensagem que estou dando.
O SR. EDUARDO MOREIRA - A todas elas o nosso bom dia e solidariedade.
O estudo de caso do Chile.
O Chile tem sido muito citado nessa reforma da previdência como um milagre econômico porque adotou as políticas liberais. E é absolutamente inconsequente fazer uma análise com outro país de uma maneira tão superficial e rasa como a gente está fazendo. Estamos comparando laranja com banana. O Chile é um país que tem uma economia sete vezes e meia menor do que a do Brasil. Ele tem um PIB de US$270 bilhões, enquanto o nosso é maior do que US$2 trilhões.
O Chile tem metade das suas exportações em cobre, em um produto só, que multiplicou por quatro o preço nos últimos 20 anos, mas as pessoas pegam o Chile como exemplo de um país que deu certo.
E aí eu faço a seguinte...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só lembrar, são os últimos cinco minutos.
Já lhe dei 40 já.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Isso. Este é o último eslaide.
Então, eu faço a seguinte provocação. O Chile é o país mais desigual de todos os estudados na OCDE, junto com o México, que adotou políticas para a Previdência iguais a essas que a gente quer adotar no Brasil. Mas imagina alguém no Chile olhando por exemplo para um país sete vezes e meio menor do que eles também e, coincidentemente, igual a relação que têm com o Brasil, que é Bolívia. Só existe um país que cresceu muito mais que o Chile ao longo dos últimos dez anos na América Latina. O senhor sabe qual foi? Foi a Bolívia.
O senhor sabe o que a Bolívia fez em 2010? Ela aprovou uma lei reestatizando a previdência social, que tinha sido privatizada, fazendo a idade mínima cair de 65 anos para 58 anos, fazendo com que as mulheres tivessem o direito de se aposentarem um ano a menos para cada filho que tivessem, limitado a três filhos, fazendo com que os operários das minas pudessem diminuir a idade mínima de aposentadoria em um ano para cada dois anos trabalhados.
E sabe o que que aconteceu com a Bolívia durante esse tempo? Que caos, não é? Quebrou... Se fez isso, que é o contrário do que a gente está fazendo, quebrou...
Pois bem, se nos últimos 10 anos o Chile cresceu 34% o seu PIB, a Bolívia cresceu 62% o seu PIB. Foi o país que mais cresceu na América Latina. Distribuindo riqueza.
E aí, outros pontos importantes. A previdência social e a assistência social jogam recursos na base da pirâmide, que voltam como impostos. O estímulo à informalidade cresce à medida que diminui a expectativa em relação aos benefícios, e já existe uma transferência de R$1 trilhão para os bancos, para os aposentados, chamado crédito consignado. Nos próximos dez anos, um trilhão de reais sairão dos aposentados para os bancos. Essa reforma, ela propõe que mais R$1 trilhão saia.
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Eu termino e concluo dizendo uma frase que um malabarista, um equilibrista disse uma vez, o maior equilibrista do mundo, aquele que atravessava os prédios, de um prédio para o outro. E uma vez perguntaram para ele: "Como é fazer isso que o senhor faz, andar a mais de 100 metros de altura?" Ele falou assim: "O que eu faço é muito simples, é colocar um pé na frente do outro, mas é muito difícil".
A solução deste País, Senadores, a solução deste País, Frei Davi, ela é muito simples. Ela envolve dar riqueza para que as pessoas tenham um mínimo para também produzirem riqueza. Ela envolve quebrar a relação de dependência que o pobre tem, de só poder gerar riqueza quando alguém o permite, porque o dinheiro que ele pega emprestado custa 400%, 300% ao ano, e é impossível gerar mais riqueza do que isso para você poder pegar esse dinheiro com o propósito de gerar riqueza.
A solução é muito simples. A gente tem 175 milhões de hectares improdutivos no Brasil e a gente reclama do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que tem um milhão de pessoas assentadas que produzem na agricultura familiar e não são donos de um metro quadrado de terra, porque são terras da União. A única riqueza que eles podem ter é aquela que eles produzem, e é a riqueza que nos alimenta. Eles se transformam nos nossos inimigos, os senhores se transformam nos nossos inimigos. E quem são nossos amigos? Os banqueiros, que concentraram a renda ao longo de todo esse tempo e que hoje recebem o direito de estarem ocupando as principais cadeiras do Poder Público? As do Executivo, de propor as medidas e depois executar as medidas? A solução é simples, mas é difícil.
E aí eu trago, já que se tem falado tanto em Deus, em homenagem ao Frei Davi, uma passagem do Novo Testamento, de Mateus, onde no Capítulo VI, Jesus diz o seguinte, Frei Davi: É impossível servir a dois senhores, porque se você servir a dois senhores você amará um e odiará o outro. Você vai se dedicar a um e desprezar o outro.
Vocês não podem, e quando eu digo "vocês" é a Bíblia que diz, servir a Deus e ao dinheiro. E eu acredito, Senador, que todos nascem iguais, ninguém nasce um grande homem. Ninguém! São as escolhas que algumas poucas pessoas têm o direito de fazer na vida, que são tão difíceis que dão a chance a essas pessoas se tornarem ou não grandes homens. E os senhores, Senadores da República, estão hoje diante de uma dessas grandes escolhas, servir ao dinheiro e ao capital financeiro, ou servir a Deus que está representado no nosso povo, dizendo "não" a essa reforma da Previdência, como ela foi proposta pelo Governo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora sim. Liberado Frei Davi. As palmas estão liberadas agora. (Palmas.)
Queria agradecer muito ao professor e economista Eduardo Moreira pela sua palestra aqui e nós demos claro um tempo maior, porque ele fez a introdução. Quero dizer você voltará outras vezes. Nós vamos ter debates em outras comissões, vamos ter na Economia, vamos ter na Educação, vamos ter um grande debate no Plenário do Senado com a chamada comissão temática, e o seu nome já está lá indicado, eu e o meu Vice-Presidente, o Telmário Mota, encaminhamos e foi acatado pelo Presidente da Casa, cinco a favor e cinco contra. Nesse dia você poderá fazer a sua exposição para todos os Senadores com certeza absoluta. Mas, de já, ficam meus cumprimentos.
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Sei da sua história, da sua caminhada, V. Exa. optou por defender os que mais precisam. Isso é elogiável.
Senadores com a palavra agora. Pediu a palavra primeiro o Senador Jean Paul...
Jean Paul, com a palavra.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN) - Vou deixar o Jean Paul primeiro...
O SR. JEAN PAUL PRATES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Estava prestando atenção no... Não prestei...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Lembro a todos que os Senadores pedem a palavra a todo momento que assim entenderem necessário.
O SR. JEAN PAUL PRATES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para interpelar convidado.) - Rapidamente, eu vou sair aqui justamente para ter uma reunião com representantes da CNI, onde eu tenho tido uma tarefa inglória de tentar esclarecer a esses senhores que também eles trabalham contra o Brasil e contra a nacionalidade das próprias indústrias a que eles pertencem quando repetem alguns mantras por aí sem pensar. Por exemplo, ao apoiar a política de preço de combustível dolarizado em tempo real, entre outras coisas.
Mas eu queria só fazer este rápido aparte aqui para parabenizar o Eduardo. Eu não conheço pessoalmente o Eduardo, mas já o conheço e todos nós de vários vídeos. Quero parabenizá-lo, principalmente, pela cruzada que você tem empreendido, heroica, de ser uma voz dissonante no mundo, no mercado financeiro... Porque as pessoas respeitam o Eduardo, porque ele não é um político, não é um líder de esquerda, é uma pessoa que viveu no mercado financeiro todo esse tempo, conheceu as entranhas, os funcionamentos, os mecanismos perversos e até os bons que o mercado financeiro brasileiro tem, e resolveu traduzir isso em linguagem simples para todos nós.
Então isso para mim é uma missão inglória, terrível, num momento como este agudo em que o País está. E eu reputo isso um ato de heroísmo, Eduardo. E tomara que você seja premiado, inclusive financeiramente, porque você merece em algum momento pela cruzada que você está empreendendo.
Quero parabenizar o Senador Paim, que esta Comissão aqui é um espetáculo do ponto de vista... Pena que às vezes, como é segunda-feira, poucas pessoas estão presentes, mas como você disse, três milhões de pessoas assistindo e a repercussão disso também, Eduardo, depois, nas retransmissões, tenho certeza que as suas próprias redes, que são muito populosas também, vão reproduzir várias vezes, porque aqui você se obrigou a fazer um resumo de tudo o que você tem dito nas redes em geral. Então isso vai ser muito produtivo.
Os demais participantes da Mesa também, agradecer a presença aqui e parabenizar vocês pela iniciativa. Eu vou dar um pulinho ali para falar com o pessoal da CNI, repercutir a sua fala e volto aqui para a gente conversar.
Obrigado. Obrigado pelo espaço. Obrigado Senadores.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Jean Paul!
Estão liberadas as palmas. (Palmas.)
Senador Styvenson, por favor.
V. Exa. tinha pedido a palavra.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN. Para interpelar convidado.) - Sr. Presidente, eu ouvi, bem atento, toda a fala do Sr. Eduardo Moreira, vi o senhor falar de empatia, não é? Vi que o senhor não é negro, mas tem empatia pelos negros. Claro, tem que ter mesmo. Mas eu fiquei com uma dúvida quando o senhor falava, e eu queria só que o senhor expressasse de forma clara se é a favor ou não de uma reforma e, pela sugestão que o senhor deu, e eu pude perceber, se for cumprido o mínimo da Constituição, que não é cumprido em nada, na educação, na saúde, na segurança, e vi agora na Previdência, se seria uma solução ou se o senhor tem uma possível solução. Porque eu escuto muito aqui durante as comissões críticas e queria ver se nela, se na reforma do jeito que está, não existe nada positivo, Paim? Será que não há nada bom ali?
A gente sabe que a nossa população está envelhecendo, e a população jovem morrendo cada vez mais, por vários fatores que o senhor mesmo disse, além da divisão desigual, da pobreza...
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No Nordeste eu consigo enxergar isso, porque fui policial militar e via isso de perto, jovens, cada vez mais, morrendo, morrendo muito, não têm como ocupar o mercado de trabalho e o desemprego também favorecendo isso.
Então, em toda a sua fala, que eu percebi, se o senhor, com todo esse conhecimento econômico e tributário que demonstrou, teria essa visão de alguma coisa positiva no que está vindo para ser votado, ou se o senhor, além do que já disse, que é cumprir a Constituição para se ter esse superávit, tem uma outra sugestão, ou uma hipótese melhor.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Prof. Eduardo Moreira, cinco minutos para responder.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Obrigado pela pergunta, Senador.
Em primeiro lugar, os temas relativos às polícias no Brasil me são muito caros.
Eu sou muito próximo à Polícia. Por acaso, fui receber agora uma das maiores honrarias e medalhas da Polícia de São Paulo, que coincidentemente foi entregue pelo Major Olímpio no dia para mim pelo trabalho que eu faço junto com a Polícia do Regimento 9 de Julho, lá em São Paulo. E é claro que a gente precisa reformar. Governar significa reformar o tempo inteiro, significa ajustar os rumos do País o tempo inteiro.
Não há dúvida de que a gente deve fazer mudanças, como a gente vem fazendo. Em 2013, é o que a gente está falando, acabamos com esses privilégios dos servidores que ganhavam aposentadorias monstruosas. Isso tem sido feito. E existem, sim, pequenas coisas que a gente pode fazer, relativas à Previdência para ir adaptando a Previdência a essa mudança populacional que a gente tem, esse exemplo que eu dei da Bolívia mostra isso.
A lógica é: um País com um tecido social frágil precisa de uma proteção social forte. Quando a gente dá o exemplo de que na Noruega a idade de se aposentar mínima é de 67 anos, a gente esquece que a Noruega se tornou independente em 1905 só. Em 1930, era o país mais pobre do norte da Europa. E aí, o que aconteceu na Noruega, assim como aconteceu na Suécia, para não dizer que foi só por causa do petróleo? O que que aconteceu? Em mil novecentos e trinta e pouco os trabalhadores, pequenos proprietários rurais, sobem ao poder, implementam a social-democracia e passam a ter como norte a universalidade da educação, a universalidade da saúde e o pleno emprego.
E aí se tornam os países com o maior IDH do mundo. Nenhum país entre os três maiores IDHs do mundo, que são a Noruega, a Suíça e a Austrália, três países, a Austrália mais neoliberal, a Noruega mais social-democrata, modelos de governo diferentes, nenhum desses países tem um homem entre os 50 mais ricos do mundo. Nenhum deles. Os países mais desenvolvidos do mundo não são os que têm os ricos mais ricos, são os que têm os pobres mais ricos. Esses são os países mais desenvolvidos do mundo.
Então, o que urge neste País é uma reforma tributária, mas não essa reforma tributária que é só simplificar os impostos. É claro que isso ajuda, todo mundo que é empresário sabe que isso é importante, mas uma que mude esse balanço de poder, porque a riqueza que existe no País é limitada. E eu te digo crescer, não existe crescer sem investir. Não existe. Agora se você deixar a capacidade de investir somente na iniciativa privada e somente num grupo de meia dúzia de pessoas este País vai sempre ter voo de galinha.
Lembre-se de que quando a gente cumpriu a Constituição, quando a gente investiu em educação e fez os programas de transferência de renda, o Brasil cresceu, eu mostrei aqui os dados, de 2003 a 2013 uma média de 4%. No meio disso, houve a crise de 2008, a maior crise da história recente. E você sabe qual o lado bom do País, Senador? O lado bom é o seguinte: que as coisas aqui são tão ineficientes, que há muita gordura para melhorar. É tanta informalidade que a gente tem, que se a gente joga 20% da massa de trabalhadores na formalidade, a gente vive um milagre econômico no País, porque vai haver dinheiro para tudo, e aí a gente não tem que congelar gastos como a gente fez com a Emenda Constitucional 95, que esta sim... As pessoas tinham que ter na cabeça isso, só esse dado, para terminar a minha resposta: todo o dinheiro que vier de novas arrecadações, de crescimento econômico, do que quer que seja no Brasil, pelos próximos 18 anos...
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(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO MOREIRA - ... vai para o pagamento de juros. Não vai um centavo para a educação, para investimento, para a saúde, e nem para a previdência, porque a Constituição não deixa agora. Aí é difícil crescer.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. Vamos em frente.
Neste momento, vamos passar a palavra ao Sr. Roberto Piscitelli, que fala pelo Conselho Federal de Economia.
O acordado foi que hoje falarão economistas.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Senador Paulo Paim, colegas de mesa, é com muita satisfação que participo desta audiência pública, deixando de forma bem clara, como representante do Conselho Federal de Economia. Esse pedido do Presidente me chegou na sexta-feira à tarde, eu tive que preparar alguma coisa a partir das definições que o Conselho vem adotando a respeito do assunto.
Eu faço sempre questão de ressaltar, eu acho que isso deve ser dito com muita ênfase, que é um alento para nós termos no Senador Paulo Paim o maior baluarte na defesa da previdência social pública, não só nessa questão, mas na defesa das minorias deste País. Previdência está sob forte ataque.
Nós, como economistas, temos o dever de preservar e fortalecer esse sistema como o maior programa de distribuição de renda deste País, pessoal e espacial.
Até repetindo alguns dados que Eduardo já nos trouxe, o Regime Geral em 2018 - são dados oficiais -, mantinha 30,3 milhões de benefícios diretos. Para cada benefício, calcula-se que há em torno de 2,5 pessoas beneficiadas indiretamente, o que perfaria 75,8 milhões. No total, portanto, são 106 milhões.
Agora, ampliando esse conceito, a seguridade social incluindo o BPC, o seguro desemprego e o abono salarial, sobre o qual tem-se falado muito pouco. A questão é tão importante quanto a do BPC, pelo número de pessoas que seriam excluídas no caso de aprovação dessas regras, e são pessoas que ganham entre um e dois salários mínimos.
Então, somando esses outros beneficiários, nós teríamos 63,4 milhões afetados diretamente. E, de acordo com a estimativa anterior, de 2,5 para cada beneficiário direto, atingiríamos 158, 5 milhões.
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Mas, como disse o Eduardo, na realidade, é toda a população que, de uma forma ou de outra, está sendo afetada hoje ou vai ser afetada no futuro, porque essa reforma obviamente tem um reflexo, uma repercussão pelo menos para os próximos 30 ou 40 anos.
O sistema previdenciário é fonte de renda maior que o Fundo de Participação dos Municípios para algo em torno, segundo os últimos dados que tenho aqui, 72% dos Municípios brasileiros, ou seja, três quartos dos entes municipais. A previdência respondeu por quase 25% da queda da desigualdade de renda no País, medida pelo Índice de Gini, entre 2003 e 2012.
Isso não é pouca coisa num intervalo de apenas dez anos.
Os repasses de benefícios previdenciários e assistenciais levavam, em 2016, mais de 30 milhões de pessoas para acima da linha da pobreza. Sem a previdência, calcula-se que mais 70% dos idosos seriam pobres, ao invés de 10% em 2015. É difícil que esses dados não nos abalem profundamente.
Nessa oportunidade, quero ressaltar os principais pontos da nota oficial da entidade, do Cofecon, que foi emitida no sábado, ao ensejo da reunião dos representantes dos Estados da Federação, em que o Cofecon considera inaceitáveis modificações que provoquem retrações nos fluxos de transferências governamentais para os extratos de menores rendas, a pretexto de acelerar o crescimento, que é o que se assegura, a retomada do crescimento, com base em hipóteses com a chamada contração fiscal expansionista, atualmente desacreditada pela grande maioria dos macroeconomistas dos meios acadêmicos internacionais.
Ainda que, para efeitos teóricos, se admita crescimento com aumento da concentração de renda - isso já se falou muito no passado, há algumas décadas -, isso iria de encontro ao maior de nossos objetivos. E qual é o maior de nossos objetivos? É a promoção da justiça social.
Especificamente, destacamos os pontos a seguir.
Eu sempre farei algumas considerações de âmbito pessoal, difícil a gente fugir da tentação de colocar alguma coisa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O texto é o texto básico.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Claro, é o texto básico, né? Isso não significa absoluta unanimidade em relação a todos os pontos, mas eu estou procurando ser o mais fiel à posição do Conselho, e vou expressar algumas opiniões pessoais também.
Repudiamos a desconstitucionalização dos direitos básicos da previdência, em particular através da edição de leis complementares, pasmem, cujo teor é absolutamente desconhecido, incerto, que são obviamente, como nós sabemos, Parlamentares, com 50% mais um, maioria absoluta, são muito mais fáceis de aprovar e alterar.
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Segundo ponto, nós não aceitamos as estimativas anunciadas de economia de recurso - aí eu venho muito ao encontro do que falou o Eduardo o - não demonstradas, nem comprovadas - há inclusive pedidos de informação que estão sendo formulados por Parlamentares, por Líderes de bancadas querendo conhecer o detalhamento dessa economia de 1,1 trilhão -, que são dadas como justificativas para imposição da reforma.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pedidos esses que até o momento não deram resposta, mas creio que virão.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Eu tenho a esperança de que, quem sabe, virão.
Os ajustes - e quero deixar bem claro, esse também veio ao encontro do que disse o Senador -, os ajustes podem e devem, Senador, ser efetuados ao longo do tempo. Nós não negamos que eles tenham que ser feitos. A modificação do perfil demográfico é uma realidade mundial, e não podemos ignorá-la. Mas têm que ser efetuados ao longo do tempo, as dificuldades decorrem preponderantemente da visão curtoprazista dominada pelo fluxo de caixa --aliás, é uma tendência das últimas décadas no Brasil - que tendem a ser pelo menos amenizadas - e o Eduardo mostrou amplamente isso aí - com a retomada do crescimento econômico e com a necessária e urgente - isso sim, e queremos dar toda ênfase a esse ponto - a reforma tributária, a mãe de todas as reformas, porque essa efetivamente é que irá afetar os interesses dos ricos e poderosos e não a reforma previdenciária como proposto.
Terceiro ponto, é preciso sim combater os privilégios - privilégios, é uma palavra muito usada e muito vulgarizada na nossa linguagem -, mas há que se respeitar os direitos adquiridos, inclusive as expectativas de direitos, coisas que geralmente são tratoradas quando a gente quer promover alguma mudança neste País.
Na hipótese de se admitir um regime de transição, sua perspectiva deve ser de médio e longo prazo e deve ter - permitam-me - a imagem, a configuração de uma rampa e não de uma escada com grandes distâncias entre os degraus. Se tem menos de dois anos, então cumpre um pedágio de 50%; tem mais do que isso, multiplica-se o tempo necessário para a aposentadoria. Não há nenhum critério, lógico, razoável diante das regras de transição que estão postas na reforma.
Tampouco se pode admitir que para determinadas corporações - e vamos citar expressamente os casos dos militares, particularmente os militares das Forças Armadas, e me perdoem a franqueza e a dureza - a proposta apresentada seja simplesmente um escárnio. O que essa corporação determine por si mesma, por conta própria o seu próprio sistema e, o que é pior, compensando o acréscimo de encargos com aumento de remunerações e outros benefícios, inclusive sob o artifício de que nunca se aposentam, embora, respondam por quase a meta do assim chamado déficit do regime próprio, representando menos do que a metade dos beneficiários civis.
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Quanto a esses servidores, os servidores civis, omite-se deliberadamente, sistematicamente o fato de que os que ingressaram a partir de 2013 já estão sujeitos ao teto previdenciário geral. Portanto o efeito, digamos assim, do passado se dilui sensivelmente ao longo do tempo e praticamente desaparecerá ao final de algumas décadas.
Estão sujeitos ao teto previdenciário geral dos 5.800 e, mais do que isso, a partir de 2003, já não têm o direito à integralidade, já não têm direito à paridade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Em 2003, foi aprovado e o Funprest...
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Exatamente, que era ...
O SR. EDUARDO MOREIRA (Fora do microfone.) - A paridade é 2003.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - A paridade é 2003. Que eram tão criticados como sendo um privilégio.
Eu aí tenho, talvez, uma das poucas discordâncias com relação ao Eduardo pela colocação que fez ao final da palestra, porque eu gostaria de acentuar o fato de que eu questiono essa caracterização de privilégios das altas aposentadorias dos servidores públicos. Essas altas aposentadorias estão associadas a uma contribuição que foi feita ao longo de toda a sua vida funcional sobre a totalidade das suas remunerações e que continuam contribuindo na aposentadoria. E quero acentuar o fato de que isso foi um contrato unilateral, ao qual os servidores civis nunca aderiram ou que eles não puderam negociar. É como aqueles contratos que a gente faz para aquisição, financiamento da casa própria, aceita ou não aceita. Se quiser ingressar no serviço público, essa é a situação.
Pode-se até aceitar - e isto é plenamente aceitável, nós não discordamos - um moderado e gradual avanço da idade mínima e do tempo de contribuição. Eu acho que, quanto a isso, todos nós estamos mais ou menos de acordo, mas...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me ajudar até nessa reflexão?
A fórmula que era 85/95, que nós aprovamos aqui por unanimidade, já aponta para esse sentido, já virou 86/96.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Que é uma das coisas mais inteligentes que foi feita.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais equilibradas, porque vai aumentando a idade e o tempo de contribuição para todos no Regime Geral...
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Já existe e teve plena aceitação inclusive das corporações de trabalhadores e servidores.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tanto no Regime Geral como...
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De dois em dois anos, aumenta.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Parece que a gente abandonou completamente essa fórmula, que me pareceu muito engenhosa, muito inteligente.
Agora, ainda com relação aos servidores civis, muito discutível, mas muito discutível - essa é uma questão que vai ser abordada com mais propriedade pelos juristas, e eu sou um economista - é a adoção de uma tabela progressiva para a previdência, cuja incidência cumulativa com a do Imposto de Renda - fizemos essas simulações, faz parte inclusive de trabalhos que nós apresentamos - pode atingir, Senador, quase 40% do rendimento bruto a priori, na fonte! Quase 40% dos rendimentos brutos, inclusive dos Srs. Parlamentares.
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E o que é pior, e o que é pior, vejam bem, também pouca gente tem falado nisto: com a perspectiva de congelamento das duas tabelas, como acontece hoje com a do Imposto de Renda, que vai incorporando cada vez maior número de contribuintes, pela defasagem de mais de 90% acumulada a partir de 2006.
Acresce notar que há um entendimento consolidado - e o que eu digo é que esta questão é mais para os juristas discutirem em uma outra audiência -, inclusive por parte de tribunais superiores, de que os percentuais propostos constituem verdadeiro confisco. Essa é a palavra. E a progressividade da tabela não é compatível com a natureza da equação previdenciária que, segundo juristas, tem um caráter sinalagmático de relação previdenciária.
Por outro lado, a existência de um suposto déficit atuarial - isso é muito sério - justificaria a instituição de uma contribuição extraordinária, por lei ordinária, maioria simples, por até 20 anos, o que certamente levará aos aposentados e pensionistas uma dívida que só conseguiriam quitar em outras encarnações.
O mais interessante é que, nesses casos, vejam a contradição, propõe-se a constitucionalização dos dispositivos correspondentes. Quando interessa, se desconstitucionaliza; quando não interessa, se constitucionaliza.
Terceiro ponto. O Cofecon não aceita a desfiguração da tríade representada pela seguridade social, com a diversificação de suas bases de financiamento e com a contribuição de trabalhadores, empregadores e Governo, como acontece na maioria dos países em que a contribuição governamental é, em alguns casos, a mais importante dessa tríade, ainda mais diante dos elevados níveis de desemprego, informalidade e intermitência em que as pessoas jamais conseguiriam atender ao requisito do prazo mínimo.
O restabelecimento da concepção solidária e sustentável embutida no conceito de seguridade social da Constituição de 1988 - e aí vem toda essa discussão de o que é seguridade social, de o que é receita e de o que é despesa da seguridade social, da previdência social - passa ademais pela redução gradual das renúncias fiscais, algo como 400 bilhões, pela eliminação das benesses representadas pelas remissões, anistias e parcelamentos a perder de vista, que também corroem as receitas da seguridade, sem falar nos vazamentos representados pelas inúmeras situações de planejamento tributário e pela sonegação calculada pelo pessoal da própria Procuradoria em alguma coisa em torno de 500 bilhões.
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A gente nem vai falar - o Eduardo já falou, e nem é preciso - do peso dos juros da dívida pública, no ano passado, 380 bi. Mas ele lembrou muito bem que uma coisa é o que a gente paga, e outra coisa é o que a gente capitaliza, porque o volume dos juros é muito maior do que o que, vamos dizer assim, é divulgado, exatamente porque a parcela de juros que não é paga é incorporada ao montante da dívida, que cresce exponencialmente e que gera mais e mais juros.
Outro ponto. O Conselho manifesta especial preocupação com as elevações intempestivas de idades e tempos de contribuição mínimos e reduções dos valores das aposentadorias por invalidez, pensões por morte, benefícios previdenciários acumulados, abono salarial, dispensa de recolhimento ao FGTS da multa de 40% aos empregados e aposentados. Isso não é para facilitar o ingresso no mercado de trabalho dessas pessoas, não; é para aliviar os encargos do empresariado. Todas as situações fortemente associadas às camadas mais pobres e desprotegidas da população.
Outro ponto. O Cofecon se opõe frontalmente à introdução de um sistema de capitalização obrigatória, sobretudo de caráter individual e privado, como tudo faz crer, porque também não se sabe o que será, é uma incógnita. A opção pelo novo sistema se constituiria em uma espécie de pré-requisito para o ingresso no mercado de trabalho. Os mais antigos lembram o que aconteceu no passado com o fundo de garantia: era uma opção; só que quem não fizesse a opção não ingressava no mercado de trabalho.
Lançar os trabalhadores aos riscos e à irresponsabilidade do mercado pode trazer sérias e irreversíveis perdas, como, por exemplo, no Chile, onde, segundo os dados que eu pude levantar nesse fim de semana, 90,9% dos aposentados recebem menos de 149.435 pesos, equivalentes, em moeda nacional, a R$694,08. Estariam, portanto, quase todos abaixo do piso dos pisos, o salário mínimo. Mas o que é mais importante, o Eduardo falou na questão da vida. No Chile, o índice de suicídio de idosos é o maior da América Latina. É espantoso, de idosos.
Muitos devem ter ouvido falar no estudo recente da OIT - que também não é nenhuma entidade de esquerda, que eu saiba - segundo o qual, de 1981 a 2014, 30 países privatizaram total ou parcialmente seus sistemas de previdência social obrigatórios. Por coincidência, 14 na América Latina, outros 14 na Europa do leste, da antiga União Soviética, e 2 na África. Até 2018, 18 dos 30 de que eu falei fizeram uma "rerreforma", revertendo total ou parcialmente a privatização de sua previdência social. A grande maioria se afastou após a crise financeira global de 2008.
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A privatização, lembrem, fora apresentada pelas instituições financeiras internacionais como uma solução concreta para enfrentar o envelhecimento da população e garantir a sustentabilidade dos sistemas de previdência, exatamente o que se alega para apresentar a atual proposta.
A acumulação de evidências sobre os impactos sociais e econômicos negativos - é a OIT que diz isso, não sou eu - da experiência permitem afirmar que o modelo fracassou. O mais triste é saber quantos mortos e feridos deixou ao longo do caminho. Não se sabe, que se saiba, até hoje, de nenhum irresponsável pela implementação do experimento que tenha sido condenado. Certamente, a maioria ficou muito mais rica.
Em suma, e vou concluindo, o Cofecon preconiza a manutenção do atual sistema, com os ajustes específicos necessários e continuados, pactuados com o conjunto da sociedade, baseados em conceitos apropriados de o que é seguridade, de o que é previdência, de o que é receita e de o que deve ser despesa da previdência. E aí temos duas grandes discussões, pelo menos: a questão rural, que não pode ter o mesmo tratamento do conjunto da previdência, de natureza contributiva; e a questão dos militares, se é que se vai continuar a conferir aos militares essa condição especialíssima dentre o conjunto dos servidores.
Baseados, então, em conceitos apropriados e em números honestamente levantados - eu duvido de que hoje alguém tenha absoluta certeza, ou possa dizer com convicção, honestamente, de que acredita nos números oficiais, que o "déficit" - entre aspas - é aquele que é divulgado -, esse modelo que nós preconizamos consiste em um modelo de repartição simples, obrigatório até o teto do Regime Geral, e de um modelo de capitalização facultativo, complementar e, de preferência, público.
Esta reforma, Senadores, não pode prosperar. É uma questão de justiça social, mais importante que qualquer justificativa circunstancial de equilíbrio atuarial do sistema de seguridade social, mecanismo mais importante para amenizar a imoral concentração de renda e do patrimônio no Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
O acordado entre nós é que falam os três, falam os Senadores, e depois, naturalmente, vocês poderão fazer comentários ou até perguntas entre vocês. Eu tenho umas duas que eu quero fazer ainda e farei.
E digo que, se alguém no Plenário, como eu já recebi aqui pelo e-Cidadania, entender que tem de fazer alguma pergunta, remeto-a à Mesa ou a um dos Senadores, se eles sentirem que estão dispostos a apresentar, eu farei aqui com toda tranquilidade.
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Só quero registrar a presença em Plenário... Vou registrar quem encaminhou para cá: Maria Lúcia Fattorelli, a grande coordenadora no Brasil da Auditoria Cidadã da Dívida; o Frei David, que é da Educafro, que já se deslocou para uma outra atividade; Ogib Filho, Vice-Presidente executivo da Pública Central dos Servidores; e o Thiago Soares Oliveira, coordenador na Região Centro-Oeste do grupo social de previdência sem risco.
Passamos a palavra agora, depois da brilhante exposição do Dr. Roberto Piscitelli, pelo Conselho Federal de Economia, a Clóvis Scherer, que é economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
O SR. CLÓVIS SCHERER - Muito obrigado, Senador Paim, a quem eu cumprimento. Cumprimento os demais Senadores. Bom dia a todos, a todas e aos colegas da Mesa.
Mais uma vez, o Dieese agradece a oportunidade de estar aqui ocupando um lugar nesta Comissão, onde nós temos procurado contribuir com as nossas análises sobre esse tema e sobre outros temas que estão na nossa área de atuação.
Fico muito confortável depois das duas falas anteriores, que já citaram e analisaram o contexto geral no qual se insere essa reforma da previdência. E nós temos bastante sintonia com essa avaliação de que, na verdade, trata-se de um conflito distributivo muito forte na nossa sociedade.
Nós estamos vivendo um momento de dominação do capital financeiro e do grande capital empresarial sobre a Nação, que olha para os circuitos financeiros e para as contas públicas com grande interesse. Basta dizer que o orçamento da seguridade social envolve R$800 bilhões por ano, sem falar dos regimes próprios de previdência social, que, se eu não me engano, estariam em torno de R$400 bilhões por ano, ou seja, é um mercado que movimenta anualmente R$1 trilhão ou mais, e cuja perspectiva de controle e de privatização se coloca muito claramente como espinha dorsal dessa proposta de reforma.
Nesse conflito distributivo que se instaurou já há alguns anos, optou-se por uma via de corte de despesas públicas, em vez de se enfrentar a questão tributária reorganizando as bases de arrecadação tributária, como deveria ocorrer, como já foi colocado aqui, para fazer o País avançar no sentido de melhor distribuição da renda, através da tributação, por exemplo, dos lucros distribuídos, dos juros sobre capital próprio, uma melhor tributação das heranças, uma série de medidas que poderia nos levar a ter uma estrutura tributária mais progressiva e, portanto, nos permitir avançar naquela trajetória que tínhamos, que vinha sendo de redução das desigualdades de renda no País.
Mas, não, o projeto que se implantou é um projeto sob a dominação do grande capital financeiro, perseguindo uma redução de despesas com um sentido de garantir a segurança aos credores do Estado e também uma alta rentabilidade do financiamento da dívida pública. É por isso que nós temos a Emenda Constitucional 95, que limita o gasto social; nós temos a terceirização, a legislação da terceirização; a desregulamentação do mercado de trabalho através da reforma trabalhista, cujo trabalho não foi completado, e os interesses estão aí mirando em um aprofundamento ainda maior da desregulamentação do mercado de trabalho, e, agora, a reforma da previdência que, na verdade, já vem desde 2017.
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Então, esse é o contexto, e eu vou falar um pouco sobre o que contém essa reforma.
Em nossa avaliação, existem dois grandes blocos de medidas, vamos dizer assim: um bloco geral e um bloco mais específico.
O primeiro bloco trata das mudanças estruturais ou do conceito de o que é previdência, de o que é seguridade; e o segundo bloco trata das mudanças paramétricas. Então, nesse primeiro bloco, destaca-se, em primeiro lugar, aquilo que o Piscitelli já colocou aqui que é a desconstitucionalização seletiva e a constitucionalização seletiva; ou seja, por um lado, a proposta desconstitucionaliza aquilo que é direito dos segurados e dos trabalhadores, relegando a leis complementares, cuja aprovação e discussão é muito mais fácil e rápida, não demanda um debate tão profundo com a sociedade. Isto é desconstitucionalizado: a proteção aos direitos dos trabalhadores.
O que é constitucionalizado, o que é colocado mais fortemente na Constituição são as obrigações em manter um equilíbrio financeiro desse sistema, ou seja, aquela garantia que é dada aos credores do Estado de que o sistema previdenciário vai gerar suficiente superávit ou recursos para que não ameace, digamos assim, a dívida pública, a capacidade de pagar a dívida pública.
Então, é um jogo entre constitucionalização e desconstitucionalização que joga os trabalhadores numa situação de insegurança, reservando a segurança a quem vai ser o destinatário final dos recursos do sistema de seguridade social, desses tributos que foram muito bem aqui detalhados. Esse é o primeiro ponto, que gera, para os trabalhadores, uma grande insegurança com relação aos benefícios futuros, após a sua vida laboral e anos e anos de contribuição, porque essas leis poderão vir a ser mudadas mais rapidamente.
O segundo ponto fundamental é a mudança do orçamento da seguridade social, como foi colocado aqui, jogando para dentro da seguridade social os regimes próprios de previdência dos servidores. Com isso, legitima-se o discurso que vem sendo adotado há muito tempo de que no orçamento da seguridade está também o regime de previdência dos servidores, muito embora esse regime, em primeiro lugar, esteja definido em um capítulo diferente da Constituição, como parte da Administração Pública e, em segundo lugar, não seja um regime de previdência universal a que todo cidadão e cidadã brasileira tem direito a ingressar. Não, para ingressar nesse regime, você tem que passar em um concurso público. Portanto, ele não é universal como diz que é a proteção previdenciária definida no capítulo da seguridade social.
Com essa operação, simplesmente torna-se o orçamento da seguridade social deficitário por muitos e muitos anos, porque hoje nós temos uma situação de desequilíbrio no regime próprio de previdência dos servidores da União, o que foi muito bem colocado aqui por vários motivos. O primeiro deles: esse déficit existe porque a relação ativos/aposentados vem caindo, já que a máquina pública não é recomposta toda vez que um servidor ingressa na inatividade. Portanto, um regime de repartição simples, como é o RPPS, nessas condições, está fadado a ter um desequilíbrio.
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E o segundo ponto é que esse déficit hoje já inclui um custo de transição justamente da reforma que foi feita em 2003 e 2013. Portanto, é natural que esse regime, já estava previsto que esse regime teria, por muitos anos, um déficit financeiro. No entanto, esse déficit, como foi colocado, já está equacionado. Se a preocupação é a sustentabilidade das contas no longo prazo, como deve ser o debate sobre qualquer reforma previdenciária, essa parte do sistema já está equacionada. Claro que nós vamos passar por uma fase ainda em que as despesas vão ser maiores do que as receitas, mas a própria PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes de Orçamentárias) já projeta, no longo prazo, o equilíbrio desse sistema.
Portanto, na verdade, essa operação de jogar para dentro da seguridade o RPPS só da União... Aliás, se fosse esse o princípio, por que não colocar também na seguridade todos os regimes próprios dos Estados e Municípios? Por que só o da União? E por que não colocar esses regimes de maneira a estarem equilibrados com as receitas necessárias para que eles não afetassem o orçamento da seguridade social? Mas, não, a intenção é tornar a seguridade social estruturalmente deficitária no longo prazo para depois vir com o mesmo discurso de agora, de que precisamos fazer mais ajustes, de que não foi suficiente, de que nós vamos ter que reduzir parâmetros e coisas dessa maneira, coisas dessa natureza.
O terceiro grande ponto é justamente a capitalização, a implantação de um sistema de previdência capitalizado com contas individuais, ou seja, num determinado modelo já, muita coisa não é conhecida, mas certas peças-chave do modelo já foram antecipadas: a conta individual, a contribuição definida - não o benefício definido. Então, o risco do benefício passa a ser do segurado e não do Estado; contas individuais, portanto, perdendo toda aquela vantagem que nós temos em termos de mutualismo, quando você tem capitalização coletiva, mas, obviamente, contas individuais são muito mais interessantes do ponto de vista do mercado financeiro, que vai poder fazer competição para atrair essas contas; e a própria concentração financeira que pode vir a acontecer ao longo do tempo.
Então, esse regime de capitalização, como já foi colocado aqui, já se demonstrou, em outros países, incapaz de promover uma proteção social universal. Os dados do Chile já foram mencionados, não preciso repetir, mas é evidente que trabalhadores com o perfil de rendimentos que nós temos no Brasil, em grande parte, não terão condições de fazer contribuições para um sistema de capitalização individual - sua renda é muito baixa. Nós temos um rendimento médio em torno de R$2,2 mil por mês. A nossa mediana de rendimentos no Brasil, dos ocupados, é de R$1,2 mil por mês. Uma pessoa que tem esse nível de rendimento não tem condições de fazer poupança em previdência capitalizada individual. Para esses trabalhadores, nós teremos uma previdência muito restrita e, provavelmente, sob ataque permanente no sentido de que tenha de reduzir benefícios, arrochar parâmetros. Essa será a tônica. E um sistema de capitalização que vai ser, provavelmente - é o que se espera, pela linha de argumentação que está vindo a público -, promovido pela oferta aos empresários de uma modalidade de contrato de trabalho precarizado, com custos tributários mais baixos, e que será provavelmente a única oferta que o empresário vai fazer ao trabalhador quando ele vier a procurar um novo emprego: "Ou você assina esse contrato aqui verde e amarelo e com uma previdência capitalizada ou, infelizmente, eu não vou te empregar, porque temos aí uma fila de desempregados. São 12 milhões de desempregados. Portanto, meu amigo, se você não deseja esse emprego, boa sorte. Eu vou chamar o próximo na fila".
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Então, é óbvio que o temor é de que esse sistema de capitalização vá, progressivamente, roubando as receitas do Regime Geral de Previdência Social e, portanto, estrangulando financeiramente o Regime Geral de Previdência Social até o ponto em que ele vai se inviabilizar. E aí nós teremos a conformação de uma previdência capitalizada em estilo individual no mercado financeiro e que, como eu disse, vai abrir um grande mercado para esse setor.
Há uma informação de que, na Colômbia, a contribuição previdenciária do regime de capitalização é de 17%. A taxa de administração dos fundos de previdência é de dois a três pontos percentuais, ou seja, 20% de todas as contribuições que são feitas na capitalização. Se nós tivermos aqui um mercado de capitalização... Vamos dizer que seja a metade do que a gente tem de arrecadação da Previdência Social, vamos dizer que sejam R$200 bilhões. Se nós tivermos 20% desses recursos sendo destinados à taxa de administração, nós temos só aí um mercado de R$20 bilhões...
O SR. EDUARDO MOREIRA (Fora do microfone.) - Por ano?
O SR. CLÓVIS SCHERER - Por ano. Se formos acrescentar o RPPS, a previdência complementar e outros segmentos de mercado, nós podemos ter uma noção do tamanho do negócio que vai se abrir e que vai permitir ao mercado financeiro ingressar... Com toda a segurança, com toda a segurança, porque esse é um sistema muito seguro, do ponto de vista do agente financeiro. Todo o risco quem corre é o trabalhador que vai fazer a contribuição previdenciária; não é o banco, não é a seguradora. Então, essa é outra característica geral da proposta.
Depois, nós temos também os RPPS dos Estados, que a gente sabe, pelos números que estão divulgados, que são sistemas que precisam de equacionamento financeiro. O déficit financeiro está, hoje, nesses regimes dos Estados e dos grandes Municípios, em torno de R$70 bilhões.
Pois bem, é claro que essa situação financeira, assim como no País, decorreu da perda de receita em função da recessão, da crise, da deterioração das bases de financiamento dos Governos dos Estados, e é natural que esse problema tenha se agravado. Agora, qual é a solução que está sendo colocada pela PEC? Financiem esse rombo nas costas do servidor público. Essa é a solução apresentada. Veja que a proposta da PEC é: arrecadem mais contribuições de servidores, instituam um regime de previdência complementar e vamos caminhar para uma previdência capitalizada. Só que isso tem um custo fiscal de curto prazo, que todos os Governadores e Prefeitos sabem que terão se vierem a implantar a previdência complementar, cuja solução não é oferecida.
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Então, ao desequilíbrio que nós temos hoje nas contas dos RPPS vai se acrescentar um esforço fiscal adicional para a implantação da previdência complementar nos Estados e Municípios, sem que o Governo indique qual será a fonte de recursos para enfrentar esse desequilíbrio de curto prazo, que terá que ser respondido.
Está sendo tudo jogado para os servidores e, provavelmente, isso vai também acarretar redução de despesas em outras áreas no atendimento do serviço público por parte de Estados e Municípios. Nós podemos vir a ver, aí na frente, a degradação de serviços de educação e de saúde dos Estados justamente porque mais recursos terão que ser aportados para fazer face aos novos custos que a implantação da previdência complementar vai demandar. Então, é outro problema que eu acho muito complicado nessa PEC.
Além disso, eu queria, antes de falar de algumas mudanças paramétricas, tocar nessa questão fiscal. Na verdade, o Governo, como foi anexado na justificativa da PEC, menciona que as medidas previstas vão proporcionar uma economia de R$1,1 trilhão.
Eu queria chamar a atenção para o fato de que o Governo argumenta que essa PEC visa combater privilégios; no entanto, quando você olha a descrição de onde vem esse R$1,1 trilhão, nos próximos dez anos, e, acho que, se não me engano, de R$2,4 trilhões ou até mais trilhões nos próximos 20 anos, 86% dessa economia vem de onde? Vem do RGPS, do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, da previdência do setor privado, e R$180 bilhões das economias com o Benefício de Prestação Continuada.
Como se pode afirmar que essa reforma vem para fazer combate a privilégios se 86% da economia que ela proporciona vem de dois benefícios, o previdenciário e assistencial, que não contêm nenhum privilégio? Não se pode dizer que o trabalhador do setor privado, na previdência, seja privilegiado. O teto é R$5.839, se não me engano, e o BPC é um salário mínimo. Na verdade, o grosso das economias previstas - e eu acredito que isso vai ser revelado no momento em que o Governo apresentar o cálculo atuarial que ele deve à sociedade, que gerou esse tipo de estimativa - virá do corte de benefícios a trabalhadores de baixa renda. O Governo pode até argumentar: "Não, nós estamos preservando a aposentadoria de um salário mínimo". Sim, mas quem recebe 1,1 salário mínimo vai perder, quem recebe 1,2 salários mínimos vai perder, quem recebe três ou cinco salários mínimos vai perder e vai perder muito.
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Em um cálculo que eu fiz, e aí já entrando um pouco na questão paramétrica, de fato, a reforma visa, em primeiro lugar, reduzir valor de benefício. Um trabalhador que não ganhe salário mínimo, que ganhe entre o salário mínimo e o teto, vai ter uma perda em relação ao que teria nas regras atuais, no momento da aposentadoria, em torno de 12% a 15%. Fiz o cálculo usando, por exemplo, uma situação hipotética de um trabalhador que, em 1994, recebia cinco salários mínimos e veio tendo reajustes pela inflação mais 1% de juro ao ano, até janeiro de 2019, quando, vamos dizer, nessa situação, ele estaria se aposentando pelas regras atuais.
Se, neste momento, se aplicassem as regras da PEC, o valor do benefício seria em torno de 13% menor do que na vigência das regras atuais, dentro desses parâmetros. É claro que esses cálculos vão variar em torno disso aí, dependendo dos parâmetros que você utilize de progressão salarial ao longo do tempo. Mas há uma perda que eu diria em torno de 10% a 15% para os assalariados que tenham rendimentos acima de um salário mínimo.
Esse é um ponto importantíssimo para mostrar que, na verdade, vejam bem, é esse o público segurado que representa a maior fatia da despesa da previdência. E é sobre ele que vai recair o corte dos valores de benefícios.
A outra medida adotada é a fórmula de cálculo de benefício, que cai bastante. Então, por exemplo, uma pessoa no setor privado que se aposenta por idade hoje recebe um benefício mínimo de 85% da sua média salarial, com a PEC, esse percentual cai para 60%. Então, além dessa fórmula de cálculo que afeta a todos, também há dois mecanismos pelos quais a PEC reduz o valor dos benefícios: o próprio cálculo da média, que passa a não desconsiderar os 20% menores benefícios no cálculo, e também, no caso da pensão, nós temos várias medidas que reduzem valores. Primeiro, a pensão pode ser desvinculada do salário mínimo; segundo, a cota familiar cai de 100% para 60%; ela já sofre o efeito das aposentadorias, ou seja, a pensão é calculada sobre uma aposentadoria já rebaixada.
Então, as pensões terão uma economia de gastos substancial. Aí, quando a gente pensa em pensão, vem aquela ideia: "Não, mas, poxa, o Brasil gasta muito com pensões." Só que a grande maioria, a maior parte do gasto com pensão é pensão para trabalhadores e trabalhadoras de um salário mínimo. Isso tem a ver, por exemplo, com o acúmulo de benefícios, que é outra coisa que a PEC limita muito.
Quando a gente pensa no acúmulo de benefícios, normalmente vem aquela história: "Bom, no Brasil se paga a algumas pessoas mais de um benefício de grande valor: uma aposentadoria enorme no setor público, com outra pensão. Isso é escandaloso e nós precisamos combater." Mas, no Regime Geral de Previdência Social, 83% do acúmulo de pensão e de outros benefícios não ultrapassam três salários mínimos, ou seja, em torno de R$3 mil hoje em dia. A grande maioria dos beneficiários que acumulam aposentadoria e pensão são trabalhadores que recebem dois benefícios de um salário mínimo.
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E nós temos que pensar, por exemplo, na viúva, trabalhadora rural. O seu marido recebe uma aposentadoria; ela também recebe uma aposentadoria. O marido vem a falecer. O que ele vai deixar para ela? Quarenta e oito por cento do benefício. Então, uma renda familiar de dois salários mínimos vai cair para 1,5 salário mínimo.
Muitos economistas falam assim: "Não, mas per capita, você vê que ela melhorou de vida." Mas a despesa familiar fixa não cai assim, gente! É, isso mesmo... Vai morar na metade da casa? Então, há um efeito. Eu quero mostrar com isso que, mesmo em uma medida que aparentemente pode ser correta, no sentido de você limitar o acúmulo de benefícios de valores muito elevados, há um alcance principal na população de baixa renda. São essas coisas que se escondem por trás de um discurso sobre, digamos assim, o mérito de algumas propostas, mas que, na verdade, têm um impacto social bastante negativo.
Existem outras mudanças paramétricas que são igualmente preocupantes e de onde deve vir esse R$1,1 trilhão. No caso, por exemplo, o tempo de contribuição aumentado de 15 para 20 anos, como o mínimo de uma contribuição para uma aposentadoria, quando os números que estão disponíveis mostram que é muito difícil ao trabalhador e à trabalhadora, brasileiros principalmente, conseguirem acumular tempo de contribuição superior a 15 anos, especialmente aqueles mais vulneráveis, com inserção mais precária no mercado de trabalho. Agora nós temos ainda mais esse estímulo a contratos de trabalho precários, de curta duração, intermitentes, e que tendem a corroer, a dificultar ainda mais o acúmulo de tempo de contribuição.
Nós vamos ver, seguramente, um crescimento da massa de idosos excluídos do benefício previdenciário, porque não conseguiram completar 20 anos de contribuição. Podem ter completado 19 anos e 11 meses, mas não terão direito a um benefício previdenciário. A pessoa contribuiu 10 anos, 12 anos, não receberá nada da previdência e terá que aguardar o Benefício de Prestação Continuada. Isso é uma injustiça, porque a pessoa...
Antigamente existia o pecúlio. A pessoa contribuía um determinado tempo e tinha pelo menos o direito a receber aquilo que contribuiu. Hoje não vai ter e vai ser ainda mais difícil conseguir acumular aquele mínimo que lhe dá um direito a um benefício, sem falar nos rurais, que, além de terem aumento no tempo de contribuição, terão que fazer contribuições monetárias para completar um valor de R$600, quando a Contag e alguns estudos indicam que R$600 é uma quantia que muitos estabelecimentos da agricultura familiar não terão condições de cumprir anualmente.
Bom, há vários pontos.
Já se falou aqui o BPC. Eu não vou tocar nesse item e nem na questão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço do aposentado, ou mesmo do abono que vai fazer uma economia de 90% no gasto do Governo. A estimativa que a gente faz é a de que em torno de 90% deixem de ser pagos em termos de abono, se a PEC vier a ser aprovada, atingindo quem? Trabalhadores de até dois salários mínimos, que não são privilegiados, não podem ser considerados privilegiados. Veja que, se o sujeito recebe 1,1 salário mínimo, já não recebe. Recebe se tiver 1; mas, se for 1,1, já perde o benefício.
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A regra de transição, para concluir o meu tempo, é uma regra muito dura, mais dura do que a PEC 287, que já era dura. Uma regra de transição que não respeita a expectativa de direito de pessoas que contribuíram 10, 20 anos, porque elas não vão chegar, no momento de aprovação e publicação da emenda, com aqueles parâmetros mínimos que lhes permitam ingressar na regra de transição.
Por exemplo, a regra de transição, nos meus cálculos, só vai se aplicar a pessoas, por exemplo, do sexo masculino, no setor privado, que tenham 50 anos de idade e mais ou menos 30 anos de contribuição. Pessoas que têm, por exemplo, 40, 45 anos, que têm 20, 25 anos de contribuição não vão ter direito à transição nenhuma, em termos de acesso a benefício, porque elas não vão conseguir se enquadrar nas três hipóteses que a PEC lhes permite para uma aposentadoria que não seja na idade de 65, 62 anos.
Além disso, o pior de tudo é que a regra de transição, assim como na 287 também, não se refere ao valor do benefício. Para ter um valor integral, como a gente chama, ou seja, 100% da média salarial,...
(Soa a campainha.)
... você tem que acumular quarenta anos de contribuição, independentemente de você ter contribuído e se você já está prestes a se aposentar. Senão, independentemente disso, o valor da aposentadoria cai, como eu falei, para todos, para todos, com um agravante, no caso do valor, que eu me esqueci de mencionar, mas que é importante registrar, que a gente perde a garantia de que os benefícios de previdência serão preservados em seu valor real. Ou seja, mais adiante, nós podemos vir a ter, inclusive os já aposentados, os já pensionistas, perda do valor real dos benefícios, pois essa garantia vai deixar de fazer parte da Constituição.
Então, é um conjunto de medidas que - aí eu quero finalizar, reforçando - mostram como essa economia que o Ministro e o Governo querem fazer vai se dar em cima de trabalhadores e trabalhadoras, servidores públicos, servidoras públicas com rendimentos baixos, aqueles segmentos mais desprovidos, inclusive, de meios de enfrentar essa situação.
Eu quero, só para usar meus segundos finais, agradecer, mais uma vez, mas também dizer para vocês que o Dieese tem na página da internet uma série de materiais escritos sobre a reforma da previdência. Estamos publicando análises dessa PEC e também temos uma calculadora que você pode instalar no seu celular e comparar como é que ficaria a sua aposentadoria nas regras atuais com as regras propostas na PEC. Isso está disponível tanto no site quanto nas lojinhas de aplicativo. Você pode baixar lá no Google Play e instalar no celular a Calculadora Dieese. Basta procurar Calculadora Dieese. Você instala no celular e facilmente você pode fazer o seu cálculo e o cálculo das outras pessoas da família.
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Eu queria registrar, por fim, Senador, que eu estou também fazendo parte da iniciativa da construção de uma associação brasileira de economistas pela democracia, cujo principal foco, neste momento, é justamente a discussão da previdência. Queremos formar um grupo de economistas que têm como princípio a defesa da democracia, a defesa de uma democracia inclusiva, com justiça social.
Eu venho aqui, tirando o meu chapéu do Dieese e botando o chapéu da associação, falar em nome dessa associação.
Agradeço, mais uma vez, a paciência de todos e me coloco à disposição para debates.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Clóvis Scherer, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Teríamos agora um segundo momento para os Senadores, se eles tiverem alguma consideração, alguma pergunta. Depois vou permitir que eles possam fazer perguntas entre eles. Eu farei também algumas perguntas.
Por favor, Senador Eduardo Girão.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Presidente, Senador Paulo Paim, Clóvis, Roberto, Eduardo, em primeiro lugar, agradeço aos senhores por estarem aqui nos auxiliando, nos esclarecendo alguns pontos, já que o Governo não veio ainda a esta Comissão. Tenho informações de que ele está indo a outras comissões, mas eu acho que já está bem maduro para vir aqui e poder fazer esse contraponto para a gente entender. Particularmente, é um assunto que eu não domino, que tenho interesse em ouvir e em anotar. Fiz algumas anotações aqui.
Mas eu queria ouvir dos senhores, se possível, de uma forma bem objetiva, se, nesse encaminhamento que o Governo fez, nessa proposta do Governo, há alguma coisa positiva, na visão dos senhores. O que se pode pinçar de algo positivo? E também o que seria uma reforma da previdência que pudéssemos efetivar em nosso País, na visão dos senhores? Como seria uma formatação, em linhas gerais? Teria que se aprofundar bastante, pois são muitas variáveis, mas eu gostaria de ter essa noção dos senhores, se possível.
Muito obrigado.
Mais uma vez, parabéns pelas palestras e pela presença aqui!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senador Eduardo Girão. É importante o destaque que V. Exa. dá para que eu passe para os milhões que estão assistindo. Não é falta de convite. Estou reafirmando, porque é importante isso.
Infelizmente, até o momento, eles não têm vindo para fazer o contraditório. Até o momento, que eu saiba, aqui ao Senado nenhum representante do Governo ainda veio para colocar o seu ponto de vista sobre a previdência. Vieram em outras áreas, mas o Governo, até o momento... Convite não falta. Eu apresentei na Comissão de Educação; outros apresentaram na Comissão de Economia. Eu acredito que virão.
Eu sei que o Ministro da Fazenda, o Paulo Guedes, virá na quarta. Mas será pacto federativo e Lei Kandir. Eu estarei lá. Já que não vem aqui, eu vou lá e vou perguntar a ele sobre a previdência. É o mínimo que eu posso fazer. Como não foram nenhuma vez às comissões para discutir previdência, respeitosamente - vocês sabem minha forma de... -, vou preparar algumas perguntas e vou pedir que ele responda sobre a previdência. Nenhum do Governo, até o momento, veio.
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Eu fiz, inclusive, contato telefônico com quem eu chamo de ministro da Previdência, que é o Rogério Marinho. Assim eu chamo porque eu quero que volte ao Ministério da Previdência. Ele é a pessoa número um lá. Ele me disse que viria, mas até o momento não veio, o que nas outras comissões também até o momento não aconteceu.
Eu lamento muito e disse aqui na abertura que o Secretário da Previdência, Leonardo Rolim, havia confirmado... Enfim, por motivo de última hora - não vou fazer nenhum prejulgamento agora -, ele não pôde vir.
Então, eu vou encaminhar novamente a V. Exa., claro, mas deixar que os três escolham quem quer responder. E, se os três quiserem fazer consideração à sua pergunta, eles farão também.
Senador Girão.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Só um detalhe, Senador Senador Paulo Paim, para a equipe. Se puder convidar, eu soube que há um economista que fez parte ou faz parte da equipe do Governo que orientou e que participou dessa construção dessa proposta. Chama-se, é um economista inclusive, Paulo Tafner.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já fica aqui aprovado simbolicamente por todos nós. O próximo convidado é o economista...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Para fazer o encaminhamento. É do Insper, de São Paulo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está já acertado que vamos convidá-lo, então. Independentemente de o Governo mandar ou não, nós o convidamos pessoalmente. O.k. Muito bem, Senador.
A palavra está com a Mesa. Alguém quer responder as perguntas? Então, pelo Dieese, fala o economista Clóvis.
O SR. CLÓVIS SCHERER - Senador Girão, com relação a essa questão, eu acho que a gente poderia até discutir pontos da proposta. Agora, antes de - eu vou mencionar algumas coisas - mais nada, eu acho que...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para lembrar que são cinco minutos para responder.
O SR. CLÓVIS SCHERER - ... há uma coisa de concepção estrutural dessa reforma que precisa ser descartada. Nós não podemos jogar fora um modelo previdenciário do Regime Geral e de uma seguridade social, que foi o principal responsável por avanços sociais desde a Constituição e que eliminou, por exemplo, a pobreza entre os idosos, estabeleceu um sistema com a maior taxa de cobertura previdenciária da América Latina. Nós temos uma taxa de cobertura previdenciária que nenhum outro país da região tem. É claro que a gente ainda tem cerca de 28 milhões de pessoas que não têm proteção previdenciária, mas isso não significa dizer que o nosso sistema falhou. Pelo contrário, nós temos mais de 72% de pessoas ocupadas que têm proteção previdenciária. E o risco que nós temos em abandonar esse regime para um regime de capitalização é ter um decréscimo da proteção previdenciária no Brasil. Esse é um grande risco, por essa natureza privatizante do sistema, que, conforme a OIT já registrou no seu estudo, os estudos dos especialistas sobre o Chile mostram que esses sistemas privatizados não são capazes de proporcionar cobertura previdenciária e acabam gerando uma pressão para que o Estado venha em socorro e institua sistemas complementares para amparar os que são excluídos. Então, eu acho que esse é um ponto importante na avaliação global da PEC.
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Agora, eu acredito que, de fato, existe um aumento muito forte no sentido da idade de aposentadoria. A idade de aposentadoria, acho que a grande diferença ou a grande divergência é como você faz para considerar a situação dos trabalhadores que, embora tenham contribuído por longo tempo, não tenham a idade de se aposentar, mas perderam a sua capacidade tanto de empregabilidade quanto de condição física. Por exemplo, um trabalhador da construção civil que começou a trabalhar e contribuiu durante 35 anos vai chegar a 60 anos tanto com a condição física esgotada quanto com a sua empregabilidade praticamente zero; não vai se empregar. Pelas regras atuais, ele poderia se aposentar. Agora, se a idade for elevada para 65 anos, esse indivíduo entre os 60 e os 65 anos não terá uma aposentadoria. Poderá pegar esse benefício de R$400, mas isso vai representar uma queda muito grande no seu padrão de vida. E, muitas vezes, esse trabalhador consegue acumular tempo antes dos 60 anos.
Eu acho que, por exemplo, uma fórmula sobre a qual se tem conversado é juntar idade e tempo de contribuição num sistema de pontos para fazer disso regra de acesso ao benefício. Hoje a fórmula 85/95 é uma regra de cálculo do valor, e não de acesso ao benefício. Então, você poderia juntar idade e tempo de contribuição para permitir às pessoas se aposentarem com idade antecipada e contemplar esses casos.
Inclusive, outros países, além da idade limite mínima, têm uma idade antecipada para a pessoa que perde a sua condição de trabalho antes daquele tempo, mas tem suficiente tempo de contribuição. Então, eu acho que essa é uma experiência que poderia ser pensada.
(Soa a campainha.)
O SR. CLÓVIS SCHERER - Para finalizar, eu queria dizer o seguinte: o importante para pensar detalhes de uma reforma é abrir uma mesa de diálogo com os participantes. A Constituição garante a participação dos trabalhadores em todas as decisões que se referem à previdência e ao trabalho.
Então, dever-se-ia abrir uma mesa de diálogo tripartite com as centrais sindicais para justamente poder desenhar qual seria essa reforma que corresponda aos anseios de todos envolvidos na questão. Essa é a minha recomendação. Que o Senado consiga fazer isso ou que o Congresso consiga fazer isso, para pensar a solução para esses inúmeros problemas que a gente tem que enfrentar na questão da previdência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Dr. Roberto também.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Claro, Senador, que a gente não tem fórmula mágica. Eu acho que a reforma proposta foi muito ambiciosa, muito abrangente. Ela poderia ter sido mais específica, mais dirigida. Mexeu com todo mundo e misturou coisas absolutamente díspares, com o agravante a que se referiu o Scherer de regras uniformes para situações muito distintas em um País que é desigual em todos os aspectos sociais e econômicos.
Eu, particularmente, sempre gostei muito da fórmula 85/95 e queria lembrar uma coisa que talvez alguns dos senhores não lembrem mais: a Presidente Dilma mandou uma proposta que inclusive previa um tempo mais curto para esse ajuste. Foi o Congresso, naquela fase de queda de braço, que estendeu o avanço da pontuação...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De dois em dois anos.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - ... de dois em dois anos, em vez de um em um. A gente já poderia estar mais à frente em relação a isso.
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E eu acho que ninguém tem dúvida de que a gente deve promover uma elevação gradual da combinação de idade com tempo de contribuição...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E isso protege aqueles que começaram a trabalhar mais cedo. Por isso, essa composição é interessante.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Exatamente. Esse foi um dos aspectos mais criativos da fórmula, porque existia sempre aquele problema de que algumas pessoas realmente não chegariam a uma idade mínima.
Eu chamo a atenção também para um trabalho que tem sido coordenado pelo Prof. Eduardo Fanhani sobre a chamada reforma tributária solidária. Inclusive, participei de reuniões desse grupo. Há uma convicção e há simulações que demonstram que, diante de algumas modificações a serem feitas no sistema tributário, como, por exemplo, a tal tributação de lucros e dividendos, remessas para o exterior etc., que a gente, com uma reforma tributária no horizonte de tempo estabelecido pelo Governo na sua proposta, poderia atingir um valor muito superior ao suposto ganho que se teria com a reforma previdenciária.
Eu acentuei na minha exposição a necessidade de uma revisão gradual das renúncias fiscais, que precisam ser mais seletivas, mais limitadas; o combate sistemático à sonegação, que realmente atinge níveis absurdos no Brasil; E a eliminação gradual de situações que permitem o planejamento tributário. Eu acho que aí há muita questão que a gente precisa rediscutir, como a questão da pejotização, que se disseminou pela sociedade. Hoje, quase todo mundo - autônomos, profissionais liberais etc. - podem partir para a pejotização, o que me parece uma profunda deformação nas próprias relações de trabalho. Isso implica também uma revisão de alguns aspectos da própria reforma trabalhista, sem prejuízo de uma fiscalização intensiva em relação ao combate, por exemplo, à informalidade, e talvez a revisão de uma série de situações que tendem hoje a generalizar o processo de terceirização.
Falei em renúncias, falei em sonegação, planejamento tributário, uma revisão profunda dos mecanismos através dos quais, de forma mais ou menos indiscriminada, irrestrita, se concedem parcelamentos a perder de vista, remissões de anistias, o que estimula inclusive esse processo...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO PISCITELLI - ... contínuo de, vamos dizer assim, expectativa diante do próximo parcelamento, do próximo Refis. Então, isso se converteu também num mecanismo de planejamento tributário.
Agora, acho que tudo isso a gente ameniza com muita intensidade se o Brasil tiver uma retomada, ainda que moderada, do crescimento econômico. Claro que a gente vai entrar naquela discussão que o Eduardo levantou: se foi a reforma tributária que retardou ou comprometeu o crescimento econômico ou se foi o baixo crescimento, a recessão que provocaram o propalado déficit na previdência. Eu acho que há muita coisa que se pode fazer sem abrir mão de uma reforma parcial, seletiva da previdência social.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Se vocês permitirem, normalmente eu nem faço pergunta, mas eu acho que está propício para algumas perguntas. Eu vou meio que dividir. Eu vou encaminhar duas para você, Prof. Eduardo, e depois para o Roberto e também para o Clóvis. Bem rápido.
Emenda 95. Todo mundo sabe que a Emenda 95 foi aprovada pelo Congresso e congela os investimentos no País por 20 anos, inclusive em educação, na área de segurança e naturalmente a seguridade social. Eu pergunto: qual o reflexo que tem, se se mantiver a Emenda 95, em relação à reforma da previdência? Liberdade para analisar no campo econômico.
Segundo. Eu queria também, Prof. Eduardo Moreira, queria que você aprofundasse um pouquinho mais, se possível, porque na minha avaliação, Senadores, o mais grave... Tudo nós queremos, eu sou daqueles, vocês sabem, que acha que tem que discutir e avaliar, ver o que é possível construir de forma conjunta a todos nós. Mas o mais grave de tudo é o regime de capitalização. Para mim, é a chave dos prejuízos que vêm dali para baixo. Se você puder aprofundar um pouquinho mais, eu acho que é bem da sua área. O que significa isso tudo para o sistema financeiro. Ponto.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Em primeiro lugar, eu queria lembrar um ponto, em que eu não toquei aqui, e esse talvez seja um dos pontos mais importantes e eu não estou vendo ninguém tocar nesse ponto. Neste momento, enquanto a gente fala, está sendo criado um rombo enorme nas contas públicas por conta de uma apresentação apressada, irresponsável e que errou no tom de como deveria ser essa reforma da previdência. Por quê? Eu explico.
Ao apresentar uma reforma extremamente cruel, que mexe nas perspectivas de toda a base que a gente tem no Brasil de trabalhadores, principalmente os que ganham um, dois e três salários mínimos, o que está acontecendo agora é que um contingente gigante desses trabalhadores está indo antecipar o seu pedido de aposentadoria. Existe um número enorme de trabalhadores que estão pensando o seguinte: olha, as condições vão ficar tão difíceis de eu me aposentar, com as regras novas, que é melhor que eu me aposente agora para poder garantir. Isso sempre acontece. Chama-se efeito de antecipação e, depois, você tem um efeito rebote da história.
Então, esses pedidos de benefícios vão aumentar incrivelmente. E, por outro lado, eu estava almoçando com um amigo meu que é dono de uma grande construtora no final da semana passada e ele me falou assim. "Nós agora começamos a receber um monte de ligação de trabalhadores que ligam para a gente falando o seguinte: 'Olha pode me contratar, me contrata sem carteira, porque agora não faz tanta diferença e, já que não vai dar para se aposentar mesmo, pode me contratar sem carteira'".
Então, a gente está tendo por causa da expectativa da reforma, antes mesmo da reforma, um aumento muito grande da informalidade e de pedidos de benefício, ou seja, nas duas pontas, menos contribuição e mais gastos. Então, nós vamos ter com certeza números muito piores no curto prazo e a responsabilidade sobre esses números deve cair não sobre o sistema previdenciário, mas sobre o Governo, que apresentou a proposta dessa maneira, gerando esse tipo de expectativa, que fique registrado esse assunto.
Sobre a Emenda Constitucional 95, é muito importante que a gente saia um pouco dos livros de economia, da economia clássica. Eu trouxe aqui, o André Lara Resende deu uma entrevista espetacular semana passada no Valor, onde ele começa falando o seguinte:
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A teoria macroeconômica está em crise. A realidade, sobretudo a partir da crise financeira de 2008 nos países desenvolvidos, mostrou-se flagrantemente incompatível com a teoria convencionalmente aceita. O arcabouço conceitual que sustenta as políticas macroeconômicas está prestes a ruir.
Então, vamos abandonar um pouco a teoria clássica e pensar no básico. Só existe uma maneira de crescer: investindo. Não existe... Investir significa abrir mão de uma riqueza que você tem hoje, esperando que essa riqueza se transforme em algo maior lá na frente. Para você investir, a expectativa de crescimento dessa riqueza de que você abre mão hoje para tê-la lá na frente deve ser maior do que o custo de se obter essa riqueza.
Ao passar a Emenda Constitucional 95, tirou-se do Poder Público a capacidade de investimento. Por quê? Porque o que ele pode investir é o que investiu em 2016 corrigido pela inflação, e boa parte de o que ele pode investir é dada já pela Constituição Federal, art. 198 para a saúde. Limitou-se ao gasto com a saúde de 2016, mas ele era 15% das receitas correntes líquidas, art. 212 para educação; previdência social, seguridade social, 203 e 204 para assistência; 194 e 195 para a seguridade. É tudo constitucional. Então, se já está tudo amarrado e amarra-se o teto, a capacidade de investimento do Poder Público ficou absolutamente travada. Para onde foi essa capacidade de investimento? Foi toda para o quê? Para o poder privado.
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO MOREIRA - E, ao ir toda para o poder privado - e a gente tem um poder privado extremamente concentrado em termos de capacidade financeira e de poder no Brasil -, esse poder privado vem agora e fala o seguinte: "Para eu investir, eu quero as seguintes regras; eu quero mais benefício, eu quero menos impostos, eu quero que se diminuam os direitos do trabalhador para a minha folha ficar mais leve". E a gente fica sem muita opção, escravos da Emenda Constitucional 95, porque a capacidade de investir reside hoje quase que unicamente no setor privado.
Então, criou-se uma armadilha de dependência do setor privado, que está colocando as regras na mesa - não é à toa que a gente está vivendo o que a gente está vivendo -, com a Emenda Constitucional 95. E aí ela também faz com que todos os recursos que são arrecadados a mais durante esses 20 anos vão para o pagamento de juros.
Eu emendo com outro ponto - sabendo que meu tempo acabou, mas pedindo 30 segundos - que é o seguinte: existe muito...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO MOREIRA - ... no mercado financeiro uma percepção de que: "Ah! Mas a dívida pública é dívida. Tomou, tem que pagar". E eu falo que o art. 6º da Constituição fala que todo brasileiro tem direito a educação, a saúde, a previdência, a lazer, a moradia... Isso não é uma dívida do Estado para com essas pessoas? Por que uma dívida é mais importante do que a outra e uma nunca pode ser questionada e a outra pode ser postergada para sempre no Brasil?
O regime de capitalização, Senador, tira completamente a rede de proteção social que você tem, porque sequer prevê - pelo que está sendo mostrado até agora - um mínimo de solidariedade para você garantir pisos para a população brasileira. Então, ele passa a ser tão exclusivamente um fundo de investimento.
Temos já hoje o regime de capitalização, se quisermos. Todo mundo aqui pode investir um pouquinho de dinheiro todo mês e está feito o regime de capitalização. A única coisa que ele faz é tornar isso mandatório, obrigatório, mas ele passa o risco inteiro para a pessoa, ou seja, não existe mais proteção social.
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E eu lembro, como muito bem lembraram meus amigos aqui de Mesa, que, quando hoje em dia um banco vai quebrar, ele recorre a quem? Ao Estado. E aí ele tem um Proer... E isso não acontece no Brasil somente. Nos Estados Unidos, quando os bancos quebraram, recorreram também ao Estado,
Quando um empresário tem dívidas enormes, ele recorre a quem? Ao Estado, com o refinanciamento das suas dívidas através do Refis. O rico vai sempre continuar podendo recorrer ao Estado. É o famoso capitalismo dos ganhos e socialismo das perdas.
Agora, hoje em dia, o pobre pode ainda recorrer ao Estado para ter esse mínimo, e a gente está tirando essa capacidade de ele recorrer ao Estado, fazendo com que ele seja largado à própria sorte. Nenhum trabalhador rural vai conseguir poupar R$1 sequer no seu plano de previdência individual. Nenhum trabalhador negro das periferias vai poupar R$1 sequer para resgatar quando ficar mais velho.
Então, o que gente está falando é que se está acabando, de uma vez por todas, com o conceito de nação. Nação significa o grupo. Estamos perdendo o conceito de grupo e individualizando a nossa sociedade, dando força para o movimento de concentração de renda, que, no Brasil, já é o maior do mundo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos em frente.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem, mas vocês vão receber agora mais duas. Pode aperfeiçoar, sem problema nenhum.
Diferença entre homem e mulher.
Eu vou fazer as perguntas em bloco aqui para os dois escolherem.
Diferença entre homem e mulher. Por que eu digo isso? A PEC diz que, na área rural, tem que ser igual para homem e mulher e, na área urbana, tem que ser diferente. É um conceito que eu não consegui entender. Por que na área rural é igual, todo mundo com 60 anos e, na área urbana - estou nos números da PEC -, são 62 e 65?
Eu queria que vocês comentassem sobre isso, porque eu não consegui entender o motivo disso. Eu sou favorável a que se mantenha a diferença. Claro, se são favoráveis... O conceito de uma diferença entre homem e mulher no conjunto da proposta. Primeiro, eu queria essa explicação de por que existe isso.
Mais duas perguntinhas que vocês responderão. Podem dividir os dois. Respeitando as aposentadorias especiais... Eu fiquei muito preocupado porque para mim não está claro. Como fica a vida de quem trabalha em área insalubre, penosa, periculosa e de alto risco? Quando eu digo alto risco é principalmente, Capitão Styvenson, por exemplo, a Polícia Civil, a Polícia Militar... Qual é o conceito que está ali? Para mim, não fica claro. Vocês, mais do que ninguém, poderão dizer aqui que o risco de vida de quem trabalha na área da segurança é muito maior do que o meu, que trabalho no Parlamento ou o de qualquer servidor que está neste momento. Quem trabalha na área de segurança tem grande... Segundo os dados que obtive dos delegados, a média deles em matéria de plena atividade não chega a 60 anos. Em média...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele fala que, se eu fosse Parlamentar dos russos, o risco seria maior.
Por fim, eu queria que vocês respondessem a essas perguntas, dentro do possível, no tempo que eu coloquei. E entende-se, naturalmente que quem é professor... Quem trabalha na segurança é todo mundo, viu? Forças Armadas e policiais. E aqueles que trabalham em áreas como professores e rurais tem que ter um tratamento diferenciado.
Começa aqui.
Scherer, vá lá, então.
O SR. CLÓVIS SCHERER - Senador, é claro que os detalhes da PEC são muitos. Então, de muita coisa eu não me lembro de cabeça, embora eu esteja estudando essa PEC... Há uma série de regrinhas que torna certas respostas bem difíceis.
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Agora, com relação à diferença entre homens e mulheres na idade, eu não sei qual é a explicação que se dá para eliminar completamente a diferença de idade no campo. Eu sei que os defensores da reforma argumentam que as mulheres vivem mais do que os homens, têm uma sobrevida maior. Então, elas se aposentam antes. Então, a relação entre o tempo de contribuição e o tempo de fruição dos benefícios é bem menor do que no caso dos homens, que morrem mais cedo.
Agora, existem questões aí que me parecem complicadas. A idade para a mulher... E aí eu falo mais do urbano, porque eu acho que o rural tem um outro problema muito mais sério, mas, no caso do urbano, a idade determina muito da empregabilidade da mulher no mercado de trabalho. Então, não é só uma questão física, embora a gente saiba que as mulheres são acometidas de doenças crônicas - diabete, hipertensão, problemas osteomusculares -, mas também, quanto à empregabilidade da mulher, especialmente no tipo de inserção que a grande maioria das mulheres ocupa, as ocupações das mulheres no Brasil, elas perdem a empregabilidade cedo. Veja bem o caso da empregada doméstica, da faxineira, que cedo não têm condições de fazer certos serviços e acabam não se empregando.
Então, eu acho que existe um problema da idade que afeta as mulheres não na sua condição tanto física, mas como de inserção no mercado de trabalho, mas há um outro problema que eu acho que é mais grave no caso a mulher que não é tanto a idade, mas, sim, o tempo de contribuição. Eu acho que a medida que mais afeta as mulheres na reforma é o aumento do tempo de contribuição exigido para a aposentadoria, porque elas encontram muito mais dificuldades pelo tipo de trajetória que têm na vida, mães, depois elas interrompem o trabalho para cuidar de um parente ou de um marido, e isso faz com que a vida profissional delas seja encurtada. Nesse papel social que a gente atribui às mulheres, infelizmente ou não, a gente acaba penalizando-as na aquisição do tempo de contribuição para benefício.
Portanto, a gente sempre argumenta no Dieese o seguinte: olha, uma medida de elevação de idade, de tempo de contribuição deveria vir junto com uma promoção da condição da mulher no mercado de trabalho. Ela teria que ter acesso a serviços como creche, serviços profissionalizantes, uma lei mais efetiva a coibir a discriminação no mercado de trabalho que permitisse a ela adquirir esses requisitos para o benefício previdenciário.
Com relação às aposentadorias especiais, o primeiro ponto é de que o risco de vida acaba suprimido como fator para a aposentadoria especial, muito embora os policiais tenham uma idade de aposentadoria de 55 anos, mas o risco de vida, por exemplo, para o eletricitário, para o minero, para o operador de processos contínuos na indústria química que tenham o risco de explosão, de acidente e tal é suprimido. Então, os riscos só à saúde é que são mantidos como condição para a aposentadoria especial, que passa a ter idades e tempos de contribuição mais exigentes. E o valor do benefício cai, porque o valor é a regra geral, é o 60%...
(Soa a campainha.)
O SR. CLÓVIS SCHERER - ... mais 2% a cada ano de trabalho. Então, isso acaba fazendo com que, em relação à aposentadoria especial, muito embora a pessoa tenha uma idade antecipada, mas o valor é tão baixo que eu acho que vai forçá-la a ficar no trabalho apesar de ter adquirido problemas de saúde com o passar do tempo.
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E há o caso do professor que também tem idade antecipada, apesar do desgaste que a gente está percebendo. A categoria dos professores tem farta documentação mostrando como o ambiente escolar é um ambiente de tensão, de desgaste psicológico, até de violência...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CLÓVIS SCHERER - Sim, a carga de trabalho, especialmente a da professora, que, no caso, é a mais penalizada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A maioria dos Estados não paga o piso, inclusive o meu, para os professores.
O SR. CLÓVIS SCHERER - No caso da professora dos regimes próprios da educação básica pública, o aumento de idade de dez anos, o maior aumento de idade é justamente para a professora da rede pública de ensino básico. Então, por que levar justamente para uma profissional que o Brasil precisaria estar investindo tanto, sendo que isso não vai ser acompanhado, porque os militares recebem uma compensação, entraram na reforma, mas com uma compensação vantajosa?
Qual é a compensação que está sendo oferecida ao professor, à professora? Nenhuma. Não há redução de jornada, não há uma menor tributação; ao contrário, é exigido só o sacrifício sem nenhuma compensação, enquanto para os militares: "Ah, não, vamos incluí-los na reforma, mas vamos reestruturar a carreira. Nada contra as demandas dos militares nem as suas especificidades, mas o mesmo tipo de tratamento teria que ser dado a todos os trabalhadores. Se vamos exigir mais sacrifício, então, vamos oferecer uma compensação adequada, vamos reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais e fazer uma discussão casada; vamos reduzir a tributação, por exemplo, sobre o trabalhador, reduzir a carga tributária sobre o trabalhador e pensar aí, sim, numa reforma da previdência com a opinião deles, com envolvimento deles em todos os momentos do processo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom, só vou anunciar aqui. Passo para o Conselho Federal de Economia, Dr. Roberto.
Queria dizer que o Clóvis Scherer já respondeu pelo menos as perguntas que eu ponderei e você pode também suscitar o mesmo debate.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Sim, na realidade, eu queria reforçar um pouco o que falou o Eduardo nessa questão do agravamento das contas a curto prazo. Isso realmente, além do custo de transição associado ao fato dos novos optantes pelo sistema de capitalização, vai ter que usar esse recurso de algum lugar, não sei de onde, para continuar pagando as aposentadorias atuais e as próximas.
Além da questão, Eduardo, da antecipação dos pedidos de aposentadoria - o que é lamentável, porque muitos gostariam de continuar trabalhando -, existem os inúmeros casos de desistência de ingresso no regime. As pessoas acham que não vale mais a pena ou que isso vai representar encargos muito elevados. Os riscos, o pânico é generalizado. Então, as pessoas deixam de ingressar, inclusive, entre os beneficiários.
Mas existem também algumas outras questões que são contraditórias na própria proposta de reforma. Por que, por exemplo, relativizar o abono de permanência, que seria uma forma de muitas pessoas continuarem a trabalhar. E elas gostariam de continuar a trabalhar e poderiam continuar trabalhando com o benefício do abono de permanência, que agora se relativiza, porque não se garante sequer o valor que corresponde à compensação da respectiva contribuição previdenciária.
Existe, inclusive, porque não dizer, a própria fixação de um limite rígido de idade para aposentadoria que eu acho contraditório, porque muitas pessoas, ao chegarem os 75 anos, não completarão as condições para uma aposentadoria integral. É paradoxal. Não estou propondo uma elevação dos limites para os Ministros dos tribunais superiores, pelo contrário. Nesses casos, eu acho, mas é outra questão, que deveria haver mandatos. Mas é paradoxal pessoas, por exemplo, inclusive como na minha condição pessoal, que, com 72 anos, ao chegarem aos 75, não completarão as condições para aposentadoria, pela impossibilidade de contagem de tempo anterior de serviço, em função do próprio Tribunal de Contas da União.
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Eu queria também acentuar aqui outro aspecto que deixei de enfatizar, e essa é uma questão que entra no aspecto da conceituação. No meu modo de ver, a gente tem que rediscutir, na parte conceitual, o que é parte do orçamento da seguridade, o que faz parte da previdência. Nesse sentido, eu acho que se a gente somar aposentadoria rural com a dos militares - e eu não entro no mérito do projeto dos militares -, isso representa aproximadamente a metade do anunciado déficit, mais ou menos isso. Eu acho que, devido às características específicas, talvez isso tivesse que ter explicitamente um tratamento diferenciado, fora do cômputo do que se convenciona chamar de déficit previdenciário, porque não é realmente.
A Maria Lúcia também me lembrou - eu não estou conseguindo aqui recuperar esses dados -, ela me lembrou de outras questões que a gente não mencionou e que são paralelas à nossa discussão. Ela se lembra muito oportunamente, e a auditoria da dívida tem trabalhado muito em cima dessa ideia, de algumas coisas inexplicáveis ou que precisariam de uma discussão muito mais ampla e aprofundada, como, por exemplo, a montanha de 1,2 trilhão no Banco Central remunerando a sobra de caixa dos bancos, dada a forma indiscriminada e abusiva como se realizam as chamadas operações compromissadas. Isso representa um enorme componente do encargo da dívida.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO PISCITELLI - E mais a outra montanha de 1,227, na Conta Única do Tesouro, que representa a acumulação dos superávits primários e dos títulos emitidos em excesso. Eu acho que essa é uma questão muito importante, tem tudo a ver com o déficit, com a situação fiscal do Estado, mas não é objeto específico desta nossa audiência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Se assim os senhores entenderem, nós botamos como limite, mediante acordo, no máximo até 12h30.
Então, eu tenho aqui dezenas de perguntas pelo WhatsApp, que eu deixo sempre aberto, mas eu peguei pelo menos três que vou ler agora e vou passar a palavra para as considerações finais de cada um, em torno, se possível, de três a quatro minutos, para darem sua impressão sobre a audiência. Mas, vamos lá. Se alguém puder responder, pode usar até cinco minutos, incluindo os seus três da despedida.
Joselita Maria, aqui do DF: "Quais são os impactos que a reforma da previdência trará para a melhoria da economia, tendo em vista que o desemprego ainda continua alto?".
Patricia Souza, do Amazonas: "A partir da aprovação da nova reforma, para as pessoas que já possuem requisitos para se aposentar, vão vigorar regras atuais ou antigas?". Se alguém puder também, depois eu passo a folha aqui.
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Rute Rodrigues, de Alagoas, na mesma linha: "Quem já tem os requisitos para se aposentar hoje, com a reforma aprovada, as regras vão ser as atuais ou as novas?".
São três perguntas que eu deixo no ar, se os senhores puderem responder, para não dizerem que não atendi o e-Cidadania, que mandou uma série de perguntas aqui.
Registro a Presidente da Fasubra (Federação de Sindicatos dos Trabalhadores em Universidades Brasileiras) aqui conosco no Plenário.
Quem quiser começar...
Você começou, já que começou vai também terminar, depois termina lá na ponta.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Posso ler a primeira pergunta novamente, porque essa pergunta é muito importante, da Joselita Maria, do Distrito Federal.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, agora, agora. E já ganhou os cinco minutos, porque ele vai os três minutos de consideração e vai responder perguntas. Aí nós encerramos, significa que 12h20 encerramos.
O SR. EDUARDO MOREIRA - Ela pergunta: "Quais são os impactos que a reforma da previdência traz para a melhoria da economia, tendo em vista que o desemprego está alto?". Essa é talvez a única motivação que a maior parte da população tem, sabendo que vai ter regras piores, é a seguinte: "Pelo menos a economia vai melhorar. Eu estou desempregado, então, é melhor ter algum tipo de emprego do que não receber aposentadoria. Eu perco essa aposentadoria para ganhar o emprego, porque estou preocupado com o hoje, muito mais do que com o amanhã".
A lógica do Governo é a seguinte: ao equacionar, mesmo que na marra, esse déficit hoje, os empresários vão ter mais confiança para investir e, ao investir, vão gerar empregos para as pessoas. Essa é a lógica do emprego. Aí eu volto a dizer o seguinte: nessa lógica, a gente está depositando toda a capacidade de investimento da sociedade num grupo extremamente pequeno de empresários, de donos das grandes empresas, dos donos dos grandes bancos, que são os beneficiados por isso, ou seja, o grau de dependência dessa sociedade a esses grupos aumenta exponencialmente, porque a economia sempre vai crescer com investimento, mas pode crescer com investimento do pequeno empresário, do médio empresário e do grande empresário também ou simplesmente com o do supergrande empresário.
Eu acho, Senador, que acabou o tempo em que a gente se orgulha de ter um país onde as duas pessoas mais ricas, um é banqueiro outro produz cerveja. Um país desse não valoriza a criação de riqueza, porque nem um nem outro produzem riqueza para o País, para ser dividida. Este País tem que valorizar é o pequeno trabalhador rural, o pequeno empresário, o médio empresário, e a decisão de investir tem que ser distribuída de forma muito mais igual pelo País inteiro, para vivermos uma verdadeira democracia e não uma falsa democracia.
Então, eu respondo à Joselita: sim, talvez, se a gente aprovar essa reforma desse jeito, no curtíssimo prazo, haverá alguns empregos a mais e viveremos mais um voo de galinha, mas certamente a desigualdade aumentará abruptamente e a decisão de todos nós que estamos aqui, do pequeno e médio trabalhador e empresário brasileiro de poder escolher o próprio caminho chega perto do zero. Nós vamos passar a ter o que, na economia, a gente chama de price taker, ou seja, todos nós vamos ter que aceitar as condições que vão nos impor e não vamos ser mais capazes de ditar minimamente os rumos que a gente gostaria de ter para as nossas vidas. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Considerações finais do professor e economista Eduardo Moreira. Agradeço de pronto.
E vamos para o Dr. Roberto Piscitelli, do Conselho Federal de Economia.
O SR. ROBERTO PISCITELLI - Eu até já falei demais, mas, quase que aditando alguma coisa ao que falou o Eduardo, existem essas promessas, como sempre se fazem promessas, todas as vezes em que se pretende alguma reforma que não seja tão popular. A reforma trabalhista também nos prometia paraíso, o aumento do número de empregos; a Lei de Falências também ensejava promessa de que os juros bancários iriam cair. É sempre preciso ter um certo cuidado com isso, porque essas coisas muito empurradas, muito alardeadas, em geral, não se confirmam, não têm evidência empírica e muitas vezes sequer evidência teórica.
Eu acho muito ruim trabalhar em cima desse projeto ou discutir esse projeto sob essa pressão ou esse tipo de coação que, em outras palavras, significa dizer que, se não se fizer a reforma da previdência, os atuais aposentados não continuarão a receber suas aposentadorias ou as viúvas as suas pensões, nem os novos. E tenho ouvido seguidamente, isso me causa um profundo mal-estar, que, sem a reforma, já que se perguntou o que seria possível com a reforma, eu acho realmente catastrófica a condução da discussão, quando se diz que não só a previdência vai quebrar como o País vai quebrar, ultimamente.
E, nos últimos dias, a cada semana, se renova algum tipo de mensagem terrorista. Por exemplo, a mais recente é de que os próprios servidores em atividade, os ativos, estarão impossibilitados de receber seus salários. Não dá para fazer as coisas dessa maneira. Eu acho que a gente tem que ter justamente liberdade e tranquilidade para discutir questões tão sérias para o nosso futuro e para o futuro das gerações que sucederem a nossa.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Dr. Roberto Piscitelli, que falou pelo Conselho Federal de Economia.
Por favor, agora o Dr. Clóvis Scherer, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese).
O SR. CLÓVIS SCHERER - Eu vou começar respondendo às perguntas da Patricia e da Rute, que são basicamente a mesma pergunta: se a pessoa que já tem requisito para se aposentar no momento da aprovação da PEC teria os seus benefícios garantidos nas regras atuais. De fato, é isso que inclusive está registrado na PEC. As pessoas que já tiverem adquirido todos os requisitos para a aposentadoria ou para qualquer outro benefício, dentro das regras atuais, não serão afetadas pelas novas regras que vigorariam a partir da publicação da emenda. É claro que a gente tem que pensar assim: a pessoa se aposentou sob as regras atuais, mas vem a falecer sob as regras da PEC, então, a pensão que essa pessoa vai deixar para os seus dependentes já estará sendo definida segundo as regras da PEC, não as regras do momento em que a pessoa contribuiu para ter esse benefício.
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Da mesma maneira, como eu falei, o valor do benefício passa a ter regras que serão definidas numa lei complementar. Então, no futuro, embora você possa ter tido aquela expectativa de manter um determinado padrão de vida, dependendo de como esses reajustes futuros virão a ser definidos, isso pode afetar essa sua expectativa, mas, para a aposentadoria, se você já adquiriu tempo de contribuição e idade nas regras atuais e já pode se aposentar, você não precisa, necessariamente, correr para se aposentar agora, pensando que a PEC virá para reduzir o seu direito. É isso que muitas pessoas fazem, e isso acaba aparecendo como uma corrida para aposentadoria. Então, as pessoas têm que agir com cautela com relação a isso e se informarem corretamente como a PEC vai lhe afetar.
Agora, em relação aos impactos da reforma da previdência na economia, qual é o raciocínio do Governo? Vou tentar simplificar aqui. O Governo espera conter o gasto público, porque isso vai gerar uma confiança maior do seu credor, dos investidores em títulos públicos. Essas pessoas do Brasil e de fora, portanto, vão cobrar um juro menor nos seus empréstimos para o Governo. Juros menores e maior confiança seriam seguidos de, justamente, um melhor ambiente para fazer investimentos. Isso iria resultar em geração de empregos, renda e na economia voltar a crescer. Esse é basicamente o raciocínio.
A crítica que eu faço a esse pensamento é a seguinte: na verdade, a decisão de investir não tem muito a ver com a segurança que você tem dos títulos públicos ou se o Estado é um bom credor e pagador da sua dívida; na verdade, o empresário investe se ele consegue olhar, no momento em que a sua nova fábrica estiver pronta ou a sua loja estiver montada, e ver que ele vai ter clientes comprando seus produtos, de tal maneira que ele possa fazer os lucros que ele espera. Para ter esses lucros, para ter essas vendas, ele precisa de gente com dinheiro comprando os bens, os produtos, bens e serviços.
Ora, se a PEC está cortando gastos, e esses gastos, como o próprio Prof. Moreira explicou, são gastos que se revertem em consumo por parte dos aposentados, pensionistas e mesmo dos trabalhadores, se esses gastos vão ser diminuídos, isso significa que uma parte dos consumidores não vai ter a renda necessária para comprar os produtos dos empresários. Portanto, o mercado não vai estar sendo um mercado em crescimento, a demanda não vai estar se expandindo e pode vir a ficar estagnada, inclusive, porque justamente o gasto público, pela emenda do teto, não irá crescer, independentemente do que vier a acontecer em termos de reforma. Qualquer...
(Soa a campainha.)
O SR. CLÓVIS SCHERER - ... espaço fiscal que vier a ser criado não vai se reverter em gasto público, nem em gasto dos aposentados e pensionistas.
Portanto, essa PEC não é uma PEC expansiva do ponto de vista do crescimento, ela é recessiva. Por isso, eu, como economista, desconfio um pouco da lógica do Governo e não vejo uma coisa tão alvissareira em termos de estímulo à economia no futuro, a partir dessa reforma. Ao contrário, eu acho que ela é recessiva e só favorece os credores do Estado.
Muito obrigado, mais uma vez, a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Esse foi o economista Clóvis Scherer, que falou pelo Dieese.
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O Frei David mandou uma carta aqui para a Mesa. É claro que eu não vou ler a carta, porque ela é muito longa, mas eu acho que, quando eu ler três pontos do encaminhamento daqui, com duas, três linhas cada um, eu sinto que V. Exa. vai estar contemplado. Primeiro, você pede: que esta Comissão aprove e realize uma audiência pública específica, focando a comunidade negra, indígenas e mulheres, com certa urgência para garantir nossa voz neste cenário; que esta Comissão faça um ofício, também não vejo problema, exigindo do Governo uma auditoria dos mil devedores da Previdência Social e perguntando sobre o que o Governo está fazendo para recuperar este dinheiro, e também não vejo problema nisso, porque isso foi uma decisão também da CPI, só que nós faríamos especificamente um requerimento pedindo que ele faça, de fato, uma auditoria e dizendo o que está sendo feito, baseado até no resultado da CPI, se assim V. Exa. permitir; que se registre nos anais desta audiência esta carta aberta, que eu recebo aqui. O.k.? Lido, feito e encaminhado aqui para o nosso público, que são milhões que assistem às audiências públicas.
Eu quero só dizer quais são as próximas audiências. No dia 26 de março, reforma da previdência e o serviço público. Vamos insistir que venha alguém do Governo e também os líderes da área pública.
No dia 8 de abril, debate com o setor empresarial. Nós vamos convidar a CNI, a CNA, o setor financeiro para que eles venham aqui e exponham o seu ponto de vista de como eles estão vendo.
No dia 15 de abril, a previdência e os profissionais da segurança pública. O Senador Styvenson participou dessa discussão. Enfim, nessa amplitude, vamos juntos aqui ver os convidados.
No dia 22 de abril, de uma pergunta, inclusive, que eu fiz, as chamadas aposentadorias especiais, além, claro, dos profissionais da segurança que são especiais, mas daí nós pegamos área insalubre, penosa, periculosa, professores, especificamente as especiais, sem prejuízo dos profissionais da segurança. E quero dizer que eu defendo, deixando bem claro, que tanto os profissionais da segurança pública como aqueles que trabalham em área insalubre, penosa e periculosa, incluindo professores, são uma situação especial. Eu sempre defendi isso, ao longo da minha vida, e não vou mudar o discurso agora com a idade a que estou chegando - se não mudou antes, não vai mudar agora.
No dia 29 de abril, reforma da previdência - foi a Senadora Leila que pediu - com foco especial nos professores e toda a sua abrangência.
No dia 6 de maio, reforma da previdência com foco na desvinculação das receitas da União, e dá como exemplo a DRU.
No dia 7 de maio, a previdência e os profissionais da área da saúde.
No dia 13 de maior, sugestão da grande e inesquecível Fattorelli aqui presente, ela pediu a relação da reforma da providência e a auditoria da dívida pública.
Ainda só para informe, bem rapidamente, há mais quatro ou cinco.
Em 1º de abril, 9h, a influência dos fake news na sociedade, que é uma preocupação de todos. Fake news, de forma bem simples, são aqueles instrumentos que mentem e acusam pessoas de forma irresponsável. Quer acusar? Acuse, mas prove! Agora, não pode fake news dizer que ciclano e beltrano é isso ou aquilo e ficar por isso mesmo.
No dia 1º de abril, às 14h, dia internacional da conscientização sobre autismo.
No dia 2 de abril, violência nas escolas. O Senador Styvenson foi o autor.
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No dia 9 de abril, terceirização de mão de obra e irredutibilidade dos salários. É um problema da Casa aqui. Nós falamos tanto para fora e, às vezes, fazemos críticas a setores, mas, aqui, o Congresso é um dos lugares onde eu poderia dizer que há situações análogas ao trabalho escravo. Olhem a gravidade do que estou dizendo. Há situações de o cidadão ganhar um pouquinho mais de R$2 mil e, quando se vai ver, o salário dele é reduzido em 16%... São questões que acontecem aqui - e situações de como eles sobrevivem.
A responsabilidade aqui é de todos nós, eu não estou criticando esse ou aquele setor do Congresso. Todos nós somos responsáveis. Por isso, ainda está acontecendo. Eu vou chamar, inclusive, o TCU, porque a alegação que eu ouço aqui, na Casa, é: "Não, mas é uma orientação do TCU". Fazem a concorrência, o menor preço vence, e aí o concorrente, sabendo disso, para o cidadão que ganhava, por exemplo, R$2 mil, bota lá que ele vai ganhar R$1 mil, que é o salário mínimo. Aí é claro que ele ganha a concorrência, em relação à empresa que estava atuando aqui.
Eu acho um absurdo usar como barganha o salário do trabalhador, o vale-alimentação e o vale-transporte. O que eles alegam? "Ah! Agora, não é obrigado a pagar; eu não pago, não vai no preço final com que estou concorrendo e, consequentemente, eu abaixo o preço, ganho a concorrência". E o trabalhador ficará - é fato real isto aqui - sem vale-transporte e sem vale-alimentação, que todos os servidores da Casa têm. Só os terceirizados não terão. E registre-se que o dele perto do dos servidores da Casa, inclusive do nosso gabinete, é desse tamanhinho. Por que não tentam tirar dos servidores dos nossos gabinetes? Porque eles sabem que vão ter problemas. Então, pegam a parte mais fraca e vão tirar daqueles que ganham um pouquinho mais que o salário mínimo. Isso acontece aqui. Então, essa audiência tem esse objetivo.
No dia 23 de abril, violência sexual contra vulnerável. O Senador Styvenson foi também quem provocou.
No dia 16 de maio, dia internacional do enfrentamento LGBTfobia.
Essas são as audiências marcadas.
E essas que o Senador Girão propôs hoje vamos ajustar. Há datas abertas aqui sobre a questão do Judiciário. Lembro, porque para nós é importante isso. Se o Senador apresentou requerimento, eu estarei junto, mas eu estarei no plenário e quem preside será o Senador.
Muito, muito obrigado a todos.
Quero agradecer, por incrível que pareça, porque é um exemplo, no meu entendimento, a ser seguido. Agradeço a todos que estão presentes, aos nossos convidados que estão na Mesa, mas permitam que eu agradeça, especialmente, ao Senador Eduardo Girão e ao Senador Styvenson Valentim, desde o primeiro minuto aqui, numa segunda-feira, participando, elaborando, questionando, ajudando a caminhar. (Palmas.)
Agradeço a todos que ficaram aqui até o momento. E, claro, com muito carinho, eu agradeço os nossos convidados: Eduardo Moreira, professor e economista; Roberto Piscitelli, do Conselho Federal de Economia; Clóvis Scherer, economista do Dieese. Eu lamentei, claro, a não presença do Governo.
Uma salva de palmas a todos.
O bom debate há de continuar! (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas, a reunião é encerrada às 12 horas e 23 minutos.)