20/05/2019 - 36ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a 36ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 1, de 2019, desta Comissão, de nossa autoria e de outros Senadores, para debater, no meu entendimento, o ponto mais emblemático, mais polêmico, mais delicado e que merece, de fato, um debate aprofundado que é a reforma da previdência, com foco hoje na capitalização.
Eu sei que não é a primeira audiência que trata desse tema, mas eu entendo que, nesta segunda-feira, em que nós estamos falando para todo o País pela Rádio Senado, pela Agência Senado e pela TV Senado, ela é muito importante para que todos entendam o que é essa tal capitalização.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários, perguntas, dúvidas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania no link www.senado.leg.br/e cidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211. (Pausa.)
Nós vamos fazer duas Mesas.
Eu vou seguir a ordem que está aqui.
Convidamos, de imediato, Mauro José Silva, Diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco).
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Meus cumprimentos pela presença de todas as entidades. (Palmas.)
Juliano Musse, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos (Dieese). (Palmas.)
Milko Matijascic, técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos em Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). (Palmas.)
Como nós vamos fazer duas Mesas, aqui eles colocaram por ordem de chegada.
Luiz Alberto, consultor do Senado Federal, que trabalhou também como assessor da CPI da Previdência. (Palmas.)
Depois, teremos na segunda Mesa: Guilherme Zagallo, advogado e representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (CNASP); Leonardo José Rolim Guimarães, secretário de Previdência da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia; e Hermes Rodrigues Nery, professor e coordenador do Movimento Legislação e Vida.
O Leonardo José Rolim Guimarães não chegou, mas, pelo menos, confirmaram a presença dele. Como sempre o representante do Governo é o último a falar, nós vamos iniciar o debate conforme foi...
Senador Styvenson Valentin, seja bem-vindo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. Estaremos aguardando no meio do debate.
Rapidamente, pessoal, enquanto aguardamos a chegada dos outros convidados para a segunda Mesa, eu quero repetir o que disse antes: esta é a audiência pública mais importante no meu entendimento. Tudo é importante na reforma, mas, para mim, esse é o problema nº 1; depois, há os problemas 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 - eu vou parar de contar, senão não haverá audiência pública aqui -, e num momento tão complexo - vou usar esse termo, baseado aqui no meu papel de Presidente - da conjuntura nacional
O Brasil ficou perplexo com o que viu nesse fim de semana: uma carta publicada pelo Governo, de fonte, em tese, oculta, mas que não é oculta. Todo mundo sabe quem a redigiu, mas, quando é assinada pelo próprio Presidente... O Brasil ficou - eu diria - até assustado, porque todos nós defendemos a democracia, somos apaixonados pela democracia. Eu sempre digo que com a democracia, tudo; sem a democracia, nada.
Quando achávamos que não poderia vir nada mais, as capas de todas as revistas mostram também uma enorme preocupação, começando, claro, com a mobilização popular. Uma das revistas fala que milhões de pessoas estiveram nas ruas naquele movimento liderado pelos estudantes.
Ainda hoje, eu vinha no carro ouvindo uma das emissoras de muita audiência no Brasil que falava de outra publicação de hoje em que... Enfim, quem lidera o País e foi eleito pela via democrática - não estou fazendo nenhum questionamento nesse aspecto - fala que ele é um enviado de Deus, mediante uma publicação de um pastor...
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Eu não tenho nada contra pastor, pelo contrário, há na minha família gente que é pastor, e não nego minhas origens. Eu não sou, mas há quem seja. Eu sou católico apostólico romano, mas preocupa quando a imagem de Deus é usada com tanta facilidade para fins outros, e Deus não tem culpa de nada disso, eu tenho certeza absoluta, independentemente da religião de cada um.
Mas, enfim, como esse tema é muito importante, eu espero que o representante do Governo esteja se deslocando para cá. Não chegou nenhuma informação aqui ainda. É o Sr. Leonardo José Rolim Guimarães, Secretário de Previdência da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia. Algumas vezes em que houve algum atraso, a Comissão foi comunicada, "olha, vai sicrano, vai beltrano". Eu espero que o acordo que nós firmamos com o próprio Ministro da Economia, Paulo Guedes, no debate lá na Comissão de Assuntos Econômicos, em que ele me garantiu que em todas as audiências públicas haveria um representante para fazer o contraditório... E estavam mantendo até hoje. Espero que - não estou fazendo nenhuma crítica - hoje, nesse tema tão importante, tenhamos aqui alguém do Governo também para falar sobre esse assunto.
Mas, como eu digo, nós estamos falando aqui para mais de 2 milhões de pessoas, na segunda-feira pela manhã. Então, vamos deixar que as pessoas assistam pela TV, pela rádio e pela agência, à exposição dos senhores.
Vamos direto ao tema. Passo a palavra, de imediato, a Mauro José Silva, Diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco).
Como é um tema muito, muito importante, como eu disse aqui duas ou três vezes hoje, o normal aqui é o tempo de dez minutos com mais cinco, mas eu vou dar de imediato dez com mais dez e vou pedir a todos que fiquem nos vinte minutos. Então vamos lá. Dez com mais dez para cada um. Apesar de que alguém perguntou para mim por que o representante do Governo fala um tempo maior. Eu já disse isso e vou repetir hoje: aqui nós temos, por exemplo, quatro, cinco ou seis pessoas que falarão numa visão, digamos, divergente da proposta do Governo. É natural que o representante do Governo, para responder a todos, tenha que falar um pouco mais. É uma lógica. Se eu boto cinco... Não é que eu boto, a gente coloca sempre em equilíbrio, mas é que o Governo não consegue mandar três para cá que defendam sua posição, mas, mandando um, pelo menos, já faz o contraditório. Então, eu dou um tempo maior, e darei hoje também; se houver alguém aqui já da assessoria do Governo, quem falará pelo Governo terá um tempo maior para responder a todos os debatedores.
Mauro, é com você.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Bom dia a todos. Peço desculpas a todos pela minha voz, mas eu estava de cama ontem. Ainda assim vim, Senador, porque o debate é importante, e são poucas as oportunidades, temos que ocupar esses espaços.
Então, agradeço primeiro ao Senador pelo convite. Estamos sempre dispostos a contribuir. Temos trabalhado com algumas notas técnicas, e debater isso faz parte do espaço democrático, do trabalho democrático. Que bom - esperamos que realmente o representante do Governo venha - que outros façam também o contraditório.
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Inicialmente, há um vídeo, Senador, que a gente combinou de passar, e eu gostaria de que fosse passado esse vídeo. Faz parte de uma campanha, e esse vídeo é exatamente sobre a capitalização. Então, eu pediria que começasse a nossa exibição.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Justamente uma das notas técnicas, que a gente vai comentar aqui, que é a primeira parte, e uma segunda nota técnica são o tema da nossa apresentação.
Vou explicar como a gente chegou a esses valores - logicamente não dá para entrar em detalhes aqui.
Essa Nota Técnica 12 está no nosso site, o site da Unafisco, e lá está toda a metodologia, todos os números. Então, nós temos duas notas técnicas sobre esse assunto, uma que estima o valor... Porque sempre se dizia: "Isso é para interesse dos bancos, capitalização é para os bancos". E a questão era: mas quanto vai significar para os bancos a capitalização? Então a gente fez um estudo e chegou a esse valor. Vou mostrar para vocês como foi feito.
E há essa Nota Técnica 13. Estamos nos últimos detalhes de diagramação, não está ainda no site, mas deve estar nos próximos dias, que é... Se a 12 via pelo lado global, quanto os bancos iriam faturar a mais, essa 13 vê pelo lado do trabalhador, é uma visão micro, do trabalhador. O que acontece se ele participa dessa capitalização? Vou mostrar para vocês.
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Nessa Nota Técnica 12, em que a gente tenta fazer uma estimativa do faturamento dos bancos, do acréscimo do faturamento dos bancos com a capitalização, a gente adotou algumas premissas. Primeiro, nós partimos de que a arrecadação das contribuições previdenciárias é de R$423 bilhões. Então, esse é o bolo, 100%. Hoje você tem a contribuição de um do trabalhador para dois da empresa, o trabalhador contribui com 11%, a empresa com 20%; em termos gerais, um para dois, até o limite de contribuição máximo de R$642.
A migração do sistema atual para esse sistema de capitalização, nós adotamos que não existe nesse modelo. Provavelmente quem concebeu ou está concebendo isso deve propor uma migração, mas nós não colocamos isso.
A gente adotou que há um ciclo completo de 35 anos, e a primeira pergunta é: quantos trabalhadores entram por ano? Então, a primeira premissa é a seguinte: 1/35 dos trabalhadores se aposenta todo ano, do conjunto dos trabalhadores, e 1/35 entra. É necessário fazer essa premissa. Então, todo ano entra 1/35 de trabalhadores. Como eu vou criar um novo sistema, esse novo sistema começa com um 1/35 e vai crescendo até chegar no total, e segue para diante com esses 100%. Então, no primeiro ano da capitalização eu tenho 1/35 de R$423 bilhões, que vai ser administrado pelo banco; no segundo ano, 2/35; 3/35, e assim cresce. Vejam só exatamente isto: ao final de 35 anos, todos esses recursos das contribuições previdenciárias estão nesse sistema.
Eu não posso considerar apenas - essa foi também uma discussão nossa - um ciclo de 35 anos. Por quê? Porque eu só tenho acumulação. E a instituição financeira ganha tanto na acumulação quanto no próprio período de aposentadoria, porque ela cobra a taxa de administração sobre tudo que está depositado. E também o primeiro ano é um ano de crescimento. O primeiro ciclo de 35 anos é um ciclo de crescimento, e o segundo ciclo já está pleno, é onde há realmente a manifestação plena do faturamento das instituições financeiras. Por esse motivo eu não poderia considerar só um ciclo de 35, considerei dois ciclos de 35. Portanto, é exatamente isto: no ano um, 2,86% dos trabalhadores entram, até o ano 35, que é 100%, e segue assim. Quando chegar ao ano 35, todo ano entram para a administração das instituições financeiras R$423 bilhões, que é o que é arrecadado hoje.
Já expliquei isso.
Esse faturamento da instituição financeira advém de duas coisas: a taxa de carregamento, que é a taxa em cima do que é depositado, e a taxa de administração, que é sobre o total depositado. Gente, há uma confusão aí: não é sobre o rendimento no ano, é sobre tudo. No dia 1° de janeiro, você está devendo 2% para o banco sobre o seu patrimônio. Pronto, taxa de administração é isso: em 1° de janeiro, estou devendo 2% do que está depositado lá para o banco. Se o meu rendimento ultrapassar, estou bem; se não, diminui o meu patrimônio. É isso.
Nós adotamos como taxa real de juros 2,89%. De onde nós tiramos isso? Eu peguei a Selic do ano passado, que foi um ano de taxas relativamente baixas, e vi em quanto a Selic ultrapassou a inflação: 2,89%. Além disso, 2,9% ou 2,89% de taxa real é uma taxa bastante aceitável para padrões internacionais, então adotei isso. Evidentemente que aqui é um ponto sensível.
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(Soa a campainha.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Quando você fala de matemática financeira, duas coisas são sensíveis: o tempo e a taxa de juros. Mas aqui eu tenho uma premissa bem estabelecida. Quem quiser ver os números, como isso foi sendo calculado, procurem, então, a nota técnica, que está lá no site.
Quando eu chego ao final dos 70 anos, mostrando que o faturamento das instituições financeiras chega em 27 trilhões, e divido pelos 70 anos, eu adoto que o faturamento médio acrescido das instituições financeiras no período de 70 anos é de 388 bilhões.
Esse estudo, até agora não apareceu ninguém para mostrar onde está errado. Estou querendo que alguém me mostre onde ele está errado, mas ninguém apareceu para contestar até hoje. Isso já foi divulgado pela mídia, inclusive. Está aí o número que mostra qual é o faturamento das instituições financeiras.
Nesse estudo, também há o seguinte... Acho que é no próximo... Bom, então está aí: o faturamento das instituições financeiras com a capitalização: 388 bilhões por ano.
Toda a metodologia e parte do que apresentei aqui está na nota técnica.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Você diz por ano.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Trezentos e oitenta e oito bilhões por ano é acrescido ao faturamento; é por ano, não é o total, é por ano, para chegar em 27 trilhões em 70 anos. É um negócio assustador.
Agora, sob o ponto de vista do trabalhador... Está nessa Nota Técnica 13, também é uma outra coisa que sempre me intrigou. "Ah, Chile para cá, Chile para lá, que lá no Chile reduz de 25% a 30%...". Eu falo: mas vamos ficar só nesse discurso? Cadê os números? Eu tenho os números. Mostrei aqui.
A capitalização, como vocês sabem, pode ser financeira ou nocional.
A financeira é essa em que eu separo o dinheiro num fundo e o banco administra, e na nocional não há separação de dinheiro. Mas a que estão propondo é a capitalização financeira sem participação de empresa. A financeira tanto pode ter a participação dos empregadores como não, mas a proposta já amplamente exposta é que não tenha a participação do empregador - isso o Ministro já falou várias vezes. É similar ao Chile. E eu trago aí até para mostrar, porque é espantoso, porque são o Chile e mais dois ou três países só... Mesmo onde existe capitalização financeira, há participação do empregador. Está aí a lista de países, que nós tiramos desse estudo da OCDE.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Pode ler o nome dos países.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Vários países, como Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, todos têm uma participação de no mínimo um para um, há país ali com mais de um para um. Na Finlândia, é mais do que dois para um; na França, é quase dois para um também. Na Hungria, dois para um; em Israel, um para um, gostam tanto de se inspirar... Na Itália, mais do que dois para um; no Japão, um para um; na Polônia, um para um; na Suécia, mais do que um para um, e assim por diante. Então, esse sistema de capitalização financeira que em si mesmo já é complicado, como nós vamos ver, para o trabalhador, sem a participação do empregador, eu provo - estou provando nessa nota técnica - que é inviável.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para ver, porque eu fiquei na dúvida: na Islândia, qual é a parte do empregado e do empregador?
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Islândia está como zero do empregado e 7,35% do empregador. São dados tirados desse estudo da OCDE.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Exatamente, no público. Exatamente.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Privado é diferente, 4% e 8%, um para dois.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Assim mesmo é um para dois no privado.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Assim mesmo é um para dois.
O que nós fizemos, então? Pegamos a tabela prevista na PEC e tomamos o trabalhador com três salários mínimos; calculamos a contribuição dele segundo a tabela da PEC; adotamos como taxa real 2,89%, que é aquilo em que a Selic ultrapassou a inflação; e adotamos como taxa de administração e taxa de carregamento 2%. São premissas que têm que ser dadas. Aí podem dizer: "Bom, Mauro, mas vai ser de 2%, está na PEC?". Não está na PEC a taxa de administração. No Chile, é de 2,5%. Se você olhar em previdência privada, há taxas de administração superiores a 2% e inferiores. Então, 2% é uma taxa que se situa entre o máximo e o mínimo, menor até do que a taxa de administração cobrada no exemplo tão clássico que é o do Chile. É menor aqui, eu adotei só 2%.
Tive que fazer mais premissas: trabalha-se durante 40 anos, que é a proposta, para se ter direito a uma média de 100%. Então, tive que colocar lá 40 anos. Aposentando-se aos 65, com sobrevida de 18,5 anos - todos dados do IBGE. Então, o patrimônio tem que durar até os 84 anos.
E não cobre outros eventos: o risco de sobrevida maior, pensão por morte, nada disso. Só cobre o período de sobrevida do próprio trabalhador.
E aí nós colocamos o início e o final, para vocês verem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É importante o que você falou aí. Nesse sistema, pelo que você fala, pensão por morte...
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Não está. Teriam que se criar outras alíquotas, outras fontes de financiamento para pensão por morte, para o risco de sobrevida superior aos 84 anos, porque 84 é uma média, vai haver alguns que vão sobreviver mais, outros menos. Então, para esses riscos, precisa haver outras fontes de financiamento.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixe-me dar um exemplo. Um casal de idosos hoje, o homem trabalha, a mulher - existe muito no País - cuida da administração da casa, ou vice-versa: um morreu, o outro fica sem nada?
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Se não houver outra fonte de financiamento, se for só a capitalização, fica sem nada, porque só cobre... Seria uma pensão por morte que iria só até os 84 anos do instituidor, para a conta fechar, senão a conta não fecha.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Viveu até os 84, se a esposa ou homem tiver 84 e ele cumprir o papel de administrar, digamos, a família, a casa, a coisa toda...
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Não tem direito a pensão.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... vai ficar sem nada.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Se não houver outra fonte de financiamento, nessa simulação, não tem.
Então, o que nós fizemos? Começando o ano um de contribuição, olhem lá, de um trabalhador com três salários mínimos, contribuindo com R$284... E é só isso, porque não tem empregador, é só do trabalhador mesmo. E colocamos ali o quanto a AFP, que é a Administradora de Fundo de Pensão - adotamos esse nome já tão conhecido -, tira de taxa de carregamento e de taxa de administração. No primeiro ano, a taxa de administração é pequenininha, mas depois ela vai se tornando o grande vilão dessa história.
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Então, vocês vejam que ele, que deveria formar um patrimônio de R$3,7 mil, acaba ficando só com um patrimônio de R$3,6 mil no primeiro ano, porque é retirada a parte da instituição financeira. Olha lá, vejam que ela tira 74 mais 73. Só que isso vai crescendo com o tempo. É aí que está o segredo.
Então, já no primeiro ano, tiram-se 4% do trabalhador. No segundo ano, significa 5%, por quê? A taxa de administração vai incidindo sobre o patrimônio para trás, o acumulado. E nós fizemos isso até o ano 40. E quanto deu de patrimônio do trabalhador? Duzentos e setenta e cinco mil. Seria o que ficaria para ele, mas não ficam R$275 mil na conta dele. Por quê? Porque o banco tira R$100 mil para ele. Nesse período, o banco tirou R$100 mil, que equivalem a uns 60% dos 170 que sobram para o trabalhador.
Então, sobram para o trabalhador, dos 275, 170 mil. E, com esses 170 mil, tirou já o dinheiro do banco, que foi 100 e que equivalem a 62% dos 170, vamos ter que pagar a aposentadoria do trabalhador com esses 170 mil. Este é o dinheiro que seria do trabalhador: 275 mil. O banco fica com 105 mil e ficam para o trabalhador 170 mil. E aí vamos pagar agora a aposentadoria. Nós temos que pagar a aposentadoria. Até quando? Até os 84 anos. Então, na minha planilha, eu fui colocando o valor da aposentadoria até eu conseguir pagar. Qual o valor da aposentadoria que eu tive que colocar para ele conseguir pagar? Setecentos e cinquenta reais, um quarto do valor!
Eu não estou fazendo discurso, eu estou falando, lidando com matemática financeira. Eu não estou dizendo que no Chile é assim. Eu estou dizendo que a matemática financeira é assim. É isso o que vai acontecer. A capitalização financeira proposta vai provocar isso. Você vai contribuir com um valor e vai receber um quarto desse valor como aposentadoria. Eu botei três salários, você poderia botar quantos salários você quisesse.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você contribui com três salários mínimos e vai receber, quando se aposentar, um quarto daquele valor.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Qualquer que seja o valor dentro do limite da tabela do RGPS, qualquer valor com que você contribuir, quando você for receber, é um quarto desse valor.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Menos que um salário mínimo.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Inclusive, nesse caso, é menos que um salário mínimo. Aqui não há nada que me permita dar essa garantia.
Então, a planilha me permitiu chegar a esse valor. Eu coloco o valor das contribuições acumuladas, eu começo com aqueles 170 mil e vou gastando, vou pagando a aposentadoria do trabalhador, mas o banco vai retirando o dele também.
Veja, no período de...
(Soa a campainha.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - ... pagamento da aposentadoria, o banco retira... Está ali, patrimônio, valor acumulado, valor recebido pelo administrador de fundo de pensão: 3.238, que são os tais 2%. Então, eu fiz ali: eu tiro os 170, pago a aposentadoria, joga 2% e vamos vendo o quanto vai sobrar. E vamos fazendo isso ano a ano até chegar ao ano 84.
Para chegar ao ano 84, eu tive que reduzir os 2.994, que são os três salários mínimos, até os 750, porque senão eu não pagava, ou seja, eu tive que reduzir a um quarto. Isso é o que se diz do Chile, mas não é discurso, não é reportagem de jornal nem de revista. Está provado em números. Não concorda? Venha mostrar onde está o erro, porque talvez eu esteja errado. Estou livre aqui para discutir. E, se eu estiver errado, já peço desculpa porque estou errado, mas, se não estiver, esse é o número, matemática financeira purinha.
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E vejam que a instituição financeira ganha 226 mil. Quando o dinheiro acaba, ela já ganhou 226 mil do dinheiro do trabalhador; ou seja, o trabalhador teve 170 mil para ele poder gastar e pagar a própria aposentadoria, e a instituição financeira, 226 mil. Então, quem tem a grande parcela é a instituição financeira. Evidentemente que eu corrigi também a parte do trabalhador, porque, senão, não seria correto fazer. Então, o patrimônio do trabalhador corrigido seria 292 mil e o da instituição financeira, 226 mil; ou seja, o equivalente a 78% daquilo que o trabalhador usufrui fica com a instituição financeira. Então, a realidade é essa. São números que estão aí. Eu queria apresentar esses números para vocês.
(Soa a campainha.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Está ali. O trabalhador, 750, que é a aposentadoria dele; e o banco, 226 mil daquele total dessa brincadeira toda.
Então, vejam, a principal conclusão é esta, gente: adotando a tabela da PEC, sem contribuição do empregador, porque essa é a proposta - não está na mesa outra coisa -, com participação dos bancos - essa também é a proposta -, o valor acumulado pelo trabalhador seria de 275 mil. Entretanto, a remuneração do banco consome 105 mil. Ficam para ele 170 mil. Esse cenário possibilitaria o pagamento de uma aposentadoria de R$750, como já disse aqui, pela sobrevida de 84 anos.
Na Nota Técnica 13, há outros cenários: com contribuição do empregador, a situação atual de um para dois...
(Soa a campainha.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - ... com contribuição do trabalhador e sem instituição financeira, mas eu não vou apresentar, porque essa não é a proposta, não está na mesa. Para quem quiser, em mais alguns dias, vai estar no site. Mas o que está na mesa, o que está colocado com todas as palavras é isto: é contribuir com um valor e se aposentar com um quarto desse valor. Esse é o sistema de capitalização financeira, que está aí em números. E, na prática, é só olhar o Chile, mas, para não dizer que é discurso, eu fiz em números para provar o que acontece. Acontece isso, está certo?
Conclusão: sem empregador e com instituição financeira, é um fracasso, é condenar o trabalhador a viver na miséria. A proposta é essa, está certo? Na nota técnica, há outros cenários, mas eu fico até aqui. Então, os números mostram isso. E, se estiver errado, pode aparecer alguém para contestar. Não há problema nenhum.
(Soa a campainha.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Então, Senador - a sineta já está tocando bastante -, eu agradeço a paciência e peço desculpa pela minha voz também, mas a nota estará no site nos próximos dias para quem quiser esmiuçar, criticar, quem quiser mandar e-mail, me ligar para debater. Quem quiser me convidar para ir debater em qualquer lugar estarei lá para debater isso daí. Não há problema nenhum. Estou à disposição.
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Agradeço mais uma vez, Senador, pelo convite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ficou dentro do limite do tempo. Parabéns, Mauro José da Silva, Diretor de Defesa Profissional de Assuntos Técnicos da Associação de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). Todos falarão novamente e vocês, inclusive, poderão complementar a informação que deram aqui.
Mas meus parabéns pela primeira exposição, que é assustadora, e vejo que ele disse que "com quem pensa diferente, eu estou disposto a dialogar".
Esse tema é tão importante que, eu, de pronto, já vou deixar marcada uma outra audiência pública para debater capitalização.
Juliano Musse, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), por favor, o mesmo tempo: dez com mais dez; ali, no final, a gente ajusta.
O SR. JULIANO MUSSE - Bom dia a todos e a todas.
Senador, obrigado pelo convite. Agradeço em nome do Dieese. Cumprimento a mesa e todos aqui presentes.
Eu achei que fosse falar depois do Secretário de Previdência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É que a gente colocou por ordem de chegada aqui.
O SR. JULIANO MUSSE - Seria interessante.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O secretário vai falar depois que todos falarem, mas sem prejuízo de fazer o debate.
O SR. JULIANO MUSSE - Sim, claro.
De imediato, vou aqui passar para...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pelo menos a informação da assessoria é que ele está vindo. Informaram-me agora aqui. Um cidadão estava ali atrás e mandou avisar a mesa que ele está vindo.
O SR. JULIANO MUSSE - Bom, eu faço uma chamada no título: Capitalização para Quem? Eu acho que, ao final, dá para se ter uma noção de quem será o grande beneficiado desse sistema de capitalização, e, de imediato, eu digo que não é o trabalhador brasileiro.
Eu tentei fundamentar aqui - é uma exposição rápida, não temos muito tempo - em três pontos. Vou tentar discorrer sobre esses temas de uma maneira breve, mas com menos intensidade na questão da desconstitucionalização por ser um tema talvez que os colegas do Direito possam entrar com mais detalhes e com mais propriedade.
Bom, eu entendo da seguinte forma: colocar algo que vai mudar a vida de uma sociedade sobre aquilo que foi entendido pelo Constituinte - que havia a necessidade de um quórum maior para poder se chegar a uma determinada aprovação -, e isso ser feito por lei complementar como forma de facilitar essa aprovação, eu acho um erro gigantesco, não concordo com isso. Há também a questão da ofensa ao princípio jurídico que, como eu disse, alguns colegas do Direito podem entrar nessa questão com mais propriedade, mas, basicamente, é isto: você tem a retirada de regras da previdência para facilitar futuras mudanças de uma maneira mais fácil com um quórum menor.
Eu serei fiel a essa minha apresentação aqui, tentando discorrer sobre o que está colocado ali. Então, veja: mais uma vez, desconfigurar aquilo que foi proposto como forma de ter um quórum maior para a aprovação é fundamental. Ao se colocar isso como lei complementar, eu já vejo um erro de partida.
Vou falar um pouco da experiência internacional, saindo até um pouco do Chile, porque senão fica uma coisa muito monótona. Todo o mundo fala do Chile. Vou sair um pouco dessa questão do Chile. O Milko pode falar em relação às experiências internacionais com mais propriedade. Vamos tentar falar um pouco sobre isso. Existe um trabalho da OIT, no final do ano passado, em que ela analisou os 30 países que privatizaram total ou parcialmente o sistema de previdência. Desses países...
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vou interrompê-lo, Juliano, porque chegou neste momento aqui o nosso convidado representando o Governo, Dr. Leonardo José Rolim Guimarães, Secretário de Previdência da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia. Eu quero primeiro agradecer muito. Fica ruim para a Comissão anunciar que vem um representante do Governo e não vem. A sua assessoria confirmou que você estava vindo, e você estava chegando. As nossas palmas... (Palmas.)
Já está convidado a se sentar ao meu lado. Como eu já disse, você vai ser o último a falar. São duas mesas. Você terá um tempo maior para falar pelo Governo, até porque vai haver cinco ou seis debatedores aqui que vão deixar uma série de questionamentos para você poder expor com a tranquilidade e com o tempo devido.
O SR. JULIANO MUSSE - Bom, desses 30 países, segundo estudo da OIT, a América Latina com 14, o Leste Europeu e a ex-União Soviética com 14, a África com 2, total ou parcialmente, foram reformados. Desses países, até o ano de 2014, 18 fizeram uma rerreforma, ou seja, voltaram aos seus tempos antigos de repartição. Concluindo, dessa forma, segundo a OIT, que foi um fracasso para esses países essa volta, esse retorno. Você chega à conclusão de que o experimento da privatização foi um fracasso. Essa é a conclusão da OIT nesse estudo do final do ano passado. Está ali disponível para quem quiser consultar. Torna-se mais evidente que as intempéries de mercado interferem muito nessa questão. Muitos desses países fizeram essa rerreforma após 2008, após a crise de 2008. Esse é um fato importante que mostra a vulnerabilidade desse sistema de capitalização às intempéries de mercado.
No México, há um estudo de Barba-Sánchez e Mesa-Lago, e eu tentei me fundamentar basicamente no estudo deles. O resultado para esses autores, dentro de uma mesma convergência, é decepcionante. Você tem uma situação financeira precária nos institutos de pensão pós-crise 2008, a insistência em manter medidas ineficazes, aumentar tempo de contribuição, reduzir benefícios, uma baixa cobertura e alta informalidade. Eu chamo a atenção para o Brasil - lá no México, a cada 100 trabalhadores, 25 a 30 contribuem: se você pedir a qualquer estudioso do sistema para elencar três problemas ou grandes problemas que se tem relativos à capitalização. A informalidade vai estar em uma dessas questões, porque quem está no setor informal não vai participar, quem está desempregado, também não. Então, talvez fosse o caso de se atacar previamente, antes de se tentar uma reforma, fazer políticas de ativação, políticas de melhoria do sistema que envolve emprego, desemprego, informalidade... Então, os benefícios também prometidos pelos reformadores não se concretizaram e representam um quarto do salário da ativa.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me...
O SR. JULIANO MUSSE - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... até porque o representante, o Secretário de Previdência, José Rolim, chegou aqui. A exposição do Mauro José Silva, ele já concluiu. Ele fundamentou com dados e números exatamente o mesmo resultado que agora o Dieese está levantando. E eu fiquei assustado. Confesso que eu fiquei assustado, mas vamos te ouvir, naturalmente.
O cidadão, se contribuiu com três salários mínimos, dado que vocês usaram, representa que ele vai receber um quarto na hora de receber o benefício lá na frente, o que corresponde a menos que um salário mínimo. Então, foi muito forte essa afirmação, com dados e números, no painel inclusive. O cidadão hoje, pelo sistema de repartição, pela fórmula 85, 95 - só para situar bem a população -, se ele contribuiu com três, ele praticamente se aposenta com três. Agora, ele vai receber um quarto. Só para situar a primeira exposição, e você vai poder fazer toda a sua defesa, o.k.?
O SR. JULIANO MUSSE - Então, essa questão também é preocupante.
Eu coloco como último ponto ali a questão do que houve nesse processo de privatização do México. Há necessidade de estabelecimento de um benefício mínimo, aos moldes do BPC chileno, quer dizer... Desculpe, BPC, não; do BPS, que é um benefício mínimo, um benefício solidário que o Governo deu às pessoas que não conseguiam fazer um sistema de capitalização completo, não conseguiam se aposentar.
Então, chamo a atenção por quê? Porque, veja bem, em praticamente todos os países que experimentaram isso é interessante. Você tem uma coisa muito ligada a mercado, à capitalização - a maioria delas é ligada a mercado -, você tem institutos de pensão, você tem bancos por trás, mas sempre com socorro do Estado em algum momento, isso é unanimidade. Em quê? Em ofertar, em oferecer, em ter que oferecer ao cidadão, àqueles que não conseguiram se aposentar, um benefício solidário.
O Brasil é um país em que muitos não irão conseguir, Senador, guardar recursos em forma de poupança. Isso é fato. E o que está reservado a essas pessoas? Um BPC, R$400, com tentativa de aos 65 anos ter essa aposentadoria; aos 70, sim, de forma compulsória, você vai ter. Mas isso não existe, isso é um erro grave. Todos esses países que experimentaram a questão da capitalização tiveram socorro do Estado em algum momento. Então, esse paradoxo mercado-Estado...
(Soa a campainha.)
O SR. JULIANO MUSSE - ... é presente na maioria dessas...
A conclusão desses autores é que a quebra do princípio da solidariedade foi um erro, e supostas economias em que o Estado esperava um novo regime foram corroídas pelo elevado custo fiscal. Seria interessante o Secretário que está aqui presente já falar um pouco disso, que é a questão do custo de transição. Isso é um problema sério, um dos maiores problemas da capitalização que o Governo até agora não deixou muito transparente. E contínuas transferências de recursos, como eu já disse, para a Previdência Social.
Bom, aí há alguns casos. A República Tcheca - só para sair ver um pouco do Chile -, a Polônia e a Hungria foram países que seguiram à risca o que foi estabelecido pelo Banco Mundial, ali, no final dos anos 90. Então, esses países seguiram o modelo chileno, diferentemente da República Tcheca. A República Tcheca não seguiu, ela adotou um sistema meio que em dois pilares: repartição com capitalização. "Ah! Bom, então, foi um país que teve menos problemas, em que não houve corte de benefício, corte de direitos, ou problemas como na Hungria, que teve até licença-maternidade afetada... Tá, mas aqui no Brasil seria uma coisa similar...". Não, a capitalização é para quem quer - o Governo afirma isso -, e não seria de uma maneira obrigatória. Você poderia escolher, não tendo opção de volta. Uma vez que você escolheu, você segue isso até o final da sua vida contributiva.
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Bom, só que lá houve regras de acesso menos duras, na República Tcheca. É uma capitalização voluntária. Quer dizer, as pessoas não entraram muito nessa questão da capitalização. No Brasil seria a mesma coisa? Não. Vamos lá: se você cria um monstro, se você coloca na Previdência Social regras duras de acesso, se você rebaixa benefícios, ora, as pessoas que estão entrando não vão continuar nesse sistema; elas vão para a capitalização. "Eu vou fazer a minha poupança. Não vou me aposentar. Então, deixe-me fazer a minha poupança".
Será que essas pessoas vão ter condição de, ao longo de todos os anos em que se precisa, contribuir; será que essas pessoas vão conseguir fazer essa poupança? Eu acho que não. O mercado é extremamente heterogêneo: informalidade, rotatividade elevada. Então, eu acho que não. Eu acho que não vão conseguir isso, não.
Só para entrar um pouco na questão do Chile, no Chile empregador e Estado não participaram do custeio. Houve um sistema que privilegia aquelas pessoas com maior poder aquisitivo. Isso é uma coisa óbvia. Isso são autores... Tenho colegas no Chile que são unânimes nesse entendimento.
Para os mais pobres, houve uma reforma parcial em 2008, a criação da pensão básica solidária: 40% de um salário mínimo chileno, só para essas pessoas não ficarem numa posição de miserabilidade. A situação hoje é que 80% das pessoas no Chile aposentam e recebem o valor abaixo do salário mínimo, e 44% estão abaixo da linha da pobreza.
Vou colocar, um pouco, a manchete de jornal de que você não gosta. Mas, no Chile, no início dos anos 80, supondo que em 2020 teria 100% dos benefícios da ativa. Bom, o que houve em relação à rentabilidade dos fundos? Nos anos 80, uma rentabilidade relativamente boa, uma média que foi caindo ao longo dos anos e caiu muito a partir da crise em 2008. Quer dizer, você tinha um retorno ali de 12 nos anos 80, e nos anos de 2010 para frente, início de 2010 para frente, de 3,7. Quer dizer, a rentabilidade dos fundos também é ruim.
Hoje, o que se tem no Chile são praticamente seis fundos operando. Havia muitos mais fundos operando no início dos anos 80. Hoje, três seguradoras americanas controlam 72% desses fundos chilenos; entre elas - eu aqui tenho que destacar e não poderia deixar de destacar -, a PlanVital, que é da Generali, mas ela está sob o controle do BTG Pactual. Não vou entrar muito em detalhe do BTG Pactual, senão vão falar que eu estou pegando no pé, e não é isso.
O sistema de pensão solidária no Chile - eu já falei sobre isso - passou a arcar com aposentadorias dos 60% mais pobres. Possibilidade de mesma situação no Brasil? Sim, por essas pessoas não conseguirem formar uma poupança ao longo da sua vida laboral. Só para terminar aqui a questão do Chile também, você tem hoje perdas... Esse NO + AFP é um movimento no Chile tentando refazer, tentando fazer esse retorno, quer dizer, o Chile hoje - eu sou categórico em dizer - o Chile hoje quer ser o Brasil. Há unanimidade quanto a isso da população chilena, daqueles que pensam a previdência chilena. O Chile quer ser o Brasil, com todos os problemas que a nossa previdência tem. E nós querendo nos tornar o Chile... Não dá! Isso é uma questão que não faz sentido. A experiência chilena não é uma boa experiência. A experiência de outros países também: os países estão fazendo reforma.
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Um exemplo concreto aqui de um problema: pegou-se uma adepta ao NO + AFP, uma professora primária, de 62 anos, com contribuição de 10%, equivalente a R$750; ela tinha um salário de R$7.500 - isso convertido em reais -; ela teve um benefício de R$1.730, 23% da ativa, uma perda de 77%. Como um aposentado vai viver com isso? Uma pessoa que já está acostumada a ter uma vida em cima daquele salário? Como se um aposentado não precisasse de dinheiro para remédio, para uma alimentação diferenciada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só uma curiosidade: o salário mínimo lá em quanto mais ou menos? R$1.200, R$1.300?
O SR. JULIANO MUSSE - É, mais ou menos R$1.200, R$1.300.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele passa a ganhar praticamente... Ele ganhava R$7.500, passa a ganhar um salário mínimo e um pouquinho mais...
O SR. JULIANO MUSSE - É, é... No caso desse exemplo; existem outros exemplos que podem ser dados.
O custo de transição. Talvez fosse interessante aí o Secretário entrar nessa questão, porque é uma questão que gera muita dúvida. Acho que está faltando um pouco de transparência por parte do Governo em mostrar isso para a sociedade.
No Chile, você teve um custo de transição, de 1981 a 2015, situada em 136% do PIB, uma média de 4% ao ano. Vejam, é claro que é uma situação hipotética. Eu não estou querendo dizer que o Brasil vai experimentar esses 136%. Não vai ser isso. Mas, só para converter isso em valores, trazendo isso para o Brasil, seria, em 34 anos, R$9 trilhões. Quantas vezes isso é maior do que a poupança ou a economia que o Governo quer fazer...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para ficar claro - claro que depois o debate vai avançar - , eu tinha na minha cabeça sempre R$1,2 trilhão. Você aponta ali que, nesse período, vai dar R$9 trilhões?
O SR. JULIANO MUSSE - Sim. Assim, é claro que é uma situação hipotética, Senador, se em 4%, 3%, 5% ao ano do PIB.
Na Argentina, a previsão anual do Banco Mundial foi de 3,6% do PIB; no México, isso saltou para 4% do PIB. Aqui a Instituição Fiscal Independente faz uma simulação aí, uma estimativa de R$400 bilhões no primeiro ano. Eu não sei, eu não acompanhei muito se eles fizeram a projeção disso aí. Mas eu acho que falta um pouco de transparência do Governo em mostrar isso para a sociedade.
Vejam bem, não é só a questão do custo de transição - que fique claro isso. O custo de transição é um problema sério, porque não adianta você fazer economia por um lado e gastar por outro. Isso tem um custo para a sociedade. Quem vai arcar com isso? Quem vai pagar isso?
Outro exemplo claro que eu poderia dar aqui... Vejam bem, por ser uma reforma... Quando eu falo impositiva, eu não estou dizendo que... Porque está nesta Casa, não é, Senador? Veja bem, está sendo apreciada por uma Câmara, por um Senado. Está. Mas ela é impositiva no sentido de... Por que previamente não se discutiu à exaustão com os trabalhadores e seus representantes? Olhem, existem pontos e contrapontos. Vamos tentar chegar a um consenso do que é bom para a sociedade e trazer esse resultado para a Câmara e para o Senado. Isso seria muito mais transparente do que você pegar, propor uma reforma e jogá-la para que a Câmara e o Senado decidam.
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Eu acho que discutir isso com a sociedade, com representantes, centrais, representantes de categorias, do Regime Geral, do regime próprio dos professores, dos policiais seria muito interessante, não é?
Aqui, há algumas variantes pronunciadas...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixe-me incomodar, é que para mim tem que ficar claro - pois são, no mínimo, 2 milhões de pessoas que estão nos assistindo: no primeiro ano, estimativa do instituto aqui do Senado, que é um instituto muito equilibrado, equilibradíssimo e que já esteve falando aqui, nesta Comissão: R$400 bilhões?
O SR. JULIANO MUSSE - Sim, no primeiro ano.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Juliano, eu me esqueci de falar: na nota técnica que a gente fez 12, em que a gente estima o faturamento dos bancos, em uma das linhas, que pode ser tomada como custo de transição, que seria o patrimônio do trabalhador sem instituição financeira, se vocês olharem lá, em dez anos, dão R$800 bilhões, e isso chega, próximo - viu, Juliano, que me chamou a atenção -, nos 35 anos, o custo total da transição chega próximo, naquele estudo, com aquelas premissas todas, aos R$9 trilhões; são oito trilhões e pouco. Acho que você chegou bem próximo. Ali eu fiz uma...
Então, o custo total, nos 35 anos...
(Soa a campainha.)
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - ... seria aquele lá que você falou, realmente bem próximo disso. Então, dentro daquelas premissas, chegaria a esse valor.
O SR. JULIANO MUSSE - Então, em relação à questão de algumas variantes pronunciadas, utilização de FGTS para minorar aí a questão do custo de transição, sistema de cotas virtuais - já li sobre isso, há alguns estudos aí -, sistema multipilar, vejam bem, nada disso vai resolver o problema da baixa aplicação, do baixo poder contributivo do trabalhador brasileiro. O trabalhador brasileiro, a meu ver, não vai - em determinados momentos, sim, pouco valor -, em determinados momentos, não vai contribuir para essa poupança, para esse tempo de capitalização. Eu acho que falta um pouco.
E eu coloco ali onde estão as características de risco. Talvez fosse interessante o Governo divulgar isso com mais propriedade, com mais transparência mesmo, já que Transparência Nova Previdência é um nome. Vejam, onde estão as características de risco, os TTs ligados ao perfil etário da população, estudos do cenário...
(Soa a campainha.)
O SR. JULIANO MUSSE - ... a questão de longo prazo, estudos de aderência de hipóteses biométricas, demográficas, econômicas, se é para Regime Geral, se para regime próprio, uma análise atuarial, com mais questões que se relacionam a fluxo de receitas e despesas. Isso eu acho que não está sendo contemplado.
As lições aprendidas, no trabalho da OIT, são várias: taxa de cobertura estagnada; benefício previdenciário - estou terminando, Senador -; acirramento das desigualdades de gênero; os altos custos de transição criam pressões fiscais, custos administrativos elevados; quem se beneficia da poupança das pessoas? O setor financeiro - essa é a conclusão desse trabalho da OIT -; risco de mercado transferido para os indivíduos; diálogo social deteriorado. Quer dizer, o sistema de repartição é mais capaz de cumprir os princípios de solidariedade e da não discriminação do que as propostas de benefício definido.
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A quem interessa essa reforma foi a pergunta inicial que eu fiz. Talvez a instituições financeiras e bancos. O BTG Pactual é um exemplo nosso, um dos seis remanescentes que eu acabei de afirmar, e divulga em sua página no Chile que tem "sido um dos maiores distribuidores de fundos internacionais, fundos de investimento e fundos [...], entre [...] no Chile, Peru e Colômbia, principalmente entre Fundos de Pensão e Companhias de seguros". Quer dizer, ao BTG, a ele interessa uma reforma. Por quê? Porque essa é a lógica de um banco, de uma instituição de previdência privada que quer expandir seu negócio.
Eu acho, Senador, o seguinte: temos outros problemas a serem resolvidos, e eu acho, só para concluir, que a gente deveria sair um pouco dessa lógica da despesa e atacar um pouco mais a questão da receita. Nós temos problemas de desemprego, nós temos informalidade, nós temos rotatividade elevada, nós temos problemas de saúde do trabalhador após os 55 anos, com muitas doenças crônicas, crescentes. Então, esses são problemas, e aí que se relacionam para o lado da receita, que deveriam primeiro ser atacados, em vez de se pensar propriamente em se fazer uma reforma... Não que não seja importante, acho que reforma é importante, mas uma reforma em que não se ataquem ou se minimizem aqueles direitos sociais conseguidos com a Constituição de 1988.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Juliano Musse, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
De imediato, o técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos em Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sr. Milko Matijascic.
O SR. MILKO MATIJASCIC - Muito obrigado, Senador.
Gostaria de agradecer ao senhor e à Comissão de Direitos Humanos do Senado pelo convite, um convite muito honroso e, por intermédio do Secretário Rolim Guimarães, quero também cumprimentar os demais membros da Mesa.
Dado que o tempo é curto aqui, eu vou ter que ser bastante breve e, caso seja necessário, posso passar as publicações que deram origem às informações que passo agora nos eslaides.
Antes de tudo, eu preciso deixar claro que eu sou do Ipea, mas não falo em nome do Ipea nem falo em nome do Governo brasileiro. Isso que está sendo apresentado são resultados de pesquisas que eu venho realizando ao longo de 25 anos, relacionadas com questões da previdência.
Outra questão importante é que eu costumo ter um coautor, que é o Dr. Stephen Kay, que é diretor do Federal Reserve Bank, do Banco Central americano, Diretor para a América Latina, então são trabalhos em conjunto, e eu devo dirigir esses créditos a ele.
Dito isso, vamos prosseguindo.
O meu trabalho vai ser, embora não tenha sido combinado, um pouco em complementação ao do Mauro e ao do Juliano. Nós vamos falar talvez não olhando para a frente, mas olhando para trás, o que aconteceu, olhando para os fatos, e tentando com esses fatos aprender o que a gente pode refletir em relação ao Brasil, dado que o momento é crucial, as demandas são imensas, a crise é muito forte, e precisamos compreender isso para tomar decisões um pouco adiante.
Quando a gente fala em modelos... A gente fala numa abordagem paradigmática, que é o nome, digamos, teórico mais correto do ponto de vista internacional, para falar de capitalização, e a capitalização é muito ampla. Mas o que se fez na América Latina, o que se fez desde os anos 80, no caso do Chile, cuja proposta foi aprovada em 1981, e de meados dos anos 90 em demais países da América Latina e do Leste Europeu, em alguns países asiáticos, antigos integrantes da União Soviética, e também países como China, Rússia, enfim, países importantes, é um modelo de contribuição definida, ou seja, a pessoa sabe com quanto vai contribuir, mas não sabe o que vai receber lá adiante, quando vai se aposentar. Então, esse é um ponto importante.
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Hoje, o modelo do INSS, o modelo comum, o modelo clássico que nós temos é o seguinte: nós sabemos quanto nós vamos receber - 50%, 60%, 70%, 80% do nosso último salário ou da média dos salários, e isso reajustado pela inflação ou pela variação dos salários, digamos, do mercado de trabalho, para pegarmos as regras internacionais. Nesse modelo, não: a pessoa retira um determinado montante do seu salário, deposita numa conta, que, para simplificar muito, é como se fosse uma poupança. Em alguns casos pode ser que o empregador e outras instituições também depositem, mas normalmente é o contribuinte - no caso chileno é exclusivamente o contribuinte. E são três formas diferentes de reforma que foram realizadas. Nós temos o modelo substitutivo, o paralelo e o misto.
O substitutivo é o caso mais radical, clássico - esse é o caso chileno. Ou seja, para novos segurados, você encerra o modelo similar ao do INSS e você o substitui por um modelo, digamos que é como o Juliano estava explicando aqui, em que você deposita em administradoras de fundos de pensão, que vão gerir esse dinheiro. Então, você modifica. Isso é gerido por entidades sob a lógica do mercado. No Chile são entidades privadas, em outros países podem até ser entidades estatais, mas sob uma lógica de mercado financeiro.
O modelo paralelo, cujo caso mais conhecido é o da Colômbia, é aquele em que você mantém dois modelos, o modelo similar ao do INSS e um modelo parecido com o chileno, e os contribuintes podem optar por um modelo ou outro. Os novos segurados não podem optar, os novos segurados precisariam ir para o modelo do tipo chileno.
E o que foi muito utilizado, que é o modelo misto, que na verdade justapõe os dois tipos de reforma, ou seja, até um determinado ponto, até um determinado teto, você tem uma proteção similar à do INSS, que é uma maneira mais fácil de eu dizer, mais didática de eu colocar a questão, e, a partir desse ponto até o quanto a pessoa ganha de salário é um modelo similar ao chileno. O caso mais conhecido foi o da Argentina, mas também tivemos Uruguai, Costa Rica e uma série de países do Leste Europeu. Então, para começarmos, nós temos que dizer que, quando falamos em reforma, em capitalização, em contas individuais, como é o jargão internacional muitas vezes, nós não estamos falando exclusivamente de um formato, e, sim, de três formatos.
Seguindo um pouquinho adiante, quais foram as promessas de reforma da América Latina e do Leste Europeu? É muito interessante, existe toda uma literatura a respeito, mostrar que mudavam os países, mudavam as regiões; os idiomas, então, mudavam pra chuchu. Pensar que um chileno fala igual a um húngaro seria uma brincadeira... Mas os argumentos foram mais ou menos os mesmos, quais sejam estimular a poupança e o crescimento da economia - essa seria uma das justificativas da reforma -; aumentar o dinamismo do mercado de capitais; incentivar a eficiência e reduzir custos do sistema; elevar o número de contribuintes e beneficiários; eliminar distorções do mercado de trabalho e diminuir os riscos para as finanças públicas, ou seja, questões relativas a déficit público, a questão fiscal. Todos os países, sem exceção, apresentaram este mesmo conjunto de justificativas. E agora entra, digamos, muito especificamente a contribuição que eu quero dar aqui. O que aconteceu, qual foi a experiência, o que verificamos historicamente?
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Ponto um: houve aumento de poupança? Aqui selecionamos apenas três países, porque se nós formos selecionar todos os países fica impossível verificar, mas são três países bastante representativos do que aconteceu: Colômbia, México e Hungria. Também são países que têm dados, muitas vezes organizados e comparáveis. Comparações internacionais são difíceis porque exigem que a gente compare, por assim dizer, laranjas com laranjas, maçãs com maçãs, o que nem sempre ocorre nas comparações internacionais.
Então, o que nós verificamos? Por exemplo, a Colômbia vinha de um estágio bastante baixo de poupança. No momento da reforma, que é aquela barra branca, ela estava num ponto, logo em seguida cresce, mas depois, na barra vermelha, cai, e cai abaixo do que estava a barra branca. Ou seja, dizer que por si só uma reforma da previdência vai aumentar a poupança de um país não é o que se verificou com a experiência internacional. Muitos trabalhos teóricos mostram que um país tem uma determinada taxa de poupança, e, se essa determinada taxa de poupança não obedecer a um certo conjunto da economia, o que você vai poupar via fundos de pensão você "despoupa" por outras vias. Então, ela, por si só, não aumentará.
No caso do México nós vemos que as quedas são ainda mais radicais, e no caso da Hungria a queda é bem radical também. E se abríssemos para os outros países, as regras seriam muito similarmente essas mesmas, e quando ocorre um pequeno crescimento após as reformas é de países que vinham de contexto de poupança muito baixa, muito ruim, muito precária. Isso aqui foi apresentado pelo Banco Mundial, esses resultados são do Banco Mundial, não são de nenhum economista perigoso, e são resultados avaliando seu próprio erro ao incentivar esse tipo de reforma.
Vamos um pouco adiante.
Capitalização do mercado nos anos posteriores à reforma, ou seja, você vai colocar mais dinheiro na previdência, nas administradoras dos fundos, você vai ter mais dinheiro, digamos assim, para estar trabalhando no mercado financeiro. Nesse caso, a gente não recua, a gente pega o momento da reforma, que é a barra preta, e vai para a frente. Aconteceu essa maior capitalização?
(Soa a campainha.)
O SR. MILKO MATIJASCIC - Aqui pegamos um número um pouquinho maior de países: Argentina, Bolívia, Colômbia, Hungria e México. Não, ela não aumentou. De uma certa maneira, como a poupança, houve efeitos: substituição. Você tinha um determinado volume de recursos e ele foi colocado nos fundos de pensão e não foi para lá. Então, de um ponto de vista macroeconômico, é importante ressaltar: isso não ocorreu de um ponto de vista histórico. Repito: não ocorreu. É muito importante reter isso.
Vamos lá.
Um terceiro ponto, um problema muito sério aqui. É um gráfico um pouco mais chato: custo de gestão. Por exemplo, INSS hoje, aqui no Brasil, gasta com custos de administração, a depender do ano, cerca de 3% a 3,5% do que ele gasta com benefícios.
É um custo elevado. Os americanos gastam 0,5%, os suíços gastam 0,6%. Podemos nos comparar até mais aos americanos do que aos suíços por sermos um país muito grande e muito populoso. Então, não é muito eficiente. Agora, somos eficientíssimos, em termos de INSS, quando se compara com regimes capitalizados.
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O que eu estou vendo aqui com os valores mais baixos são os da Polônia, de 7,4. E isso eu estou falando só em custo de gestão, porque o Banco Mundial mesmo estima - não tenho esse dado aqui porque ele é um pouco mais difícil de colocar em gráficos - que, num determinado momento, entre 25% e 50% do que foi capitalizado foi açambarcado pelas operações do fundo. Quer dizer, você tem um lucro, mas você tem cursos de corretagem, compra, venda, custódia - ou seja, manutenção dos títulos. Então, são modelos extremamente caros. Isso comprova já uma correspondência antiga que havia do famosíssimo economista John Maynard Keynes com o Beveridge, que criou a proteção social moderna, e ele dizendo: é muito difícil você ter custos muito eficientes em regimes de capitalização - a lembrar que Keynes era um brilhante macroeconomista e conhecia profundamente matemática. E isso se verificou com toda a força na América Latina posteriormente.
Seguindo adiante, quais foram os problemas? Primeiro, o Juliano já mostrou aqui, confirmando: houve uma oligopolização. Não é um sistema de concorrência perfeita. Os custos são combinados, existe uma certa lógica, então isso é muito importante. Segundo ponto: uma redução drástica do valor das pensões. Nós veremos isso um pouquinho mais adiante. Custos de propaganda muito elevados. Aí, pegando o caso chileno, por exemplo, o que aconteceu? Existem muitas narrativas, um número enorme, é imenso mesmo, que diziam: "Olha, o meu vizinho é corretor desse fundo de pensão, então vou mudar do fundo de pensão que eu estou para o fundo de pensão desse vizinho, para dar uma corretagem para ele, para quebrar o galho", e nisso a pessoa perdia muito dinheiro, nessa transferência de fundos. Um desconhecimento muito profundo dessa lógica de funcionamento.
Custos de transição muito elevados, que é o que eu já estava dizendo. Então, para vocês terem uma ideia, os chilenos falavam em 11% de rentabilidade, mas quando você faz o cálculo - isso de taxa interna de retorno, não é igualzinho ao cálculo que foi feito pelo Mauro e pelo Juliano, que seriam valores bem mais reduzidos - caía pela metade, para menos da metade, que era 5,3 entre 1982 e 2003 no Chile. Isso é muito grave. É um sistema que açambarca muito esse tipo de coisa.
Então, só para nós termos outra ideia: melhoraria o número de contribuintes?
(Soa a campainha.)
O SR. MILKO MATIJASCIC - No caso chileno... Em todos os países que nós verificamos, com algumas exceções, não aumenta o número de contribuintes, e o número de beneficiários nos países que fizeram a reforma, esse número de beneficiários aumenta bastante. Então não foi um sistema que cumpriu o que prometeu, melhorar o sistema da previdência. Se vocês olharem os dados do Brasil nesses casos - que não fez uma reforma desse tipo - são rigorosamente similares aos dos outros países da América Latina que aqui estão presentes.
E assim: aposentadoria, para quem contribuiu de forma regular, a média das aposentadorias era receber 46%, ou seja...
(Soa a campainha.)
O SR. MILKO MATIJASCIC - ... menos da metade do que havia sido recebido no caso, digamos assim, de quem estava aposentando; a mediana, 37%. E, para quem estava de maneira irregular, como são as aposentadorias por idade, valores ainda muito menores.
Eu vou seguindo um pouco adiante.
Por que isso acontece? Isso acontece por causa do tipo de mercado de trabalho desses países. São mercados de trabalho profundamente instáveis, em que a proporção de assalariados é muito menor, em que o número de categorias, digamos assim, em situação mais frágil, como rurais, empregados domésticos e os famosos por conta própria, é muito alto. Então, o que acontece? Você tem uma densidade de contribuições em que a pessoa contribui, deixa de contribuir, volta a contribuir, deixa de contribuir. Num sistema desse tipo, isso é fatal. E isso acontece no Brasil, isso sempre aconteceu no Brasil e na América Latina. É pouco provável que a gente possa ter uma esperança muito grande para o futuro.
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Conclusão dessa história toda, muito rápido: no Chile, que se esperava que hoje tivesse um custo de transição zero, hoje o custo de transição custa 4,5% do PIB. Na Argentina, deterioraram-se as finanças públicas, e o próprio Banco Mundial reconhece que isso deteriorou gravemente a situação fiscal desses países. O Banco Mundial, que propôs essas reformas, reconhece que teria sido talvez melhor não fazê-las para a maioria dos países.
E, finalmente, mostrando aqui o que já vinha sendo apresentado, em que situação hoje estamos, no momento de reforma das reformas. O Chile mantém a sua reforma original; Colômbia, Uruguai e México, embora pareçam estar consolidando os seus sistemas, na verdade estão em processo e podem rever isso. Vários países que aí estão elencados, da Europa e da própria América Latina, são países que enfraqueceram - ou seja, você tinha um determinado patamar e você reduziu esse patamar para patamares quase mínimos - e países grandes e bastante populosos simplesmente se retiraram do sistema e voltaram ao sistema brasileiro.
Aqui foi tudo muito rápido, as informações num tempo muito curto, mas, se precisar, eu envio as pesquisas originais...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Você tem cinco minutos ainda.
O SR. MILKO MATIJASCIC - Ainda cinco minutos? O.k., é que eu ouvi tanta campainha aqui que eu já achei que eu estava no meu tempo aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu te confesso que a campainha foi para o plenário, porque a moçada lá atrás fica conversando e interfere aqui. Eu peço à assessoria que, dentro do possível, nos ajude aqui.
O SR. MILKO MATIJASCIC - O.k., Senador, muito obrigado.
Então, talvez apenas voltando... Essa é minha última tela, mas desse ponto de vista, verificando grandes países: Argentina, nosso vizinho; Hungria; Polônia; República Tcheca... Por exemplo, a República Tcheca é interessante: ela aprovou a legislação em 2013; em 2014, ela encerrou o sistema. El Salvador, por exemplo...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MILKO MATIJASCIC - Em termos legais, em 2016 digamos que isso finalizou, mas 2014 foi a legislação que decidiu fazê-lo.
A Rússia na mesma situação; o Cazaquistão; a Polônia primeiro reduziu... Como nós podemos ver, a Polônia reduziu num primeiro momento e num segundo momento se retirou, e a própria Bolívia também, dentro dessa sistemática.
Também, respeitando aqui o small is beautiful, vamos tentar falar menos tempo e de maneira mais consolidada, o que mostra a experiência internacional, o trabalho que eu e o Stephen Kay fizemos, é que os resultados foram muito ruins. Não há como colocar isso de uma outra forma. E foram muito ruins porque foram aplicados modelos hipotéticos em situações nada adaptadas a esses modelos hipotéticos.
O Joseph Stiglitz, economista muito importante, que, aliás, era economista-chefe do Banco Mundial quando começou essa crítica do próprio Mundial e Prêmio Nobel de Economia, colocava a questão da seguinte maneira: as pessoas que estão prometendo reformas estão comparando modelos que estão funcionando, como INSS, por exemplo - que, claro, como todo modelo humano, como todas as situações humanas que nós vivemos, tem qualidades e defeitos, muitos defeitos e muitas insatisfações -, com modelos hipotéticos, que estavam na cabeça de algumas pessoas, que necessariamente são ideais. Joseph Stiglitz chegou a dizer, em entrevistas, que parecia, de uma certa maneira, conto da carochinha, ou coisa desse tipo. Quer dizer, quando você chega na realidade, você vai ter que trabalhar com outra realidade e, infelizmente - digo "infelizmente" sublinhando a palavra -, na América Latina a nossa realidade é essa, é de mercados de trabalho extremamente precários. Para vocês terem uma ideia: no Brasil, que está numa média da América Latina, uma em cada três pessoas da população em idade ativa consegue contribuir. No momento em que é feita uma Pnad, por exemplo, se vê que menos de 20% dos trabalhadores, ou seja, um em cada cinco trabalhadores, consegue contribuir de forma regular como a maioria de nós aqui, que somos servidores públicos, ou Parlamentares, que também têm uma vida mais estável. Mas esse não é o caso daquele trabalhador que nós encontramos, por exemplo, no Setor Comercial, o nosso camelô, e é essa a população que temos que atender.
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(Soa a campainha.)
O SR. MILKO MATIJASCIC - Então, essa é uma situação muito complicada que precisa ser longamente discutida, e precisamos considerar a experiência dos nossos vizinhos. E lembro que, se o Chile tem esse resultado considerado desastroso pelos próprios chilenos, o Brasil é um país de situação econômica e fiscal bastante mais precária.
Eu agradeço a atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Muito bem, Dr. Milko Matijascic, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos de Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Eu achei interessante você trazer dados do Banco Mundial, achei muito interessante.
O SR. MILKO MATIJASCIC - É importante dizer que tudo isso que está sendo dito vêm de instituições multilaterais, não são cálculos de... (Fora do microfone.)
... pessoas que sejam radicalmente contra o sistema.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Por favor, Luiz Alberto, Consultor do Senado Federal e especialista também nessa área de previdência. Dr. Luiz Alberto, com a palavra.
Só lembro a todos que, pela importância do tema, hoje são dez com mais dez e um ou dois minutos no final.
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS (Para exposição de convidado.) - Muito bom-dia a todos e a todas!
Mais uma vez, agradeço pelo convite do Senador Paulo Paim.
Cumprimento aqui os colegas de Mesa, que já fizeram algumas abordagens que vão simplificar a minha tarefa.
Eu queria desde logo colocar aqui, para quem nos assiste em casa e talvez não tenha um conhecimento mais detalhado do que nós estamos realmente aqui examinando, que a Proposta de Emenda à Constituição nº 6, de 2019, a reforma da previdência encaminhada pelo Presidente Bolsonaro, promove uma mudança bastante radical, profunda, naquilo que nós convencionamos considerar previdência, e particularmente Previdência Social, no Brasil a partir daquilo que vem sendo chamado de Nova Previdência. Ou seja, o Governo propôs, por meio de lei complementar, que seria de iniciativa do Poder Executivo - já houve, na Comissão de Constituição e Justiça, uma amenização dessas reservas de iniciativa -, um novo regime de previdência, que, por sua natureza, é até difícil qualificar como Previdência Social, e que vai ser um regime de caráter obrigatório para quem a ele aderir, portanto, uma vez aderindo, não há como voltar atrás, no qual vai haver a previsão de uma conta vinculada para cada trabalhador, individualizando, portanto, aquilo que o trabalhador vai recolher, de modo a constituir uma reserva individual para o pagamento do seu benefício, em bases pessoas e individuais, a partir do momento em que ele cumpra os requisitos estabelecidos para a aquisição desse direito, para chegar a esse direito.
Essa lei vai definir a quem se vai aplicar esse novo sistema. Pode ser aplicável, por exemplo, só para quem ingressar no mercado de trabalho a partir da sua promulgação, mas também pode ter uma aplicação para quem ingressou no mercado de trabalho num certo momento ou nasceu numa determinada data, de modo a estabelecer uma linha de corte. E essa linha de corte é extremamente problemática, na medida em que o sistema, ao estabelecer alguns mecanismos de custeio e aquisição de direitos, vai gerar duas classes distintas de trabalhadores com custos diferenciados para os empregadores, e isso vai ter impacto na própria empregabilidade das pessoas da massa antiga, a menos que elas abram mão dos direitos até ali acumulados. E não há aí nenhuma previsão, a princípio, de como se daria a contagem do tempo de serviço passado na migração para o novo regime.
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Esse novo regime vai atender, basicamente, benefícios muito parecidos com aqueles já estabelecidos no âmbito do Regime Geral de Previdência Social - e aí o novo art. 201-A da Constituição vai estabelecer que ele deva assegurar benefícios programados de idade avançada e benefícios não programados, tais como morte, incapacidade, maternidade e, finalmente, também, riscos de longevidade. Esse regime vai ser obrigatoriamente adotado, a partir da sua implementação e regulamentação, tanto no âmbito do regime do serviço público, nos chamados regimes próprios, quanto no âmbito do Regime Geral de Previdência Social. Isso significa dizer, então, que esse sistema será substitutivo do atual sistema para todos os servidores públicos de todos os entes da Federação, e cada ente da Federação vai ter o seu próprio regime, como também para os trabalhadores do setor privado.
O art. 115, lá do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispõe ainda sobre algumas regrinhas, ou diretrizes, desse novo regime e, aí, há algumas contradições que nós precisamos olhar com certo cuidado, porque, de certa maneira, ele se desdiz. Vejam que está previsto lá regime de capitalização, regime de contribuição definida, admitido o sistema de contas nocionais - nós já vamos ver o que isso significa em maior detalhe, mas, a princípio, um regime de capitalização puro não é compatível com a noção de um sistema de contas nocionais pelo simples fato de que a constituição de um regime de contas nocionais pressupõe que o dinheiro que entre continue sendo gerido pelo ente estatal e, portanto, não esteja disponível para o trabalhador levar para onde bem entenda.
Haverá a garantia de um piso básico, que será coberto por um fundo solidário organizado e financiado nos termos estabelecidos em lei, e esse fundo, então, vai cobrir os benefícios de até um salário mínimo, um benefício mínimo, o que não quer dizer que o sistema seja destinado a cobrir apenas benefícios de um salário mínimo. Mas vejam que a previsão de um fundo solidário implica dizer que uma parcela desses benefícios vai ser coberta de forma solidária por todos os que contribuem, o que significa dizer que, se esse custeio vier das contribuições dos trabalhadores ativos, essa parcela da renda não será disponível para o próprio trabalhador levar para onde ele quiser. Não. Esse dinheiro terá que ser mantido num fundo solidário para a cobertura das despesas ou, então, terá que ser coberto por impostos, ou seja, pelo conjunto da sociedade, ou por outro tipo de contribuição que seja, também ela, de caráter solidário.
E há a gestão de reservas, que terá de ser feita por entidades de previdência pública e privada - e aí entra o aspecto mais problemático, a privatização desse sistema. Será feita de forma a assegurar transparência, acompanhamento etc., mas, curiosamente, aqui se prevê exatamente a livre escolha pelo trabalhador da entidade ou da modalidade de gestão das reservas, assegurada a portabilidade. "Assegurada a portabilidade" significa dizer que o trabalhador poderá tirar o seu dinheiro da sua conta gerida por uma entidade pública e transferir esse dinheiro para uma entidade privada, ou tirar de uma entidade privada e colocar noutra entidade privada. Ou seja, ele vai atrás daquilo que lhe seja oferecido pelo mercado, ou pelas diferentes operadoras desses planos de previdência, numa perspectiva de competição entre elas, o que, obviamente, vai fragilizar a noção de um fundo solidário ou de um regime de contas nocionais, onde o dinheiro precisa ficar sob a esfera do ente estatal. Essas questões desde logo colocam esse regime como uma coisa meio estranha. Ele realmente não é muito fácil de entender à luz de suas premissas e, particularmente, quando há uma previsão, no próprio inciso VII, de que o ente estatal não pode transferir recursos e não pode utilizar esses recursos para qualquer outra finalidade. Vamos entender melhor essa questão. Há várias alternativas de modelos previdenciários para a organização de regimes de previdência, e nós temos, desde o final dos anos 50 no Brasil, o que se chama de regime de repartição - pay as you go, ou seja, o pagamento é feito na medida em que as despesas vão acontecendo. E as gerações presentes, então, pagam os benefícios, em tese, das gerações passadas que estão em gozo de benefício.
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Essa foi uma opção feita, portanto, já há mais de 60 anos, no Brasil, na medida em que, no final dos anos 50, o Governo resolveu utilizar os recursos acumulados até então pelos institutos de previdência - ocorreu posteriormente a unificação da Previdência Social no então Instituto Nacional de Previdência Social - e destinar esses recursos para suas necessidades correntes na perspectiva de que, havendo déficits futuros, o Governo bancaria, o Governo asseguraria, e é isso que a nossa Constituição, inclusive, estabelece. Ou seja, esse regime foi uma opção governamental e, se hoje ele enfrenta algum tipo de dificuldade atuarial ou demográfica, isso decorre também do fato de que não houve capitalização, ainda que pública, em função de uma opção de Governo feita no passado.
O regime de contas nocionais parte de outra premissa, ou seja, há uma individualização das contas, mas essas contas não são efetivamente aplicadas no mercado financeiro. Elas continuam entrando no Tesouro, o Governo contabiliza essas contas, aplica sobre o valor individualizado dessas contas um índice de atualização até chegar ao momento em que a pessoa vá se aposentar. Essa chamada capitalização virtual permite que, ao final do período aquisitivo, se tenha um montante acumulado virtualmente a partir do qual é calculado qual é o valor da pensão, qual é o valor da aposentadoria que aquela pessoa vai receber ao longo do período de expectativa de sobrevida que ela tenha naquele momento. Isso gera, portanto, um benefício que é uma espécie de parte, ou parcela, daquilo que foi virtualmente acumulado, mas não existe realmente uma acumulação em conta individual. Esse dinheiro pode ser utilizado para, inclusive, custeio de despesas correntes do regime. Essa é uma grande diferença em relação aos regimes de capitalização pura. Da mesma forma que um regime de capitalização pura, porém, ele parte da premissa de que existe uma neutralidade atuarial, ou seja, aquilo que a pessoa vai receber corresponde àquilo que hipoteticamente ela acumulou nessa conta individual, não gastará mais do que juntou.
Aí há todas as questões de quanto é que, efetivamente, essa pessoa vai gozar ao longo do seu período em decorrência do quê? Do tempo de contribuição para essa conta e da forma como esses valores são atualizados.
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - A capitalização plena parte da mesma premissa, mas aí há, de fato, capitalização em conta corrente individual e, aí, se o dinheiro lá na frente não for suficiente para bancar um determinado valor de benefício, esse benefício será ajustado, será reduzido, seja em função do montante acumulado, seja em função da própria longevidade desse indivíduo. E é um sistema que depende drasticamente de quanto efetivamente essa aplicação rendeu. Aí nós temos que observar com muito cuidado essa questão, porque os mercados têm demonstrado, ao longo de décadas, uma enorme volatilidade, o que acaba afetando precisamente o valor dessas contas individuais acumuladas.
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Regimes mistos tentam misturar esses componentes todos para chegar a uma regra de composição de renda razoável. Ao longo dos anos se tem visto muitos países adotando esses sistemas mistos. Particularmente no âmbito da OCDE, vários países mantêm regimes de repartição complementados por regimes de contribuição definida, regimes de capitalização, que asseguram parcelas diferentes de taxas de reposição de renda. Alguns países passaram a adotar também esses regimes de capitalização nocional, e alguns desses países, inclusive, já estão voltando atrás também no regime de capitalização nocional.
Particularmente, há os exemplos que foram citados aqui, do Chile, do México e de outros países, que têm trazido grande preocupação em virtude dos riscos que isso tem colocado sob o prisma da garantia de uma renda digna na idade em que a pessoa se aposente. E os regimes de capitalização nocional têm também trazido algumas preocupações em virtude não apenas da condicionalidade de que esse benefício depende de critérios de longo prazo na hora de calcular o valor do benefício, como também da própria suscetibilidade que esses regimes têm a flutuações, por exemplo, da variação do Produto Interno Produto, de índices de preço ou de rentabilidade, adotadas pelos governos na hora de calcular a atualização desses ativos.
O Brasil tem, comparativamente, uma taxa de reposição de renda - considerando aí trabalhadores que ganhem uma vez e meia a renda média - relativamente alta em relação particularmente a alguns países particularmente da Europa e mesmo a países da América Latina. E essa questão tem sido colocada muitas vezes para dizer que o sistema de previdência do Brasil é excessivamente generoso. E é um sistema, sim, que cobre essa taxa de reposição de renda basicamente a partir de previdência obrigatória, pública, embora nós tenhamos aí um crescimento, não tão grande quanto seria de se esperar, da previdência complementar. Por quê? Porque no Brasil nós temos renda média muito baixa, baixa capacidade de poupança, as pessoas não têm dinheiro para destinar a uma sistemática de provisão fora do regime público, e essa é uma diferença fundamental para entender o porquê de, em alguns países, os sistemas de capitalização ou de previdência complementar obrigatória ou facultativa têm sido implementados. Aí os dados indicam claramente o quanto ocorre de redução da taxa de cobertura da previdência pública a partir da noção de regimes de capitalização.
É importante observar esses exemplos que a OIT levantou, no seu trabalho publicado no final do ano passado, de países que voltaram atrás - e que foram bem mencionados aqui - na adoção de regimes de capitalização em favor de regimes de repartição, ou seja, regimes públicos retrocedendo, portanto, em relação a reformas que foram feitas ao longo de algumas décadas.
O caso, talvez, do Chile seja o mais emblemático. Eu não vou me alongar aqui, porque as questões da OIT já foram mencionadas, mas, particularmente, a questão dos elevados custos administrativos e de como esses recursos são aplicados surgiram com muita veemência no caso chileno, cuja privatização, em 1981, por meio da transferência da poupança pública para entidades privadas, as administradoras de fundos de pensão, permitiu de imediato uma redução do custo do trabalho, ou seja, as contribuições previdenciárias baixaram de 27% para 10%, isso sob a perspectiva de trazer ganhos econômicos e assegurar um provento até integral para os trabalhadores ao longo do tempo. Não foi o que aconteceu. Sequer a dinamização da economia chilena pode ser associada diretamente a esse fato. Vejam que 41% do capital acumulado pelas administradoras de fundo de pensão acabaram sendo investidos no exterior, ou seja, houve uma exportação da riqueza chilena. O mesmo aconteceu na Argentina.
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Para os segurados, no entanto, o que aconteceu? Baixa cobertura, baixa taxa de reposição, vulnerabilidade a crises e a desemprego e, sobretudo, uma exposição muito grande ao problema do aumento da longevidade e da desassistência na velhice, levando a esse problema que foi o aumento da taxa de suicídios entre idosos, que é um efeito direto desse empobrecimento.
Isso levou, já em 2008, no primeiro Governo Bachelet, a que houvesse a discussão da criação de um pilar social, um pilar solidário, para a compensação de benefícios e, em 2014, esse debate voltou a se agudizar em função da constatação, por uma comissão criada lá no Chile, de que havia uma enorme quantidade de segurados - mais da metade dos aposentados - que recebia menos de um terço do salário mínimo. Em 2017 esse tema voltou ao debate eleitoral com a perspectiva da melhoria do valor das aposentadorias. Atualmente, inclusive, se aguarda a aprovação de uma legislação que reponha o papel da previdência pública no Chile.
E, quando essa discussão aconteceu lá atrás, em 1991, como já foi mencionado aqui, a promessa era esta: de que os chilenos se aposentariam com 100% do salário no ano de 2020, a partir de uma expectativa de rentabilidade de suas reservas acumuladas. Isso não se realizou, primeiro, porque as pessoas não conseguiram acumular e, segundo, porque as taxas de rendimento não se realizaram.
O caso mexicano é igualmente emblemático a partir da reforma implantada em 1997, mas que pegou lá um país que nunca teve uma cobertura previdenciária como a nossa, nunca teve uma cobertura suficiente para o tamanho da sua população - aí entram as características de pobreza da população mexicana. A partir dali, além da elevação dos requisitos para a aposentadoria - idade de 65 anos, 24 anos de carência -, se permitiu que chegássemos agora a uma situação em que a cobertura do sistema chileno é muito baixa, impactada pela rotatividade no mercado de trabalho. As pessoas passam grande parte do seu período...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Luiz Alberto, eu só queria agradecer a presença conosco aqui, desde o início, do Senador Nelsinho Trad e também do Styvenson Valentim, que estão preocupados com esse tema e, por isso, estão aqui. Sei que todo mundo nos chama nesta semana, mas...
Fica aqui a nossa salva de palmas para ambos. (Palmas.)
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - É importante notar que o sistema mexicano tem baixa contribuição, baixíssima contribuição, quando comparado com a situação brasileira e com a situação de outros países, ou seja, pouco mais de 6,5% de contribuições para o custeio dos benefícios.
Aí nós vemos que as taxas de reposição no caso mexicano são muito baixas, menos da metade, ou cerca da metade, do que é a taxa de reposição no Brasil com o regime de capitalização. Ou seja, lá, como regime de capitalização, a taxa de reposição sobre a renda média é de mais ou menos a metade do que é aqui no Brasil e muito inferior a de países da OCDE - e o Chile é um país membro da OCDE.
Setenta e dois por cento dos benefícios vêm desses regimes de capitalização privados, e há uma grande disparidade de tratamento em relação às mulheres, que são excluídas do mercado de trabalho, têm grande dificuldade, e uma grande parcela dos cidadãos mexicanos não conseguem efetivamente contribuir, sendo que, em média, eles contribuem por apenas metade de sua vida laboral.
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Finalmente, o caso sueco - o tempo não vai me permitir estender além disso - merece uma atenção especial, porque tem sido esse o exemplo que o Governo utiliza para dizer que pensa numa sistemática ou num regime de capitalização como esse. Esse regime foi implantado a partir de 1994 até 1998, com a introdução do sistema de contas virtuais. É um sistema, no entanto, que tem três camadas de benefícios: uma camada básica e mais duas camadas de capitalização nocional, sendo que uma delas é de capitalização plena; uma delas é de repartição nocional a partir de 61 anos para a aposentadoria, e outra, de capitalização plena. E, finalmente, aí, sim, há a previdência complementar obrigatória, definida em acordos coletivos pelas empresas.
Vejam que são três componentes importantes que, de fato, garantem uma cobertura de renda melhor do que a de vários outros países, num país que tem sido visto como exemplo de Estado de bem-estar social. Mas, mesmo no caso sueco, esse regime, que tem dificuldades grandes do ponto de vista operacional, acaba trazendo algumas dificuldades e consequências, inclusive lá, perversas. Há o próprio fato de que nós tivemos, a partir de 2008, uma crise econômica mundial, que acabou afetando também o caso sueco, também o regime previdenciário de capitalização nocional sueco, com perda no valor dos benefícios, decorrente do impacto que teve a crise econômica nos indicadores econômicos usados para a atualização.
Esses custos administrativos, que foram muito bem mencionados aqui e que...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - ... ocorrem no Chile, também ocorrem na Suécia, o que afeta ou reduz o valor dos benefícios.
E vejam: paradoxalmente, também há má gestão dos recursos, fraudes, fragmentação de investimentos, custos de transação, dificuldade de informação - as pessoas têm dificuldade de fazer as escolhas corretas ao longo do tempo - e elevação da desigualdade de gêneros, com redução de taxa de reposição entre homens e mulheres.
Essa é uma situação que nos preocupa, é claro, porque o Brasil não é a Suécia, e as regulações do sistema financeiro e, particularmente, da previdência privada têm se mostrado insuficientes ao longo de décadas. Mesmo no caso em que nós tenhamos um regime de previdência complementar por meio de fundos de pensão, de entidades fechadas de previdência complementar, há sérios problemas na gestão desses recursos, de modo que, em muitos casos, a má aplicação dos recursos na sua fase de acumulação tem produzido déficits atuariais no momento da concessão de benefícios, o que acaba levando, na previdência complementar fechada, a que haja a necessidade de cobrança de aportes adicionais de contribuição ou mesmo a redução de benefícios.
Então, a previdência complementar é muito problemática, é muito complexa. E, mesmo naquilo que ela tem já de experiência mais positiva, ou seja, nos próprios fundos de pensão em que há participação obrigatória dos empregadores, essa situação acaba aparecendo.
Quanto tempo ainda tenho, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem um minuto com mais um minuto agora.
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - Muito bem!
Então, essa é uma preocupação que nós precisamos ter em mente.
Na Câmara dos Deputados, hoje, há uma resistência bastante expressiva à adoção do regime de capitalização, e isso reflete precisamente as incertezas que o regime capitalização traz, sem contar os elevadíssimos custos de transição que esse regime poderia ter mediante a sua implementação, ainda que progressiva, já que, ao se implantar um regime como esse, as pessoas vão deixar de contribuir para o Regime Geral ou para os regimes próprios e vão passar a contribuir para esse novo regime.
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Estimativas feitas em 1999, durante o debate da reforma da previdência do Presidente Fernando Henrique Cardoso, indicavam vários cenários de custos de transição caso o regime de capitalização fosse adotado no Brasil, e já se falava naquela época em algo que, trazendo para o valor atual, daria esses R$9 trilhões...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO - ... de custos de transição, uma vez e meia o Produto Interno Bruto ou mais. Não sabemos qual seria esse custo de transição porque também não sabemos como ele seria formatado, como ele seria desenhado.
A perspectiva hoje é a de que a reforma nesse aspecto não seja aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, mas, certamente, o Governo, que tem grande interesse em promover essa transferência de poupança para o setor privado, trabalhará para evitar que a comissão adote essa decisão.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Luiz Alberto, Consultor do Senado Federal, especialista no tema!
Neste momento, nós vamos convidar para a Mesa o Dr. Guilherme Zagallo, advogado, representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (Cnasp), e também o Sr. Hermes Rodrigues Nery, professor e coordenador do Movimento Legislação e Vida.
Nós vamos manter a mesma Mesa porque todos vão ter direito às considerações finais. Como eu disse no início, hoje foram concedidos 20 minutos para cada um, e as considerações finais, que são sempre de cinco minutos, pela importância do tema, serão de dez minutos para cada um.
De mediato, passo a palavra para o advogado Guilherme Zagallo, representando aqui o Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (Cnasp), lembrando que serão concedidos 20 minutos para cada um.
O SR. GUILHERME ZAGALLO - Bom dia, Sr. Presidente!
Bom dia, senhoras e senhores!
Primeiro, quero dizer que assisti a vários debates sobre a reforma da previdência que têm acontecido na Câmara e no Senado. O nível deste debate está elevadíssimo. Quero parabenizar os colegas que me antecederam. Eu acho que isso simplifica bastante o trabalho. Eu até sintetizei, retirei algumas transparências, alguns eslaides que estavam repetidos, informações que vinham já sendo trazidas.
Falo aqui em nome do Coletivo de Advogados de Servidores Públicos, que atua há mais de 30 anos na área de advocacia de servidores públicos. São escritórios que atuam separadamente nas várias capitais brasileiras. Ele existe como coletivo há cerca de dez anos. Nós acompanhamos as seis reformas da previdência que já aconteceram no País. Então, já participamos desse debate há muito tempo.
O estudo da OIT... Eu até tirei a maior parte dos eslaides. Eu queria fixar... Foi mencionada aqui a questão dos custos administrativos elevados. Percebam que, no exemplo levantado pela OIT, antes da privatização, os custos administrativos variavam de 2% a 8,6% do montante dos recursos. Após a privatização, esses custos vão de 18,1%, no caso da Bolívia, a 50,8%, no caso da Argentina, ou seja, no caso extremo da Argentina, metade dos recursos acaba indo parar na administração do sistema e não no pagamento dos benefícios. Esse é, talvez, o principal motivo pelo qual essas experiências de privatização retrocederam, foram, em maior ou menor escala... De certa forma, houve um retrocesso em relação à proposta original.
A síntese já foi mostrada. Essa transparência, esse eslaide já foi mostrado duas vezes hoje. Então, vou passar muito rapidamente.
De modo geral, não se conseguiu o objetivo. Por isso, 18 dos 30 países que adotaram essa iniciativa de privatização de 1981 a 2018 retrocederam.
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As taxas de cobertura estagnaram, as prestações, ou seja, os benefícios em si caíram, a desigualdade de gênero e de renda aumentou muito, os custos de transição foram elevadíssimos. Talvez, este seja, no meu modesto ponto de vista, o maior problema desta reforma, e nós temos vários: a desconstitucionalização é um risco político enorme. A cada Governo, há uma nova regra. Nós teremos o sistema de barreiras móveis, uma corrida com barreiras móveis. Entra um novo governo. A lei complementar, com 257 votos... Nós teremos as barreiras... As pessoas se planejam, e, a cada governo, nós temos... Esse é o risco político. A privatização é um risco econômico. Há o risco econômico de se criar um sistema - na verdade, isso está acontecendo em outros países - de privatização quase impossível ou de privatização com benefícios muito, mas muito baixos.
Quero só lembrar que o Brasil já teve um sistema de privatização. Essas fotografias aí são de conjuntos habitacionais construídos pelos antigos IAPIs e IAPCs, e isso não deu certo no nosso caso. Nós tivemos essas experiências pré-INSS, quando nós tivemos a unificação de regimes. Nós já tentamos, em nosso País - e esta é uma coisa que, no debate, pouco tem aparecido -, implantar um sistema de capitalização, que, por vários motivos, acabou não funcionando. Nós tínhamos uma razoável autonomia dos institutos, com indicação pelo Presidente da República, mas havia problema na arrecadação e calote por parte da União e das empresas. O sistema financeiro no Brasil era muito precário também a época, diferentemente de hoje, é bem verdade. Enfim, o fato é que nessa experiência - esse é só um exemplo ilustrativo - não fomos bem-sucedidos no passado em relação a experiências de capitalização.
O caso chileno nós já mencionamos. Eu vou passar por isso muito rapidamente. O sistema lá deu errado de tal modo que o Governo Bachelet, em 2008, teve que criar os APS e as PBS, que, no fundo, no fundo, são uma complementação pública da aposentadoria do modelo privado que foi criado. E, mesmo assim, os benefícios continuam inferiores ao salário mínimo. Dois por cento dos benefícios previdenciários que são concedidos anualmente no Chile alcançam o salário mínimo. Na verdade, o que, para nós, o salário mínimo é um piso, no Chile, praticamente, é um teto.
Esse eslaide já foi exibido. É a rentabilidade, o retorno anual médio de todas as AFPs da década de 80 até hoje. Houve um retorno até superior ao que se estimava no início, em 1981, quando da implantação desse regime, de 7,81%. No mesmo período, nós tivemos a rentabilidade das empresas de administração de fundo de pensão de 24,3%. Foi um ótimo negócio para as empresas de administração de fundos de pensão. Para os trabalhadores, embora tenham obtido uma rentabilidade mais elevada do que a prometida, esse não foi um bom negócio.
Hoje, 78% das aposentadorias - são dados da Coordinadora Nacional de Trabajadores y Trabajadoras NO+AFP, dados referentes ao ano de 2018 - estão abaixo do salário mínimo. O salário mínimo chileno é de US$424. Não pensemos que é muito melhor do que o nosso, porque o custo de vida lá é mais elevado. Vamos dizer que ele se aproxima... Quando a gente fala em salário mínimo, ele se aproxima do nosso em termos de poder de compra. A média das aposentadorias lá é de US$226, 53% do salário mínimo, com uma enorme diferença entre homens e mulheres: são US$360 para os homens e US$120 para as mulheres. Quarenta e quatro por cento dos aposentados estão abaixo da linha de pobreza.
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A promessa era a de que os fundos privados cobrissem 70%; há matérias de jornais que dizem de até 100%. Isso não aconteceu. A renda, na realidade, é de 33% para os homens em relação ao salário da ativa e de 25% para as mulheres. Muitos trabalhadores, praticamente a metade, não conseguem contribuir com regularidade. Então, isso vai acontecer também no Brasil. Nós já temos, de certa forma, isso no Brasil. Vamos falar sobre isso daqui a pouco.
O tempo médio de contribuição ao final da vida profissional, lá no Chile, por conta também de várias questões, como trabalho informal e contratação por pessoa jurídica, que, no Chile, é mais forte do que aqui, no caso dos homens é de 17,9 anos e, no caso das mulheres, é de 12,7 anos.
Os benefícios que foram criados em 2008, ainda assim, somados à aposentadoria, são insuficientes para se alcançar um salário mínimo. Na verdade, tudo que um trabalhador chileno neste momento desejaria é ter o que nós temos: a garantia de um salário mínimo ao final da vida profissional. Os custos administrativos altos e a rentabilidade baixa, embora acima do que tinha sido prometido no início, não foram suficientes.
O nosso mercado de trabalho... Não vou passar por isso por muito tempo. Quero só lembrar de que país nós estamos falando: estamos falando de um país que, neste momento, tem 18 milhões de pessoas entre desempregados e desalentados, segundo dados da Pnad do mês de março. Somando os trabalhadores informais, os trabalhadores domésticos, os sem carteira e as pessoas que trabalham por conta própria, sem CNPJ, há 53 milhões de pessoas na informalidade, fora do sistema, sem recolher para o INSS. Isso é uma bomba social de efeito retardado. Esse quadro vermelho aí mostra o que aconteceu desde a reforma trabalhista: mais 1,1 milhão de desempregados, mais 500 mil desalentados, menos 319 mil carteiras assinadas. Essa promessa de fazer a reforma para a economia melhorar, para os empregos serem gerados, isso não aconteceu no passado recente. Agora, é a reforma da previdência, e, provavelmente, depois, vai ser a reforma trabalhista, e a gente vai ter sempre reformas futuras que não alteram a realidade.
Esses são dados trimestrais. Agregando esses valores com dados obtidos desde o primeiro trimestre de 2014, nós saímos de 36 milhões de carteiras assinadas para 32,9 milhões. Na cor vermelha, estão os desempregados: o número saiu de 7 milhões de desempregados para 13,387 milhões. Os desalentados, que eram 1,555 milhão em 2014, são 4,843 milhões de pessoas. Esse é o nosso mercado de trabalho, com altíssima rotatividade.
Os dados do Caged, por exemplo, mostram que nós temos 38 milhões de carteiras assinadas; algumas pessoas têm mais de um vínculo. O Caged é diferente da Pnad. A Pnad focaliza pessoas.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME ZAGALLO - O Caged focaliza o número de contratos, professores que têm dois ou três contratos. Enfim, são bases diferentes. Mas os dados do Caged mostram que nós temos 38 milhões de carteiras assinadas, de contratos assinados, mas com uma rotatividade, por exemplo, nos últimos 12 meses, de 15 milhões de admissões e demissões, ou seja, no nosso mercado, em pouco mais de dois anos, a média das pessoas gira.
Então, a gente fala em nova previdência ou em um sistema opcional, mas, provavelmente, os novos empregos serão todos no sistema de capitalização para a previdência, não haverá muita opção. E, em pouco tempo, nós teremos, provavelmente, a maior parte dos trabalhadores vinculada a esse regime de capitalização, que não tem retrocesso. É tão bom, que você faz a opção aos 20 anos, entrando no mercado de trabalho, e não pode... Você pode ter portabilidade, mas você não volta atrás, não pode dizer: "Não quero mais esse sistema. Quero voltar para o sistema anterior". Uma vez feita a opção, na proposta apresentada, ela é irretratável.
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A PEC prevê a economia de R$1 trilhão. Esse é o quadro Inicial. O quadro atual é de R$1,236 trilhão.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me fazer só uma observação. É que a gente quase não tem falado nisso, inclusive eu, mas não vou aqui... Eu estou só presidindo.
Você disse que - e isso é fato, é real - quem nos está assistindo... E milhões estão nos assistindo. A informação que eu tenho é a de que esta é a audiência mais assistida de todas que nós realizamos até hoje, esta de agora. É o que chegou aqui pelas informações.
Uma vez que você... Todo mundo sabe que eu espero que não passe, não é, Dr. Leonardo? Se passar a capitalização e se você porventura optar por ela, você não pode voltar atrás em hipótese nenhuma. É exatamente isso, não é?
O SR. GUILHERME ZAGALLO - É irretratável.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Continue, que está dentro do seu tempo.
O SR. GUILHERME ZAGALLO - A proposta inicial do Governo falava em R$1,072 trilhão em dez anos. Mas, em 20 anos, na mensagem, diz-se de R$4,5 trilhões - são 319% a mais, 4,19 vezes o valor inicial. Noventa e dois por cento da economia vão estar onde? No Regime Geral, na assistência fásica e na focalização do abono salarial. O Benefício de Prestação Continuada é de R$400 aos 60 anos. Esse público... E o público do Regime Geral é um público que ganha, em média, R$1.294, segundo dados de 2017. Então, esse é o público que vai desembolsar R$4,5 trilhões em 20 anos. Os altos salários vão ter um impacto proporcional maior sobre a sua renda? Sim, vão, mas a conta em si vai ser paga, na sua maior parte, por essas pessoas do Regime Geral e que estão no Benefício de Prestação Continuada.
Aí está o detalhamento atual: R$1,236 trilhão.
Quanto aos benefícios do INSS, hoje nós temos 34 milhões de benefícios, segundo dados do Anuário Estatístico da Previdência Social de 2017, sendo 29,8 milhões de benefícios mesmo e 4,7 milhões de benefícios assistenciais. As aposentadorias são 19,8 milhões, sendo 6 milhões por tempo de contribuição, o que vai acabar; 10,5 milhões por idade, que vai ser bem modificada; e 3,3 milhões por invalidez. Por que eu menciono isso? Porque nós estamos aí provavelmente... Esses benefícios são diferentes. Hoje, por exemplo, a aposentadoria por tempo de contribuição, em média, é obtida naqueles empregos mais estáveis por trabalhadores em empresas públicas, por empregados públicos; por pessoas altamente especializadas, cujo custo de substituição pela iniciativa privada é muito elevado; por pilotos de avião. Enfim, esse público é o público que aposenta hoje aos 54 anos de idade, aos 54,2 anos, ao passo que quem aposenta por idade aposenta em média aos 61 anos.
Nós teremos aí, por exemplo... Teremos regra de transição. Até temos três regras de transição, mas, de modo geral, grosso modo, podemos dizer que, com o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, esse público - hoje são seis milhões de benefícios -, no futuro, se aposentará somente com os requisitos de 65 anos ou de 62 anos; podemos dizer, grosso modo, que serão 11 anos a mais para o homem e 8 anos a mais para a mulher. Está certo? Na aposentadoria por idade, também há uma elevação para 65 anos e para 62 anos, ou seja, as pessoas vão trabalhar mais. E vão trabalhar mais ganhando menos, porque as regras de cálculo dos benefícios também estão sendo modificadas.
Aqui o que que é importante, nesse quadro vermelho, é a média do valor das aposentadorias. É de R$1.289 o valor das médias de 2017. Sessenta e cinco por cento dos nossos benefícios são de um salário mínimo, 65,4%; e 16%, de um a dois salários mínimos. Os dados nossos de prestação previdenciária são de 62% em relação à renda média da Pnad, mais ou menos em linha com os números que já foram apresentados anteriormente.
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Este é um resumo do que nós temos hoje e do que teremos. Temos aí já a idade segmentada, para mulher e homem, e a aposentadoria por tempo de contribuição, que acaba. Vejam que a aposentadoria por idade tem um valor bem mais baixo do que o valor da aposentadoria por tempo de contribuição.
Este aqui é um dado muito difícil de se localizar. Embora o nosso anuário tenha quase mil páginas, ele não tem essa informação. A gente colhe isso em algumas fontes, como, por exemplo, essa entrevista do jornal Folha de S.Paulo. Vejam aí a coluna azul nos dois primeiros agrupamentos: 15 anos; e 16 a 20 anos. Somando os dois, em 65% dos benefícios de aposentadoria por idade que foram concedidos em 2015, essas pessoas tinham menos de 20 anos de contribuição. Isso significa que não adianta só "Ah, aumentou para 65 anos e para 62". Por conta dessa alta rotatividade, em média, das pessoas que estão vinculadas, o trabalhador brasileiro trabalha nove meses por ano, por conta dos períodos de desemprego, de seguro desemprego. Para você alcançar 20 anos, você vai precisar de um tempo... Muita gente chega ao final da vida e não consegue. E os dados da Pnad mostram que, após os 50 anos, a presença no mercado de trabalho é basicamente trabalhando por conta própria ou na informalidade. Há muito poucas pessoas trabalhando com carteira assinada, ou seja, muitas das pessoas que chegam a essa faixa etária simplesmente não conseguem se reinserir no mercado de emprego. Então, essa pequena elevação, teoricamente, de 15 para 20 anos para conseguir ter acesso à aposentadoria por idade, vai representar para muitas pessoas simplesmente a impossibilidade do acesso ao benefício previdenciário. O que vai sobrar para essas pessoas é a assistência social, é o Benefício de Prestação Continuada.
Daí a lógica da proposta do Governo: é preciso fechar as duas portas ou dificultar o acesso. Não adianta endurecer as regras de aposentadoria e manter os benefícios de prestação continuada relativamente acessíveis. É preciso endurecer, dificultar o acesso da população a esse benefício.
Este é um ponto que tem sido pouco discutido. Nós estamos falando de desequilíbrio no regime de previdência. A seguridade social nossa tem sofrido - dados de 2018 - R$150 bilhões de desonerações. Dados deste exercício (2019): R$156 bilhões. Fazia sentido no passado, se havia um equilíbrio - a seguridade social foi superavitária até 2015 -, fazia sentido desonerar a seguridade social; algum sentido. Talvez fosse mais prudente a criação de fundo, como outros países adotam, mas não neste momento em que o sistema está em desequilíbrio, ou seja, em que a despesa é maior do que a receita. Essas fontes - PIS/Pasep, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Cofins, Previdência Social... Eu tenho aqui o anexo da Lei Orçamentária deste ano em que todas essas desonerações estão elencadas, Senador. E nós estamos falando de R$150 bilhões. Um terço disso aí é suficiente para pagar metade da conta da economia que o Governo propõe com a PEC 6, de 2019. Um terço; não precisava nem eliminar todas essas desonerações.
Por fim, este é um tema extremamente difícil do ponto de vista político. Mesmo na Comissão Especial da PEC 287, que era três vezes menos agressiva do que a proposta atual, porque previa R$678 bilhões de economia em dez anos, ao passo que a atual prevê 4,5 trilhões em 20 anos - média de 220 bilhões por ano contra 67 da proposta anterior -, mesmo nessa proposta de emenda, que era uma proposta mais leve, dos 23 Deputados que votaram na Comissão Especial, apenas 5 conseguiram renovar o seu mandato.
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Houve uma renovação alta na Câmara. Nós tivemos aí cerca de quase 50% de renovação, mas os Parlamentares que votaram com a proposta do Presidente Temer, que não conseguiu ser aprovada... Não houve condições políticas de ela avançar na Câmara dos Deputados, todos que acompanham sabem que esta foi a realidade: ela não tinha condições políticas. E ela era três vezes menos agressiva em relação ao trabalhador brasileiro do que a atual. Pois esse é o risco. É por isso que a reforma enfrenta tanta dificuldade.
A população brasileira ainda não sabe... E aí parabenizo o Senado por esta iniciativa, por compartilhar essas informações. Aprendi muito com as falas de Juliano, do Mauro, do Prof. Milko, enfim, do Luiz Alberto. Eu acho que este é um...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME ZAGALLO - Concluo, finalizo já - eu acho que este é um momento importante - com uma pergunta que já foi feita duas vezes aqui: qual é o custo de transição, Secretário Leonardo?
Eu pergunto isso... Eu tive a paciência de ler todo o material que foi disponibilizado no site em relação à reforma, todo o processo administrativo. Menor custo de transição... Há uma fala do senhor em um despacho, no final de um parágrafo, somente com estas três palavrinhas: "menor custo de transição". Não há nenhuma planilha, não há nenhuma simulação. Ora, nós estamos aqui violando o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzido pela Emenda 95, que prevê que a proposição legislativa que crie uma renúncia de receita - e a capitalização vai ser um tipo de renúncia de receita - precisa estar acompanhada das estimativas.
Aliás, o art. 114, na sequência, fala que é direito de 20% dos Parlamentares requerer, paralisar a tramitação...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME ZAGALLO - Existe um requerimento na Câmara que foi apresentado, protocolado no dia da votação da CCJ e que ainda não foi... A Mesa ainda não deliberou sobre esse requerimento. Se a Câmara assim não entender, Sr. Senador Paulo Paim, proponho isso a V. Exa. Eu acho que há 20% de Senadores com essa disposição de entender: qual é o custo de transição? Quanto vai custar a conta dessa transição? Provavelmente, pelos números já mostrados aqui, será muito superior à economia que o Governo indica que vai obter com a aprovação dessa proposta.
Era isso, Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Muito bem, Dr. Guilherme Zagallo, advogado, representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos - até o nome ajuda: Zagallo foi campeão do mundo. Parabéns pela exposição!
Sem comentários. O nível desse debate está sendo, de fato, muito, muito bom. Eu vou pedir para a assessoria da Mesa que remeta - e olha que eu não ouvi ainda o Dr. Leonardo, que vai falar pelo Governo - esse material para todos os 81 Senadores. Eu, naturalmente, vou remeter também para a sociedade organizada.
De imediato, Dr. Hermes Rodrigues Nery, professor e coordenador do Movimento Legislação e Vida.
O SR. HERMES RODRIGUES NERY - Senador Paulo Paim, Presidente desta audiência pública; prezados participantes da Mesa; demais Senadores e participantes aqui presentes; eu fiz um corte de metade da minha fala, para ganhar tempo, e penso que a gente vai trazer aqui uma reflexão um pouco diferente do debate, mas que complementa, neste momento que nós estamos vivendo, e é pertinente ao debate.
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No debate sobre a crise previdenciária, muitas vezes as soluções apresentadas são prioritariamente economicistas, sem levar em conta as suas causas e a dimensão humana do que está em jogo e, portanto, do que realmente precisa ser feito para que seja possível garantir a velhice digna, como também o trabalho digno, sem que a dignidade requerida seja garantida apenas pelo Estado ou também comprometida pelos excessos do mercado.
A crise previdenciária é consequência de duas outras crises mais graves: a crise da família e a crise do trabalho; também a crise do welfare State e, mais ainda, a crise do sentido e dos fundamentos da vida humana.
A crise da família está no contexto de conjura contra a vida, de fratura e desmonte da instituição familiar por forças econômicas, políticas e culturais que agem sistematicamente, desde o final da Segunda Guerra Mundial, com uma agenda de reengenharia social, de controle populacional e do comportamento humano e pressupostos ideológicos que atentam contra a lei natural e a ordem moral objetiva. Como resultado disso, tivemos a crescente queda de fecundidade e a atomização da sociedade, cujos vínculos familiares foram perdendo solidez.
Contracepção, esterilização e aborto fazem parte da estratégia de redução demográfica. A tendência é chegar, em duas décadas, Senador, com essa redução, ao crescimento negativo, com a inversão populacional e as terríveis consequências decorrentes disso: o aumento da pobreza e da violência. Aí, sim, o problema assumiria uma proporção de enorme desestabilização social, pois a principal riqueza de uma sociedade é o capital humano. Por isso, quanto mais reduzida e desestruturada a família, mais atomizada a sociedade, com menos chance de crescimento econômico e produtividade.
Sabe-se que, quanto maior a queda na natalidade, maior o envelhecimento. A crise econômica da Europa, no começo deste século XXI, por exemplo, deve-se muito ao seu inverno demográfico, com o seu sistema previdenciário deficitário, seu déficit fiscal, etc. Com menos nascimentos ou nascimentos em situações de desestrutura familiar, pergunta-se: como ficará o sistema previdenciário, com uma população cada vez mais reduzida, com mais idosos do que jovens, com mais custo sanitário, elevando ainda mais o custo da seguridade social? A diferença é que os países de alta renda per capita, o que não é o caso do Brasil, de grandes diferenças regionais, suportam mais tempo a crise econômica decorrente da queda de fecundidade, mas, no nosso caso, se a tendência se mantiver no mesmo ritmo, a inversão populacional agravará as situações de pobreza em nosso País, comprometendo, assim, o nosso capital humano, pois é óbvio que os mais fragilizados da sociedade não terão capacidade de poupança e ficarão vulneráveis, sem meios adequados que permitam, assim, a velhice digna. E, diante de uma velhice sem amparo, a exemplo do que já acontece na Europa, buscarão aqui também legalizar a eutanásia como falsa solução.
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A proposta da reforma previdenciária é complexa e abrangente, mas, Senador, quero me deter aqui ao aspecto que considero o mais relevante. Pela primeira vez, desde 1940, quando foi instituído o sistema de previdência social no Brasil, propõe-se a substituição do regime de repartição para o de capitalização individual - substituição! -, como expressa o art. 201-A da PEC 6. Esse talvez seja o ponto mais controverso e mais impactante da reforma, e ele requer cuidadosa reflexão e melhoramento da proposta.
O desmonte da previdência pública, que começou com a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e também com a crescente dívida de grandes empresas, compromete o modelo de pacto social decidido pelos Constituintes de 1988, que quiseram dar robustez não apenas à previdência, mas também à seguridade social, da qual ela faz parte. Se o regime de repartição, como está constituído, tem falhas e não dá conta de suprir as demandas existentes, há, no entanto, o importante princípio constitucional da solidariedade, que o sistema de capitalização individual erradica. Por isso, o desafio está em aproveitar o que pode ser aprimorado tanto em um quanto noutro sistema. O que dá para ser aprimorado? Daí a importância deste debate.
Senador, o sistema de capitalização individual nos leva a refletir com realismo sobre a capacidade de poupança e consumo, em um país de baixa renda per capita e diferenças regionais de renda real e produtividade, sem uma cultura de educação financeira. Mesmo em outros países e ainda em épocas e contextos diferentes do nosso, os especialistas em economia concordam que os grupos de renda mais elevada poupam uma proporção maior de suas rendas e que uma distribuição mais desigual da renda pode reduzir a proporção média da poupança em vez de aumentá-la.
Isso quer dizer que, para aumentar a capacidade de poupança e consumo, é preciso elevar a renda per capita e a produtividade para além do assistencialismo e com incentivo concreto, efetivo ao empreendedorismo. Como a gente sabe, o Brasil é um país pujante de possibilidades, de talentos, cuja exuberância não pode ser tolhida por uma abusiva carga tributária e um sistema político como o federalismo, que, na prática, não funciona e que requer uma maior descentralização para que Municípios tenham mais autonomia para prover recursos e investimentos, especialmente na oferta de trabalho.
A realidade comprova que as melhores oportunidades de mobilidade social, em uma sociedade democrática, são garantidas por meio da educação. Daí ainda hoje os melhores postos da Administração Pública e privada exigirem qualificações técnicas e acadêmicas, o que nem todos conseguem objetivamente alcançar com as mesmas condições de oportunidades, porque nem sempre o esforço pessoal é premiado em uma sociedade de alta competitividade, mas em desiguais condições.
A proposta do Ministério da Economia é fazer com que o sistema de repartição seja substituído, gradualmente, pelo sistema de capitalização, cuja transição será onerosa por causa do déficit transicional. Se hoje o Governo decide mudar esse sistema, ele deixa de arrecadar para fazer transferências, passa a colocar o dinheiro nas contas individuais, mas há uma geração que contribuiu no sistema antigo e que ainda precisa receber sua aposentadoria. E o Governo tem que arcar com esses benefícios, mas não conta mais com a arrecadação vinda da taxação sobre os trabalhadores.
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Nos Estados Unidos, por exemplo, não houve essa substituição. E, financeiramente, os planos de benefício definidos dos Estados Unidos...
(Soa a campainha.)
O SR. HERMES RODRIGUES NERY - ... têm, no longo prazo, um desempenho melhor do que os planos de contribuição definida.
Eu poderia citar outros países, mas farei aqui os cortes para dar sequência.
É possível manter os aspectos positivos dos dois sistemas, o de repartição e o de capitalização, como já ocorre em alguns países de renda per capita alta, não deixando tudo para o Estado nem tudo para o mercado. Nesse sentido, uma melhor solução - aí a gente vai trazer uma proposta para reflexão que está aberta para o debate e o aprimoramento - seria substituir ou dar uma opção a mais à capitalização individual pela capitalização familiar, mas complementar ao de repartição, para assegurar um equilíbrio entre entradas e despesas sociais no balanço público.
O fato é que a capitalização individual sempre foi apresentada como a solução miraculosa que deveria aportar segurança e prosperidade aos aposentados diante de um sistema público de previdência em situação terminal, esmagado pelo choque demográfico. O balanço é inapelável - já foi apresentado aqui em vários quadros o que já ocorreu quando foi implantado. E destaco que, nos fundos com contribuição definida, o poupador depende de a empresa não quebrar. Nos fundos cotizados, ele depende das ações e das taxas de juros no momento da saída. Por isso, as futuras aposentadorias desabam ao mesmo tempo em que os mercados financeiros.
A falência de fundos de pensão comprova a vulnerabilidade de um sistema quando está sob controle apenas do mercado financeiro. Sozinhos, os planos de poupanças de contribuição definida proporcionam o potencial para um rendimento de aposentadoria maior, mas não podem oferecer seguridade. Há apenas potencial, mas na prática os saldos da maioria dos planos de contribuição definida são, na verdade, bastante baixos e proporcionam pouca esperança no financiamento de uma aposentadoria descente. E aqui sabemos a distinção: benefício definido quer dizer renda vitalícia; contribuição definida quer dizer renda não vitalícia.
O fato é que os planos de contribuição definida portam sérios riscos... Eu estou falando da contribuição definida porque está no art. 201-A a contribuição definida, bem explícita. O fato é que os planos de contribuição definida portam sérios riscos, além das diminuições em potencial do rendimento da aposentadoria. Os empregadores podem e cortam suas contribuições quando a situação econômica fica ruim, os trabalhadores com frequência retiram dinheiro dessas contas e não o utilizam para a aposentadoria, e a maioria das distribuições da quantia total não é reinvestida nas contas de aposentadoria, principalmente pelos jovens, que mais se beneficiariam com o investimento a longo prazo, e pelos trabalhadores mal remunerados e com menos posses em geral, que mais provavelmente podem precisar de apoio financeiro extra ao se aposentar.
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Cada vez mais processos judiciais são movidos contra empresas devido à forma como administram seus planos de contribuição definida em outros países. E mais: ao passar dos planos de benefício definido para os de contribuição definida, os empregadores se livram dos custos, mas fazem isso transferindo o risco e os custos para os trabalhadores.
O aspecto mais grave da PEC 6 está contido no art. 201-A, quando diz instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir...
Senador, a experiência de outros países mostra que o regime de capitalização, quando coexiste com o de repartição, a exemplo dos Estados Unidos, preza pela previdência pública até hoje, pois 39,2% dos americanos idosos teriam renda abaixo da linha oficial da pobreza se não contassem com os benefícios da previdência social. Pode trazer algum ganho se a modalidade de contribuição definida for complementar ao regime de benefício definido, como muitos fazem para oferecer um rendimento maior na aposentadoria. Entretanto, do ponto de vista do sistema de aposentadoria, as poupanças pessoais são qualitativamente diferentes da seguridade social e dos planos de benefício definido. As poupanças não possuem a garantia e a previsibilidade desses outros componentes do sistema de aposentadoria. Os poupadores podem, facilmente, durar mais que suas economias ou começar a acessá-los muito antes de sua aposentadoria. Para piorar, poupar o suficiente para uma aposentadoria decente é difícil para muitos trabalhadores. E ainda: a mudança dos tradicionais planos de benefício definido para planos híbridos tem piorado o pagamento dos benefícios para alguns trabalhadores e diminuído a prevalência de alguns deles, como a aposentadoria prematura subsidiada.
Assim, defender um sistema de aposentadoria requer não apenas a promoção dos planos de benefício definido como uma questão geral, mas também a promoção e a defesa de planos bem elaborados. E mais: da mesma forma, ao mesmo tempo em que ressalta os problemas sérios dos planos de contribuição definida, reconhece que tais planos, se usados de forma apropriada, podem desempenhar um importante papel no preparo dos trabalhadores para a aposentadoria.
Senador, para concluir, o texto do art. 201-A é explícito nas características do regime de capitalização proposto. Contribuição definida: sabe-se o quanto é recolhido, mas não se delimita o benefício a receber, que dependerá do saldo constante da reserva individual. Conta vinculada para cada trabalhador, isto é, capitalização individual sem qualquer perspectiva de solidariedade. Proibição da utilização desses recursos pelo Governo.
O sistema nocional, de contas virtuais, como prevê o art. 201-A, apresenta o risco de mascarar o passivo atual e deixar as novas gerações com benefícios insuficientes. Além disso, cabe ressaltar que os dados da realidade mostram que mais pobres da sociedade são os que mais dificuldades encontram para o emprego regular, sobrevivendo como podem, no mercado informal, e, mais ainda, honestamente, são solapados muitas vezes por quem tem mais meios, mais influência, mais oportunidades. Com recursos parcos e baixos salários, muitos não dão conta de fazer poupança, pois as demandas de varejo assolam com as exigências diárias.
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É obvio que o modelo de capitalização individual é para a classe média, para a classe média alta, o que sacrificaria a maior parte da população brasileira e mesmo a classe média, que empobreceu, nos últimos anos, como lembra Ana Maria Bonomi Barufi, num estudo feito. Desde meados de 2014, Senador, 2,6 milhões de indivíduos deixaram as classes "a" e "b" e 3,7 milhões de indivíduos deixaram a classe "c". A contrapartida disso foi um aumento das classes "d" e "e" em 6,5 milhões de indivíduos.
E óbvio que esse contingente, com a piora no mercado de trabalho, não conseguiria atender às exigências de poupança da capitalização individual. E ficariam socialmente mais vulneráveis. Por conta disso, é evidente que nessas condições, se o regime de repartição for substituído dessa forma, como prevê o art. 201- A, para capitalização individual, não haverá caixa para suprir a aposentadoria decente e digna.
Nesse sentido, Governos de outras agências deveriam favorecer, com um valor supremo, a proteção e a proteção da vida familiar, algo que certamente exige a segurança econômica dos indivíduos. Não se pode reduzir a segurança econômica individual.
Depois eu tenho estudos, que vou deixar para o Senador, detalhando porque no tempo não vai ser possível detalhar, mas temos aqui já todos os estudos feitos para deixar como propostas em aberto.
Por isso, propomos uma emenda ao art. 201-A da PEC 6, de 2019, para - se for aprovada, vai haver um debate e uma deliberação - que a capitalização, se ocorrer, seja complementar e não substituta, que seja familiar e não individual. A capitalização familiar seria uma contribuição inédita ao modelo previdenciário brasileiro, nos moldes de um plano de previdência fechada cujos fundos instituídos e ativos seriam geridos não por bancos ou operadores do mercado financeiro somente, como na capitalização individual, nem pelo Governo, como no modelo de repartição, mas por associações de família, legalmente constituídas e fiscalizadas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
O próprio art. 201-A diz que o sistema de capitalização será instituído através de lei complementar, ocasião em que será possível explicitar a legislação específica para a capitalização familiar como forma de viabilizar a salvaguarda da instituição familiar, que requer cuidado e proteção para que haja condições concretas para o cumprimento de sua finalidade social, pois o sistema de capitalização individual como está apresentado no referido artigo da PEC 06/2019 vulnerabiliza ainda mais a família, que é suporte da pessoa humana, pois as famílias devem, com prioridade, diligenciar para que as leis e as instituições do Estado não só não ofendam, mas sustentem e defendam positivamente os seus direitos e deveres e que a sociedade não abandone o seu dever fundamental de respeitar e de promover a família.
É óbvio que a capitalização individual, com apresentada no atual contexto, não leva em conta os muitos fragilizados da sociedade. Infelizmente, há, no mundo, muitíssimas pessoas que não podem referir-se, de modo algum, ao que poderia definir, em sentido próprio, uma família. Grandes setores da humanidade vivem em condições de enorme pobreza, em que a promiscuidade, a carência de habitações, a irregularidade, a instabilidade das relações e a falta extrema de cultura não permitem, praticamente, poder-se fala de verdadeira família.
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Há outras pessoas que, por motivos diversos, ficaram sós no mundo. Estes e muitos mais precisam da proteção da família, que seja fortalecida por associações, para que não seja erradicado da sociedade o princípio constitucional da solidariedade.
Nesse sentido, legislação e vida poderão estar conjugados para uma reforma previdenciária que promova, efetivamente, vida e família.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Muito bem!
O Dr. Hermes Rodrigues Nery, que é professor e coordenador do Movimento Legislação e Vida, em síntese, se posiciona contra a capitalização, mas, ao mesmo tempo, admite que ela seja como um instrumento complementar. Poderíamos dar o exemplo do próprio Funpresp, que a gente tem aí, pelo qual, até o limite de R$5,9 mil - estou arredondando -, mantém o patamar do regime geral para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e, acima disso... Enfim, ele aponta uma proposta alternativa acima do limite; então, teríamos a complementar.
Eu não sou contra. No debate que tivemos com o Ministro da Economia, quando ele situou e disse no debate... Ele disse: "Olha, o próprio PT já criou um sistema de capitalização". Eu digo: "Tudo bem! É o Funpresp. Se quiser aplicar para todo mundo, eu aceito. Não tem problema nenhum". Claro que, aí, quebra o País. Quer aplicar para todo mundo isso? Tudo bem! Até isso e, dali para a frente, um por um. Seria o melhor dos mundos.
Mas, enfim, agora vamos ouvir, com muita satisfação, o Dr. Leonardo José Rolim Guimarães, Secretário de Previdência da Secretaria da Previdência do Ministério da Economia.
Quero lhe dizer, Secretário, como lhe informei, que nós temos dificuldade - e sou muito franco - de trazer quem defenda essa reforma como está aí. Como está, eu tenho dificuldade. Quero, mais uma vez, deixar de público registrado que vai haver outro debate sobre capitalização. Então, se houver alguém no Brasil, economista, professor, enfim, que queira defender, será bem-vindo. Nós gostaríamos de ter aqui cinco a favor e cinco contra ou três a favor, três contra, mas temos uma enorme dificuldade. A assessoria dos trabalhos aqui diz que é muito difícil de encontrar.
Então, eu quero agradecer muito ao Dr. Leonardo e dizer a ele que cada um aqui teve 20 minutos e uma tolerância de um, dois ou três minutos a mais. Eu vou dar exatamente o dobro a V. Sa. Já me perguntaram se isso é justo, e eu disse que acho que é justo sim. É justo porque, se tanta gente falou a partir de uma visão contrária, ele tem muita coisa para responder.
Então, em vez de ser 10 com mais 10, eu já peço à assessoria que dê a ele, no mínimo, 20 com mais 20. E, depois, nas considerações finais, em relação ao que foi dado para todos, ele terá também o dobro.
Então, já peço que coloquem ali no painel 20 minutos e, assim que soar a campainha, ele terá mais 20 minutos.
Com a palavra o Sr. Leonardo José Rolim Guimarães, Secretário de Previdência da Secretaria da Previdência do Ministério da Economia, para a sua exposição.
O SR. LEONARDO JOSÉ ROLIM GUIMARÃES - Bom dia a todos.
Gostaria de agradecer ao Senador Paim pelo convite, na pessoa de quem eu saúdo os demais membros da Mesa e as pessoas que estão aqui nesta audiência.
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Bom, eu vou falar, em primeiro lugar, sobre uma análise, um diagnóstico da situação atual e, depois, falar sobre o modelo que está proposto na nova previdência.
Em primeiro lugar, é inquestionável o desafio demográfico que o Brasil tem pela frente. Se nós analisarmos as últimas décadas, até 1970, as mulheres tinham em média seis filhos ou um pouquinho mais. Hoje elas têm em média 1,7 filho. Isso não é suficiente sequer para repor a população, o que deveria ser algo em torno de 2,1.
Então, o que isso quer dizer? Que, no futuro, vamos ter cada vez menos pessoas em idade ativa. Além disso, a gente está vivendo cada vez mais, o que é muito bom. Se compararmos de 1980 para cá, em qualquer idade de aposentadoria, os brasileiros hoje estão vivendo mais de seis anos do que viviam naquela época. E isso deve continuar aumentando nas próximas décadas.
Qual a consequência disso para a previdência? São seis anos a mais recebendo benefício se a idade de aposentadoria for a mesma. Consequentemente, isso é um desafio maior para a sustentabilidade do sistema nos moldes que é o sistema de repartição simples. O sistema de repartição simples, sobre que já foi falado aqui, também chamado de pacto geracional, tem como princípio que aquelas pessoas que estão hoje em idade ativa contribuam para pagar as aposentadorias e pensões daqueles que contribuíram no passado, na expectativa de que as gerações futuras façam o mesmo para custear suas aposentadorias.
Quando temos um sistema em que está aumentando a população, isso é plenamente viável. No passado, o Brasil não teve grandes problemas para manter esse sistema. Quando essa relação não é mais tão favorável, então, ficamos com dificuldade de manter o sistema. Precisamos que entrem cada vez mais pessoas para pagar daqueles que estão se aposentando.
Para se ter uma ideia, daqui a 40 anos, arredondando, em 2060, nós vamos ter quase o triplo das pessoas em idade de aposentadoria, ou seja, de idosos e vamos ter 5% a menos das pessoas em idade ativa que temos hoje. Então, é óbvio que esse sistema do jeito que está não sustenta. E, se a gente olhar para trás, nos últimos 20 anos, o número de benefícios previdenciários do regime geral praticamente dobrou.
Então, se nós pegarmos aí um período de 60 anos, vamos ter seis vezes o número de aposentados e, se compararmos com o período anterior, um número um pouco maior apenas de pessoas em idade ativa, e, se compararmos com hoje, menos do que o que temos hoje.
Para se fazer uma comparação com números, seria equivalente... O número de pessoas em idade ativa, comparando com o número de idosos, ou seja, os potenciais contribuintes para aqueles que potencialmente vão receber benefícios, em 1980, eram 14 para um; hoje estão em sete para um. Aí eu falo de potenciais contribuintes, pessoas em idade ativa, não necessariamente aqueles que contribuem. Em 2060, vai ser 2,3 para 1.
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Então, esse desafio demográfico coloca o nosso sistema de repartição simples em xeque. Ou as pessoas contribuem por um tempo muito elevado e recebem o benefício por muito pouco tempo ou redesenhamos esse sistema. Nos moldes em que esse sistema está hoje, ele tem um déficit atuarial brutal.
O que é o déficit atuarial? Comparando, nas próximas décadas, as receitas e despesas, a gente traz isso a valor presente e vê quanto está faltando no sistema para ele ser equilibrado. Somando todos os regimes - regime geral, regime próprio dos servidores da União, Estados e Municípios -, o déficit atuarial do Brasil hoje está em torno de 17 trilhões. Se nós dividirmos pelos jovens que vão entrar no mercado de trabalho, aquelas pessoas abaixo de 16 anos, seria como a geração atual estar passando uma dívida para a geração futura de R$380 mil per capita. Então, é essa dívida que a gente está passando para essa geração. E, provavelmente, eles vão assumir essa dívida, não vão conseguir quitá-la e vão deixar uma dívida ainda maior para a geração seguinte. É esse o sistema previdenciário que nós temos hoje, que parece muito com uma pirâmide financeira. Então, o que a nova previdência busca é tornar esse sistema mais sustentável.
Falando um pouco sobre o tamanho da despesa previdenciária na União, focando só na União, ano passado, 54% da despesa primária da União foram com previdência e BPC, juntando regime geral e regime próprio dos servidores. Este ano, a estimativa é de 59% e vai continuar crescendo ano a ano, porque as despesas do regime geral, em função do envelhecimento, crescem, em valor real, 5,2% ao ano. Então, não há receita que acompanhe esse número, ainda mais em função de que, em breve, a gente vai começar a ter redução da população em idade ativa. Isso leva a que a gente tenha um gasto primário maior do que a receita primária, ou seja, as nossas despesas correntes são maiores que as nossas receitas.
Fazendo uma analogia com a família, é como se uma família ganhasse em torno de R$1.200 e gastasse com suas despesas do mês R$1.340, ou seja, ela está gastando R$140 a mais do que recebe, isso sem contar a dívida que ela tem de um financiamento imobiliário. Essa família tem um cheque especial e o está usando para pagar o financiamento imobiliário e para pagar esses R$140 que ela gasta a mais do que o que arrecada, e o cheque especial vai cada vez ficando maior. Essa é a realidade do Brasil, fazendo uma analogia. Nossa dívida está só crescendo porque estamos gastando mais do que arrecadamos. E a gente gasta muito com previdência e falta recurso para gastar com outras políticas que iriam gerar benefício para a sociedade, gerar desenvolvimento, reduzir as desigualdades.
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Por exemplo, o que a União gasta com previdência é quase seis vezes o gasto com saúde e mais de sete vezes o gasto com educação. Se for comparar com infraestrutura, aí seriam mais de 20 vezes. Então, algo está errado nesse sistema; é insustentável.
Vamos comparar então com o resto do mundo? O gasto previdenciário do Brasil no ano passado, repito, somando União, Estados e Municípios, servidores públicos de todos os Poderes e de todos os entes federativos, ficou em 14,6% do PIB. Comparando com os países da OCDE, só Itália e Grécia gastaram mais do que o Brasil; comparando com países emergentes, nenhum chegou perto do gasto do Brasil em percentual do PIB. Considerando que esses países são muito mais envelhecidos do que o Brasil, quando chegarmos no mesmo nível de envelhecimento desses países, pelas regras atuais vamos estar gastando muito mais do que eles. Então, vários estudos mostram que o nosso sistema previdenciário, no modelo atual, é o mais insustentável do mundo.
E por que esse nosso sistema é tão insustentável? Porque nós subsidiamos todo mundo. Em nosso sistema previdenciário, são poucos que não são subsidiados. Subsidiar os mais pobres está corretíssimo, o sistema previdenciário tem que subsidiar, sim, os mais pobres; no mundo inteiro é assim.
Fizemos algumas contas. Aquela pessoa que ganha um salário mínimo, que consegue um mínimo ali para se aposentar por idade, aos 15 anos - o homem urbano, aos 65 anos e meio; a mulher urbana, aos 61 anos e meio, numa idade bem próxima daquela que estamos propondo como regra definitiva para quem ainda vai ingressar no mercado de trabalho -, o subsídio para essa pessoa ao longo de todo o seu recebimento de benefício é de algo em torno R$153 mil, por pessoa. Já um servidor público com a média salarial ou com o salário em torno de R$25 mil, que vai se aposentar com seu último salário, o subsídio que esse servidor público recebe do sistema previdenciário é em torno de R$4,5 milhões. Então, nós subsidiamos, como eu falei, todo mundo, mas subsidiamos mais os mais ricos e menos aqueles que de fato devem ser subsidiados. Esse é o nosso sistema previdenciário; é isso que infelizmente temos e que precisamos mudar.
Com as mudanças paramétricas, nós estamos reduzindo os subsídios aos mais ricos. Uma comparação em relação às mesmas regras: no sistema atual, com as mudanças que ocorrem, o subsídio para aquele que ganha um salário mínimo vai ficar mais ou menos o mesmo; o subsídio daquele que ganha mais vai cair substancialmente, mas ainda vai ser grande, porque temos que manter uma regra de transição; apenas no sistema de capitalização nós eliminaríamos o subsídio aos mais ricos - no sistema de capitalização, sim, o subsídio é apenas para os mais pobres.
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Agora, já entrando na nossa proposta em relação à capitalização, primeiro quero dizer o seguinte: no Brasil nós já temos sistemas de capitalização obrigatória que foram implantados a partir de 2004. Na verdade, estavam previstos na Constituição, no art. 40, desde a Emenda 20, mas foram implementados, de fato, a partir de 2004.
Todos os regimes previdenciários de Municípios criados a partir de 2004 são 100% capitalizados. Eles são criados já na ótica de capitalização, não em contribuição definida, em benefício definido, mas são capitalizados. Anualmente é feita uma avaliação atuarial: se o sistema está com algum déficit, a alíquota tem que ser modificada, seja a patronal, seja a do trabalhador, sejam as duas; se está com superávit, cinco anos de superávit seguidos, pode, então, haver uma redução de alíquota para que o sistema seja equilibrado. E isso vem funcionando muito bem.
Temos alguns problemas aqui e acolá, inclusive a PEC 06 está dando mais força a esse sistema na medida em que o certificado de regularidade previdenciária vai ter previsão constitucional, e, com isso, aqueles entes que descumprem as normas e conseguem um certificado judicial não vão mais consegui-lo. Então, como eu falei, os problemas em menor quantidade que ocorrem, acreditamos que com a PEC 06 praticamente devem-se extinguir.
Mesmo naqueles regimes previdenciários de Estados e de Municípios mais antigos, também a partir de 2004 ficou obrigatória a capitalização em segregação de massas, ou seja, uma capitalização só para um determinado grupo, que podem ser apenas os mais novos ou pode ser um misto entre os mais novos e por idade ou por aposentadoria. Esse sistema com segregação de massas, sim, tem um custo de transição - depois vou falar um pouco -, que é uma lógica parecida com a lógica que está sendo proposta para o regime geral.
Então, nós já conhecemos modelos aqui no Brasil que funcionam, já conhecemos os problemas que foram identificados, as dificuldades identificadas, mas nós não nos situamos apenas nos modelos de capitalização obrigatória brasileiros, nós olhamos também o sistema de capitalização voluntário brasileiro, a nossa previdência complementar, como, por exemplo, o Funpresp, que foi citado aqui, que é um exemplo interessante, onde, por exemplo, há um fundo solidário nos moldes que estamos propondo. Também analisamos as experiências internacionais. Ao contrário da impressão que fica, temos muitas experiências bem-sucedidas de capitalização.
Essas décadas de aprendizagem foram boas para identificarmos os erros e corrigi-los, e não seria inteligente nós copiarmos erros, mas, sim, copiarmos os acertos. Então, nós buscamos tanto na experiência nacional quanto na experiência internacional aquilo que seria de melhor da experiência internacional. Por exemplo: falou-se muito aqui do Chile. O sistema chileno do jeito que foi implementado, de fato, apresentou problemas que, ao longo do tempo, o Chile foi corrigindo. Nesse momento, o Chile está fazendo uma nova correção no seu sistema. A gente pode depois falar um pouquinho sobre esses problemas que o Chile teve, que a gente entende que são fáceis de serem resolvidos e não os repetir aqui, mas, independentemente dos erros que ocorreram, eu não vi nenhuma liderança política do Chile, seja de direita, seja de esquerda, querer voltar ao sistema de repartição simples.
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O Chile tem alternado governos de direita e de esquerda, e o que se tem feito é reformular o sistema para corrigir os erros, para o sistema ter um resultado melhor para a sociedade. Foi implantada uma camada básica universal para garantir que ninguém recebesse menos do que o mínimo, foi implantada uma camada de repartição simples para garantir um benefício mínimo, um pouquinho, um pouco maior do que esse, mas mínimo para aquela população que tem salários médios e baixos, e continuou com o sistema de capitalização obrigatória para todos, como uma terceira camada em soma a essas duas. A reposição está baixa? Sim, de fato, tanto é que o Chile está revendo isto, a discussão da criação de uma parcela de alíquota patronal.
Então, falou-se aqui de vários países que teriam desistido do sistema de capitalização. Eu posso citar que, nas diversas avaliações que existem pelo mundo dos melhores sistemas de previdência, os primeiros são sempre países que têm uma camada de capitalização obrigatória, como é o exemplo da Dinamarca, da Holanda, da Suécia. São 100% capitalizados? Não. São sistemas que não têm nenhuma proteção para os mais pobres? Também não. O sistema que tem essa característica não é um bom sistema. E o sistema que estamos propondo não é um sistema de capitalização única, em que cada um se vira como bem entender; o nosso sistema, como eu falei, aproveita as boas práticas e os melhores resultados obtidos em outros países.
Entrando agora mais especificamente na proposta, o primeiro ponto: o sistema proposto não extingue o anterior. Os dois sistemas vão se manter em paralelo porque, primeiro, ele é voltado apenas para os novos trabalhadores; segundo lugar, mesmo os novos trabalhadores podem aderir ao sistema de repartição simples.
(Soa a campainha.)
O SR. LEONARDO JOSÉ ROLIM GUIMARÃES - Isso, além de ser uma medida que dá um poder de decisão ao brasileiro, também tem uma característica de reduzir drasticamente o custo de transição. É uma forma de fazer uma transição suave. Além disso, está prevista uma camada nocional. O Luiz Alberto aqui explicou bem como é que é o modelo nocional, que me livrou de perder muito tempo discutindo sobre isso.
O sistema de contas nocionais, que é aplicado em vários países - o mais conhecido é o da Suécia, mas é aplicado em vários outros, como Itália, Polônia -, é um sistema que não tem custo de transição, além de ter uma rentabilidade pré-definida em lei e, portanto, rentabilidade garantida, não tem risco mercado. E quanto à... Bom, mais um item que vai reduzir o custo de transição: além de ser uma transição gradativa, toda parcela que for nocional não tem custo de transição.
Por que não foi apresentado na proposta qual seria o custo de transição? Na PEC 06 não está sendo criado um regime de capitalização; está apenas sendo dada uma autorização para criação posterior por uma lei complementar. É apenas uma autorização. A lei complementar no futuro é que vai criar esse regime. Essa lei complementar, sim, é que tem que trazer o custo de transição.
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Nós poderíamos até apresentar algumas simulações de como poderia ser esse sistema e, com essas possibilidades, termos um custo de transição. Dependendo de quanto for a camada nocional, o custo de transição vai ser maior ou menor. Ele vai ser um subteto? Ele vai ser um percentual? Qual vai ser esse percentual? Qual vai ser esse subteto? Quanto maior for o subteto, menor o custo de transição; quanto maior for o percentual nocional, menor o custo de transição. Então, você tem milhões de possibilidades de um custo de transição. O que a gente poderia fazer era simular, com algumas possibilidades em relação à divisão entre a capitalização financeira e o sistema de contas nocionais, para se ter o custo de transição. Mas adianto que o custo de transição, nas primeiras décadas, não será elevado, considerando-se essas duas características. Isso é um sistema só para os novos trabalhadores e com uma parcela em contas nocionais.
Outro ponto também que tem sido muito falado é que o trabalhador de baixa renda não vai conseguir poupar e, então, ele vai ficar com a renda menor do que a que ele tem hoje. O trabalhador de baixa renda não vai ter nenhum prejuízo com o sistema de capitalização. Como foi colocado aqui, mais de 60% dos benefícios no regime geral são de um salário mínimo. As pessoas que vão receber o benefício do salário mínimo continuam recebendo o benefício do salário mínimo, porque está garantido o piso na Constituição, de um salário mínimo. Se o valor que ela capitalizar nas suas contas individuais, nocional e financeira, ou só nocional, dependendo de como for o modelo, se for inferior ao benefício de um salário mínimo, então, o fundo garantidor, que é um fundo solidário - portanto a solidariedade do sistema está mantida -, vai complementar de forma a que ninguém receba menos do que um salário mínimo. Então, nenhum prejuízo para esses mais de 60% que recebem o salário mínimo.
Qual é a grande mudança nesse sistema em relação ao atual no que diz respeito à questão contributiva? A grande diferença é que, hoje, a gente subsidia todo mundo ou quase todo mundo; são poucos, como eu falei, que não são subsidiados. No novo sistema, a gente vai subsidiar apenas os mais pobres, que, de fato, devem ser subsidiados.
O Brasil é um país que tem desigualdades enormes, e o nosso sistema previdenciário - vários estudos comprovam - aumenta a desigualdade. Sim, ele transfere renda para pobre; sim, ele tira muita gente da pobreza. Mas ele transfere muito mais renda para aqueles que estão entre os 10% mais ricos. Portanto, ele concentra ainda mais renda do que o que ele distribui. Nesse sistema de capitalização proposto, isso não vai mais acontecer; vai continuar distribuindo renda para os mais pobres, mas não vai mais distribuir renda para os mais ricos. As pessoas verem isso... Talvez aí esteja uma boa parte da resistência ao regime; talvez o desconhecimento de que já haja um sistema de capitalização no Brasil, o desconhecimento de que sistemas de capitalização em camadas existem nas melhores experiências de previdência no mundo também seja algo que tem assustado as pessoas.
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Outro ponto também que foi falado aqui - e realmente é uma preocupação que deve ser tida - é em relação aos custos de administração. De fato, isso pode ser um sério problema que vai reduzir muito a rentabilidade e, portanto, o valor que vai estar na conta individual, consequentemente o benefício que a pessoa vai receber na aposentadoria. No Chile, isso, de fato, foi um problema. Houve uma cartelização, como foi bem colocado aqui, um pequeno conjunto de instituições administrando todo o sistema, e isso de fato é um problema.
O que nós buscamos na experiência internacional?
Primeiro, não é adequado termos um sistema unicamente privado, muito menos unicamente com instituições de fins lucrativos, como é o chileno. Então, o modelo que estamos propondo é um modelo de concorrência pública privada, inclusive, no privado, instituições sem fins lucrativos, não apenas instituições financeiras.
Além disso, vamos deixar claro que o sistema nocional seria gerido pelo INSS obviamente, e o INSS, obviamente também, estaria concorrendo nesse sistema como um todo, com toda a capilaridade que ele tem, com toda a estrutura de funcionamento que o INSS tem. Isso a gente vê até pela experiência recente no Brasil: quando se aumentou um pouquinho a concorrência no sistema financeiro, como taxas de administração despencaram. Com a concorrência mais ampla, com entidades sem fins lucrativos e com entidades públicas, essas taxas de administração devem cair ainda mais.
Além disso, está prevista no modelo a modalidade de autogestão: aquelas pessoas que tiverem um conhecimento de gestão financeira, elas próprias podem administrar o seu recurso e pagar apenas uma taxa de custódia ao INSS. Pegando o que existe no mercado, aqui, hoje, algo entre 0,1%, 0,15%, portanto, um custo muito menor do que o custo no sistema de repartição.
Então, em função das diversas experiências internacionais, nós temos como implementar um sistema de capitalização, como eu falei, com um custo de transição pequeno e muito diluído ao longo do tempo, não concentrado, como foi em outros países, e um sistema com segurança e com garantia de maior rentabilidade para o segurado.
Além disso, estão previstas, como já foi colocado aqui também, a ampla transparência e uma forte fiscalização para evitar problemas como já ocorreram em fundos de pensão aqui no Brasil. Vai impedir? Não, em qualquer lugar do mundo podem ocorrer. Mas temos como controlar esses problemas, temos como minimizá-los e criar um sistema que, de fato, garanta uma poupança previdenciária que venha a garantir um bom benefício, de forma transparente, de forma justa; um sistema previdenciário que, de um lado, fomente o desenvolvimento nacional, por aumentar a poupança privada, e, de outro lado, garanta uma aposentadoria digna, sem transferência governamental para os mais ricos, mas com transferência - frisando mais uma vez - para os mais pobres.
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A título de ilustração, nos sistemas de capitalização obrigatória que temos no Brasil, hoje já temos algo em torno de R$160 bilhões capitalizados, a maior parte desses recursos estão aplicados em instituições financeiras públicas, a maior parte está aplicada em títulos do Tesouro, e tem conseguido alcançar metas de rentabilidade satisfatórias, tem cumprido as suas metas de rentabilidade atuarial, grande parte desses fundos com alíquotas inclusive inferiores à do regime geral. Com a nova previdência, como as idades de aposentadoria devem aumentar, apesar de a estimativa de vida também aumentar, esses regimes devem ficar ainda mais sustentáveis.
Eu não vou aqui buscar rebater todos os pontos, porque eu acho que não é o caso, mas apenas tentar deixar claro para a sociedade que: um, não estamos sendo irresponsáveis de criar um sistema sem fazer os estudos adequados. A PEC 06 apenas autoriza a criação de um sistema de capitalização obrigatória. A lei complementar é que vai fazer isso. Mas nós fizemos estudos, sim, fizemos estudos comparativos sérios. Acreditamos muito no trabalho que foi feito. O Brasil, como eu falei, já está pronto, porque já tem experiências bem-sucedidas nessa área. E esse sistema, sim, vai libertar as futuras gerações dessa pirâmide financeira que é o sistema atual. O acordo que está sendo proposto pelo Governo é de a nossa geração, de alguma forma, cobrir essa dívida do nosso sistema previdenciário, uma dívida que é nossa, nós não repassarmos essa dívida para os nossos filhos e netos e deixá-los constituir sua própria poupança previdenciária.
Eu acredito que é uma decisão generosa que a gente pode ter com as gerações futuras e, ao mesmo tempo, uma forma de tirarmos o Brasil de uma grande enrascada demográfica em que a gente se encontra. Seria irresponsável nós mantermos um sistema que sabemos que não se sustenta ao longo prazo em função do envelhecimento da população.
Então, apresentamos uma alternativa. Ela está acabada, ponto final, não se mexe nisso? Não. Estamos abertos a receber sugestões e melhorar a proposta. Entendemos que no Texto Constitucional não deve ficar o detalhe, mas, sim, o detalhe vir na lei complementar. A ideia é: aprovada a PEC, constituir um grupo de trabalho, constituições as mais diversas da sociedade, para, aí sim, discutir os detalhes desse modelo de capitalização, que entendemos que é uma forma de trazer uma realidade para o Brasil muito melhor do que a que temos hoje.
Obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o representante do Governo, Dr. Leonardo José Rolim Guimarães, Secretário de Previdência da Secretaria de Previdência, do Ministério da Economia, que teceu aqui as suas considerações.
Como diria alguém: sempre há controvérsia. A controvérsia vai aparecer agora, porque cada um dos nossos convidados terá o tempo, como eu combinei no início, outras audiências eram cinco minutos, aqui vai ser dez; mas também o Dr. Leonardo terá o dobro do tempo de dez minutos, terá vinte para as suas considerações finais.
Então, vamos começar, como iniciamos, com o Dr. Mauro José Silva, Diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Associação Nacional (Unafisco), para os seus dez minutos, que serão considerações finais. Se ele quiser, ao longo de sua exposição, expressar o seu ponto de vista, seja qual for, contrariando ou não o nosso convidado - todos são convidados, mas ele fala pelo Governo -, ou algumas perguntas...
Mas, permita-me, antes de passar a palavra a você, por obrigação aqui, eu teria que ler essa síntese, chegaram aqui inúmeras perguntas, mas eu só tenho uma síntese aqui, do e-Cidadania.
Marcos Wellington, do Paraná: "Vendo a Petros e Postalis, qual será o dispositivo que irá garantir que nenhuma aplicação dará prejuízo, inclusive mínimo igual a inflação?". Ou seja, no mínimo, a correção pela inflação.
Jeferson Cláudio, de Pernambuco: "Há o interesse do Estado em migrar de uma previdência pública para uma previdência privada ao longo dos anos?".
Marcos Henrique, de Goiás: "Por que introduzir a capitalização, que está dando errado no mundo inteiro?".
Valdemagno Torres, de Pernambuco: "Para que realizar uma reforma que não deu certo no Chile, sendo uma grande causa de suicídio de idosos? A reforma deve respeitar direito adquirido e expectativas de direito para quem entra antes dela".
Josué Costa, do Pará: "O processo de migração para um novo modelo previdenciário deve ser feito de forma progressiva, tendo em vista que o modelo solidário é fixo".
Caio da Rocha, do Rio de Janeiro: "Até que ponto o sistema de capitalização pode melhorar a previdência? E por que aqui funcionaria se no Chile, por exemplo, não funcionou?".
Quem escolhe as perguntas, eu lembro, não sou eu, vem do e-Cidadania, eles pegam na proporção do número maior de questionamentos que vieram.
Marcos Vinicius, do Ceará: "Capitalização é modernização do sistema. Cada um responsável por sua aposentadoria, não dependendo de contribuição de terceiros". Estou lendo exatamente como está aqui.
Vinicius Beserra, do Maranhão: "Já tive um plano de capitalização de um grande banco. E a lógica deles é: quanto maior o valor dos depósitos, maior sua aposentadoria. De modo que as pessoas que ganham salário mínimo não conseguem poupar o suficiente para ter uma aposentadoria digna".
Feita a leitura, começam agora os seus dez minutos, Mauro.
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O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Eu ouvi a apresentação do Secretário Leonardo Rolim e fiquei curioso com a definição de levantamento atuarial que ele fez. Vou dar um exemplo e pedir para ele nos esclarecer.
Vou dar o exemplo de um sistema de previdência bastante sustentável, um sistema de previdência onde só há pessoas que entram com 18 anos de idade, contribuem durante 55 anos com 30% de alíquota, e o empregador vem com o dobro, com 60%. É um sistema que eu montei aqui, agora. É sustentável, gente? O que vocês acham? Eu acho que sim, notoriamente sustentável.
Mas, pela definição que o Secretário nos apresentou, de levantamento atuarial, se eu for fazer o levantamento atuarial desse sistema no ano 56, quando, dali para a frente, eu só tenho aposentadorias a pagar, ele tem déficit atuarial, Secretário. Olha só que interessante: um sistema de previdência em que se contribui com 55 anos, com alíquota de 30%, 60% do empregador contribuindo. Maravilha, durante 55 anos. Mas, pela definição que o Secretário nos trouxe, de levantamento atuarial, se o levantamento atuarial for feito no ano 56, ele tem déficit atuarial. Claro, o senhor está olhando para a frente. Eu acho que precisamos pensar nessa definição, Secretário, de levantamento atuarial. Nós não podemos levar em conta...
Levantamento atuarial não se confunde com trazer a valor presente as obrigações futuras. Isso não é levantamento atuarial, porque, se for, esse sistema, que eu acabei de montar aqui, agora, com alíquota de 30% do trabalhador, 60% da empresa, durante 55 anos - que não precisa de prova nenhuma de que é sustentável, afinal, contribuindo-se durante 55 anos com essas alíquotas -, se eu for fazer esse levantamento com a definição de levantamento atuarial que o Secretário nos trouxe, ele é deficitário em termos de levantamento atuarial. Então, precisamos ver isso, essa definição de levantamento atuarial.
E, em uma oportunidade na qual discutimos capitalização, Secretário, eu quero lhe dizer o seguinte: desde a reforma anterior, eu falava que, se fizéssemos uma capitalização referencial nas contribuições dos servidores, se eu colocasse contribuições dos servidores desde 1994, corrigindo pela taxa Selic até hoje, e de hoje para a frente eu corrigisse por uma taxa de juros real de 2,89%, que é uma taxa bastante, vamos dizer, realista, o servidor não paga a aposentadoria dele; ele paga duas aposentadorias, viu, Secretário? O servidor não é subsidiado. Um servidor que contribui durante 35 anos, pegando a contribuição dele mais a contribuição legal da União, que é de um para dois, como é na iniciativa privada, de um para dois, ele não tem R$1 de subsídio, viu, Secretário? Nem R$1! Ele não paga a aposentadoria dele, não; ele paga duas aposentadorias. O servidor não precisa de R$1 do Governo para pagar a sua aposentadoria, se ele contribui. Não é o servidor, qualquer trabalhador!
Mas o que o Governo fez com a contribuição do servidor? Pagou as omissões e os erros legislativos do passado, pagou os servidores que ele admitiu no serviço público sem ter contribuído nunca, e a Constituição de 1988 admitiu 250 mil servidores como estatutários. Então, pegavam o dinheiro dos servidores da ativa, desde 1995 para cá, para pagar esses erros do passado.
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Se a gente contabilizar - e eu trago esses números em qualquer tipo de discussão - desde que foi instituída a alíquota de 11% dos servidores, de 1994 para cá, e submetermos isso à taxa Selic, o servidor não paga a aposentadoria dele; ele paga duas aposentadorias. Eu tenho esse levantamento e posso trazer tranquilamente.
Fazemos até hoje, com a taxa Selic atual, e, para o futuro, colocamos 2,89% de taxa real, que é uma taxa bastante, vamos dizer, de primeiro mundo.
Então, Secretário, quero dizer o seguinte: o servidor público, que contribui com 11% da totalidade do seu salário e tem, por lei, a contribuição de duas vezes da União, não precisa, não é de meio nem de um, é de zero real de subsídio da União.
Eu acho que a gente precisa levar a discussão para um nível de verdade e parar com os argumentos falsos. Nós estamos levando a discussão com argumentos falsos para a sociedade. Essa discussão eu abro aqui e estou disposto a ser desmentido. Venha desmentir meus números! Venha provar que o servidor que contribuiu desde 1994 para cá, com 11%, não paga a sua própria aposentadoria! Isso é uma grande mentira! Que isso?! Vamos falar a verdade para a sociedade. Falar que subsidia?
É o mesmo que a gente chegar agora, naquele sistema que eu montei, de 55 anos de contribuição, fazer um levantamento atuarial do ano 56 para a frente e dizer que levantamento atuarial é fazer levantamento para o futuro. Gente, o que é isso? Isso é básico. É lógico que isso não é levantamento atuarial.
Desculpe-me, Secretário. Eu quero lhe agradecer por ter vindo aqui fazer o debate. Até a gente se empolga um pouco, mas faz parte da discussão. São poucas as oportunidades em que a gente tem alguém como o senhor, que se dispõe a vir aqui. Espero que eu não tenha sido enfático demais, mas, democraticamente, quero lhe agradecer por ter vindo aqui, porque eu vi o outro lado. É um exercício que é importante.
O SR. OGIB TEIXEIRA (Fora do microfone.) - Sem contar que o servidor público aposentado continua pagando.
O SR. MAURO JOSÉ SILVA - Continua pagando.
Então, Secretário, agradeço mais uma vez a sua presença aqui para ouvir isso, mas não poderia deixar de trazer esses esclarecimentos e realmente pedir para que o senhor reveja os seus conceitos e os seus argumentos, porque não se sustentam diante da realidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essas foram as palavras de Mauro José Silva, que falou pela Unafisco.
De imediato, Juliano Musse, economista do Dieese.
O SR. JULIANO MUSSE - Coloquei aqui alguns pontos e vou tentar discorrer rapidamente sobre eles, pelo tempo.
Bom, eu disse que temos que resolver problemas que estão enraizados na nossa sociedade. Entre eles, sair um pouco da questão de uma análise da despesa; entrar um pouco mais na questão da receita. Esse é um argumento que o Governo vem usando, enfim, e todos os que entendem que essa reforma é urgente.
Estamos perdendo o tempo do bônus demográfico. O Secretário afirma até a questão do desafio demográfico que nós temos pela frente. Ele começou a fala dele nesse ponto. Muito bem, eu vou entrar nessa questão.
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Vejam bem, nós tínhamos, nos anos 70, uma pirâmide etária: uma pirâmide com a base larga de jovens, uma população adulta e idosa reduzida. Mas nós tínhamos, naquela ocasião já, uma base, uma população em idade ativa relativamente grande. Em 2060, nós continuaremos a ter uma base, uma população em idade ativa relativamente grande; claro, com a inversão da pirâmide: haverá agora uma população idosa muito grande e uma base jovem.
Mas eu chamo a atenção do Senador e daqueles que nos escutam, inclusive do Secretário: vejam, os problemas de previdência social não estão na questão de envelhecimento. É uma análise um pouco diferente a que faço: veja, há problemas na sociedade que têm que ser resolvidos primeiro, e esses problemas estão nessa população em idade ativa, que não é tão destoante dos anos 70 para 2060. Nós temos uma massa de trabalhadores que precisa de emprego - temos 13 milhões de pessoas desempregadas hoje -, que precisa sair da informalidade, que precisa estar inserida no mercado de trabalho sem tanta rotatividade. Então, esses problemas têm que ser resolvidos primeiro, senão você leva toda e qualquer reforma e deixa esses problemas para trás.
Eu acho que é preciso ver isso, quer dizer, você tem uma... Tínhamos problemas com os jovens: nos anos 70 se achava que o jovem era um problema, controle de natalidade, enfim... Você vai ter um problema com idoso no futuro, mas eu não vejo isso como um problema. Eu acho que o problema está na população com idade ativa. Você tem que resolver problemas da nossa população em idade ativa. É isso que tem que ser resolvido primeiro antes de se pensar em uma reforma. Esse é um primeiro ponto.
A questão de mudanças paramétricas: acho que isso não vai punir rico. O que vai punir rico é uma reforma tributária, em que rico pague imposto. Isso precisa ser feito primeiro também, antes de se pensar em reforma da previdência social. Hoje em dia, como está colocado, em cima de bens e consumo muito mais do que renda e patrimônio, onde que há justiça social nesse ponto? Então, acho que mudanças paramétricas não vão punir rico.
Sobre o Chile, o Secretário disse que o Chile está indo bem. Eu discordo. No Chile hoje, 80% dos benefícios são abaixo do salário mínimo. Você tem 44% das pessoas abaixo da linha da pobreza. O Chile hoje não é igual ao Chile do início dos anos 80, é pior!
A questão aí de dois pilares, de ter um sistema de repartição com um sistema de capitalização. Vejam, dizer que isso vai amenizar o custo de transição... Isso seria verdadeiro se a coisa fosse partilhada. Mas, vejam, do jeito que está colocado, se você cria regras mais duras de acesso, regras mais duras de aposentadoria, se você tem pessoas que não contribuem, pessoas desempregadas, na informalidade, se você tem uma capitalização que vai absorver, criando todo um cenário totalmente contrário para a previdência social, afirmando: "a previdência social não é uma coisa boa; você não vai se aposentar; você vai se aposentar com benefícios reduzidos", bom, então essa pessoa vai para a capitalização. E não estou falando só de... Realmente quem ganha um salário mínimo vai ficar, esse é o piso. Mas quem ganha um pouco mais que o salário mínimo também não considero ser uma pessoa rica. Então, essas pessoas... Será que essas pessoas vão realmente optar, fazer essa opção dentro de critérios, de entendimento do que é a seguridade social? Do que é um sistema de proteção social hoje existente no Brasil? Eu acho que não. Acho que essas pessoas tendem a ir para um regime de capitalização.
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Bom, mais dois pontos aqui para encerrar. O Governo afirma que - o Secretário não disse isso aqui, mas se escuta isto muito, o Governo diz isto - com a previdência é capaz de o País retomar o crescimento. Isso eu acho que é até uma afronta a quem pensa um pouco sobre economia, a quem pensa sobre previdência, a quem pensa ou entende um pouco de questões econômicas. Vejam, pelo Governo, então, a nova ótica do PIB será PIB igual a reforma da previdência: vamos fazer a reforma da previdência e o País vai crescer; não vamos fazer a reforma da previdência e o País não vai crescer.
Ótica da previdência, Senador, é consumo das famílias, é investimento, é gasto do Governo, é o que precisa ser feito agora em termos de uma política expansionista, e não contracionista. Porque a reforma da previdência... Se você reduz benefício, se você dificulta critérios de acesso e com a capitalização, isso são políticas contracionistas; você não está incentivando a economia a crescer. É isso que precisávamos neste momento: sair desse viés contracionista e incentivar consumo. Se quer fazer reforma, se quer fazer política de austeridade, vamos fazer em período de bonança; não em período em que se tem uma situação de recessão, depressão, a depender da situação.
Então, vamos resolver problemas enraizados em nossa sociedade. Eu reafirmo, há muito tempo que eu falo isto: não adianta, seja qual for a reforma; essa reforma não irá resolver esses problemas que já estão enraizados. Você constrói uma casa, uma casa bonita, tem lá suas paredes, tem suas janelas lindas, tem seu teto maravilhoso, mas, se você não resolver o problema da base dessa casa, essa casa vai cair em algum momento.
Bom, estamos vivendo um período de uma nova reestruturação produtiva, com novas formas de contratação, isso é uma coisa que tem, sim, que ser levada em conta quando se pretende melhorar a previdência. Discutir, de repente... Eu bato nesta tecla: discutir com a sociedade. É preciso discutir à exaustão com a sociedade toda e qualquer mudança, seja paramétrica ou não. Então, discutir essas fontes de financiamento? Sim, podemos discutir novas fontes de financiamento. Desoneração da folha já não será uma coisa tão, dependendo do que virá, da indústria 4.0, isso interferindo na questão de contratação e tal... Mas o que precariza isso, por exemplo, é uma reforma trabalhista, que precariza o trabalho, com trabalhos intermitentes, parciais. Onde está a proteção social? Então, com isso eu acho que quem se beneficia, quem sai ganhando dessa história é o empregador, que pode contratar sem o ônus do trabalho, sem o ônus que deveria, a meu ver, ser também dispensado a esse contingente, ao empregador.
Bom, é isso. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Juliano Musse, que falou pelo Dieese.
Agora vou passar a palavra para o técnico de planejamento do Ipea, Sr. Milko Matijascic.
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Mas explico, antes, que o Dr. Leonardo José Rolim Guimarães, que falou pelo Ministério da Economia, tem um compromisso. Eu ia deixar que ele encerrasse também, como havia feito no primeiro bloco, mas ele pediu para mim, pois tem um compromisso e vai ter que sair, para falar logo depois do Sr. Milko.
Depois de você, ele fala; depois fala ainda o consultor Luiz Alberto; e o advogado Guilherme Zagallo é o último a usar esses dez minutos.
A palavra é sua.
O SR. MILKO MATIJASCIC - Senador, se ele quiser se antecipar, eu não me oponho.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MILKO MATIJASCIC - O.k. Bom, vamos lá então.
Sem dúvida, é um debate muito importante. O que nós estamos falando aqui é sobre o contrato social da nossa sociedade, como é que a nossa sociedade vai se estruturar, como é que nós vamos cuidar dos jovens, que não são tanto o centro da conversa de hoje, e como nós vamos cuidar dos mais idosos. Então, é uma coisa central.
Normalmente os estudos antropológicos mostram que a pessoa nasce e vai ganhando créditos - é o momento de ela estudar, é o momento de ela aprender, é o momento de ela se inserir. Numa idade adulta, ela deve contribuir para essa sociedade, produzindo, organizando a produção. E depois, na sua velhice ou com a perda da capacidade de trabalho, vai depender do trabalho das pessoas que estavam em idade ativa, como ela mesma estava pouco tempo antes. Sempre chamando a atenção de que a gente sempre tem o foco muito centralizado nos idosos, mas não pode esquecer que no Brasil é particularmente importante o contingente de pessoas doentes, com incapacidades temporárias ou até mesmo com morte prematura. O Brasil ainda é um país com níveis de acidentes de trabalho e acidentes que não são de trabalho, mas que inviabilizam a pessoa, que são muito elevados. E, como consequência das décadas anteriores, das dificuldades sociais que nós tivemos, esse é um problema muito sério, que ainda vai guardar relações com o futuro.
Quando pensamos, assim, na questão da América Latina, da previdência, dos modelos, o que nós vemos é o seguinte: os modelos de repartição e de capitalização individual são modelos que apresentam muitas dificuldades. E apresentam muitas dificuldades por quê? Porque a nossa sociedade tem características que não são as características da Suécia, da Suíça ou da Dinamarca. Bem que nós gostaríamos que fossem, mas não são. A nossa sociedade é uma sociedade em que a população em idade ativa não está majoritariamente contribuindo para a previdência; está em atividades informais, em atividades precárias, como lembrou aqui o Juliano com muita pertinência, com nível de desemprego muito elevado, alarmante mesmo. E ainda, para alarmar a situação, todos os grandes analistas internacionais calculam que, nos próximos 40, 50 anos, 2 bilhões de empregos serão perdidos pelo mundo. Isso num momento em que a população, do ponto de vista mundial, ainda aumenta.
Então, nós falarmos de um novo contrato social é uma questão absolutamente pertinente. E temos que tomar cuidado nesse aspecto para não cairmos nesse debate que assolou a América Latina desde os anos 80. Nós estamos num debate que é quase dialógico: de um lado, há a repartição, a coisa completamente solidária, a distribuição; e, de outro lado, há um sistema totalmente individual, de contribuições individuais.
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Os dois apresentam problemas. Mas, no caso da América Latina, a capitalização individual, as contas previdenciárias individuais apresentam problemas maiores, infelizmente. Embora o Brasil tenha cometido muitos erros, e os erros não foram poucos, e as dificuldades sejam muitas, ainda foi o modelo mais bem-sucedido do que os dos nossos países que adotaram modelos de capitalização, sejam eles integrais, como o do Chile, sejam eles parciais, como o da Argentina, ou mesmo em paralelo, como o da Colômbia. Por quê? Porque os custos de gestão de transação dessas contas são muito elevados. E notem que não é só na América Latina. Vamos nos referir a um período razoavelmente recente, que foi a crise de 2008 e 2009.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde 50% da população possui fundos de pensão, o que aconteceu? Essas populações precisaram trabalhar cerca de quatro a cinco anos a mais para receber de 20% a 25% menos do que esperavam receber antes dessa crise. Ele é um sistema de muito pouca ajuda do ponto de vista da solidariedade social, porque no momento da crise o valor dos ativos cai, e cai, aliás, de maneira muito radical, e a demanda por esses ativos aumenta.
Então, nós temos que sair um pouco desse debate dialógico e imaginar... Por exemplo, a minha sensação, muitas vezes, andando, é de que a capitalização, por exemplo, é um grande vilão, é um grande fantasma. Não, ela não é. Existem outras modalidades de capitalização. Por exemplo, o Secretário mesmo lembrou, de maneira muito apropriada, que existem regimes de benefício definido sendo adotados pelo País. Existe outros regimes ainda que são de contribuição mista.
Por que isso é importante? Por exemplo, muitas vezes, quando me perguntam qual eu acho que foi a reforma ideal, muitos se surpreendem quando eu digo que foi a reforma do Governo Reagan, nos Estados Unidos, capitaneada pelo Alan Greenspan, que viria a ser o Presidente do Banco Central americano na sequência. Aí, todo mundo fica muito surpreso. Por quê? Foi um regime que eliminou a questão da repartição? Não, ele não eliminou. O que ele fez? Ele introduziu, como a Emenda 20 - só que lá funcionou e aqui não -, uma capitalização de um ponto de vista de uma reserva. Eles reconhecem que a sociedade está envelhecendo e que seria profundamente injusto fazer com que as novas gerações pagassem, digamos assim, o custo das gerações antigas e mais o seu próprio custo. Esse sistema funcionou? Ah, ele tem altos e baixos, ele tem problemas. No Governo Clinton ele estava bastante bem regulado, no Governo Bush filho, com a guerra do Iraque, muitos desses recursos foram pulverizados, e o Governo Obama deu uma boa recuperada nisso. Pelo quanto se sabe até aqui, o Governo Trump não causou maiores problemas para esse tipo de questão.
Mas o que é importante nesse caso? É importante você dizer que você adquire equilíbrios para essa situação, equilíbrios que são assim: o Governo toma conta, mas a sociedade toma conta, e existe uma solidariedade com reservas. Nós perdemos uma grande oportunidade na questão do pré-sal, por exemplo, de ter utilizado esses recursos talvez para essa forma de transição. O que eu estou dizendo significa que não tem que haver reforma da previdência? De modo algum. Existem problemas paramétricos violentos. O que o Secretário diz é, em grande medida, verdadeiro. A nossa previdência é bastante generosa para os mais abastados, mas é bastante dura para as pessoas que são menos abastadas, e nós temos que dar uma reduzida nessa questão. Esse é um ponto que, sem dúvida nenhuma, é verdadeiro. Mas, para isso, é preciso buscar os mecanismos corretos. Em parte, nós os temos.
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Por exemplo, a questão da seguridade social e do orçamento da seguridade social, que prevê múltiplas contribuições, é uma solução inteligente que foi adotada pela nossa Constituição, considerando exatamente o que eu coloquei e que muitos colocaram aqui anteriormente: que cerca de apenas um terço da população em idade ativa consegue contribuir regularmente. Mas, como você precisa atender todo mundo no futuro, é preciso que você encontre mecanismos que não sejam só sobre folha salarial.
Muitas vezes fala-se sobre folha salarial como se fosse uma coisa que viesse quase que, sei lá, desde Adão e Eva. Não, não é verdade! O Bismarck, que implantou o modelo bismarckiano tão famoso, não era a favor da contribuição salarial. Quem ler a biografia dele pode ver isso. Ele queria muito que as pessoas fossem leais ao Estado alemão, que estava sendo criado - ele tinha uma preocupação danada com os franceses, que eram os seus grandes inimigos naquele momento na Europa -, e queria criar um sistema de aposentadoria para reforçar a nacionalidade. Aqui, na América do Sul, o Uruguai usou um debate parecido.
Então, eu acho que é o momento, talvez, de nós pararmos de pensar nessas soluções muito radicais e, principalmente, insistir em muita coisa que não deu certo, para pensar em movimentos que sejam um pouco menos abruptos, que façam transições um pouco mais simples, um pouco mais tranquilas, e adotando a íntegra das regras. Nós não temos que estar sempre neste debate horrível: de um lado é só a solidariedade e, de outro lado, é só o interesse individual. Existem formas de conjugar isso, tecnicamente, que são amplamente conhecidas, mas que precisam ser debatidas.
A nossa sociedade precisa, urgentemente...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto.
O SR. MILKO MATIJASCIC - ... escapar dessa questão, que é muito séria.
Eu agradeço a atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Esse foi o Sr. Milko Matijascic, que falou pelo Ipea.
Agora, para as suas considerações finais - e já, de pronto, agradeço também por ter vindo -, o Dr. Leonardo José Rolim Guimarães, Secretário de Previdência da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia.
Lembro que ele iria falar por último, mas, por motivo de compromissos já assumidos, ele vai falar neste momento.
O SR. LEONARDO JOSÉ ROLIM GUIMARÃES - Obrigado, Senador.
Eu gostaria de fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar, tem-se falado muito aqui sobre o Chile ou que deu errado o modelo chileno. Bom, em primeiro lugar, o que a gente vê é que o Chile cometeu erros, sim, mas fez ajustes e mantém o sistema de capitalização. Inclusive, nessas décadas, desde a implantação, o Chile foi um dos países que teve o maior crescimento econômico. O PIB do Chile, quando implantado o sistema de capitalização, era até menor que o do Brasil; hoje é muito maior, quase o dobro.
O sistema de capitalização não foi a única razão do crescimento econômico do Chile. O Chile descolou do resto da América Latina também por outras razões, mas, sem dúvida, foi um dos principais, se não o principal motor do desenvolvimento chileno.
Era interessante, Senador - é uma sugestão que eu dou -, como essa discussão sobre capitalização o senhor antecipou que vai continuar, trazer pessoas que trabalharam ou que trabalham no Governo chileno, tanto as ligadas ao grupo que está no Governo atualmente como as ligadas ao grupo que esteve no Governo anterior, para fazer uma análise, aí sim, de quem acompanhou mais de perto esse sistema, e, assim, que pudéssemos ouvir o que eles têm a falar do sistema chileno. O que eu ouvi, em diversos eventos de que participei com o pessoal do Chile, não foi exatamente o que eu ouvi hoje nesta reunião.
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Um outro ponto também que volto a enfatizar, embora já tenha falado na minha fala anterior, é que o sistema que estamos propondo não é um sistema de capitalização pura. É um sistema que mescla capitalização com sistema de repartição nocional e, sim, com solidariedade, ao garantir o salário mínimo para todos via um fundo garantidor. Além disso, nesse fundo garantidor pode haver, sim, outras fontes para complementar a previdência.
O que não pode continuar havendo no futuro são renúncias previdenciárias e subsídios explícitos ou implícitos, que são o que a gente mais tem no nosso sistema previdenciário hoje. Os implícitos são aqueles mais perversos, porque a maioria das pessoas não percebe.
E discursos falaciosos acabam enganando. A população precisa saber a realidade de aonde está indo seu dinheiro. O dinheiro que sai do Estado não sai de um ET superpoderoso nem é colhido em árvore. O dinheiro que sai do Estado sai da população brasileira, dos tributos que são pagos.
E o nosso sistema previdenciário, como foi dito aqui corretamente, é um sistema regressivo. Não tenho nenhuma dúvida de que uma reforma tributária será aquela medida que terá mais impacto para a redução das desigualdades, porque o nosso sistema tributário é regressivo. Ele retira mais dinheiro dos mais pobres. Quando nós temos um déficit previdenciário, vai ser justamente a maior parcela retirada dos mais pobres. E como o nosso sistema dá mais subsídios para os mais ricos, estamos tirando dos mais pobres para dar para os mais ricos. É o Robin Hood às avessas, o nosso sistema previdenciário.
Também foram citados aqui estudos do Banco Mundial, da OIT, do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Também sugiro, Senador, que o senhor convide pessoas dessas instituições que fizeram os estudos, para eles darem a opinião deles sobre a capitalização. Também participei de diversos eventos com essas instituições, e a avaliação deles é positiva a um modelo como o nosso, um modelo que mescla capitalização e repartição e que tem o princípio da solidariedade.
O Mauro falou aqui sobre avaliação atuarial. Mauro, o conceito de avaliação atuarial é um só. É um conceito consolidado no mundo inteiro. Se você quiser, depois eu lhe explico com calma. Não há o que se inventar em avaliação atuarial. É um conceito disseminado pelo mundo. Há cursos de graduação nessa área. Há várias metodologias, mas o conceito é um só.
E não há como inventar números. O nosso sistema previdenciário do servidor público é altamente deficitário, por duas razões: primeiro, porque a taxa de reposição nossa é muito elevada; segundo, porque a gente contribui pouco tempo em relação ao que recebe, porque nos aposentamos muito cedo.
Então, vou dizer o meu caso, que está longe de ser dos piores. Tenho colegas que vão se aposentar muito mais jovens do que eu. Pelas regras atuais, eu vou me aposentar com 59 anos, com uma taxa de reposição em torno da média que a gente tem avaliado, que é de 180%. É óbvio que eu vou ter um subsídio gigante da sociedade nesse sistema, a não ser que eu contribua muito mais do que os 11% que eu contribuo hoje. Essa é uma das razões de a gente estar aumentando a alíquota, apesar de, mesmo com esse amento da alíquota, continuar havendo um belo subsídio. Para ter-se uma ideia, somando a contribuição do trabalhador mais a contribuição patronal, isso paga 42% da despesa previdenciária hoje, e 58% vêm de tributos, portanto, da sociedade.
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Outra questão que foi colocada aqui é a questão da taxa de dependência. Sim, a taxa de dependência, em 2060, vai ser similar ao que a gente tinha em 2000, mas contando jovens e idosos. Para efeitos previdenciários o que interessa é a taxa de dependência entre pessoas em idade ativa e idosos porque, no sistema de repartição, não é a criança que vai pagar a aposentadoria. Então, olhando a taxa de dependência entre pessoas em idade ativa e idosos, o número cai absurdamente de 2000 para cá, como expliquei anteriormente: de 14 para 1, para 2,3 para 1. É algo inquestionável.
Uma outra situação que também foi citada aqui é em relação a outras fontes. Acho que Milko colocou muito bem. Temos, sim, que buscar outras fontes, principalmente para custear a transição. Temos que fazer, sim, uma transição responsável, cuidadosa, gradativa. É esse o modelo que está proposto na PEC 06. É importante, também, buscar outras fontes para garantir o custeio do sistema. Esse, inclusive, foi um dos problemas que ocorreu em algumas transições, inclusive com transições, aqui no Brasil, feitas por alguns Estados. Nós já temos uma previsão, no art. 250 da Constituição, de constituir um fundo para esse fim e buscar receitas para cobrir a transição. A falta de recursos para esse fim não é problema da Constituição, mas sim de a nossa geração se desprender dessa condição de jogar um problema para a frente e resolver o problema, encontrar soluções - são viáveis -, encontrar soluções responsáveis para fazermos uma transição suave e adequada para que as gerações futuras tenham a garantia da sua aposentadoria, para que elas não tenham que assumir uma dívida que é nossa.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Leonardo José Rolim Guimarães falou pelo Ministério da Economia.
Como ele vai ter que sair, vou responder porque você perguntou a mim. Eu me propus, já no Plenário do Senado - entrei com um requerimento -, que a gente traga cinco pessoas a favor da reforma que foi apresentada e cinco contra, e de preferência que, no caso do Chile, do México, de outros países, tragam também as duas visões. Então, isso já está proposto. Não vejo problema nenhum, também, aqui na Comissão, desde que a gente convoque, naturalmente, os que pensam de uma forma e os que pensam da outra forma. Até o momento, todos os que falaram aqui foram na linha de mostrar que o sistema chileno não deu certo. Estou só comentando, mas vou aceitar a sua provocação positiva. Que venham as duas partes.
Por fim, antes de V. Exa. sair - quero ouvir os outros convidados, naturalmente -, vamos fazer questão de termos mais um debate sobre essa questão. Oxalá até lá a gente consiga fazer com que venham duas pessoas que estudaram os outros sistemas de capitalização e aqueles que entendem que não deu certo.
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Eu me lembro só de uma fala: "Durante os 30 anos em que é só arrecadar, não há como dar errado. O problema é quando começa a pagar depois de 30 anos". Esse foi o problema também no Brasil, se nós olharmos lá para trás. Aqui no Brasil também foi assim. No tempo em que o dinheiro só entrava, era uma fartura generalizada. Quando se começou a pagar, foram ver que o dinheiro foi desviado para outros fins. É aquela história, de construir Brasília... Enfim, Transamazônica, aquela história toda.
Mas é um debate que vamos continuar fazendo, e eu queria agradecer muito a V. Exa. por ter estado aqui com a gente.
Eu puxaria uma salva de palmas na sua saída agora.
Esperamos revê-lo aqui.
Parabéns. (Palmas.)
Ele já afirmou que virá no próximo debate.
De imediato, Dr. Luiz Alberto, Consultor do Senado Federal, especialista no tema também.
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - Bem, eu ouvi aqui com muita atenção e percebo que é uma discussão, para quem nos acompanha de casa, muito problemática, muito complexa. Talvez, as pessoas fiquem um pouco confusas ao ouvir essas expressões, "privilégios" e tal, mas eu queria resgatar aqui algumas premissas para que a gente entenda o que é, de fato, que nós temos diante de nós.
Eu não gosto, Senador, de usar o exemplo do Chile nessa discussão, porque ele é tão ruim que o próprio Governo, quando mandou a PEC, já sabia disso e fez alterações, fez ajustes no seu texto, exatamente para que, quando chegasse a discussão, pudesse dizer: "Olha, eu não vou fazer o modelo chileno, porque lá os velhinhos estão se matando, os velhinhos estão se jogando na frente do trem porque não conseguem pagar os seus remédios".
Pois bem, para isso ele inventa: "Não, vai ser um modelo de capitalização nocional. Vai haver um piso de um salário mínimo". Mas ele constrói e formula uma proposta que é inconsistente na sua essência, ou seja, aprovada a PEC como foi enviada, ela não conseguirá ser implementada como está escrita. Ela vai ter que gerar escolhas, e essas escolhas serão feitas à revelia do que está escrito na própria Constituição da forma como foi escrito.
Então, não é essencialmente, ali, um modelo de capitalização nocional, é um modelo de capitalização puro. "Ah, mas eu vou ter aqui uma camada nocional." Ninguém sabe o tamanho dessa camada. É tanta pergunta sem resposta que não dá nem para a gente discutir o que está escrito ali. Por isso, a emenda constitucional na discussão que se trava na Câmara dos Deputados já foi questionada, e profundamente questionada, pelos Líderes, a ponto de se dizer: "Olha isso não passa". O Presidente da Câmara dos Deputados já disse.
Mas eu queria esclarecer um pouco mais o que é esse pacto geracional que o regime de repartição configura.
Nós temos, numa situação normal - e eu estou tirando aqui de cena a ideia de uma guerra, de uma hecatombe nuclear -, um pacto entre gerações. Como é que funciona isso? A atual geração contribui e paga os benefícios da geração passada. Em compensação, ela usufrui daquilo que a geração passada construiu com o seu trabalho, com o seu esforço, com a sua dedicação ao desenvolvimento do País. A própria geração presente, que está pagando parte dos benefícios da geração passada com as suas contribuições, vai deixar uma herança para a geração futura, que, por sua vez, vai custear parte dos benefícios da geração presente quando ela se tornar geração passada.
Então, nós temos aí um pacto intergeracional, a partir de um conceito que envolve a herança coletiva que a humanidade vai deixando, senão nós estaríamos todos na Idade de Pedra. Previdência não é self-service - paga pelo que consome -, a gente contribui para um benefício coletivo. Então, a geração futura vai cumprir esse mesmo papel e vai usufruir daquilo que nós vamos deixar para ela.
Pois bem, quando eu digo que eu vou ter um regime de capitalização em modalidade de contribuição definida individual, eu estou rompendo esse pacto, eu estou jogando na lata do lixo da história uma construção social de centenas de anos em favor do incentivo ao individualismo, acabando com a hipótese de uma solidariedade ao seguro coletivo como um caminho civilizatório e em oposição à barbárie.
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Os cidadãos, no momento em que entram em gozo de um benefício, contribuíram. Eles também não estão apenas esperando que os cidadãos que estão no trabalho, na atividade, vão pagar o dele. Não. Ele também contribuiu.
Nesse sentido, é muito importante observar que o brasileiro paga muito caro pela previdência que recebe. Em comparação com outros países, nós pagamos o dobro ou até o triplo, porque a contribuição do trabalhador é de 8% a 11% - no serviço público, é de 11%, e alguns entes da Federação cobram 14% -, mais a contribuição patronal. É muito suficiente, como disse o Mauro, para constituir, em bases individuais, um fundo capitalizado suficiente para garantir esse benefício a longo prazo.
Antes de voltar a esse problema de quanto acumulamos, é importante observar, Senador, que nós não estamos nessa situação calamitosa que o Governo tenta transmitir à sociedade, de que, daqui a poucos anos, nós vamos ter mais aposentados do que ativos. Isso não é verdade.
Olhando em perspectiva histórica, em 1950, de fato, em relação às pessoas com mais de 65 anos, nós tínhamos mais do que o dobro de trabalhadores em atividade do que se encontravam na Europa - isso na década de 50. De lá para cá, essa proporção vem diminuindo, mas nós só vamos chegar à situação da Europa atual daqui a mais de 30 anos, ou seja, nós estamos descendo a ladeira em relação a isso, sim - a sociedade está envelhecendo -, porque é o resultado, inclusive, dos avanços que estamos construindo em termos de acesso à saúde, condições de educação, melhoria de renda etc., mas o brasileiro ainda é um povo que sofre enormes desigualdades.
Quando a gente compara, por exemplo, taxas de emprego segundo grupos de idade no Brasil e nos países desenvolvidos, vê que é muito pior no Brasil a condição de um trabalhador acima de 50 ou 60 anos para conseguir um emprego do que nesses países. Nesses países desenvolvidos, mais de 50% das pessoas acima de 55 anos têm trabalho, conseguem trabalho. No Brasil, é muito difícil alguém acima de 55 anos conseguir emprego. Portanto, como essa pessoa vai contribuir num regime de capitalização? Mesmo num de regime de repartição já é difícil! Muito pior será num regime de capitalização.
Essa contribuição que cada um de nós paga, que é elevada... Imaginemos a seguinte situação. O secretário disse aqui que ele, como servidor, se julga privilegiado. Ele tem falado isto rotineiramente: que se julga um privilegiado porque ele terá um subsídio de cento e tanto, 160%, 180% daquilo que ele contribuiu. Ele deixa de considerar nessa conta a história do serviço público no Brasil, que é de altos e baixos em termos salariais. Quando ele ingressou no serviço público, ele foi atraído por uma promessa, e o Governo entregou outra, ou seja, reduziu o salário dele progressivamente. Depois, ele fez um concurso lá para a Câmara dos Deputados, como eu fiz aqui para o Senado Federal. Ganha mais, mas, ainda assim, também há altos e baixos. Então, hoje ele pode estar calculando esse salário maravilhoso, mas quem aposta que essa situação vá se manter por dez, quinze ou vinte anos? Não, vai ser aquela gangorra: uma hora estará lá em cima, outra hora estará lá embaixo.
Então, na média, ele está contribuindo duplamente: com a contribuição que ele dá, mas também com o serviço que ele presta, que é, em grande parte do período que ele trabalha, sub-remunerado. Isso acontece com todos os trabalhadores no Brasil. Mas, se ele tivesse - ou qualquer um de nós - um salário mais ou menos regular, iniciando com x e chegando ao dobro de x ao longo de 35 anos... Começando a contribuir com 35 anos de idade para chegar aos 60 anos e contribuindo sobre a parcela acima do teto do RGPS, com as alíquotas hoje previstas para arrecadação do Funpresp e descontando taxa de administração e a parcela destinada à cobertura dos benefícios de risco, ao longo desses 35 anos, capitalizando isso com a taxa da poupança, 6% ano, o fundo constituído, Mauro, não daria para pagar dois benefícios: daria para pagar um número infinito de prestações, então dá muito mais do que dois. Mas isso depende da taxa de juros a 6%, que era o que lá no Chile eles prometiam que iam dar, mas não deram. É que a economia é muito instável, tem crises. Nós estamos vivendo agora, talvez, a segunda década perdida, e isso afeta os fundos de pensão que já existem, afeta qualquer hipótese de investimento, qualquer hipótese de capitalização.
Então nós estamos trocando realmente um regime de repartição solidário por uma verdadeira loteria. É isto que nós temos diante de nós: uma loteria, pode dar e pode não dar. Podemos acertar na mega-sena, mas podemos perder tudo, como aconteceu em muitos países. O caso da crise de 2008 mostrou isto: fundos de pensão nos Estados Unidos, na Inglaterra e em vários países viravam pó da noite para o dia, e os trabalhadores que contribuíram por longos períodos de tempo perderam tudo.
Então, essa discussão realmente está muito mal colocada.
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Finalmente, nós temos um problema crônico no Brasil: renda baixa, muito baixa. Eu fazia um cálculo há pouco, Senador Paim - Senador que, ao longo de décadas, defendia um salário mínimo de US$100. Por que ele defendia US$100? Porque era muito mais baixo do que isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Era de 60 na época.
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - Pois é, foi uma luta!
Hoje o nosso salário mínimo, em termos de paridade do poder de compra... Vejam bem: trata-se de paridade do poder de compra, não do quanto ele representa em dólares efetivamente. Se for calcular em dólar, Senador, dá pouco mais de US$200 - dólar a R$ 4 -, mas, se a gente calcular com base no poder aquisitivo da moeda aqui dentro, segundo uma metodologia utilizada no mundo todo para a comparação entre países, em paridade do poder de compra, o nosso salário mínimo vale quatrocentos e oitenta e poucos dólares - para poder comparar com o americano. O americano lá ganha 1,3 mil de salário mínimo. Então nós estamos ganhando menos do que a metade, ou pouco mais do que um terço, do salário mínimo americano. Quanto é o salário mínimo no Chile segundo os mesmos critérios? É de US$745. Trata-se de um paisinho aqui ao lado do nosso, uma linguiça ali que não é uma economia tão desenvolvida, mas que consegue pagar mais de 50% do salário mínimo americano para os seus trabalhadores. No entanto, seus aposentados estão no chão, porque muitos deles não recebem sequer 1/3 desse salário mínimo.
Então o que nós precisamos fazer? Precisamos desenvolver a economia do País. Precisamos resolver esse problema do desenvolvimento econômico, do aumento da produtividade, da qualificação da mão de obra, aproveitar ainda o que nos resta de bônus demográfico para produzir, e não ter esse exército de desalentados e de desempregados que não avançam em momento algum - não há política para isso. Isso em troca, claro, dos ganhos que isso nos trará como sociedade e como nação...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais um minuto.
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - ... sob pena de nós ficarmos jogando uns contra os outros numa perspectiva individualista que não contribui para absolutamente nada em relação ao avanço das nossas políticas públicas. Então, se nós não tivermos uma visão mais ampla, nós vamos ter aqui, de fato, o domínio do sistema financeiro em caráter absoluto, que são os grandes ganhadores com a transferência de renda que a capitalização promove ao esvaziar a previdência pública, ao retirar recursos dessa contribuição que é elevada comparativamente com o regime previdenciário público...
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(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - ... em troca aí de uma possível desoneração para o mercado de trabalho privado, mas que não reverterá efetivamente em benefícios para a sociedade.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Luiz Alberto, Consultor do Senado Federal.
Agora, por fim, encerrando, o Advogado Guilherme Zagallo, representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos.
O SR. GUILHERME ZAGALLO - Bem, acho que o debate foi riquíssimo. A gente sai de uma audiência desta muito mais preocupado do que entrou, porque a gente vê as interações dos colegas. É quase desesperadora a situação. A bem da verdade, o Governo nos está propondo, mal comparando, um salto de paraquedas em que nós vamos, primeiro, pular e, durante o salto, vão nos fornecer o paraquedas e o treinamento de como utilizá-lo. É mais ou menos essa a proposta da reforma da previdência.
O Governo tem vários problemas nessa proposta. O principal deles, eu acho, é a pouca transparência. Quem teve a paciência de ler e estudar as planilhas... Na verdade, é um resultado, não traz as fórmulas, não traz detalhamentos, não traz as premissas, algumas delas estão desatualizadas, há dados da Pnad de 2013, e o mercado de trabalho teve uma degradação grande de 2013 para cá. Eu fiz aquela conta das pessoas fora do mercado, que são 53 milhões agora. Eram 40 milhões no primeiro trimestre de 2014. Pensem: são 13 milhões de pessoas em pouco mais de cinco anos. Então, isso influencia muito.
Por exemplo: aquele déficit atuarial de R$17 trilhões eu não vi nas planilhas, não está disponível lá. O Governo diz que fez simulações em relação à capitalização, mas não há nada, nada, absolutamente nada; a única coisa que há é aquele eslaide que eu exibi do menor custo de transição. Essa é toda a fala do Governo em relação a essa questão do custo de transição.
Há muitas incertezas. Por exemplo: para esse fundo garantidor - Luiz Alberto já colocou isso -, de onde virão os recursos? O valor será pago até a morte ou será pago para os aposentados? Porque, como eles estão fora das regras, é uma exceção... Na capitalização, geralmente... Por exemplo, no modelo chileno, há isso, há dois tipos de benefício: um que vai até a morte, que geralmente é mais baixo, e um que vale por expectativa de sobrevida. Se você viver mais do que isso, azar seu, sinto muito.
Então, essas questões não estão claras. Mesmo na questão da capitalização nocional, o texto da proposta diz: "... admitida a capitalização nocional". Não é afirmativo que vai acontecer capitalização nocional. A gente está dando um cheque em branco... Na verdade, não é um cheque em branco, é um talão inteiro de folhas assinadas que a sociedade brasileira está sendo chamada, com essa proposta de emenda à Constituição, a assinar e entregar para o Governo. Então, é muito, muito, muito complicado isso.
O estudo, por exemplo, não contempla... Aliás, está no texto, mas não estão contempladas, por exemplo, as contribuições extraordinárias dos aposentados, que estão previstas. Isso vai acontecer como e quando? Porque a proposta... Já havia, no debate da semana passada na Câmara dos Deputados, um representante do Governo dizendo que, mesmo com a reforma, o sistema continuará desequilibrado atuarialmente. Opa, se vai continuar desequilibrado, há autorização, então, para a aplicação imediata dessa contribuição extraordinária. Na prática, isso significa redução do valor dos atuais benefícios de aposentadoria.
Os trabalhadores brasileiros - eu tenho participado de muitas reuniões, fui a uma praça no sábado, uma experiência interessantíssima, sindicatos - não sabem: "Eu estou aposentado, esse problema não me atinge." Falo aqui para o aposentado que está assistindo à TV Senado: acorde! Todo brasileiro e brasileira serão atingidos por essa proposta, inclusive aqueles que já estão aposentados e que poderão ser chamados, como aconteceu na Grécia, na Espanha e em Portugal, com a redução dos seus benefícios.
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Ouvi uma fala agora, importante, do secretário: de que não pode haver renúncia às receitas previdenciárias. Eu concordo com ele, mas não vi nenhum movimento nessa proposta de emenda - não há nenhuma proposta - de revogação das leis que estão em curso. O orçamento de 2019 tem quase R$157 bilhões de renúncias de receitas da seguridade social.
O SR. JULIANO MUSSE (Fora do microfone.) - R$1 trilhão em dez anos.
O SR. GUILHERME ZAGALLO - Mais de R$1 trilhão: R$1,5 trilhão em dez anos! É maior do que a economia que está sendo proposta, ou seja, na verdade, é uma crise... Há um déficit da previdência? Há, e ele foi fabricado, ele foi fabricado no momento da concessão dessas desonerações. Quando havia superávit, até compreendia a lógica: medidas contracíclicas para incentivar a economia. Mas e agora, neste momento?
Essa reforma joga todo o peso - todo o peso da reforma! - sobre os trabalhadores brasileiros ativos e aposentados e nenhum peso sobre as empresas; pelo contrário, elas vão continuar premiadas com essa desoneração excessiva de uma receita que é para previdência, para a seguridade: para a assistência, para a previdência e para a saúde. Há uma contradição entre o discurso do secretário e o que o Governo tem feito nos projetos de lei que tem encaminhado ao Senado.
Então, finalizo com uma preocupação.
Eu advogo na área trabalhista, e a maior preocupação hoje na área trabalhista é a questão do fim do emprego. Hoje, na verdade, as consultorias internacionais que estudam o tema divergem só quanto ao tamanho da degradação, a quantos milhões de empregos serão perdidos. Há números que falam em 800 milhões de empregos; há números que falam, daqui até 2030, em 200 milhões de empregos - sobretudo pelo uso de inteligência artificial e de novas tecnologias. Há profissões que vão desaparecer no curto prazo, como, por exemplo, para motoristas, condutores de veículos. A tecnologia praticamente está pronta. O que falta hoje é muito mais a segurança jurídica, o arcabouço jurídico de suporte à implantação dessa modalidade, mas a tecnologia em si está desenvolvida.
Então, nós estamos fazendo uma projeção aqui em cima do presente, mas e o futuro, que é o futuro de um mundo onde o emprego, praticamente, será cada vez mais difícil? Essa componente da evolução do mercado que eu mostrei aqui não tende à melhora. Independentemente de o Brasil sair da crise econômica em que se encontra, a tendência mundial do mercado de trabalho é de piora, é de desaparecimento de postos de trabalho. Isso foi incluído nesta previsão de reforma? Tenho certeza que não, pelo nível das explicações que foram mostradas aqui antes e o que está disponível.
Então, nós estamos literalmente saltando no escuro, saltando de paraquedas sem paraquedas, sem saber como ele funciona e rezando para que a gente sobreviva no final. É pouco provável que a gente ganhe esse bilhete da loteria, Luiz Alberto. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Guilherme Zagallo, advogado, representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos.
Queria só um minuto para encerrar a nossa audiência pública de hoje.
Quero reafirmar que vamos chamar outro debate sobre a capitalização. Eu considero a capitalização o inimigo número um do povo brasileiro hoje. Da forma que foi colocada aí, eu não tenho nenhuma dúvida. Às vezes a gente pergunta: os militares aceitam a capitalização? Claro que não! A polícia civil ou a polícia militar aceita a capitalização? Claro que não! Aqueles diversos setores que têm direito à especial, como é que fica para eles a capitalização? Claro que não! Só interessa para quem? Para quem vai pagar a conta, que são os setores mais vulneráveis.
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O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS (Fora do microfone.) - As mulheres.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - As mulheres, exatamente! A situação em que ficam as mulheres...
Olha, infelizmente eu tenho que dizer aqui, para concluir, que, como eu estou há muito tempo aqui na Casa... Eu sou o mais jovem aqui na Casa, eu estou aqui na Casa há 32 anos; com este mandato, serão 40 anos dentro do Congresso. Infelizmente, às vezes a gente acerta... Houve um período em que o mercado e essa elite do 1% mais rico diziam que a saída para o País era afastar a Dilma. Eu não vou entrar nesse debate, só vou perguntar: afastaram a Dilma, e daí? Eu disse: só vai complicar ainda mais a vida do povo brasileiro. Entrou o Temer. E daí? Não resolveu exatamente nada. Depois disseram que a saída era a tal de Emenda 95. Hoje eles mesmos estão admitindo, os mesmos que votaram a Emenda 95, que não há como mantê-la e que eles vão ter que recuar. Não bastasse tudo isso - e nós dizíamos que também não era a solução -, inventaram que a saída para o País era a reforma trabalhista: "Tira o direito dos trabalhadores que vai gerar emprego, vai ficar tudo certo." Enfim, era o céu maravilha. Aprovaram a reforma trabalhista. Nós tínhamos 12 milhões de desempregados - lembro -; hoje temos quase 14 milhões.
Agora, a saída de todos os males do Brasil é a reforma da previdência. Dizem que vai gerar emprego, diminuir juros, melhorar a saúde, melhorar a educação e melhorar o benefício, inclusive, do trabalhador que vai pagar a conta! Infelizmente, nós vamos acertar de novo.
Eu tenho muita esperança... Eu sou daqueles que rezam também, viu? Antes de sair de casa todo dia, eu dou uma rezadinha para que essa reforma não seja aprovada.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O debate foi excelente. Eu vou fazer o que eu me comprometi a fazer aqui: vou mandar uma cópia para todos os 81 Senadores para que eles conheçam, e vamos deixar à disposição na página da Comissão de Direitos Humanos e também nos gabinetes para que a população tenha acesso.
Vamos fazer uma síntese também desse debate. Todos vão falar dois ou três minutos, para que todos falem, para que entendam e conheçam a maldade que está nessa proposta, começando pela capitalização - e depois vêm os outros assuntos, que nós vamos ter que continuar debatendo.
Muito obrigado a todos.
Encerrada a audiência pública de hoje. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 01 minuto, a reunião é encerrada às 13 horas e 07 minutos.)