22/05/2019 - 38ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Declaro aberta a 38ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos dos Requerimentos nºs 30 e 32, de 2019, da Comissão de Direitos Humanos, de nossa autoria, para debater sobre Justiça Restaurativa.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, com o link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Eu quero convidar para compor a Mesa a Promotora de Justiça no Estado do Amapá Dra. Silvia de Souza Canela; a Dra. Joanice Guimarães, Desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, Presidente do Comitê Gestor do Núcleo de Justiça Restaurativa do 2º Grau e do Nupemec do Tribunal de Justiça da Bahia; a Sra. Virginia Domingo, especialista em Justiça Restaurativa; a Sra. Violeta Maltos, professora e consultora em projetos de Justiça Restaurativa; a Dra. Carline Regina de Negreiros Cabral Nunes, Juíza de Direito no Estado do Amapá; o Sr. Ted Wachtel - para a mesa dos Senadores, aqui na nossa frente -, um dos maiores e mais reconhecidos estudiosos em Justiça Restaurativa, fundador do Instituto Internacional de Práticas Restaurativas; o Sr. Terry O’Connell - também para aqui à frente -, pioneiro também da Justiça Restaurativa e veterano de 30 anos na polícia, com trabalho que influenciou a evolução do policiamento nas escolas e em várias agências comunitárias em todo o mundo; e o Sr. Paulo Moratelli, psicólogo, palestrante e instrutor independente de Justiça Restaurativa.
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Registro a presença do Senador Paulo Rocha, do Pará.
Senhoras, senhores, Sr. Senador, pesquisadores e pesquisadoras aqui presentes, distinto público que assiste a esta audiência pública presencialmente ou por meio dos canais da TV Senado, é com extrema satisfação que esta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, a nossa CDH, sedia, como evento preliminar do Congresso Internacional de Justiça Restaurativa, esta audiência pública para debater tão relevante assunto. É consabida a relevância dessa modalidade de Justiça na redução estrutural da criminalidade e dos comportamentos conflitantes com a lei; mas, infelizmente, essa importância ainda caminha junto com o inaceitável desconhecimento sobre essa prática e seus postulados.
Aqui no Brasil, desde 31 de maio de 2016, está em vigor uma resolução do Conselho Nacional de Justiça, a Resolução 225, que trata como o Judiciário nacional deve adotar os postulados da restauração. Tal fato, derivado inclusive de recomendações da Organização das Nações Unidas, ainda não foi suficiente, no entanto, para a popularização devida da Justiça Restaurativa.
Infelizmente, no Brasil, ainda conquista corações e mentes o mito de que a segurança pública e a redução da criminalidade serão conseguidas por meio exclusivamente de mais repressão, quando, na verdade, todas as experiências exitosas no incremento do grau de segurança da população buscam juntamente integrar a repressão aos delitos graves com a restauração dos laços e valores sociais rompidos pela ação conflitante com a lei.
Especialmente nos delitos de gravidade média e baixa, é preciso - e com urgência - acabar de uma vez por todas com o mito de que a Justiça Restaurativa seria uma espécie de resposta branda em oposição a uma resposta justa ou árdua fornecida pela Justiça distributiva, especialmente no âmbito penal. Kathleen Daly, inclusive em seu conhecido ensaio Justiça Restaurativa, a História Real, alerta para esse fato.
Entre nós temos agora os maiores especialistas no mundo sobre o tema da Justiça Restaurativa, inclusive a especialmente destacada Dra. Silvia Canela, promotora de Justiça de meu Estado, Amapá, e justamente celebrada como uma das maiores conhecedoras da teoria e da prática da Justiça Restaurativa.
Sem mais delongas, portanto, até mesmo porque nossos ouvidos estão todos voltados para aprender com esses especialistas, saúdo a todos e agradeço por terem aceitado o convite para esta audiência pública.
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Passo a palavra ao primeiro convidado, Dr. Paulo Moratelli, psicólogo, palestrante e instrutor independente de Justiça Restaurativa.
O SR. PAULO MORATELLI - Bom dia.
Na figura do Senador Lucas Barreto, eu cumprimento todos os presentes, agradecendo o convite desta Casa e, pela importância do tema, agradecendo à Silvia. Já foi feita uma referência e eu acho importante, inclusive agradecer também à Silvia por ter organizado essa possibilidade de estarmos aqui hoje.
Agradeço a presença dos palestrantes que estão aqui hoje: Dra. Joanice, Dra. Violeta, Dra. Virginia, também Terry O'Connell e Ted Wachtel, e especialmente aos que vieram de fora, fizeram longas viagens. Por exemplo: Dr. Ted chegou às 5h da manhã, só foi ao hotel tomar um banho e está aqui conosco, sofreu um acidente no domingo e ainda assim está aqui conosco. Então, quero honrar a presença dele e, na presença dele, honrar a todos, mas novamente agradecer de público todo esforço que ele está fazendo para estar aqui conosco. Muito obrigado, Ted, o senhor é muito importante.
Eu queria dizer para vocês, que talvez não tenham tanta vivência dentro desse campo da Justiça Restaurativa, que o que vocês têm aqui hoje, especialmente nas presenças dessas pessoas, é o suprassumo das pessoas que trabalham com Justiça restaurativa. Por exemplo: Terry O'Connell há praticamente 30 anos; Ted Wachtel criou o Instituto Internacional de Práticas Restaurativas, tem um novo projeto de que ele vai falar daqui a pouco, construindo uma nova realidade, que fala sobre democracia e tudo isso tem muito a ver com a história do nosso País. O que nós estamos vivenciando hoje, todas essas lutas, essas disputas, que muitas vezes saem do campo da racionalidade, têm um espaço muito importante para serem debatidas num ambiente seguro e respeitoso que a Justiça Restaurativa pode oferecer.
Então, quando nós falamos em Justiça Restaurativa, eu não vou falar de teoria aqui, mas deixo claro que nós não estamos falando do sistema de Justiça, não estamos falando dos operadores de Justiça; nós estamos falando de Justiça como valor. Esse valor Justiça permeia qualquer relação que nós tenhamos: uma relação com a nossa esposa ou marido, uma relação de trabalho, uma relação com qualquer pessoa, enfim. Então, esse valor Justiça permeia essas relações e é disso essencialmente que a gente está falando.
Nas palavras do filósofo da alteridade Lévinas, Justiça é um direito à palavra. Então, o que estamos buscando exercitar aqui hoje, especialmente nesta Casa, é trazer essa palavra para um lugar que realmente precisa ressoar, ecoar e potencializar essa palavra. E que palavra é essa? É a palavra fundamental que é o foco nas comunidades no sentido de prevenção de conflitos, de crimes. Claro, quando já houver ocorrido um conflito ou um crime, você tem ferramentas e estratégias para melhor atender a essas pessoas. O foco da Justiça Restaurativa está nas vítimas especialmente e nas necessidades que essas pessoas têm para recompor suas vidas.
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Pediram-me para falar pausadamente, perdoem-me.
Então, o foco da Justiça Restaurativa é ajudar as pessoas a reconstruir as suas vidas, ultrapassar os traumas sofridos numa situação de violência, de agressão, de um conflito grave ou até mesmo de um crime.
No Brasil, é chegada essa ideia no final dos anos 90 e no início dos anos 2000 se começa a discutir. E é importantíssimo dizer: Dra. Joanice, que está nesta Mesa, desde 2003, é uma trabalhadora da Justiça Restaurativa do Brasil, uma das figuras e lideranças mais importantes, proeminentes, e iniciou esse projeto, esse processo aqui no Brasil. A Dra. Joanice está aqui também para contar um pouco dessa história para nós, reconhecer essa presença dela tanto tempo nesse campo insistentemente contra tudo, contra todos, permanecendo nessa trajetória.
Então, o objetivo maior para nós aqui é trazer um estado de pacificação social para o País. E isso pode ser desde uma escola, uma briga entre dois adolescentes, ou até uma situação que nós vivemos hoje nessa polarização político-partidário-ideológica que nós vivenciamos. Nós poderíamos, eu arrisco dizer, deveríamos utilizar as estratégias, as estruturas, as ferramentas da Justiça Restaurativa e de suas práticas para conduzir espaços de diálogo entre todos os cidadãos.
E, nesse sentido, eu reconheço aqui e faço um voto de gratidão, eu creio que em nome de todos que trabalham com Justiça Restaurativa no Brasil, ao Poder Judiciário, que é quem liderou esse processo desde o início. Mas eu quero convocar, dizer que, neste momento, quem tem que avocar essa liderança é o Poder Legislativo, porque os grandes esforços que estão sendo feitos neste momento são para estruturar a entrega dessas práticas restaurativas às pessoas. E quem é que entende de políticas públicas? Quem é que tem o dever e a tarefa, num Estado como o nosso, de construir políticas públicas, se não vocês? Então, cabe, no meu humilde ponto de vista, a vocês avocar essa responsabilidade de chamar outras audiências, outros espaços como este para escutar especialistas, as pessoas que trabalham na ponta, para construir políticas públicas eficientes para entregar...
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Dr. Paulo...
O SR. PAULO MORATELLI - Só mais devagar?
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - É porque está sendo traduzido em dois idiomas, para que os nossos participantes também possam acompanhar.
O SR. PAULO MORATELLI - Perdoe-me.
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Obrigado.
O SR. PAULO MORATELLI - E depois eles vão ter que traduzir ao australiano, que é um idioma diferente. Eles pensam que falam inglês, mas é outro idioma. Então, vai ser mais difícil ainda. Então, vamos testando comigo porque depois, com o Terry, vai ser mais difícil. Uma pequena piada entre nós, a little inside joke. Perdoem-me, vou tentar ser mais... Hablar despacio.
Então, a minha palavra é de conclamar o Legislativo juntamente, obviamente, com o Executivo, para construir políticas públicas eficientes, com base nas ideias e nas práticas da Justiça Restaurativa.
A Justiça Restaurativa é um conjunto de princípios ou uma filosofia de como levar uma vida com boas relações, bons relacionamentos, respeito mútuo, empatia, alteridade.
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Então, essa é uma tarefa que eu acredito que seja de suma importância que o Legislativo assuma.
Eu não vou falar muito mais, mas eu queria falar sobre dois outros assuntos.
Eu quero convidar os presentes a estarem conosco, se algum dos presentes desejar e puder estar conosco, amanhã, o dia todo. Nós estamos realizando o I Congresso Internacional de Justiça Restaurativa, aqui no Brasil, cujo tema é "Em busca da transformação social". É isso que nós buscamos com Justiça Restaurativa, transformar não só as comunidades, as escolas, mas o nosso País como um todo.
Então, esse é o tema transversal desse nosso congresso de amanhã, que se inicia às 8h da manhã e vai até por volta das 8h da noite, bastante intenso.
E refaço o convite, se algum dos presentes, Senador, puder ir seria um prazer gigantesco estar conosco, basta me falar para a gente fazer o cadastramento, serão nossos convidados.
Neste Congresso, os palestrantes aqui presentes estarão falando e também outros especialistas: Dr. Ivo Aertsen, da Bélgica; Dr. Ali Gohar, do Paquistão; Dr. Elcio Resmini, Promotor do Rio Grande do Sul; Dra. Jaklane de Almeida, do Espírito Santo, enfim. Nós temos um grupo grande de pessoas que falarão amanhã.
Para finalizar a minha a minha fala e deixar um espaço maior a quem realmente precisa ser ouvido, eu queria falar um pouquinho sobre o que a gente pode fazer usando as ideias, os princípios e as práticas da Justiça Restaurativa.
No meu ponto de vista, como eu disse, o uso mais importante, especialmente falando do Brasil, de todas as situações que nós vivemos, todas as dificuldades, as ausências de políticas públicas nas comunidades... Eu sou psicólogo, fui servidor na assistente social em Caxias do Sul e sei o que é a dificuldade das pessoas que estão lá em extrema vulnerabilidade social e para chegar até essas pessoas, qualquer coisa, é preciso de políticas públicas eficientes. A principal dessas coisas para mim, que nós devemos entregar e podemos entregar com a Justiça Restaurativa, é o que eu tenho falado que é uma vacina ou pode ser também um antídoto à violência, quando ela tem ocorrido.
Eu creio que há quatro pilares que a gente pode trabalhar com essas ideias e práticas da Justiça Restaurativa e que podem prevenir, evitar crimes e conflitos, não só crimes e conflitos menos graves, mas, inclusive, crimes e conflitos graves. Eu tenho conduzido processos restaurativos com violência de gênero, abuso sexual, violência familiar, homicídios, enfim, realmente funciona para tudo isso.
Então, os quatro pilares, se nós focarmos nesses quatro pilares nas comunidades e principalmente nas escolas, nós vamos ter cidadãos, no futuro, mais conectados com a sua comunidade e mais cientes da sua responsabilidade, dos seus direitos e também dos seus deveres.
O primeiro pilar eu chamo de autoconhecimento; o segundo, educação e valores humanos; o terceiro, empatia e alteridade; e o quarto, inclusão e pertencimento.
Detalhando brevemente, a primeira necessidade de qualquer ser humano é uma necessidade de autoconhecimento. Quem sou eu? O que eu faço neste mundo? Por que eu estou nesta família, nesta comunidade, neste País? Ou como a gente diz em psicologia, a construção do seu eu, a construção do seu self. Então, formação da sua identidade, a função fundamental da família, função paterna, função materna, que pode ser exercida por outros familiares, não somente pelo pai ou pela mãe. E, nesse ponto, eu creio que é fundamental a presença de um trabalho forte nas escolas, porque a escola é um espaço muito privilegiado e muito importante do desenvolvimento da personalidade de uma criança; afinal de contas, ela passa grande parte da sua vida nos bancos escolares, e, nessa convivência com o outro, aprende a descobrir quem ela é, o que ela pode, como ela deve conviver.
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O segundo pilar, educação e valores humanos, para mim tem a ver com construção de significado. Nesse campo, a família novamente é extremamente importante, mas eu gostaria de citar uma coisa que para o Brasil é algo que já está na nossa veia, no nosso DNA: os esportes. Os esportes são muito importantes para a construção de significado para a nossa vida, e também, inclusive, artes marciais. Por exemplo, você tem, em muitos espaços, oficinas de capoeira que trazem profunda aprendizagem para quem pratica e de inclusão na sua comunidade, uma melhor convivência.
Em termos de educação e valores humanos, nós vamos falar não só dos direitos que muitas vezes a gente fala, mas também dos deveres que cada um de nós tem. E, de novo, para mim: onde isso pode melhor acontecer? Na escola. A escola, no meu humilde ponto de vista, deveria ser um espaço de aprendizagem e educação. É óbvio que a função maior de educar cabe aos pais, recai sobre os pais; mas, como vocês todos aqui devem saber, os senhores e as senhoras, hoje a gente tem a seguinte realidade no Brasil: os pais não estão presentes na educação dos filhos ou porque estão envolvidos em situação de vulnerabilidade, drogadição, crimes, ou porque estão trabalhando tanto para poder sustentar a casa que não estão acompanhando seus filhos. Então, novamente: onde a maior parte do tempo as crianças ficam? Nas escolas. Então, a escola deveria também ser um espaço de educação, não apenas de aprendizagem.
O terceiro pilar, que eu chamo de desenvolvimento de empatia e alteridade, a gente pode chamar, dentro do viés da Justiça Restaurativa, como a percepção de interconexão entre todos nós; o quanto todos nós seres humanos somos interdependentes, não vivemos sozinhos. De novo, a função materna e paterna... Ted Wachtel depois não sei se vai falar sobre a janela da disciplina social, uma ideia fabulosa, que diz que nós devemos imprimir, em altas medidas, apoio e limites; e eu posso traduzir isso na educação de uma criança também como afeto e interdição, ou seja, dizer não quando é necessário - isso é extremamente importante, isso vai desenvolver a noção de empatia e de alteridade: quem sou eu em relação ao outro? O quanto o outro é tão distinto e diferente de mim, na verdade? Será que é tão diferente assim? Então, com isso a gente evita processos de coisificação ou reificação, em que o sujeito respeita profundamente o outro na sua própria história, na história, na construção de vida do o sujeito.
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E aqui é óbvio - ao menos para mim - que a escola é o espaço fundamental de socialização; onde a gente realmente aprende a conviver com as diferenças, diferenças raciais, todas as diferenças possíveis, não vou enumerar aqui, é na escola, porque dentro da nossa casa nós estamos com os nossos semelhantes, com as pessoas que mais amamos. Geralmente, é mais fácil gostar da família, nem sempre, mas aprender a gostar, respeitar e conviver com quem é diferente de nós é uma função fundamental da escola.
Para finalizar, para concluir, o quarto pilar de inclusão social, que para nós no Brasil é um fator de tremenda importância, pela enorme desigualdade que nós temos no nosso País, tem a ver com construir relações de pertencimento, relacionamentos saudáveis, coesão social, reconstrução, se necessário, de um tecido social que possa ter sido rompido por uma violência ou um crime.
É bom lembrar que na raiz de alguns crimes, às vezes, crimes graves, está a invisibilidade. Eu trabalhei por 25 anos com adolescentes em conflito com a lei. Não raro, um adolescente comete um crime, às vezes grave, um assassinato, um latrocínio, para obter um celular, uma roupa, alguma coisa que possa fazer com que ele seja distintamente reconhecido naquela comunidade, ou pior, ser reconhecido na comunidade pela violência que ele é capaz de praticar.
E o que eu descobri num caso específico, em 2013, foi que, além de essa invisibilidade causar conflitos e crimes, há outra coisa que me pareceu ser pior, que é o que eu chamo de visibilidade negativa. Em 2013, um morador de rua em Caxias do Sul foi morto queimado por quatro adolescentes. Eu trabalhei por três anos com esses adolescentes e com a comunidade, através dos ciclos restaurativos. Não vou contar o caso, não vou me estender, mas o que eu queria dizer aqui é o seguinte: eu trabalhei com três irmãos de um desses adolescentes que colocou fogo nesse morador de rua e, quando eu conversei com um irmão mais novo e perguntei para ele: "Você sabe o que o seu irmão fez?" "Sim", admirado, os seus olhos brilharam, "eu sei". Perdoem-me, mas tenho que dizer essa palavra, "Meu irmão é foda. Meu irmão saiu no Jornal Nacional não sei quantas vezes, meu irmão saiu na capa do jornal da cidade não sei quantas vezes, a história dele foi contada..." Ele sabia enumerar para mim o número de vezes em que o irmão dele foi evidência em todos os noticiários pelo crime que cometeu.
Aquele pré-adolescente estava admirado por seu irmão ter conseguido ficar tão famoso. Qual é a mensagem? Opa, isso eu posso fazer, eu posso me tornar extremamente importante em poucos segundos. O que me preocupa aí: eu falei com um adolescente, quantos outros pré-adolescentes ou adolescentes moradores daquela comunidade de Caxias do Sul talvez não tenham pensado o mesmo: está aí o caminho para eu ser reconhecido, para eu ser o cara na minha comunidade.
Então, após uma situação como essa, deveríamos ter oportunidade de ir a todas as escolas criar espaços de diálogos com os círculos, para que os adolescentes pudessem conversar sobre o que aconteceu, pudessem ressignificar o que aconteceu, pudessem entender que, em termos de valores humanos, não é possível matar uma pessoa queimada apenas para se tornar alguém "importante" - entre aspas. E aí, de novo: a escola. Não há melhor via de acesso à justiça social do que a educação.
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Então, como vocês perceberam, no meu ponto de vista, a escola é o espaço fundamental, onde deveríamos ter as práticas restaurativas. Eu acredito que o melhor trabalho que a Justiça Restaurativa poderia fazer pelo Brasil é nos ajudar a construir as novas gerações, nos ajudar a construir cidadãos mais plenos de seus direitos e deveres e reconstruir o nosso tecido social, que está ferido de morte.
Quanto tempo mais nós vamos suportar essa polarização que nós estamos vivenciando? Quanto tempo mais? A quem isso interessa? Com certeza, não nos interessa. Será que nós vamos perder a maior qualidade que o Brasil sempre teve, do acolhimento mútuo, do respeito mútuo, do amor de um ao outro? E nós estamos perdendo isso numa velocidade muito grande.
Então, para mim, essas duas coisas: a prevenção desses conflitos na formação de novos cidadãos mais conscientes dos seus direitos e deveres, em relações empáticas com autoridades, respeito e, quando necessário, reconstruir as relações que foram rompidas pela violência.
Para mim, nesse espaço, é o que eu gostaria de compartilhar, é o que eu gostaria de trazer à reflexão. Novamente agradeço o espaço e me coloco totalmente à disposição dos senhores em qualquer coisa que eu puder ser útil, em qualquer momento, estou à disposição.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Obrigado ao Dr. Paulo Moratelli pelo seu pronunciamento.
Eu quero registrar aqui a presença do nosso Presidente da CDH, Senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, conterrâneo do Dr. Paulo Moratelli; registrar também a presença da nossa Deputada Federal, do meu Estado, Aline Gurgel, Deputada que sempre está à frente de projetos em defesa das mulheres do nosso Estado e agora, como Deputada Federal, com certeza estará à frente, já ascendeu dentro do partido à Secretária das Mulheres, e vai ter a oportunidade também de levar esses grandes projeto que tem no meu Estado para o Brasil como um todo. Seja bem-vinda, Deputada.
Agora nós vamos ouvir o Sr. Terry O'Connell, pioneiro da Justiça Restaurativa e veterano de 30 anos na polícia, com um trabalho que influenciou a evolução do policiamento nas escolas e em várias agências comunitárias em todo o mundo.
Muito obrigado pela sua presença. O senhor está com a palavra.
O SR. TERRY O’CONNELL (Tradução simultânea.) - Bom dia, eu agradeço. Minha segunda língua é o inglês. Estou muito animado de ter vindo ao Brasil, um país em que sempre fui interessado por causa do futebol.
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Eu tenho sete crianças, cinco delas jogam futebol. Então, o Brasil sempre foi um dos países mais falados na nossa casa.
Dito isso, eu quero falar sobre justiça restaurativa de uma perspectiva de ter sido policial por 30 anos.
Eu quero começar com uma história sobre um jovem, o nome dele era Gary, de 14 anos de idade.
Em junho de 1973, eu fui chamado, havia uma briga acontecendo, e eu percebi que o Gary estava brigando com outros cinco jovens. Eu falei com ele e disse: "Por que você não...?". Eu o tirei da sala, ainda o segurando, e disse: "Relaxa". E o que eu fiz foi... Eu me virei para parar essas pessoas que estavam brigando. E, quando eu voltei, o Gary me deu um soco no olho e me levou a cair no chão. Eu me levantei, eu o segurei e senti meus olhos se fechando... E aí eu o prendi com algemas.
Meus colegas disseram que essa foi a terceira vez que ele fez isso, a terceira vez que ele atacou alguém. Ele foi acusado duas vezes de um ataque criminoso, e essa infração o levaria a 12 meses de prisão.
Naquele momento, eu percebi que o que a gente fazia não estava funcionando com o Gary, como policiais. E aí pensei: temos que fazer algo diferente.
Bem, todos sabiam o que ele estava fazendo, e eu não estava interessado nisso, mas no porquê ele fazia isso. Então, em vez de levá-lo à polícia, eu chamei sua mãe para a polícia no dia seguinte.
Eu coloquei três cadeiras num círculo e chamei Gary e sua mãe para sentarem. Ele estava bem envergonhado, sua mãe estava muito angustiada, ela chorava quando via que meus olhos já estavam quase fechando por causa do soco, e ela estava se desculpando. Ela falou: "Eu sabia que isso iria acontecer, mas nunca pensei que fosse com um policial". E, aí... O que acontecia com esse jovem? A mãe disse que ele era um de dois filhos, que ela amava muito. Aí eu perguntei: "Há quanto tempo isso acontece?". E aí ela falou: "Há alguns meses o pai dele foi morto". E aí o Gary começou a chorar. E ele disse: "Meu pai era tudo para mim".
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Então, aqui a gente tem um jovem que estava sendo violento e ninguém sabia por quê.
Acho que o que aconteceu em junho de 1973 foi uma coisa importante, porque, na conversa que eu tive com o Gary, pela primeira vez, ele começou a entender que o que ele fazia, na verdade, afetava, tinha um impacto na sua mãe, a pessoa que ele realmente amava.
Eu acho que essa experiência nos deu um modelo para agir como polícia.
Em 1999, eu fui indicado chefe de um grupo de policiais jovens e percebi que era minha oportunidade de mudar as coisas na polícia. De fato, eu fiz um círculo com os policiais e perguntava: "Por que que você se tornou policial? Qual a tarefa da polícia?". E aí eu percebi que eu nunca participei de uma conversa como essa. E, quando eu falei com eles sobre os desafios, sobre o sistema, o sistema de Justiça Penal, eu acabei decepcionado, porque percebi que não era bom para a Justiça.
Aí, eu montei uma equipe, eu comecei a trabalhar com a justiça restaurativa, levando as vítimas e os infratores para trocar experiências, mudar o foco, para entender o porquê. Em vez de uma punição severa, a gente começava a curar essas relações danificadas.
A minha prática como policial mudou muito desde então. Eu trabalhei na Inglaterra também, e a evolução da justiça restaurativa, que era sobre infratores e vítimas, mudou para uma estrutura muito mais ampla, que tem base em suas relações na vida diária.
E, quanto ao trabalho de polícia, a polícia é como um guardião do sistema prisional e é uma instituição importante e fundamental para a comunidade, para o bem-estar da comunidade.
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Em minha experiência, com o resultado do crime é que tínhamos uma transição no sistema de Justiça, em que tínhamos uma pessoa julgada com uma pena, tínhamos o papel do Estado, que representa as vítimas, e a verdade é que a consequência daquela experiência afeta a comunidade como um todo. E, para mim, a justiça restaurativa não é para mudar o sistema; não estou interessado nisso; o que eu quero fazer é mudar as experiências que os indivíduos têm nesse sistema.
Eu lidei com todo tipo de crime. Quando eu comecei a desenvolver esse processo, eram só delitos menores. Mas depois eu comecei a facilitar processos para assassinato, estupro, as coisas mais terríveis. E, na verdade, eu não tinha nenhum processo que dava como a justiça restaurativa faz, que faz essa reparação dos danos. E eu lidei com isso com um assassinato de uma pessoa de 42 anos, de uma criança de sete anos, um documentário da televisão, e um jovem de nove anos foi sentenciado, foi condenado de forma injusta. E o que eu descobri foi que as suas vidas tinham sido definidas por aquele incidente; eles ainda estavam presos àquilo. E, aí, eu dei um passo atrás e pensei: o que que eu aprendi com a justiça restaurativa?
Quando eu trabalhei em comunidades, em escolas, em locais de trabalho, lidando com todo tipo de problema, acho que o que eu comecei a entender foi que é impossível compartilhar este mundo, a não ser que a gente fale sobre ele. Lembro claramente que um amigo, depois do 11 de setembro, quando ele estava escrevendo no jornal The Guardian, disse que, se os infratores pudessem ter se imaginado nas vidas das suas vítimas, eles não fariam aquilo. É difícil ser cruel quando você experiencia a vida de outra pessoa. Isso é o começo da compaixão, a essência da moralidade.
Vivemos numa era em que... Eu tenho já netos e eu penso que tipo de legado eu quero deixar para os meus netos. E, aí, eu voltei à polícia e eu penso que o policiamento e tudo que a gente faz têm a ver com as relações.
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O que eu quero para os meus netos é a capacidade de lidar com todas essas relações, quando uma coisa dá errado, de forma a criar conexões, criar relações.
O Dr. Paulo falou de quatro princípios principais, quatro pilares, e eu penso que há quatro conceitos principais que guiam, que orientam meu pensamento. O primeiro é que eu preciso ser restaurativo comigo mesmo, com meus colegas, com aqueles com quem me comunico e com a comunidade como um todo.
Não há nada no policiamento que tenha um impacto maior, mais duradouro, e uma coisa que eu percebi, quando estava na Inglaterra, é que o que começou como um pequeno programa de menores infratores e vítimas agora se tornou integrado e é parte da estrutura de polícia de lá. Os policiais se tornaram facilitadores para as suas comunidades. E uma coisa que realmente me chamou atenção é a satisfação que os policiais ganhavam e a interação, que dava um resultado positivo. Não se pode pôr um preço nisso.
Quando eu estava na Austrália como policial, a polícia é uma expressão bastante tóxica, porque não somos bons em cuidar uns dos outros.
Cinco minutos a mais. É tempo demais.
Eu só queria dizer que a justiça restaurativa, as práticas restaurativas têm um potencial de criar novas histórias. Precisamos desesperadamente de novas histórias, mas temos que mudar a conversa, porque a conversa tem que parar de afastar as pessoas e tem que trazê-las de volta. Temos que reconhecer que as pessoas se saem melhor em suas comunidades quando elas aprendem a falar sobre o que está acontecendo, de forma a ouvir uns aos outros.
O legado que eu quero deixar é criar consciência de que todos nós podemos agir melhor na maneira de nos relacionarmos uns com os outros, de forma que tenhamos a certeza de que nada importa mais para nós do que as relações.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Quero agradecer as palavras do Dr. Terry. E ficou marcado para as pessoas que estão aqui e que nos assistem, penso eu que esse é o primeiro mandamento, que nós estamos aqui tentando fazer com que nós mesmos sejamos restaurativos. Então, parabéns pela sua fala.
E, agora, com a palavra o Dr. Ted Wachtel. Com a palavra o Dr. Ted Wachtel.
O SR. TED WACHTEL (Tradução simultânea.) - Bom dia, estou muito feliz de estar aqui. Quando eu era pequeno, na escola primária, havia uma revistinha chamada Revista da Semana, e eu me lembro de um artigo sobre o Presidente do Brasil construindo a Capital no meio da selva no Brasil. É muito bom estar aqui 60 anos mais tarde. Puxa vida!
Quero contar uma história, com base no que falou Terry.
Uma das coisas mais felizes da minha vida como um profissional foi o dia em que alguns jovens do time de beisebol vieram para a escola, a escola onde eu estava trabalhando com a minha mulher, trabalhando com delinquentes. E nossa escola estava jogando beisebol no campo de beisebol. E jogaram. Na hora do almoço, foram comprar comida numa loja, num mercadinho, e alguém roubou o lanche um do outro e levou de volta para o campo.
Os alunos ficaram preocupados e queriam proteger o seu privilégio de ir àquele mercado e que o mercado tivesse confiança neles, porque, com aquele furto, havia uma certa desconfiança, porque houve esse furto no mercado onde eles haviam trabalhado para ter a confiança daquele mercado.
E esse jovem voltou, depois de algumas semanas, e falou com os outros jogadores, com os adultos, e falou: "Temos de fazer um círculo".
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Ele estava lá por duas semanas, ainda não tinha recebido treinamentos dos círculos, mas ele estava muito chateado com o que esse jovem havia feito e as consequências sobre a escola. Então, ele começou a desafiar esse jovem: "Eu gostaria que todos falassem sobre o que acharam sobre esse jovem furtar uma bebida e comida daquele mercado". E as pessoas começaram a falar, e eu fiquei chocado como todos concordaram em fazer isso. Uma garota falou: "Eu tenho medo de que vamos perder a confiança do dono do mercado, e isso vai ser um problema na nossa comunidade, e de que os alunos não vão confiar uns nos outros. E os alunos da outra escola também ficaram chateados".
E, primeiro, não foi um adulto que provocou essa reunião.
Ele começou. O jovem que cometeu o furto começou a dizer "não fui eu", e todos começaram a acusá-lo: "Foi você, sim". E, finalmente, com a resistência do jovem, alguns alunos falaram: "Olha, nós vamos apoiar você. Você pode voltar, você não vai para a cadeia. Só pague o que você consumiu. Não vai haver problemas, consequências para você".
Finalmente, alguns dos seus coleguinhas, utilizando a pressão do grupo, disseram: "Se você quiser fazer parte do grupo de beisebol de novo, melhor você tomar uma providência a respeito". E ele começou a chorar.
Não vou descrever essa história completamente. Ele estava bem relutante de participar desse processo restaurativo espontâneo, mas para mim foi incrível que um jovem, sem nenhuma supervisão de adulto - e nunca pedimos a ele que liderasse aquele círculo... Ele tomou a iniciativa e tomou a responsabilidade sobre si, para que a escola fosse um lugar seguro.
E o que aconteceu não levou a uma briga com o outro time nem a um conflito. Mas aquele jovem, o que ele fez... Sem o que ele fez, não teria havido essa comunicação tão positiva.
Quando as pessoas tomam responsabilidade pelo que fazem, é isso o que ocorre. Temos slogans sobre a justiça restaurativa. Por exemplo, "fazer as coisas com as pessoas, em vez de por elas ou para elas"; "engajar as pessoas é uma revolução" - não por meio de sangue e lágrimas, como a maior parte das revoluções, mas uma revolução por meio da conversa.
O tipo de conversa que Terry descreveu, o jovem que o socou na cara, mudou tudo! E continuará a mudar as coisas, se tivermos a coragem de implementar as ações necessárias, criar os modelos necessários.
O domo geodésico, o criador dessa ideia, falou: "Não vamos mudar nada na sociedade com a reclamação. O que temos de fazer é construir um novo modelo que torne obsoleto o modelo que temos atualmente". E é isso que estamos tentando fazer.
Isso tem implicações. Vou falar rapidamente sobre isso. Vou falar em mais detalhe na conferência.
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Tenho pensado sobre essa ideia de dar às pessoas mais voz e mais escolha, mas elas também têm de tomar mais responsabilidade, de ter mais responsabilidade, não só falar o que querem, mas ter responsabilidade pelo custo e pela complexidade das coisas e como ajudar a fazer isso acontecer. E aquele jovem, no círculo, tomou responsabilidade; teve voz e teve escolha, mas também tomou responsabilidade, assumiu responsabilidade pelo que havia feito.
E temos esse problema em nossos países. Eu leio sobre o Brasil, eu li para saber o que estava acontecendo aqui. É um país grande. Vocês têm muitas das tragédias na arena política e de governança que nós também temos. Talvez diferente em estilo, mas é tudo uma loucura, porque não temos nações que são pelo povo, para o povo.
Essa ideia de dar às pessoas mais voz, mais escolhas e também mais responsabilidades tem implicações na maneira como governamos nossos países. A parte engraçada é que temos líderes religiosos, temos legisladores que não são eleitos, e a gente pega os nomes deles de um grande chapéu. E 90% das pessoas eram selecionadas apenas pelo desejo de Deus, não por uma eleição. Então, a realidade dos políticos votando em si mesmos e mudando o sistema na verdade é bem estranho, não é uma coisa que vai acontecer. Mas na verdade é o que está acontecendo, de muitas maneiras.
Assim como as práticas restaurativas fazem coisas com as pessoas, em vez de para elas ou por elas, essa mesma dinâmica está acontecendo. Então, um exemplo recente: Madri agora tem uma legislação bicameral, e a primeira é selecionada por aleatoriedade. Eles têm menos autoridade do que a outra câmara. E eu não sei quanto isso vai durar. Em Gdansk, Polônia, o Prefeito tinha pessoas eleitas também aleatoriamente, mas ele foi morto num assassinato mês passado, infelizmente. Isso acontece também na Bélgica, no Legislativo dela. Há um distrito que agora usa também a aleatoriedade para selecionar suas pessoas. Parece uma coisa absurda, mas é uma história que está acontecendo.
E o exemplo mais famoso que eu vou mencionar e sair, para que vocês possam falar, é o da Irlanda. Muitos de vocês devem ter ouvido.
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Há um ano e meio talvez, houve um referendo na Irlanda. O aborto na Irlanda estava na sua continuação. Eles tiveram dois terços dos votos para aquela provisão. E o que as pessoas não sabem é que o referendo mesmo, em si, foi feito de forma aleatória. Por cinco meses, houve ainda testemunho das pessoas, todas as pessoas da Irlanda podiam ver as mulheres falando sobre suas experiências, dando seus testemunhos, com seus prós e contras. E muitos argumentos foram ouvidos por essas 99 pessoas e todas as outras pessoas que também queriam ouvir. E eles fizeram, elaboraram, e o Legislativo prometeu colocá-lo para voto.
Seria interessante se o referendo do Brexit fosse tratado dessa forma. Talvez as pessoas que votaram poderiam ter mais informações, porque havia um cenário bem diferente. Esse tipo de evento é como uma prática restaurativa: você envolve as pessoas num processo de decisão.
Todo mundo, num evento restaurativo, deve ouvir um ao outro e aprender o benefício que cada um deles tira do incidente que os afeta. E depois de conseguir todos esses testemunhos e as pessoas começam a entender o que aconteceu, face a uma decisão ou mesmo ao processo, isso tem sido usado nessa instituição. E eu tenho esse site chamado buldinganewreality.com - construindo uma nova realidade, que fala sobre práticas restaurativas na educação, na Justiça. E, para mudar a forma como governamos, eu espero ter boas conversas aqui.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Thank you, Dr. Ted, que nos deu uma aula.
Convido agora a nossa Promotora de Justiça do Estado do Amapá, Dra. Silvia de Souza Canela, para usar da palavra.
A SRA. SILVIA DE SOUZA CANELA - Bom dia a todos.
Quero cumprimentar aqui o Presidente da Comissão, Senador Paulo Paim. Muita gratidão. Obrigada pela oportunidade.
Quero agradecer também ao nosso querido Senador pelo Estado do Amapá, Lucas Barreto.
Quero agradecer ao Paulo esta oportunidade, aproveitar este evento maravilhoso, aqui no Brasil, para que nós pudéssemos ter esta oportunidade. É a primeira vez que eu ouço pessoalmente Terry O'Connel e Ted Wachtel, que eu conhecia apenas dos livros.
Obrigada.
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Já conhecia a Virgínia, a Senadora também já a conhecia, mas eu não conhecia a Violeta.
Eu quero também aqui agradecer a presença da minha amiga, companheira de trabalho, Dra. Carline.
Agradeço à minha instituição que me permite realizar este trabalho.
Eu estou aqui, e a minha cabeça está mil. Estou muito emocionada e muito feliz. Eu sou de um Estado que, como todos sabem, é um Estado muito carente, o Amapá. O Deputado sabe das nossas dificuldades. Há muita violência. Em que pese ser um pequeno Estado, ele tem muitos problemas, muitas dificuldades, começando pelo acesso, porque só se vai para lá de avião ou de barco. Mas eu acredito que o nosso Estado, pela sua localização, ainda será um Estado muito próspero, porque é um Estado que está no topo do Brasil e que é banhado pelo maior rio do mundo, o Rio Amazonas. Paulo já esteve lá, não é, Paulo?
Ouvindo tudo isso que eu ouvi aqui, eu teria... Acho que há muito tempo que falo demais, mas eu quero mostrar para vocês que tudo isso que foi falado pelo Paulo, pelo Dr. Terry, pelo Dr. Ted... Talvez vocês estejam pensando o que eu já pensei no passado: isso não é possível no nosso País. Por quê? Porque são experiências de fora, experiências de outros países. Como aplicaremos essa experiência no nosso País? E eu vou dizer a vocês aqui... Aliás, eu não vou falar. Eu anotei algumas coisas que foram passando na minha cabeça, porque eu sonho com a transformação do Brasil. O nosso País é lindo, mas nós precisamos de uma mudança, e o segredo dessa mudança... O Paulo falou no início sobre essas questões de litígio, de conflito. Até mesmo aqui a gente sabe que tem. O conflito existe em todo lugar. Ele existe aqui, existe na família, existe nas instituições privadas, ele existe na escola, ele está em todo lugar. E não adianta você ser próspero, ter tudo de material se você não consegue estar em paz, estar bem, construindo relacionamentos saudáveis.
O Paulo - conheci juntamente com ele num dos cursos que fiz - nos trouxe um vídeo. Este vídeo é resultado de uma pesquisa feita pela Universidade de Harvard, um projeto de 75 anos para descobrir qual é o segredo da felicidade. E vejam o que há neste vídeo: o segredo de você viver bem, de você ter saúde, de você viver em paz é a construção de relacionamentos saudáveis. Nós paramos de olhar para isso e nós precisamos voltar o nosso olhar para isso. É isso que vai trazer a verdadeira mudança, a verdadeira transformação.
Moramos num País com muita violência? Isso é fato. Eu quero mostrar o vídeo para mostrar a vocês que tudo isso que foi falado e que ainda vai ser falado é possível se aplicar em qualquer lugar, porque o nosso Estado é pobre, o nosso Estado não tem estrutura. Só é necessário algo extremamente importante que eu aprendi com a Justiça Restaurativa.
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Existe um autor que escreveu um livro chamado Trocando as Lentes, Howard Zehr. E nós precisamos trocar as nossas lentes, ter um novo olhar, um novo olhar para o ser humano, um novo olhar para o conflito, um novo olhar para a sociedade. Foi com esse novo olhar que eu consegui enxergar e vislumbrar essa possibilidade de transformação. Também consegui - com o estudo de uma das grandes de disseminadoras da Justiça Restaurativa, especialmente dos processos circulares, círculos de construção de paz, que é Kay Pranis, uma americana também - perceber que cada ser humano tem um eu verdadeiro, e esse eu verdadeiro é bom, sábio e poderoso.
Os processos circulares... A Justiça Restaurativa tem essa capacidade de resgatar de dentro de cada ser humano esse eu verdadeiro. Quando a gente resgata esse eu verdadeiro, tudo muda, tudo se transforma, e é disso que o mundo precisa.
Eu quero mostrar o vídeo, gente. Pena que não há tradução para eles.
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(Procede-se à exposição do vídeo )
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A SRA. SILVIA DE SOUZA CANELA - Gente, obrigada.
Eu fico muito feliz de ter essa oportunidade de mostrar, porque eu acredito que o nosso País pode se transformar, o nosso Estado pode mudar. A gente não vai viver do jeito que a gente vive, com toda essa violência...
Essas mudanças... Esse bairro é o pior bairro de Santana. Quando nós começamos, eu e a Dra. Carline, nós dissemos: "Nós vamos pegar esse desafio porque nós acreditamos que é possível a transformação. E, nessa época, nós tentamos por mais de um ano entrar na comunidade. Eles não vinham.
Nós começamos a oferecer alguns cursos. Para todas as atividades que nós realizamos, todas, sem exceção, tem-se que fazer círculo de diálogo, círculo na comunidade, conexão antes de começar - o Paulo sabe. Hoje a gente está conseguindo alcançar essa transformação.
Outro fato que foi surpreendente - e eu vou passar a palavra para a Dra. Carline, porque ela é quem me ajuda, a gente se une - e muito interessante foi que nós começamos a usar o círculo com adolescentes que estavam em processo de automutilação.
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Esse fato começou, na verdade, quando eu tomei conhecimento de uma amiga que é promotora em Calçoene. Quem é do Amapá sabe que Calçoene é um Município distante e carente, como muitos dos nossos Municípios.
Ela recebeu um documento da Secretaria Municipal de Saúde dizendo que 24 adolescentes estavam em processo de automutilação. E eles ficaram em desespero, porque não sabiam o que fazer. Eu me lembrei de uma experiência de que nós começamos com um projeto em Santana, nas escolas. Houve uma experiência em uma escola. Eu e algumas pessoas que trabalham comigo fomos até o Município, qualificamos, e começamos o trabalho de círculo de diálogo, primeiro com os pais e depois com as adolescentes. Ela e uma outra moça continuaram o trabalho, realizando encontros de círculo uma vez por semana, às quartas-feiras, e nós fazíamos apenas o acompanhamento. Dessas 24 adolescentes, 23 saíram do processo de automutilação.
Não sei se vocês observaram no vídeo, mas aquele policial que falou é diretor de uma escola militar. Como é uma escola militar, eles ainda não aceitavam as práticas restaurativas nessa escola. Mas ele estava com um problema, na época, de adolescentes que se automutilavam. Aí ele pediu a nossa ajuda, porque essa escola é nessa comunidade.
Nós começamos a realizar o trabalho com as 30 adolescentes. No dia desse encontro, ele relatou que, no ano passado, as 30 adolescentes saíram do processo de automutilação, melhoraram o desempenho na escola e começaram a ter uma vida diferente, porque também houve uma mudança na família, e a família trouxe essas notícias para a escola.
Então, é uma ferramenta simples que pode ser utilizada por qualquer pessoa, na medida em que você faz, é claro, uma formação, como eu fiz formação com o Paulo e com vários outros, porque você tem que fazer com amor e com responsabilidade.
Era isso o que eu queria compartilhar.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Quero cumprimentá-la, Dra. Sílvia, porque conheço o trabalho. Nós conhecemos esse trabalho.
Essa escola onde foi feito o trabalho, cujo Ideb era para ser alcançado neste ano, já alcançou o patamar de 2021, para se ter ideia. Ou seja, foi o melhor Ideb do Município e do Estado do Amapá. Então, essa é a prova de que funciona.
Eu aqui quero parabenizá-la, bem como todos vocês que fazem esse trabalho com a Justiça Restaurativa, porque penso que esse é um trabalho de solidariedade com as pessoas. E solidariedade não é produto de condição financeira nem do cargo que a pessoa ocupa, é produto da alma. Vocês estão de parabéns!
Com a palavra a Dra. Carline Regina de Negreiros Cabral, nossa Juíza de Direito no Amapá.
A SRA. CARLINE REGINA DE NEGREIROS CABRAL NUNES - Bom dia!
Antes eu também quero agradecer ao Senador Paulo Paim e ao Senador Lucas Barreto a oportunidade de a gente poder trazer um pouco da Justiça Restaurativa aqui para o Legislativo.
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Vocês viram no vídeo que a gente apresentou aqui o trabalho que é desenvolvido em Santana, um Município em que eu trabalho como juíza e a Dra. Sílvia, como promotora. Então, no primeiro momento em que a gente chegou para fazer esse trabalho, a primeira pergunta que nos fizeram foi: "Mas por que vocês vão para dentro da comunidade com maior vulnerabilidade social do Município? Vocês exercem um bom cargo, vocês têm um bom salário, uma boa casa, têm um carro... Por que vocês vão se envolver com isso?" A resposta é: "Qual é o nosso endereço? O nosso endereço é o Planeta Terra. Se isso está atingindo o outro, está nos atingindo de uma certa forma também."
Com esse pensamento é que nós entramos na comunidade do Ambrósio, que quem é do Amapá sabe que é um dos bairros mais violentos. Quando nós falamos que vamos para lá, eles dizem: "Mas vocês vão com policial, não é?" "Não, nós vamos sozinhas, sabem por quê? Porque a comunidade nos recebe, nos aceita e nos vê como parte. Nós pertencemos a ela." Mas, para conseguirmos isso, não foi fácil, porque primeiro você olha com desconfiança: "O que uma promotora e uma juíza estão querendo fazer aqui dentro?" É aquela desconfiança de que deve haver algum interesse por trás. Mas não há. O que nós queremos levar é essa transformação social, na medida em que hoje nós vemos que a justiça punitiva não está resolvendo. Você vê aí superlotação carcerária, problemas que temos hoje na população carcerária de todo o País, porque os juízes hoje estão resolvendo o processo; nós não estamos resolvendo os conflitos. E a Justiça Restaurativa busca isto: resolver o conflito.
Eu sou titular do Juizado Especial Cível e Criminal de Santana. Quando chega um processo lá, para mim é fácil dar uma sentença. Ouço as partes, ouço as testemunhas, vejo as provas e julgo. As pessoas podem sair do Fórum com a sentença, mas sem que aquele conflito seja resolvido. E, no dia seguinte, elas voltam novamente e acionam o sistema de Polícia, o Ministério Público, o Judiciário, e a solução não chega. E o que a Justiça Restaurativa busca? Essa solução do conflito.
Qual é o fim do Judiciário? Não é a pacificação social? Então, é isto que nós queremos: dar valor à pacificação social efetiva. E nós encontramos na Justiça Restaurativa o caminho para isso.
Eu digo à Sílvia que depois que ela fala ela emociona todo mundo, porque ela fala com o coração, com a alma, porque ela vive e acredita nisso, que isso é real e que isso pode acontecer. Mas é verdade. Eu também acredito nisso. Acredito que o caminho é esse, e, se o que buscamos é a pacificação social, a Justiça Restaurativa é um dos caminhos.
Então, era isso que eu tinha para dizer aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Senador Paulo Paim e todos que nos assistem, aqui está a grande prova de que o trabalho que elas fazem lá no Município de Santana tem dado resultado. A população cresce geometricamente, e é claro que as demandas na Justiça, os processos deveriam aumentar.
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Só na 1ª Vara Cível houve uma redução, de 2017 para 2018, de mais de 200 processos; de 1.611, em 2017, caiu para 1.466, em 2018. Na 2ª Vara Cível, reduziram de 1.580 para 1.490. Quer dizer, houve uma queda também quando era para ter aumentado.
Na 1ª Vara Criminal, caíram de 753 processos em 2017, para 727 - perdão, de 843 para 753. Na 2ª Vara Criminal também, em 2016, foram 821 e, em 2017, já foram 757. No Juizado de Violência Doméstica, caíram de 742 processos para 721.
Então, essa é a grande prova de que funciona. Um pequeno projeto dos senhores - em que elas estão se espelhando - que fazem isso há tantos anos, que são os nossos Teds, a gente pode chamar o Terry e o nosso Ted. É isso que este Senado quer mostrar para o Brasil. O Senador Paim aqui nos permitiu essa oportunidade para que a gente tenha mais pessoas querendo ajudar nessa Justiça Restaurativa. Que isso se irradie para o Brasil todo. (Palmas.)
Com a palavra a Dra. Virgínia Domingos, nossa especialista em Justiça Restaurativa.
A SRA. VIRGINIA DOMINGOS (Tradução simultânea.) - Vou tentar falar devagar, o que para uma espanhola é complicado.
Quero agradecer o convite e acredito que é importante que todos os Estados tomem essa iniciativa. Agradeço ao Paulo por me dar essa oportunidade. Não será fácil falar depois de todas essas pessoas. Eu trabalho no âmbito penal e vou falar de Justiça Restaurativa no âmbito penal, que é o que eu conheço.
Não há uma mera definição, mas, para quem tem a amplidão da Justiça Restaurativa no âmbito penal, quero começar pela definição, que sempre digo, é das Nações Unidas. Oxalá eu tivesse feito uma, mas não a fiz.
Vejam o que a Justiça Restaurativa faz. As Nações Unidas definem a Justiça Restaurativa como uma resposta relacionada ao delito. Eles dizem crime, mas essa me parece uma palavra horrorosa. Constrói compreensão e promove a harmonia social através da sanação de vítimas, ofensores e comunidade.
Eu me dedico, quando já se produziu o dano, a que se proponha uma cura, não é? Então, a Justiça Restaurativa, no âmbito penal... O que as pessoas querem são penas mais duras. É a única coisa que conhecemos. Quando a gente não conhece a Justiça Restaurativa, a gente pede outra coisa. É como se disséssemos: vamos mudar um pouco a ordem de como entendemos as coisas. Eu fui juíza por alguns anos e percebi que no Juizado trata-se do aspecto legal do fato, se o delito foi cometido ou não, não interessa o aspecto emocional do delito, como se sentiram as pessoas, como se sentiu a vítima, ou como se sentiu o ofensor, como se sentiu a comunidade...
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O processo penal geralmente afeta a família. As famílias de ambos também são vítimas. Então, é um pouco mudar a ordem de preferência. Vamos falar das emoções e logo temos que questionar o aspecto legal também. Podemos questioná-lo.
Como um reflexo... Da maneira que posso entender, mais que restaurar, para mim, o que fazemos é transformar. É o que dizia a Dra. Sílvia, porque acredito que a meta é transformar a vida das pessoas. E vamos entender como uma metáfora. Os japoneses têm uma técnica, o kintsugi. O que acontece? Quando uma peça de porcelana se quebra, eles a reconstroem com fios de ouro. Não é a mesma peça, é outra diferente, mas nem melhor nem pior.
Nós tentamos reconstruir as peças das pessoas que se viram quebradas pelo delito, para que possam ser outras pessoas. Quero acreditar que a Justiça Restaurativa possa transformar as pessoas. No âmbito penal, vemos muito a mentalidade das pessoas que pensam que nós somos punitivos.
Vamos começar pelas vítimas. Geralmente o que as vítimas pedem, quando há um processo restaurativo, é que as pessoas se comprometam... Não pedem dinheiro. O sistema geralmente mercantiliza a dor da vítima. Poucas vítimas pedem dinheiro de primeira. A necessidade das vítimas tem muito a ver com uma recuperação da relação emocional, com o se sentirem respeitadas, sentirem que as pessoas se fazem responsáveis pelo fato delitivo. Então, isso é muito importante. E eu acredito que nós temos que ter isso em conta. Nós só permitimos simplesmente, unicamente, o que geralmente os Estados oferecem às vítimas: castigos. O que ocorre? Se nós só nos centramos no castigo. Ao final, acabará o juízo, e a vítima já não será a vítima para o sistema, mas seguirá se sentindo vítima.
Quando uma vítima leva mais de dez anos se sentindo vítima, o sistema não funcionou. O rol de vítimas tem que desaparecer. Através de processos restaurativos... Vejam, não quero dizer que o processo restaurativo seja uma palavra feia, mas uma oportunidade para todas as vítimas.
Eu estava pensando: e os ofensores? Temos alguns com muito delitos... Bom, ofensores temos em todos os lugares. O problema é que a maioria das pessoas se concentra em quanto castigo infligiram ao opressor, sem dar oportunidade a em quanto o castigo vai reparar.
E o que faz a Justiça Restaurativa? Tentar que os ofensores sejam reparados. Não sei aqui como é o processo penal. Na Espanha, há um processo em que se tem o direito a não se declarar contra si mesmo, a não se confessar culpado.
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Nesse sentido estamos garantindo esse seu direito. Talvez o sistema penal se preocupe tanto em garantir o direito das pessoas que nós esquecemos de falar que todo direito não vai tirar a responsabilidade.
Meu desafio, como disse Terry, não é mudar o sistema, não estou dizendo que o sistema penal seja mal, estamos dizendo que vamos melhorar o sistema penal e penitenciário e com isso vamos fazer um enfoque restaurativo.
Eles falaram de comunidades, de colégios... No momento em que vivemos em comunidade surgem conflitos, o que estou falando é de tentar que o conflito penal se solucione de uma forma mais adequada às necessidades das pessoas.
É curioso, penas mais duras satisfazem ao Estado: porque violou uma norma, vamos colocar na prisão.
Talvez a mim como comunidade durante um tempo me pareça bem, há menos probabilidade de que eu me converta em vítima porque resulta que o ofensor foi à prisão, mas somos um pouco egoístas, porque se as pessoas vão sair, se não agora, daqui a 20 anos e quando saírem estarão talvez tentados a voltar a delinquir, provavelmente eu não serei vítima, mas meus netos podem ser vítimas.
Se até agora o que estamos fazendo não funciona, vamos pensar diferente.
Como disse a Dra. Sílvia, vamos mudar... Dizia Abraham Maslow: "Se tua única ferramenta é um martelo, acabas vendo tudo como um prego". Isso é o que está acontecendo, queremos pensar "penas mais duras", "penas mais duras", mas esquecemos o que as pessoas querem.
As pessoas muitas vezes querem outras coisas. E uma delas é ter a oportunidade de contar como têm se sentido. E o ofensor, o que mais necessita é visualizar o dano que causou. Então o que eu proponho? Vamos mudar um pouco os paradigmas. Eu sei que é complicado, mas se pode fazer.
Vamos deixar de centralizar exclusivamente no delito, no modelo delito e pena, para nos centrarmos em dano e reparação. Vamos deixar de pensar só no castigo. Vamos tentar que os ofensores não queiram delinquir não por medo de serem castigados, porque verdadeiramente não funciona. Vamos pensar em quê? Vamos gerar a empatia nos ofensores para que eles decidam não querer delinquir. É possível. No âmbito penal só não seria possível se não tivéssemos pessoas que trabalham nas comunidades. É a missão mais bonita da Justiça Restaurativa a prevenção.
Sem prevenção não funcionaria a Justiça Restaurativa. Acredito que seja um complemento. Para mim o desafio é começar a entender que a Justiça Restaurativa não é um mecanismo alternativo. Se vocês entendem que a cidadania é um mecanismo alternativo, obviamente vão estar contra, porque vão pensar que nós vamos ser moles com os ofensores. Não é assim. A Justiça Restaurativa é uma forma de reparar o delito que humaniza as pessoas. Eu gosto da palavra reconectar: ajuda as pessoas a reconectar-se com a sua humanidade. Então a forma de ver da Justiça Restaurativa ajuda e complementa o sistema penal.
Também não vamos nos centrar no sistema penitenciário.
Creio que já passei o tempo. Não? Está bem.
Por quê? Porque também é uma parte esquecida. Se temos muitos ofensores que não tiveram a oportunidade de se responsabilizar pelos danos que causaram e vamos tentar pensar que o castigo vai ser suficiente para que não voltem a delinquir, vamos tentar que as prisões também tenham elementos restaurativos. Ao fim e ao cabo, as pessoas privadas da liberdade vivem na comunidade da prisão; temos que pensar como trabalhar com essas pessoas igual eles trabalham na comunidade com esse foco restaurativo. Nós na Espanha começamos um projeto na prisão, com a comunidade, precisamente com essa ideia: tentar primeiro que as pessoas sintam que continuam a pertencer à comunidade e, segundo, reflexões sobre por que estão aí; terceiro, uma vez que elas percebam, se deem conta de que o delito causou danos, incluindo a eles mesmos. E, por último, como querem compensar e o que querem fazer quando saírem da prisão.
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Acredito que seja importante termos um foco restaurativo, e as leis... Oxalá criemos uma lei, uma Justiça Restaurativa que seja boa. O que ocorre em Espanha: os legisladores geralmente não escutam as pessoas que fazem a prática, que chamo de artesãos da Justiça Restaurativa, escutam só os teóricos, e ocorre que fazem leis peculiares, por exemplo, fazem uma lei que regula tudo, parece que querem regular tudo, ou até leis como as que nós temos no Espanha, nossa única referência: a Justiça Restaurativa está numa lei de direitos de vítimas, o que é muito boa ideia, porque, ao fim e ao cabo, a Justiça Restaurativa não está para alcançar os resultados, está para ajudar as pessoas.
Mas quanto aos beneficiados, só pus uma pequena referência: a Justiça Restaurativa se esqueceu de dar mais pauta, de dar mais ideias. Por isso acredito que o desafio seria que se fizesse uma lei que ajudasse as pessoas a acessar a Justiça Restaurativa. Creio que é necessário não só no âmbito penal, e que se deem conta de que a Justiça Restaurativa parte da flexibilidade. O processo penal já tem seus tempos, sua burocracia, suas coletividades, a Justiça Restaurativa é um complemento: nós trabalhamos com pessoas, com emoções, não podemos limitar os prazos, as pessoas têm tempo para participar ou não. Na Espanha é muito comum dizer: "Quanto tempo leva para realizar um processo restaurativo? Vão ser três meses? É muito!". Eu não trabalho com computadores, trabalho com seres humanos. Cada vítima, cada pessoa é diferente. O mesmo delito impacta diferentemente as pessoas. O caminho restaurativo que toma cada pessoa tem seus tempos.
Se for para se pensar uma lei, para mim o ideal seria uma que respeitasse as flexibilidades, que não se entenda que esse mecanismo seja alternativo, e sobretudo que ele não está para agilizar a Justiça. É uma consequência beneficiosa, mas não é só isso. O motivo é ajudar as pessoas em sua transformação, fazer com que o quebra-cabeças que se colocava, de que, inclusive, eu gostei muito, possa se unir novamente.
O desafio é importante, não vou negar para vocês. Temos que transmitir ao cidadão o que é a Justiça Restaurativa, para que as pessoas a acolham. Por isso esses pequenos projetos trazem a essência de criar estados totalmente restaurativos, desde a família, a comunidade laboral, a educação; em qualquer âmbito, devemos começar a pensar o processo restaurativo. Para tanto teremos que começar agora, como disse, por nós mesmos. O desafio é que comecemos a pensar que se pode atuar de outra forma e promover programas em Justiça Restaurativa em diversos âmbitos, sem deixar de lado o âmbito penal, que é muito importante. No âmbito penal, a ideia é dar uma oportunidade às pessoas, para que possam mudar suas vidas. São vários pilares de que quero falar...
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(Soa a campainha.)
A SRA. VIRGINIA DOMINGOS - Eu queria falar sobre esses princípios, que acredito sejam a base de qualquer processo restaurativo, que respeitam a responsabilidade e o fortalecimento de todas as relações. Temos que ensinar as pessoas a respeitar umas às outras e devemos nos respeitar a nós mesmos. Temos que começar a entender que todo direito traz consigo responsabilidades. Que você pode fazer algo mau; a ideia é que a pessoa passe a ter a oportunidade de fazer o correto. Temos que tentar entender que todas as pessoas são necessárias para a comunidade: que há umas, infratoras, isoladas em cárceres, e há as vítimas, que se sintam vítimas, na comunidade; isso não nos faz funcionar melhor como comunidade, porque temos essas pessoas isoladas, temos que tentar que todos possam reconectar-se. Muitos falam em reinserção, mas eu gosto da palavra reconexão, e creio que o futuro se abre para ela.
Muito obrigada. Deixei de falar muitas coisas... (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Muito obrigado, Dra. Virginia, por compartilhar seus conhecimentos de Justiça Restaurativa.
Com a palavra a Dra. Joanice Guimarães, Desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, Presidente do Comitê Gestor do Núcleo de Justiça Restaurativa do 2º Grau e do Nupemec do Tribunal de Justiça da Bahia.
A senhora está com a palavra.
A SRA. JOANICE GUIMARÃES - Muito obrigada, Senador Lucas, a quem eu agradeço esse momento da Justiça Restaurativa aqui no Senado; ao Senador Paim também, muito obrigada por franquear à Justiça Restaurativa este momento, muito interessante; e a Paulo, que foi quem pensou esse evento e começou, junto com Silvia também, que trouxe para aqui essas pessoas que a gente, como disse Silvia, conhece dos livros, e hoje a gente está numa vivência aqui com elas.
Então, o que eu gostaria de pontuar, dentro de toda essa formação de Justiça Restaurativa, que é muito técnica, seria a prática. Então, no prático, o que teríamos, com relação ao Brasil, com relação à nossa legislação? Como adaptar a Justiça Restaurativa à nossa realidade? Então, que ela é boa e interessante todos nós já sabemos, é necessária, precisamos dela. Mas como fazer isso trabalhar? Como termos essa técnica, e com quem, com que pessoas, em que oportunidade, em que momento?
Então, eu, verificando esses anos todos de Justiça Restaurativa, entendo que nós temos que mudar uma concepção antiga e de uma forma mal desenvolvida dentro da nossa realidade brasileira, que é a Justiça não se entender como segurança. Então, a segurança pública pertence a todos. Todos nós, juntos, temos que trabalhar nessa perspectiva de fazermos segurança pública. Então, nós temos essa distinção.
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Aqui no Brasil nós temos um adágio popular que diz assim: "Polícia prende e Justiça solta". Isso é terrível, porque há um desencontro entre a Justiça e a polícia. A Justiça Restaurativa vem exatamente nessa nova perspectiva, na perspectiva da integração: integrarmos um trabalho, que não vai adiantar nós fazermos Justiça Restaurativa muito depois que se passou por todo um processo autoritário, todo um processo adversarial, por todo um problema que a segurança pública tem protagonizado dentro do nosso País, e chegarmos à Justiça agora, acarinhando essas partes, trazendo novos fatos, nova maneira de entender, quando elas já foram vitimizadas secundariamente desde o momento... Porque no momento em que os fatos ocorrem, a gente não tem esse olhar restaurativo para começarmos a trabalhar com a Justiça Restaurativa no seu nicho próprio, que é antes do processo.
Então, formar uma segurança pública, onde a gente tenha esse sistema integrado - integrar: integrar a segurança pública com a polícia; integrar a segurança pública: Justiça, polícia, todos juntos, trabalhando. O delito tem as suas dimensões, e, dessas dimensões, a dimensão que nós sempre analisamos é a dimensão punitiva. No entanto, a gente tem que ter essa dimensão inter-relacional, a dimensão pessoal, que tem que ser também considerada: é nessa dimensão, é nesse momento de acolher essas partes. No momento em que o problema chega a nossa mão, ao nosso Estado, ele passa da comunidade para o Estado, e o Estado o acolhe, seja esse Estado polícia, Justiça, Ministério Público - todos nós temos o mesmo protagonismo, somos o Estado, o Estado de direito -, o Estado é que tem que auspiciar esses bons serviços, no sentido de acolher, da melhor maneira possível, já nesse início do problema, no momento em que ele chega.
Então, nós temos no Brasil, na nossa conformação legislativa, uma figura que nem todo ordenamento jurídico tem, que é o delegado de polícia. O delegado de polícia é um profissional que é quem primeiro encontra o problema e quem determina para onde esse problema vai ser direcionado; é quem faz a primeira conotação jurídica sobre o problema. Então, ele vai dizer se ele vai para o júri, se é um caso de menores, se vai para o juizado especial, é o delegado que faz essa disposição do conflito. Então, se nós tivéssemos, junto a esse delegado, nas delegacias, essas equipes interdisciplinares que vão trabalhar junto nesses acolhimentos, nesse primeiro momento, quando a gente tem contato inicial com o problema, seria interessante.
Então, se o delegado é quem vai dizer se vai para o juizado, se vai para a vara do júri, se vai para a Justiça comum, ele vai dizer também se aquele caso é um caso que serve para a Justiça Restaurativa. Então, é criar aí esse momento, e esse momento ali seria já trabalhado com essas equipes, formando uma onda em todas essas delegacias. A delegacia é um local próprio que todos os brasileiros conhecem como sendo aquele lugar que mais consegue chegar a alcançar o povo.
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As longas mãos do Estado são as delegacias, porque é onde nós temos o maior número de pessoas, não só os que fazem parte da Polícia Militar e que levam para a delegacia, como os próprios policiais da Delegacia da Polícia Civil. Então, trabalhar aí, nesse momento, eu acredito que seria uma das grandes importâncias que nós teríamos e um grande momento próprio para essa conformação. A polícia é uma polícia judiciária, é uma polícia que já está voltada para a apuração dos delitos. Nós vamos apurar somente de uma maneira punitiva? Nós poderíamos apurar já de uma maneira restaurativa, já começarmos com essa maneira nova, restaurativa, já usando esses psicólogos e assistentes sociais nessas próprias delegacias.
Eu não acredito que nós possamos nos transvestir, sairmos do nosso papel para fazermos outros papéis. Então, eu como juíza, o tempo que fui e trabalhei junto às causas, não tinha a mesma visão de um psicólogo. Embora tivesse todo aquele costume com as partes e como receber pela própria prática, no entanto, eu acho que o próprio psicólogo é que precisa estar nas delegacias. Ele tem uma outra visão.
Fazer Justiça Restaurativa todos nós podemos já começarmos a fazê-la porque são entendimentos que nós temos sobre como encontrar o outro, a alteridade, em primeiro lugar. No entanto, para fazermos isso - eu acho que está muito rápido, eu estou falando muito rápido -, precisamos ter também ao nosso lado outros profissionais. O profissional do Direito, o operador do Direito, muitas vezes, não tem condições de aplicar determinadas técnicas. Ele não tem a fala que o psicólogo tem, não tem a fala do assistente social. São situações que se juntam.
A Justiça sozinha não consegue desenvolver o seu papel de fazer justiça. Fazer justiça é muito mais do que simplesmente a parte jurídica, do que dar nome àquilo que foi acontecido como sendo um crime, um delito.
No entanto, há também a necessidade que é uma particularidade da própria Justiça Restaurativa: ela trabalha pró-futuro e não no passado. A Justiça comum trabalha no passado. Eu vou saber daquelas pessoas que estavam no momento, que tiveram contato, que isso, que aquilo, então sempre numa perspectiva retrospectiva. No entanto, a Justiça Restaurativa vai pró-futuro: como estão as partes agora? A partir de agora, o que vamos fazer? Como, depois desse fenômeno que ocorreu...? É um fato naturalístico que eu não vou poder mudar o delito. Então, como vou encarar isso para adiante e de agora para a frente? Aí, sim, a partir daí é que a Justiça Restaurativa passa a ter o compromisso com a própria comunidade, aquela comunidade que está envolvendo o delito, que está próxima ao delito. Então, são as pessoas que geralmente a Justiça comum afasta: não pode vir a mãe, não pode vir o pai, não podem vir pessoas conhecidas, para ser testemunha é preciso que seja alguém distante. A Justiça Restaurativa vem nessa outra perspectiva, na perspectiva de atrair a comunidade para ajudar. Então, ao invés de testemunhas, eu vou ter apoiadores que possam pensar novas soluções para o delito. Então, eu preciso nessas delegacias, da JR nas delegacias, para que esses acordos sejam homologados.
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Depois disso trabalhado, a gente passa para o Ministério Público e o Ministério Público, para o juiz. O juiz vai verificar se todas essas formalidades foram cumpridas, se isso foi bem auspiciado, se poderemos retornar esse processo à delegacia para mais alguma coisa ou se é suficiente aquilo que já foi feito. Então, esse eu acho que é um encontro, um momento propício para, dentro do nosso sistema penal, introduzirmos a Justiça Restaurativa.
Além disso, nós temos também um outro enfoque: pouca legislação, muitos casos e pouca legislação. Nós temos o CNJ criando essa Resolução 225. Inclusive eu fiz parte disso, foi um trabalho bastante interessante, mas que não é suficiente. Precisamos de legislação, sim, e o Brasil tem se destacado em muitos setores como aquele País que tem legislações de ponta. O nosso ECA é interessantíssimo. A própria Lei de Execução Penal tem sido copiada em diversos países.
(Soa a campainha.)
A SRA. JOANICE GUIMARÃES - Então, há uma necessidade de que nós também criemos essas atribuições ao delegado, para que sejam regulamentados a abordagem inicial da Justiça Restaurativa, o acolhimento e as equipes interdisciplinares nesse momento processual.
Além disso, como a gente vai contribuir? Qual é a contribuição da Justiça Restaurativa? É essa nova segurança pública cidadã, uma segurança integrada entre a Justiça e a polícia, todos em favor da sociedade, não autoritária, não impositiva e que, efetivamente, traga uma integração com a segurança pública e o Judiciário.
Diálogo é a performance maior da Justiça Restaurativa: diálogo democrático, participativo, inclusivo e, além disso, construtivo, onde o crime, aquele momento do conflito, sirva para elevar e melhorar as partes, nunca piorar ninguém, mas melhorar aquela pessoa, e também a mediação vítima-ofensor-comunidade, que é exatamente essa atuação.
Nós temos que distinguir. Talvez muitos que são contra a Justiça Restaurativa digam que... A Justiça Restaurativa não tem uma perspectiva abstrata. Então, não temos essa perspectiva. A perspectiva restaurativa é concreta: eu me ligo ao fato, eu me ligo àquele problema, eu vou trabalhar com aquelas partes envolvidas naquele delito e todas as pessoas, por isso a comunidade - vítima, ofensor e comunidade. A comunidade em torno dessas pessoas, aquelas pessoas que poderão ajudar àqueles que cometeram o delito em espécie, aquele delito concreto.
Evidentemente que essa atuação, sendo uma atuação positiva, vai ter um efeito dissuasório que são esses efeitos criados quando a gente dá penas, cria esse temor, que nem sempre é interessante porque muitas pessoas não estão pensando: "Eu não vou fazer isso porque o código diz isso". A pessoa comete o delito, não sabe nem como o comete, mete-se num problema e nisso resulta um delito.
Então, trabalhar nessa perspectiva, com essa extensão com a comunidade, abraçando essas duas formas, é que é muito interessante e que seria uma das nossas propostas.
Deixe-me conseguir estabelecer a paz aqui. Que alguém me socorra. Como eu faço para ir para frente? Direita, não é?
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Essa atuação de que eu falo seria essa visão mais aplicada ao caso concreto, que, no entanto, tem todo um efeito dentro da própria comunidade. Então, não adianta esse antigo Direito Penal de criar uma expectativa. Primeiro, a Justiça Restaurativa é eminentemente voluntária, participam da Justiça Restaurativa aquelas partes que, depois de conscientizadas, querem participar. Então, eu não preciso mais obrigar ninguém a fazer nada porque as pessoas estão ali por boa vontade, elas querem participar. Então, isso também é um dos pontos, um dos princípios que, muitas vezes, as pessoas que são contra, que não entendem querem combater e dizem: "E os princípios? E o garantismo? Onde fica o contraditório?". Não há contraditório desde quando todos estão imbuídos em resolver o mesmo problema, da mesma forma, dessa forma prospectiva, dessa forma de verificar o futuro.
Em segundo lugar, existe outro item na Justiça Restaurativa que é muito importante: ela é confidencial. As partes confiam exatamente por isto: porque os conteúdos, os relatos, as histórias que vão ser tratadas não vão ser divulgadas, não vão a público. Se fossem a público, se as pessoas dependessem daquelas histórias para vivenciarem, elas queriam contar histórias maravilhosas sobre si. No entanto, essa confidencialidade faz com que as pessoas abram os seus corações, relatem as coisas, sabem que dali não vão sair os seus conteúdos. Elas podem trabalhar para o benefício de todos que estão envolvidos.
Então, com a outra técnica, o círculo restaurativo, quando se está num círculo, nas conferências com as famílias - são várias técnicas que a Justiça Restaurativa aborda -, em todas elas, os relatos e as impressões pessoais de cada um são de suma importância...
(Soa a campainha.)
A SRA. JOANICE GUIMARÃES - ... e eles não têm medo de se revelar exatamente por causa dessa confidencialidade.
Eu tenho essa história da Justiça Restaurativa na Bahia. Eu acho que talvez dê tempo de resumir com o nosso vídeo.
Numa situação também de... Nós começamos no Juizado Criminal de Largo do Tanque, de muita comoção social, um lugar de pouca cidadania, muita violência e de lá partimos com essa história, com essa situação que foi bem interessante, e hoje, depois que eu fui promovida como desembargadora, levei a Justiça Restaurativa para o segundo grau, e aí apoio vários desenvolvimentos de Justiça Restaurativa, vários programas na Bahia inteira. Então, este vídeo traz o resumo dessa situação.
(Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.)
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A SRA. JOANICE GUIMARÃES - Então, estamos à disposição.
A Bahia se oferece, como sempre, como o primeiro Tribunal de Justiça do Brasil, com 410 anos, para ser um dos lugares em que a Justiça restaurativa venha a ser desenvolvida.
Muito obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Muito obrigado, Desembargadora, por suas palavras e pelo seu trabalho. A gente pôde ver que também a senhora é pioneira, há 15 anos nesse trabalho. Então, a gente lhe agradece pela presença e por abrilhantar a nossa audiência pública.
Eu quero registrar a presença do Senador Eduardo Girão, que também é nesta Casa, é preciso que se diga, junto com o Senador Paulo Paim, dos Senadores que mais se dedicam às causas humanistas. São os que aqui, na Comissão de Direitos Humanos, recebem todos os segmentos da sociedade para discutir os principais problemas que acontecem. Esta Comissão é do Brasil inteiro!
Então, o Senador Eduardo Girão, assim como o Senador Paulo Paim, defendem também a família, defendem a conduta dos cidadãos, defendem o direito dos cidadãos. É um prazer tê-lo aqui na Comissão conosco. E eu estou aqui conduzindo esta audiência pública graças à benevolência, ao gesto deste grande homem, o Senador Paulo Paim. Cinco mandatos? Seis?
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Vai dar quase 40 anos de Congresso.
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Quarenta anos de Congresso!
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - De Congresso!
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Então ninguém está aqui...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Ninguém está aqui há 40 anos trabalhando sem que tenha feito um bom trabalho. Já vi gente que chegou aqui, foi Presidente do Senado Federal, e não se reelegeu. E o senhor, o povo do Rio Grande do Sul reconduz sempre a esta Casa, para a continuação desse grande trabalho que V. Exa. faz.
E agora temos o Senador Girão, que, com sua experiência e com sua capacidade de articulação, tem trazido a esta Casa um novo momento de discussão, de combate às drogas, de combate à violência e em defesa da família.
Obrigado por sua presença, Senador.
Convido agora a Dra. Violeta Maltos, Professora e Consultora em projetos de justiça restaurativa. A senhora tem a palavra.
A SRA. VIOLETA MALTOS (Tradução simultânea.) - Muito obrigada pelo tempo, por nos escutar, pelo convite e por nos convidar.
Eu sou do México e vou conversar um pouco sobre como está regulada a justiça restaurativa no meu país. Em parte, não sei se vocês têm ali...
Eu posso explicar sem a apresentação. Eu acho que vocês podem compreender mais facilmente. O que vão ver ali é também como o meu pensamento mudou. Eu participei em três das leis do meu país para introduzir a justiça restaurativa e agora, segunda-feira passada - essas olheiras não são de graça -, entreguei a quarta.
Também estou... Isto que eu vou conversar com vocês tem sido a evolução do meu pensamento. Há 14 anos eu saí da escola, fiz Direito. O pior tipo de advogado que vocês vão achar no México é o penalista. Saí da escola como a gente sai, com aquilo que para você é ensinado: que o sistema acha provas e leva as pessoas ao cárcere, e a vítima é um provedor de informações.
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No ano 2005 começava, no Estado de Chihuahua, a mudança. O México foi o último país a entrar na justiça restaurativa. Adiantamos no Panamá, mas a Guatemala começou faz 25 anos. Então, quando estavam fazendo esses instrumentos, quando meu Estado estava mudando a lei, que foi o primeiro no país, eu servia café e, além do mais, eu digitava aqueles vacas sagradas e dizia que iria ser noutro processo penal.
Então, fiz o primeiro curso de mediação, que é muito distinto, muito diferente da justiça restaurativa. Então, fizemos o primeiro curso no país sobre a justiça restaurativa. Qual o modelo que o Terry criou? Esse policial inglês nos dá aquele primeiro curso. Bom... Então, isso sempre é muito bom. Mas isso serve lá na Inglaterra, na Austrália, de onde é Terry, mas nós somos 130 milhões de pessoas com altos índices de corrupção, com muitíssima violência - temos muito mais violência que a Colômbia. Então, isso aqui não vai funcionar.
Passaram-se dois anos e, em 2008, reformamos o sistema e levei o meu primeiro caso de justiça restaurativa. Então entendi que era uma forma completamente diferente. Como introduzirmos nas nossas leis a última lei que se aprovou dessa forma, e que realmente o reflexo... É o sistema internacional de justiça para adolescente.
A justiça restaurativa é integrada de três formas. Uma como um princípio do sistema. E Virgínia me fez o favor de dar o conceito da ONU da justiça restaurativa. Esse conceito, a gente pôs literalmente na lei, como o princípio que obriga toda pessoa que opera o sistema... Pode ser ministério público, fiscais, defesa, assessoria jurídica, qualquer pessoa que vá tomar uma decisão no sistema tem que atender às necessidades da vítima, da pessoa, do adolescente que está sendo investigado por aquele delito e da comunidade que está sendo investigada ao redor. Essa decisão enseja uma sentença e tem que procurar atender às causas do delito. Vão dirigi-la a essa pessoa que possa articular ali.
A reparação do dano à vítima não faz sentido. Nós recolhemos a jurisprudência da Corte Interamericana, mas não tem sentido sem ouvir a vítima, porque o que diga o juiz, se não ouvirmos as vítimas... Então, a obrigação dos operadores da lei é escutar as vítimas.
A outra maneira que se introduz, das três, é através do mecanismo... É alternativa de solução de controvérsias. Certos delitos em adolescentes... Nós temos um artigo em que temos os delitos, os únicos pelos quais se pode ir em internamento.
Nossa lei é a partir dos 12 anos e, antes dos 18, se cometer um delito, não podemos meter a internamento, não podemos encerrar menor de 14 anos. Entre 14 e 15 anos tem o tempo máximo de internamento, são 3 anos; entre 16 e 17 são 5. Antes, nos estados, havia até 8 anos.
Nada mais por delito, como sequestro, violação, roubo com violência física, homicídio doloso... Esses tipos de delito levam a internamento. Para todos os demais existe a possibilidade de um processo restaurativo através dos mecanismos alternativos.
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Por todos esses procedimentos, as pessoas podem ir a um processo restaurativo. Que tipo de processo? Uma reunião vítima, adolescente; uma junta restaurativa que inclua essas famílias, inclua um representante da comunidade, porque foi o modelo que tomamos de Terry, nada mais. Colocamos outro nome, junta restaurativa. E círculos, que incluem inclusive operadoras do sistema, em que podem participar algum juiz que não seja do caso, algum perito, algum operador que ajude a alcançar um resultado restaurativo. Se se chega a um acordo, se detém o processo até que esse acordo seja cumprido.
A última maneira é depois da sentença. Depois da sentença podem-se aplicar sistemas restaurativos. Nesse caso, para todos os delitos, inclusive delitos do artigo 164, homicídio, roubo, homicídio doloso. Nada mais que a característica... Pode ser aplicada para todas as características de uma vítima, relação ou... De sequestro ou homicídio, alguém que for assassinado, pode receber uma solicitação... Tem que ser a solicitação deles.
No princípio, em 2008, foi a primeira vez que levei à junta restaurativa, foi a primeira vez que trabalhei depois da sentença. Eu dizia, com minha cabeça de advogada, quadrada, penalista: para que a gente vai fazer um processo restaurativo se o sistema já funciona, as pessoas estão sentenciadas? O que que eu vou fazer aqui? Então, entendi e, por isso, não deixei de levar casos em execução e em tudo que se tem podido; a sentença, não resolvem as pessoas; a sentença, resolvem os advogados, as nossas necessidades de que o sistema tenha um fim. Porém, as pessoas ficam com o mesmo que precisavam antes do procedimento.
Pensamos e falamos pelas vítimas e acreditamos que sabemos o que elas querem. A justiça restaurativa me ensinou que a gente nunca tem a menor ideia do que a vítima deseja. Por isso, a gente tem que perguntar a essa pessoa. Não o que diga você, nem você, nem essa pessoa inespecífica. Que façamos classificações de perfis... A única forma de achá-las é falando com essas pessoas. Então, o que fizemos no México é que toda lei... O sistema suscita, mas tem de se ajustar às necessidades pessoais.
Isso nós temos também para adultos, só que é dividido em três leis. E o último que estamos fazendo, que é justamente o que apresentei segunda-feira, acabamos segunda-feira na primeira parte, é começar a levá-los às comunidades, porque temos um sistema de justiça penal, todos os estados têm facilitadores gratuitos capacitados, mínimo 180 horas, certificados. É legal, estão anotadas as leis... É uma justiça para adolescentes... Ainda faltava a comunidade.
Desenvolvemos alguns programas nas escolas, alguns programas comunitários e agora nos resta o último, que é que a polícia leve o processo restaurativo.
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Quando começamos a implantar, em 2011, todos os primeiros alunos policiais diziam para mim: "Não, a polícia com o uniformizado? Está doida?" Mas, na Inglaterra, eles estão falando... A pessoa que criou o modelo é um policial, lá na Austrália. Então, temos que fazer, para poder dar uma opinião.
Fizemos. Implementamos com fundos da União Europeia em quatro municípios, dois deles foram encarregados à polícia. E o que encontramos foi que essa cidade, Morelia, em Michoacán, tinha o primeiro lugar no país em.... Três anos depois de haver começado esse programa, desceu o número a 26, porque as pessoas que estão agora na fiscalização... Chega o caso quando já está... A polícia recebe o caso do início.
Então, segunda-feira, acabou o projeto de lei para que todos os municípios tenham a obrigatoriedade de ter facilitadores certificados para ajudar no processo. As leis estão críticas, mas também até certo ponto. E, com isso, eu termino...
É a mente das pessoas. Assim como a minha mudou, muitas pessoas que tinham como painelistas... Precisamos que... Talvez eu não viva para vê-lo, mas espero que deixem que todos os juízes, todos os defensores, todos os promotores, todas as pessoas que tenham a... Que todas as autoridades penitenciárias do México apliquem o que a lei já diz, mas, sobretudo, interiorizem o que é a justiça restaurativa.
Acreditamos que a lei não serve, não é necessariamente tão útil. Nós, o que fazemos é ajustar... contar como se pode adaptar à necessidade desses em todos os âmbitos das escolas até as prisões.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Senhoras e senhores, eu quero registrar também a presença do Senador Styvenson Valentim.
E faço um adendo ao Senador Styvenson. Aqui estão os três Senadores, penso eu, que temos uma amizade e esse compromisso de debatermos nas Comissões...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu diria os quatro.
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Os quatro. Obrigado pela inclusão, Senador.
Mas o Senador Styvenson é também um Senador aguerrido, não só nesta Comissão, mas no Plenário, em defesa da sociedade, dos direitos dos cidadãos. Então, eu quero fazer este registro. E não é à toa que eles estão aqui: eles nos ajudaram também a fazer esta audiência pública.
Então, fica aqui a minha gratidão aos senhores, ao Senador Styvenson, ao Senador Paulo Paim e ao Senador Girão.
Passo a palavra agora ao nosso Senador Paulo Paim, nosso Presidente da CDH.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senador Lucas Barreto, Presidente desta reunião, a primeira coisa é agradecer a V. Exa., que me disse que não é só marcar audiência pública... E ele me disse: "Que eu vou presidir ou não. Eu quero que você esteja lá." E, de fato, foi uma aula. Sentei aqui e não consegui sair.
Eu tinha uma entrevista às 11 horas. Por isso é que eu apertei no celular, mandei suspender, e pedi que ligassem o sistema de comunicação do Senado. Queria ouvir uma aula que o Brasil precisaria ouvir.
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E o Brasil vai ouvir, porque não é só este momento. Isto aqui é reproduzido pelo sistema de comunicação da Casa para todo o País. Eu fiquei muito impressionado, porque a gente vive num país onde um ministro recentemente disse - não foi deste Governo, mas disse - que o sistema prisional está falido. Na maioria dos casos - vocês podem lembrar, inclusive no meu Estado -, numa cela em que cabem dez há trinta. Isso é desumano - isso é desumano!
Nós temos no País - eu vou citar alguns dados rápidos, mas quero pegar o positivo que vocês trouxeram - praticamente a maior concentração de renda do mundo. Estamos num país em que, entre dez jovens que são assassinados, oito são negros. Eu não quero que assassinem nenhum! Estamos num país em que já tivemos um salário mínimo que se aproximou de US$300, mas há pouco tempo valia US$60 e agora está em US$200. E não estou culpando este ou aquele Governo não. Não é isso que estou fazendo, estou dando um pequeno relato da nossa realidade.
E nesta Comissão a gente ouve, de fato, toda sociedade, querido Senador Lucas Barreto, mas a gente tem que parar com essa história de só dar o lado negativo e falar das nossas tristezas. Aqui eu ouvi falar em solidariedade, em fraternidade, em olhar o conflito, só não de forma punitiva, mas, sim, para buscar a solução de recuperação, de conciliação, de amor, de carinho, de liberdade, enfim, de recuperação.
Eu queria, com muito carinho, dizer que saí daqui apaixonado. Eu não tenho problema nenhum... Eu fui sindicalista e... Sabem vocês que, numa assembleia... Eu prometi para mim mesmo que não ia falar muito! Eu fui a uma assembleia decisiva - em 1968 eu já era presidente de sindicato - e eu disse, no meio da assembleia que eu presidia: "Eu amo todos vocês." Os homens se olharam e as mulheres se olharam... Todos, sim, eu amo toda humanidade. E aqui vocês deram uma aula de amor, de carinho. O trabalho de vocês é magnífico!
Eu confesso que eu sou apaixonado também pelos defensores públicos, pelo trabalho que eles fazem de atender os mais vulneráveis, mas, de hoje em diante, eu tenho duas paixões: defensores e também a justiça restaurativa, pelo trabalho que vocês fazem.
E quero cumprimentar esse congresso internacional de militantes, de pastores - pastores no sentido de fazer o bem. Eu não nego que sou cristão e que gosto muito das frases que o Mestre nos deixou, como aquela de "fazer o bem sem olhar a quem", olhar para o outro e "só fazer aquilo que você gostaria que fizessem para você também". Enfim, eu fiquei aqui convencidíssimo.
Cumprimento o congresso que vocês fazem no Brasil, Congresso Internacional de Justiça Restaurativa. De hoje em diante eu quero ser um militante também dessa causa. Contem comigo! É muito bonito o trabalho de vocês! Eu não sei como é que alguém pode ser contra. Parece que alguns têm uma tese contrária, mas como ser contra quando a gente quer buscar o bem comum, como recuperar, como integrar, como avançar? Enfim, tudo que eu falar aqui é pouco, pela impressão que tive dos convidados internacionais, pelo psicólogo convidado de Caxias do Sul, minha terra natal - nascemos na mesma cidade -, desses jovens Senadores... Digo jovens, porque, quando eu falei em 40 anos... Quarenta anos serão quando eu terminar este mandato, porque neste mandato tenho mais 8 e, aí, vou completar 40 anos. Eu aposto e acredito que vou estar vivo para poder militar irmanado com vocês.
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Eu só vou pedir: não batam palmas para mim, eu quero bater palmas para essa causa.
Aqui encerro minha fala. (Palmas.)
Parabéns!
Muito obrigado, Lucas, por ter me convidado.
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Com a palavra o Senador Eduardo Girão.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Vejam as coincidências aqui! O Senador Paulo Paim sempre pede palmas para as pessoas que fazem explanação quando é tocado profundamente, quando ele vê que é uma coisa justa. Mas eu quero fazer um pedido aqui a vocês. Eu acho que as palmas devem ser para ele, que há décadas vem fazendo o bom combate na CDH. (Palmas.)
Falou com o coração!
Eu queria complementar, Senador Paulo - sei que o senhor está atrasado -, rapidamente, dizendo que vocês estão todos de parabéns. Eu não pude acompanhar desde o início - expliquei ao Senador Lucas ontem à noite o compromisso externo que a gente tinha -, mas, assim que deu, vim correndo para assistir.
Eu sou um entusiasta da justiça restaurativa. Sou um entusiasta e, desde o momento em que o Senador Lucas Barreto pediu esta audiência pública - e ele fez isso com muito amor -, contagiou - o bem contagia, o mal contamina - todos nós com esse pedido. Estava chegando a audiência - vou contar os bastidores para vocês -, e ele dizia: "Olha, está chegando aquela audiência." A gente sempre se encontrando e ele falando: "Está chegando a audiência da justiça restaurativa."
Eu acho que este é um momento histórico aqui no Senado Federal. É um momento histórico, e eu queria me colocar - Senador Lucas, nosso Líder que iniciou, que teve a coragem, a ousadia no bem de fazer esse evento internacional aqui na nossa Casa - à sua disposição, à disposição de todos vocês. O que a gente puder fazer aqui no Senado para facilitar com leis, para agilizar, contem 100% comigo e, tenho certeza, também com o Senador Paulo Paim e com o Senador Styvenson.
Vocês são pioneiros num trabalho... E eu quero dar as boas-vindas para vocês que estão vindo de outros países e meu muito obrigado por virem colaborar trazendo suas experiências. É uma libertação, acho que essa palavra que sintetiza... Ele falou "fraternidade". Tem tudo a ver com fraternidade, com solidariedade, com amor, com perdão. E o que o perdão faz? Ele liberta.
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Eu tive oportunidade nesta vida de conhecer a Constelação Familiar, e eu vejo que ela é aplicada já em alguns Estados. Quando as pessoas conhecerem mais essa cura sistêmica que é feita de nós... Às vezes, vem de muito e muito tempo, e repetimos certas situações automaticamente, sem a gente compreender...
Desse trabalho de vocês, eu gostei muito, especialmente, Dra. Joanice Guimarães, quando falou que é algo sobretudo voluntário. Isso tem muita força quando é feito de forma desinteressada, com o único pensamento de ajudar. Nós somos todos irmãos - nós somos todos irmãos! Este momento aqui é único.
Senador Lucas Barreto, o senhor trouxe muita luz com essa iniciativa. Muitíssimo obrigado - eu lhe digo isso não como Senador, mas como cidadão brasileiro - por estar participando deste momento. Vou pegar todas as falas aqui da Taquigrafia e depois vou assistir ao vídeo com a nossa equipe para a gente anotar, para a gente ver o que pode fazer.
Mas, parabéns, parabéns a todos vocês, a todos que estão aqui, porque esse é um trabalho que vai colaborar muito com o nosso País, sob todos os aspectos, todos os aspectos possíveis e imagináveis, porque está unindo as pessoas, está promovendo o diálogo, está promovendo a compreensão humana. Então, meus parabéns por essa iniciativa. Eu quero continuar aprendendo com vocês aqui.
Muito obrigado! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Antes de passar a palavra ao Senador Styvenson Valentim, eu também quero fazer um agradecimento aos funcionários desta Comissão, ao nosso Secretário da Comissão - peço uma salva de palmas... (Palmas.)
... aos que traduziram os nossos palestrantes aqui... (Palmas.)
... a todos da Taquigrafia que secretariaram.
Em nome dessas pessoas que aqui estiveram, em nome do Senador Girão e do Senador Styvenson, muito, muito obrigado.
Com a palavra o Senador Styvenson Valentim, do Podemos do Rio Grande do Norte.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN) - Lucas, feliz, viu? Senador, excelentíssimo amigo Lucas, justiça restaurativa... Não era para ser só justiça não, era para serem vidas restaurativas, amizades, política restaurativa. A gente só conflita em todos os lugares aqui dentro... Há hora em que a gente se embirra um com outro aqui porque não votou, porque não assinou. Um embirra com o outro e, depois, a gente volta ao normal, se reestrutura e se recompõe.
Interessante que estou vendo muitos palestrantes... Sejam bem-vindos ao nosso País - Brasil, país acolhedor, país de pessoas pacíficas. Não entendam que o Brasil é um país violento, porque não é, é só um momento que a gente está passando de violência, mas logo vai estabilizar.
A todos vocês que estão vindo, aos brasileiros de outros Estados: bem-vindos.
Lucas, parabéns! Eu estava na Comissão quando ele deu a ideia. Eu disse: "Caramba!" Sou policial militar, fiz curso de polícia de mediação, fiz de polícia comunitária, Direito, gerenciamento de crise, estudei tudo isso. Mas trazer hoje pessoas de vários países... Há conflitos entre seres humanos, porque buscam na Justiça... "O que eu quero? Eu quero ganhar de alguém." Há briga por pensão alimentícia, há briga por indenização e até uma criminal. E o nosso País não é diferente, como qualquer outro do mundo, que busca na Justiça a punição. Tem que ver o outro sofrer. Eu só me satisfaço se eu vir você sofrer: "Vai sofrer? Então, a pena foi aplicada".
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A justiça que nós temos hoje como brasileiros, Senador Lucas, não é justiça, é selvageria. Isso não é justiça, é selvageria. E a gente parte cada vez mais para um momento crítico de irracionalidade e de anticivismo, ao querer resolver os problemas com as próprias mãos, desacreditando as instituições, desde a Polícia Militar... Deveria haver treinamento de polícia restaurativo, quando se pega a primeira ocorrência. Quando se pega a primeira ocorrência, em vez de ele tomar parte... É muito difícil um policial, como um juiz, como um professor ou como um pai, ser imparcial. Dependendo da ocorrência, dependendo do caso, tendenciosamente nós queremos balançar para um lado. Digo isso porque ontem eu estava com o Ministro do STF... Vai ser votado... Espero que... Não sei se foram votados os remédios. Entre o direito de um receber um remédio caro e entre o direito de muitos receberem remédios que não são caros, a balança faz o quê?
Então, esta ideia de justiça hoje, de dar o que é direito... A gente está na Comissão de Direitos Humanos. Trata-se de dar direito a quem tem direito. Esse direito, muitas vezes, está sendo exorbitado; quer-se demais, quer-se muito e rápido.
Como eu disse, a gente está na Comissão que avalia tudo isso. Desde a primeira ocorrência, desde o primeiro momento até o final do julgamento, eu entro com recurso, porque eu não me satisfiz: "Não! Não ficou bom, não! Vou entrar com outra ação. Quero vê-lo sofrer mesmo". Alimento aquela raiva, aquele ódio, através da Justiça, como meio intermediário para poder realmente me satisfazer.
Então, parabéns a todos palestrantes!
Não pude estar aqui antes porque há muitas Comissões. Vou ver se eu consigo amanhã assistir a todos vocês nessa palestra. Eu aconselho todo mundo que está assistindo a procurar conhecer isso mais. Isso deveria ser matéria de disciplina de escola. Não estou falando de Direito, não; estou falando de escola. A gente deveria aprender isto aqui na primeira infância. Não estou falando do curso universitário, não. Estou falando que a gente poderia aprender a lidar mais com isso. Não é só mediar, mas equilibrar entre o que eu quero e o que você quer.
Eu digo mais para o senhor, Lucas: essa é uma falha que está vindo desde criança. O menino quer, quer, quer, cai no chão, rola, dá e vai querer a vida toda do mesmo jeito, quer da Justiça, quer da polícia, quer do Parlamentar, quer de todo jeito. Estou querendo dizer que o momento político que estamos vivendo é este, de extremos, polos. Não existe ninguém no meio político para restaurar tudo isso. É a gente, não é, Lucas? Somos equilibrados, pensamos de forma equilibrada pelo melhor para o nosso País, não de forma extrema.
Então, parabéns a todos!
Parabéns, Lucas!
Precisamos desenvolver mais isso. Como o Girão disse, a gente pode, através da legislação, através da lei, através de nossas funções, que não são nossas, mas que são do povo, levar isso para um ambiente maior. Está bom?
Obrigado, Lucas. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Nós é que agradecemos, Senador Styvenson, a sua participação. Já que o Senador Paim foi embora e me deixou como Presidente, o senhor está convocado para, amanhã, representar o Senado Federal nesse congresso...
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RN. Fora do microfone.) - Sim, senhor!
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - ... ao qual o senhor já vai. Então, irá também representar a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
Agora, para finalizar, eu também serei bem breve. Não precisa nem tocar a campainha.
Eu sou de um Estado... Dra. Silvia, Dra. Carline, nós somos de um Estado do extremo norte da Amazônia. Nós somos do Estado onde há o Município de Oiapoque, onde começa a Nação brasileira. Os amapaenses lutaram para ser Brasil. Nós estamos do outro lado do Rio Amazonas. O outro Estado está a 300km, que é a distância em linha reta de Macapá a Belém. Somos 800 mil pessoas. Macapá, no nosso Estado, tem 800 mil habitantes, mas, entre o Amapá e o Pará, há um conglomerado de ilhas, o Arquipélago do Bailique, e também moradores que são do Pará. Macapá, a nossa capital, é uma UTI social. Imaginem os senhores que, entre Macapá e Belém, há um milhão de habitantes, mais do que a nossa população do Estado. E nós recebemos todas estas demandas de saúde, de atendimento, de todos os setores. Então, imaginem como as nossas Prefeituras e o nosso Governo lá sofrem!
Além disso, é importante falar aos senhores também que somos o Estado mais preservado do mundo: 97% das nossas florestas primárias estão intocadas! (Palmas.)
No nosso Estado, 73% de sua área são totalmente de reserva, criada por decreto, por Brasília, sem ouvir nenhum amapaense. Nós temos 4% de áreas inundáveis, 11% de áreas urbanas. Com uma empresa que tem lá uma grande área, sobram-nos 8% do Estado para plantar aquilo de que nós precisamos para comer e para criar os animais que também nós pretendemos comer.
Somos o Estado mais rico do Planeta. Temos a maior província mineral do mundo. De acordo com o instituto Reuters, só na Renca, entre Pará e Amapá, existem US$1,7 trilhões em minerais, em valores não atualizados, da década de 80.
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Temos a maior reserva de petróleo e de gás também do mundo na costa do Amapá, por causa do Rio Amazonas. Nesse arco lamoso que há na foz do Amazonas, há o maior depósito de sedimentos do mundo, que é a mesma plataforma que vai ao Suriname, a Georgetown, a Caiena, até chegar a Orinoco, na Venezuela, que tem uma das maiores reservas de petróleo e de gás do mundo.
Mas lá, apesar de estarmos em cima dessa riqueza e de a preservarmos, de fazermos tudo o que a gente faz com a nossa conservação, nunca nenhum país - nem o Brasil - olhou para nós. Olham-nos sempre como escravos ambientais: lá cada amazônida ou cada amapaense tem que ficar vigiando as árvores. Nós temos 97% de nossas florestas primárias preservadas; o Brasil, só 30%; os Estados Unidos, só 17,1%; o ecológico Canadá, só 11%. A Amazônia tem 38 milhões de quilômetros quadrados de reserva ambiental. Tente propor uma área dessa de reserva, Deputada Aline, para algum país, para os Estados Unidos. Nunca vão aceitar! No Amapá, o que nós pedimos é que olhem para isso, que nos compensem pelo trabalho ambiental que nós fazemos, porque nós temos lá já quase 200 mil pessoas abaixo da linha da pobreza. Nesse lugar em que a Dra. Silvia e a Dra. Carline fazem esse trabalho, que é a Baixada do Ambrósio, não há nem água ainda! Agora é que a gente está tentando viabilizar um grande projeto para levar para lá água tratada, porque a água que há no nosso Estado é encanada.
Então, é importante que os senhores que fazem parte de outros países digam, perguntem lá: "Quanto vale manter o clima do mundo? Quanto vale manter as condições climáticas para o agronegócio do Brasil, da Europa Ocidental, da América do Norte? Quanto vale? Quanto vale?" Aí a gente pergunta: quem paga? Quem está pagando é o povo do Amapá, sendo escravo ambiental.
Então, nós precisamos mudar essa realidade. É preciso mudar, e é para isso que a gente está aqui. E, no Senado, os Estados se igualam na força política. Aqui a gente criou agora... Ontem foi lido no Plenário que nós deveremos criar hoje uma frente parlamentar de 51 Senadores do Norte e do Nordeste, em que vamos decidir os rumos da Amazônia, do Nordeste, porque até a nossa renda per capita, a de cada cidadão, vem caindo. Então, nós vamos, com certeza, mudar isso.
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Como nós percebemos, nós tivemos aqui uma das audiências públicas mais importantes da história da CDH e do Senado Federal. Pouquíssimos órgãos legislativos têm à sua disposição os maiores especialistas do mundo em determinado assunto, como nós tivemos hoje, aqui, em relação à Justiça Restaurativa.
Eu saio daqui hoje, Dra. Silva - a senhora foi a grande condutora, e a Carline, a grande mentora desta audiência pública -, mais convencido da necessidade de a legislação brasileira incorporar cada vez mais diretrizes dessa útil e justa forma de resolução dos conflitos, especialmente no âmbito de questões como delitos de menor potencial ofensivo e mesmo de outros crimes que, embora graves, precisam não apenas de uma resposta penal tradicional, mas de um grau maior de resolutividade social, com o empoderamento das vítimas e com a restauração de laços e valores sociais, como é o caso, por exemplo, da violência de gênero.
Estou agora, definitivamente, convencido de que a Resolução 225, do CNJ, é apenas um primeiro passo, mas que fez apenas explicitar a necessidade de o Legislativo brasileiro, sobretudo o Senado Federal, se debruçar com atenção, denodo e dedicação sobre esse tema.
Espero que as falas nesta audiência pública tenham tocado todos os Senadores que nos assistiram e todas as Senadoras, conscientizando-os da relevância desse tema para a redução decisiva e estrutural dos conflitos com a lei que, infelizmente, ainda grassam na sociedade brasileira.
A Justiça Restaurativa busca simplesmente restabelecer a dignidade.
Muito obrigado a todos.
Declaro... (Palmas.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Senador Lucas, antes...
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Com a palavra o Senador Girão.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) - Antes de o senhor encerrar, eu digo mais uma vez: esta é uma histórica reunião do Senado Federal. Eu queria, se a câmera pudesse mostrar esta Mesa, dizer que o sorriso de cada pessoa que está aqui é diferenciado. Eu já participei de dezenas de audiências públicas aqui, mas o que a gente vê aqui é idealismo, o que a gente vê aqui é amor pelo que se faz. E a cura que vocês estão fazendo, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro, é algo realmente libertador. É libertador! É um valor inestimável. Não há dinheiro no mundo que pague o que vocês estão fazendo, porque isso é cultura de paz, isso é ousadia no bem.
Então, muito obrigado por esta oportunidade. Por favor, demandem a gente aqui. O que a gente puder fazer nesta Casa, no Senado Federal, ou pelos contatos que nós temos com os Deputados também, na Câmara dos Deputados, que é nossa Casa vizinha, no Congresso, a gente está à disposição para agilizar.
E, lá no Ceará também, que é minha terra, em que já existem sementes sendo plantadas, nós também estamos à disposição. Quero que vocês me apresentem, porque eu nunca tinha sido candidato a nada, estou chegando pela primeira vez ao Senado. Quero também ajudar, para a gente fortalecer esse trabalho no Estado do Ceará. Está bom?
Parabéns! Sigam adiante! Muita paz para todos vocês!
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Com a palavra o Dr. Paulo Moratelli.
O SR. PAULO MORATELLI - Novamente quero agradecer por este momento, que realmente é muito importante.
Como alguns Senadores chegaram depois, quero refazer, confirmar o convite aos senhores, que são nossos convidados, e ao Senador Lucas também, para que possam estendê-lo aos Deputados que não estão presentes aqui. Que vocês possam estender esse convite. Vocês são nossos convidados, para que amanhã vocês possam acompanhar essa pequena amostra que vocês tiveram. Eles terão muito tempo para explanar tudo que a Justiça Restaurativa pode fazer pelo nosso País.
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Quero novamente dizer aquilo que eu disse no início: quem tem a tarefa, a função de construir políticas públicas eficientes, que podem levar essa ideia de justiça a cada cidadão, em cada rincão do Brasil, são os senhores. Então, V. Exas. devem avocar para si essa tarefa de ouvir essas pessoas, e, para o que for necessário, nós estamos à disposição.
Agradeço profundamente este momento novamente.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lucas Barreto. PSD - AP) - Então, para finalizar, eu também quero agradecer... Nós separamos aqui dez nomes dos que interagiram no e-Cidadania da TV Senado, e todas as respostas estarão na audiência que fizemos hoje: Adelson Rodrigo, de Santa Catarina; Charles Nogueira, do Amazonas; André Marques, do Distrito Federal; Dinamar Cristina Pereira Rocha, do Distrito Federal; Kleiton Alves da Silva, de Minas Gerais; João Francisco Santos, do Rio Grande do Sul. Repito: Charlesemirya Nogueira, do Amazonas, e Adelson Rodrigo Alves, de Santa Catarina. Esses são alguns que interagiram conosco.
Muito obrigado a todos.
Avante a Justiça Restaurativa!
(Iniciada às 9 horas e 36 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 29 minutos.)