29/05/2019 - 16ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Boa tarde a todos.
Havendo número regimental, declaro aberta a 16ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
R
Inicialmente quero pedir desculpas pelo atraso, mas é que estávamos solenidade de entrega de um projeto de resolução diretamente ao Presidente do Senado para instituir no Senado o Junho Verde. É uma iniciativa que nós estamos tendo, porque não basta ser, no dia 5 de junho, comemorado esse dia, mas, sim, nós estaremos aqui estabelecendo um Junho Verde no Senado Federal. Solicitei também que haja iluminação da cúpula do Senado na cor verde e também que entrem, no mês de junho - houve o comprometimento dos Líderes dos partidos para que colocassem em pauta já no mês de junho -, os projetos de interesse ambiental, por exemplo, o que coloca no art. 5º da Constituição Federal o direito ao meio ambiente ecologicamente sustentável como um direito fundamental. Já está no art. 225, mas nós estamos dando uma redundância. E há o comprometimento de estar pautando, nesse mês de junho, temas de extrema relevância.
Também foi dito - e externei a minha preocupação - sobre a MP que está agora em discussão na Câmara dos Deputados, que, na verdade, é um engodo que está sendo praticado para tentar violar aquilo sobre o que se debruçaram por anos, que é o Código Florestal. Mas nós não vamos admitir retrocesso, nós não vamos admitir violações ao direito ao meio ambiente. Isso é um direito humano essencial. Defender o direito ao meio ambiente é sair em defesa da vida humana não só no espaço territorial brasileiro, mas um direito planetário.
E, no que depender da Comissão de Meio Ambiente, esta Comissão vai funcionar com audiências públicas de forma permanente, não só no mês de junho. Como hoje está tendo essa abertura, nós vamos fazer isso durante os dois anos em que eu estiver à frente da Comissão de Meio Ambiente, como seu Presidente.
Eu estou justificando o atraso nesta reunião, mas a motivação era nobre. Havia ali quase que, acho, 15 Senadores, que estavam comigo referendando isso. Há um comprometimento da bancada de se preservar o meio ambiente, porque esse é um direito humano, é um direito humano universal e não só na nossa Constituição, mas em todos os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Antes de iniciar os trabalhos, proponho a dispensa da leitura e a aprovação da Atas da 13ª Reunião, realizada em 22 de maio, e da 14ª Reunião, realizada em 23 de maio.
Aqueles que concordam permaneçam como estão. (Pausa.)
As atas estão aprovadas e serão publicadas no Diário do Senado.
Também quero fazer uma ressalva. Na semana passada, eu, presidindo a Comissão de Meio Ambiente, fiz dois requerimentos: um foi para instituir o Junho Verde; outro, para convocar o Ministro de Minas e Energia, que veio no dia seguinte.
Confesso que eu fiquei assustado com o que eu ouvi do Ministro, porque ele me falou que há quase 800 barragens, que não existe barragem segura no Brasil e que há oito funcionários para fiscalizar - agora são 16. Isso só acontece no Brasil, porque no Brasil nós temos a certeza da impunidade. A partir do momento em que as instituições entenderem as suas funções, que nós temos responsabilidade civil, administrativa e criminal por lesão ao meio ambiente, e que nós temos que responsabilizar, inclusive o Poder Público, não só pessoa física, não só a pessoa jurídica, não só empresa, porque eu não acho crível, razoável e aceitável que todas essas barragens estejam funcionado com aval e com autorização do próprio Poder Público... O Código Penal é claro no art. 13, §2º, alínea "a": a omissão é penalmente relevante quando a gente tenha por lei obrigação de proteção, vigilância e cuidado. E quem, de qualquer forma, concorre para o crime incide nas mesmas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
R
Aprovamos requerimento para fazer uma diligência diretamente em Barão de Cocais, na barragem que está lá na iminência de acontecer uma tragédia. Estive lá, conversei com a população, com o Procurador-Geral de Justiça, coletei todas as ações, quais são as demandas judiciais que estão sendo feitas, vou apresentar nesta Comissão um relatório, mas de antemão falo que eu vim um pouco mais tranquilizado, porque agora, sim, nós temos uma ação mais preventiva para evitar a violação do principal bem jurídico, que é a vida humana, e a ofensa à integridade física.
Se existe um serviço de monitoramento em tempo real de deslocamento, onde estava esse serviço quando aconteceu a tragédia em Brumadinho? Eu não falo para evitar a tragédia em si, mas para evitar as mortes. Então, alguém está errando e tem que ser responsabilizado por isso.
Na Comissão de Meio Ambiente, realizaremos seis audiências públicas no mês de junho. Hoje vamos discutir o tema Brasil verde para sempre? Balanço de sete anos do novo Código Florestal - muito propício com o que está acontecendo na Câmara dos Deputados agora.
Então, por uma questão de economia de tempo, porque estamos atrasados, eu vou pedir permissão... Agradeço os palestrantes e convidados, para não ficar citando nome e, enfim, para a gente ganhar tempo e ser mais produtivo e proativo. Está claro? E sempre me coloco à disposição.
Eu convido os palestrantes para compor a Mesa: Sra. Roberta del Giudice, Sr. Tasso Azevedo e Sr. Raoni Rajão.
Em 5 de junho, discutiremos o tema Dia Mundial do Meio Ambiente: Balanço da Conservação dos Biomas Brasileiros; no dia 11 de junho, o tema será Lucros Verdes: Como empresas brasileiras se tornaram prósperas e competitivas preservando o meio ambiente; em 18 de junho, falaremos do tema Desertificação: Balanço das políticas para melhor uso do solo brasileiro; no dia 25 de junho, trataremos de proteção e bem-estar dos animais; e, para fechar o mês de junho, vamos, entre aspas, "Semear o futuro para o Brasil florescer: visão das novas gerações sobre o desenvolvimento e o meio ambiente".
Vamos à pauta de hoje.
Esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800-612211. A Secretaria trará à Mesa algumas perguntas para enriquecer o debate, e o relatório completo com todas as manifestações estará disponível no e-Cidadania e será enviado a cada um dos convidados. As apresentações utilizadas pelos expositores ficarão disponíveis na página desta reunião no site da Comissão de Meio Ambiente e também no e-Cidadania.
Informo que, nos termos da Instrução Normativa 9, de 2017, SGM, a Secretaria solicitará a degravação da presente reunião para que as notas taquigráficas sejam anexadas à respectiva ata de modo a facilitar a análise em projetos e ações futuras sobre o tema.
Na exposição inicial, cada orador usará a palavra por vinte minutos e, antes de encerrarmos, poderá apresentar suas considerações finais em cinco minutos. A palavra será concedida aos Senadores inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários em cinco minutos, após as exposições iniciais.
Com a palavra a Sra. Roberta del Giudice.
A SRA. ROBERTA DEL GIUDICE (Para exposição de convidado.) - Muito obrigada, Senador.
Vou direto, então, para a gente não gastar mais tempo.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Perfeito.
A SRA. ROBERTA DEL GIUDICE - O nome da audiência de hoje é Brasil verde para sempre? Balanço dos cinco anos do Código Florestal. Então, eu vou começar falando como é que a gente está hoje na implementação dessa lei, que tem sete anos de aprovação.
R
O CAR (Cadastro Ambiental Rural) é uma das obrigações previstas no Código Florestal para todo imóvel rural e já foi implementado em todos os Estados há mais de cinco anos. Não há nenhum Estado que não tenha o sistema de cadastro da propriedade, o Cadastro Ambiental Rural.
O PRA (Programa de Regularização Ambiental) já foi publicado por 17 Estados mais o Distrito Federal, quer dizer, são 18 unidades da Federação que já tem PRA, e isso pode ser consultado no portal do código, em que há a informação da legislação. É só clicar no Estado, e você pode conferir qual é a norma que estabelece.
A área cadastrada no CAR que a gente tem hoje é de 514 milhões de hectares, e isso supera a área prevista, área cadastrável, por conta de sobreposições e cadastros dentro de áreas protegidas.
O número de imóveis cadastrados é de 5,6 milhões, quase 5,7 milhões de cadastros, isso em 30 de abril de 2019.
Processo de adequação da lei. A lei foi aprovada em 2012. Às pessoas que não cumpriam a lei é previsto um processo para trazê-las ao cumprimento. Esse processo tem seis passos:
1. inscrição do imóvel no CAR, que é o cadastro eletrônico;
2. adesão ao PRA. O sistema federal prevê uma adesão eletrônica que, ao final, ao preencher o CAR, você clica dizendo se você adere ao CAR ou não;
3. análise pelo Estado. O Estado verifica como está esse PRA e notifica o proprietário. Há alguns Estados que estão prevendo essa etapa como uma etapa automática, automatizada, que gere ali um termo de compromisso. Há algumas discussões relacionadas a isso, mas essa é a terceira etapa atualmente em vigor no código;
4. assinatura do termo de compromisso, na qual o produtor que tem algum passivo se compromete a fazer a recuperação, demonstra como vai ser feita essa recuperação;
5. implementação do Prada (Plano de Recuperação de Áreas Degradadas e Alteradas), que é previsto nesse termo de compromisso; e
6. adequação ambiental da propriedade, após o cumprimento, a implantação desse Prada, com a extinção da punibilidade dos crimes e conversão das ações feitas em prol do meio ambiente como cumprimento ali da infração ambiental, extinção da infração ambiental.
E aí a gente tem a medida provisória. Isso é o que a gente tem hoje. Eu queria falar que há alguns Estados como, por exemplo, Espírito Santo e Rondônia, que já estão ali no ponto 4, assinatura de termos de compromisso. Nesses Estados, já há um número grande de termos de compromisso assinados, já analisaram muitos CARs e já estão convocando para essa assinatura. Mato Grosso do Sul também já tem termos de compromisso assinados, mas ele os faz por meio de processo automático de análise. Agora há Estados em que os cadastros foram feitos no sistema, o produtor rural pediu adesão, mas ainda não houve essa análise.
R
E aí eu passo aqui para a medida provisória e o futuro do Código Florestal. Vou falar um pouco sobre a importância das florestas. A meu ver, é um diferencial que o Brasil tem a extensão de florestas. As florestas são... O desmatamento é uma grande fonte de emissão de gases de efeito estufa. Havia ali 46% das emissões, mas, segunda-feira, eu estava em uma Mesa e uma pessoa apresentou esse dado de que já ultrapassou, e hoje são 51% das emissões de gases de efeito estufa. A conservação é essencial, é um insumo essencial para o agronegócio e para a geração de energia elétrica. A Floresta Amazônica lança, diariamente, cerca de 20 bilhões de toneladas de vapor na atmosfera. Então, é indiscutível o valor e o papel estratégico da proteção das florestas para o Brasil.
Aí eu passo especificamente para as alterações que foram feitas nessa medida provisória, e uma delas se refere ao art. 68. Em termos de regularização, esse artigo é o mais impactante do PLV nº 9. Ele fixa datas para início da proteção da reserva legal para Mata, Cerrado, Amazônia e vegetação nativa de modo geral. São datas mais atuais que as reais, que as que existiam na legislação; isso pode gerar uma anistia de até cinco milhões, seis milhões de hectares, que deixarão de ser recuperados. Isso contraria a legislação e a jurisprudência brasileira anterior à aprovação da Lei 12.651/2012.
Isso aqui é o que a gente tinha na legislação, os marcos temporais que existiam: em 1934, 25%; em 1965, 20% da vegetação e 50% na Região Norte, praticamente considerando hoje a Amazônia Legal; de 1989 a 2000, no Cerrado da Amazônia, a proteção era 20%; de 1996 até agora, a Amazônia Legal tem a reserva legal de 80%; de 2000 até agora, o Cerrado dentro da Amazônia passa de 20% para 35%.
Então, aqui vocês podem ver que os marcos são bem diferentes: há vegetação, como um todo, só em 2000; aqui entram Pantanal, Caatinga, campos sulinos, Pampas. Então, o impacto da redução da proteção vai ser bem substancial.
Outro ponto importante é a alteração do art. 59. A meu ver, ele tira os dentes do PRA para essa engrenagem rodar. Ele dificulta a implementação e o monitoramento das alterações que foram feitas. Eles contrariam o art. 23 da Constituição e a Lei Complementar 140, porque eles fazem uma transferência de competência dos Estados para a União, que não pode ser feito por meio de lei ordinária. Ele transfere a voluntariedade do privado; o privado, que tem o passivo hoje na lei, voluntariamente se declara fora da legislação e pede para se adequar. E ele coloca essa obrigação para o Estado.
R
Agora, o Estado tem que encontrar onde está a área degradada e notificar o privado para que ele comece o processo de adequação. E ele retira o prazo inicial de cumprimento. Ele colocam que o prazo inicial é um ano da notificação, mas, se o Estado já regulamentou o PRA e já começou a implementar, ele pode demorar 20, 30 anos para fazer essa notificação. Aí, a partir da notificação, começa a correr o prazo de um ano para que ele comece a recuperar essa área. Isso é praticamente jogar por terra o processo de adequação previsto hoje no Código Florestal.
O que acontece se a gente não aprovar a Medida 867, se não for aprovada hoje? Aqueles produtores inscritos no CAR... A lei tem a suspensão da pena, então, entre a publicação da lei e a implantação do PRA no Estado... Ah, os produtores rurais estão esperando os Estados regulamentarem, estão vulneráveis e podem ser multados. Não, enquanto o Estado não implementar o PRA, não há infração, não pode ser autuado por infração administrativa ambiental e nem criminalizado, quer dizer, houve uma suspensão dessa aplicação de penas e de infração. Depois que ele aderiu ao PRA, ele se inscreveu, clicou lá e quer fazer adesão, também ocorre a suspensão até que ele assine e cumpra o termo de compromisso. Quer dizer, ele não tem vulnerabilidade em relação à aplicação de multas se essa medida provisória não for aprovada.
O que acontece com aqueles produtores que não se inscreveram no CAR? Eles tiveram sete anos, são cinco anos em que esse sistema já foi implementado, mas eles não se inscreveram no CAR e eles têm passivo ambiental. Aí sim, esses produtores que não buscaram adequação terão impacto se essa medida provisória não for aprovada, mas esse impacto só começa a partir do momento em que a medida provisória caducar ou não for aprovada. Ele não vai ter acesso ao crédito, mas, se ele fizer a inscrição no CAR no dia seguinte, ele pode ir ao banco e pegar o crédito. Ele não perde acesso ao crédito permanentemente.
A recuperação de APP vai ter que voltar às metragens previstas nos arts. 4º, 5º e 6º, que é o que equivale, para quem desmatou, a quem vai desmatar após 22 de julho de 2007 - ali está escrito antes, mas é depois -, e a impossibilidade de compensação de reserva legal e reposição. Vai ter que fazer a reposição e regeneração dentro do próprio imóvel para a reserva legal, que equivale a quem desmatou depois de 22 de julho de 2008. Quer dizer, não vai haver os benefícios previstos na lei para quem busca se adequar, aquele que não buscou ainda se adequar, só esse.
A concessão do crédito rural a não inscritos no CAR. Realmente, esse prazo já se finalizou em 31 de dezembro de 2018. Como eu disse, se ele não está inscrito no CAR no dia 4 de junho, ele pode se inscrever no dia 5 e volta a ter acesso ao crédito. Então, essa vedação é só para quem não está no momento em que está pedindo crédito, mas isso já foi implementado, já vem sendo cobrado. Houve um volume grande de inscrição este ano, foi verificado dentro do Comitê Técnico do Observatório, provavelmente por conta dessa restrição das instituições financeiras de concederem crédito sem a inscrição no CAR.
R
Isso dificilmente vai retroceder. O processo de verificação já foi implementado pelos bancos e já foi regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional. Quer dizer, é uma busca que se está fazendo aí. Nós temos cinco meses de plantio já com a concessão do crédito apenas para quem está inscrito no CAR. Então, isso já vem acontecendo.
A partir disso... Essas são as alterações previstas na medida provisória, e aqui eu passo, então, a uma análise que foi feita dentro do Observatório sobre para quem essa medida provisória interessa, já que a gente sabe que ela tem um impacto muito grande em toda a sociedade, a gente foi buscar.
Vejam que aqui eu coloquei dez notas emitidas por diversas instituições. Há cartas de ex-ministros que citam a medida provisória, da 4ª Câmara do Ministério Público Federal, da Coalizão Ciência e Sociedade, da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, da Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público), um estudo do próprio Observatório. Quer dizer, dez notas já foram feitas contra essa medida provisória. Se você buscar hoje no Google você não vai achar nenhuma notícia e nenhuma manifestação favorável; as únicas que a gente encontra são pelos corredores aqui da Câmara, mas, publicada, não há manifestação favorável. Inclusive eu trouxe aqui manifestação do Paulo Hartung, que é ex-Governador do Estado do Espírito Santo e Presidente Executivo da Indústria Brasileira de Árvores, em que ele fala que é um retrocesso, que o Código Florestal promoveu uma mobilização e um pacto inédito da sociedade brasileira, e que não cumpri-lo, o que 4 milhões de produtores já fizeram, vai premiar aqueles que não respeitam a lei e reduzir a capacidade de o País atrair investimento - isso é muito importante. E o Luiz Cornacchioni, Diretor Executivo da Associação Brasileira de Agronegócio, disse que a medida provisória descaracteriza o Código Florestal e, se aprovada, passará imagem ruim para os mercados consumidores interno e externo.
Ontem, a gente viu um vídeo também lançado pela Coalizão no qual o Presidente da Sociedade Rural Brasileira também declarava que essa medida provisória não é favorável ao agronegócio. Então, é o setor privado dizendo. Se a gente tem todas as instituições da academia, do setor privado, ambientalistas dizendo que essa medida provisória não é favorável, a quem ela beneficia? Aí a gente fez esse levantamento dentro do Comitê Técnico. Esse levantamento foi um cruzamento de dados do Atlas Agropecuário Brasileiro, que envolve dados do CAR e do Sigef, imóveis titulados do Terra Legal e assentamentos de reforma agrária, o mapa de cobertura e uso do solo do MapBiomas e modelagens do Código Florestal que já haviam sido publicadas em estudos anteriores. Notem que são bases de dados reais com imagens de satélites, não são dados declarados no Sicar, não são dados declaratórios.
R
Os resultados dessa avaliação. Na área analisada, tirando sobreposições de CAR, tirando imóveis registrados dentro de áreas protegidas, chegamos a 3,5 milhões de imóveis e a 364 milhões de hectares. Desses 3,5 milhões de imóveis, apenas 147 mil ou 4% dos imóveis têm algum descumprimento em relação aos requisitos de reserva legal, ou seja, essa medida provisória favorece a 4% dos imóveis dentro de um universo de 3,5 milhões de imóveis. Eles representam 20% da área total analisada, mas, em termos de número de imóveis, é muito pequeno. São grandes áreas, são imóveis médios e grandes. O déficit de vegetação nativa dentro desses imóveis é de 9 milhões de hectares, uma área bastante expressiva, mas, em termos de número de imóveis, é um número muito pequeno.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. ROBERTA DEL GIUDICE - Isso. Desses 4%, eles não serão... Nem todos, pois há alguns que não fizeram o CAR, mas, desses 4%, uma grande maioria já está inscrita no CAR e não serão afetados pela não aprovação da medida provisória, porque já começaram a se adequar, já fizeram a inscrição no CAR.
Aqui, eu trago: sete anos do Código Florestal e sete motivos que a gente considera como razões para não alteração.
Primeiro, são esses 4%. Por que alterar uma lei que vai beneficiar apenas 4%, em detrimento de toda a sociedade brasileira, ainda trazendo uma imagem muito ruim para o setor do agronegócio de viciado em desmatamento, em anistia? Isso leva para um mercado internacional um recado muito negativo.
Os riscos ao meio ambiente e o enfraquecimento da legislação estão sendo conduzidos em regime de urgência. Esta Casa, o Senado, vai poder discuti-la por menos de 24 horas, porque ela caduca na segunda-feira. Como na sexta-feira não há sessão deliberativa - nem sexta, nem segunda -, você só tem até amanhã para decidir. Isso...
(Soa a campainha.)
A SRA. ROBERTA DEL GIUDICE - é em cima da hora!
Vou terminar aqui.
Ponto três. Essa lei é cheia de jabutis, tem inconstitucionalidades, ou seja, ela vai poder ser judicializada, trazendo mais insegurança injurídica.
Trata-se de uma lei que, após sete anos de editada, foi avaliada pelo STF.
A grande maioria dos proprietários acreditou na lei e se inscreveu no CAR.
Ela afeta principalmente esses 6 milhões de hectares que serão dispensados de recuperação e que ficam em áreas muito degradadas, onde já ocorre falta de água por falta de floresta, como é o caso da cidade de São Paulo e da Reserva da Cantareira.
E, por fim, o art. 59 traz essa inconstitucionalidade de contrariar a legislação brasileira.
Concluindo, a medida provisória alterava apenas o prazo de regularização e se tornou o PLV, que pode ir à votação... Vou desligar isso aqui, porque não era bem isso... Acho que essa frase estava meio equivocada.
R
Muito obrigada.
Desculpem-me. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, professora.
Eu só vou quebrar o protocolo um pouco e dar uma triste notícia - nada é tão ruim que não possa piorar.
O Sr. Ministro Ricardo Salles corta 77% do Conselho Ambiental, retira o ICMBio e fará sorteio de vagas. A composição do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) foi alterada pelo Presidente Jair Bolsonaro e pelo Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. O conselho, antes composto por 96 integrantes, entre entidades públicas e ONGs, passa a ter 23 integrantes, e o Governo Federal passa a ter mais força, isso porque o decreto, publicado nesta quarta, aumenta a presença do poder federal no conselho de 29% dos integrantes para 44%. Ao mesmo tempo, a representação da sociedade civil foi diminuída de 22 assentos para apenas 4. As entidades civis serão escolhidas a partir de sorteios (antes havia uma eleição para a escolha dos representantes) e terão mandato de um ano - hoje são dois.
O ICMBio e a ANA deixarão de integrar o Conama.
Possíveis mudanças na estrutura do Conama já eram ventiladas há meses dentro da gestão Salles.
O Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental) afirmou que enviará para Raquel Dodge, Procuradora da República, uma representação assinada por mais de 30 entidades. Aspas: "Essa medida é para destruir a representação da sociedade civil. Essa parece ser a intenção do Governo".
Também foram retirados do conselho representações indígenas, científica, que era indicada pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), e sanitária.
A primeira reunião do órgão no Governo Bolsonaro foi marcada por confusão. Na ocasião, o Ministro ignorou o regimento interno do conselho e só permitiu que participassem do encontro conselheiros titulares. Os suplentes só podiam participar caso os titulares estivessem ausentes. Um suplente tentou entrar e foi agredido por seguranças.
O Conama foi implantado em 1984 e passou a definir normas como as de licenciamentos ambientais, controle de poluição e outras atividades. Seu principal articulador foi Paulo Nogueira Neto, criador da política ambiental brasileira, que morreu em fevereiro deste ano. Na cerimônia de inauguração do órgão, o Ministro do Interior, Mário Andreazza, não conseguiu disfarçar sua surpresa quando Nogueira Neto, ao discursar, afirmou, durante seu pronunciamento, que o novo conselho era o único em que o Governo não tinha maioria.
Mais uma vez, é lamentável. Eu já vou acionar também a minha equipe, a equipe legislativa, e, se for o caso, a gente tem que entrar judicializando e entrar com medidas... Nós não vamos nos calar! Isso nós não vamos permitir! (Palmas.)
Este Governo está desmontando o Ministério do Meio Ambiente. Nós temos que nos unir. Por isso, professores, colegas, eu clamo à população que nos unamos. Vamos juntar esforços. Se nós deixarmos isso acontecer, coisas piores virão. Nós não podemos nos furtar, minha gente! Nós não podemos nos apequenar! Nós não podemos nos acovardar. Eu não fui eleito para ficar omisso, acovardado! Eu quero honrar todos os mais de 1 milhão de votos que eu tive no meu Estado.
Eu estou triste com o que este Presidente tem feito não só no Ministério do Meio Ambiente. Ele está desmantelando a educação não só nas universidades federais e institutos federais, mas na educação básica. A segurança pública, que está no art. 144 que é direito de todos e dever do Estado... Ele está armando a população com fuzis, permitindo inclusive que crianças e adolescentes façam isso. Nós não podemos admitir, nós não podemos nos calar.
R
Desculpem o desabafo. Passo a palavra ao Prof. Raoni Rajão, ou o outro. Vocês democraticamente podem...
(Intervenção fora do microfone.) (Pausa.)
O SR. TASSO AZEVEDO (Para exposição de convidado.) - Eu vou falando aqui...
Eu vou falar um pouco sobre a ocupação do solo no Brasil e um pouco sobre o que acontece nas áreas que são afetadas pelo Código Florestal, comparando com o que acontece fora. Para fazer isso, a gente cruzou duas bases de dados, as mesmas que a Roberta apresentou para o estudo sobre o Código Florestal: uma é o MapBiomas e a outra é o Atlas da Agropecuária Brasileira.
O MapBiomas é uma iniciativa multi-institucional, que envolve quase duas dezenas de organizações, entre universidades, ONGs e empresas de tecnologia, que tem como objetivo entender as transformações do Território brasileiro ao longo do tempo. Nesse projeto, a gente produz o dado anual da cobertura de uso do solo no Brasil, numa escala de 30 metros. Então, para cada pedacinho de 30 metros por 30 metros no Brasil, a gente conta a história dele ao longo do tempo, cada tipo de uso de solo que houve ao longo dos anos, desde 1985 até 2017. É o maior levantamento dessa natureza feito no mundo, e a gente tem disponível no Brasil hoje para qualquer um usar para esse tipo de análise. Além de permitir ver os dados ano a ano, ele também permite você comparar qualquer par de anos e entender quais foram as transformações que aconteceram naquele par de anos que você está comparando.
O segundo dado que a gente utilizou foi o Atlas da Agropecuária Brasileira, que é um projeto liderado pelo Imaflora e o Geolab, que é o Laboratório de Geoprocessamento da Esalq, em que eles juntaram todas as bases fundiárias do Brasil e construíram uma espécie de mapa consolidado fundiário do Brasil. Por esse mapa, dá para você saber quem é o dono, o proprietário, ou quem está gerindo cada pedacinho do Território brasileiro. Esse mapa também foi gerado depois na escala de 30 metros, de forma que a gente pode pegar o mesmo quadradinho de 30 metros por 30 metros que a gente tem no mapa de uso do solo e a gente pode comparar com quem o ocupa. Com base nisso, a gente consegue apresentar os dados que eu vou mostrar em seguida.
Então, primeiro, a visão geral. O Brasil hoje é ocupado por 63% de floresta, 29% de áreas de agropecuária e cerca de 4% ou 5% do que a gente chama de campos e pastagens naturais, que são outras vegetações não florestais, também nativas, que a gente tem no Brasil. Então, o Brasil tem bastante área de cobertura vegetal no País ainda, o que é bom. Só que, quando você olha com um pouquinho mais de cuidado o dado e você procura a seguinte informação: quanto dessa área de vegetação nativa é vegetação nativa e continua vegetação nativa desde 1985 até hoje, todos os anos? Esse é um número bem menor. Um pouquinho menos de 50% do Brasil tem áreas de vegetação nativa que eram vegetação nativa em 1985. Quer dizer que são originais e estão, digamos, conservadas. Dentro dessas áreas, ainda há áreas que foram exploradas e que já tiveram algum tipo de corte seletivo. Então, a área efetivamente mantida preservada como - digamos assim - vegetação nativa primária é alguma coisa menos de 50% no Brasil hoje.
R
Entre 1985 e 2015 - a gente já fez a conta também para 2017 -, o Brasil perdeu duas alemanhas de cobertura de vegetação nativa. Então, são 70 milhões de hectares. É uma área absolutamente gigantesca. Então, o Brasil está nesse processo de perda de cobertura de vegetação nativa. Essa distribuição da vegetação nativa no Brasil é bem desproporcional nos diferentes biomas. A maioria está concentrada na Amazônia, onde ainda há cerca de 85% de cobertura, ou um pouquinho menos. Essa cobertura é a que tem tanto forças primárias quanto secundárias, e é menor nos outros biomas, como no caso da Mata Atlântica. Mas é só para ter uma noção de que isso tem uma distribuição bem diferente nos diferentes biomas.
O Brasil tem bastantes áreas que a gente chama de áreas protegidas: as áreas indígenas, as Unidades de Conservação. É a maior área absoluta de Unidades de Conservação e de áreas protegidas no Planeta, em termos absolutos; mas, em termos proporcionais, não. Em termos proporcionais, a gente tem cerca de 30% do País coberto por áreas protegidas. Tanto na América Latina quanto na Europa a gente tem uma proporção de cobertura de áreas protegidas bem maior do que a do Brasil. Mas é importante a gente ter bastantes áreas protegidas no País. Nem todas as áreas protegidas são áreas que não podem ser utilizadas para atividade econômica. Aliás, mais da metade das nossas áreas protegidas são áreas que podem, sim, ser utilizadas para atividade econômica, desde que mantenham a floresta em pé. São atividades que trabalham com a floresta.
Não sei se estou conseguindo passar aqui. Pode ir passando.
Agora voltou. Vou passar aqui mais rápido.
Uma coisa importante é que as áreas protegidas estão muito mal distribuídas no Brasil. Se você tirar a Amazônia do Brasil, o restante dos biomas tem só 5% de áreas protegidas. Isso colocaria o Brasil em 100º... Essa região está em 100º, comparando com os outros países em termos de áreas protegidas. Então, estão bem mal distribuídas as áreas protegidas.
Vou passar um pouquinho mais rápido, porque estamos com o tempo urgindo aqui.
O Brasil também tem bastante áreas que são dedicadas a assentamentos e áreas quilombolas, que são áreas que permitem uso intensivo, mas que são destinadas especificamente, em tese, para a pequena produção e para direitos de populações como as populações quilombolas. É uma área também grande: são 50 milhões de hectares que a gente tem no Brasil com isso. Então, quando a gente soma o que a gente tem de áreas protegidas mais essas áreas quilombolas e outras de comunidades tradicionais, a gente está falando de alguma coisa como 26%, se a gente não considerar as APAs; se a gente considerar as APAs, cerca de 31%, 32% de áreas que estão nessas condições, que têm restrições para o tipo de uso mais intensivo agrícola por exemplo.
R
Por outro lado, se a gente fizer uma máscara ao contrário, qual é a área que a gente tem no Brasil que não tem essas restrições de proteção? É uma área bastante grande. Nós estamos falando de 73% do território que não têm uma restrição direta ao uso para atividade agropecuária. Obviamente, dentro das propriedades, a gente vai ter regras específicas, mas não há uma restrição por definição.
O Brasil hoje é o País - esse mapa mostra onde estão as áreas atualmente ocupadas por atividades agropecuárias - que possui a terceira maior área de agropecuária do Planeta; só fica atrás da China e dos Estados Unidos, e é o quarto maior produtor de alimentos, atrás da China, dos Estados Unidos e da Índia, que tem uma área de produção bem menor do que a do Brasil.
Então, quer dizer, não temos falta de área para atividade agropecuária; a gente tem bastante área. Inclusive, se a gente pegar a média de hectares por habitantes, o Brasil é o que tem mais hectares por habitante ocupado por atividade agropecuária.
Aqui é só para entender um pouco como a gente usa essas áreas. Este é um mapa feito pelo Lapig, o laboratório de geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás, que mostra: o que é verde, digamos aqui, o que está mais verde quer dizer que tem mais animais por hectare, a lotação de animais por hectare em pastagem é maior; o que está mais para o amarelo ali, laranja e tal são as áreas com menos lotação. A lotação média no Brasil é de uma unidade de animal por hectare.
Os estudos da Embrapa mostram que a gente pode, na média do Brasil, triplicar essa lotação e, portanto, triplicar a nossa produção sem contar outros ganhos de produtividade que a gente pode ter na mesma área hoje ocupada. Como a gente não tem demanda para produzir três vezes mais do que a gente produz, não há espaço hoje no mercado para isso, significa que, se você aumentar essa produtividade, você terá muita área que poderá ser destinada para atividade agrícola, para expansão da agricultura. Vale lembrar que 40 milhões de hectares hoje ocupados por pastagem são de alta aptidão agrícola; portanto, poderiam ser convertidos diretamente para agricultura também.
Bom, o Cadastro Ambiental Rural... Aqui eu estou com os números um pouquinho diferentes, porque esses dados a gente fez com o estado do cadastro em 8 de junho do ano passado; portanto, um ano atrás, então, há um pouquinho mais atualmente cadastrados. Ele está como essa figura que a gente está olhando aqui. Então, onde está preto são áreas não cadastráveis, que são basicamente áreas protegidas, áreas indígenas e outras em que não dá para ter cadastro. O que a gente tem aí em laranja é área que já está cadastrada, e no azul são os vazios onde está sem cadastro. Eu não vou me alongar muito, porque eu sei que o Raoni vai tratar desse tema. Então, é só para entender que há alguns vazios ainda. Então, os números que eu estou apresentando aqui são só sobre aquilo que já está cadastrado; daqui para a frente a gente ainda não considerou essas áreas que estão com os vazios.
R
Assim, o que chama a atenção ali: nós estamos falando de 467 milhões de hectares de áreas cadastradas, dos quais 54 milhões estão sobrepostos a outros, entre imóveis; então, você tem que descontar aquilo que está sobreposto. Há 91 milhões de hectares que foram cadastrados, desde unidades de conservação, áreas que não poderiam ter sido cadastradas. Então, quando você tira essas coisas que não poderiam ter sido cadastradas ou estão sobrepostas, sobram 322 milhões de hectares de imóveis cadastrados em terras privadas. Quer dizer, tiram-se essas aberrações, sobram 322 milhões de hectares. Há uma estimativa de que cerca de 181 milhões de hectares ainda poderiam ser cadastrados, já que não são glebas públicas e também não são unidades de conservação ou áreas protegidas.
Bom, quando a gente... Se a gente pegar as áreas de floresta e vegetação nativa que estão nos imóveis rurais que estão no CAR, um terço de toda a vegetação nativa no Brasil está dentro desses imóveis. Então, as áreas que estão cadastradas no CAR contêm uma quantidade importante da vegetação nativa brasileira. Isso faz com que, se você pegar na média, 50% das áreas que são hoje cadastradas são ocupadas por algum tipo de vegetação nativa ou floresta, o que é bastante. A questão fundamental é o ritmo em que essa área está sendo perdida.
Então, no caso, se você pegar áreas protegidas no Brasil, a perda de cobertura florestal está próxima de alguma coisa como 0,5%, desde 85 até 2015, por exemplo. Nas áreas privadas, perdeu-se de 20% a 25%; então, perdeu-se uma grande quantidade dessas áreas nas áreas privadas. É de se esperar, porque nas áreas privadas é onde você vai ter esse tipo de atividade, mas ela é uma coisa que acontece em uma velocidade muito rápida.
Então, aqui é um eslaide para mostrar que a distribuição das áreas de vegetação nativa nas propriedades rurais; também há uma distribuição um pouco desigual. Então, a maior parte da área de vegetação nos imóveis rurais está na Amazônia e na parte norte do Cerrado. A gente vê que, por exemplo, onde está rosa neste mapa são as regiões onde os imóveis privados têm menos do que 10% de cobertura de vegetação nativa. Então, você vê que, se pegar o interior de São Paulo, Paraná e tal, há uma vasta área que tem muito pouca vegetação nativa. Indo lá mais para a Amazônia, para o norte da Amazônia, a gente tem muitas áreas que são ainda totalmente cobertas por vegetação nativa, 90%, 100% delas.
Eu queria mostrar isto aqui, é um gráfico interessante - viu, Senador? -, que é o seguinte: isto aqui, só mostrando a Amazônia, é a área que foi desmatada entre 1986 e 2017. Quanto mais vermelhinho, mais recente é o desmatamento; quanto mais amarelo, mais antigo. Então, o que a gente vê é que ele está se movendo para dentro da Amazônia.
Noventa por cento do que foi desmatado nesse período se transformou em pasto, e pasto de baixa produtividade; 10% hoje é agricultura, geralmente a agricultura vindo depois, em cima do pasto. Então, o principal motor do desmatamento hoje é pasto de baixa produtividade.
Agora, olha que interessante isto aqui. Isto aqui, então, é o mapa das áreas desmatadas. Aqui é o mapa que a gente gerou, dos corpos d'água na Amazônia. O que está em azul-escuro são os corpos d'água naturais e o que está em azul-claro são os corpos d'água artificiais: pequenas represas, etc.
R
Até esse trabalho ser feito - o trabalho foi feito pela equipe do Imazon, utilizando os dados do MapBiomas -, o que a gente tinha, a informação que se tinha, oficial, é que a gente tinha, no Brasil inteiro, cerca de 20 mil reservatórios de água privados, artificiais; só nesse estudo, a gente já encontrou 40 mil, só nessa região da Amazônia.
E por que é que é importante essa comparação aqui com o desmatamento? É que onde se desmata se reduz a disponibilidade de água, e, quando se reduz a disponibilidade de água, você faz o seu reservatório. O que está acontecendo na Amazônia é que a superfície de água, embora esteja até crescendo, está crescendo basicamente em áreas artificiais, e a superfície de água da Amazônia em cursos naturais está encolhendo, e encolhendo rapidamente, o que terá enormes consequências sobre o fluxo de água para a Região Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Então, isso é basicamente para dizer o seguinte: independentemente de se é área privada, se é área pública, etc., a gente tem uma questão nacional. A questão nacional para a gente é que o interesse coletivo no Brasil é de a gente manter os grandes maciços florestais do Brasil, porque eles são fundamentais para o regime hídrico, e eles vão impactar diretamente quem está produzindo, quem está ali naquela área, além dos nossos reservatórios de água para hidrelétricas e outros.
E, por fim, esse aqui é o último quadrinho que eu queria mostrar, é o seguinte: o que a gente está enxergando aí, em cada um desses gráficos, é para cada um dos biomas brasileiros - Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal -, desde 1985 até 2017, o que aconteceu com a proporção de áreas de vegetação nativa; e o que está em laranja é a proporção de área que não é vegetação nativa, que está em outros usos, principalmente uso agropecuário. Então, o que a gente vê é que em todos os biomas a gente está tendo um decréscimo da cobertura de vegetação nativa, então, é um fenômeno para todos os biomas e que só para quando ele chega... Isso aqui é só para as áreas do CAR; a gente quis mostrar o que acontece com a vegetação nativa dentro dos biomas nas áreas do CAR. O que a gente vê é que o desmatamento só para nos biomas quando chega ao limite da reserva legal.
Então, Mata Atlântica, que é um bom exemplo, tinha 30% de cobertura de vegetação nativa em 1985, e continuou decrescendo, em todos os Estados: no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, e veio decrescendo mais devagar, por quê? Porque já havia a reserva legal de 20%, mais a APP - porque antes a reserva legal e a APP eram separadas, você tinha que somar as duas -, o que dá cerca de 30%. Então, era isso que havia. Veio a lei da Mata Atlântica, mais restrição ainda, e se manteve.
Então, o que acontece? Na região da Mata Atlântica a gente parou onde? Parou onde o limite do Código Florestal colocava. Agora, que interessante: se você pega o Estado de São Paulo, por exemplo - que é um bom exemplo -, a gente, de 2000 para cá, dobrou a área agrícola, especialmente cana-de-açúcar. Ela cresceu onde? Cresceu sobre pasto. Então, olha que interessante: no Estado de São Paulo, a área de agropecuária se reduziu, a área de floresta cresceu, nesses últimos 15, 16 anos - pouquinho, mas cresceu -, e a produção da agropecuária aumentou e muito, o que mostra que essa é a solução para o Brasil. A solução para o Brasil é usar melhor o território, ocupar cada um dos espaços melhor. Então, dá para você manter a produção agropecuária, dá para você aumentar a produção agrícola, dá para recuperar florestas no mesmo espaço. Esse processo aconteceu na Mata Atlântica. Onde você ainda não chegou próximo da restrição da reserva legal, o processo de perda da cobertura florestal é contínuo nos imóveis rurais.
R
Então, vamos ver, lá no Pantanal, não há esse limite, vai caindo; no Pampa, a mesma coisa...
(Soa a campainha.)
O SR. TASSO AZEVEDO - ... no Cerrado, a mesma coisa; na Caatinga, a mesma coisa.
Olhe lá na Amazônia, o que aconteceu na Amazônia? Na Amazônia, o limite é 80%, certo? Mas na Amazônia há muita área protegida. Então, se você pegar só as áreas privadas, como você tinha, a regra anterior era 50%, até 2000, era 50%. E ainda houve aquele período de confusão, que era, sei lá, pode ser 50. O fato é que a gente foi parando próximo dos 70%, e nós estamos lá, próximos de 70%. Então, o recado que eu quero dar com isso é o seguinte: as regras de manutenção da reserva legal de recuperação etc. são absolutamente fundamentais para a gente manter a vegetação nativa no Brasil.
Não é assim: "Nós já temos um monte de vegetação, então, não precisa ter a regra, porque já há 50% de vegetação nativa nas áreas rurais". É o contrário, a gente tem, porque tem o limite, porque se não tivesse o limite a gente não teria. A gente teria passado na Mata Atlântica e em outros.
Então, é superimportante essa discussão que a gente está tendo atualmente. O Código Florestal, em que pese para muita gente ele tenha sido uma derrota já lá em 2012; em relação à proteção, já houve muita coisa que passou em 2012, mas esse é o Código que a gente tem, é o Código que a gente tem que implementar agora.
As mudanças que estão sendo propostas elas só fragilizam a expectativa de futuro, e nessa área, a gente vem trabalhando com desmatamento, com controle, com conservação, há muitos anos, e a gente já aprendeu essa lição: a gente vive de expectativa. Isso é igual à bolsa de valores: se você der a expectativa de que vai haver uma anistia ali na frente; de que se você não vai precisar pagar a sua multa; de que, se você fizer um desmatamento irregular, a chance de você pagar uma multa é de 0,1%. Em 0,1% dos casos, você está dizendo claramente: "Pode entrar em uma área protegida, pode fazer um novo desmatamento que mais à frente a gente vai resolver o seu caso". Então, a gente precisa dar um basta nisso; no Brasil, em todas as áreas, a gente quer dar um basta nisso, chega de impunidade. E a impunidade ela só interessa a uma porcentagem muito pequena.
Vou dar só um número e encerro com esse número. Se a gente pegar todas... A gente está fazendo um trabalho grande, agora, com desmatamento. Aliás, na semana que vem, no dia 7 de junho - é a propaganda e já o convite aqui -, no dia 7 de junho a gente vai lançar um novo produto chamado MapBiomas Alerta, em que a gente produz alertas de desmatamento em alta resolução, com imagem de antes e depois do desmatamento, para todo o Território nacional. E, ao fazer esse trabalho, a gente estudou muito sobre como está funcionando o desmatamento no Brasil e a gente percebeu que se você pegar as áreas desmatadas, as propriedades envolvidas com desmatamento em um ano no Brasil, elas representam menos de 0,01% das propriedades.
Então, quem está defendendo haver anistias e mudanças de regras do jogo representa uma parcela muito pequena. Só que essa parcela muito pequena está sendo muito vocal e eficiente em fazer as coisas andarem aqui. A gente precisa dar um basta nisso para que o que vença no Brasil seja o agronegócio mais moderno, a atividade produtiva que está preocupada com a água, com a biodiversidade e com a saúde financeira e institucional de governança do Brasil.
R
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Prof. Tasso.
Em seguida, passo a palavra para o Sr. Raoni Rajão.
O SR. RAONI RAJÃO (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todos!
Antes de tudo muito obrigado pelo convite do Senador Contarato. Inclusive, a gente já teve até um convite, infelizmente, eu não pude estar pessoalmente, mas, pelo que me reportaram, foram conversas muito interessantes. Então, fica agora a possibilidade de estar em contato pessoalmente.
Meu nome é Raoni Rajão, eu sou professor da Universidade Federal de Minas Gerais, da Engenharia de Produção, e o meu trabalho tem um foco muito grande na questão de como produzir de maneira sustentável, pensando em particular na questão do equilíbrio da produção agrícola e da proteção do meio ambiente, proteção e conservação. Porque, inclusive, vale a pena destacar as duas coisas, porque uma coisa é você proteger, que significa você isolar uma área sem poder ter o uso que pode ser explorado, e outra coisa é conservação, porque, inclusive, a função da nossa legislação do Código Florestal é de conservação, ou seja, você mantém o mesmo nível do serviço ecossistêmico, produção de madeira, produção de água, produção de frutos da floresta, etc., no tempo, de modo tal a manter essa área. Então, é uma lógica também ligada à produção que é sustentável no tempo, economicamente e ambientalmente.
E eu vou estar falando aqui hoje sobre o Código Florestal, de certa forma nos perguntando: é utopia ou realidade a implementação dele? Porque boa parte do debate em volta da medida provisória que está sendo discutida na Câmara dos Deputados e que vai ser trazida aqui também é que é necessário ampliar os prazos, é necessário estender e até mesmo estender indefinidamente, porque a lei é impossível de ser implementada. E o que a gente vai estar vendo aqui, com números, com fatos e com elementos, inclusive, trazidos já do próprio segmento e da implementação do Código, é que não é bem assim.
Só lembrando que isto aqui é um trabalho feito pela nossa equipe, que está dentro da Escola de Engenharia e do Instituto de Geociências, é uma equipe bastante ampla, somos quase 30 pessoas. Então, ninguém consegue fazer algo dessa magnitude sozinho.
Enfim, a Roberta já apresentou brevemente os passos da implementação do Cadastro Ambiental Rural. E aqui eu vou estar enfatizando alguns outros elementos dentro disso que é, como a gente viu, primeiro passo, a inscrição do Cadastro Ambiental Rural. Então, a gente precisa entender até que ponto nós estamos nesse processo. O segundo passo é a questão da validação do Cadastro Ambiental, ou seja, o quão difícil é isso, inclusive, é um dos argumentos ligados à prorrogação. O terceiro é a implementação do Programa de Regularização Ambiental. E o quarto é, de fato, a compensação, ou seja, a compra de uma floresta, o aluguel de uma floresta, ou de um outro imóvel que tenha mais floresta do que o exigido por lei, ou a recomposição, ou seja, a recuperação da vegetação nativa dentro do próprio imóvel.
Com relação ao primeiro passo, isto aqui é uma figura que mostra como que foi o processo de implementação do Cadastro Ambiental Rural, em que, inclusive, mostra como que no começo, no projeto ali, vocês podem ver que a gente começa em 2015 já com um volume bastante substancial principalmente no Centro-Oeste e alguma coisa também no Norte, porque o Cadastro Ambiental Rural foi construído em cima das experiências de Mato Grosso e também da experiência do Pará. Começou em 1999 em Mato Grosso. Inclusive, é interessante a gente ter essa perspectiva histórica, porque, se é algo começou em 1999, e até hoje se fala da prorrogação, a gente está falando de quantas décadas, de um processo de regularização de quantas décadas, de um processo de cadastro? Então, não é um ano, não são dois anos; nós estamos falando já de décadas nesse processo.
R
É claro que esses dados puderam ser absorvidos pela lei federal, em 2012, que institucionalizou isso como parte do novo Código Florestal. A gente percebe, também, quando a gente sobrepõe isso aos diferentes prazos, como foi em cima da exigência da lei que os produtores correram e fizeram o cadastro. Principalmente, aqui, numa primeira data, a gente vê já um aumento substancial, pensando que aquela seria a data. Assim que foi feita a prorrogação, você vê que diminui a pendência da curva, então, todo mundo relaxa e espera. "Vai ser mais à frente". Enfim, depois você tem um outro prazo e assim por diante. É como Imposto de Renda. Todo mundo sabe como funciona, todo mundo sabe que o brasileiro tem mania de fazer as coisas na última hora e, com o Cadastro Ambiental, é a mesma coisa. E o que essa figura mostra é que, se não houver prazo, não há lei. Então, é a importância, inclusive, de manter-se isso.
A segunda questão é: quem são os inscritos e onde estão os vazios do cadastro? Quero enfatizar aqui para vocês - é também um dado um pouco mais antigo, já tem uns seis meses - que há vazios ligados a vazios demográficos, há áreas realmente com poucas presenças agropecuárias, por exemplo, no norte, na Calha Norte. Há vazios que são pequenos, sem apoio do Estado, que deveriam ter, inclusive, esse apoio para poderem cadastrar-se, principalmente em parte do Nordeste, e, inclusive, grandes que, pela nossa análise, estavam fora do cadastro como estratégia.
A gente vê isso muito claramente pegando esses dois exemplos aqui extremos. Por exemplo, no Município de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, em que, em 2016, não havia praticamente nenhum imóvel. Começam a entrar alguns imóveis em 2018. A gente aproveitou e pegou o último dado de 2019, quando efetivamente entrou em vigor o limite do crédito, e, de repente, todo mundo correu.
A estratégia que a gente está vendo como muito clara é que os agricultores fazem o registro, mas não querem se expor perante os órgãos que implementam a lei, e esperam, até o último minuto para poderem aparecer. É uma situação muito diferente em Macururé, que, ao contrário de Três Lagoas, que está entre os cem Municípios mais ricos do País, ele está entre os 20 mais pobres, o que, entre 2016 e 2019, muda muito pouco. Então, é importante também entender essas diferenças e entender como, a partir do momento em que é estabelecido um prazo, os produtores, de fato, reagem, de fato, entram no cadastro.
Então, a primeira pergunta: é necessário prorrogar o prazo de inscrição no CAR ou retirar a exigência de inscrição para obtenção de crédito? Não. A gente está vendo aqui que não é por causa de R$500, de R$200 ou R$100, para pequenos imóveis, que é o que se paga para fazer um cadastro, que você vai estar impedindo, de fato, o acesso ao instrumento. Ou é o vazio do Poder Público, principalmente no interior, ou é a própria tática dos produtores rurais. Então, a gente precisa ter bastante clareza do que está acontecendo e, de certa forma, desvincular um processo do outro.
Aí entra a segunda questão: como vai se dar o processo de validação do Cadastro Ambiental Rural? A gente tem, na Amazônia, 570 mil imóveis registrados e, a partir disso, pensa: "Poxa, vou ter que fazer um processo, identificar os problemas, entrar em contato com o produtor de todos esses...?". Inclusive, fala-se muito dos problemas de sobreposição etc.
Agora, o que a gente fez foi pegar a regulamentação do Estado de Mato Grosso e do Estado do Pará e as indicações do Serviço Florestal Brasileiro, que dizem que nem toda área em que há algum tipo de sobreposição gera uma pendência, ou seja, gera uma irregularidade perante o Código, no processo de validação. Você precisa ter acima de um certo percentual. Inclusive, nem toda área que está dentro de uma unidade de conservação, por exemplo, quanto a uma Resex, eu posso ter um CAR registrado dentro de uma Resex. Então, existem ali certas possibilidades que fazem com que haja uma certa flexibilidade da lei na aplicação desses critérios de pendência. Tanto é que, no final das contas, desses 570 mil, 190 mil possuem, de fato, alguma pendência, que são 35%, e com uma variabilidade muito grande.
R
Nos Estados como, por exemplo, Tocantins ou até mesmo partes do Estado de Mato Grosso que são mais estruturados, que são mais voltados para o agronegócio, você tem um cadastro da mais alta qualidade e um processo de validação que vai ser muito mais fácil e que, inclusive, mostra que esse argumento de que a validação vai ser muito difícil, de que vai gerar um problema de negócio para, de fato, o agronegócio que está produzindo em áreas de produção de soja, a gente mostra que isso não é verdade.
Outra questão também, e até foi dito ontem na Câmara dos Deputados, de que a minoria dos Estados tem o PRA, então, o produtor, hoje, se acabar o prazo, vai ficar de fora, não vai poder se beneficiar. Aí são dois elementos. Em primeiro lugar, a gente vê pelo mapa que a maioria dos Estados já têm a regulamentação do PRA, e não só isso, no momento de inscrição do Cadastro Ambiental Rural - inclusive, eu fiz o cadastro da minha avó, que também é produtora rural - existe uma opção absolutamente clara. O senhor deseja aderir ao Programa de Regularização Ambiental? Sim ou não? Você pode deixar vazio.
Se você olha a base do Sicar, nós tivemos acesso à base de 2017, já com 3,2 milhões de produtores, 50% já responderam que sim. Sendo que 34% responderam que não, provavelmente porque não visualizavam nenhuma pendência, e 16% não responderam. Então, a maioria dos produtores já estão cientes, já responderam sim, já estão no PRA. Toda essa discussão de que precisa prorrogar o prazo de adesão, já foi feita a adesão, já foi feita uma manifestação de milhões de produtores para aderir ao PRA. Agora precisamos seguir os próximos passos.
E aí entra a questão da implementação disso. É uma implementação que se dá em duas vertentes. Você tem a questão da recuperação das Áreas de Proteção Permanente, que, de fato, tem um efeito importante, principalmente para a gestão hídrica local e que não é o problema. Nas matas ripárias, quando você conversa com o produtor no campo, é muito difícil encontrar um produtor que se negue a recuperar uma área de APP, que se negue a recuperar uma área ripária. O grande contencioso são as reservas legais, principalmente no Norte, principalmente na Região Amazônica, porque no Sul, também, ainda mais com o novo Código Florestal, principalmente nas áreas que são muito acidentadas, Minas, Espírito Santo, você já tem uma hidrografia muito densa e as áreas de APPs são praticamente já 20% da propriedade, então, a área adicional só por reserva legal é muito pequena. Então, isso não é o problema, o problema é a Região Norte.
Olhando aqui a Amazônia Legal. A gente tem lá analisados, com relação ao Código Florestal, 500 mil imóveis. Quais são aqueles que têm passivo de reserva legal? São 6%. São 4% no País como um todo, ainda mais porque no resto do País, por causa da conjunção entre APP e reserva legal é menos ainda, na Amazônia são 6% dos imóveis que têm passivo de reserva legal, que são essas áreas em amarelo.
A gente fez o seguinte exercício. Se eu for e começar um processo de implementação e priorizar aqueles imóveis com mais passivos, inclusive para poder recuperar mais áreas, proteger mais áreas e pegar a metade dos imóveis, que correspondem à metade do déficit total, que são essas áreas em vermelho. São 0,4% dos imóveis, ou seja, com... A letra está bem pequena ali, alguém pode ler para mim aquele número? É 1.900?
Não, dois mil imóveis, no total embaixo. São 2.083.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RAONI RAJÃO - Não, são 2.283. Ou seja, se você valida e implementa o PRA em 2.200 imóveis, você resolve o problema do déficit de reserva legal em metade do total do passivo da Amazônia. É possível fazer 2 mil imóveis, não é? Inclusive, uma força tarefa do Ministério Público faz 2 mil imóveis.
R
Então, de certa forma, o que a gente está... Inclusive, nesse sentido, a enorme concentração fundiária que existe no Brasil significa também que implementar uma lei de uso do solo é mais fácil. Então, vamos, de certa forma, tirar proveito da nossa concentração fundiária também para proteção ambiental. Agora, obviamente, é necessário, em prol do interesse público, que essas 2 mil propriedades sejam, de fato, cobradas.
De certa forma, eu acho que um dos problemas que acontece na representação, no Poder Legislativo também, e, às vezes, no Executivo, é que existe uma representação não dos 5 milhões de proprietários rurais, porque eles não têm esse tipo de problema. A maior parte deles, 94%, no caso da Amazônia, não têm nenhum passivo de reserva legal, mas existe uma representação muito forte deles nesta Casa e também no Executivo, de certa forma. Então, é importante que haja uma análise fria perante o que existia pela lei e à vista do bem público, exatamente para poder ver quem está ganhando e quem está perdendo com essas exigências.
Por isso, a questão é: será possível para os Estados validar o CAR e iniciar o PRA até 31/12, pensando já na aprovação da MP como está, talvez com a prorrogação de um ano? Então, vamos ser generosos e vamos pensar que a MP como está, sem as emendas, será aprovada? Absolutamente, sim. Então, toda essa discussão, todos esses jabutis, que são colocados aí, no vernáculo popular, para poder estender esse prazo indefinido, não fazem sentido no ponto de vista técnico.
A segunda questão: compensação e recomposição. Você tem essas duas possibilidades. É interessante ver como existe um interesse muito grande de praticamente metade dos produtores em estar compensando fora dos imóveis rurais. Isso abre uma oportunidade muito grande, como a gente está vendo. Agora, não vai ser todo mundo que vai buscar isso.
A gente fez um estudo, entrevistando cem produtores rurais nas cinco regiões do País. Apesar do número pequeno, foi um esforço bastante substancial. A gente chegava para cada um deles, depois de estabelecer o perfil, descobrir a existência ou não de um passivo, e perguntava: "Olha, o senhor vai ou não regularizar? O senhor tem um déficit, o senhor está devendo floresta. Você vai pagar esse déficit?". E aí anotava a resposta. "E se o Governo cobrar?". Anotava-se a resposta. "E se o Mercado também cobrar?". De certa forma, entendia-se como esse cenário de implementação do Código funcionava.
O interessante que a gente vê é que, para o Pará e para o Mato Grosso, só 9% do déficit da reserva legal, vai estar sendo cumprido no cenário atual. Por que, se não há cobrança, para que eu vou fazer o esforço? No imóvel da minha família, a gente tem sobreposição com o vizinho. Eu vou caçar uma briga enorme, porque o meu CAR está em cima do CAR desse vizinho, se eu estou não estou recebendo nenhuma notificação, se eu não estou recebendo nenhuma cobrança? Para que eu vou fazer isso? Então, é claro que existe a necessidade de uma proatividade do Poder Público para que isso aconteça. Tanto é que, quando a gente já parte para um cenário onde a gente fala: "Olha, vai ter uma cobrança dos mercados com essa exigência e do Poder Público", isso já salta para 70% do passivo.
Então, o produtor está preparado, sim, para reagir; está preparado e está querendo regularizar. Inclusive, no estudo, a gente viu como que os produtores com menos de 50 anos de idade estão vendo que o futuro é esse, o futuro é a legalização, é a regularização deles. Inclusive, já estão prevendo isso como parte dos planos de negócios. Agora, é preciso haver uma sinalização clara do Poder Público de que isso, de fato, vai acontecer. Caso contrário, eles vão continuar exatamente na mesma situação por mais duas, três, quatro, cinco décadas.
E aí quem é que ganha e quem é que perde com isso? Aí, eu vou contar uma anedota rápida. Quando eu terminei meu doutorado, que foi sobre controle do desmatamento na Amazônia, eu tinha feito logo antes, durante o doutorado, uma consultoria sobre esse assunto. Eu terminei. Voltei para o Brasil, passei num concurso e fui procurar uma agência de fomento internacional, o Pnud, e falei: "Olha, vocês, por acaso, têm interesse, têm algum projeto nessa área?". Era por volta de 2011. Aí, o gerente da parte ambiental falou: "Olha, Prof. Raoni, infelizmente o desmatamento está muito baixo. Não tem emprego para você, não". Então, é uma coisa muito curiosa que é colocada que você quer, de certa forma, diminuir a pressão popular, o público, inclusive a pressão das ONGs com relação ao desmatamento, e reduz o desmatamento. Muito simples.
R
Então, a regularização quem ganha não é, de certa forma, quem está pressionando para que ela aconteça; quem ganha efetivamente em termos financeiros é o produtor rural que, caso não haja o cumprimento da lei, ele que tem um excedente de floresta, ele que protegeu a mais, ninguém vai querer comprar aquela floresta, ninguém vai querer alugar aquela floresta, tanto é que nós fizemos uma simulação em cima desses cenários de regulamentação. Você parte de um espaço onde um número muito pequeno de produtores estará buscando regularização e essas cotas de reserva ambiental, que são essas florestas adicionais nos imóveis, estarão lá praticamente paradas, sem ninguém pagar por elas, por uma situação - consideramos só Pará e Mato Grosso - em que você estará protegendo adicionalmente 1,8 milhão de hectares e fazendo uma transferência de renda dentro do campo para quem tem menos floresta para quem tem mais floresta de R$2 bilhões.
Então, primeiro, quem deveria, na verdade, estar fazendo pressão lá, no Congresso, são os produtores que têm floresta: "Olha, aprova isso, vamos fazer isso acontecer logo porque eu quero vender minha floresta". Então, é importante ver que, no final das contas, quem ganha é o produtor que tem mais floresta e quem ganha obviamente é a sociedade que precisa dos serviços ecossistêmicos oferecidos por essa floresta.
Ou seja, conclusão: a prorrogação do cadastro ambiental ou não vinculação a crédito acaba premiando os grandes e médios produtores que querem se esconder da lei; isso está absolutamente claro no comportamento já demonstrado e é possível, sim, utilizar a implementação e validação do cadastro. Como a gente viu, é possível começar dos maiores. Aí você chega nos Estados, por exemplo, e pergunta: como está sendo a priorização da validação do cadastro? "Ah! Não, a gente tem o Estatuto do Idoso aqui que a gente segue". Não, poxa, pera aí. Isso não é uma forma estratégica de implementar a lei, isso é uma forma meramente burocrática.
Então, é muito importante ter essa visão em ganho de escala, por exemplo, ter o incentivo aos mercados de cota e também de regularização dos imóveis rurais dentro das unidades de conservação que também fazem parte desse processo. Então, não é desvirtuando um fundo já estabelecido para outros fins que você vai conseguir isso; é pedindo o cumprimento do Código Florestal que você vai transferir recursos para os próprios produtores rurais que estão esperando regularização, ou seja, é um mecanismo, no final das contas, a cobrança do Código de premiar quem preserva e cobrar quem não preservou no passado, é uma forma, de certa forma, de colocá-los na mesma situação onde hoje a situação básica é: quem desrespeitou a lei ganha mais e quem respeitou a lei ganha menos. Você está premiando quem não seguiu a lei que, de certa forma, não é a forma de ter um Estado de direito.
E outra questão é: por causa disso, não existem a meu ver - isso é absolutamente claro - argumentos técnicos que justifiquem a aprovação da MP 867, de 2019. Pode haver talvez argumentos políticos, pode haver argumentos de interesse próprio, de interesses de certos grupos específicos, mas que se façam esses argumentos explícitos para a sociedade - sejamos sinceros -, aí a sociedade vai poder se posicionar e ver se aquele argumento, de fato, representa a vontade popular ou não, mas é muito importante ter clareza sobre os atos técnicos, os elementos técnicos que estão por trás disso.
(Soa a campainha.)
O SR. RAONI RAJÃO - E também ter ideia principalmente ao art. 68 e a forma com que ele está sendo desenhado na MP. Aquilo que a gente está falando de redução de reserva legal vai impactar principalmente nas áreas do Sudeste: nós estamos falando da Cantareira, nós estamos falando de outras áreas absolutamente críticas que já têm uma cobertura de vegetação absolutamente insuficiente e estará piorando a questão da crise hídrica nos próximos anos. Obviamente, como colocado, o maior perdedor da não implementação do PRA são os próprios produtores que conservaram.
R
Muito obrigado.
Coloco aqui, inclusive, à disposição: nesse endereço aqui, estão todas as referências. Os artigos podem ser baixados. Os dados apresentados aqui, na sua imensa maioria, foram publicados cientificamente, com a metodologia absolutamente transparente, com a possibilidade de replicação, então também reafirmando a importância da ciência, da ciência verdadeira, aquela feita através da comunidade científica, aquela submetida aos pares, e não aquela com que simplesmente vêm aqui e às vezes apresentam alguns números, mas sem terem uma base real por detrás.
E a gente está aqui disposto a se apresentar nesse sentido.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado a todos os palestrantes.
Em seguida eu quero fazer uma leitura rapidamente sobre essa medida provisória. Eu estou muito preocupado com ela.
O Código Florestal chega a sete anos de idade sem comemorações. Em vez de celebrar, temos que nos preocupar com a Medida Provisória 867, de 2018, que pretende prorrogar o prazo máximo para os proprietários rurais aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), mais uma tentativa de desconsiderar quem fez o certo. E, nesse caso, falo de 96% das propriedades rurais do País.
Tenho que lembrar que o novo Código já trouxe, em comparação à lei florestal de 1965, uma tremenda tolerância, resultado democrático de uma década de debates, e é tido como ponto de equilíbrio. No entanto, por meio de uma medida provisória, que mais uma vez pode chegar ao Senado sem qualquer possibilidade de debate ou análise, pretende-se promover o quinto adiamento, segundo seguido, e uma total descaracterização do Código Florestal, em razão de diversos acréscimos ao texto original, alguns, inclusive, sem pertinência temática.
Apoiamos e respeitamos os proprietários ao possibilitar que aqueles que tivessem suprimido vegetação sem a devida autorização até 2008 pudessem ter a chance de regularizar, realizando o cadastro de seus imóveis, aderindo ao programa e acessando os créditos rurais importantes para a nossa produção. Mas devemos valorizar aquele proprietário que fez sua parte, que se esforçou na regularização. E fez isso mesmo sem o acesso imediato aos mercados que valorizam a postura de quem se mostra quite com a lei. O melhor que podemos fazer para preservação do meio ambiente e desenvolvimento do agronegócio brasileiro é implementar e seguir o Código Florestal que nós temos.
Aqui eu faço um apelo a todos os Senadores. Estou sabendo que já está sendo aprovada essa medida provisória ali na Câmara. Vai chegar aqui a toque de caixa de novo. E, mais uma vez, o Senado, que tem que ser um órgão de serenidade, de sobriedade... O Senado Federal, minha gente, o sistema bicameral é para isso. Aqui nós temos que ter o equilíbrio emocional. Não podemos aprovar de afogadilho e atuar como um mero carimbador daquilo que a Câmara dos Deputados está fazendo. O Senado não pode se apequenar. Eu vou sair daqui e vou ao Plenário para falar isso, porque eu tenho certeza de que, assim como fizeram ontem com o Coaf... Engraçado que o próprio Presidente mandou todo mundo ir para as ruas sob o pretexto de que estavam tirando o Coaf do Ministério da Justiça, e ele mesmo manda manter no Ministério da Economia. Que Governo contraditório é esse?
Agora o Senado vai de novo receber essa medida provisória agora, 17h, 18h, para a gente aprovar isso sem discussão? Nós vamos rasgar o Código Florestal? Por favor! Eu faço um apelo aos Senadores: que juntem essa voz agora lá no Plenário e não deixem... Que volte, que caduque, que caia essa medida provisória, mas nós não podemos permitir isso. Eu vou sair envergonhado deste Senado.
R
Aliás, eu só tenho passado vergonha com o Senado, desde o primeiro dia em que assumi. Nunca fui político. Nós começamos com a eleição para Presidente do Senado, tendo 81 Senadores, mas com 82 votos. É constrangedor! Eu tomei a palavra e falei: cada Senador tinha que pedir perdão à população brasileira, perdão por sua ineficiência, por seu não compromisso, por sua falta de representatividade no verdadeiro Estado democrático de direito. Perdoem-me o desabafo, minha gente, mas eu não consigo entender isso. Nós temos que nos unir. Eu agradeço ao Senador Confúcio, que está aqui. Senador Confúcio, vamos nos unir e não vamos permitir. Essa medida provisória está chegando, mas nós não podemos deixar que o que aconteceu ontem se repita aqui hoje.
Eu quero agradecer também a participação do e-Cidadania.
Nós temos aqui o Assis Marinho, do Distrito Federal, que diz: "Vocês acham que alguém que desmatou 80% da mata no Amazonas, sendo a data de corte de 22/8/2008 irá recompor a área?". "Qual a segurança jurídica terá o produtor brasileiro com as constantes mudanças no Código Ambiental?".
O Danilo Mendes, do Distrito Federal: "O Código Florestal tem realmente sido respeitado? Essa lei ajudou a diminuir o desmatamento ou não?". "É triste ver que derrubam árvores e mais árvores e os criminosos não são presos".
Eu, inclusive, agora, passo à possibilidade de questionamento.
Com a palavra o Senador Confúcio Moura para as suas considerações.
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Para interpelar convidado.) - Sr. Presidente, Srs. palestrantes, com muita satisfação eu assisti a uma certa parte da palestra do Dr. Raoni.
Também estou muito preocupado. Acabei de fazer um discurso ali no Plenário agora justamente fazendo um comentário sobre as palavras ditas por Ministros, as palavras ditas pelo Presidente, que têm causado um impacto muito ruim na Amazônia. Eu sou de Rondônia e, na medida em que falam uma coisinha qualquer, uma palavra qualquer mal dita, isso é muito mal interpretado nos Estados da Amazônia, e o impacto sobre invasões e ocupações de reservas indígenas, unidades de conservação e florestas nacionais é muito grande. Então, os dados já estão mostrando aí. A previsão, inclusive - as revistas já têm publicado -, é de que já há o impacto muito grande nas regiões pelas palavras ditas por autoridades aqui de Brasília. Isso é de uma infelicidade muito grande.
E o Senador Jader Barbalho agora mesmo fez um discurso monumental, maravilhoso sobre tudo isso. Esse desmatamento desenfreado, estimulado, inclusive, pode causar sérios prejuízos, por exemplo, comerciais ao Brasil. Não é só o dano ambiental, mas o comercial, porque, quando nós trabalhamos com certificação, querendo saber a origem da produção de carne, do boi e da soja, se é transgênica, se não é transgênica, isso e aquilo, o comprador final exigente, que é o europeu e de outros países, vai observar tudo isso e vai diminuir o comércio e a venda dos nossos produtos, das nossas commodities interacionais.
Outro fator que eu acho que posteriormente tem que se analisar com a Consultoria do Senado, Senador Fabiano, é se cabe uma medida provisória sobre o tema CAR (Cadastro Ambiental), sobre Código Florestal, como urgente e relevante. Veja bem, urgente e relevante... O Código Florestal demorou quantos anos? Houve audiência pública e tudo neste País. Em tudo que é canto deste País houve audiências públicas. Aqui na Câmara dos Deputados - eu era Deputado na época -, era um debate terrível. E, por fim, um grande acordo nacional entre produtores grandes, médios e pequenos para aceitar o Código Florestal. Está pacificado isso. Retornar e trazer esse tema ao debate é de uma infelicidade extrema para o País.
R
Todo mundo está trabalhando. Os Municípios pequenos estão pensando como vão pagar serviços ambientais. Há Municípios se virando e criando situações para ajudar na recuperação de APPs de águas. Então, agora vem essa barafunda toda em cima, e o que foi feito, o que foi dito, o que foi construído vira fumaça de uma hora para outra - isso é de uma irresponsabilidade incrível.
Então, eu me coloco, Senador Fabiano - inclusive, ia falar com o senhor no Plenário - à sua disposição para a gente, dentro do possível e dentro do que a lei prevê... O Ministério Público está muito vigilante, isso vai causar - essas falas, essas medidas provisórias - muitas ações nos Estados e vai, inclusive, aumentar a violência. As ocupações, ocupar reserva indígena, os índios vão aceitar isso tranquilamente? Vai haver retaliação, vai haver morte. Então, não é assim.
Eu louvo os senhores pela sensatez, pelo esclarecimento, pelos argumentos todos. Eu peguei já aqui alguns documentos que vocês produziram para a gente enriquecer as nossas falas. Parabenizo o senhor. A sua indignação é muito justa, é isso mesmo.
Eu só temo que não que não pode ficar - como você falou - pessimista com o Senado, normalmente a gente fica pessimista no último ano. (Risos.)
Agora, é entusiasmo, é confiança. Lá no finalzinho, nos últimos seis meses, eu falo: eu estou muito decepcionado, tal e tal. Mas agora, não! A gente tem que dar todo o gás possível.
Era só isso.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Senador.
Eu só quero fazer uma complementação. Quando o senhor falou: "Mas será que isso é urgente, relevante?". Olha, eu só estou aqui há três meses, eu tenho observado sobre o Regimento Interno que existe o formal e existe o informal. Interesse e relevância passam por outros aspectos, passam por um acordo espúrio, promíscuo, uma prostituição. Então, eu não preciso estar aqui há muito tempo.
Não é que eu seja pessimista, não. O que foi feito ontem foi um ato de violência. Existe violência real e existe violência simbólica, que dói tanto quanto, ou mais, uma violência real. Isso é um ato de violência que o Senado está permitindo que se faça com a população brasileira. E eu não posso deixar de me indignar com isso, porque é a realidade.
Eu quero sonhar um dia que eu vou ocupar aquela tribuna daqui do Senado - quem sabe ao término de oito anos - e falar: poxa, eu tenho orgulho de dizer que eu sou Senador da República pelo Estado do Espírito Santo e que nós lutamos por um verdadeiro Estado democrático de direito. Por enquanto, eu não tenho esse orgulho, não. Eu me orgulho de falar que eu sou delegado de polícia há 27 anos, que eu sou professor no curso de Direito há 20 anos, e que faço de tudo para que nós tenhamos uma sociedade melhor.
Mas esta Casa de leis, onde nós devemos representar o povo, onde nós temos aqui o princípio da igualdade, que é uma premissa constitucional... Mas essa igualdade já é violada aqui dos elevadores, quando nós temos elevadores só para Senadores, mas não para a população. Mas eu represento a população! "Mas eles não podem entrar no elevador."
R
Essa igualdade é violada aqui quando um funcionário efetivo não passa por um detector de metal, quando um comissionado não passa pelo detector de metal, mas um terceirizado passa. "Olha, mas todos são iguais", mas, assim como o Estado criminaliza a pobreza, aqui nesta Casa se criminaliza o menos favorecido, o mais pobre. Por isso, eu quero deixar um recado para os funcionários terceirizados: o que eu puder fazer e lutar, nesses oito anos, em defesa de vocês terceirizados para acabar... Eu já denunciei até ao Ministério Público do Trabalho, porque isso é um absurdo, isso é constrangedor.
São nessas pequenas coisas que a gente vê que esta Casa pode representar muito, mas está longe de representar a população brasileira, pelo menos aquela que clama por uma sociedade que tenha uma saúde pública de qualidade, uma educação pública de qualidade, geração de emprego e renda, redução da desigualdade social. Isso eu aprendi no art. 5º da Constituição, desde 1988, mas que está deitado eternamente em berço esplêndido. Eu não quero aqui me acovardar e me omitir. Pode ter certeza de que, como está no Hino Nacional, verás que um filho teu não foge à luta. (Palmas.)
Quero só fazer uma colocação aqui, por gentileza. Vejo que um dos gargalos é a necessidade de valorização das áreas conservadas. Hoje a ideia tem sido postergar prazos de cumprimento da legislação, mas poucas vezes é chamada a atenção para a premiação daqueles que cumprem a lei. Nesse sentido, eu gostaria de saber dos senhores e da senhora quais os caminhos e dispositivos para viabilizarmos essa valorização. Já devemos falar em pagamentos por serviços ambientais ou regulamentação do art. 41 do Código Florestal? É suficiente?
Fiquem à vontade para falar.
O SR. RAONI RAJÃO - Antes de tudo, a gente tem que lembrar que uma das bases da legislação ambiental em todo o mundo é o princípio do poluidor pagador. A questão é que quem vai pagar é o poluidor. Esse poluidor pode ser um país que historicamente emitiu mais, esse poluidor pode ser um proprietário rural que desmatou mais. Agora, o ponto é o seguinte: enquanto o Acordo de Paris não for forte globalmente, não vai haver demanda por valoração e por pagamentos de serviços ambientais, por exemplo, ligados ao carbono; enquanto o Código Florestal não for cobrado, não vai haver demanda para pagar o produtor.
Então, respondendo à pergunta, não é: "Ah! Primeiro, eu tenho que pagar para depois gerar demanda". Primeiro, você gera demanda e depois você paga. Você não consegue inverter os dois processos.
E, só fazendo um comentário que eu acho relevante, até para a gente poder ter uma visão mais ampla, a gente tem que tomar muito cuidado, porque momentos de altos e baixos com relação à questão ambiental a gente teve nos últimos 15 anos, nos últimos 40 anos. O ano de 2012 foi um momento de baixa e foi em pleno Governo PT, da mesma forma que o Código Florestal de 1965 foi aprovado pelo Castelo Branco e o Conama foi instituído por Figueiredo.
Então, o que eu estou querendo trazer aqui e também voltando... Grande parte da população brasileira democraticamente elegeu Jair Messias Bolsonaro, principalmente, pautada na vontade popular de acabar com a impunidade. Por isso, eu acho que a gente tem uma chance muito grande ligada ao Código Florestal, mas também outras pautas de fazer, de fato, uma pauta de união nacional. Por que não?
R
Então, eu acho muito importante a gente estar se estendendo também não só àqueles da esquerda, da direita ou do centro, mas eu acho que essa é uma questão de interesse nacional, uma questão transversal e uma questão em que a gente teve partidos de esquerda no poder que fizeram coisas ruins - o desmatamento aumentou 70% desde 2012 e agora continua na mesma ascendência. Temos quatro meses de Governo e ainda temos alguma chance, mas é importante que haja essa consciência de todos os lados do Parlamento brasileiro. Ainda tenho esperança de que isso possa acontecer.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado.
Eu só queria... Eu me esqueci de deixar registrado um ponto de extrema importância. Infelizmente, a Marina Silva, ex-Senadora, ex-Ministra do Meio Ambiente, está se recuperando de uma dengue e não pôde comparecer. Ela estaria aqui com o maior prazer. Ela se tornou mais uma vítima de uma doença que tem tudo a ver com o nosso debate, que cresce enquanto as nossas sociedades mantêm seus lixões e nossas florestas são derrubadas.
Eu queria deixar agora uma questão, porque o tempo está muito escasso: que cada um usasse a palavra para suas considerações finais, por gentileza.
Com a palavra a Sra. Roberta.
A SRA. ROBERTA DEL GIUDICE - Senador Fabiano Contarato, eu gostaria de agradecer a todos, mas eu gostaria de ressaltar que é uma alegria ouvir suas palavras aqui hoje. Quero deixar os parabéns do Observatório ao senhor pela realização desta audiência, pela oportunidade de trazermos essas informações. As outras audiências vão complementá-las.
Eu queria agradecer e parabenizá-lo pela proposta de criação do Junho Verde, que é bem relevante, e dizer que, no cenário atual, é um alento para as entidades ambientalistas ter a sua dedicação, a dedicação do seu mandato às causas ambientais. Muito obrigada.
Às vésperas da Semana do Meio Ambiente, a gente não pode ter notícia da aprovação dessa lei que reduz proteção florestal, traz inconstitucionalidades, uma norma cheia de jabutis, e que vai beneficiar, no máximo, 4% dos imóveis rurais. A única alteração que faz sentido ser mantida nessa medida provisória, que justificaria o regime de urgência, é a prorrogação do prazo. Os demais itens realmente, como colocou o Senador Confúcio, não são próprios desse tipo de regime.
Então, eu gostaria de agradecê-lo mais uma vez e parabenizá-lo pela iniciativa.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Com a palavra o Sr. Tasso Azevedo para suas considerações.
O SR. TASSO AZEVEDO - Eu faço minhas as palavras da Roberta sobre a boa impressão e a felicidade dos posicionamentos que você colocou aqui. E quero dizer que realmente, às vésperas da Semana do Meio Ambiente, a gente ter um projeto como esse aprovado é um contrassenso sem tamanho.
Então, aproveitando que nós tivemos hoje o lançamento do Junho Verde, com a presença do Presidente do Senado, que, aliás, é da Amazônia, de um Estado que é um dos campeões de conservação, o Amapá - então, deve ser motivo de orgulho para ele também -, eu quero trazer um pouco isso à tona e lembrar que este não é o momento de a gente ter nenhum tipo de enfraquecimento da legislação, muito pelo contrário. E eu acho que é importante lembrar no Plenário e nas discussões que essa não é uma questão só ambientalista, etc. O próprio setor do agronegócio, esse setor que é mais moderno, está dizendo com todas as letras que não interessa ao agronegócio esse tipo de retrocesso, porque ele terá impactos no funcionamento e no mercado do próprio setor. Então, realmente esperamos que o bom senso prevaleça e que consigamos evitar que essa medida seja aprovada nesta semana.
R
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Sr. Tasso.
Com a palavra o Sr. Raoni Rajão, por gentileza.
O SR. RAONI RAJÃO - Concluindo, eu acho que um ponto importante de a gente lembrar é que grande parte dessa discussão é feita por causa da necessidade de manter o regime hídrico das cidades, água para as cidades, e a outra parte é por causa do próprio agronegócio.
Qual é o motivo da grande competitividade do agronegócio brasileiro? É a logística? Certamente que não é. São os solos? Os solos brasileiros comparados com os solos argentinos e com os solos europeus são de muito pior qualidade; precisam de muito mais insumos e de investimentos muito maiores. São os custos de produção por causa, inclusive, da possibilidade de se utilizar menos agrotóxico por causa dos regimes frios do inverno que normalmente reduzem a quantidade de pestes? Também não são. É caro para o produtor brasileiro produzir.
É o quê, então? É a chuva. E o que nos garante o regime hídrico? São as florestas. Então, de certa forma... E já há toda uma literatura muito avançada nesse sentido com a qual, inclusive, contribuímos diretamente: nós temos um artigo na Nature que mostra o quanto custa, o quanto você reduz da produção nacional ao desmatar um hectare na Amazônia, dependendo da região da Amazônia.
O que a gente está discutindo aqui, que, inclusive, é a lógica do Código Florestal como aprovado em 1965 - está explícito no texto enviado por Castelo Branco a esta Casa -, é que nós estamos protegendo os produtores rurais deles mesmos, porque a ganância local acaba gerando uma tragédia dos comuns em que perdem todos. Então, a gente está, de certa forma, fazendo uma omelete e uma bela canja com a galinha dos ovos de ouro; daí a importância de termos esse pensamento de longo prazo e a importância da consciência. E eu, como Universidade Federal de Minas Gerais, como professor e doutor, como comunidade científica, estou aqui para poder contribuir com isso, para poder contribuir com esse pensamento de longo prazo para o País, para que nós tenhamos um país que seja justo, um país que seja próspero, porque precisamos de desenvolvimento econômico, precisamos aumentar o PIB, sim, e o agronegócio tem um papel essencial, mas precisamos pensar no longo prazo. E eu acho que essa discussão é exatamente isto: pensar no longo prazo, ao invés do curto prazo.
É isso.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Eu agradeço. Agradeço a todos, agradeço a Deus a oportunidade de estar aqui e a todos que participaram direta e indiretamente, a toda equipe da CMA, ao Airton, a toda equipe. Tenho muito orgulho de vocês, podem ter certeza disso. Agradeço aos palestrantes e coloco-me à disposição humildemente, tanto na CMA como no meu gabinete.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 15 horas e 32 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 11 minutos.)