30/05/2019 - 12ª - CPI de Brumadinho

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Havendo número regimental, declaro aberta a 12ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Requerimento do Senado Federal nº 21, de 2019, para apurar as causas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, da Empresa de Mineração Vale, em Brumadinho, e outras barragens.
Conforme convocação, esta reunião é destinada à audiência pública...
Um minutinho, por favor... (Pausa.)
Conforme convocação, a presente reunião é destinada à audiência pública com os seguintes convidados: Sra. Andressa Lanchotti - falei certo? -, Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, a quem convido a fazer parte da Mesa; Sr. Antônio Sérgio Tonet, Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, a quem também convido a fazer parte da Mesa; Sr. Helder Magno da Silva, em substituição ao Sr. José Adércio Leite Sampaio, que justificou a ausência. Portanto, está aqui o Sr. Helder, Procurador da República, a quem convido a fazer parte da Mesa.
Inicialmente, eu gostaria de agradecer a presença, passar a palavra ao Relator e, em seguida, ao Senador Kajuru, e dizer que esta fase dos trabalhos da CPI é extremamente importante. O que vamos ouvir... Os esclarecimentos colocando tudo o que foi feito agora pelo Ministério Público, pela Procuradoria de Justiça de Minas Gerais e pela promotora são importantes para a elaboração do relatório, porque houve compartilhamento desses trabalhos que foram fundamentais para a sustentação do andamento do trabalho da CPI, que todos tiveram a oportunidade de presenciar, sabem exatamente o que aconteceu aqui, as pessoas que vieram, as pessoas que estiveram aqui e que deram total apoio.
Eu quero registrar esse apoio dos procuradores que aqui estão e da promotora que contribuem para que o Sr. Relator possa elaborar o seu relatório, ajudando efetivamente para que fatos como esse não aconteçam nunca mais no Brasil.
Passo a palavra ao Sr. Relator.
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) - Pela ordem, Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Pois não.
Pela ordem, Senador Kajuru.
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO. Pela ordem.) - Presidente Rose, bom dia. Bom dia, Pátria amada!
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Eu gostaria apenas de registrar aqui, como é costumeira a gentileza do Senador Carlos Viana, nosso Relator, que fiz um pedido a ele, em função da sessão plenária que começa agora, às 10h da manhã - e pode nem haver -, para medidas provisórias que necessitam de aprovação.
Faremos aqui um revezamento. Eu vou para lá rapidamente. O Senador Anastasia, que esteve aqui, também vai, e eu volto. Então, eu queria ver se hoje poderíamos quebrar essa regra, com a concordância do Senador, para eu fazer apenas três observações de uma vez e, depois, eu retornarei. Pode ser? Não há problema?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) - Porque aí eu vou, a gente faz o revezamento, a senhora também vai ao Plenário...
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Pois não.
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) - Pode ser que haja sessão, correto?
Eu quero já de imediato cumprimentar V. Sas. aqui presentes. Vou chamar de Dr. Tonet, Viana... Dr. Tonet, ligações com o interior de São Paulo; a doutora, com Ribeirão Preto...
Eu vou fazer as três colocações rápidas porque são importantes, no meu ponto de vista, para a sociedade brasileira sentir o que uma autoridade pensa.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que não houve crime de homicídio na tragédia de Mariana. V. Sa. pensa que essa decisão foi técnica ou foi política?
A penúltima: no passado recente, era incomum ricos ou poderosos serem presos - o senhor sabe muito bem disso. Como o senhor avalia que, a despeito do farto material probatório nas mãos do nosso Relator cirúrgico, Senador Carlos Viana, os tubarões - a gente ouviu aqui lambaris e ouviu tubarões -, a meu ver, da empresa assassina Vale conseguirão escapar em razão do poder político, do poder econômico de que dispõem?
E a última, Dr. Tonet: V. Sa. acha que será necessário utilizar aquela chamada Teoria do Domínio do Fato, uma vez que há provas em abundância? Ou o senhor pensa que nem mesmo com as provas e com a teoria que levou políticos poderosos para o cárcere será possível aquilo que o Brasil espera: a condenação dos diretores da empresa Vale?
Só isso, por fineza.
Agradeço a gentileza do Senador.
Essas são as minhas colocações, e depois voltarei para o final desta reunião.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - O senhor prefere que ele responda quando o senhor voltar?
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) - Não, eu gostaria de ouvir aqui agora e depois eu vou para o Plenário.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Pois não.
De acordo?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - A pergunta foi feita a todos?
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) - A quem quiser responder dos três...
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Eu gostaria que se colocassem à disposição para responder às perguntas.
Por favor, Sr. Antônio.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Muito bom dia a todas e a todos.
Eu cumprimento inicialmente a nossa Presidente Senadora Rose de Freitas. Gostaria de cumprimentar o nosso Senador por Minas Gerais Carlos Viana; o Procurador da República, Dr. Helder; a Dra. Andressa Lanchotti; e também o Senador Kajuru.
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São perguntas bastante oportunas e pertinentes, todas direcionadas para o núcleo criminal do nosso trabalho no âmbito do crime da Vale em Brumadinho. O Ministério Público de Minas Gerais, desde o início, formatou três núcleos de trabalho: um núcleo socioambiental, um núcleo socioeconômico e um núcleo criminal.
Eu designei a Dra. Andressa Lanchotti para coordenar a força-tarefa, coordenar esses três núcleos, e vários colegas passaram a trabalhar.
Nos dois núcleos, no socioeconômico e no socioambiental - a Dra. Andressa, depois, vai esmiuçar melhor -, nós já avançamos muito. Praticamente, já acautelamos a possibilidade de todas as indenizações e as reparações ao meio ambiente como medidas cautelares e já ações definitivas.
Na área criminal... E por que isso foi conseguido, foi obtido de uma forma muito célere? Em primeiro lugar, porque nós começamos a agir desde o primeiro minuto, nós conseguimos formatar uma força-tarefa interinstitucional desde o primeiro dia. No dia 25 de janeiro, nós conseguimos reunir, no meu gabinete, na Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte, cerca de 10 a 11 instituições: o Ministério Público de Minas Gerais; o Ministério Público do Trabalho; o Ministério Público Federal; a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais; a Defensoria Pública da União; a AGE; a AGU; a Polícia Militar; a Polícia Civil; e a Defesa Civil.
Naquele dia, nós já começamos a estabelecer estratégias de trabalho, com muita harmonia, com muita união e com muito poder de fogo. Foi o que não aconteceu, infelizmente, por ocasião de Mariana, porque as instituições passaram, desde o início, a trabalhar cada qual ao seu tempo e modo, dando o seu melhor, mas sem muita harmonia, sem muito entrosamento. Isso foi percebido pelas empresas.
Por outro lado, nesse aspecto agora, por ocasião da tragédia da Vale, a empresa percebeu que nós formamos uma espécie de barreira institucional e passamos a trabalhar em conjunto. E o Poder Judiciário também foi célere: adotou, deferiu uma série de medidas cautelares nos dois aspectos, tanto socioeconômico quanto socioambiental, que permitiu um bloqueio, já no primeiro dia, de cinco bilhões para o socioeconômico e, no dia seguinte, mais cinco bilhões para socioambiental. E a culpa, nesse caso...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Cinco bilhões no primeiro dia, na sexta-feira, dia 25, para o socioambiental; e, no dia seguinte, no sábado, dia 26, nós requeremos ao juízo de Brumadinho, e a juíza deferiu mais cinco bilhões para o socioeconômico, para as indenizações. Esse dinheiro, esses valores já estão acautelados, já estão disponíveis para as indenizações e reparações.
De uma certa forma, na reparação ambiental - e não deveria indenizar -, a responsabilidade é objetiva. É o poluidor-pagador, um princípio que rege essa indenização.
Na área criminal, nós dependemos de um trabalho melhor, de uma aferição melhor, de busca de provas.
Com relação à Mariana, nós perdemos, nós consumimos muito tempo, muito tempo discutindo competência: se a competência, tanto a criminal quanto a ambiental para as ações socioeconômicas e ambientais, seria da Justiça Federal ou da Justiça estadual. Então, houve uma divergência muito acentuada, nós consumimos muito tempo. E a Justiça acabou entendendo que a Justiça Federal era a competente tanto para o socioambiental quanto para o criminal.
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Então, a ação criminal trabalhada pelo Ministério Público Federal foi proposta pela Justiça Federal. Nós da Justiça Federal, o Ministério Público estadual não trabalhou na área criminal nesse momento, porque desde logo a competência foi trabalhada na Justiça Federal.
E, desde o início, nós pessoalmente trabalhamos junto ao Ministério Público Federal, à Dra. Raquel Dodge, ao Dr. Helder, junto ao Ministério do Meio Ambiente, ao chefe da AGU, para que não houvesse uma judicialização por parte dessas entidades, ainda que de medidas cautelares necessárias na Justiça Federal, para que não houvesse um deslocamento prematuro da competência do Estado para a União. Isso foi fundamental, porque houve um grande concerto nesse sentido, as instituições federais entenderam da necessidade da manutenção da competência com os juízes de Brumadinho e com o juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, e isso foi um fator muito importante no avanço das nossas investigações, tanto na área cível quanto na área criminal.
Na área criminal, nós conseguimos... O eixo criminal conseguiu cerca de 11 prisões. Essas prisões foram necessárias e foram úteis pelo tempo que elas duraram, porque nós conseguimos ouvir as pessoas, checar, fazer acareações. Depois, o STJ decretou a liberdade provisória, porque, evidentemente a razão pela qual houve as prisões já tinha cumprido os seus objetivos.
Agora, com relação ao término, nós estamos terminando as investigações criminais. Faltam alguns laudos periciais. O trabalho está sendo feito em conjunto, na área criminal, com o MP estadual, o Federal, com a Polícia Civil e com a Polícia Federal. Então, dentro de pouco tempo, nós vamos conseguir encerrar o caso e apresentar à Justiça a denúncia.
Eu não tenho condições de antecipar ainda, até por questões estratégicas, não adiantar o mérito da acusação, porque ainda não é o momento. Nós precisamos ter essa cautela neste momento de não dizer qual vai ser o crime, mesmo porque não terminamos ainda as investigações. A Polícia Federal, o MP Federal, a Polícia Civil, e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais estão terminando os trabalhos, mas eu acredito que num prazo de mais 60 dias, 90 dias no máximo, já teremos esses laudos para conclusão, e vamos apresentar a denúncia criminal à Justiça.
Com relação àquelas pessoas que serão denunciadas, como o Senador Kajuru disse, vai depender de prova, vai depender do nível da qualidade da prova. Eu não concordo, muitas vezes, com denúncias vazias, denúncias que podem não chegar a lugar nenhum. É melhor ter uma denúncia consistente com uma justa causa criminal bem consolidada para que a Justiça receba o processo, e depois consigamos a condenação.
Mas o nosso objetivo, Senador Kajuru, é conseguir a reparação integral do meio ambiente, a indenização total em favor das vítimas, e a punição dos responsáveis, dos culpados por esse crime que atingiu cerca de 300 pessoas e devastou o meio ambiente ali na calha do Rio Paraopeba.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Eu passo a palavra ao Relator para que ele possa produzir a sua fala.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Meu bom dia a todas as presentes e a todos os presentes aqui.
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É minha satisfação, mais uma vez, estar ao lado da Senadora Rose de Freitas, num momento que eu considero histórico para esta Casa e num momento que considero também - Promotor Tonet, o meu bom dia; Promotora Lanchotti, já estivemos juntos; Dr. Helder - histórico para Minas Gerais, porque do exercício das nossas funções nós estamos delineando e definindo um novo futuro para as famílias de Minas Gerais, para a economia do Estado e também para um bem muito precioso para o nosso País que é a extração mineral.
Nós estamos aqui dando um direcionamento que mudará completamente - a Promotora poderá confirmar também - os rumos de um setor que viu as próprias expensas e as próprias regulações gerando riqueza, mas ao mesmo tempo deixando um rastro de muito sofrimento e de muitos problemas. A expressão mais correta é um rastro de lama. Essa é a verdade. A riqueza vai embora, ela serve aos interesses de quem investe. Mas para nós o rastro de lama tem sido o grande resultado da maior parte. E esse questionamento está sendo feito de uma forma muito segura, muito responsável e muito aprofundada, nas reuniões que tivemos no comando da Senadora Rose de Freitas, aqui na CPI.
Eu saúdo, com muita satisfação... Quero aqui fazer, em primeiro lugar, um agradecimento, que já fiz em outras oportunidades, mas presencialmente, ao Dr. Antônio Sérgio Tonet, à Dra. Andressa, ao Dr. Helder. Quero agradecer o trabalho que o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual têm feito conosco no compartilhamento de provas, no compartilhamento de laudos, de informações que foram fundamentais para que aqueles que foram convocados a esta CPI, ainda que muito bem orientados pela defesa, o que é justo, ninguém está aqui para fazer qualquer crítica ou condenação aos advogados... É função do Direito essa questão da defesa, nós sabemos disso. É essencial para o exercício da justiça o trabalho dos advogados.
Nós tivemos a possibilidade, com as provas, que foram todas elas compartilhadas, de quebrarmos boa parte, inclusive, dos discursos que estavam prontos. Nós recebemos aqui, senhores... Quero saudar também o nosso Delegado da Polícia Federal que tem estado conosco à disposição, em um trabalho muito efetivo da Polícia Federal junto à CPI.
Os discursos já estavam todos prontos. E quando nós começamos aqui, Senador, a apresentar as informações que estavam sigilosas no Brasil, mas disponíveis internacionalmente, nós começamos então a mostrar que de fato tudo aquilo que estava sendo organizado seria quebrado. E nós conseguimos falas importantes que irão nos levar a um relatório que será entregue no dia 2 de julho, permitindo Deus que tenhamos saúde, tenhamos força; será entregue dia 2 de julho para que a sociedade conheça os resultados desta CPI.
Portanto, em nome do Senado Federal, o nosso agradecimento à boa vontade de todas as instituições que estão conosco nessa caminhada. Também à Polícia Civil de Minas Gerais, que não se faz presente mas tem um trabalho importantíssimo nessa questão; à Polícia Federal e aos que nos acompanham.
Na sequência, eu tenho aqui algumas perguntas apenas para que a gente possa conduzir, porque a Dra. Andressa já desde Mariana vem comandando a força-tarefa e, juntamente com todos os investigadores, pode nos trazer informações muito preciosas sobre a experiência, como citou aqui o Senador Kajuru, em relação a quais medidas iremos tomar, ou quais os pedidos, o caminho que iremos seguir daqui para frente, nas nossas decisões.
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O Procurador Tonet, que já é nosso conhecido há muitos anos, com quem me relaciono e posso dizer da seriedade e da capacidade dele como nosso Procurador-Geral, sabe muito bem que, na minha trajetória, nós aqui não estamos dados ao espetáculo. Esta não é uma CPI que foi criada para gerar grandes impactos e choques, prisões. Nós não estamos aqui para tomar nenhuma decisão que não seja de fato baseada nas questões legais e até no direito de defesa das pessoas. Esta é uma CPI propositiva.
Desde o primeiro dia em que nós fomos aqui colocados nessa responsabilidade, a Senadora e eu, nós temos uma forma de conduzir e dizer o seguinte: nós queremos dar respostas. Nós não queremos gerar fatos, nós queremos que a população saiba o que aconteceu, quem foram os responsáveis e o que nós vamos fazer para que isso se resolva.
O Dr. Tonet foi um conselheiro muito importante ao decidirmos que toda questão criminal seria muito melhor que permanecesse já no âmbito do Ministério Público e da força-tarefa, para que esta Casa não tivesse retrabalho, para que nós não tivéssemos aqui que nos debruçar sobre quebra de sigilo de e-mail, sobre quebra de sigilo de telefones, o que já foi feito pela Polícia Federal, o que foi feito pela força-tarefa, muito bem feito, e nós poderíamos aqui utilizar, dentro inclusive de um pacto de sigilo.
Como eu tenho falado para vocês, existem muitos documentos que temos em mãos que não podemos divulgar, por uma questão inclusive do âmbito legal e de estarem ali sob sigilo. Esta CPI entende, respeita o trabalho das instituições e respeita até o dinheiro público, porque nós poderíamos aumentar os nossos gastos aqui para assumirmos uma função que já está sendo feita pelo mesmo contribuinte, que é quem paga os impostos, quem paga nossos salários e quer do nosso trabalho produtividade e resultados.
Por isso eu me sinto muito tranquilo em estarmos caminhando para o final da CPI. Às vezes somos muito cobrados de dizer assim: Olha, alguma coisa bomba foi no ar... Bombas aqui nós desarmamos. Bombas aqui... Nós sabemos trabalhar com elas e elas virão da forma certa, não como surpresa, mas como um trabalho que terá um embasamento legal, com provas, com tudo aquilo que nós temos para levar essa investigação a bom cabo, ao final e a uma resposta à população.
Encerro aqui para fazer a primeira pergunta, dizendo que nós já conseguimos mudar o perfil desse setor no Brasil. Já conseguimos!
Hoje, pela manhã, eu estava lendo um relatório sobre a possibilidade de volta do trabalho da Samarco, lá em Mariana. A volta. Eles querem voltar. Mas o que aconteceu? A própria empresa, os próprios acionistas e investidores já não fazem pressão para uma volta imediata porque eles estão decididos a não trabalharem mais com barragem de rejeitos. Promotor, isso é uma vitória! Em nome do povo! Senadora Rose, isso é uma vitória! Eles mesmos vão atrasar o reinício das atividades porque vão oferecer à sociedade o fim do rejeito.
Sinceramente, se nós não chegássemos a lugar nenhum, nos nossos resultados, nós já teríamos contribuído e muito para que outras pessoas não morram mais, inclusive dos próprios empregados. Essa é a grande vitória que nós temos! E que de agora para frente nós teremos na forma da lei.
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Esta CPI terá uma série de propostas que nós esperamos que se tornem deliberativas, num trabalho conjunto com a Câmara dos Deputados, que também tem feito um trabalho louvável.
A Comissão Externa de Brumadinho foi a primeira a chamar atenção sobre esse assunto. Nós temos que aqui louvar o trabalho dos Deputados que participaram. E quem sabe quiçá possamos transformar as nossas decisões em decisões deliberativas. O que é isso? Elas viriam muito mais rápido como decisões legais dentro do nosso arcabouço e nós conseguiríamos definir claramente o futuro, que é o que nós desejamos em termos de mineração.
Eu vou colocar aqui também, Dr. Helder, essa mesma pergunta. Seria interessante que cada um pudesse fazer... A senhora concorda, Presidente? Deixarmos os três, porque as experiências são próprias.
Hoje nós completamos 124 dias da tragédia de Brumadinho e nós tivemos ontem, inclusive, um balanço trágico, feito pela Polícia Civil de Minas, de 265 corpos encontrados e 25 pessoas que estão desaparecidas; portanto, um total de 290 mortos é o dado oficial que nós temos, da Polícia Civil de Minas Gerais, em relação à tragédia de Brumadinho. São 290 pessoas!
A força-tarefa comandada por V. Exas., principalmente pela Promotora Dra. Andressa, tem trabalhado desde o primeiro dia para esclarecer as causas e apontar as responsabilidades. Nós gostaríamos que a senhora nos dissesse também, Promotora, na sequência, como está a questão das conclusões sobre as investigações? O que se pergunta muito - e eu tenho sido muito questionado - é sobre a área criminal, que é de toda maneira e de longe a nossa parte mais difícil em todo esse trabalho, porque uma vez indiciada, a pessoa terá de responder a isso. Então, devemos fazê-lo com muita responsabilidade.
Gostaria que a senhora nos dissesse - e também o senhor, Dr. Antônio - sobre a questão das investigações. Em que pé hoje nós estamos? Nós ainda temos muito trabalho pela frente? Nós estamos finalizando? O que a senhora pode nos dizer?
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Senhoras e senhores, bom dia. Primeiramente, eu gostaria de agradecer o Senado Federal pelo convite para participar desta audiência, na pessoa da Presidente desta audiência, Senadora Rose de Freitas.
Também gostaria de cumprimentar o Senador Carlos Viana; cumprimentar meu colega do Ministério Público Federal, Dr. Helder Magno; nosso Procurador-Geral da Justiça de Minas Gerais, Dr. Antônio Sérgio Tonet; todos os Senadores e demais membros da audiência aqui presentes.
Como o Dr. Tonet já explanou, desde o primeiro dia houve uma interlocução interinstitucional para atuação nesse caso, o que permitiu uma atuação bastante célere por parte das instituições de justiça. Então, a Força-Tarefa do Ministério Público Federal teve os seus trabalhos concentrados em três grandes eixos de atuação: socioeconômico, que tem por objetivo a reparação integral das vítimas dos atingidos; socioambiental: que desde um primeiro momento teve como objetivo garantir a segurança das estruturas do Complexo Paraopeba, em Brumadinho, onde se encontra a mina Córrego do Feijão. Porque havia um risco ali iminente, ainda no dia 25 de janeiro, de rompimento de outra barragem de água que foi também atingida pelo rompimento de B1, B4 e B4A, a Barragem B6.
Então, no dia 25 de janeiro, a zona central de Brumadinho teve que ser evacuada; no dia 27 de janeiro, sirenes foram acionadas novamente. Eu estava lá pessoalmente.
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Eu fui uma das primeiras pessoas a chegar lá na Associação Comunitária do Córrego do Feijão, junto com o meu colega Francisco Generoso, para onde as autoridades se dirigiram para as primeiras providências. E ali, naquele momento, a Vale parece que estava um pouco perdida, não sabia como agir.
Então, além disso, a área socioambiental também tinha como urgência a contenção dos rejeitos, para poder minimizar os danos ambientais, e a reparação integral do meio ambiente, que é o nosso objetivo final
Desde o dia 25, nós começamos a trabalhar na responsabilização criminal. Essa reunião na Procuradoria-Geral de Justiça, que o Dr. Tonet mencionou, terminou, na sua primeira fase, meia noite e meia do dia 25; depois, nós nos dirigimos, apenas Ministério Público Estadual e Federal, para outra sala, e ficamos até às três e meia da manhã, já ali planejando as primeiras medidas de cunho criminal. Isso possibilitou a primeira fase de prisões, na terça-feira seguinte ao evento. Então, houve uma atuação sinérgica desde esse primeiro momento, com a Polícia Federal cumprindo parte das medidas cautelares, em outros Estados da Federação: São Paulo, Rio de Janeiro; a Polícia Civil em Minas Gerais; o Ministério Público Federal e o Ministério Público estadual unidos. E nós estamos assim até hoje.
Nós fazemos reuniões de alinhamento nos três eixos, participamos das audiências em conjunto, propomos ações em conjunto. Então, há audiências, na questão socioeconômica, com uma periodicidade praticamente quinzenal, na 6ª Vara de Fazenda Pública de Belo Horizonte. Lá nos manifestamos conjuntamente: Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, da União Federal, Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais. E também a Advocacia-Geral do Estado está atuando de maneira sinérgica conosco.
Em relação ao criminal, avançamos muito - que é a pergunta de V. Exa. Estamos numa fase, como o Dr. Tonet disse, de finalização de laudos periciais. É necessária a finalização dos laudos de necropsia, é necessária também a finalização do laudo pericial das causas do desastre. Esse trabalho está bastante avançado. Como os senhores puderam observar, aqui nas próprias audiências da CPI já havia muitos elementos que apontavam para a situação de risco iminente da barragem B1. Então, tudo isso é objeto dessa análise pericial. As provas são contundentes.
Até me dirigindo aqui a um questionamento do Senador Jorge Kajuru em relação a teorias, à teoria do domínio do fato, que foi citada, eu ratifico o posicionamento do Dr. Tonet no sentido de que a força-tarefa busca a responsabilização individualizada dos culpados. Esse trabalho de estabelecimento da cadeia de comando é o mais difícil, porque as provas de materialidade saltam aos olhos, na minha visão. São muito contundentes. Então, agora, o trabalho é você realmente definir essa cadeia de comando, para que todo aquele que participou desse ato criminoso seja devidamente responsabilizado, porque é isso que a sociedade quer e é para isso que o Ministério Público está trabalhando.
Então, eu não posso me ater aqui a detalhes da investigação porque isso poderia até prejudicar o prosseguimento dos trabalhos. Então, eu peço vênia para simplesmente falar de uma maneira mais genérica, como eu expus.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Aproveitando a oportunidade que o Relator nos concede, eu queria fazer uma pergunta. Na verdade, quando a senhora fala que a sociedade espera, essa é a parte que eu mais temo, essa é a parte que eu mais temo!
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Porque, de todo o trabalho realizado, com tudo que nós ouvimos, Dr. Helder, nós tivemos momentos de profundo constrangimento, em que todos os documentos aqui - por certo, até muitos deles compartilhados, apresentados pelo Senador Relator... Nós ouvíamos com nossos ouvidos, quando tínhamos oportunidade de questionar com a nossa fala, de todos que aqui estavam, que muitos depoimentos foram mentirosos. A mentira, dentro de um contexto que envolve vidas, comprometimento ambiental, é muito séria. Imagino o esforço, a tarefa que os senhores e a senhora especialmente fazem para tentar chegar num momento em que a sociedade se sinta contemplada com a verdade, o que faltou permanentemente aqui na Comissão.
Todos obtiveram, depois de um determinado ponto, o habeas corpus e vieram protegidos por ele. Aqui se colocaram na proteção do habeas corpus, que ressaltava, por óbvio, que não poderiam dizer verdades, se sentiram ameaçados fisicamente pela falta de liberdade, qualquer restrição de liberdade, e, no entanto, com as provas que o Relator tinha em mãos, com os relatórios anteriores prestados ao próprio Ministério Público e a outras instâncias também, havia profunda contradição que nos deixava totalmente estarrecidos.
Enfim, ouvindo a senhora me ocorreu... Eu queria fazer uma pergunta elementar, eu estou no oitavo mandato, mas eu estudei cinco períodos de Direito. Não sou advogada, sou apenas uma legisladora, que aprende todo dia através das comissões, do assessoramento. Eu até frisei aqui: o que é considerado dolo eventual? Se o senhor pudesse me responder para que eu pudesse exercer o raciocínio que nós temos construído aqui.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Exato.
No Direito Penal nós temos alguns institutos para definir a conduta do agente. A conduta, em linhas gerais, pode ser dolosa ou culposa. Age com dolo quando, grosso modo, a pessoa age com intenção, sabendo o que está fazendo, digamos assim, tem consciência da conduta e do resultado e se direciona nesse sentido. Na culpa, a pessoa não tem aquela intenção, ela dá causa ao evento por negligência, imperícia e imprudência.
Aí, surge uma questão no Direito Penal muito interessante, que é distinguir a culpa consciente do dolo eventual. No dolo eventual, o sujeito, o agente pode não querer um resultado específico, mas ele assume o risco de produzi-lo com seu comportamento anterior.
Então, evidentemente que nessa questão desse crime, esses institutos serão chamados novamente à discussão, como aconteceu em Mariana. Em Mariana, na tragédia de Mariana, o Ministério Público Federal - o Dr. Helder depois pode inclusive nos dar um posicionamento mais específico porque a Federal tem acompanhado essa ação -, lá o MP Federal imputou aos agentes, aos responsáveis da mineradora Samarco, o dolo eventual, atribuiu as 19 mortes ao dolo eventual.
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Os responsáveis pela empresa admitiram, consentiram naquele resultado. Agora, essa situação vai voltar à tona. Então, ao final, o Ministério Público vai ter que decidir qual imputação fará. Isso, evidentemente, no momento oportuno.
Então, a caracterização do dolo eventual é dessa forma: grosso modo, a pessoa assume o risco de produzir um determinado resultado com seu comportamento anterior.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - E a questão mais explícita do homicídio culposo muitas vezes abordado? Qual a diferença entre o dolo eventual e o homicídio culposo?
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Foi como eu disse: no homicídio culposo, o agente não quer o resultado, ele não imagina, ele não tem na sua mente produzir um resultado determinado. Por exemplo, no homicídio o sujeito dá um tiro, desfecha um tiro contra uma pessoa querendo matá-la, o dolo direto, ele mentalizou, ele quis um resultado e produziu. Aí, no crime culposo o sujeito sai de casa com seu carro e, inadvertidamente, ultrapassa um sinal vermelho e, com isso, atropela uma pessoa, vindo a causar-lhe a morte. Ele não estava pré-ordenado para atingir aquele resultado "morte", foi por um descuido dele, foi por uma imprudência, uma negligência.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - O senhor me permite?
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Claro.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Só me coloque sempre como uma Senadora, um agente político. Mas teve um momento aqui em que o Senador Carlos declarou - e trouxe as provas aqui - que houve auditores de determinada empresa contratada pela Vale que não quiseram assinar os laudos das barragens. Quando ela não quis, a Vale contratou outra empresa; essa, sim, assinou.
Dentro do meu mínimo raciocínio da lógica construída à luz do Direito, que o senhor está colocando, ao fazer isso a Vale sai do dolo eventual e parece entrar no homicídio culposo. Se eu estiver errada, o senhor me corrija, que eu vou ser uma aluna aqui.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Poderemos estar entrando num homicídio culposo ou até doloso com dolo eventual. A senhora tocou num ponto que talvez seja o ponto mais importante nessa discussão: é a certificação da segurança dessas barragens. Esse é o ponto. Por que muitas mineradoras, muitas barragens estão interditadas hoje? Porque há uma desconfiança do Estado, da população, das autoridades e até mesmo de muitas mineradoras. Por quê? Essas certificações eram feitas no ambiente extremamente deletério. A senhora própria deu o exemplo: uma certificadora, uma empresa não quis certificar porque não encontrou as condições de segurança necessárias para que o fizesse. A empresa, então, abandonou... A Vale abandonou essa empresa e contratou uma outra, no caso aqui, a TÜV SÜD, que, mesmo naquelas condições, emitiu a certificação que foi enviada para a Agência Nacional de Mineração, para a Semad, para o Ministério Público, em setembro do ano passado... O Ministério Público de Minas Gerais instaurou um procedimento para apurar a segurança daquela barragem e foi... Tanto quanto a União, o Estado, o Ministério Público também foi iludido por uma declaração que hoje nós já consideramos totalmente falsa.
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E por isso, o Ministério Público de Minas Gerais já ingressou com uma ação, com base na Lei Anticorrupção, contra a TÜV SÜD para, inclusive, suspender as suas atividades no Brasil, interditar os seus bens e fazer com que esses empresários não exerçam mais atividade aqui.
E nós estamos buscando expertise internacional para que possamos buscar um meio de essa certificação ser a mais correta possível. A Dra. Andressa, gente da Agência Nacional de Mineração e da Semad de Minas Gerais estiveram na Holanda recentemente buscando tecnologia. Outros tantos estão indo para o Canadá, a Austrália, porque nós precisamos ter um sistema. E, nesse sentido, o Senado, o Congresso Nacional dará, tenho certeza, uma grande contribuição na definição de um marco regulador que discipline, que moralize as relações das mineradoras com as certificadoras. Isso é fundamental.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - A gente... Nós temos uma dificuldade muito grande aqui. Aqui é o Parlamento, mas interagimos permanentemente com audiências públicas, debates e sabatinas para que as empresas - inclusive a Agência - possam ter nomes aprovados específicos para administrar setores como esse. Parece que no último debate que teve aqui eu tive um constrangimento. Apesar de conhecer muito o Dr. Bicca, parece que ninguém tem responsabilidade nesse processo. E a Vale tem a palavra inicial e final, porque ela contrata a auditoria do seu próprio investimento, da sua própria... Ela supervisiona a sua própria técnica e dá pareceres sobre ela. Então, realmente não tem nada: o Governo não se responsabiliza - não é? - e nós precisamos de legislação específica, que é o que nós estamos fazendo neste momento, tentando construir, Dr. Helder, uma lei.
Já começamos pelo aproveitamento dos resíduos, também a proibição da barragem a montante, também a questão das editorias. Porque é como colocar uma raposa tomando conta de um galinheiro: "Na hora em que essa vai dar um parecer contrário aos meus interesses, eu contrato outra". Isso para não ter outro nome que possa definir uma irresponsabilidade como essa. Acho que nisso os senhores poderiam até nos sugerir, aos olhos do Ministério, de todo trabalho executado, quais são os projetos de lei que poderiam nos ajudar a cercar de precaução para que acidentes como esse não ocorram.
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Obrigado, Senadora Rose Freitas. Eu agradeço, em nome de quem eu cumprimento os demais integrantes da Mesa, Senador Carlos Viana, Promotora Andressa Lanchotti, Procurador-Geral de Justiça Tonet, senhoras e senhores, agradeço esse convite ao Ministério Público, essa oportunidade de estar aqui prestando essa cooperação com esta Casa que tem sido, realmente, com apontado pelo Dr. Tonet, muito cooperativa para com os trabalhos dos Ministérios Públicos.
A gente que é da área de Direito sempre fica empolgado quando surgem alguns debates jurídicos. E, assim, se me permite Tonet, até tentando complementar um pouquinho a fala do Tonet, em resposta à senhora, Senadora, em casos como esses, a gente tem uma regra.
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Porque a discussão sobre dolo e sobre culpa perpassa também algumas outras discussões, até de teorias mais novas, da Teoria da Imputação Objetiva, que é nesse tipo de atividade que a gente tem que discutir alguns termos. Por exemplo, são atividades de risco. Sendo atividade de risco, a gente tem que analisar a observância do dever objetivo de cuidado. Para os crimes culposos, de um modo geral, se trabalha com essa lógica também do dever objetivo de cuidado. E a causação do resultado nesses casos, como desses rompimentos, em regra, vai ser imputável aos responsáveis a título de... A gente chama crime, algumas situações em que a omissão é penalmente relevante. Ou seja, em regra, a gente trabalha com crimes com a ideia do crime de ação, quando a pessoa atira para matar, essa a ideia. Mas a gente tem essas situações da omissão penalmente relevante quando o sujeito tinha o dever objetivo de cuidado.
Pensando um exemplo bem mais simples - e aí, pensando, lembrando que a senhora é do nosso amado Espírito Santo -, eu penso naquela mãe que vai à praia com a amiga. E a mãe deixa a criança com a amiga e pede assim: "Cuida das crianças enquanto eu vou ao mar". E aquela amiga deixa, descuida da criança, não olha. Ela tinha assumido o dever de cuidar da criança e às vezes ela fica ali lendo uma revista ou, hoje em dia, no celular, como fica... Aí, a gente tem uma situação em que ela assumiu uma responsabilidade de cuidar da criança. E, assim, uma mãe não pode dizer que fica no celular, ela não pode dizer que: "Ah, eu estava no celular e eu não vi", porque ela tinha... Por isso que eu falo assim: essa discussão de dolo e culpa é mais ampla, porque ela tinha o dever de cuidar, ela tinha o dever de olhar. Ela não pode ser assim: "Ah, eu não vi porque eu estava no celular". Ela não podia estar no celular se ela assumiu essa responsabilidade de cuidar da criança.
E aí, quando a gente passa para as empresas, é exatamente isto: se ela tem uma atividade de risco, uma barragem, ela tem esse dever de cuidar para que a barragem não rompa, porque a gente sabe que esse tipo de empreendimento tem esses riscos.
Então, na discussão sobre dolo e culpa e dolo eventual, não dá para ele simplesmente dizer assim: "Ah, eu não sabia" ou "Outro atestou". Ele tem que exigir de quem atesta que o atestado seja realmente idôneo. E aí, quando a senhora fala: "Olha, mas se uma entidade, se uma empresa se negou a atestar?". Exatamente essa é a dúvida da senhora, e aí, ele, na verdade, tem que entender por que e buscar comprovar as razões. E isso mostra que, por exemplo, ele sabia. Porque o dolo envolve... Tanto o dolo eventual como o dolo direto, o chamado dolo direto, ele trabalha com a ideia assim: você sabe e você quer o resultado. No dolo eventual, você sabe que o resultado pode acontecer e você aceita sob o risco de permitir que ele aconteça ou não.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES. Fora do microfone.) - Aí entra o crime de omissão?
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Exatamente. Os crimes de omissão acabam tendo essa ideia. Porque, em regra, os crimes são cometidos por ação. Mas essas ideias são muito fortes quando a gente trata os crimes de omissão: você tinha o dever objetivo de produzir resultados. Os crimes culposos também trabalham com essa ideia de dever objetivo de cuidado. Porque, se você vai dirigir, você tem o dever objetivo de dirigir com observância das normas. Você sabe que é atividade de risco, um pedestre pode passar, então, você tem que observar as leis de trânsito.
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Agora, há momentos em que essa inobservância ultrapassa em muito esse dever objetivo de cuidado. Você sabe.
Então, são essas ideias que eu acho que precisam ser pensadas.
E até agora, tentando responder um pouco - não sei se eu respondi isso à senhora -, respondendo um pouco até a uma pergunta do Senador Jorge Kajuru, e eu me sinto na obrigação de fazer este relato aqui aos senhores... Quando a gente, no contexto de Mariana, os colegas... Eu não participei da feitura da denúncia, mas eu participei de audiências. Os colegas coligiram muitos elementos aos autos que evidenciavam a existência do dolo, ou seja, de que as pessoas, os diretores das empresas, as pessoas que estavam nos escalões mais altos tinham conhecimento das condições da barragem de Mariana, tinham conhecimento de questionamentos, de riscos que estavam a ocorrer, e eu não vou entrar no mérito deles aqui, porque a pessoa melhor para explicitar isso é o meu colega, o Procurador da República que atualmente está lotado em Viçosa, Gustavo Oliveira, que tem acompanhado de perto a tramitação da ação penal.
Mas o que nós temos é: o Ministério Público denunciou, o juiz federal de Ponte Nova recebeu a denúncia, e é um processo do tribunal do júri. Os processos da competência do tribunal do júri têm duas fases. Tem uma fase que é a fase do processo de homicídio, que é julgado pelo júri... Há um primeiro momento, que é o chamado "juízo sumariante", em que o juiz de direito conduz a oitiva de testemunhas, a instrução processual, e define se é caso de levar a júri. Então, há uma primeira decisão, que é a de recebimento da denúncia, e uma segunda decisão, intermediária, do juiz, para deliberar se os elementos ali realmente seriam bastantes para levar o caso à apreciação do júri.
O que nós tivemos, infelizmente, foi que, a partir de um habeas corpus, o TRF alterou a tipificação dada pelo Ministério Público Federal de homicídio, e isso inclusive retira da competência do tribunal do júri o processamento do caso.
Infelizmente digo isso, porque é sabido que o habeas corpus não admite dilação probatória. O habeas corpus, nessas questões que são jurídicas... E aí, inclusive em habeas corpus, essa discussão se o crime foi doloso ou culposo, essas questões, em regra, por demandarem dilação probatória, são questões que, em princípio, não são veiculadas em habeas corpus. Infelizmente, o tribunal se valeu dessa questão sem adentrar nas provas.
E os recursos cabíveis, os recursos possíveis para os tribunais superiores - STF, STJ -, em regra, não admitem tratar de prova. Eles só permitem a discussão de direito. Então, isso acabou inviabilizando questionamentos pelo Ministério Público Federal em relação a essa decisão - pelo menos assim entendeu o colega que poderia ter recorrido dessa decisão.
Isso preocupa muito, porque isso acaba se transformando num salvo-conduto, porque a gente sabe que, no crime de homicídio, as penas são mais elevadas. Se nós tratarmos de 19 homicídios que são denunciados lá em Mariana, a gente teria um contexto bem maior, uma possibilidade de uma apenação bem mais gravosa.
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É claro que as mortes, nesses casos aí, sem ficar aqui preocupado, porque, na verdade, nossa preocupação não é ficar trabalhando aula de direito, ao que eles vão responder agora é um crime que a gente chama preterdoloso. São aqueles crimes preterdolosos, aqueles crimes em que o resultado não é querido, mas a pessoa vai responder por ele a título de culpa, porque, se ela produz aquele resultado, a gente... Crime preterdoloso é o dolo na ação e a culpa no resultado, de uma forma mais simples, que é o crime de inundação, que o TRF entendeu que vai ser, com o resultado morte.
É como em algumas situações que acontecem, mais comuns, como a lesão corporal com resultado morte. A depender do resultado, a pena acaba sendo mais agravada. O sujeito não quer matar, ele apenas quer lesionar. Mas produz lesões de tal monta que te mata. Pode chegar a responder. Só que, aí, o tipo penal é outro. A pena não é a mesma pena de um homicídio doloso, que é de seis a 20 - ou de 12 a 30, no caso do homicídio qualificado. E aí, nesse caso, você não vai ter reconhecimento de qualificadores, apenas a responsabilização pelo resultado.
Eu não sei se ajudei nessas questões, mas...
Esses são pontos que a gente precisa pensar, mas, como o Tonet disse, eu acredito que os colegas têm uma equipe muito boa cuidando dessa parte.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Permita-me aqui, Presidente: aqui, tanto o Dr. Tonet quanto o Dr. Helder, nessa questão... Nós temos uma diferença entre Mariana e Brumadinho que é muito clara: em Mariana, nós tínhamos um setor específico cuidando da manutenção daquela barragem, e as informações estavam centradas em um núcleo da Vale; no caso de Brumadinho, nós temos um alerta feito a toda a empresa; nós temos os relatórios de risco colocados à disposição e apresentados a toda a diretoria da empresa - os gerentes de Geotecnia, os gerentes administrativos, todos eles. E há uma fala, que é estrutural em toda a questão da investigação, que veio do próprio ex-presidente, o presidente afastado, que está muito clara aqui: todo e qualquer funcionário da Vale poderia ter imediatamente suspendido o trabalho da mineradora, se o risco estivesse claro.
Então, essa fala mostra que há uma cadeia de responsabilidade muito clara, desde a diretoria-geral até a base da empresa e quem lidava diretamente com a barragem e fornecia as informações ao Estado lá, na autodeclaração junto à NM.
Então, nesse caso... Por exemplo: não há uma diferença - e aqui eu coloco para os dois: criminalmente, não há uma diferença na questão do núcleo específico da Samarco ali, um grupo menor, que respondeu, e agora, com Brumadinho? Porque nós não estamos falando de uma empresa que é primária. Isso não mudaria o contexto inclusive da denúncia, mudando essa decisão do TRF?
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Os senhores não entendem que, dessa vez, nós não poderíamos conseguir, de fato, essa qualificadora do homicídio, Doutor?
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Na verdade, eu não estou trabalhando com a questão criminal. Então, talvez a Andressa e o Tonet possam enfrentar... e os colegas que estão trabalhando. O que eu posso garantir aos senhores é que eles estão atentos e, obviamente, essa situação desse habeas corpus do caso Rio Doce, do caso Mariana, é uma questão que certamente será levada em consideração pelos membros do Ministério Público que forem elaborar a denúncia, para se antecipar mesmo a essas discussões.
Então, eu até, se o senhor me permite, não adentrando essa questão, porque, assim... Hoje, pelas forças-tarefas, tanto do Rio Doce quanto de Mariana, eu tenho estado mais presente nas questões socioeconômicas, nas questões dos atingidos.
Eu acabei fazendo esses comentários, porque, da minha experiência de vida, eu tive a oportunidade de trabalhar muito com...
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - O senhor está colaborando muito. Essa tem sido uma discussão diária, inclusive, com os assessores todos que estão conosco.
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Eu tive a oportunidade de ser professor de Direito Penal numa faculdade no interior de Minas chamada Fadileste. Na faculdade, fui monitor e pesquisador de Direito Penal, e sou especialista em Ciências Penais pela UFMG. Então, na verdade, é a minha área de formação.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Dra. Andressa, isso, hoje, esta nossa investigação, em que nós temos a confirmação de que a informação circulou, que ela era de domínio de todos eles... Isso pode mudar alguma coisa na denúncia com relação a homicídio?
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Em relação a esse ponto, eu gostaria de dizer que, depois do desastre, o Ministério Público de Minas Gerais, na semana seguinte, fez uma série de requisições de informações e documentos à empresa Vale. Isso, no âmbito cível, sem falar no âmbito criminal também. E, entre essas requisições, foi indagado à empresa se havia um estudo de risco monetizado de barragens da companhia e o respectivo ranqueamento, se a companhia estava estudando o risco de suas barragens.
Então, nós recebemos, em resposta, no dia 31 de janeiro, cerca de oito gigas de documentos, entre eles um documento datado de outubro de 2018, assinado por Felipe Rocha, que foi um dos presos na segunda fase da operação, em caráter cautelar, e esse documento foi uma apresentação na qual eram apontadas dez barragens da empresa Vale que estariam em zona de atenção, Alarp Zone. Alarp é um conceito técnico que quer dizer as low as reasonably practicable: abaixo do que é aceitável.
Entre essas dez barragens, duas haviam colapsado no dia 25 de janeiro, B1 e B4. Então, havia outras oito barragens que a companhia tinha ciência de que estavam com o risco acima do aceitável. No próprio documento era mencionado que barragens com nível de risco acima de 10 a -4 deveriam ser levadas ao conhecimento da diretoria, do board of directors, do CEO da empresa.
Então, nós temos esses elementos, e isso gerou uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais no dia 1º de fevereiro. Nós ficamos tão alarmados com essa situação, porque as outras oito barragens tinham um risco ainda maior que B1 e B4. Então, no dia seguinte já propusemos uma ação civil pública, que hoje tramita na 1ª Vara de Fazenda Pública de Belo Horizonte, na qual postulamos diversas medidas, entre as quais auditorias externas independentes, para aferir a situação dessas barragens.
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Também nós postulamos a atualização ou mesmo a elaboração de estudos técnicos, como estudos de cenário de ruptura, planos de ações emergenciais das barragens, todos esses estudos necessários para a garantia da segurança das pessoas que convivem nas imediações das barragens. As liminares foram deferidas no mesmo dia 1º de fevereiro, e houve e ainda há uma dificuldade enorme de cumprimento dessas medidas liminares.
Então, na verdade, até hoje o Ministério Público ainda não tem informações da contratação das auditorias. Estamos, de fato, discutindo isso extrajudicialmente com a Vale.
Imediatamente requeremos fosse indagado nos autos da empresa se havia outras barragens em situação de risco. A companhia, o tempo todo, negou a existência de outras barragens em situação de risco. Inclusive, nos autos, disse que o Ministério Público estava interpretando indevidamente o conceito de Alarp, que não era isso, que as barragens estavam seguras, só que os fatos desmentiram a versão da companhia, porque, em fevereiro, algumas dessas barragens tiveram o nível 2 de emergência decretado, de acordo com a Portaria DNPM 70.389. Então, já indicando que havia uma situação de risco, que geraria evacuação. Então, houve evacuações em fevereiro.
E, posteriormente, no mês de março, algumas dessas barragens subiram para o nível 3 de emergência, que é em ruptura ou iminência de ruptura. Hoje, em Minas Gerais, há quatro barragens da empresa Vale nessa situação, em nível 3 de emergência. São as barragens Forquilhas 1 e 3, que já estavam nesse estudo do dia 31 de janeiro. Elas são situadas em Ouro Preto, Complexo Mina de Fábrica. Há a barragem Sul Superior, em Barão de Cocais, e há também uma barragem que se chama B3/B4, em Nova Lima, que tem, na sua zona de autossalvamento, a comunidade de Macacos, no distrito de São Sebastião das Águas Claras, que foi evacuado, que teve toda a sua vida modificada. As pessoas aí não têm como voltar para suas atividades habituais. Essas quatro barragens nessa situação.
Então, as provas materiais indicam que a companhia tinha ciência, sim, da existência de barragens em situação de risco, e não alertou oportunamente as autoridades nem agiu para coibir esse risco.
Em relação a isso, eu até gostaria de fazer aí uma fala, em relação às auditorias externas, porque tanto Fundão, que colapsou no dia 5 de novembro de 2015, da empresa Samarco, que tem como controladoras a Vale e a BHP Billiton, quanto B1, da empresa Vale, tinham DCEs, certidões de declaração de estabilidade garantidas. Então, o que é que nós verificamos? Que o sistema está doente. Há um defeito no sistema. Porque as DCEs são emitidas, apresentadas aos órgãos públicos, à Agência Nacional de Mineração, ao Ministério Público, à Secretaria de Estado de Meio Ambiente, e esses órgãos definem suas atividades fiscalizatórias com base nessas informações. Só que o sistema não tem mecanismos para garantir a independência das empresas de auditoria. Por exemplo: a TÜV SÜD tinha mais de seis contratos em andamento com a Vale, com cifras superiores, no global, a R$10 milhões para outros serviços, enquanto era auditora independente da Barragem B1. Então, as provas já indicam essa relação promíscua entre a empresa de auditoria e a empresa auditada.
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O Ministério Público de Minas Gerais, após o desastre de Fundão, capitaneou um projeto de lei de iniciativa popular chamado Mar de Lama Nunca Mais. Esse projeto finalmente foi aprovado, foi sancionado pelo Governador, no dia 25 de fevereiro deste ano. Exatamente um mês depois do desastre de Brumadinho, houve a sanção integral do projeto, que foi aprimorado nesses quase três anos, com a participação do Ministério Público, da sociedade civil, de órgãos públicos como o Ibama. Então, é um projeto que realmente vem trazer um novo paradigma para o licenciamento ambiental e para a fiscalização de barragens em Minas Gerais.
Vou citar alguns exemplos dessas inovações, por exemplo: hoje lá não pode haver barragens ou serem alteadas barragens, se identificadas comunidades nas chamadas zonas de autossalvamento. São aquelas áreas a jusante, abaixo da barragem, onde não haveria tempo para as autoridades agirem em caso de desastre; a pessoa precisa se autossalvar. E os casos recentes demonstram que são essas pessoas as primeiras a morrerem, a serem impactadas; não há tempo para se autossalvarem. Na B1, o vídeo demonstra aí, que, em menos de um minuto, a onda já estava atingindo os trabalhadores ali no refeitório. Então, não haveria tempo hábil. Então, hoje é proibido; essa situação é proibida em Minas Gerais. É um grande avanço, é o cerne, na minha opinião, dessa nova lei.
Também a lei exige as melhores tecnologias disponíveis. No Estudo de Impacto Ambiental, a empresa deve mostrar por que está utilizando a barragem, se hoje há tecnologias mais modernas com o desaguamento. Nós temos o empilhamento dos rejeitos arenosos, o empilhamento drenado; nós temos o espessamento dos rejeitos lamosos. Essa é a tecnologia que vai ser utilizada no retorno da empresa, no eventual retorno da empresa Samarco.
Logo que assumimos - o Dr. Tonet assumiu como Procurador-Geral de Justiça, em dezembro de 2016, e me convidou para assumir a área ambiental do Ministério Público -, nas primeiras reuniões, já colocamos para a Samarco que não aceitaríamos mais do mesmo; que, na verdade, se ela quisesse retomar, ela teria que reinventar a sua atividade. Isso é um trabalho que está sendo feito com o acompanhamento contínuo do Ministério Público, por meio da sua auditoria técnica, fruto de um termo de ajustamento de conduta firmado com a Samarco. Eu tenho reuniões mensais com a Samarco de cerca de cinco horas, com a auditoria técnica; estamos em desenvolvimento de um projeto de filtragem que vai ser, tudo indica, colocado em operação aí na retomada da Samarco.
Então, além disso, a lei também exige o licenciamento trifásico. Hoje a lei ambiental permite uma licença em fase única para a mineração. B1 teve uma licença concomitante à licença prévia de instalação e de operação. A lei não vai permitir mais isso; para barragens é necessário o licenciamento trifásico. Isso é uma garantia do sistema. Passar para uma fase seguinte, só quando você cumprir todas as condicionantes das medidas mitigadoras, é uma garantia do sistema. A lei exige caução ambiental também. O empreendedor, desde o primeiro momento, vai ter que reservar uma quantia em dinheiro para fazer frente a um eventual desastre ou para descomissionar, descaracterizar a barragem ao final da operação.
Eu costumo dizer que teve um lado até positivo dos dois maiores desastres de mineração envolverem uma das maiores mineradoras do mundo. Imagine se fosse uma mineradora que não tivesse condições econômicas para fazer frente às indenizações, à recuperação ambiental! Então, a caução é uma necessidade.
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E também, por fim, essa lei veda novas barragens a montante em Minas Gerais e o alteamento das barragens a montante existentes, e fixa prazo para o descomissionamento dessas barragens. Em três anos, é o prazo fixado pela lei, essas barragens deverão ser descomissionadas.
Mas a lei não enfrenta ainda o problema das auditorias. Então, nós fomos, como o Dr. Tonet disse, numa missão do Governo brasileiro, do Estado de Minas Gerais, à Holanda, que também aprender um pouco com outros modelos. Esse modelo holandês é um modelo que pode ser referência para o sistema brasileiro, porque a Holanda prevê uma comissão independente para a avaliação de impacto ambiental.
Então, com base nisso, eu até fiz um documento que apresentei à Comissão Externa da Câmara dos Deputados, em relação aos projetos de lei que foram elaborados, nove projetos de lei. Eu fiz uma análise preliminar de dois deles, o que prevê o licenciamento, o que trata do licenciamento ambiental e também o que atualiza a Lei de Política Nacional de Segurança de Barragens. E nós propusemos ali um modelo pelo qual as autoridades identificam, apontam a empresa de auditoria. E a empresa mineradora apenas...
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES. Fora do microfone.) - Quem aponta?
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - As autoridades públicas...
Haveria um credenciamento prévio dessas empresas de auditoria para garantir critérios de independência, excelência técnica e expertise dos profissionais, com um termo de referência, por exemplo: "Não pode ter prestado serviço para tal empresa, para a empresa vai auditar em tal período de tempo"; estabelecimento de quarentenas. Então, faria um credenciamento. A autoridade pública, no caso, a ANM ou o órgão licenciador, apontaria a empresa para fazer a auditoria, e o empreendedor apenas custearia os serviços. No meu entendimento, esse modelo seria um aprimoramento. Quanto menos for próxima a relação entre a empresa de auditoria e a empresa auditada, isso é uma maior garantia de independência do sistema.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Mas a empresa custear um processo numa Comissão Externa como essa, ainda que sejam indicadas as pessoas pelos órgãos técnicos, não acha comprometedor?
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Não, pelo contrário...
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - O envolvimento econômico da empresa poderia - muito obrigada - gerar um...
Gente é porque eu estou tomando remédio, viu? Então, sou eu e ele aqui - não é? -, com medicamento antibiótico. (Risos.)
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Há um princípio no Direito Ambiental que é o princípio do poluidor-pagador. Quem aufere lucros com a atividade econômica deve ser responsável por todas as externalidades, por todos os custos decorrentes dessa atividade. Então, esse trabalho de auditoria é um trabalho extremamente técnico, que exige equipes multidisciplinares, realização de estudos geotécnicos. Não é possível, na minha visão, que o órgão público arque com todos esses custos. Eu vislumbro um sistema no qual haja uma fiscalização pública eficiente, um controle público eficiente. Hoje isso não é real no Brasil, pelos dados que foram publicizados. A ANM Minas Gerais, antes do desastre, tinha nos seus quadros apenas três fiscais para fiscalizarem mais de 200 barragens. Então, há uma deficiência tanto do ponto de vista humano, quanto material dos órgãos de controle. Isso deve ser aprimorado.
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Foi proposta até uma ação pelo Ministério Público Federal, em face da ANM, com esse objetivo. Possivelmente nós vamos conseguir aí lograr um acordo nessa ação para melhor estruturar a ANM, mas são duas coisas que devem atuar conjuntamente. O autocontrole também é necessário, ter auditores independentes é necessário, só que tem que ter mecanismos que garantam a independência.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Para garantir a independência. (Fora do microfone.)
Desculpe interrompê-la.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Pois é, lá fora a sociedade tem mais controle disso do que se tem no Brasil. A interferência econômica de alguém que vá manter uma auditoria como essa tem uma leitura aqui no Brasil de uma certa dependência de quem paga. Eu tenho muito medo disso. Por exemplo, nós estamos conversando sobre tudo isso aqui, mas eu estou aqui com uma preocupação adicional, qual seja: nós estamos conversando sobre aquilo que aconteceu e, ao mesmo tempo, há uma ameaça de outros acontecimentos.
Simultaneamente a isso - Dr. Antônio, Dr. Helder, Sra. Andressa -, nós temos que ter uma ação de acompanhamento dos possíveis desastres que estão cantados em verso e prosa de que podem acontecer a qualquer momento. Há uma, outras várias barragens com problema de risco de desmoronamento. Neste momento, entre uma coisa e outra, até chegarmos a um projeto ideal, que aí, como legisladora, eu quero ter oportunidade de estudar muito todas essas comissões externas, como elas serão, de que forma que elas viverão, qual é a cumplicidade entre a empresa e elas, porque não pode existir. E também é preciso estarmos atentos ao acompanhamento.
E até é uma pergunta que eu faço: dentro desse quadro, que nós vemos, de prováveis... Eu vou chamar de quê? De tragédia, de calamidade...
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI (Fora do microfone.) - De desastre...
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Não vou chamar de desastre, não vou chamar de desastre, porque desastre é uma coisa que pode acontecer a qualquer momento, mas para isso já há um aviso prévio. Nós estamos esperando Barão de Cocais a qualquer momento, não é isso? E fica até uma coisa doída - uma imagem mexeu tanto para cá, tanto para lá - e uma observação atônita.
Então, acho que, nesse processo, agora dá para haver uma ação de intervenção. Até há a pergunta se vocês estão acompanhando as outras barragens que estão denunciadas, o que os senhores podem fazer, o que nós podemos fazer, porque aqui é a parte da legislação. Quando a senhora fala em comissão externa, até anotei aqui, a senhora falou alguma coisa sobre caução, o que achei muito interessante; a comissão externa independente. E essa palavra "independente" me soa melhor, se não tivermos... Não é que o Poder Público pode pagar tudo, mas o Poder Público também taxa, ele também recebe dinheiro. A Agência Nacional recebe as multas, as taxas. O que se faz com esse dinheiro? Não pode ela ter uma comissão externa, fiscalizadora e aí com independência, sim, independência da empresa, que é o que mais me preocupa? A Vale não agiu, até este momento, pelo que nós estamos sabendo, em relação a isso, com o compromisso de quem tinha o dever objetivo do cuidado.
E, com a fala dele, que me esclareceu muitas coisas, com a visão do dever objetivo do cuidado, que eu pergunto: o que nós podemos - juntando tudo o que precisamos fazer, para exigir uma nova modalidade técnica, de controle, de fiscalização - fazer para que a Vale não continue na direção em que ela sempre esteve e para evitar essas novas tragédias? Porque, ainda que se perca uma vida, é uma tragédia; ainda que se comprometa o ambiente, é uma tragédia.
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O trabalho que a senhora demonstrou é extremamente importante, mas queríamos construir um rito nesse processo, para que a gente possa também estar atento aos passos que a Vale vai dar em relação àquilo que ela está hoje colocando, expondo, como também quanto a outras barragens de risco que estão espalhadas. Então, precisamos juntar a iniciativa para se proteger futuramente, mas também ver o que que nós podemos fazer imediatamente, e não só os senhores, cujo trabalho estou vendo que é extremamente competente.
A senhora demonstra... Eu só fico orgulhosa - desculpem-me os demais - por ser mulher, com essa propriedade, com esse conhecimento...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Pois é, um pouco mais atrás: "Não; não põe, não, porque é mulher". Agora: "Põe, porque é mulher". Entendeu? Isso é muito importante.
Então, esse objetivo de cuidado de que ele fala, que a gente possa construir isso juntos. A senhora, com a sua visão extremamente profissional, técnica, cuidadosa, respeitosa, comprometida, e os demais, o Dr. Antônio e o Dr. Helder, que a gente possa, nesse interregno, saber o que efetivamente o Ministério Público pode estar fazendo para socorrer os evidentes diagnósticos de cuidados quanto a tragédias que possam estar em andamento.
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Senadora, em relação a isso, nós, no mês de fevereiro, pouco antes do Carnaval, se eu me recordo, fizemos uma reunião na Procuradoria de Justiça. Nós identificamos todas as barragens da companhia Vale situadas em Minas Gerais. Convocamos os Promotores para uma reunião. Preparamos todo um material de apoio numa pasta virtual, com modelos de ações, portarias, peças jurídicas. Orientamos os Promotores e propusemos várias ações no Estado de Minas Gerais. Hoje são 21 ações civis públicas. Conseguimos liminar em todas elas, no sentido de ter várias medidas independentes, auditoria externa independente, de acordo um termo de referência que foi construído pelo Ministério Público, que prevê refazimento de estudos geotécnicos; todas as fases necessárias para se auditar, de uma maneira real, a barragem, para podermos conhecer a situação dessas barragens no Estado.
Em relação a nossa atuação, eu acho que ela motivou também algumas empresas a terem se negado a conceder a DCE para algumas barragens em 31 de março. Então, várias empresas aí não concederam a certidão de declaração de estabilidade. Essas barragens entraram em nível de emergência e elas estão sendo monitoradas. Então, nós estamos atuando em relação a essas questões mais urgentes de barragens processualmente e também extrajudicialmente.
Em relação a Barão de Cocais, especificamente entramos com três ações, inclusive no âmbito socioeconômico, para garantir aí também o pagamento de valores emergenciais para as pessoas atingidas que deixaram de auferir renda em razão dessa situação que se prolonga por vários meses já. E a expectativa é de que se prolongue até por anos, porque se retornar à estabilidade da Barragem Sul Superior, isso é uma ação de longo prazo; vai ser necessário um descomissionamento.
Eu sobrevoei a área anteontem e, inclusive, pude ver a existência de trabalhadores, vários trabalhadores ali contratados pela empresa Vale, que estão trabalhando numa área muito próxima à barragem, em obras emergenciais de contenção, para a hipótese de ruptura da barragem.
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Então estão sendo feitas medidas para conter os rejeitos. A zona de autossalvamento foi evacuada em fevereiro em Barão de Cocais, assim como nas demais barragens com nível 2 ou nível 3 de emergência, mas há, ainda, sempre a preocupação em relação à zona secundária de inundação, que é aquela área que vai ser atingida pela lama e pelos rejeitos num período de tempo maior. A Defesa Civil vem trabalhando de maneira incansável, a Defesa Civil estadual e também as Defesas Civis municipais envolvidas, fazendo simulados de emergência para treinar a população a como agir na hipótese de ruptura, mas a incerteza e a insegurança são reais, e as pessoas estão vivendo a lama antes de a lama atingi-las. Os efeitos da lama são sentidos.
Para os senhores terem uma visão desse problema, eu não pude sobrevoar o centro de Barão de Cocais porque a população está aterrorizada, então me pediram para o helicóptero só ficar na zona rural, porque quando as pessoas avistam um helicóptero ficam desesperadas. As crianças... Nas calçadas, está pintado em vermelho onde a lama vai passar. Isso acontece em Nova Lima, em alguns distritos de Nova Lima, também em Barão de Cocais. As crianças pulam a área vermelha da calçada, "ah, aqui a lama, a lama está aí". Então a lama já está atingindo as pessoas, e precisamos fazer alguma coisa para mudar. E, do meu ponto de vista, o papel que esta Casa pode ter é ir contra esse movimento de flexibilização da legislação ambiental, porque há um discurso sempre muito forte no sentido de que a preservação do meio ambiente é um entrave ao desenvolvimento econômico, quando isso não é verdade.
Na verdade, há problemas relacionados ao licenciamento ambiental que são muitas vezes ocasionados pela pouca, pela baixa estruturação do sistema como um todo. Então, na minha visão, enfraquecer a legislação de proteção só vai agravar esse problema. Nós precisamos ter em nível nacional uma legislação forte como essa que foi finalmente editada em Minas Gerais, nós precisamos enfrentar o problema da ausência de independência das assessorias técnicas, não só para as auditorias, mas também para a elaboração dos estudos de impacto ambiental, porque não são raros os estudos de impacto ambiental que minimizam os problemas. Há um estudo todo numa direção, e a conclusão final é contrária, sempre permitindo a instalação de atividades que muitas vezes não seriam possíveis naquele local, seja pelas características naturais da área, seja pelas características das populações tradicionais. Então, enfrentar esse problema da independência é um ponto em que eu acho que esta Casa, assim como a Câmara dos Deputados, o Congresso como um todo tem um papel muito importante. E o Ministério Público está pronto também para contribuir, para a gente avançar nessa legislação mais forte, que possa garantir a segurança das pessoas e do meio ambiente.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Eu só gostaria de... O senhor gostaria de falar, doutor?
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Eu queria só... Se o senhor me permitir...
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Claro, perfeitamente.
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Na linha da fala da Andressa, tem um ponto que eu tenho percebido na minha atuação já com os atingidos, sob a ótica dos atingidos: é preciso aprimorar o sistema de informação, para que as empresas cumpram... E eu até entendo... Acho que isso pode ficar melhor explicitado na legislação, mas eu entendo...
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Por exemplo, esta Casa, o Legislativo brasileiro vem de promulgar a Lei da Transparência. As nossas remunerações, toda a movimentação do serviço público tem que ficar evidenciada. E quando a gente trata, por exemplo, de licenciamento ambiental, que é um procedimento estritamente público e com repercussão na vida das pessoas... Um licenciamento ambiental, se uma licença ambiental é concedida, ou os planos de ação emergencial de barragens, isso afeta a vida das pessoas. A gente tem uma série de documentos que são produzidos pelas empresas e que são entregues a órgãos públicos. A gente precisaria pensar numa forma de obrigar - e aí talvez uma legislação específica -, de clarificar essa exigência de que esses documentos sejam desde sempre públicos, na rede mundial de computadores, porque, por exemplo, se eu tenho um licenciamento...
Eu falo isso porque eu percebi, num caso de atuação lá em Minas Gerais, ao questionar a Semad sobre o dever dela de exigir que a empresa colocasse na rede mundial de computadores o seu EIA, que é o estudo de impacto ambiental, ela disse que não podia exigir isso, a Semad, o Copam, o sistema mineiro de licenciamento, porque a matéria era regulada por uma resolução do Copam de 1993 que se contentava com o depósito de uma cópia do EIA, o estudo de impacto ambiental...
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG. Fora do microfone.) - Nossa, 1993!
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - ... nas Câmaras Municipais ou em alguns lugares. E aí vejam bem: se você está tratando de uma atividade dessas, você tem o interesse inclusive dos concorrentes, até a concorrência, os concorrentes têm que ter o direito de saber como se vai fazer, até para que se tenha crítica. A universidade, a partir do momento em que você tem essa informação disponível, a universidade tem acesso, e inclusive o trabalho no Ministério Público é facilitado, porque se um estudo como esse fica disponível na rede mundial de computadores, os pesquisadores vão ter acesso a ele e vão poder criticá-lo. E a população vai ter acesso também, vai poder entender, vai poder perguntar, vai poder pedir esclarecimentos.
Esse é um outro lado também dessa ideia da Andressa que eu acho que é muito importante que a gente pense. E, em termos de cooperar com o Legislativo, acho que talvez a gente precise pensar em mecanismos de imposição de transparência, porque há documentos que devem ser públicos, eles não podem ter uma publicidade restrita, eles têm que ser submetidos à crítica, à luz, a população tem que ter acesso, tem que ter possibilidade de ver os conteúdos para poder criticá-los. Esse é um ponto que a gente precisa... E o sistema hoje se contenta com a entrega, por exemplo, do PAEBM, e as pessoas se ressentem, porque a gente quer saber por que se definiu essa... A gente tem algumas discussões sobre essa definição de zona de autossalvamento, qual seria o alcance da mancha, como é que se trabalha. A gente precisa ter a possibilidade inclusive de discutir isso com os órgãos, seja os órgãos serem obrigados a publicizar isso, seja as empresas - esses documentos.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Eu gostaria de pedir, Dr. Tonet, para nós retomarmos uma pergunta que eu fiz que para nós é fundamental no direcionamento daqui para a frente.
O senhor acredita que, com os novos fatos que vieram à tona com a questão de Brumadinho, a decisão sobre a qualificação de homicídio poderia ser diferente do que aconteceu em Mariana? Nós conseguiríamos avançar essa acusação diante das novas provas?
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O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Senador, eu acredito que sim, mas essa não pode ser uma resposta peremptória, porque essa conclusão será feita pelos promotores, que estão atuando em conjunto com os Procuradores da República, com a Polícia Civil e com a Polícia Federal. Em relação a isso, os promotores têm autonomia e independência funcional para, no momento oportuno, qualificar o crime como inundação, homicídio culposo, homicídio doloso. Então, eu não poderia antecipar esse mérito porque nós não concluímos ainda a investigação, nós não concluímos ainda os trabalhos, seria prematuro.
Esse debate é válido, ele é até instigante no meio político, no meio acadêmico, muitos Senadores entendem de uma forma, outros entendem de outra forma, no meio acadêmico também... Têm sido um grande laboratório nas universidades esses casos, tanto o de Mariana quanto o de Brumadinho, mas nós, que estamos na ponta da investigação, principalmente os promotores, não podemos, antes do momento oportuno, antecipar o mérito.
Então, eu entendo a preocupação e a ansiedade da sociedade com relação a uma resposta criminal efetiva por parte do Ministério Público, nós a daremos no momento oportuno, mas essas considerações são importantes. Esses novos elementos de prova que estão surgindo nesse contexto podem realmente levar os promotores à convicção de que se trata realmente de homicídio doloso, com dolo eventual. Isso pode acontecer.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - É, a Senadora Rose até já externou uma parte da nossa preocupação. Nós temos 280 mortos, 290, hoje, número oficial, entre os 25 desaparecidos - eu posso até estar enganado em um ou outro - e 265 já identificados pelo Instituto Médico Legal e os corpos entregues às famílias. A preocupação nossa é de que a sociedade brasileira assista a um crime como esse, no âmbito ambiental, administrativo também, há um crime a ser considerado, e que ninguém seja condenado ou preso no homicídio pelas mortes dessas pessoas. Essa é uma preocupação que a sociedade tem e que é a nossa preocupação.
A questão é saber a responsabilidade de quem e em cada grau, mas alguém matou essas pessoas.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Alguém matou.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Alguém matou. E quem matou essas pessoas tem que responder por homicídio. E aí, Promotora, Dra. Andressa, eu estendo a sua consideração: será que, com tudo que nós agora elencamos, que vamos apresentar, a aceitação, a denúncia de crime de homicídio tem mais chance de prosperar, apesar da decisão do TRF da 1ª Região, será que nós vamos conseguir avançar ou será que nós vamos precisar criar novos tipos legais inclusive para definir o que é homicídio no Brasil?
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Senador, eu ratifico as palavras do Dr. Tonet no sentido de que não é possível emitir agora um juízo de valor em relação à tipificação, porque isso vai depender do que a equipe como um todo definir em relação ao ponto de vista jurídico mesmo da escolha da equipe. Mas eu acredito que, como o senhor bem colocou, as provas são muito contundentes no sentido de responsabilização dos culpados, seja qual for o tipo penal escolhido ali pela equipe de promotores no momento do oferecimento da denúncia. O importante é a consistência das provas, a consistência em demonstrar essa cadeia de comando da tomada de decisão e quem são os verdadeiros culpados pelos crimes. Acho que esse é o trabalho principal.
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A tipificação, seja qual for a escolha, embasada em provas consistentes, vai levar à responsabilização. É nisso que nós acreditamos, nós trabalhamos com esse objetivo.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - A senhora sabe, por exemplo, que a Vale... Nós não podemos menosprezar a capacidade de articulação da Vale. Eu já disse e repito que eu não quero acabar com a Vale. Eu quero um novo comportamento de uma empresa desse tamanho, que tem grande importância para o Brasil, que gera emprego, riqueza e tudo o mais, mas que tem que estar comprometida com a vida, com a questão ambiental, enfim, comprometida com o País.
Sabe que a Vale contratou, recentemente, uma ex-Ministra do STF, para minha grande surpresa, não a contratação, mas para qual papel? Ela vai compor uma comissão para investigar as causas do rompimento da B1. A Vale contrata uma ex-Ministra do STF para compor uma comissão. Nós estamos todos trabalhando nessa direção. Melhor do que o trabalho até desta Casa, e em paralelo, é o trabalho que os senhores estão fazendo. Sobre ele e sobre esta Casa não vai parar qualquer dúvida, mas compor, contratar.... É um arsenal de guerra sem precedentes. Eu nunca vi isso, contratar uma ex-Ministra do STF para compor uma comissão que vai investigar a causa do rompimento da B1, como se não estivessem as causas suficientemente demonstradas por depoimentos, laudos, pareceres ao longo desse tempo, como se não estivesse tão evidente.
E aí fica a pergunta que o Senador colocou: é uma tentativa de influenciar no resultado final? De se contrapor às evidências de todos os relatórios que serão apresentados? Torno a repetir que eu sou pela saúde da Vale, inclusive de gestão. Novo comportamento, nova atitude, novo comprometimento...
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Excelência, posso fazer um aparte com relação à gestão? Uma das preocupações que nós tivemos - e aí da força-tarefa como um todo, o Ministério Público Federal até que liderou esse movimento, e nós aderimos e trabalhamos nesse sentido também - foi de, durante esse processo e logo após o rompimento da barragem, obtermos a substituição de toda a diretoria da Vale, porque nós entendíamos que aquela diretoria estava comprometendo os trabalhos, não só a imagem da Vale como um todo, mas os trabalhos. Aí postulamos junto ao Conselho de Administração da Vale a total substituição da diretoria, no que nós fomos atendidos. Isso deu uma leveza maior para a diretoria para dar sequência, não estava eventualmente comprometida com os erros anteriores. Isso foi fundamental para a gente prosseguir, inclusive com muitos termos de ajustamento de condutas com a própria Vale. Nós estamos obtendo grandes avanços nessa direção.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Nós vamos fazer uma última pergunta para que os três, por favor, façam uma consideração final juntamente com a resposta, porque daqui nós temos que suspender, terminar para irmos ao Plenário, mas eu gostaria muito que os senhores falassem agora sobre a questão da indenização às vítimas, o porquê da demora, a dificuldade que nós temos em que essas famílias sejam reembolsadas em pelo menos parte daquilo que perderam.
Qual experiência, Dra. Andressa, que a senhora traz, Dr. Tonet, Dr. Helder, em relação a isso, ao direito dessas famílias a serem ressarcidas e indenizadas em toda essa situação que nós temos. Agora, em Barão de Cocais, por exemplo, o pessoal não dorme, o comércio fecha. Qual é o balanço que vocês fazem para nós em relação a isso, por favor?
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A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Eu vou começar essa análise pelo caso Samarco, pelo que nós verificamos ali.
Eu ingressei na coordenação da força-tarefa um pouco mais de um ano após a ocorrência da ruptura de Fundão. Nós verificamos uma demora inaceitável em relação tanto à indenização aos atingidos quanto à recuperação ambiental. O Ministério Público, desde o início, se contrapôs ao TTAC, o chamado Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, que foi firmado entre a Vale, a BHP, a Samarco e os governos dos Estados do Espírito Santo e de Minas Gerais, que criou a Fundação Renova com 41 programas de reparação - hoje são 42 programas.
A Fundação Renova não tem demonstrado capacidade de fazer as suas ações com a celeridade necessária. Então, até hoje, Bento Rodrigues não foi realocada, não há uma nova Bento. O Ministério Público tem que trabalhar diuturnamente nesse processo para praticamente guiar a atuação da Fundação Renova. Então, há uma demora em relação à realocação - o Dr. Helder pode falar também sobre as outras comunidades impactadas; o Dr. Helder tem um trabalho fantástico de assistência às vítimas do desastre de Fundão, ele conhece as pessoas envolvidas pelos nomes.
Então, nós quisemos, em Brumadinho, não incidir nesses mesmos erros. Assim, o Ministério Público, desde o início, se posicionou contrariamente à criação de qualquer ente que pudesse receber a tarefa que é da poluidora, é da causadora do problema, do dano - cabe à entidade que cometeu o crime recuperar o meio ambiente e reparar as vítimas. Então, o Ministério Público, desde o início, chamou a Vale à sua responsabilidade.
Conseguimos avanços significativos em relação a pagamentos emergenciais. Já na semana seguinte, conseguimos estender a todos os residentes em Brumadinho o pagamento de um salário mínimo para adulto, meio salário mínimo para adolescente, um quarto de salário mínimo para criança, e a todos os residentes a um quilômetro da calha do Rio Paraopeba até Retiro Baixo, que é onde a pluma de rejeitos e substâncias contaminantes se encontra hoje, no Município de Pompéu. Mas há um trabalho muito complexo em relação à reparação integral, porque modos de vida são modificados num desastre dessa magnitude, não é uma questão só de dividir dinheiro. Há cidades que perderam a sua vocação completamente. Nós tivemos isto no desastre do Rio Doce e também agora, no Paraopeba: há cidades que viviam do turismo e não vão poder mais fazer isso. Então, têm que ser quantificados esses danos e, para isso, os atingidos precisam de assistência técnica, porque eles têm que negociar em condições de igualdade com a empresa - a empresa é a quarta maior mineradora do mundo; então, ela tem um corpo de advogados e de profissionais ilimitado, e os atingidos, muitas vezes, ficam numa situação de disparidade.
Então, a assistência técnica vai combater essa disparidade, e nós conseguimos, já na semana seguinte ao desastre, garantir o pagamento, pela Vale, de assistência técnica a todos os atingidos. Nós estamos numa fase de escolha das assistências técnicas - já foi escolhida a de Brumadinho. O Dr. André Sperling, que lidera o nosso eixo socioeconômico no Ministério Público de Minas Gerais, a Dra. Cláudia Spranger e a equipe toda - a Dra. Cláudia é nossa Coordenadora de Direitos Humanos - têm trabalhado diuturnamente, finais de semana, feriados - as escolhas das assessorias normalmente são nos finais de semana, as comunidades é que escolhem quem vão querer que sejam seus assistentes.
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Aí, depois disso, há um trabalho de quantificação dos danos e o pagamento. Mas tudo isso está sendo acompanhado, e acompanhado de perto, pelo Juiz da 6ª Vara de Fazenda Pública de Minas Gerais, que está fazendo audiências quinzenais e homologando acordos parciais.
Então, nós acreditamos que esse trabalho de indenização vá ser muito mais rápido em relação ao que ocorreu em Mariana. Essa é a nossa expectativa.
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Paralelamente a isso há o trabalho de recuperação geoeconômica. A cidade é muito afetada. Eu sei do trabalho individual, daquele que tinha uma pousada, daquele que tinha uma farmácia, uma creche, por aí afora.
O conceito da unidade municipal é muito amplo, não só do esvaziamento da cidade como também todo o sacrifício econômico que a cidade sofreu, é uma derrocada. Existe isso institucionalizado como unidade federativa? Há um trabalho para a recuperação do capital de conceito econômico e geográfico?
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Há, sim, Senadora.
Como o Dr. Tonet disse, nós ingressamos com as medidas cautelares, tanto ambientais, no dia 25, como socioeconômicas, no dia 26, e depois propusemos nossas ações principais. Foi proposta, em 13 de março, a ação principal socioambiental, um documento de mais de 120 páginas com milhares de documentos anexos, que prevê toda a recuperação ambiental. Aí são especificados patrimônio cultural, fauna, flora. E, na questão socioeconômica, também: nós propusemos a ação principal socioeconômica. Então, até o prejuízo aos Municípios já está postulado em juízo, os prejuízos que os entes municipais sofreram, que todas as comunidades sofreram. Ela é muito ampla, é uma ação também com mais de 100 páginas. Então, isso já está postulado.
Agora o Ministério Público vem, junto com as demais entidades públicas e a empresa... Há certa dificuldade nessa negociação, não posso negar. Não é assim: nós propomos e a empresa aceita. Não. Essas audiências são audiências que demoram seis horas, há uma discussão muito intensa, mas nós conseguimos avançar por acordos parciais. Então, a nossa expectativa é ir fazendo acordos para ressarcir os Municípios...
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Já se pode determinar um prazo de conclusão desse acordo com a Vale? A Vale tem todo interesse de postergar...
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - O juiz vem dando um impulso de celeridade muito firme no processo. Se a gente não consegue acordo, o juiz determina. Na própria audiência, ele diz: "Ah, não há acordo? Então eu vou sentar aqui e vou decidir!" E ele começa a redigir, o que motiva o acordo. Então, tem acontecido isto, a gente tem conseguido avançar também pelo impulso do Poder Judiciário. Então, são as instituições todas juntas, e nós acreditamos que vamos avançar celeremente. Mas é muito complexo, não dá para finalizar as indenizações este ano, é um trabalho de fôlego, de longo prazo, e que nós estamos fazendo pouquinho a pouquinho.
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Há uma questão, Senadora, em relação às indenizações.
A Vale, logo após o desastre em Brumadinho... Eu sei que a senhora não gosta muito do termo "desastre", mas a gente o prefere, até como um antônimo de "acidente", porque a ideia de acidente é que a gente afasta mais fortemente.
A Vale já se mostrou para nós até... Procurou a advocacia do Estado num primeiro momento querendo que a gente já parametrizasse as indenizações, já as estabelecesse - as indenizações individuais, das pessoas. E nós entendemos que nós não podemos fazer isso, nós precisamos ouvir as pessoas. E, aí, esse conceito de que a Andressa falou, da assessoria técnica, é muito importante, porque é preciso que quem dê valor aos bens perdidos sejam as pessoas que os perderam ou, no mínimo, que elas tenham participação nesse processo. O que a gente vê da empresa...
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Então, quando dissemos para a Vale que não estávamos dispostos a fazer aquilo que ela queria, aí - não sei se os senhores se lembram daquela promessa de doações - a Vale começou a dizer que faria doações, doações de 100 mil por morto. Mas aquilo porque, de início, ela queria fazer esse acordo com a gente, queria que os órgãos chancelassem essa ideia dela, e nós entendemos que não podíamos, porque existem questões que são da vida das pessoas que as pessoas precisam definir.
O caso de Mariana tem nos ensinado que também existem danos que vão aparecer com o tempo. Os danos à saúde, que são muito graves, muitos deles estão aparecendo agora, com o tempo: problemas de pele, problemas de saúde mental. Esses pontos, não dava para a gente dizer...
E a lógica que permeou esse processo, com todo respeito àqueles que dele participaram, tem algumas coisas boas, como o TTAC, tem alguns méritos, como uma iniciativa primeira de busca de reparação, da atuação dos governos, mas teve um demérito muito grande, que foi o de criar a ideia de que, com o pagamento de determinado valor, a coisa estaria resolvida para as empresas. O grande defeito do TTAC, a despeito dos méritos que têm de ser reconhecidos, foi exatamente esse.
Ainda hoje a Fundação Renova trabalha com essa lógica do TTAC, muito embora os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas tenham firmado com as empresas e os governos um TAC, que é o chamado TAC Governança, que prevê uma repactuação e que trabalha com a ideia de reparação integral e não apenas reparação naqueles termos do TTAC.
É que o TTAC... Veja bem uma coisa; talvez a senhora já tenha visto essa situação acontecendo no Espírito Santo. Em relação às indenizações das perdas que as pessoas tiveram, o programa essencial é o PIM, o Programa de Indenização Mediada. É um programa que tem muitos defeitos, sendo o principal deles o seguinte. Esta semana houve a reunião do CIF, o Comitê Interfederativo, que é um comitê criado pelos Governos de Minas Gerais e do Espírito Santo para fiscalizar a atuação da Renova. E ainda nesta semana nós recebemos produtores rurais de Conselheiro Pena e de vários lugares atingidos, e eles trouxeram alguns problemas, como, por exemplo: quem não negocia com a Renova, quem não aceita o acordo que a Renova propõe, fica no limbo. Se você não aceita, pela regra do Processo Civil, ela deveria dizer assim: "Então, eu vou te pagar isso que estou propondo e você vai discutir com a gente o restante." Mas não. Se a pessoa não aceita o acordo, vai ficar sem receber. É uma forma de obrigar as pessoas a um acordo, o que é indevido.
E essa crítica é uma crítica que eu estendo também... Nós tivemos um problema muito difícil no caso de Brumadinho: infelizmente, uma das nossas coirmãs, uma das entidades que estavam trabalhando junto, uma parcela delas, aceitou fazer um acordo com a Vale sobre indenizações individuais com o mesmo defeito. Quem não faz acordo como é que fica? E se a Vale propõe... Porque tudo é definido pela Vale. Se a Vale propõe e a pessoa não aceita o valor proposto, a pessoa volta para casa de mãos vazias e vai esperar, porque, inclusive, não está claro... Nesse caso, a Defensoria Pública deveria já, de plano, mover ação individual para aquele atingido que foi fazer um acordo, mas, ao que tudo indica, ela não está fazendo isso e nem há previsão, nesse termo de acordo da Defensoria Pública com a Vale, de que ela vá fazê-lo. Então, a gente tem esses gargalos que precisam ser corrigidos. Nós entendemos - esse é um aspecto - que só com a contratação da assessoria técnica é que os atingidos têm condições, inclusive, de dizer das suas perdas, para que entendam as suas perdas e dizê-las melhor, para ficarem mais fortalecidos nas suas reivindicações. Infelizmente, nós estamos caminhando para a contratação da assessoria técnica em Brumadinho e, embora já tenhamos as entidades escolhidas para a assessoria técnica, no Espírito Santo, nós não temos até hoje nenhuma assessoria técnica contratada. Já estão escolhidas desde setembro e outubro, mas nós temos tido dificuldades como as empresas na definição da forma de contratação e, infelizmente também, com o juiz. Diferentemente do Dr. Elton, que tem tido uma forma de conduzir o processo, o Juiz Federal da 12ª Vara não tem tido, ou talvez eu não tenha percebido - falo da minha percepção -, um olhar como o do Dr. Elton, da 6ª Vara. Digo isso com muita tristeza, porque, nesse processo nós estamos aguardando... Já foi apresentada para ele a listagem das entidades escolhidas, e estamos aguardando que ele homologue essa escolha.
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - É o Juiz da 12ª Vara em Belo Horizonte.
E fico muito preocupado, porque, no site da própria Justiça Federal, há uma fala desse juiz, o Dr. Mário, em que ele fala que o drama... Diferenciando Brumadinho de Rio Doce, de Mariana, ele fala que, em Brumadinho, o problema seria 90% drama humanitário e 10% ambiental e, no Rio Doce, seria 90% ambiental e 10% humanitário.
Eu sinto muito, porque, se ele fala isso numa explanação... De onde ele tira essa conclusão? Quantas vezes ele foi até as comunidades? Quantos atingidos ele ouviu? Quantas vezes ele ouviu as empresas? Quantas vezes ele recebeu os advogados das empresas? Quantas vezes ele recebeu os atingidos, os representantes dos atingidos ou fez audiências com os atingidos? Nesse caso, o Dr. Elton, da 6ª Vara, tem sido digno de elogios, exatamente por sua postura, o que a Dra. Andressa tem ressaltado. As audiências... É claro que há limitações nas salas, mas as audiências têm ocorrido quinzenalmente, tem sido facultada a presença de representações dos atingidos nas audiências, além do Ministério Público e das Defensorias Públicas. Isso, com certeza, tem feito uma diferença positiva em prol dos atingidos.
O que a gente tem de fato, para nossa tristeza, é que a Fundação Renova e as empresas criam, ou trabalham para criar, a ideia de que estão promovendo a reparação. Quando a gente vê os informes da Fundação Renova... Isso a gente não pode deixar acontecer em Brumadinho, muito embora pareça que a Vale tente fazer isso ou tentou fazer isso com esse acordo com a Defensoria Pública. Dá aquela ideia de que está promovendo a reparação e que algumas pessoas poucas que estariam gritando, dizendo que não estão sendo reparadas, essas pessoas seriam aquelas que vão espernear, que estão esperneando.
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Na verdade, eu asseguro aos senhores - até agradeço à Andressa, porque eu tive oportunidade de ir a várias localidades, tenho, sim, tido oportunidade de, pelo Ministério Público Federal, ir desde Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, descendo o rio, no caso de Minas Gerais, até Resplendor, Aimorés e Itueta -, tenho tido oportunidade de conversar, de ter acesso aos atingidos. E a percepção generalizada é a da pouca efetividade ou de nenhuma efetividade da atuação da Renova e de uma preocupação da Renova essencialmente de fazer parecer que está fazendo, que está resolvendo.
Enquanto isso, o custo... E isto a gente não pode permitir: que o custo do desastre fique nas costas das pessoas mais pequenas, das pessoas mais frágeis. Ao ponto de - para os senhores entenderem - esse PIM, que é o Programa de Indenização Mediada da Renova, eles pagarem, por exemplo, num pé de limão, num pé de fruta produzindo que a pessoa perde, um valor menor do que o de 1kg da fruta. A gente tem casos, claro, de oferecerem por um pé de limão produzindo valor menor do que o de 1kg de limão na feira, ou de quererem pagar a muda ou, por exemplo...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES. Fora do microfone.) - A produtividade não leva em consideração.
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Não leva.
A Célia trouxe a questão, por exemplo, na hora de pagar o lucro cessante de quem perdeu: tem perdas de vacas, perda da produção de leites, de bezerros, vacas que estão abortando, plantas frutíferas também estão abortando, porque não estão produzindo. Aí, se uma vaca aborta, se ela não dá uma cria, não é só o leite que está se perdendo, não é só a produção de leite que reduz. Pensem numa bezerra ou num bezerro, no momento em que ele vai ser vendido para o produtor rural, no custo dele. A Fundação Renova se nega a trabalhar, na reparação, o reconhecimento desses fatos e quer trabalhar sempre, por exemplo, com os animais, como se todos os animais fossem para corte; e, na verdade, não é isso. Uma vaca perdida, uma vaca que está em certa idade, a gente tem que pensar: quantas crias ela teria? Quantos bezerros seriam? E se fosse uma bezerra? Quantos bezerros seriam?
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG. Fora do microfone.) - É o lucro cessante.
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - O lucro cessante não tem comportado isso. Uma galinha, quantos ovos ela vai botar? Esses ovos dariam uma galinha chocadeira? Quantas outras galinhas? Esse tipo de cálculo precisa ser feito considerando a forma como a pessoa vivia e não a lógica da Fundação Renova, porque, do contrário, o custo fica nas costas das pessoas, do produtor rural, do pescador, de pessoas pequenas.
Essa preocupação a gente tem tido. E a gente entende que a assessoria técnica aos atingidos é a melhor forma de perceber, de dar voz aos atingidos e os atingidos apresentarem... Por exemplo, se vai fazer uma matriz de danos, um outro defeito desse acordo da Vale com a Defensoria Pública é que ele trabalha com uma lógica de construir uma chamada matriz de danos sem ouvir as pessoas atingidas. Então, se define um parâmetro: para quem perdeu animal doméstico, eles trabalham com a lógica de R$10 mil de indenização. Seria um tipo de dano moral. Mas quantos animais domésticos... Por exemplo, tem pessoas que teriam cães, cachorros, pets, cujo valor talvez seja até maior do que o valor simples do dano moral. O custo mesmo de aquisição do filhote talvez, pode ter caso, seja até maior que isso. E, na verdade, se você tem mais de um filhote, não dá para se pensar nessas parametrizações sem conversar com os atingidos, sem ter essa percepção de realidade.
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O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Vou só fazer uma correção aqui antes. Eu acabei de receber... Pedi o laudo oficial do número de mortos e desaparecidos. Nós temos, confirmados pela Defesa Civil de Minas Gerais, 244 mortos e 26 desaparecidos, um total de 270 pessoas. Eu havia citado 280, mas são 270 pessoas: 244 mortos e 26 desaparecidos, é o laudo oficial divulgado ontem pela Defesa Civil. Dr. Tonet...
O SR. HELDER MAGNO DA SILVA - Deixe-me só dizer uma coisa aqui. Como o senhor falou em mortes, é importante a gente entender que, quando a gente fala de mortes decorrentes do rompimento, eu começo hoje a perguntar se, no caso do Rio Doce, a gente pode falar em 19 mortes. Só no distrito de Gesteira e em Barra Longa, a gente já teve algumas mortes posteriores. Nós tivemos o caso de uma pessoa que morava lá, que a família morava, a mãe, e, no dia seguinte, foi a Barra Longa, foi lá em Gesteira e, quando voltou a Belo Horizonte, para casa, se matou. Nós temos o caso de uma pessoa que ficou separada da mãe - o Reginaldo e a Dona Geralda -, o Reginaldo, que ficou fora da família, longe da família, porque a casa dele em Gesteira foi destruída, e acabou falecendo a partir desse momento de separação da família. A Dona Geralda, que é a mãe do Reginaldo, tinha 82 anos, tinha 80 anos, mas era uma pessoa que esbanjava saúde. Da morte do Reginaldo em diante, ela caiu em depressão e em pouco mais de dois meses veio a falecer também. São fatos em que a gente percebe claramente que essa demora, além de tudo, tem trazido de respostas... E de reassentamento, não só de reassentamento... Porque houve um momento em que se pediu que se criasse uma solução para a Dona Geralda e o Reginaldo, e a Renova não providenciou essa solução para mãe e filho. E depois da morte do Reginaldo, da internação da Dona Geralda, eles já vieram propondo a solução para a Dona Geralda.
Isso é preocupante, porque a gente precisa perceber a relação desse adoecimento mental, dessas mortes que acabam acontecendo com essa demora da Renova nas respostas. Há outros casos de mortes que eu poderia relatar aos senhores que também preocupam. Esse adoecimento mental tem sido terrível, e as respostas, quando a gente vai trabalhar com a Renova que ela tem a obrigação de aprimorar o sistema, de contribuir para o aprimoramento do sistema de saúde de Barra Longa, o que a gente ouve, eu participei de uma reunião e fiquei chocado, é a pessoa dizer assim, da Renova: "Mas isso que vocês estão propondo é para uma cidade com 150 mil habitantes". Na verdade, era preciso, é preciso. Se você tem um adoecimento mental numa cidade de 6 mil habitantes equivalente ao de uma cidade de 150 mil habitantes, então, na verdade, a resposta tem que ser essa mesmo.
Então, esses pontos são pontos que deixam a gente preocupado com a forma de fazer, com a forma de olhar, com as demoras nas respostas da Fundação Renova. Isso tem sido muito preocupante.
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Dr. Tonet.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Eu...
O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) - Queria fazer uma consideração, Andressa?
A SRA. ANDRESSA LANCHOTTI - Eu só queria fazer uma complementação em relação à dívida dos produtores rurais de Brumadinho.
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Desde a primeira audiência, nós estamos trazendo esse tema, e não há acordo por parte da Vale, porque, quanto aos produtores rurais, muitos foram atingidos e deixaram de produzir. Então, eles estão na expectativa. E alguns já estão com o nome sujo nos sistemas de controle de crédito, e isso leva também a uma questão até psicológica, que pode gerar depressão. E a solução dada pela empresa, não obstante a Defensoria e o Ministério Público buscarem acordo na audiência para o pagamento dessas dívidas dos produtores, dívidas relacionadas à produção rural, é a de remetê-los ao acordo individual com a Defensoria Pública.
Foi feito um acordo com a Defensoria Pública, que o Dr. Helder mencionou. Então, a Vale quer que esses produtores vão buscar a solução lá, que já está parametrizada e não atende, de maneira individualizada para cada produtor, ao seu problema. Então, a empresa muitas vezes fala: "Nós estamos prontos a resolver todos os problemas, fazer acordos", mas a realidade nem sempre é igual, na mesa de negociação, ao que é exposto na mídia. Na negociação nós temos muita dificuldade. Esse é um problema concreto que nós buscamos resolver dos produtores rurais.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Eu gostaria de ratificar tudo o que o Dr. Helton disse e a Dr. Andressa também, com relação às indenizações, e de enfatizar que a Vale, desde o início, desde o primeiro dia, se apresentou com a intenção de promover uma indenização a mais rápida possível. Foi o discurso utilizado, e é utilizado até hoje. Evidentemente que esse é um discurso que minora, diminui um pouco o dano à imagem da Vale, e nada melhor do que as indenizações individuais para satisfazer esse objetivo. Isso é um ponto pacífico. Mas as indenizações individuais não constituem o lado mais complexo da integral indenização. Como disse o nosso Procurador da República e a Dra. Andressa, nós precisamos estabelecer uma matriz que seja completa para a indenização desses danos.
E o que que nós estamos fazendo? Nós estamos buscando, na nossa ação principal de indenização, que tudo, tudo, absolutamente tudo o que for pago, o que já foi pago e o que vier a ser pago a título de indenizações individuais, seja por intermédio do Ministério Público Federal, pela Defensoria Pública estadual, da União, pelo MP, seja por meio de advogados constituídos, que o atingido... A vítima tem o direito de escolher o seu advogado também, ou a Defensoria Pública, isso é um direito natural. Mas que tudo o que for obtido neste momento ou já foi obtido seja considerado um pagamento mínimo, a título de indenização. O que for obtido depois, nas negociações coletivas, seja concedido, seja estendido também a quem já negociou, a quem já recebeu. Esse é o grande trabalho nosso.
E, para concluir, para encerrar a minha participação, eu gostaria, mais uma vez, de elogiar o Parlamento brasileiro, da Câmara de Vereadores lá de Brumadinho, passando pela Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, pela Assembleia Legislativa, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Houve um trabalho muito forte do Poder Legislativo brasileiro em torno da união de esforços, para que esse caso não fique no esquecimento, porque foram precisos três anos e mais uma tragédia para que esse assunto voltasse à pauta nacional. Não bastou a tragédia de Mariana. Nós precisamos ter tido mais uma, a de Brumadinho. Agora nós estamos num momento que não é ainda o do esquecimento.
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O Parlamento de Minas Gerais já contribuiu com uma legislação avançada, um marco regulatório forte, seguro. Eu percebo que a Câmara dos Deputados e o Senado também estão se movendo nessa direção, mas nós precisamos aproveitar este momento, porque, se passarem mais três, quatro anos, a pressão pela produção é muito forte, porque a produção gera empregos, a produção gera riquezas, e Minas Gerais é um Estado... Nós temos dois, três, quatro, cinco Estados em Minas Gerais. Minas Gerais é um universo. Só que, o Estado de Minas, o Estado minerador constitui a nossa raiz. Nós não temos como negar sua vocação para a mineração, para a geração de empregos, riquezas... Então, a pressão é muito grande.
E o trabalho preventivo das instituições, principalmente do Ministério Público, nem sempre é bem compreendido. Nós somos acusados o tempo todo - pelo poder econômico principalmente - de fazermos terror, promovermos terrorismo, quando atuamos preventivamente. São necessárias tragédias para dizer: "Olha, o Ibama, o IEF, o Ministério Público e tantos outros órgãos reguladores estavam certos em exigir o trabalho preventivo". Então, nós estamos buscando esse respeito neste momento.
Então, eu gostaria de mais uma vez agradecer a oportunidade de estarmos aqui, prestando contas do que estamos fazendo, de elogiar, mais uma vez, o Senado - e aqui o faço na pessoa da nossa Presidente e do nosso Relator, por ter tido a diligência de ter ido a Brumadinho, de ter tido reuniões conosco lá -, por estar levando esse trabalho com muito profissionalismo, com muita discrição naqueles aspectos mais sensíveis da investigação, que, no momento oportuno, nós vamos apresentar à sociedade.
Então, com essas considerações, eu agradeço mais uma vez a oportunidade.
Parabenizo também todas as instituições. E aqui abro um parêntese para dizer do Poder Judiciário de Minas Gerais.
Talvez isso tenha sido um diferenciador muito importante, porque o Poder Judiciário de Minas está próximo. Às vezes, a Justiça Federal fica muito distante dos fatos. É por isso que nós estamos clamando que Minas Gerais tenha também um tribunal federal. E parece que isso vai ocorrer agora. Então, os dois juízes de Brumadinho, Dra. Perla e Dr. Rodrigo, têm feito um trabalho maravilhoso, uma responsabilidade fantástica. O Dr. Helton também, da 6ª Vara de Fazenda Pública, os desembargadores que têm decretado as medidas, mantido cautelares, liminares, tanto na área cível como na área criminal. Isso tem sido muito importante também.
Então, eu queria deixar esse registro, ao lado do elogio a todas as instituições, também ao Poder Judiciário de Minas Gerais, que tem dado essa contribuição.
Muito obrigado!
A SRA. PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) - Eu gostaria..
Muitas vezes, nas minhas caminhadas políticas ao longo desses oito mandatos, tenho dito que muito será cobrado - versículo de São Paulo, que diz: "Muito será cobrado a quem muito houver confiado". Então, nessa situação que nós estamos aqui agora, diante desse trabalho repleto de Senadores que participaram, todos os dias, desta Comissão - podemos contar quantos -, ela não deixou desistir.
Esse é um desafio que está posto para os senhores e para a senhora, para o senhor, como está posto para esta Comissão. A união de esforços e a capacidade de, com muita lucidez e responsabilidade, caminharmos juntos é que vai oferecer à sociedade a resposta que ela deseja.
É evidente que nós não desconhecemos que muitas pessoas - meus colegas mostraram isso - diziam assim: "Não queremos que a Vale acabe, vamos perder nosso emprego. Olha o Ministério Público, olha o Senado, olha a Câmara!". E, por outro lado também, as pessoas dizem: "Ninguém vai ser punido?".
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Então, para nós não existe caminho do meio. A escolha, ao instalar esta Comissão - fui escolhida por companheiros de todos os partidos para presidi-la, e V. Exa. foi escolhido para relatar -, foi exatamente a de não procurar o caminho do meio, mas a de procurar o caminho certo. E o caminho certo é com a verdade, é com as responsabilidades.
Eu entendo perfeitamente o que o senhor acabou de falar. Entendo perfeitamente. E o Ministério Público tem que fazer aquilo que está fazendo até agora.
E eu fico feliz... O senhor sabe que eu sou mineira, não é? Nasci em Caratinga. Fui escolhida pelo povo oito vezes para estar dentro da política, com representação, e quero dizer que minha alma mineira fica feliz ao ver o trabalho que está sendo realizado lá. Fico feliz por ver. Leio todas as peças que vêm à minha mão e que são mandadas, inclusive, por Vereadores de pontos distantes: um projeto de lei, uma iniciativa, um discurso, repercutindo as ações dos senhores também.
Portanto, ao encerrar esta reunião, quero agradecer. E gostaria de reafirmar um compromisso nosso, principalmente do nosso Relator, de caminharmos juntos, para chegarmos ao final e termos não a sensação do dever cumprido, mas a certeza de que o dever foi cumprido, à luz absoluta da verdade, que é o que importa a este País.
Muito obrigada a todos.
Dou por encerrada a reunião.
(Iniciada às 9 horas e 48 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 58 minutos.)