29/10/2019 - 7ª - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - Fake News

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Invocando a proteção de Deus, declaro aberta a presente reunião, havendo número regimental para nossa 7ª Reunião da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, criada pelo Requerimento do Congresso Nacional nº 11 de 2019, para investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, a utilização de perfis falsos para influenciar o resultado das eleições 2018, a prática de cyberbullyng sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos, e aliciamento e orientação de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio.
A presente reunião destina-se às oitivas decorrentes dos Requerimentos nºs 161,169 e 171, da CPMI Fake News.
Inicialmente, esclareço que o Requerimento nº 169, de autoria da Deputada Caroline de Toni, solicita a convocação do Sr. Alessandro Barreto, Delegado da Polícia Civil. Entretanto, conforme se depreende da própria justificativa do requerimento, o Sr. Alessandro não se enquadra nas características de testemunha ou de investigado desta CPMI, mas sim de um delegado com relevante atuação no tema, com muito a contribuir para o objeto deste inquérito parlamentar.
Faço essa ressalva para esclarecer que apesar de formalmente convocado para depor, o Sr. Alessandro é um especialista do assunto e, portanto, não está qualificado como testemunha ou investigado.
Consulto à autora do requerimento, Deputada Caroline de Toni, sobre a questão. (Pausa.)
Ela não está presente.
Estão presentes os seguintes palestrantes, os quais chamo para tomarem lugar à mesa.
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Sr. Thiago Tavares Nunes de Oliveira, Presidente da SaferNet Brasil. O Sr. Thiago possui graduação em Administração, Direito e mestrado em Desenvolvimento e Gestão Social. É professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador e professor convidado do ESMPU e da Escola de Governança da Internet - EGI. É Conselheiro Titular do Comitê Gestor da Internet no Brasil e do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do TSE 2017/2018. Em 2005, fundou a SaferNet Brasil, ONG de referência e segurança digital no Brasil. Tem experiência na área de direito e tecnologia, formação e implementação de políticas públicas com ênfase em direitos humanos e Internet e organismos internacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: crimes cibernéticos, governança da internet, crianças e adolescentes e direitos e liberdades fundamentais.
Seja bem-vindo!
Convido o Sr. Alessandro Barreto, Delegado de Polícia Civil. Alessandro Barreto é Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí. Possui graduação pela Universidade Regional do Cariri, 1998. É pós-graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Foi Diretor da Unidade do Subsistema de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí, de 2005 a 2016, integrou o grupo de trabalho revisor da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública. É professor de cursos de inteligência cibernética pela Senasp - Secretaria Nacional de Segurança Pública, e pela Seopi - Secretaria de Operações Integradas. É professor na Academia da Polícia Civil do Piauí das disciplinas Inteligência de Segurança Pública e Investigação Policial. É professor convidado da Unaula - Universidad Autónoma Latinoamericana de Medellín, na Colômbia, colaborador eventual da SESGE-MJ e Coordenador do NUFA - Núcleo de Fontes Abertas da Secretaria Extraordinária de Segurança Pública de Grandes Eventos do Ministério da Justiça durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio, 2016. É Coordenador-Geral da Contrainteligência da Diretoria de Inteligência e, posteriormente, colaborador eventual da Secretaria Nacional de Segurança Pública. É Coordenador-Geral substituto da Polícia Judiciária e Perícia da Diretoria da Força Nacional de Segurança Pública da Secretaria Nacional de Segurança Pública, servidor mobilizado da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Seja bem-vindo, Dr. Alessandro.
Convido o Sr. Carlos Felipe Almeida D'Oliveira, Diretor da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio.
O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA (DEM - BA. Pela ordem.) - Pela ordem, Presidente.
Existe, na pauta, algum requerimento a ser deliberado na tarde de hoje?
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Não.
O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA (DEM - BA) - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Regional do Rio de Janeiro, 1974, mestre em Saúde da Criança pelo Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz, especialista em Educação em Saúde pelo NUT da Universidade do Rio de Janeiro, pós-graduado em Pediatria no Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira, no Rio de Janeiro, médico pediatra do Hospital Infantil Dr. Walter Telles, em Fortaleza, médico pediatra do Ministério da Saúde, aposentado em 2008, coordenador do grupo de trabalho que formulou a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio, primeiro representante nacional da International Association for Suicide Prevention, de 2006 a 2009, Coordenador Nacional de Saúde do Mercosul, Chefe de Gabinete da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
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Coordenador do Projeto ConViver para sobreviventes de suicídios no Rio de Janeiro, assessor do Ministério da Saúde, de 2007 a 2010, coordenador da Comissão Binacional Brasil-Uruguai de Saúde na fronteira, conselheiro do conselho administrativo do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, representante do Brasil no Comitê Coordenador do Conselho Sul-Americano de Saúde da Unasul, coordenador do projeto e representante do Brasil no Comitê Gestor do Memorando de Entendimento Brasil-Cuba-Haiti para o fortalecimento do sistema de saúde do Haiti, coordenador da rede brasileira de prevenção do suicídio, membro da Associação Latino-Americana e do Caribe de prevenção ao suicídio, membro do conselho consultivo do Centro de Valorização da Vida, membro do conselho consultivo da Organização Decide Viver México de Prevenção do Suicídio, membro da Diretoria da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio, medalha do mérito Osvaldo Cruz, oficial da Ordem do Rio Branco.
O suicídio é um problema de saúde pública e pode ser prevenido. O suicido e a tentativa não configuram categorias diferentes, todavia, o suicídio é uma forma de comunicação.
No Mato Grosso do Sul, há um quadro alarmante de suicídio dos índios da tribo Guarani: de 100 mortes, 98 foram por suicídio. Na região Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina apresentam os índices mais altos do Brasil.
Isso aqui também está no currículo do Dr. Carlos Felipe Almeida D'Oliveira.
Agradeço a presença de todos.
Queria comunicar que a nossa Relatora encontra-se numa reunião de bancada, mas está chegando. O nosso Vice-Presidente, Ricardo Barros, se quiser tomar assento à Mesa, está a sua disposição. Saúdo a todos os Parlamentares aqui presentes.
Vamos dar início ouvindo o nosso Thiago Tavares Nunes de Oliveira, Presidente da SaferNet Brasil, pelo prazo de 15 minutos.
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA (Para expor.) - Muito boa tarde, Sr. Presidente, nobres Deputadas, Deputados, Senadoras e Senadores, é uma honra para mim e para a SaferNet Brasil poder participar dessa audiência pública. Quero agradecer o honroso convite e dizer da minha alegria em poder contribuir com esse debate tão importante.
Eu acho que tem que colocar no "visualizar, apresentação de eslaides", porque aí eu consigo passar aqui mais facilmente.
Visualizar, modo tela cheia.
Isso, perfeito.
Preparei um roteiro para a minha apresentação e terei o desafio aí de conseguir fazê-la em 15 minutos, procurando fazer em três tópicos, dois grandes eixos, um resumo sobre a nossa atuação institucional e o que justifica a minha presença aqui.
Procurei focar o miolo da apresentação nos eixos do plano de trabalho desta Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Quais sejam? O eixo de fake news democracia e eleições, proteção de dados pessoais e, por fim, cyberbullying e os ataques à dignidade humana. São esses, literalmente, os três eixos que constam do planejamento, do plano de trabalho desta Comissão.
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Para quem não conhece, a SaferNet Brasil é uma organização civil sem fins lucrativos, sem qualquer tipo de vinculação político-partidária, nem religiosa e nem ideológica, fundada há quase 15 anos atrás, por professores e pesquisadores do Departamento de Ciências da Computação e da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica, também em Salvador, e atua internacionalmente através da rede Inhope, que é uma associação internacional que tem sede em Amsterdam, na Holanda. Existe desde 1999, foi fundada pela Comissão Europeia e até hoje é financiada pela Comissão Europeia e que atua na coordenação de hotlines ou canais de denúncia em 48 países.
Eu já tive a oportunidade de ser membro da diretoria do Inhope e estive presencialmente em mais de 30 países conhecendo experiências que deram certo e sobretudo as que deram errado no enfrentamento sobretudo à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Então aqui no Brasil nós somos responsáveis pelo hotline brasileiro que é acessado pelo denuncie.org.br. Recebemos denúncias anônimas de 10 categorias de crimes e violações a direitos fundamentais, desde crimes sexuais contra crianças e adolescentes até tráfico de pessoas e outros crimes relacionados à dignidade humana, como por exemplo o racismo, a xenofobia, a discriminação e intolerância, apologia e incitação a crimes contra a vida, que incluem páginas que fazem incitação ao suicídio, à automutilação e a outros atos de violência.
Recebemos quase quatro milhões de denúncias anônimas, em 12 anos, mais de 700 mil páginas foram denunciadas nesse período, quase 250 mil foram removidas, e há páginas hospedadas aí em mais de 100 países, o que mostra a importância da cooperação internacional nessa área.
Mais da metade das denúncias se referem a crimes de ódio, ou seja, conteúdos que pregam o extermínio ou a eliminação de pessoas em razão da sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, ou também orientação sexual. E esses crimes que vêm sendo praticados no País representam mais da metade das quatro milhões de denúncias que recebemos.
A SaferNet também oferece um serviço gratuito de orientação a crianças, adolescentes, jovens e também professores e adultos que estejam vivenciando alguma situação de risco na internet.
Então situações de cyberbullying, situações de vazamento de nudes, problemas com questões de dados pessoais, privacidade, ofensas e etcétera. Nós temos uma equipe de psicólogos que trabalham diariamente atendendo esses casos e orientando essas vítimas sobre o que fazer e também acolhendo os relatos e oferecendo ali aquele apoio emergencial em situações de grave risco à dignidade ou à integridade dessas pessoas. E colaboramos, contribuímos, com o esforço do Tribunal Superior Eleitoral quando da constituição de um Conselho consultivo sobre Internet e Eleições, que funcionou entre 2017 e 2018 e nós tínhamos um assento nesse conselho, participamos então das dez reuniões que foram convocadas pelo TSE, como também dos dois seminários internacionais realizados pelo tribunal para discutir a questão.
E naquela ocasião submetemos duas contribuições por escrito, com um total de 22 recomendações concretas ao TSE, ao WhatsApp e a outras empresas de internet.
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E aí, começando, Sr. Presidente, estritamente seguindo aí o plano de trabalho desta Comissão, que trata do eixo 1, o tema fake news, democracia e eleições. Importante dizer que esse é um tema que é mais amplo e se relaciona com várias questões e desafios que estão colocados no campo não só da política, mas sobretudo da segurança cibernética, da proteção de dados, da própria noção de ambiente e ecossistema informacional.
E não é à toa que a literatura mais consolidada e evoluída trata da questão a partir do conceito da desordem informacional. Ou seja, uma desordem informacional que pode ser didaticamente aí subdividida em alguns clusters, em alguns grupos, alguns clusters temáticos, que vão desde a desinformação em si, como conteúdos que são tirados de contexto ou conteúdos manipulados ou conteúdos fabricados, até a chamada mal informação ou misinformation, que é aquele conteúdo que é criado com o objetivo de provocar um dano. E aí, nessa misinformation está incluído aí o discurso de ódio, mas também as tentativas de assédio, de intimidação e também o vazamento de dados e credenciais de acesso.
A desinformação é um fenômeno global. Ela não é um fenômeno brasileiro. Todos os países estão se debruçando sobre esse desafio. E ela tem um efeito real. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Pew Research Center, que é um dos principais think tanks responsáveis por pesquisas de ponta nessa área, junto à população, detectaram que 64% dos americanos revelaram sofrer de uma grande confusão em relação a fatos básicos.
Então, por exemplo, fatos no campo da saúde. Vacina, por exemplo. Vacina faz bem ou faz mal? Vacina dá câncer? Bicarbonato de sódio, se passar na pele, ajuda a curar o câncer? Esse tipo de informação, que seria impensável tempos atrás, hoje encontra uma grande parcela da população que não tem segurança, não tem certeza sobre esses fatos, esses conceitos básicos.
O Datafolha fez uma pesquisa recente e revelou que 11% da população brasileira acredita que a Terra é plana, ou seja, que a Terra não é redonda. Pode não ser uma esfera perfeita, mas plana certamente ela não é. Mas isso mostra o potencial de manipulação que a desinformação pode causar.
Em contextos eleitorais, e aqui são dados da eleição americana de 2016, nós temos exemplos de histórias que foram fabricadas e veiculadas no formato de notícias, que tiveram grande engajamento e adesão. Então, casos aí que se tornaram célebres. O Papa Francisco teria chocado o mundo ao endossar a campanha presidencial do Donald Trump, etc. e vários outros exemplos aí que foram veiculados na época.
E essa questão, Sras. e Srs. Deputados e Senadores, está muito bem descrita neste documento recente publicado pela Hande Corporation. A Hande Corporation, para quem não conhece, é a maior consultoria na área de defesa que existe no mundo.
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Eles publicaram um documento há cerca de dois meses, com mais de 340 páginas, que procura descrever, em detalhes, o modus operandi, a tipologia, as definições e os conceitos básicos para entender como essa desordem informacional e o ambiente informacional podem ser manipulados a partir de técnicas e táticas já bem consolidadas.
Então, não tenho tempo, evidentemente, para me debruçar e para explicar o documento, mas eu deixo a referência do documento e o índice da publicação, com a sugestão de que V. Exas. ou suas assessorias possam se debruçar e entender mais a amplitude desse fenômeno.
Uma outra referência que trago é essa da Universidade de Oxford. Em relatório publicado, há poucos meses, ele revelou que, em 2019, cerca de 70 países já se utilizam dessa estratégia de manipulação e desinformação com o objetivo de influenciar o contexto interno, mas também, em alguns casos, influenciar o contexto externo.
Nesse estudo, que está disponível online, é possível perceber, por exemplo, que existe um conjunto de sete países, que oficialmente já foram atribuídos, inclusive pelas grandes plataformas que são vítimas desse tipo de manipulação, como origem de grandes campanhas de desinformação, de desestabilização e de interferência externa. São aqueles lá que V. Exas. estão vendo: Venezuela, Arábia Saudita, Rússia, Paquistão e Irã, Índia e China.
Esses países têm atuado concretamente no uso da manipulação de redes sociais tanto no ambiente interno quanto no ambiente para interferência externa.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - Não. Está aqui no relatório. É um relatório baseado em evidências.
Então, o relatório não é exaustivo e os pesquisadores são muito rigorosos em termos metodológicos e eles deixam claro não só a metodologia, mas também as conclusões a que eles chegam, que são todas elas suportadas por evidências concretas. Então, como eles não conseguiram evidências concretas em outros países, eles se limitaram a mencionar esses sete, que são sete países, cujas empresas Twitter e Facebook já publicaram statements, reconhecendo a desativação de redes coordenadas de comportamento não autêntico, ou seja, automatizado.
Prosseguindo, nesse levantamento, o Brasil aparece ali. Existem muitos dados sobre o Brasil: 87%, em dados gerais, desses países, utilizam contas operadas por humanos; 80% dos países têm usado contas operadoras por robôs; 11% dos países têm usado contas operadas por ciborgues, que é uma mescla, têm uma parte humana e uma parte automatizada por robô; e 7% têm usado dados roubados ou contas comprometidas, como vazamentos de dados, invasões, etc e tal.
Esses são os dados globais e os dados por países os que estão naquela planilha.
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Nessa outra tela, a gente vê que 71% dos países têm utilizado desta estratégia para disseminar e amplificar propaganda pró-governo ou pró-partido, ou seja, uma iniciativa partidária ou governamental, e 89% têm usado a propaganda computacional para atacar opositores políticos. Então, essa é uma tática que tem se disseminado no mundo inteiro - lembrando que esse levantamento aqui é referente a 70 países.
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP. Fora do microfone.) - E aquela flechinha ali?
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - A flechinha ali está destacando o Brasil.
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP. Fora do microfone.) - Esses dados não são do Brasil?
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - Esses dados são globais, referentes a 70 países. Aquela flechinha ali está destacando as menções ao Brasil nesse relatório internacional.
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP. Fora do microfone.) - Não entendi aquelas menções com a flechinha no Brasil.
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - É apenas para mostrar, situar, localizar dentre as bandeiras, dentre as 70 bandeiras dos países, onde está o Brasil, a bandeira brasileira.
Bom, e aqui, outras questões ligadas: 75% dos países têm usado a desinformação e a manipulação de mídia para manipular usuários da rede; 68% dos países também têm usado state sponsors, ou seja, mecanismos que são verbas públicas, para atingir os seus alvos, que incluem dissidentes políticos, e também oposição à imprensa profissional e perseguição a jornalistas, e 73% têm usado mecanismos de amplificação de mensagens e conteúdo, sobretudo através de sequestro e flooding de hashtags.
E nós vimos no contexto político, em eleições existentes no Canadá, no Brexit, na Inglaterra e nos Estados Unidos, como a propaganda computacional pode ser usada como um instrumento efetivo de manipulação do eleitor. E o modus operandi é muito simples, até. Esse eslaide ilustra bem, em sete passos, coisas que qualquer adolescente pode reproduzir, o que fazer para amplificar essas mensagens. Então, primeiro você identifica uma audiência que seja alvo: você identifica o alvo, a partir de análise de dados. A partir daí, no item 2, você cria um conteúdo inflamatório e injeta esse conteúdo inflamatório numa câmara de eco ou numa bolha. Isso fará com que haja interação, ou seja, vai gerar interação: muita gente vai curtir, outros vão compartilhar, outros vão contestar, outros vão reagir. Essas interações são entendidas pelos algoritmos da plataforma como sinal de relevância e de autoridade daquele perfil daquele usuário.
Isso serve para que os algoritmos sejam manipulados a acreditar que aquele conteúdo e aquela conta têm uma relevância maior - os conteúdos postados por aquela conta tenham uma relevância maior do que os demais -, de modo que os próximos conteúdos terão uma relevância orgânica maior do que os conteúdos anteriores. Ou seja, eles exploram o próprio mecanismo de funcionamento dos algoritmos.
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E a sequência: você então mobiliza os seguidores para uma ação, que pode ser coordenada ou não coordenada, e item 6, você atinge aquilo que se chama de estágio de escândalo; ou seja, ao criar-se um escândalo por conta do conteúdo inflamatório e por conta da repercussão, você acaba ganhando atenção da mídia tradicional, e com isso você obtém mídia espontânea e passa a ser o assunto do momento.
Então, pode estar acontecendo qualquer coisa no País, mas ninguém falará mais nada a não ser repercutir aquele assunto, aquele conteúdo inflamatório que atingiu instituições, que atacou adversários ou que estigmatizou minorias ou o que seja.
Por fim, item 7, você vai aprender com a experiência, revisar, adaptar e repeti-la, entrando num processo de looping que vai manter o modelo funcionando.
Eixo 2: Nada disso seria possível sem acesso a dados pessoais. O dado pessoal é a matéria-prima para estratégias de manipulação de redes sociais e estratégias de campanhas massivas de desinformação. Dados pessoais existem em abundância. Infelizmente, existem vazamentos de dados diários, por mais que as empresas se esforcem em garantir a segurança da sua infraestrutura, há todo um mercado paralelo de crackers, de criminosos que estão desenvolvendo técnicas para tentar invadir esses servidores, descobrir vulnerabilidades; pesquisadores que estão desenvolvendo softwares, empresas que estão ganhando muito dinheiro pesquisando vulnerabilidades em sistemas, explorando essas vulnerabilidades. Inclusive, muitas dessas empresas são financiadas pelo Poder Público, porque há uma corrida no mundo para estocar vulnerabilidades por governos. Ou seja, que querem explorar vulnerabilidades em sistemas.
E, apenas em relação a dados sensíveis, esses são os números mais recentes. As maiores empresas do mundo já foram alvo desse tipo de vazamento. Uma vez obtidos esses dados aplicam-se ferramentas analytics, de análise de dados, de big data e de microtargets. Ou seja de perfilamento e de micro impulsionamento.
Então, você começa a desenvolver um mecanismo que se vale muito de psicometyria, que é uma área da Psicologia que estuda categorias de personalidades humanas e você começa a segmentar, no contexto eleitoral, eleitores a partir de grupos de preferências, e não mais apenas a partir de indicações geográficas. E essa metodologia, que foi desenvolvida e aplicada pela Cambridge Analytica em vários países, foi bem sucedida e ganhou notoriedade a partir da eleição americana.
Uma das razões que mostra a eficácia da estratégia é o grande engajamento em redes sociais como uma condição para que a estratégia seja eficaz e a produção de conteúdos falsos.
Na eleição americana, conteúdos falsos, veiculados na forma de supostas notícias, tiveram engajamento maior do que toda a produção jornalista profissional feita pelos veículos americanos nesse período, de fevereiro até o dia da eleição, em agosto.
E o que esperar, então, das eleições municipais de 2020? Evidentemente, as eleições de 2020 são muito diferentes das eleições gerais. Ela é uma eleição muito mais fragmentada e uma eleição muito mais difusa. De modo que nós da SaferNet entendemos que está havendo e haverá uma tentativa de emular o modelo de segmentação e o modelo de microtargeting inaugurado ali pela Cambridge Analytica.
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A gente tem evidências concretas disso. Isso aqui são eslaides de uma apresentação de uma empresa brasileira que tem sede em Brasília. Esses eslaides vazaram na imprensa internacional e eles mostram exatamente a mesma coisa, ou seja, trabalhar com psicometria, técnicas de psicometria e técnicas de microtargeting para fazer chegar, mobilizar audiências e gerar interações em redes sociais, nas quais existem potenciais eleitores dispostos a atuar como embaixadores do Governo ou fazer chegar essas mensagens em echo chambers ou câmaras de eco, onde ela tenha maior possibilidade de propagação.
Lembrando que isso aqui não tem uma matriz ideológica, ou seja, pode acontecer nos dois espectros ou nos "n" espectros políticos. Isso aqui é um método, o método pode ser usado para qualquer coisa, pode ser usado na área de saúde, na área de segurança, na área política. O método é o método, ele é agnóstico em relação ao conteúdo e ao propósito.
Então, aqui também há eslaides da mesma empresa mostrando, baseado no mesmo modelo psicométrico que é utilizado pela Cambridge Analytica, que foi baseado num pesquisador da Universidade de Cambridge chamado Alexander Kruger.
No caso brasileiro, o foco maior é em relação ao WhatsApp. Não porque o WhatsApp seja uma ferramenta criada para isso ou propícia para isso, mas simplesmente porque é a ferramenta que é líder de mercado. Se nós tivéssemos outro aplicativo com a mesma base de usuários do WhatsApp ou tivesse a mesma liderança que o WhatsApp tem no mercado brasileiro, certamente esse aplicativo seria o alvo dessas campanhas de manipulação e também de uso indevido e ilícito da aplicação.
Também enxergamos como uma tendência a criação de data lakes nos Municípios. O que é isso? Os data lakes são formas de você coletar uma grande quantidade de dados não estruturados e utilizar ferramentas de march learning, de aprendizado de máquina, e também de analytics para extrair dali informações em tempo real e utilizar essas informações acopladas a outras ferramentas de microtargeting e de impulsionamento e amplificação de conteúdos.
No caso brasileiro, esses serviços hoje são oferecidos a preços módicos, ou seja, não custa caro você fazer isso. Existem vários serviços na nuvem que são oferecidos. Esse aqui, por exemplo, é um serviço oferecido pela Amazon para o mundo inteiro e você pode contratar um serviço de... Criar um serviço de data lake usando a cloud, infraestruturas de cloud, a um preço módico; e as ferramentas de analytics, de análise, e march learning também estão disponíveis na mesma cloud a preço módico.
A fonte dos dados está muito dispersa. Enquanto as empresas, as grandes plataformas, estão fazendo um esforço enorme para restringir o acesso às suas APIs, restringir o acesso a dados pessoais, responder de forma eficiente e convincente no mundo inteiro ao escândalo revelado após a Cambridge Analytica e a preocupação do mundo inteiro em relação à manipulação de processos eleitorais que, como eu mencionei no início da minha apresentação, não tem ocorrido só aqui, mas no mundo inteiro está sendo assim.
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Então, enquanto o foco está todo voltado para as grandes plataformas, Google, Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp, ninguém está olhando para outra fonte rica de dados que são por onde os dados passam, os dutos por onde os dados passam, que são os provedores de acesso.
É possível criar data lakes a partir de conexões de acesso à internet. E no caso brasileiro, nós temos uma característica bem particular: é que um terço, quase 40%, hoje, das conexões à internet no Brasil são prestadas por pequenas e médias empresas, são pequenos e médios provedores. E esses pequenos e médios provedores têm uma atuação no Município. Eles não têm uma atuação como a Vivo, a Claro ou a Oi, que atuam no País inteiro e têm uma regulação pesada da Anatel, fiscalização, equipamentos de segurança, ou seja, têm toda uma estratégia e obrigações de compliance que eles precisam seguir.
Os pequenos e médios provedores não estão submetidos à mesma carga regulatória, e isso faz sentido, porque, se eles estivessem submetidos à mesma carga regulatória, eles não conseguiriam inovar e não conseguiriam atuar no mercado. Mas o fato é que isso cria uma vulnerabilidade, que é a possibilidade de você ter um pequeno provedor no interior, criando seu próprio data lake e usando dados da população do Município para estratégias de microtargets, estratégias de segmentação e distribuição de propaganda computacional no período eleitoral.
Então hoje, esta aqui é uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet, que é feita com os provedores, essa pesquisa é feita a cada três anos, então o último dado disponível é de 2017. Naquela época existiam 6.618 pequenas e médias empresas provendo acesso à internet no País. Hoje esse número passa de dez mil pequenas e médias empresas. O perfil dessas empresas é esse aí, 88% são micro e pequenas empresas, de uma a 49 pessoas ocupadas, a distribuição das regiões do País, 85% delas, para se ter uma ideia, são optantes do Simples Nacional, mas o fato é que essas empresas são responsáveis por conectar o usuário final e têm a possibilidade de visualizar boa parte do tráfego que passa em suas redes, e esse tráfego pode ser redirecionado para uma infraestrutura de cloud computing e criação de um data lake para perfilamento e acoplamento a ferramentas de analytics e marchine learning e o uso disso durante a campanha eleitoral, que vai acontecer nos Municípios; e aos dados dos eleitores, muitas dessas empresas têm acesso, devido à atuação municipal.
Por fim, o terceiro eixo, cyberbullying e os ataques à dignidade humana. Aqui é fundamental que V. Exas. façam uma distinção, porque o cyberbullying pode ser visto de duas formas. Se ele for visto dentro dessa estratégia de manipulação hostil de redes sociais, ele vai aparecer ali como uma das táticas usadas para intimidação de oponentes políticos, de adversários políticos, de jornalistas, de organizações do terceiro setor. Enfim, qualquer alvo de instituições da República, qualquer alvo que represente uma ameaça aos meus interesses pode ser alvo de um cyberbullying. Mas isso é dentro desse framework de análise.
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O outro caso de cyberbullying, que é o caso que nós atendemos na SaferNet, e aqui tem o gráfico evolutivo do número de casos concretos de vítimas de cyberbullying que nos procuraram, isso aqui são crianças. É outra história. Ou seja, são crianças que estão sendo vítimas de cyberbullying por outras razões que não têm nenhuma relação com política nem disputa partidária, disputa política, o que seja. São casos que acontecem em escolas e normalmente o autor e a vítima têm a mesma idade e estão na faixa etária de adolescentes ou pré-adolescentes. E as respostas a esses dois fenômenos são necessariamente diferentes.
Então, esse é o nosso foco. A SaferNet não recebe outros tipos de denúncia. Aqui tem os dados relativos ao primeiro e ao segundo turno da eleição do ano passado, ou seja, quais denúncias foram formuladas naquela ocasião. Todos os casos já foram apurados ou estão em apuração pelo Ministério Público Federal.
Nota-se que, durante o período eleitoral, e isso não foi na eleição passada, nas eleições anteriores também aconteceu, houve um aumento muito significativo no número de denúncias relacionadas a crimes de ódio, preconceito, intolerância, discriminação. Em 2014 foi assim. Em 2018 foi assim. Em 2016 foi assim. E a análise da série histórica comprova que esse período é um período em que há uma maior polarização da sociedade, dos usuários e, muitas vezes, essa polarização transborda para crime de racismo, de intolerância, etc.
E, por fim, então a nossa abordagem tem sido com foco em educação. É dessa forma que a gente aborda a questão do cyberbullying. Aqui está o índice de um módulo sobre cyberbullying num curso EAD que nós oferecemos gratuitamente para professores da rede pública ou privada de ensino. Já são mais de 21 mil professores matriculados em todo o País, em mais de dez Estados. Uma iniciativa que a gente tem o prazer de desenvolver em parceria com o Google. E aqui uma outra iniciativa, também de prevenção ao bullying, dessa vez em parceria com Instagram, Facebook e Unicef, que procura conscientizar adolescentes e pré-adolescentes sobre a importância de se combater o bullying.
Essas atividades acontecem não só nas próprias redes sociais, na própria internet, mas também fisicamente nas escolas. E nós estivemos aí, nos últimos anos, em todas as 27 unidades da Federação realizando oficinas, palestras de sensibilização e conscientização sobre o uso ético, seguro e responsável da internet.
Conclusão, Sr. Presidente, espero não ter estourado muito o tempo. Não existe, senhores, uma bala de prata. A experiência internacional tem mostrado isso e as tentativas, algumas vezes açodadas, de criminalizar, por exemplo, o envio de conteúdos falsos se têm revelado um grande tiro no pé, porque isso põe em risco a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de opinião.
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Nós não estamos falando aqui de notícias imprecisas, de notícias mal apuradas, de notícias de baixa qualidade. Nós estamos falando de algo muito maior, que envolve a utilização massiva de dados pessoais para perfilamento, usando técnicas de psicometria para a amplificação de conteúdos que são deliberadamente criados com o objetivo de manipular algoritmos, de manipular percepções, de gerar engajamento, isso tudo faz parte de um framework, que está bem descrito nos estudos científicos internacionais.
Isso faz parte de uma metodologia que é bem conhecida, cujos propósitos e finalidades e impactos podem se dar tanto no campo da política, mas também no campo da segurança pública, no campo da saúde - e o exemplo do Movimento Antivacina é isso - e no campo da defesa.
Basta olhar o que aconteceu durante o processo de anexação da Crimeia. As campanhas de desinformação promovidas pela Rússia tiveram um papel decisivo naquele processo. Basta olhar o que a Europa está fazendo, desde 2015, no monitoramento das campanhas de desinformação, que têm origem em Estados estrangeiros. No caso europeu, sobretudo a Rússia. Mas a China agora, por exemplo, está engajada diretamente numa campanha em relação à população de Hong Kong.
Então, não há bala de prata. E a gente entende que o foco deve-se concentrar nas estratégias multissetoriais. São essas que se revelaram as mais bem-sucedidas ao redor do mundo e que procuram aumentar a capacidade de as instituições detectarem esse tipo de interferência e manipulação, responderem em tempo hábil e fortalecerem o accountability e a transparência das empresas que são vítimas desse processo. Afinal de contas, não conheço nenhuma empresa que deseje deliberadamente ter os seus serviços utilizados para essa natureza.
Essa é uma estratégia, a meu ver, que pode surtir efeitos de curto prazo; e, no longo prazo, aperfeiçoar a educação e investir nela para o uso ético, seguro e responsável da internet.
Eu agradeço muito a atenção, sobretudo a generosidade do nosso Presidente em relação ao tempo.
Fico à inteira disposição de V. Exas. para as perguntas.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - É difícil interromper quando o conteúdo está bom, não é?
Vamos ouvir agora o Dr. Alessandro Barreto, Delegado de Polícia.
Eu queria esclarecer que, ao final das três apresentações, vamos ouvir a Relatora, Deputada Lídice, e, depois, a autora dos requerimentos, a Deputada Caroline de Toni, e os Srs. Deputados e Deputadas, Senadores e Senadoras, que podem se inscrever, caso desejarem fazer alguma pergunta aos nossos palestrantes.
O SR. ALESSANDRO BARRETO (Para expor.) - Boa tarde, Sr. Presidente, Srs. Senhores, Senadoras; Deputados e Deputadas. Obrigado pelo convite. Para mim é uma honra estar aqui
Eu sou Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí, mas estou no Ministério da Justiça há algum tempo. Atualmente eu coordeno o Laboratório de Operações Cibernéticas.
A minha função aqui é falar um pouco sobre a atividade que a gente desenvolve lá: o que tem sido feito na proteção de crianças e adolescentes online e, no final, vou passar um pouco da minha experiência, pois venho há algum tempo estudando o ambiente cibernético. E vou propor algumas sugestões para os senhores e as senhoras sobre a temática.
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Bom, dentro da Secretaria de Operações Integradas funciona o Laboratório de Operações Cibernéticas. Esse laboratório vem desenvolvendo há algum tempo ações notadamente de proteção a crianças e adolescentes que são abusadas e exploradas on-line. Uma dessas ações desenvolvidas é a Operação Luz na Infância. A Operação Luz na Infância visa a essa proteção de crianças e adolescentes on-line e tem identificado diversos indivíduos pelo País que estão notadamente armazenando conteúdo relacionado a abuso e exploração.
Qual a função, o que o laboratório faz? Ele produz pacotes acionáveis e envia para os Estados, informando dados, indícios de autoria e materialidade de crimes cometidos on-line. O que os Estados fazem? Instauram as investigações, identificam os responsáveis e solicitam mandados de busca e apreensão. Crimes gravíssimos são cometidos: crianças abusadas desde os dois anos de idade, imagens, vídeos, fotografias de crianças que são exploradas. Em alguns casos, chegamos a encontrar manuais com o título, por exemplo: Como fazer amor infantil, Como abordar crianças, qual idade, qual engenharia social aplicada.
Nesse contexto, foram desenvolvidas cinco ações. A primeira em 20 de outubro de 2017; a segunda em 17 de maio, que foi a maior ação já realizada no Planeta contra abuso e exploração sexual infantil; dia 22 de novembro, a terceira fase foi em cooperação Brasil-Argentina; quarta fase, em março de 2019, todos os Estados da Federação participaram; e a quinta fase foi agora em setembro, quando tivemos Brasil, Estados Unidos, El Salvador, Panamá, Chile e mais dois países que agora não me vêm a memória, sete países participaram.
Então, no cenário das buscas e apreensões realizadas, tivemos quase 600 pessoas presas em flagrante, indivíduos acima de qualquer suspeita que estavam cometendo crimes foram identificados, e as investigações estão em andamento.
Vou passar aqui os Estados participantes, o quantitativo de presos em flagrante pela operação. O número é bem maior, porque, em alguns casos, o material é identificado só posteriormente na perícia e os indivíduos são indiciados.
O perfil. Nós temos de pessoas de 17 anos a pessoas presas com mais de 70 anos, em diversas profissões, não há profissão definida.
O nosso centro. Quais são as dificuldades encontradas na proteção de crianças e adolescentes on-line? A primeira é nossa legislação. Eu trabalho já há algum tempo estudando crime cibernético e sou totalmente contrário a querer legislar tudo no que se refere a tecnologia, mas a questão de...
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Algumas coisas precisam ser aperfeiçoadas, por exemplo, vou tentar ser objetivo sobre como a internet funciona. É como se eu estivesse entrando no Senado, preciso passar pela portaria, preciso de uma identificação, preciso de um número de IP válido. Esse número de IP válido não traz conteúdo, é como se fosse uma identificação. Por exemplo, vou entrar na sala do Facebook, eu tenho que digitar facebook.com, coloco meu login e senha. Na hora em que entro na sala do Facebook, ele vai pegar meu IP, vai guardar meu IP.
Como é que a nossa legislação está construída hoje? Se eu preciso que a aplicação me forneça o IP, eu preciso de ordem judicial. O IP não carrega conteúdo, não é necessário ordem judicial, mas, da forma como a legislação está escrita, eu preciso de ordem judicial para isso. Então, uma das alternativas que o nosso setor discutiu era que, nos casos de abuso e exploração sexual infantil, fosse proposta uma adequação da legislação para não precisar de ordem judicial.
Existe uma iniciativa muito boa do Facebook para os casos de prevenção ao suicídio, cyberbullying, automutilação, em que eles identificam, o algoritmo deles consegue identificar as pessoas que fazem postagens suicidas ou de automutilação. O nosso setor já foi acionado por quase uma centena de vezes e sempre está localizando essas pessoas que postam conteúdo. Então, é uma boa iniciativa nesse cenário.
Mais um detalhe: há um projeto de lei em andamento, de autoria do Deputado Marcos Sampaio, do MDB do Piauí, que propõe, na forma da legislação americana, em alguns casos emergenciais, por exemplo, terrorismo, risco da integridade física, risco de morte, abuso e exploração sexual infantil, que as aplicações forneçam dados de IP, geolocalização, sem precisar de ordem judicial. Isso funciona muito bem na lei americana. Algumas aplicações americanas que fornecem serviço para a gente utilizam essa legislação para salvar vidas, o que tem sido uma iniciativa excelente. Eu acredito que se tivéssemos algo parecido no País seria bom.
Mais um detalhe: quando nós estamos fazendo as operações, alguns países vieram participar das ações conosco. E o que nós notamos é que as penas para abuso e exploração sexual infantojuvenil no País são pequenas. Na América do Sul e América Central, só a Argentina tem pena menor. Alguns países têm 10 a 20 anos, outros têm 20 anos, alguns 30 anos. A minha visão é que isso também poderia ser um pouco aperfeiçoado.
Trazendo aqui para o cenário agora de notícia falsa. Como delegado de polícia e com experiência no ambiente cibernético, quando você está investigando um crime no ambiente cibernético você tem três missões: preservar o conteúdo é a primeira opção, ele tem que ser preservado porque essa evidência é bem volátil; e você tem mais dois caminhos: a remoção de conteúdo e a atribuição de autoria.
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Então, ora eu faço um antes, ora eu removo antes, ora eu atribuo autoria antes. O que a gente tem visto? Por exemplo, alguns aplicativos de mensageria como o WhatsApp funcionaram bem nas eleições para remover conteúdo viral. Apesar de não identificarem o conteúdo que está transitando, eles conseguem identificar o URL de encaminhamento e conseguem fazer a remoção de conteúdo. O que a gente precisa avançar nisso? Quem trabalha com banco de dados sabe que é possível identificar o primeiro que subiu determinado conteúdo. Isso seria interessante para lá na frente responsabilizar o autor do encaminhamento de uma mensagem. Então, é possível isso ser feito nessa seara de identificação, principalmente em aplicativos. Como o Dr. Thiago falou, o WhatsApp é o mais usado, então, a gente tem que focar nele. Se há uma mudança da regra, isso vai ajudar bastante.
Mais um cenário que vou trazer aos senhores e senhoras. Talvez a gente vivencie muito isso no ano que vem, a questão do telefone virtualizado. Tecnicamente é possível você estar dentro do Brasil utilizando telefone de fora, você cria números virtualizados. E isso vai trazer uma problemática grande para o ano que vem. O que nós precisamos fazer? Algumas aplicações de internet, redes sociais, aplicativos de mensageria só indexam pelo +55. Eu preciso indexar além do +55, eu preciso indexar pelo range de IPs do Brasil, de IP tal a tal eu preciso coletar dados para que, lá na frente, se alguém cometer o crime, praticar exploração ou disseminar notícias falsas, eu possa chegar à identificação.
Mais um ponto que vou passar para os senhores antes de esgotar o tempo. O que é CGNAT? Até 2012, 2013, nós tínhamos o IPv4. Eles eram individualizados, cada um tinha um IP para utilizar nas suas conexões de internet. O que houve, principalmente com o incremento da Internet das Coisas? Com a implementação da tecnologia, há necessidade de mais IPs. Então, no ano de 2014, se eu não estiver enganado, houve um grupo de trabalho formado pela Anatel, Polícia Federal, Ministério Público Federal que discutiu regras para que o IPv4 fosse nateado. O que acontece? É a mesma coisa que pegar mil gols brancos, colocar a mesma placa, mesmo ano, e dar para mil pessoas dirigirem em Brasília. Se eu não atribuir "porta lógica de origem", eu vou ter dificuldades em responsabilizar aquele autor. Tenho certeza de que ano que vem vamos ter problema com nateamento de IP. E o que está no meio dessa história toda? Duas pontas, os provedores de conexão, que dizem que estão prontos para virar para o IPv6, mas as aplicações de internet não estão prontas. E lá na frente, quando a gente precisar atribuir autoria, a gente não vai conseguir, porque o IP está nateado.
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Nós temos casos aqui, no Brasil, de aplicações que dividem um IP para 16 mil pessoas. Se um desses 16 mil cometeu o crime, eu não vou saber quem é. Então, é preciso estar atento a esse cenário.
Senhores, com a questão de CGNAT, o que é importante? É que peçam para fazer uma revisão no grupo de trabalho para a implementação do protocolo IPv6, para ver se melhora, para ver se principalmente os provedores de conexão reduzem essa quantidade de usuários por IP, enquanto não houver a migração da tecnologia IPv6. Temos um caso muito legal que foi na Bélgica. A Bélgica limitou a apenas a seis usuários...
(Soa a campainha.)
O SR. ALESSANDRO BARRETO - ... por protocolo de internet.
Eu acho que estou dentro do meu tempo, Presidente.
Eu quero agradecer a todos. Muito obrigado pelo espaço, pela oportunidade de estar aqui presente.
Ao final, estarei à disposição para esclarecimentos.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Obrigado, por enquanto, Sr. Alessandro.
Vamos ouvir agora o Sr. Carlos Felipe Almeida D'Oliveira, Diretor da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio.
O SR. CARLOS FELIPE ALMEIDA D'OLIVEIRA (Para expor.) - Boa tarde, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, Sr. Presidente.
Eu quero agradecer em nome da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio. Esse convite é mais uma oportunidade que nós temos - vimos trabalhando há mais de 20 anos com o tema do suicídio - de poder dar visibilidade ao tema.
Essa questão de visibilidade do tema diz respeito à questão de que o suicídio era visto como algo que não poderia ser debatido na mídia. Isso tem uma história antiga, era chamado Efeito Werther, quando um livro publicado, nos anos 1800, circulou pela Europa e provocou um aumento da taxa de suicídio. Eu trago isso porque hoje a mídia de que nós estamos falando é outra mídia, é uma mídia rápida, que, mesmo com todos os recursos de segurança que temos hoje dentro das páginas das mídias sociais, às vezes, é tarde demais.
Hoje, conseguimos até intervir em determinados fóruns... E temos visto alguns fóruns em que as pessoas estão se queixando de suas dores e entram pessoas falando dentro desses fóruns, e não sabemos se é por uma empatia ou se é uma ação criminosa. No final desses fóruns, alguém diz: "Então, não tem jeito, só dando um tiro na cabeça". Isso é uma ação criminosa, crítica e tem um efeito enorme sobre aqueles que têm maior fragilidade, sejam crianças, sejam adolescentes, sejam aqueles que têm transtornos mentais.
Uma outra questão, que diz respeito ainda a essa circulação, sobre a qual nós temos recebido vários comunicados, é a transmissão imediata, rápida de imagens contendo a privacidade dos indivíduos e com características, como foi colocado aqui, de ódio ou mesmo de preconceito.
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Principalmente, temos observado que, em cidades pequenas e médias, o impacto disso é grande sobre esses indivíduos, aumentando as taxas de suicídio. Nas cidades maiores, isso tem um efeito sobre o indivíduo, mas a circulação da informação fica disseminada, o impacto não é "o vizinho que sabe".
Baseado nessas questões todas, é claro... E muitas pessoas nos perguntaram por que nós estávamos aqui. E, claro, fui ver todo o histórico da Comissão no que diz respeito à questão da prática de cyberbullying sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, as pessoas com transtornos mentais. E, quando falamos de transtornos mentais, estamos falando de transtornos mentais leves, moderados ou graves. As pessoas têm transtornos e estão aí, estão na vida trabalhando, medicando-se; mas elas podem ser afetadas por induções que podem fazer com que elas cometam atos de tentativas de suicídio ou mesmo de suicídios, como eu vou mostrar mais adiante.
Em relação à questão do aliciamento e orientação de crianças... Em relação à questão do suicídio de crianças, isso é um fato ainda novo, ainda é algo raro, o que não é entre os jovens, porque a tendência que nós temos já nos últimos anos - e aí eu estou falando dos últimos sete anos - foi o aumento da taxa de suicídio em torno de 8% da população jovem, dados do Ministério da Saúde. Então, isso é dentro dessa população jovem, mas isso também diz respeito.... Há o art. 122 do Código Penal que já prevê a pena para o incitamento.
Hoje lançamos uma nota por conta de uma nota que saiu na Folha de S.Paulo, e essa nota de um humorista foi utilizada num colégio em Belo Horizonte como tema de aula. O humorista é conhecido, e este é o problema: a identificação com pessoas conhecidas. Se é alguém que não tem seu fã-clube, isso é menos problemático, mas, se é alguém que tem uma penetração, uma identificação, isso corre o risco. Por quê? Em função de várias questões, que eram questões políticas e ideológicas, essa matéria que saiu na Folha dizia: "Com a situação como está, só dando um tiro na cabeça". Em vários e vários momentos, isso foi alertado... E isso foi utilizado numa escola com adolescentes. E aí resolvemos... É claro que ocorreram várias críticas, mas nenhuma atentando para o fato de que ninguém pode dizer e sugerir que, com a situação como está, só dando um tiro na cabeça. Então, esse é o risco de se divulgarem na mídia ações que incitam. Isso tem que provocar um debate.
No âmbito da prevenção do suicídio, nós estamos trabalhando no âmbito do Governo e agora junto com as organizações da sociedade.
Em 2006, o Ministério da Saúde instituiu as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio. E uma delas - e elas podem ser visualizadas na página do Ministério - é dar visibilidade, porque, 20 anos atrás, não podíamos falar sobre suicídio. Hoje, podemos falar e trabalhamos com a mídia também de que forma correta falar. Não vamos, claro, em nenhum momento, apontar casos específicos de suicídio nem metodologias usadas por suicídio. Isso pode provocar danos.
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A outra questão importante dentro das diretrizes é exatamente essa intervenção junto com a mídia. Queremos que a mídia nos apoie, porque ela pode nos apoiar. Podemos fazer um debate. As próprias mídias de internet têm questões positivas que estão nos ajudando, que podem nos ajudar.
Baseados nessa visão das diretrizes, que na realidade não eram apenas no Brasil... Fizemos todo um levantamento em outros países, vendo como é que vinham aqueles países que já vinham cuidando da questão do suicídio.
E, a partir daí, essa mesma diretriz foi a que acabou dando origem neste ano à Lei 13.819, do Congresso Nacional, que institui a Política de Prevenção de Automutilação e Suicídio. Achamos bom, que bom que o Congresso publique uma lei baseada em dados técnicos. Isso ajuda, isso fortalece, isso permite que gestores de todas as unidades possam hoje ter como uma proteção ou uma forma de negociar com gestores para podermos implantar ações desse tipo.
Em maio de 2013, durante a 66ª Assembleia Mundial de Saúde, o Brasil se comprometeu a reduzir até 2020 em 10% a taxa de suicídio de sua população. O Brasil assinou isso com mais de 30 países. E, dois anos depois, participando de um workshop da Organização Mundial de Saúde, eu perguntava: "Mas por que 10% e como é possível que 30 países tão diversos possam ter a mesma meta de redução?". Isso não é um planejamento correto, porque temos cenários epidemiológicos diferentes, temos recursos institucionais, profissionais e financeiros diferentes. Eu estou sempre falando que, se o Brasil tem que implantar um plano nacional de prevenção do suicídio, tem que ser com metas regionalizadas. Isso é fundamental. É claro que, no ano que vem, na Assembleia Mundial de Saúde, nós não vamos poder mostrar esse resultado, porque, efetivamente, de 2013 para cá, a taxa de suicídio do Brasil aumentou em 10%. Na realidade, países que tecnicamente não assinaram esse acordo e tinham visões muito claras, como os Estados Unidos, disseram: "Nós não queremos neste momento reduzir a taxa de suicídio, o que nós queremos é manter num primeiro momento a taxa de suicídio nos níveis em que elas estão".
Outra diretriz importante que defendemos - e isto foi a partir do que vimos no Estados Unidos e no Canadá - foi a participação da sociedade. Por quê? Apenas em 2001, o suicídio foi considerado uma questão de saúde pública nos Estados Unidos, e isso não foi por outro motivo que a pressão dos familiares dos 100 mil retornados do Vietnã que haviam se suicidado. Multiplicando isso por seis, podemos imaginar um impacto sobre 600 mil pessoas. Isso fez com que o Congresso americano aprovasse que o suicídio é uma questão de saúde pública - e isso é muito importante, é um diferencial - e, com isso, também disponibilizasse os recursos necessários para uma questão de saúde pública que ocorre no campo da saúde mental. É muito importante dizer que isso é uma questão de saúde mental, que envolve aqueles que têm transtornos mentais. É claro que sempre pode ocorrer um ou outro suicídio de alguém que não tivesse um transtorno, mas a grande maioria e os dados recentes do Ministério da Saúde mostraram isso.
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Como o colega falou, a respeito da questão não temos uma bala de prata. Eu tenho dito: esse é um fenômeno complexo. Fenômenos complexos não se resolvem com soluções simples, nem de uma hora para a outra. Precisamos de tempo. Não podemos fazer projeções como "vamos reduzir para o ano que vem a taxa de suicídios". Não. A orientação do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos é que a gente faça projeções para cinco ou dez anos, para fazermos intervenções corretas, até porque quando iniciamos todo um trabalho, como foi o trabalho que ocorreu em 2014, quando a Secretaria de Vigilância em Saúde lançou a portaria que torna as tentativas de suicídio um agravo de notificação obrigatória e fez com que houvesse um treinamento das equipes; Tivemos, nos anos de 2014 e 2015, um aumento das taxas de suicídio. Isso não quer dizer que tivemos um aumento, mas sim que melhoramos os nossos registros. E isso vai ser sempre assim.
O Brasil tem hoje um sistema - tanto o Sinam quanto o Sistema de Informações de Mortalidade - denso, compacto, bom, e que vai continuar desenvolvendo todo esse trabalho nesse sentido. Mesmo quando as pessoas dizem que há casos que não aparecem na mídia, que tem casos que não estão aparecendo... É, tem casos que não aparecem, mas nós já temos uma visão bastante clara do número de suicídios.
Em relação à questão do fenômeno, é um fenômeno complexo, não é linear, e isso quer dizer o seguinte: não é inteiramente previsível. É regulado por diversas variáveis. Ninguém se suicida porque viu apenas uma mensagem na internet, mas tem um cenário, tem um conjunto de fatores de risco e de proteção, e aqui nós estamos falando da internet como um fator de risco e também como um fator de proteção, que podem intervir. Essa é a visão moderna que a gente pode ter de que o suicídio é um fenômeno complexo. Ninguém se suicidou apenas porque tinha uma depressão, porque brigou com a namorada. não, a questão era mais ampla.
Baseados nisso, nós temos dados bem recentes mostrando esse quadro. No período de 2011 a 2015, a taxa geral de suicídios publicada pelo Ministério da Saúde passou de 5,3 para 5,7. Aqui uma observação clara: Nós estamos em 2019. O Ministério vai publicar os dados de 2017, porque é preciso dois anos de crítica dos dados, para termos uma observação, e vem fazendo isso, análises de cinco em cinco anos. Tecnicamente, é bastante correto, porque não são viradas. Às vezes, uma instituição passa a não publicar determinados dados, e os dados podem desaparecer. Então, estudos de cinco e dez anos são bem consistentes.
Temos um aumento de óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos. Isso é preocupante, porque isso vem se manifestando como uma tendência, sendo 8,7 entre os homens e 7,3 entre as mulheres.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FELIPE ALMEIDA D'OLIVEIRA - Um minuto?
Entre 2011 e 2008, ocorreram 150 mil casos de lesões autoprovocadas na população dessa faixa etária; 20% tinham transtornos mentais - dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério. Como eu disse, entre 2011 e 2017, tivemos um aumento de 10% da taxa de mortalidade dessa população, quando havíamos, em 2013, assinado um acordo segundo o qual iríamos reduzir em 10%.
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As organizações têm trabalhado nesse sentido. Trouxe aqui exemplos de trabalhos especificamente relacionados à internet: Prevenção do Suicídio na Internet, pelo Instituo Vita Alere - o Instituto Vita Alere participa da diretoria da nossa associação - e Prevenção do Suicídio na Internet para Pais e Educadores.
Eu relatei aqui como fazer um uso positivo da internet, mas está nas cartilhas, está nos manuais. Em função do tempo, eu não vou ler esse material. Agora, é importante falarmos que temos fatores de risco, mas temos que atuar mais fortemente nos fatores de proteção. Em relação à rede, temos que ter mecanismos mais rápidos de resposta, porque hoje o que acontece é uma transmissão rápida, e principalmente de imagens, e essas imagens são extremamente danosas sobre os jovens. Não dá tempo. Não é apenas "vamos, sim, localizar de onde vem essa mensagem". Isso é efetivo, isso é importante, mas antes disso, os atos suicidas estão acontecendo na rede.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Agradeço ao Dr. Carlos Felipe.
Vamos ouvir agora nossa Relatora, a Deputada Lídice da Mata.
A SRA. LÍDICE DA MATA (PSB - BA. Como Relatora.) - Sr. Presidente, senhores convidados, que contribuem muito nesta audiência, Srs. e Sras. Parlamentares, esta audiência hoje é dedicada exatamente à pesquisa e identificação do fenômeno do cyberbullying, vinculado ao suicídio - não apenas a ele, mas também à ideia de que há diversos tipos de crimes cometidos na rede que atingem a sociedade e a sua vida, independente do crime relacionado com a política. Eu queria, portanto, fazer algumas perguntas, para que nós pudéssemos, com essa discussão, também relacionar aquilo que está identificado também pelos especialistas, que é a forte utilização da ferramenta das redes sociais, da propagação de notícias fraudulentas, ao processo eleitoral.
Do ponto de vista do processo eleitoral, já que Dr. Thiago falou da proximidade das eleições de 2020, e tem sido uma preocupação nossa na CPMI nos anteciparmos aos fatos eleitorais de 2020 e 2022, como também pelos partidos políticos. Nós temos visto a sua movimentação aqui na Casa, inclusive uma audiência marcada com o TSE para discutir as medidas de prevenção à utilização de fake news na próxima eleição.
Eu perguntaria ao Dr. Thiago: no caso do data lake e grandes empresas, se o senhor tem alguma proposta que possa nos ajudar a desestimular a prática desse fenômeno, ou sugestão, já que V. Sa. é um daqueles que defende que não é possível nenhum tipo... Que tem dificuldade de analisar qualquer forma de criminalização das redes e põe isso versus a liberdade de expressão. Esse é um debate que se mantém permanente em toda a discussão. Na primeira Mesa que nós tivemos, também alguns se pronunciaram contrários e outros, pelo contrário - os que são especificamente representantes do mundo jurídico -, da possibilidade de aperfeiçoar a legislação já existente no sentido de se coibir o que já está criminalizado.
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Também ao nosso delegado eu gostaria de perguntar: quais têm sido as ações adotadas pelas autoridades policiais brasileiras, em especial as polícias civis, para investigação dos delitos cometidos na internet?
Dois. O Thiago também, como uma representação desse monitoramento, pode responder. As organizações criminosas que atuam na internet são especializadas em determinados tipos de crime ou costumam atuar em modalidades plurais? Existe alguma relação comprovada entre grupos que comercializam dados pessoais - essa é uma questão importante que já foi destacada aqui, não é possível se ter uma ação do tipo da Cambridge Analytica sem ter acesso aos dados - sigilosos e ações de direcionamento de propaganda política para grupos específicos? Se sim, de que maneira, e quem são os envolvidos?
Quatro. Como é a relação dos órgãos de investigação com os provedores de aplicação de internet que atuam no Brasil? Esses órgãos de investigação, como eles se relacionam com esses provedores, grandes, médios e pequenos? Existe alguma dificuldade de obtenção dos dados necessários à investigação? A adesão do Brasil a tratados internacionais sobre o cibercrime, em especial a convenção de Budapeste sobre o cibercrime ajudaria os órgãos de investigação brasileiros em suas atividades nesse setor? De que modo? Sabemos que o Brasil não é signatário da convenção de Budapeste, apenas pela tradição diplomática de não aderir a acordos sobre os quais não foi sequer convidado a discutir os termos, mas em relação à convenção, integrarmos o compromisso, o acordo de Budapeste, ajudaria a combater esses crimes? São perguntas iniciais para que possamos ampliar o debate e também abrir para que outros Parlamentares possam também dirigir perguntas.
Quanto à questão do suicídio, eu creio que a fala do representante da Associação Brasileira de Suicídio destaca uma questão fundamental neste momento, que é um novo parâmetro de enfrentamento da questão. No passado - algumas religiões até condenam o suicídio, por isso também omitem a sua prática -, a atitude das autoridades em relação ao suicídio era a não divulgação, com a não divulgação como elemento de prevenção. Hoje se toma uma postura radicalmente diferente, que é divulgar para prevenir.
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Acho que, na fala de V. Sa., eu senti também que pensa que é possível haver ações, mesmo que não sejam de perseguição na rede, de monitoramento e ações que possam vir no sentido de alguma legislação que pudesse ser auxiliar no combate à luta contra o suicídio. Há da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio alguma sugestão visando legislar esta questão no Brasil?
O SR. CARLOS FELIPE ALMEIDA D'OLIVEIRA (Para expor.) - Deputada, na realidade, o Código Penal, em relação ao incitamento, está claro. Eu acho que uma revisão desse art. 122 cabe, porque diz respeito à questão inclusive das penas, que são pequenas. Elas aumentam, por exemplo, quando ocorre um caso de suicídio por indução: ela duplica, mas duplica de dois para quatro anos. Nós estamos falando de populações jovens, menores. Então, isso tem que ser avaliado do ponto de vista jurídico, mas, como eu acho que é um cidadão fragilizado, eu acho que cabe ao Estado uma maior proteção.
A SRA. LÍDICE DA MATA (PSB - BA. Como Relatora.) - Levando em conta que justamente se trata de uma população fragilizada, seja pelas características emocionais da faixa etária, seja pela possibilidade de algum transtorno emocional, há já em estudo... Apenas o aumento de pena seria o indicado ou há uma dificuldade de identificação de que o processo, talvez até para o delegado... É possível identificar a incitação ao crime de suicídio e, de forma imediata, estabelecer os critérios para a sua penalização?
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA (Para expor.) - Muito obrigado pelas questões, Deputada Lídice.
Eu anotei cinco questões que V. Exa. formulou e pretendo abordar todas. Se escapar alguma ou surgir alguma outra, por favor, sinta-se inteiramente à vontade para complementar.
Em relação aos data lakes, o que fazer? Bem, eu entendo que a principal medida legislativa já foi adotada, que foi a aprovação por esta Casa e também pela Câmara dos Deputados da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Essa lei geral, com o seu decreto regulamentador, estabelece uma série de garantias e compromissos para a coleta, tratamento, armazenamento de dados pessoais.
Acontece que o órgão responsável pela fiscalização e pelo estabelecimento das diretrizes - inclusive para a educação do mercado em relação à conformidade da LGPD -, que é a autoridade nacional de proteção de dados, ainda não foi constituído. Então, nós estamos diante de uma situação em que temos uma lei, a lei é fruto de um amplo consenso que foi alcançado no Congresso, nas duas Casas Legislativas, e o órgão que vai fiscalizar a sua implementação e definir as diretrizes de sua aplicação ainda não existe. A lei entra em vigor em agosto do ano que vem e nós estamos quase em novembro.
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Então, eu acho que a minha principal sugestão em relação a esse ponto seria, dentro das possibilidades institucionais da CPMI, estimular ou fazer gestões no sentido de agilizar a criação da ANPD e a definição de seu corpo diretivo e de seu órgão consultivo. Isso estabelecido, com a ANPD funcionando, certamente esse tema poderá ser objeto de maior aprofundamento e haverá o estabelecimento de algumas diretrizes de conformidade para os pequenos, médios e também os grandes provedores de conexão.
Um outro caminho alternativo seria via Anatel. A Anatel tem um regulamento, que é o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, que estabelece uma série de regras para os pequenos e médios provedores de conexão e acesso à internet.
Por que eu estou chamando a atenção para os pequenos e médios provedores de conexão à internet? Porque esses têm uma atuação municipal e, no ano que vem, nós temos eleições municipais. Então, em alguns casos, dada a capilaridade e o número de empresas que atuam nessa área, será muito difícil uma fiscalização efetiva, de modo que a janela de oportunidade para que sejam estabelecidas diretrizes claras nessa área está aberta agora. Se nós não conseguirmos avançar nesse ponto, teremos que lidar com as consequências depois.
Da mesma forma, eu acredito que também seria interessante um diálogo desta Comissão com as empresas que oferecem infraestrutura de cloud computing. Sobretudo eu destaco aqui a Amazon, que é líder de mercado, mas não só a Amazon: a Microsoft também tem uma estrutura de cloud computing, o Google também tem uma estrutura de cloud computing. E eu tenho certeza de que essas empresas têm interesse de que os seus produtos e as suas plataformas sejam usados em conformidade com a lei. Eles não têm interesse em promover usos ilícitos ou abrigar serviços que não estejam em conformidade com lei.
Sobre as organizações criminosas - eu acho que o Dr. Alessandro tem mais propriedade para falar sobre isso do que eu -, eu comentaria o seguinte: em relação à desinformação, em 2016, nos Estados Unidos, um dos principais vetores de fabricação de conteúdo falso e criação de sites para veiculação desses conteúdos falsos, uma das principais células estava na Macedônia. A Macedônia é um país no Leste Europeu, com uma grande taxa de desemprego e com uma renda média de US$382 mensais. E lá, numa cidade chamada Veles, foi detectada uma grande quantidade de conteúdos produzidos. E houve um documentário de um jornalista brasileiro chamado André Fran, que tem um programa na GloboNews. Ele foi até lá, conseguiu entrevistar alguns desses jovens diretamente envolvidos na fabricação desses conteúdos e descobriu o seguinte: que eles estavam fazendo isso não por interesse ideológico, ou político, ou partidário; eles estavam fazendo isso para ganhar dinheiro. Eles estavam desempregados e eles perceberam que tinham ali uma fonte de renda que garantia a eles algo em torno de 10 mil euros por mês fabricando conteúdo falso e monetizando esse conteúdo on-line. Então, as motivações variam: você tem o agente que vai ter motivação ideológica, outro vai ter motivação política, outro vai ter motivação partidária, outro vai ter motivação financeira, então as motivações são as mais diversas.
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E, em relação a dados pessoais, esses dados, uma vez obtidos, têm valor, evidentemente, são monetizados. E eu me recordo de que mais de 50% - essa é uma estatística internacional - dos vazamentos de dados ocorrem pelo público interno. Recentemente nós vimos aí um grande vazamento de dados do Detran, ou seja, de órgãos públicos. Até hoje, se você for na Santa Efigênia, em São Paulo, você consegue comprar credenciais de acesso ao Infoseg, que é um sistema de segurança pública restrito a órgãos públicos de segurança pública, autoridades de segurança pública. Você compra credenciais de acesso, você compra login e senha.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - Exatamente, o Deputado está bem lembrando: compra-se declaração de Imposto de Renda, até hoje é vendida. Você vai na Santa Efigênia, em São Paulo, e você consegue comprar um dump, a cópia da base de dados da declaração de Imposto de Renda. Pode não ser a cópia mais atualizada, mas a base histórica é possível comprar, sim.
Então, existe muito vazamento de dado vindo do próprio setor público, e isso eu reputo mais grave ainda, porque, em relação às empresas, eu tenho sempre a opção de não ser cliente daquela empresa. Se eu entender que uma determinada empresa não trata bem os meus dados, aliás, deixo de instalar muitos aplicativos no meu celular, porque sou daqueles chatos e raras espécies que leem os termos de uso. Eu li o termo de uso e não concordei. Eu deixo de instalar e deixo de usar o aplicativo. Inclusive vários aplicativos muito usados no Brasil e no mundo eu não tenho instalados no meu telefone, porque eu li os termos de uso e não concordei com a política de privacidade.
Agora, em relação ao Estado, eu não tenho essa opção. Se eu não fornecer a minha impressão digital, eu não tiro passaporte; se eu não fornecer a minha impressão digital, eu não exerço o meu direito de votar. Percebeu? E eu não tenho opção. Para me relacionar com o Estado, eu sou obrigado a fornecer dados pessoais e, quando esses dados pessoais não são armazenados de maneira correta, quando eles são compartilhados, quando eles são vendidos, em muitos casos, ou quando eles são objeto de vazamentos internos, sejam eles intencionais, sejam acidentais, estamos diante de um cenário de extrema gravidade, porque esses dados terão as finalidades múltiplas: eles serão usados para fins comerciais, eles serão usados para a finalidade política, eles serão usados para doxing, que é uma das táticas de intimidação muito utilizada quando você quer perseguir um oponente. Isso acontece muito contra jornalistas; você quer intimidar um jornalista, você vaza informações pessoais do jornalista, da família do jornalista, e você expõe esses dados na internet ou você ameaça expor como uma forma de intimidação, de chantagem, para evitar que o jornalista publique uma matéria investigativa, ou, então, que ele continue publicando ou apurando determinada pauta. Isso acontece no Brasil e em todo o resto do mundo.
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Então, as organizações criminosas que obtêm esses dados, normalmente visam ao retorno financeiro. Portanto, elas são polivalentes nesse aspecto, desde que haja retorno financeiro.
Em relação à relação dos órgãos de investigação com os provedores de plataformas, também o Dr. Alessandro está muito melhor posicionado do que eu para falar sobre isso, mas eu posso compartilhar a minha experiência, sobretudo nos temas em que a SaferNet atua há quase 15 anos. Há uma atuação proativa e efetiva das principais empresas na colaboração no que diz respeito aos crimes mais graves relacionados a abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, suicídio, riscos iminentes à vida ou à integridade física, inclusive casos emergenciais em que não só metadados, mas informações de conteúdo são compartilhadas em questão de minutos. Eu já vi um caso de uma tentativa de suicídio em que o próprio, nesse caso, Facebook, informou a Polícia Civil de Santa Catarina uma tentativa de suicídio em quatro minutos, e eles, proativamente, acionaram a autoridade local para tentar repassar a informação e tentar impedir que aquele caso de suicídio se consumasse.
Da mesma forma com os casos de abuso e exploração sexual, anualmente o Brasil recebe em torno de 600 mil relatórios com suspeitas de divulgação de imagens de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Esses relatórios são produzidos de forma proativa pelas empresas que têm sede nos Estados Unidos e são compartilhados com a Polícia Federal aqui, no Brasil, de forma proativa. Sempre que as imagens são detectadas pelos sistemas de inteligência artificial, de aprendizado de máquina ou são objeto de denúncias de usuários ou de hotlines, essas empresas produzem o relatório e encaminham.
Em relação à adesão do Brasil à convenção de Budapeste, a convenção de 2001 é um texto. O texto principal da convenção já foi bastante superado, mas existem os protocolos facultativos. O primeiro protocolo facultativo à convenção trata de xenofobia e racismo, e o segundo protocolo facultativo está, neste exato momento, sendo negociado pelo grupo de países, pelos representantes dos países que aderiram à convenção.
Haverá, inclusive, agora, nos dias 20 e 22 de novembro, em Estrasburgo, na França - eu estarei lá -, uma conferência, a Octopus Conference, que é a conferência do Conselho da Europa, convocada pelo Conselho da Europa. Nessa conferência será realizada uma consulta pública multissetorial, ou seja, aberta à participação da sociedade civil, das empresas, dos governos e da academia para avaliar esse protocolo facultativo, o segundo protocolo facultativo à convenção de Budapeste, que trata sobre acesso transfronteiriço a dados, metadados em curso ali, durante o curso das investigações criminais. Por fim, um último comentário, ainda dentro das perguntas que V. Exa. formulou, sobre o que é possível fazer. Eu queria até tomar emprestado um exemplo da dificuldade mencionada pelo Dr. Alessandro quando ele mencionou, por exemplo, os números virtualizados. Esses números já foram largamente utilizados na eleição de 2018. Muitas das contas que foram usadas, tiveram comportamento automatizado na amplificação de conteúdos, sobretudo pelo WhatsApp, eram contas de números virtualizados. Isso foi detectado, foi discutido inclusive à época, no Conselho Consultivo do TSE.
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Acontece que essa questão nos confronta, ela não é simples de resolução. Por quê? Porque ela nos confronta com a natureza transnacional da internet. O Brasil é parte da internet, mas ele não estabelece regras globais para a internet, ou seja, as regras estabelecidas aqui precisam estar em harmonia com o consenso internacional. Por quê? Porque a rede é internacional. Com o próprio mecanismo de telefonia, nada impede que eu pegue o meu celular aqui, disque 00, operadora, código do país, código da cidade, número do telefone e faça uma ligação, com o telefono fixo, para Nova York, por exemplo. A partir dessa conexão de um telefono fixo, eu posso transitar voz, mas eu também posso transitar dados. O sistema de telefonia foi concebido dessa forma, e existem acordos e tratados internacionais que disciplinam essa matéria.
Então, é por isso que é importante, quando a gente vai falar, por exemplo, de atribuições de números IPs, alocação de IPs, etc., é preciso que o Brasil siga as melhores práticas internacionais. Eu não estou, com isso, dizendo que os números virtualizados não são um problema; sim, eles podem, sim, ser uma fonte de problema, mas a solução não passa, ao meu ver, por um distanciamento daquilo que é consenso técnico nos foros técnicos internacionais. A gente tem que buscar um consenso em relação a essa área.
E, sobre o CGNAT e o IPv6, o Dr. Alessandro também destacou como âmbito das dificuldades de se estabelecer atribuição e autoria dos crimes cibernéticos - isso é fato. Essa prática tem sido usada no Brasil pelos provedores não só de aplicações, mas também de acesso, sobretudo de acesso e conexão à internet.
A solução para isso também não é simples, porque passa por uma questão econômica, e a razão para isso é que essas empresas fizeram investimentos lá atrás em equipamentos que são incompatíveis com IPv6, e a substituição desses equipamentos demandaria um investimento significativo. Então, criaram essa solução provisória, que não é uma solução, é uma gambiarra chamada CGNAT. Existem várias versões. O mais comum é o 444.
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Aí, usa-se essa solução como uma maneira de prolongar a vida útil de roteadores e sistemas de rede que são incompatíveis com o IPv6. A solução definitiva para isso é a migração para o IPv6, e o Comitê Gestor da Internet iniciou, há mais de dez anos, uma iniciativa nesse sentido, procurando acelerar o processo de migração e oferecendo curso, treinamento e capacitação gratuitos para técnicos e engenheiros de redes, empresas, pequenos, médios e grandes provedores de acesso e aplicações na internet, para que essa migração aconteça da forma mais célere possível.
Hoje, cerca de 30% das conexões da internet no Brasil já são sob o IPv6, e essa é a média internacional. Quando comparamos o Brasil com países como França, Alemanha e Inglaterra, nós estamos dentro da média internacional, mas, como bem destacou o Dr. Alessandro, os outros 70% não são ainda IPv6, e nós ficamos diante dessas dificuldades de definir com precisão a atribuição em matéria de crimes cibernéticos, sejam eles da natureza que forem.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Eu vou passar a palavra agora à Deputada Caroline de Toni, e, ao final, o Dr. Felipe e o Dr. Alessandro poderão também fazer as considerações e responder a alguma pergunta se, por acaso, a Deputada solicitar. Depois ouviremos também os Senadores e Deputados que assim desejarem.
A SRA. CAROLINE DE TONI (PSL - SC. Para interpelar.) - Sr. Presidente, só gostaria de saber se a gente poderia delimitar o tempo de resposta, porque a gente tem outras Comissões também para participar na Câmara - delimitar o tempo de resposta dos convidados.
Então, boa tarde a todos, em especial aos convidados desta audiência pública. Primeiramente, quero dizer que esses temas são muito importantes, e acho que o nosso principal foco nesta CPMI deve ser principalmente salvar vidas de crianças e adolescentes, especialmente com relação ao suicídio ou a automutilação. Pelo menos de minha parte, essa é a principal intenção ao participar desta CPMI.
Primeiro, eu gostaria, então, de cumprimentar o primeiro a falar, que foi o Sr. Thiago Tavares de Oliveira. Nossa intenção ao chamá-lo aqui foi saber um pouco mais sobre o trabalho da SaferNet com relação às mais de 1,4 milhão de denúncias anônimas de pornografia infantil, envolvendo 296 mil páginas distintas, escritas em nove idiomas e hospedadas em mais de 39 mil domínios diferentes, atribuídos a 97 países, em cinco continentes. Então, gostaria de que o senhor falasse um pouco mais sobre isso, especialmente com relação à remoção de conteúdo. Além da remoção de conteúdo, quais foram os dados sobre as punições de todos os envolvidos. Gostaria de que respondesse isso.
Também gostaria de saber um pouco mais sobre a SaferNet, no sentido de que, para tanta demanda - mais de 1 milhão de denúncias ao longo de mais de uma década -, com quantos colaboradores vocês contam e como a entidade se mantém, se ela se mantém com ajuda governamental, etc.
Enfim, esses são meus questionamentos, agradecendo já pela sua vinda. Também gostaria de agradecer ao Delegado Alessandro Barreto e de pedir desculpa com relação à sua convocação; na verdade, era um convite. Então, por erro da nossa assessoria, acabou vindo como convocação. Quero parabenizá-lo pela Operação Luz na Infância, que trouxe resultados espetaculares no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes pela internet. Foram mais de 500 pessoas presas, uma operação com mais de 300 mil documentos analisados.
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Enfim, devido ao nosso tempo, eu vou encurtar aqui o nosso comentário, mas acredito que a operação foi um marco na luta da pornografia infantil e com relação às redes internacionais de pedofilia que afligem hoje em dia.
Com relação à operação: numa entrevista, o senhor faz uma espécie de queixa baseada numa constatação do Laboratório de Inteligência Cibernética, que o senhor coordena, contra as operações de telefonia e os provedores de internet. O senhor comentou brevemente sobre isso, que seria a migração do sistema IPv4 para IPv6, que tornaria a identificação dos criminosos mais fácil. O senhor poderia detalhar como é que a polícia enxerga essa questão ou quais os obstáculos que a gente tem para poder fazer essa migração, bem como que essa operação ocorreu com a participação internacional de órgãos de segurança e justiça e o senhor também identificou dificuldades que o Estado brasileiro enfrentou que outros países não enfrentariam. Então, eu gostaria de saber se isso se refere a marcos legais, regulamentação, operacionalidade; no que o Estado brasileiro está aquém de outros países nessa luta. E, com relação às redes de pedofilia, há os seus consumidores e produtores. A Operação Luz na Infância chegou a estimar quanto esse mercado criminoso movimenta no Brasil?
E quero deixar aqui o nosso gabinete à disposição no sentido de aprimoramento da legislação para poder colaborar para esse tipo de operação que o senhor realiza. De minha parte é isso.
Com relação... Boa tarde, Sr. Carlos Felipe. Quero parabenizar também pelo trabalho à frente aí da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio. O senhor relatou que já haveria uma previsão legal com relação ao induzimento, só que até eu gostaria de noticiar que eu já fiz a relatoria na CCJ do Projeto de Lei 8.833/2017, que tinha mais de 15 apensados, que vem justamente tentar dar uma resposta a esse fenômeno que a gente está enfrentando nas redes, que é o induzimento à automutilação e ao suicídio por meio das redes, seja principalmente para proteger aqueles que, por sua idade, são mais suscetíveis, que são as crianças e adolescentes. Após fazer a relatoria desse projeto de lei, que inclui mais de 15 iniciativas, havia um outro projeto do Deputado Marcelo Ramos e nós pegamos a relatoria de Plenário. Então, acredito que já era para ter sido feita na semana passada, mas eu acho que vai ficar para hoje agora no Plenário, que é a relatoria de todos esses projetos que incluem... E a gente está criando um tipo penal para atender a esta demanda; seria o artigo... Eu até vou pedir licença para poder ler, até para ter conhecimento, porque nós tivemos acordo aí de todas os partidos no sentido de aprovação do projeto já. Então, nós vamos criar o art. 122 do Código Penal. É uma alteração... Havia várias alterações sugeridas, seja na Lei do Marco Civil da Internet, seja no Código Penal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nós vimos por bem alterar apenas o Código Penal para criar o seguinte tipo:
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se, a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:
Pena - reclusão, de seis meses a dois anos.
§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:
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Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
§ 3º A pena é duplicada:
I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real [que aí atenderia a esse fenômeno das redes].
§ 5º Aumenta-se a pena em 1/2 (metade) se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual.
§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no do art. 129 § 2º, deste Código.
§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 desde Código.
Então, essa ficou a nossa sugestão, depois de amplo debate na Comissão de Constituição e Justiça. E vem aí a nossa resposta também legal para atender a essas demandas modernas, que seria a rede mundial de computadores.
De minha parte, quero agradecer a presença de todos e devolver a palavra aí para os comentários.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Passo a palavra aos nossos três palestrantes. Dr. Alessandro, em primeiro lugar.
O SR. ALESSANDRO BARRETO (Para expor.) - Vou tentar ser objetivo nas respostas.
Deputada Lídice, é muito difícil criminalizar a internet, até porque as aplicações, grande parte delas, foram criadas com fins lícitos; todavia, criminosos usam ilicitamente. Por exemplo: aplicativo de mensagens foram criados licitamente, mas o criminoso usa para se comunicar. Agora, eu tenho algumas sugestões para a senhora, aproveitar até a deixa aqui que o Dr. Thiago falou, sobre o caso da publicidade com fake news.
Os garotos da Macedônia ganharam muito dinheiro. Eu vou tentar ser objetivo aqui sobre como a publicidade funciona on-line. Há de um lado o anunciante e há do outro o publisher; quer dizer, há a grande empresa que quer anunciar em algum site e no meio há um intermediário de propaganda ou a rede de propaganda. O que acontece? Isso não sei se através de lei, mas precisa haver um saneamento da publicidade on-line, porque os garotos da Macedônia ganharam muito dinheiro, mas quem está ali no meio, a rede de propaganda ou o intermediário de propaganda, ganhou muito mais - algumas centenas de milhões de dólares. Então, a gente precisa fazer esse saneamento. As regras de compliance têm que ser adequadas para publicidade on-line.
Uma outra pergunta da senhora, Deputada, é sobre que tipo de crime os criminosos cometem no ambiente cibernético: todo e qualquer que a senhora possa imaginar. Então, utilizam a rede como facilitador. A rede é um meio, e há crimes contra o patrimônio, contra a dignidade sexual - tudo nessa tocada.
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O que as polícias estaduais têm feito? Elas têm avançado. Há uma lei de 2012 que manda criar delegacias de polícia especializada nos Estados. Todavia, na minha visão, hoje não é mais suficiente; só uma delegacia especializada não tem condição, porque todo o crime está virtualizado, seja patrimônio, seja qualquer tipo de crime. As polícias judiciárias têm atuado basicamente no treinamento. A capacitação é uma excelente arma na luta contra esse tipo de crime. E, do outro lado, a gente tem um crime como serviço. Eu não preciso ser um hacker para cometer crime cibernético: eu subloco o serviço, é o que se chama crime as a service (crime como serviço). Então, seja na surface, seja na deep web há algo como "Pague US$50 e acabo com a vida de quem você quiser", "Invado redes sociais" - tudo que é tipo de crime eles fornecem.
Dificuldades encontradas com os provedores de conexão: vamos lá! É uma relação de amor e de ódio. Já foi mais de ódio, está mais com amor. Estou falando como quem está lá na ponta. Em 2014, quando estava exercendo minhas atividades no Piauí, eu e um grupo de delegados solicitamos informações ao WhatsApp. A primeira resposta que obtivemos foi: "Não devemos satisfação à Justiça brasileira". E, de lá para cá, avançou. Nós pedimos o primeiro bloqueio no País. Foi a Polícia Civil do Piauí que pediu. Na época foi bem difícil. Muita gente ficou chateada com a gente. Até minha filha mais nova reclamou: "Papai, vão bloquear o aplicativo!". Mas melhorou, avançou bastante. Algumas aplicações de internet hoje que passam muitas informações, há cinco, seis anos diziam: "Eu não tenho condições técnicas de lhe dar um IP, eu não tenho condição técnica de lhe fornecer isso", a gente, como polícia, escuta muito "condição técnica", "me falta condução técnica", e para a tecnologia da informação não há impossibilidade - não há impossibilidade; sempre há um caminho que possa ser resolvido. Então, algumas aplicações vão avançando. É certo que outras vão trazendo dificuldades.
Deputada Caroline, é uma dificuldade um rastreamento de um IP. Eu tive uma reunião com as operadoras de telefonia principais do País, as quatro grandes, semana passada, e elas me disseram que estão com a chave pronta para virar para o IPv6, só que as aplicações de internet dizem que não têm a obrigação de coletar porta lógica, algumas não estão adequadas ainda para virar para IPv6. E fica aquela confusão, com a polícia no meio - vai ao provedor de conexão e ele diz: "Me dá a porta lógica"; chega para a aplicação de internet, que diz "Eu não tenho porta lógica", fica aquela confusão, e, no final das contas, a gente não atribui a autoria delitiva. É uma gambiarra, com bem Dr. Thiago falou, mas ela está sendo toda vida adiada - adiada.
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Então, a gente não pode ficar, principalmente o ano que vem, quando vai haver mais utilização de rede social, mais essa digitalização. E a gente precisa resolver esse problema ou pelo menos minimizá-lo, limitar a quantidade de usuários por protocolo de internet. Porque o Marco Civil da Internet é claro. Ele diz o seguinte: que as empresas têm que fornecer informações que individualizem a autoria em matéria delitiva - ponto.
Quanto à convenção de Budapeste, Deputada, ela é interessantíssima, apesar de já ter alguns anos, ela vai facilitar para o Brasil principalmente no que se refere à troca de informações, ao intercâmbio. E a luta contra o crime cibernético não pode ser dentro de uma bolha, ela precisa de parcerias, de que as polícias se conectem, não só polícia e polícia, mas polícia e iniciativa privada. Os players privados têm que ser trazidos para cá. As grandes empresas têm que cooperar e estão cooperando. Mas com uma adesão à convenção de Budapeste, certamente o Brasil vai ganhar na luta contra o crime cibernético.
Só mais um detalhe. Quanto ao emergencial, concordo com o que o Dr. Thiago falou. A legislação, as grandes empresas, principalmente Google, Facebook, Twitter, Instagram, estão cooperando em situações emergenciais. Mas, no Brasil, as empresas com sede aqui não têm essa obrigação. E eu asseguro a vocês... O Dr. Thiago falou sobre um caso de Santa Catarina. E eu asseguro a vocês, nós trabalhamos em um caso em Goiás, em que o Facebook informou que um adolescente estaria praticando suicídio. E nós acionamos a polícia com geocoordenadas. Chegamos a casa, e o pai disse: "Ele está dormindo". "Não. Abra o quarto que seu filho se automedicou". E o filho estava bem ruim no quarto. Então, em vários casos a gente chegou a tirar... Mas é preciso aperfeiçoar a legislação para obrigar as empresas com sede aqui dentro a fornecerem isso.
Quais as estimativas de ganho?
Deputada, eu não tenho como precisar para a senhora o quanto o crime organizado se locupleta com abuso e exploração sexual infantojuvenil. As organizações criminosas migraram para esse ambiente, porque é uma fonte de renda espetacular que, em tese, garante um anonimato - em tese, porque nada é anônimo na internet. E as dificuldades enfrentadas são grandes nesse tipo de ambiente. A gente precisa aperfeiçoar a legislação. Temos algumas alternativas que depois eu passarei para a senhora. Mas essa luta contra o crime no meio cibernético é bem difícil.
Por último, Deputada Lídice, quanta à incitação, é possível a identificação? Sim. Todo e qualquer ato praticado na internet é possível ser identificado. Só é preciso haver procedimentos na identificação, na atribuição de autoria e materialidade delitiva.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Dr. Carlos Felipe.
O SR. CARLOS FELIPE ALMEIDA D'OLIVEIRA (Para expor.) - Obrigado, Deputada.
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De início, queremos colocar a Associação à disposição de participar desse debate das contribuições ao art. 122 e parabenizar pela inclusão das populações fragilizadas com transtornos e deficiências.
Agora, há uma questão que é uma dúvida. Na realidade, lendo o Código e o artigo, quando falavam dos motivos egoísticos, logo isso me levou a Durkheim, que definiu suicídio como suicídio egoísta, altruísta - que é aquele dos camicazes -, anômico - daqueles que perdem suas ligações culturais. E eu sinceramente não... Qual é o significado? Eu pergunto isso no sentido de que a legislação possa ajudar aqueles que vão responder. O que significaria, nesse caso, a indução egoística em relação ao suicídio? Isso parece, quer dizer, eu não sei realmente... Fica uma dúvida e fico pensando que essa dúvida pode se reproduzir na aplicação da lei. Então, acho que isso deveria estar bem tipificado, uma especificação na própria lei. De qualquer forma, quero parabenizar pela ação.
Obrigado!
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA (Para expor.) - Muito obrigado, Deputada, pelo convite e também pelas perguntas. Atendendo ao pedido de V. Exa., serei curto nas respostas, mas já me disponho a, com mais tempo, visitá-la no seu gabinete e lhe fornecer mais detalhes e informações.
O que tem sido feito em relação a combate, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes pela internet? De fato, a SaferNet recebeu 1,6 milhões de denúncias em relação - esse dado referente aos últimos 14 anos... Nessa mesma ferramenta em que existem os dados globais, é possível analisar os dados anuais. Existe uma linha de tempo em que é possível ver, ano a ano, a evolução desses números e também conhecer onde o conteúdo estava armazenado, ou seja, uma vez que o conteúdo está disponível na web, ele pode estar armazenado em qualquer lugar, inclusive nos chamados paraísos cibernéticos - lugares do mundo como Tuvalu, como outros espaços -, onde são armazenados conteúdos ilícitos sem atuação das autoridades locais.
As denúncias são anônimas. Isso significa dizer que há um índice de falso positivo muito grande. A única informação que nós solicitamos é o link da página. Então, imagine V. Exa. que os dados oficiais, por exemplo da Polícia Militar, da Secretaria de Segurança Pública em geral, apontam que 60% das ligações para 190 são trote. Isso que, quando o sujeito liga para 190, o telefone dele fica identificado. Em se tratando de um formulário anônimo na web, em que você não tem que fornecer nenhum dado exatamente para que o denunciante tenha segurança em denunciar, esse índice pode subir, em muitos casos, para até 90%.
Então, o nosso trabalho é, sobretudo, de filtrar essa duplicidade. Uma mesma página também pode ser denunciada várias vezes. A gente teve casos, por exemplo, de uma organização criminosa envolvendo Silvio Koerich. Foram mais de 70 mil denúncias duplicadas em relação a esse site.
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Nós desenvolvemos sistemas automatizados, algoritmos automatizados que filtram automaticamente essa duplicidade. Havendo a unicidade da URL, existem crawlers que fazem a coleta dessas evidências que estejam publicamente disponíveis na web. Então, se o conteúdo não estiver na web, nós não temos capacidade nem de receber nem de processar denúncia. Por exemplo, conteúdo que circulam pelo WhatsApp: nós não temos acesso; conteúdos que, mesmo estando na web, estão protegidos por ferramentas de privacidade ou estão bloqueados por processo ou necessidade de pagamento, ou seja, em que nós não temos acesso público, também não conseguimos verificar.
De modo que os sistemas coletam essas evidências e armazenam isso em um sistema em que os órgãos conveniados têm acesso. Quais são os órgãos? Hoje, atualmente, cerca de 20 ministérios públicos estaduais e procuradorias da República nos Estados, mas também a Procuradoria-Geral da República, através da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, que é câmara criminal, a que nós temos acesso. A Polícia Federal também acessa o sistema da SaferNet e extrai dali informações, e com essas informações já foi possível deflagrar pelo menos dez operações policiais. A maior delas foi a Operação Turko, que foi deflagrada em 2009 e que resultou no cumprimento de 130 mandados de busca e apreensão em 21 Estados e no Distrito Federal e na prisão de mais de 30 agressores sexuais; e 100% da operação, que mobilizou na época 450 policiais federais, tiveram origem em denúncias anônimas e informações extraídas pela Polícia Federal da base dados da SaferNet Brasil.
Quando o conteúdo está no exterior, nós atuamos em parceria com os hotlines internacionais membros do Inhope não só na remoção desse conteúdo, mas também na preservação dessas evidências.
E aí, concluindo, eu destaco o último balanço público que foi divulgado, um balanço conjunto divulgado pela SaferNet e pelo Ministério Público Federal, em que essa atuação conjunta resultou na identificação de mais de 6 mil sites de pornografia infantil, sendo que 832 desses sites estão sendo objeto de investigação pelo MPF. E há um núcleo especializado em crimes cibernéticos da Procuradoria da República em São Paulo que faz esse trabalho de análise e de verificação do conteúdo dessas denúncias diariamente. É um trabalho hercúleo, um trabalho difícil, porque ver essas imagens não é algo fácil: são imagens, como o Dr. Alessandro mencionou, de abuso sexual de crianças muito pequenas. Então, é fundamental investir em acompanhamento e suporte psicológico para os profissionais que atuam nessa área, sobretudo no setor público - policiais, promotores, analistas, técnicos do Poder Judiciário, técnicos do Ministério Público. Os policiais que conduzem essas investigações precisam de um maior apoio, sobretudo interno, e mais estrutura também.
E os demais casos foram reportados aos hotlines internacionais.
Há uma nota no site do Ministério Público Federal com essas informações, que eu posso repassar a V. Exa.
No tocante à última pergunta....
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP) - Presidente.
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - Pois não.
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP) - Não, não. Conclua.
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O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - A sua última pergunta, em relação a como a entidade se mantém.
A SaferNet se mantém exclusivamente com receitas próprias provenientes de palestras, cursos, treinamentos, capacitação e projetos que são desenvolvidos com grandes empresas - por exemplo, o Google, o Facebook, a Netflix, a Telefônica Vivo, entre outras - e também projetos desenvolvidos com organismos internacionais, como, por exemplo, o Unicef. A SaferNet não recebe recursos públicos de nenhuma natureza, nem do Poder Executivo federal, estadual ou municipal, nem de empresas públicas, nem de empresas estatais, nem de economia mista; e também não recebe destinação de recursos provenientes de emendas parlamentares ou de partidos políticos ou de agremiações políticas de qualquer espectro ideológico.
E, por fim...
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP. Fora do microfone.) - São empresas privadas?
O SR. THIAGO TAVARES NUNES DE OLIVERIA - São empresas privadas e organismos internacionais.
E o número de colaboradores. A SaferNet nasceu em rede. Nós somos um grupo fixo, pequeno, somos oito pessoas no quadro fixo da instituição, sendo cinco delas com mestrado, doutorado ou pós-doutorado, e temos dezenas de colaboradores externos, que são contratados para atuar em projetos específicos por um período específico de tempo. A equipe fixa dos colaboradores está na instituição há mais de uma década.
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP) - Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Com a palavra o Deputado Rui Falcão.
O SR. RUI FALCÃO (PT - SP. Para interpelar.) - Primeiro, queria cumprimentar a Deputada Caroline de Toni pelos convites, pela convocação. As perguntas muito percucientes, como também as perguntas da nossa Relatora Lídice da Mata. Queria cumprimentar os nossos convidados, apesar da baixa frequência aqui.
Eu achei muito elucidativa essa audiência. Extraímos vários ensinamentos daqui. Ela mostra que há organismos de controle que podem dar cobro a esse tipo de desinformação, de propaganda com grau de malignidade; enfim, boas sugestões como esta de acelerar a constituição da Agência Nacional de Proteção de Dados, que nós podemos, se a Relatora assim entender, colocar no nosso relatório.
Eu queria manifestar uma preocupação. V. Sa., Prof. Thiago, disse que na Macedônia os jovens principalmente devido às taxas de desemprego num país que tem uma renda de trezentos e poucos dólares mensais - maior portanto do que a nossa renda média aqui no Brasil... Dado o alto índice de desemprego aqui existente no País, sobretudo na juventude, é preciso que haja um alerta às autoridades, àqueles que trabalham inclusive com medidas preventivas, para que os nossos jovens, sem fazer nenhum juízo de valor aqui, não sejam recrutados ou tentados a ter uma renda, não só uma renda de sobrevivência, mas uma renda como essa da Macedônia e se transformarem em aviõezinhos de fake news aqui. Chamou-me a atenção esse exemplo da Macedônia, para que a gente esteja atento e para que esse exemplo não se repita aqui no Brasil; ao contrário, que a gente crie condições para que essa sua juventude tenha outro no tipo de ocupação, acesso à universidade, oportunidade de trabalho, para não serem vítimas desse tipo de recrutamento.
A SRA. CAROLINE DE TONI (PSL - SC. Pela ordem.) - Presidente, só para responder aqui ao Dr. Carlos Felipe.
Ele questionou, dentro do tipo criado, o que seria motivo egoístico, não é?
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Então, nós entendemos que, na hora de aplicação da pena, quando você vai instigar ou induzir alguém a cometer suicídio ou automutilação, o motivo egoístico é um elemento subjetivo, que o juiz vai ver na hora da aplicação da pena. Ele pode ter como motivação, numa relação familiar, por exemplo, o desejo de obter uma herança ou uma competição de negócios. Mas, no âmbito das relações da internet, eu entendo, pelo menos, o motivo egoístico - até o delegado pode colaborar nisso -, quando, por exemplo, a pessoa pode ter ali uma misantropia, um ódio à humanidade e querer refletir isso dentro das relações das redes, ou uma inconformidade, um distúrbio psicológico e querer, por motivos egoísticos mesmo, personalísticos, induzir outro com base nisso. Isso já está no tipo do homicídio também. Eu acho que esse tipo também, essa modalidade de motivo egoístico pode ser aplicada não só no caso do homicídio, mas também na instigação da automutilação ou do suicídio. Eu acho que a mesma modalidade que se aplica ao homicídio pode ser aplicada aqui também neste caso, até porque pode resultar no fenômeno morte.
Eu vou pedir licença, Presidente, porque tenho que ir para a CCJ.
O SR. PRESIDENTE (Angelo Coronel. PSD - BA) - Eu quero agradecer a presença do Sr. Thiago Tavares Nunes de Oliveira, da SaferNet; do Sr. Alessandro Barreto, Delegado de Polícia Civil; do Sr. Carlos Felipe Almeida D'Oliveira, Diretor da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio.
Antes, porém, quero propor que as atas sejam apreciadas somente ao final das reuniões, como tem sido feito, sem as respectivas leituras, inclusive a 5ª e a 6ª da semana passada, 22/10 e 23/10.
Aqueles que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos, convidando-os para a próxima reunião, que se realizará amanhã às 13h.
Declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 13 horas e 52 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 08 minutos.)