05/11/2019 - 40ª - Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Bom dia a todos e a todas.
Quero agradecer a presença dos nossos convidados.
Declaro aberta 40ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A presente reunião tem por finalidade discutir a regulamentação de criptoativos, em atendimento ao Requerimento nº 52, de 2019, de minha autoria.
A audiência pública será também realizada em caráter interativo, inclusive já estava no site do Senado a informação da realização desta audiência. O País inteiro participa encaminhando perguntas para o canal e-Cidadania e também através do telefone, do Alô Senado, que aqui é bom divulgar, 0800-612211.
Então, como temos um número grande de palestrantes, vou dividir este momento em dois blocos. Será dado o espaço de dez minutos para as apresentações iniciais e, assim, após a leitura da nossa apresentação, chamarei os convidados.
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No dia de hoje, iniciamos o debate sobre criptoativos e criptomoedas aqui no Senado Federal, com a participação dos convidados da Febraban; do órgão que substituiu o Coaf, o UIF; da Senacon; Receita Federal; especialistas em Direito Digital; e também de Parlamentares, entre os quais aqui eu saúdo o amigo Styvenson.
O Projeto de Lei nº 3.825, de 2019, é de autoria do Senador Flávio Arns e, ao contrário do que vem sendo discutido na Câmara de Deputados, tem um enfoque claro e preciso sobre criptoativos e o sistema que se forma em torno destes, não apenas problematizando e conceituando, mas também achando respostas.
Antes de passar a palavra aos participantes, é importante contextualizar o presente projeto, uma vez que pretendemos entregar o relatório ainda este ano. Então aqui deixo claro que o projeto é de autoria do Senador Flávio Arns e eu sou o Relator dele.
A regulamentação de criptoativos e criptomoedas tem sido discutida em nível global e diversas opiniões e formatações têm emergido. Em interessante fala nas audiências públicas da Câmara dos Deputados, as quais tenho acompanhado, diversos temas foram abordados: a necessidade de criar regras de suitablets, a necessidade de definir um regulador central, regras principiológicas que possam tornar o marco legal sustentável e o não engessamento do mercado.
Daniel Lynch, fundador da CyberCash, hoje em parte transformado no PayPal, em 1996, chegou a publicar um livro chamado Dinheiro Digital: o Comércio na Internet. Neste livro, indicou três motivos para que o comércio em âmbito eletrônico tivesse o seu desenvolvimento: o conceito de tempo, a falta de tempo e o valor do tempo; a democratização e a popularização dos computadores e, por fim, a familiarização das pessoas com o acesso remoto e as barreiras técnicas de utilização de serviços da rede. Se o tema desde então vem sendo desenvolvido pelo mercado, parece-nos oportuno que também o Estado passe a analisá-lo.
Ainda, em 2012, o Banco Central Europeu publicou um manual sobre as moedas virtuais e os seus métodos, enfocando os potenciais impactos destes sobre as questões monetárias dos países da União Europeia, em especial sobre a estabilidade dos preços, a estabilidade financeira e a estabilidade dos meios de pagamento.
Um dos grandes problemas - que esse projeto de lei aborda - é a questão da definição do regulador. O projeto, em seu art. 3º, define que as exchanges ou casas de câmbio serão reguladas e dependerão de autorização do Banco Central, ou seja, inicia colocando o Banco Central como regulador. Esse é um tema polêmico e que deverá nesta audiência ser tema de debate e esclarecimento pelo órgão.
Em interessante fala na Câmara dos Deputados, um expert afirmou que um criptoativo não é uma moeda, é um ativo como o ouro e a extração do ouro, por sua vez, não é atividade regulada pelo Banco Central.
É inegável que inclusive governos ao redor do mundo têm utilizado criptoativos e que é o momento certo para a regulação aqui no Brasil, uma vez que o tema já foi abordado por circulares da CVM, do próprio Banco Central e objeto de inúmeras notas técnicas. Na realidade, é isto que o PL 3.825 intenciona: conferir um arcabouço regulatório com definições de criptoativo, plataforma eletrônica, exchange de criptoativos; fixar diretrizes que devem nortear o mercado de criptoativos; estabelecer critérios mínimos de licenciamento das exchanges de criptoativos,
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com requisitos e obrigações mínimas às empresas para que possam ser autorizadas a negociar regularmente criptoativos no Brasil; também indicar o Banco Central do Brasil como um ente público competente para atuar na regulação, supervisão, fiscalização do mercado de criptoativos; estabelecer, em regras, que os criptoativos não se submetem à fiscalização da CVM, exceto quando se revestirem de características de valor mobiliário, mediante oferta pública para captação de recursos da população, o que costuma ocorrer em práticas de initial coin offering; submeter o setor de criptoativos às medidas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e outras práticas ilícitas previstas na Lei 9.613, de 1998, a lei da lavagem de dinheiro, como também criar tipos penais específicos com penas mais rigorosas, como combate à gestão fraudulenta, com o agravante à prática de pirâmide financeira.
Com mais de 1 milhão de pessoas registradas em corretoras, os investidores em criptoativos superam em número os investidores do mercado mobiliário da Bolsa de Valores. Acreditamos que esse é um impulso social e relevante que faltava para que o Estado oferecesse balizas mínimas regulatórias, a fim de permitir não somente segurança jurídica para as operações, como também mecanismos de responsabilidade por danos no sistema.
Senhores, aqui nós temos um projeto de lei que está em tramitação - o Senador Flávio Arns, inclusive conversando com o Senador Styvenson, também tem um projeto de lei tramitando na Casa. É um assunto que, de certa forma, já circula pelo Congresso há bastante tempo, com projetos diferentes na Câmara, mas este aqui, com certeza, vem somar.
Por isso, eu gostaria de convidar para fazer parte da Mesa, lembrando que iremos fazer dois blocos pela quantidade de convidados: o Sr. José Geraldo Franco Ortiz Júnior, membro da Subcomissão de Negócios Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban); o Sr. Luciano Timm, Secretário Nacional do Consumidor; o Sr. Mardilson Fernandes Queiroz, Consultor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil; e o Sr. Rafael Bezerra Ximenes de Vasconcelos, Diretor de Supervisão da Unidade de Inteligência Financeira.
Para dar início, iremos passar a palavra ao nosso convidado, Sr. José Geraldo Franco Ortiz Júnior, para fazer sua apresentação pelo prazo inicial de dez minutos.
O SR. JOSÉ GERALDO FRANCO ORTIZ JÚNIOR (Para expor.) - Prezados, bom dia.
Sr. Presidente, antes de tudo, em nome da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), eu gostaria de agradecer o convite para participar desta audiência pública e parabenizar esta Comissão por debater um tema tão relevante quanto a regulação de criptoativos no Brasil.
Os criptoativos, também denominados de criptomoedas, moedas virtuais, têm, nos últimos anos, ganhado grande visibilidade no Brasil e no exterior. Não há atualmente legislação no Brasil voltada especificamente ao regime dos ativos criptográficos, com exceção de uma instrução normativa da Receita Federal que prevê a obrigatoriedade de prestação de informações a respeito de transações com esses ativos.
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Os ativos criptográficos podem ser utilizados para diversos fins. Não existe uma única regulação que vai atender todas essas finalidades. Eles podem ser utilizados como meios de pagamento ou de troca, investimento, reservas de valor, registro de transações, etc. Eles assumem sua natureza jurídica aplicável ao respectivo uso. Não obstante essas finalidades diversas, os ativos criptográficos não se enquadram na definição de moedas por não terem curso forçado ou curso legal nos termos da legislação em vigor.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem se manifestando no sentido de que quaisquer ativos criptográficos que sejam caracterizados como valores mobiliários se sujeitam ao regime da Lei 6.385. Portanto, se aplica a eles o arcabouço jurídico regulatório próprio de valores mobiliários, e eles se sujeitam à regulação e supervisão da CVM.
Como o senhor mencionou, há, pelo menos, quatro proposições legislativas que buscam disciplinar o tema no Brasil - dois projetos de lei na Câmara dos Deputados e dois projetos de lei aqui no Senado -: os Projetos 2.303, de 2015, e 2.060, de 2019, na Câmara, e os Projetos 3.825 e 3949, aqui no Senado, ambos de 2019.
De fato, a gente entende que é importante definir, em lei, os princípios e as normas básicas aplicáveis a determinados usos dos ativos criptográficos, em especial a sua utilização como meio de pagamento, investimento financeiro e reserva de valor. Para tanto, a lei tem que definir, de maneira precisa, o que se entende como ativo criptográfico para fins do novo marco legal - qual é a definição. Os projetos trazem uma primeira visão disso, dizendo, em grandes linhas, que se trata de representação de valores em formato digital denominada em sua própria unidade de conta, criada e transicionada em tecnologia de registro distribuído, com a utilização de criptografia, mas, para fins dessa manifestação, a gente está incluindo os criptoativos quando utilizados como meios de pagamento, investimento financeiro ou reserva de valor. No escopo discutido pela Febraban, não se incluem, nesse momento, aqueles ativos que já estão sujeitos a um regime regulatório próprio, como os valores mobiliários; a moeda eletrônica, que registra transações denominadas em moeda nacional e, portanto, não são consideradas ativos criptográficos; e também aqueles que são destinados exclusivamente a programa de recompensa - os ativos criptográficos que eventualmente venham a ser criados pela Administração Pública.
Então, a nossa manifestação leva em consideração uma parte da utilização dos ativos criptográficos
Nesse sentido, com relação ao uso de criptoativo como meio de pagamento, tanto nacional quanto internacional, investimento financeiro ou reserva de valor, a regulamentação passa necessariamente por aplicar aos operadores de criptoativos um regime jurídico compatível com aquele aplicável a quem lida com poupança popular e a quem lida com fluxo financeiro entre pessoas. Na nossa visão, essa regulamentação poderia ser fundamentada em quatro pilares: proteção do consumidor da poupança popular e da estabilidade do sistema financeiro; prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo; prevenção à evasão de normas cambiais e fiscais; e desenvolvimento econômico e tecnológico e inovação.
Em relação ao primeiro pilar, entendemos que a lei deverá prever a adoção de mecanismos legais para proteger o consumidor que tenha seus ativos criptográficos custodiados por terceiros, inclusive na hipótese de eventual falência dos agentes responsáveis pela custódia. Para isso, a lei poderia prever que os ativos criptográficos custodiados em favor de clientes passem a ser legalmente considerados como patrimônio segregado, não se confundindo com o patrimônio do próprio agente de mercado e não respondendo, direta ou indiretamente, por suas obrigações, ou seja, sugere-se a segregação patrimonial entre o patrimônio da corretora, da exchange, e o patrimônio de seus clientes, com vistas à proteção do consumidor e da economia popular.
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Além disso, sugere-se a designação de uma autoridade reguladora, como o Conselho Monetário Nacional, que ficará responsável por disciplinar os aspectos do mercado de ativos criptográficos, na medida necessária para a proteção da poupança popular e o bom funcionamento desse mercado e do sistema financeiro. O regulador teria, assim, condições de instituir obrigações para preservar a solvência e a solidez da exchange, como, por exemplo, a exigência de mecanismos de governança, controles internos, segurança da informação, bem como patrimônio e limites operacionais mínimos. O objetivo aqui é manter a confiabilidade desses criptoativos perante a sociedade, protegendo o patrimônio do usuário final, não obstante os riscos inerentes à aquisição desses criptoativos.
Com relação ao segundo pilar, é importante que a lei inclua as operadoras de ativos criptográficos nas normas de prevenção à lavagem de dinheiro, colocando obrigações de cadastro, registros e comunicação das operações suspeitas às autoridades competentes, em conformidade com o que já existe hoje com relação a outros agentes de mercado. É muito importante a correta identificação do cliente final e da origem dos recursos utilizados nas transações com criptoativos.
O terceiro pilar, por sua vez, visa prevenir e combater a evasão de normas cambiais e fiscais por meio da utilização indevida de ativos criptográficos. A compra e venda de ativos criptográficos e a transferência da sua custódia em diferentes geografias têm sido vistas como uma alternativa para a transferência internacional de recursos, sem a realização das transações cambiais que seriam naturais nessas transferências, além de evitar o recolhimento de tributo. Além disso, a gente acredita que a escolha do consumidor pelo meio de transferência internacional de recurso não deve ser influenciada por assimetrias legais ou regulatórias. É importante assegurar um ambiente de competição em que a escolha se dê pela melhor e mais eficiente solução, e não por interesse em se evitar a aplicação das normas vigentes. Para isso, defendemos que, em regra, a transferência internacional de ativos criptográficos ou de suas chaves privadas, para ser mais preciso, deva ser intermediada por corretora de ativos criptográficos e receba o tratamento legal equivalente ao da transferência internacional de recursos financeiros, com as mesmas flexibilidades e exigências aplicáveis às normas de câmbio.
Por fim, o quarto pilar reforça os princípios consagrados no art. 218 da Constituição Federal, aliando o desenvolvimento econômico ao progresso tecnológico e à inovação, sempre em prol do interesse público.
Em resumo, a ausência de um regime jurídico para determinados usos de criptoativos representa uma série de riscos para a poupança popular, para a prevenção à lavagem de dinheiro, além de gerar distorções no mercado de câmbio. A sua regulação, contudo, não pode correr o risco de limitar uma indústria nascente e em franco crescimento, que vem contribuindo para a geração de empregos e a movimentação da economia nacional e internacional.
Portanto, a Febraban se posiciona favoravelmente à regulamentação desses ativos, fundamentada nos quatro pilares abordados anteriormente. A regulamentação do mercado de ativos criptográficos oferecerá maior segurança nas operações, propiciando, de forma adequada, a proteção aos consumidores e investidores nesse mercado, apoiando a prevenção à lavagem de dinheiro e corrigindo assimetrias regulatórias e de competição. A correta regulamentação do mercado poderá se traduzir em oportunidades de negócio e investimentos, certamente positivos para a economia do País.
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Assim será bem-vinda uma regulação específica do mercado de ativos criptográficos em benefício da sociedade brasileira como um todo.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço a apresentação do representante da Febraban, José Geraldo Franco Ortiz Júnior. Sem dúvida nenhuma, a Febraban é um dos autores essenciais na participação da formatação deste momento que estamos vivendo. Então, a experiência trazida pela Febraban, com certeza, será ainda aprimorada em outras conversas.
Nós temos aqui o compromisso de, ainda este ano, finalizar esse relatório. Com as experiências internacionais e até com as quatro sugestões dos pilares que foram colocados - com alguns já concordo, e também há outras pessoas que defendem muitos desses pilares -, o caminho deve ser um pouco por essa linha.
Então, parabenizo pela apresentação e passo a palavra para o representante da Senacon...
O SR. LUCIANO BENETTI TIMM (Fora do microfone.) - Pode me deixar por último?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Fica por último? Então, tudo bem. O Dr. Luciano solicitou aqui a inversão da ordem e vai ficar por último.
Dando sequência, continuamos com o Banco Central, através do Consultor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro, Dr. Mardilson Fernandes Queiroz.
O SR. MARDILSON FERNANDES QUEIROZ (Para expor.) - Obrigado, Presidente.
Primeiramente, em nome do Banco Central, quero agradecer pelo convite. Entendemos, lá no Banco Central, que esta é uma boa oportunidade de discutir esse tema. Realmente parabenizo a Casa por estar trazendo à tona a discussão sobre criptoativos, o que é importante. Mesmo que entendamos que não está sendo discutido... Nós entendemos, lá no Banco Central, não haver uma premência de risco sistêmico para a nossa economia ou para o nosso sistema financeiro ou para o nosso sistema de pagamentos brasileiro, mas, sem dúvida, é importante que a discussão ocorra, para que se encontre o melhor equilíbrio do que está se buscando aqui sobre regulação dos criptoativos.
O Banco Central, de várias formas e já há bastante tempo, vem incentivando a inovação no âmbito do sistema financeiro e no âmbito do sistema de pagamento. Internamente, nós separamos a tecnologia de blockchain ou de DLT (livro distribuído de registro) do próprio criptoativo. O criptoativo se utiliza da tecnologia, mas é importante separar a tecnologia em si do próprio criptoativo. Eu digo isso porque o próprio Banco Central vem fazendo prova de conceito, usando a tecnologia que está por trás dos criptoativos, para usos internos e até para conhecimento do potencial que essa tecnologia realmente tem não só para o sistema financeiro ou o sistema de pagamento, mas de uso geral no Governo ou em várias atividades, como já foi mencionado aqui.
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Nessa esteira de evolução da própria tecnologia, o mercado tem se utilizado de muitas terminologias: criptomoedas, moedas virtuais, ICO, EOS, token digital e stablecoins. São nada mais nada menos do que ondas evolutivas que a própria tecnologia e o uso dela vêm trazendo, o que faz com que essas terminologias vão sendo agregadas, vão se alterando.
Eu quero chamar a atenção aqui para duas terminologias: uma é a criptomoeda e a outra é o token. O token nada mais é do que um contrato, um comprometimento entre partes, pessoas naturais ou jurídicas, ou um comprometimento a um contrato entre sistemas que o token representa - ele pode representar coisas ou pode fazer coisas. No mundo digital, a tecnologia DLT e blockchain permite, no limite, "tokenizar" qualquer coisa, quer seja um ativo financeiro, quer seja a moeda emitida pelo Banco Central, quer seja um título público federal emitido pelo Tesouro. Tudo isso pode ser "tokenizado", isto é, pode ser embarcado numa tecnologia DLT, mas nem por isso nós vamos chamá-lo de criptoativo. Se é um título público federal "tokenizado", ele é um título público federal. Se é uma moeda emitida pelo Banco Central, "tokenizada" em um blockchain, ele é o real. Ele não é um criptoativo; ele é o real. Então, se há um CDB emitido por um banco "tokenizado", o que é possível, ele não é um criptoativo; ele é um CDB. Então, isso é só para colocar as diferentes facetas que esse token digital pode materializar.
Só que vem a questão: nem todo criptoativo cai dentro de algum perímetro regulatório, o que pode ensejar o quê? Que haja um gap legal regulatório, porque aquele token não se encaixa como moeda, não se encaixa como um valor mobiliário, não se encaixa como um ativo financeiro regulado no âmbito do sistema financeiro. Por isso, nós nos encontramos aqui nesta discussão: o que fazer? O que será? O que é esse criptoativo?
A única coisa certa de que o Banco Central fala a respeito é que moeda não é, porque moeda nós só temos uma aqui no Brasil. E há uma questão constitucional, uma questão econômica e até filosófica para dizer o que é moeda. O Banco Central, obviamente, só reconhece como moeda o real, emitido pelo Banco Central e suportado legalmente pela nossa Constituição. Então, usar o termo criptomoeda, além de levar a sociedade a um engano ou a um incentivo, digamos, adverso ao próprio uso daquilo... Dizer que aquilo é uma criptomoeda... Nós rejeitamos essa terminologia. E não é só o Banco Central do Brasil; os próprios fóruns internacionais de que o Banco Central participa têm dito que não se deve utilizar a terminologia criptomoeda ou moeda criptográfica ou moeda virtual. Os próprios fóruns de prevenção à lavagem dinheiro utilizam a terminologia "ativos virtuais", porque moeda é uma questão legal e institucional de cada país. Não cabe... Nós já passamos por emissão de moedas privadas - a civilização já passou por isso -, e deu no que deu. E chegamos à arquitetura de hoje: a emissão é feita pelo Estado ou lastreada no Estado, tendo uma instituição central que controla e que faz a política monetária para preservar o seu poder de compra. Então, esse é um ponto também que, no âmbito do Banco Central, a gente separa bem: "Olha, não vamos chamar de criptomoeda, até porque moeda não é".
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Quanto à questão da regulação, realmente entendemos que há um gap legal no País, porque hoje nós não conseguimos encaixar, dentro do perímetro regulatório do Banco Central, aquele criptoativo que não é moeda eletrônica, que não é moeda e que não é um ativo emitido por um uma instituição financeira. Aqui falando não pela CVM, mas citando a CVM, também é possível que o criptoativo não se encaixe no conceito de valor mobiliário. Então, ele fica no limbo de quem é o competente legalmente para regular.
Quando a gente fala em regulação, a regulação não existe por si só. "Ah, eu vou regular porque eu sou regulador". Não! Normalmente, o agente regulador observa as falhas de mercado e, em função disso, vai decidir a regulação...
(Soa a campainha.)
O SR. MARDILSON FERNANDES QUEIROZ - ... obviamente dentro do seu perímetro regulatório.
Só para encerrar, dado o tempo, entendemos que essa discussão da necessidade de regulação é pertinente. Eu acho que o Brasil precisa amadurecer e discutir, e é isso que nós estamos fazendo. Nós do Banco Central estamos à disposição para ajudar e dirimir alguma dúvida a respeito.
Agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço a apresentação do Sr. Mardilson. De fato, há que se observar que o que se busca é que tipo de autoridade vai ser responsável pelo controle e pela regulação das criptomoedas aqui no País.
Então, o tempo já está consolidado, é algo real. V. Sa. mesmo demonstrou aqui que existem diversas facetas sobre criptomoedas e que até a interpretação em si pode levar à confusão. Pelo que eu entendi, não seria o Banco Central, na sua visão, o responsável por esse controle. Às vezes, legislar ou avançar em discussões sobre esse tema pode ser infundado, tendo em vista as competências, a não ser que haja outras modificações.
Já escuto também que, apesar de a moeda nacional ser o real, se pensa também em outras formas de fazer investimentos no País, até em dólar. Não sei como vai ser destrinchado isso daqui para frente, mas, sem dúvida nenhuma, observando o que outros países fazem, existem de fato situações que o próprio governo regulamenta em que se tem a sua autoridade monetária central como sendo o regulador. Em outros locais, não se pode comprar o produto em si com criptomoedas; em outros países já é permitido. Então o País tem que decidir qual caminho vai seguir, e não necessariamente decidir agora, mas quais passos serão dados para se chegar nesse momento de regulamentação.
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Então eu agradeço a apresentação do apresentador do Banco Central e passo agora a palavra ao Dr. Rafael Bezerra Ximenes de Vasconcelos, que é Diretor de Supervisão da Unidade de Inteligência Financeira - acredito que é "Uif", não é "U-I-F", não é? Se chama "Uif" mesmo.
O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS - Isso.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Então, seja bem-vindo. V. Exa. tem dez minutos para expor sua apresentação.
O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS (Para expor.) - O.k. Obrigado, Excelência.
Gostaria de cumprimentá-lo tanto na condição de Presidente da Comissão quanto também de Relator de um dos projetos de lei que versam sobre a questão, o Projeto de Lei 3.825, e gostaria de fazê-lo em nome da Unidade de Inteligência Financeira, nome que atualmente consta na Medida Provisória 893, mas que, por força dos rumos que o projeto de lei de conversão tem tomado, provavelmente voltará a se chamar Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), enfim, então podemos dizer UIF/Coaf, dada a provisoriedade da situação.
Bom, a mensagem que eu gostaria de trazer nesses dez minutos, e acho que seria o melhor proveito que se faria da oportunidade que é dada à Unidade de Inteligência Financeira/Coaf nessa ocasião, oportunidade pela qual, inclusive, o órgão agradece penhoradamente à Comissão - a todos os seus membros e ao Presidente -, a mensagem que eu acho que seria mais útil aqui seria uma mensagem de urgência; não uma mensagem de urgência que gere uma preocupação paralisante, mas uma mensagem de urgência capaz de gerar ou de ampliar a disseminação do senso de responsabilidade que nós podemos ver encarnado, por exemplo, aqui nesse Projeto de Lei 3.825, assim como no outro projeto de Lei do Senado, o 3.949, também muito similar ao 3.825, um dos projetos de lei da Câmara. Esse senso de responsabilidade precisa ser disseminado à vista dessa urgência, que é o que eu gostaria de destacar, dando as razões por que nós estamos falando de algo que precisa de uma regulamentação urgente.
Se nós fôssemos discutir aqui a questão do ponto de vista da teoria da regulação, evidentemente teríamos que fazer todas essas ponderações de custo e benefício, afinal de contas, assim como existem falhas de mercado, também existem falhas de regulação, a regulação tem seus custos: custos de observância, por vezes custos indiretos de impacto nas condições concorrenciais, etc., e poderíamos passar aqui algumas sessões discutindo essa questão. Mas não é sobre esse tipo de perspectiva que me interessa aqui fazer o destaque que eu considero importante, porque essas ponderações já foram feitas, inclusive com a participação do Brasil e de instituições brasileiras em outros foros, e agora elas assumem um caráter que, para o País, para a República Federativa do Brasil, não é apenas um caráter de mera boa prática à qual possa se considerar conveniente ou não aderir, mas assumem um caráter de algo sobre o que pesam resoluções da ONU, com base no Cap. VII da Carta das Nações Unidas, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro desde 1945, e que são das poucas instâncias de corpo de normas cogentes no direito internacional. E essas normas já fazem referência às recomendações do Gafi, inclusive no que tange especificamente à questão dos ativos virtuais. E por isso eu gostaria de fazer um breve relato de como essa questão evoluiu tremendamente nos últimos dois anos.
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O Grupo de Ação Financeira Internacional, que, em inglês, atende pela sigla FATF (Financial Action Task Force), como se sabe, é um foro intergovernamental que procura elaborar recomendações relacionadas à lavagem de dinheiro, prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa e tem esse corpo de recomendações - são 40 recomendações.
Há muito tempo já havia a Recomendação 15, que trata da questão da atenção que as diversas jurisdições que compõem o Gafi, como é o caso do Brasil, devem ter em relação a inovações tecnológicas no tocante a instrumentos que permitam transferência de valores, etc., e a atenção sobre a perspectiva dos riscos de lavagem e financiamento de terrorismo que esse tipo de inovação pode trazer.
Essa Recomendação 15 tinha um parágrafo genérico que já contemplava, portanto, a possibilidade de um fenômeno como dos ativos virtuais, que está completando uma década, que estivesse de alguma forma alcançado. No entanto, o G20 sentiu necessidade de que o Gafi fosse mais explícito a esse respeito e encomendou que, dentro de um ano, estudos fossem feitos durante as reuniões plenárias do Gafi, que ocorrem com a participação de instituições brasileiras, e, por força disso, de 2018 para 2019, nós tivemos a ampliação da Recomendação 15, que passou a incorporar um parágrafo que se refere especificamente aos ativos virtuais. Tivemos a elaboração, nas reuniões plenárias do Gafi de fevereiro e de junho de 2019, deste ano, a elaboração da nota interpretativa dessa Recomendação 15, que desce a maiores detalhes do que o Gafi exige, e ele exige um ciclo de regulamentação amplo. Até então, o que havia no Gafi era o que eles chamavam de financial institutions, num sentido de instituições financeiras mais amplo do que aquele que é empregado no Brasil, em que você teria factories, seguradoras, etc., seria uma espécie de instituições financeiras em sentido amplo, que aqui no Brasil mais ou menos corresponderiam às instituições reguladas e supervisionadas por Banco Central, CVM, Previc e Susep, mas até por instituições supervisionadas diretamente pelo Coaf, por exemplo, pela UIF/Coaf, como é o caso das factories. Então haveria as financial institutions e haveria as designated non-financial businesses and professions, que seriam, por exemplo, lojas de joias, revendedores de automóveis, classificados como bens de luxo, etc., que exerceriam atividades comerciais que também trariam risco de lavagem de dinheiro, embora um risco menor que os da financial institutions. Eram esses os dois grupos que havia.
E surgiu a questão: ora, os provedores de serviços de ativos virtuais se enquadrariam em algum desses dois grupos? Durante algum tempo, houve o interesse de colocá-los dentro do grupo das instituições financeiras. Havia, entretanto, uma resistência, inclusive de boa parte dos bancos centrais que estavam representados nas reuniões do Gafi, no sentido de evitar nomes como moeda - muitos chamavam cryptocurrency e alguns chamam moedas virtuais até hoje -, porque moeda não é - alguns expositores que me antecederam já deixaram isso bastante claro. Ela tem uma característica fundamental que não é o tool, que não é o fato de rodar em plataforma, mas é o fato de ter uma unidade de conta própria que não corresponde à unidade de conta de moedas soberanas emitidas pelos Estados soberanos e que tem seu valor controlado pelos Estados soberanos por meio dos mecanismos tradicionais de política monetária, notadamente o enxugamento e a oferta de liquidez por meio do mecanismo de títulos. Esses ativos virtuais têm unidade de conta cujo valor não corresponde a esses mecanismos controlados pelo Estado, portanto, não é a tecnologia moeda, que tem um desenvolvimento multimilenar - e quando eu digo multimilenar é multimilenar mesmo, é algo que remonta a oito mil anos atrás. Se nós tivéssemos tempo, seria até uma digressão interessante perceber como a iniciativa espontânea da livre iniciativa na sociedade vai gerando a tecnologia e depois há movimentos em que o Estado chega - e pelo menos três grandes movimentos nós podemos destacar aqui -, que são a cunhagem estatal, o monopólio de emissão e, mais tarde, a criação dos bancos centrais. Então há sempre um movimento de: a sociedade, por força da sua livre iniciativa, adianta certos aspectos de uma tecnologia como a tecnologia monetária, e o Estado chega depois, por força de necessidades que, com o desenvolvimento dessas tecnologias, acabam ficando bastante evidentes.
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Acredito que não vá ocorrer de forma diferente com essa tecnologia utilizada nos criptoativos, mas o fato é que não há tempo aqui para essa digressão histórica mais recuada. O que ocorre é: moeda não é. E embora o nome moeda seja um nome que traga, no imaginário coletivo, uma ideia muito forte de segurança - afinal de contas estamos falando de um instituto humano com um desenvolvimento multimilenar, altamente sedimentado na cultura e, enfim, bem desenvolvido -, a ideia de que algo como a moeda pudesse ser substituído por um ativo desse tipo, inclusive, é de um apelo muito grande para atrair investidores. Então isso não deixa, ainda que sob um dolus bonus, eventualmente, de poder iludir quem se aproxima desse tipo de ativo. E também não seria uma instituição financeira, para não passar a ideia de que estaria entre as instituições melhor reguladas, porque as instituições financeiras, comparadas às não financeiras, são objeto de regulação mais estrita.
Pois bem. Acabou-se chegando à conclusão de que não era nenhum desses dois tipos e se criou um terceiro gênero no âmbito das recomendações do Gafi, que são os virtual asset service providers, os provedores de serviços de ativos virtuais. Deixou-se de usar o termo cryptocurrency e passou a se usar o termo virtual asset, ativos virtuais, para também não ficar no crypto, que é apenas uma tecnologia - para usar um termo tecnologicamente mais neutro, portanto, mais longevo -, e se passou a utilizar um terceiro grupo de sujeitos a serem regulados.
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS - E, me encaminhando para o término, o fato é que, com a nota interpretativa já consolidada com os detalhes de como esses criptoativos e os provedores dos serviços criptoativos deveriam ser regulados, passou-se então, na reunião plenária de junho de 2018 do Gafi, a delegar ao grupo que cuida exatamente das avaliações que o Gafi faz em cada País - estamos agora na quarta rodada; o Brasil passou pela terceira rodada de avaliações em 2010, vai passar pela quarta rodada agora em 2020, e ficou incumbido de, até outubro deste ano, e isso já ocorreu, atualizar a metodologia de avaliação que é utilizada nessas rodadas de avaliação dos países sobre o seu sistema de prevenção de lavagem de dinheiro, para que contemplasse a avaliação, também já, sobre a regulação aplicável aos ativos virtuais e aos provedores de serviços de ativos virtuais. Pois bem, isso foi entregue em outubro e agora o que existe é um subgrupo do que eles chamam de PDG, que é o Policy Development Group, que vai acompanhar como é que a mudança de metodologia, a nota interpretativa, o acréscimo da recomendação, o Guidance, que foi alterado, porque já existia um Guidance desde 2015 que cuidava disso, mas ele foi alterado agora para ficar mais claro no tocante à incidência sobre ativos virtuais, como é que isso tudo vai se concretizar. Em outras palavras, em termos de tempo, o Brasil tem, até o final de 2020, quando se inicia a quarta rodada de avaliação do País pelo Grupo de Ação Financeira Internacional, para ter algo a dizer sobre como regula os ativos virtuais.
Então, como eu disse, toda aquela discussão de custo e benefício regulatório, etc., foi travada - há material extenso das reuniões do Gafi -, e se considerou que, pelo menos do ponto de vista da lavagem de dinheiro - e é só uma das preocupações em relação aos ativos virtuais; há uma série de outras: a questão das pirâmides financeiras, do consumidor, etc., segurança prudencial -, pelo menos do ponto de vista da lavagem de dinheiro, isso já está definido como algo que precisa ser feito pelos países.
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No caso específico de um país como o Brasil, para muito além das consequências gravosas que haveria se nós fôssemos mal avaliados em relação ao nosso sistema de prevenção à lavagem de dinheiro por falta de uma regulação e de uma supervisão nesse setor - e essas consequências são, de fato, gravosas; nós estamos falando de dificuldade de acesso dos nacionais ao mercado internacional, porque a maioria dos países tem normas, hoje em dia, que exigem diligências reforçadas das instituições dos seus sistemas financeiros quando se relacionam com países que se encontram em lista cinza ou lista negra do Gafi -, para além dessas consequências, o fato é que o Brasil, desde a sua norma constitucional, no art. 4º, é comprometido com a cooperação internacional para o combate ao terrorismo e internalizou no seu ordenamento a Carta das Nações Unidas e, portanto, o seu capítulo VII, que traz normas cogentes. Portanto, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, são já automaticamente internas ao ordenamento jurídico brasileiro, por força da internalização da própria Carta das Nações Unidas, como já foi dito em pareceres de diversos órgãos, a exemplo da AGU, e como hoje em dia é expresso na Lei 13.810, de 2019, que fala da incorporação imediata das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Então, quando uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como a 2.462, de 2019 - deste ano, de março, de 28 de março -, diz que as recomendações do FATF, referindo-se, inclusive, aos ativos virtuais, precisam ser absorvidas pelas jurisdições, precisam ser atendidas, isso se torna para o Brasil algo que já se encontra no nosso ordenamento jurídico como uma diretriz que precisa ser observada.
Por tudo isso, por força dessa urgência, portanto, o que o Coaf gostaria de destacar sobretudo é um elogio à responsabilidade que se reflete neste tipo de projeto, neste tipo de debate, neste tipo de audiência. Enfim, torcemos para que isso se dissemine o mais rápido possível ante todos os reguladores, para que nós possamos decidir quem vai cuidar dessa questão, e, obviamente, o foro onde, por excelência, isso deve ser decidido é o Parlamento. Portanto, fica esse elogio que desce a detalhes e destaca, sobretudo, a urgência da questão.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Dr. Rafael, em dez minutos, V. Exa. demonstrou um vasto conhecimento não só da parte evolutiva das moedas em si, mas principalmente da segurança. Então, há este aspecto de que o Brasil ande de acordo com aquilo que o mundo já dita como sendo o ideal não só na questão da prevenção à lavagem de dinheiro, mas também na questão de segurança mesmo sobre as criptomoedas, sobre as moedas virtuais. Até o termo, ao se pensar se usa moeda ou não, já é polêmico.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Mas essa é uma realidade.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Eu posso, Sr. Presidente, fazer uma pergunta ao Sr. Rafael?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Senador Styvenson, falta apenas o Dr. Luciano. Se V. Exa. quiser... Jamais vou cassar a voz, até mesmo porque V. Exa. é o autor do projeto que ele mencionou aqui. Mas, até para que V. Exa. possa perguntar para os quatro, tenho a certeza de que tem...
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Para interpelar.) - É que eu estou ouvindo, desde o início, todo mundo falando que a criptomoeda não é uma moeda, não é nada. Mas é um bem, não é? Eu já vi gente vender carro ou casa e converter esse dinheiro todo.
O senhor me diz que a gente ainda está engatinhando em relação à fiscalização, à transparência, à proteção. O Coaf tem o papel, dentro de um sistema financeiro, de localizar transações que podem ser suspeitas ou não. Então, foi assim que, quando eu estive lá, eu vi o funcionamento do Coaf.
Hoje o senhor pode me citar algum país na Europa, na América, na Ásia, em qualquer lugar, que tenha tido sucesso na regulamentação e nessa fiscalização? Nós estamos no sistema financeiro internacional, e o senhor deixou claro que parece que ainda continua sendo e vai ser um paraíso para muitos crimes.
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Há pontos bons dentro dessa transação financeira virtual? Há muitos pontos bons, mas eu vejo hoje os pontos ruins se destacando muito. Se eu quiser receber uma propina em criptomoedas, o senhor consegue rastrear? O senhor consegue rastrear milhões que vão para minha conta, se não sei nem onde, nem quem mandou? Consegue fazer isso? É tão fácil ou é difícil? A primeira pergunta é: um país de sucesso, há algum? A Europa já evoluiu em relação a isso, ou os Estados Unidos, ou a China, que tem um controle rígido sobre tudo isso?
A segunda questão é esta discussão sobre se é bem ou não é a criptomoeda. Diz-se que muita gente converte, Exmo. Senador Rodrigo. Eu vejo gente vender os bens que têm, com a expectativa e a esperança de ganhar muito dinheiro nessa jogada.
Como é que isso se explica? Uma audiência pública serve para isto, para tornar claro para as pessoas como há esse rendimento, como é que as pessoas não são iludidas com esta figura de "eu vou colocar dinheiro e ganhar muito, eu coloco um pouquinho de dinheiro e, daqui a pouco, estou milionário". Quem perde para se ganhar? É um sistema capitalista. Quem está perdendo para se ganhar?
Então, são essas as perguntas. Primeiro, qual país a gente pode citar hoje e pode, por analogia, compará-lo dentro dessa fiscalização, dentro da regulamentação do que é hoje e dentro dessa fiscalização dessa moeda ou desse bem? Vamos chamar de bem.
O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS (Para expor.) - Senador, agradeço as perguntas e me refiro a elas deliberadamente no plural, porque foram várias, importantes e pertinentes. Vou procurar ser breve, mas, se possível, não deixando nenhuma delas de fora.
Quanto à primeira, a mais objetiva, se eu poderia trazer exemplos de países que foram bem-sucedidos na regulação, na supervisão do setor, dos ativos virtuais e dos provedores de serviços de ativos virtuais, eu não teria como fazer juízo de valor sobre o sucesso sem estar aqui muito sem base para meramente especular, ou seja, seria um exercício de achismo que beiraria uma afirmação infundada, por uma razão muito simples: a metodologia de avaliação pelo Gafi, que é o foro mais abalizado para avaliar, para fazer justamente o juízo de valor sobre o êxito nessas questões, passou a ser reformulada para contemplar especificamente a metodologia de avaliação dos sistemas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de terrorismo nos países em relação à ativo virtuais em outubro, nesse mês. Então, veja: só a partir de agora é que os países que passarão pela quarta rodada de avaliação serão avaliados também do ponto de vista da efetividade do seu sistema de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento de terrorismo pelo Gafi. Então, o Gafi não teve sequer um único relatório sobre qualquer país.
O Brasil, com certeza, estará incluído, porque a rodada de avaliação do país começa no fim de 2020, no início de 2021. Então, nós já seremos objetos dessa avaliação. Eu poderia responder a essa pergunta, inclusive falando se o Brasil foi bem avaliado ou mal avaliado, em 2022, certamente. Hoje, eu não posso dizer porque o Gafi não avaliou ninguém ainda, e um órgão, uma unidade de inteligência financeira de um único país como o Brasil não teria condições de falar sobre outras jurisdições nem sobre sua própria jurisdição, porque agora nós estamos nos adaptando a isso.
Então, quando eu me refiro à urgência de o País regulamentar a questão - e o tempo é concreto, com prazo já, com data marcada -, eu não quero dizer que o País esteja necessariamente atrasado. As coisas e a evolução nesse setor de regulação e supervisão dos ativos virtuais aconteceram de forma muito rápida mesmo. Em duas ou três reuniões de plenário do Gafi, nós pulamos de uma menção muito genérica na Recomendação 15, com um único parágrafo, para uma Recomendação 15, que passou a ter dois parágrafos, um deles específico sobre ativos virtuais, com toda uma nota interpretativa extensa e detalhada, com todo um guidance reformado para tratar do assunto e com uma reformulação da metodologia de avaliação.
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Então, as coisas têm sido rápidas. Quando eu digo que a questão é urgente, eu não quero dizer que o Brasil esteja atraso em relação aos outros países. A realidade é incipiente no mundo, mas quero dizer que o mundo não está esperando os retardatários. Então, é importante que nós não nos situemos entre eles num futuro breve, num futuro de curto prazo, em um horizonte de curto prazo.
Então, eu não teria como dizer isso. Agora, eu posso dizer que o quadro de regulamentação dessa matéria, pelo menos no aspecto da lavagem de dinheiro e do financiamento de terrorismo, é bastante heterogêneo. Então, nós temos o exemplo do México. No México, quem regula essa matéria? Inclusive, para fins de PLD/FT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo), é a Receita Federal de lá que a regula. No Paraguai, salvo engano, não me recordo se é a própria unidade de inteligência financeira de lá que a regula. Nos Estados Unidos, isso varia de Estado para Estado, embora eles tentem uniformizar isso; associações privadas procuram fazer legislação modelo ou padrão para o país, mas isso varia de Estado para Estado. No Japão, a coisa é muito utilizada, há uma regulamentação bem sedimentada. Na Bolívia, há uma proibição total, não se pode utilizar isso; simplesmente, eles proibiram. Então, o quadro de abordagem no mundo foi muito heterogêneo.
Há um detalhe importante: no Brasil, um dos maiores obstáculos a que nós possamos observar a urgência de tratamento da matéria é o fato de que o Gafi diz apenas que as jurisdições devem estabelecer regulamentação, ciclo de supervisão completo, com licença e registro prévio, com filtros para não permitir preventivamente...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS - ... que criminosos entrem. Ele apenas diz que os países devem fazer isso, mas não diz que tipo de instituição deve fazer isso nos países. Alguns países estão atribuindo isso para as suas CVMs, para suas Securities and Exchange Commissions; outros, para os seus Bancos Centrais. Há notícias de projetos de lei que já se encontram no que seria equivalente às Casas Civis de países da Europa, que atribuiriam isso aos Bancos Centrais desses países, até porque, com o sistema do Banco Central Europeu, os Bancos Centrais nacionais passaram a ter um pouco mais de folga de capacidade burocrática para lidar com outros temas.
Então, o fato de que o Gafi não aponta o "pai da criança", se me permite usar a expressão, faz com que no Brasil exista um natural conflito negativo de atribuições: o Banco Central entende que não é sua área, porque não se trata de moeda - já, já eu volto a essa questão que V. Exa. abordou -; a CVM entende que não é um valor mobiliário, porque os valores mobiliários são taxativamente descritos na Lei 6.385, a Lei de Mercados de Capitais, e por aí vai.
Especificamente, o Coaf não tem uma responsabilidade de supervisão específica sobre esse setor porque o Coaf funciona da seguinte forma: há o âmbito dos setores regulados, bancos, seguradoras, lojas de joias etc., que é bem amplo no art. 9º da lei de lavagem; o segundo andar dessa pirâmide são os reguladores de cada setor; e o terceiro andar seria a UIF/Coaf, que recebe as informações desses setores obrigados, que manda essas informações para o Coaf, conforme as instruções dos seus reguladores, no segundo andar. Os reguladores dão as instruções de como eles devem comunicar as operações suspeitas ao Coaf etc. E, nos casos excepcionais em que esses setores não têm regulador próprio, como, por exemplo, loja de joias, o Coaf fica também no segundo andar, também vira um regulador/supervisor.
No caso específico desse universo da lavagem de dinheiro, é importante dizer uma coisa fundamental: há uma confusão que contamina muito as discussões sobre a lei de lavagem dinheiro. A lei de lavagem de dinheiro se divide em duas partes: uma criminal e outra administrativa, digamos assim. Do ponto de vista criminal, é fora de dúvida que os ativos virtuais, os provedores de serviços de ativos virtuais são alcançados pela lei. O modo como o crime de lavagem de dinheiro é tipificado no art. 1º...
(Soa a campainha.)
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O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS - ... é por meio de uma redação tecnologicamente neutra. Ele não diz o que vai ser usado para ocultar ou dissimular bens.
Então, alguém que cometer crime com ativos virtuais vai ser alcançado, e a Polícia Federal, a Polícia Civil etc, pelos mecanismos probatórios que possuem - não estou dizendo que sejam os mais eficientes e que estejam mais bem amparados pela legislação -, vão poder alcançar isso.
Agora, na parte administrativa, o que existe é a organização de um sistema de prevenção nos pontos de maior risco. Nesse ponto, de fato, a lei não coloca os provedores de ativos virtuais no art. 9º como um dos sujeitos obrigados, por exemplo, de prestar comunicações ao Coaf, muito embora, por autorregulação e por iniciativa própria, algumas das exchanges no Brasil já façam isso, porque o Coaf abre a possibilidade de mesmo aqueles que não têm tipificação como sujeito obrigado no art. 9º possam vir trazer comunicações.
Então, o que eu quero dizer é que o setor não está completamente... Do ponto de vista criminal, ele está completamente coberto. Do ponto de vista administrativo, não está completamente descoberto, mas ainda não está incluído entre os sujeitos obrigados, dentro do sistema administrativo preventivo padrão, e, portanto, a ação fica muito reativa, deixa de ser uma ação preventiva, o que seria o ideal, porque é um setor que traz um risco grande nesse sentido. E existe a possibilidade, sim, de eles comunicarem ao Coaf etc.
Agora, o último ponto é a questão de não ser moeda. Por que não é moeda? Vou ser muito breve. Veja: o que define uma moeda do ponto de vista econômico? É o alcance para a passagem de um limite que nós poderíamos chamar, se nós pegarmos o que há de senso mais comum na teoria monetária, de passagem do limite da aceitabilidade geral. A moeda possui aceitabilidade geral. Ela é aceita, do ponto de vista econômico, por todos e para todas as intermediações. Veja, um caminhão de melancia é algo que pode ser usado para ser trocado por um quilo de pano. O escambo é legal, é previsto. A troca é perfeitamente possível pelo Código Civil etc. Então, certo bem, qualquer que seja ele... Uma obra de arte pode ser usada como meio de troca, mas ela não tem aceitabilidade geral e, portanto, economicamente, não se caracteriza como moeda. São aceitos em muitos pontos os ativos virtuais? São, mas não de forma geral, não para todas as intermediações econômicas. E, do ponto de vista jurídico, ela passa a ser dotada do curso legal? Ela também não é dotada do curso legal; isso está, inclusive, na definição do projeto de lei. Então, não é moeda do ponto de vista econômico, não é moeda do ponto de vista jurídico. E, do ponto de vista jurídico-constitucional, digamos assim, ela tem que ser aquela moeda, hoje em dia, emitida com base no monopólio estatal, que pode ter seu valor controlado pelos mecanismos de política monetária.
Então, sob nenhum desses aspectos, ela é moeda. Agora, isso quer dizer que ela seja menos importante para efeito de ser regulada? Não, ela é até mais importante para efeito de ser regulada, e, como eu disse, essa é uma decisão já tomada. Para nós, Brasil, isso é direito posto.
Então, espero ter respondido suas perguntas.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - O.k.! Vou passar a palavra agora para o representante da Senacon, Luciano Timm.
Aqui, muito foi abordada a questão do impacto e dos problemas relacionados à economia e à segurança. Mas, com certeza, o consumidor é aquele que é o alvo mais fácil, tendo em vista, muitas vezes, a forma como é exposta a oferta, a facilidade de se ter um retorno vantajoso a curto prazo. Então, isso, de fato, seduz aqueles que não têm formação por completo, principalmente quando há relatos de pessoas que se deram bem. E isso acaba criando essas pirâmides. Aqui em Brasília mesmo, nós temos vários exemplos disso.
Então, representante da Secretaria Nacional do Consumidor, Dr. Luciano Timm, V. Sa. tem a palavra por dez minutos.
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O SR. LUCIANO BENETTI TIMM (Para expor.) - Bom dia, Senador Cunha!
É um prazer estar aqui.
Saúdo também a sua equipe, os demais membros da bancada, os colegas professores e os demais presentes aqui.
Não poderemos perder muito tempo nas saudações porque o tempo é curto.
O tema para nós, na Senacon, tem uma relativa novidade, porque a primeira vez em que nós nos deparamos com ele foi em uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir esse tema e, sobretudo, as milhagens.
Então, tentando identificar o consumidor ou os consumidores aí, a gente foi atrás de um levantamento de investimentos feitos no Brasil. Até para a minha surpresa, e aqui falo em meu nome pessoal, 50% dos brasileiros ainda investem em poupança, e a justificativa é a memória da inflação; a poupança nos protegeria da inflação. Ora, nós estamos vivendo a menor taxa de juros da história, e só 16% dos consumidores diversificam os investimentos. O cara investe em poupança e em outro ativo.
Então, quando o Senador foi atrás disso, ele trouxe o dado de um milhão de investidores em criptomoedas. Isso chama a atenção até pelo mau sentido. Se o perfil de investimento dos brasileiros é conservador, o que ele estaria fazendo nesse perfil de investimento, que é um perfil de alto risco? E por que ele é de alto risco? Porque é desregulado. Então, fica aqui já uma dica a todos os consumidores de não investirem naquilo de que não têm conhecimento, de que não têm informação.
Vejam, nós investimos pouco em ações, e o mercado acionário é regulado pela CVM. Há algumas críticas à CVM, mais até do que ao Banco Central. Há críticas recentes dos societaristas, dos professores de Direito Societário, de como a CVM tratou o tema da Lava Jato e de como isso repercutiu nos minoritários. Muitos dizem que faltou fôlego à CVM. Mas o mercado acionário, mal ou bem, é regulado. É uma instituição antiga até a CVM, importante, mas há essa crítica de insuficiência regulatória para os minoritários na Lava Jato. Então, se a solução para esse problema vai ser regular pela CVM, acho que devemos tem um pouco de cautela. E a sugestão, então, como disse o Senador Styvenson, já que há também um caráter informativo, é evitar investimentos naquilo que você não conhece. Então, como regra, eu não quero ser cético aqui, mas talvez seja evitar investimentos em criptoativos até que se tenha conhecimento. Comece por fundos de investimento, regulados por várias instituições; depois, vá para o mercado acionário e, em último caso, então, depois de conhecer bem como funciona, para as criptomoedas.
Fizemos um levantamento também: já houve a responsabilização de uma empresa prestadora de serviços pelo Procon de São Paulo por vender um ganho fácil. Na visão do Procon de São Paulo, haveria ali a possibilidade de você ficar milionário literalmente em um ano, coisa de que o consumidor e a consumidora deveriam desconfiar, porque dificilmente você fica milionário naquele prazo previsto por aquela instituição.
Então, em termos de dados, isso me chamou a atenção. Eu não tinha, Senador - confesso minha surpresa -, noção desse volume. Eu diria para essas pessoas, efetivamente, repensarem esse investimento e rumarem para algo regulado.
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Por outro lado - também fizemos um levantamento sobre o tema de criptoativos, vamos chamar assim, evitando também induzir ao erro os consumidores de que essa seria uma moeda; acho que há certo consenso de que moeda não é, nem do ponto de vista econômico nem do ponto de vista jurídico -, isso toma corpo, em 2008, nos Estados Unidos, na Califórnia, por aquele pessoal de tecnologia que atribuiu aos bancos e aos reguladores, especialmente ao regulador bancário, a crise de 2008, que levou vários consumidores ou investidores a comprarem ativos tóxicos. Então, na visão desse pessoal da Califórnia, o Estado errou ao permitir essa venda de ativos, e os bancos erraram, por conflito de interesse, em vender isso. Então, os criptoativos, ou, como eles chamam, as criptomoedas, surgem como uma reação libertária a erros regulatórios e a erros dos bancos.
Então, temos que pensar se a saída vai ser efetivamente atribuir isso ao Banco Central. O Banco Central não sofreu a mesma crítica que o regulador americano. Então, nesse sentido, talvez, ele fosse o melhor regulador, considerando as outras opções que foram mencionadas, como o CVM, para esse tipo de situação. Mas regular não é trivial, porque, justamente, o que esse mundo da tecnologia defende - com isso eu não concordo necessariamente - é que você precisa deixar... E a internet surge como esse espaço livre de inovação e de liberdade. Mas isso tem um limite porque a liberdade de empreender encontra um momento em que precisa ser regulada porque aquela tecnologia já se consolidou.
Por exemplo, a nossa visão na Senacon é a de que algumas tecnologias de algumas plataformas digitais já estão absolutamente consolidadas. Basta a gente pensar nessas big techs como Facebook e Google, que já têm perfeitas condições de serem reguladas, inclusive com aplicação da legislação hoje em vigor, como o próprio Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, também entendemos que o Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado, como foi pelo Procon de São Paulo, em casos concretos em que haja enganosidade de publicidade etc. Não é o meio virtual que vai evitar a aplicação da lei.
Alguns acadêmicos sugerem - Todd Anderson sugere isso - que a tecnologia pode vir até a substituir o Estado como oferecedor de garantias, como, por exemplo, a Uber, que concorre com a prefeitura, ou outras plataformas, no sentido de garantir a qualidade do transporte, da mobilidade urbana.
Então, o tema efetivamente é polêmico, mas acredito que, na Mesa aqui, há certo consenso de que precisamos avançar na regulação. Por isso é que eu pedi para ouvir antes o Banco Central, pela deferência ao regulador especializado, não que necessariamente precisamos concordar.
Nós, no Ministério da Justiça - se eu tivesse mais tempo, até poderia trazer uma posição mais consolidada -, temos o tema da regulação do consumidor e também da pirataria e da lavagem de dinheiro. A gente cuida lá do Conselho Nacional de Combate à Pirataria. Uma parte não desprezível da pirataria é feita com base em pagamentos nesse tipo de ativo, em sites que estão em outros países.
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Senador, há uma coisa que é importante mencionar: o Brasil é muito mais vítima da pirataria do que se beneficia dela. O Brasil está entre os 16 países que mais sofrem com pirataria e apenas entre os 50 que mais produzem pirataria. Mais de 80%, segundo o relatório da OCDE, da pirataria consumida no Brasil vêm de países asiáticos. Então, entra via plataformas digitais, e o pagamento pode ser dado em criptmoedas. Esse é mais um motivo pelo qual devemos, sim, avançar na regulação.
Outro motivo - acho que ele já foi bastante coberto aqui e preocupa muito os meus colegas da Polícia Federal - é a lavagem de dinheiro e a criminalidade organizada. A criminalidade organizada também se envolve em contrabando, e as formas de pagamento, muitas vezes, acabam sendo esses meios ilegais.
Do ponto de vista estrito do direito do consumidor, confiança é fundamental. Então, se nós queremos desenvolver esse mercado, se entendemos que ele é relevante...
(Soa a campainha.)
O SR. LUCIANO BENETTI TIMM - E parece que ele o é, porque ele pode trazer concorrência para o setor bancário. Nós entendemos que o setor bancário, no Brasil, é muito concentrado. Então, formas de concorrência como fintechs e outras formas devem ser estimuladas.
Para não passar do tempo, eu diria que, nesse tema, não podemos transigir com lavagem de dinheiro. Então, nesse ponto, é inequívoco que devemos avançar. Então, ficam os parabéns ao Congresso por trazer esta discussão.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço ao Dr. Luciano Timm pela apresentação.
Pergunto ao Senador Styvenson se ele tem mais algum apontamento. Aqui é importante deixar clara a presença do Senador Styvenson. Já lhe dou as boas-vindas. É a sua primeira apresentação, formalmente, como membro desta Comissão. Não é que não tivesse participado em outras ocasiões.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Sem ser membro.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Sem ser membro. Isso é importante relatar. Sendo o assunto saúde, educação ou esporte, V. Exa. está sempre participando das Comissões desta Casa, não nos surpreendendo com um projeto extremamente importante que veio a casar com este momento. Já realizou uma audiência pública sobre este tema e está aqui acompanhando, pela manhã.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Em parceria com Flávio Arns.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Exatamente.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Para interpelar.) - Saíram dois projetos em relação à audiência pública. São muitas as dúvidas.
Eu digo que a audiência serve para trazer essa experiência, para trazer quem está dominando esse assunto, para que nós possamos fazer essa regulamentação de forma eficiente. A tecnologia, a inovação está se movimentando muito rápido. Então, não é só nesse plano, Sr. Presidente, que a gente está atuando. A gente atua também na inteligência artificial e numa proteção às pessoas, porque as pessoas não podem ser as vítimas. Sempre existe um oportunista que vai querer extrair.
Uma das perguntas que eu tinha é se esse bem, esse valor, pode ser ou não penhorável. Quando se tocou nas comissões, nas exchanges, elas servem para negociar. Ela pega o dinheiro, vende, converte, muda o valor, faz aquela transação. Ainda não está muito clara para as pessoas justamente essa movimentação. Ninguém se interessa em saber como é que é dado esse ganho. Todo mundo só quer ganhar. Quer ganhar o seu e, muitas vezes, não sabe como é mantida essa movimentação. É diferente do mercado financeiro, é diferente de uma bolsa de valores, como foi citado aqui. É diferente de tudo isso. Então, a pessoa que está ouvindo, que está assistindo, diz: "Ah, vou investir em criptomoedas!".
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O que quis dizer para o Sr. Rafael foi o seguinte: eu pego este celular, eu o vendo, eu converto ou troco ou faço o tipo de relação que for, mas converto para aquele tipo de bem que é a criptomoeda. Transformei algo em alguma coisa que não é rastreável. Isto aqui pode ser rastreável, um carro pode ser rastreável, uma casa pode ser rastreável, um terreno pode ser rastreável. E, quando deixo de ter isso, perguntei se isso entra no radar do Coaf, porque existe uma movimentação, uma conversão. Era essa a dúvida que eu tinha. O senhor me explicou, mas ainda fiquei com essa dúvida.
Estou ouvindo, Senador Rodrigo Cunha, atentamente todos porque, além de ter feito um projeto junto com Flávio Arns, eu queria que a gente pudesse aperfeiçoá-lo, melhorá-lo. Como eu já disse, é muito rápida a evolução. A gente olha isto aqui, e, daqui a pouco, já não é mais a mesma coisa. É igual na Anvisa, quando se trata de drogas. O cara que faz a droga sabe que está na tabela que certa droga, com certos componentes, é proibida. Aí ele pega a droga sintética e modifica a sua substância, e ela deixa de ser a droga que está regulamentada e passa a ser outra, até a gente evoluir para seguir o caminho de proibir ou de criminalizar.
Estou mais acompanhando atentamente, Senador. Quero dizer ao senhor que vim para cá para contribuir, para ajudar. Há tempos eu paquerava esta Comissão. Consegui essa entrada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Seja bem-vindo!
Então, antes de passar a palavra ao Dr. Rafael, vou fazer aqui...
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Perguntei para o Luciano.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Perguntou para o Dr. Luciano.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Ele veio aqui para falar sobre o consumidor.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Isso, Dr. Luciano.
Vou fazer algumas outras perguntas direcionadas também à Febraban e ao Bacen, para vocês já irem pensando, perguntas que mesclei do que chegou do Portal e-Cidadania e de alguns questionamentos que tenho.
Então, para a Febraban, pergunto: "De que modo os bancos têm migrado, entendem ou estudam a possibilidade de migrarem reservas para criptoativos? Existe essa possibilidade?". Essa pergunta foi feita também pelo Adaelson, de Santa Catarina.
Há uma pergunta para o Banco Central, mesclando o que disseram a Fernanda, de São Paulo, e o Leandro, do Distrito Federal. Também acrescento a essas dúvidas: "O Banco Central entende ser necessária a regulação. Mas qual é de fato a sugestão do Banco Central para eleger a autoridade de regulação e controle?".
Para a Senacon, juntamente com o Marcos Vinícios, de São Paulo, pergunto: "Pensando em regras de suitability e de controle, o que a Senacon pensa - é parecido com o que acontece com os investimentos em fintechs - de se estabelecer ao consumidor final, fático e econômico, um patamar máximo de aplicação de suas finanças em criptoativos, que são de altíssimo risco?".
Então, temos essas três perguntas. Vou começar com o Dr. Luciano, até para somar a pergunta feita pelo Senador Styvenson.
O SR. LUCIANO BENETTI TIMM (Para expor.) - O Senador Styvenson pergunta se é possível estabelecer garantias, se é possível penhorar ou, talvez, dar em garantia.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - O cabra leva o dinheiro do investidor...
O SR. LUCIANO BENETTI TIMM - Veja que a toda pergunta um advogado, a que estou licenciado, responde: precisamos estudar. Ironias à parte, talvez sim porque, como tem valor econômico... Eu teria que estudar melhor, mas, assim como a gente pode penhorar sacos de soja, assim como a gente pode dar em garantia determinados bens, num primeiro momento, eu não veria por que não, uma vez que...
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O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - É que um saco de soja é tangível. Eu não consigo imaginar...
O SR. LUCIANO BENETTI TIMM - Mas, pelo fato de ter valor econômico, você pode ter um título de crédito... Hoje, os títulos de créditos são todos documentos eletrônicos. Então, eu não veria como um óbice em relação a isso. Tendo valor econômico, sendo aceito, você pode... Acho que, numa primeira análise, eu não veria por que não. É claro que um sistema de registros vai facilitar, porque aí você acha mais fácil. Descobrir isso é que é o problema. Acho que, na tecnologia, o difícil é descobrir.
Por que vale tanto? Todo bem tem uma cotação. Às vezes, o saco de soja, se der uma crise nos Estados Unidos, vai valer mais. É a lei da oferta e da procura. Só que acho que se estimulou muito a compra desses ativos. Talvez, se eu fosse consumidor ou consumidora, eu repensaria a compra dessas moedas, como disse anteriormente.
Houve uma pergunta aqui sobre como definir o consumidor. Efetivamente, este é outro tema acadêmico de discussões: quem é o consumidor? E aí se dividem entre os maximalistas e os minimalistas, ou seja, quem visa lucro, teoricamente, não poderia ser protegido pela legislação do consumidor. Se entendi, acho que esta é a pergunta: como estabelecer isso? Aí é quem está tomando um risco em algo tão substancial, porque, de novo, é um investimento, por assim dizer, com um maior risco porque nem regulação tem. Acho que não dá para fazer uma avaliação em abstrato. Temos que ver empresas prestadoras de serviço que podem fazer, sim, publicidade enganosa e abusiva nesse tipo de investimento. O investimento per se é qualquer investimento, mas tem que se ver como é que está sendo feito o anúncio desse tipo de investimento na mídia etc. Então, acho que tem que ser analisado aí o caso concreto. A pergunta foi meio abstrata, precisaríamos de mais elementos.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - O.k.!
Eu vou passar a palavra para o Dr. José Geraldo Franco Ortiz para também complementar a resposta do Dr. Timm, a qual você também queria acrescentar, e também já entrar na sua pergunta.
O SR. JOSÉ GERALDO FRANCO ORTIZ JÚNIOR (Para expor.) - Perfeito!
A possibilidade de penhora é um dos motivos que leva à proposta de segregação patrimonial, que mencionei anteriormente. A gente entende que criptoativo pode, sim, ser penhorado. É importante que o consumidor que tenha os seus criptoativos custodiados numa entidade não tenha esses ativos penhorados por problemas ligados à solvência dessa entidade. Então, essa segregação patrimonial é fundamental para a proteção do consumidor, para que não se misturem, no âmbito dos ativos custodiados da corretora, os ativos próprios da corretora e os ativos custodiados em benefício dos clientes. Essa segregação é importante para que a penhora não contamine o direito de o consumidor ter o seu ativo protegido. Então, essa é uma das razões pelas quais a gente, anteriormente, mencionou a necessidade de que a lei traga essa segregação patrimonial de forma clara, para que não haja esse tipo de contaminação.
Com relação à pergunta que foi feita pelo cidadão, acho que a pergunta foi sobre a possibilidade de os bancos migrarem reservas para criptoativos. A entidade não tem feito discussões a respeito desse assunto. Acredito, também, que haveria dificuldades regulatórias de se fazer isso hoje no ambiente atual das leis que estão vigentes.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Mas, pelo entendi da sua resposta, você acredita que poderiam ser dados como garantia também os criptoativos de alguma forma?
O SR. JOSÉ GERALDO FRANCO ORTIZ JÚNIOR - Sim, acredito que sim, não só sofrer penhora, como pegar o penhor.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Os bancos aceitariam?
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O SR. JOSÉ GERALDO FRANCO ORTIZ JÚNIOR - Acho que vai depender. Não existe uma única criptoativa, vai depender do apetite de cada banco e do regime jurídico que estiver vigente na época.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Na prática, isso existe hoje?
O SR. JOSÉ GERALDO FRANCO ORTIZ JÚNIOR - Não, não tenho conhecimento disso.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Pode ser que isso venha a acontecer, mas hoje não existe.
O SR. JOSÉ GERALDO FRANCO ORTIZ JÚNIOR - Em outro ambiente regulatório, talvez; no atual, eu não acredito.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - O.k.!
Então, passo a palavra ao Dr. Rafael.
O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS (Para expor.) - Senador Styvenson, quanto à pergunta da penhora, eu peço licença até para ser um pouco menos prudente. O ideal é ser prudente, mas eu vou pedir licença para ser um pouco menos prudente, para lhe dar uma resposta muito convicta: eu tenho zero dúvida de que ele é passível de penhora. Por força de quê eu digo isso? O Código de Processo Civil, no art. 835, utiliza, entre os seus incisos, termos muito amplos. Por exemplo, ainda que nós não enquadrássemos o ativo virtual como títulos e valores mobiliários com cotação em mercado, por não estar entre valores mobiliários, se a locução títulos não puder ser considerada aqui livre... Normalmente, as expressões estão juntas: "títulos e valores mobiliários". Mas vejam que títulos é uma coisa, e valores mobiliários é o que está taxativamente expresso na lei. Então, ele estaria em títulos e, se não estivesse aí, estaria para mim tranquilamente em bens móveis em geral. Bastaria a lei terminar em bens móveis. Ela diz "bens móveis em geral". E, no final, no inciso XII, ou melhor, no inciso XIII - perdão! -, ela ainda diz: "outros direitos".
Veja, sem dúvida, aquilo ali envolve um direito. Se não envolvesse um direito, não estaria sendo objeto de uma transação privada. Então, quem é o portador do criptoativo se considera...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL BEZERRA XIMENES DE VASCONCELOS - ... portador de um direito em relação à exchange que passou para ele etc. Então, eu não tenho dúvida de que poderia ser penhorado.
Agora, é preciso dividir uma coisa muito claro aqui: uma coisa é poder ser penhorado ou dado em garantia pelo titular, o que é tranquilo, ou ser penhorado em razão de um débito do titular, e outra coisa é poder haver penhora em razão de débitos da exchange. Aí, nesse sentido, o projeto de lei, a proposição legislativa que V. Exa. encampou, em parceria com o Senador Flávio Arns, é muito prudente, utiliza regras que já se encontram na Lei 12.865, que é a lei dos arranjos de pagamento, que utiliza um modelo similar para estabelecer a blindagem daquilo que porventura se encontra em reserva nas exchanges, nas provedoras de serviços de ativos virtuais, para separar esse patrimônio do patrimônio do titular. Mas, quanto ao patrimônio do titular, para penhora de débitos do titular, para satisfazer créditos contra débitos do titular, há zero dúvida na minha opinião. Quanto ao fato de ele poder entregar em garantia, há zero dúvida na minha opinião.
Aliás, é importante dizer o seguinte: criptoativo não é uma criação extraterrestre, é uma criação humana e, ainda que não seja tangível, é tão não tangível quanto um direito é não tangível, e aqui nós temos outros direitos. Portanto, a legislação penal, a legislação civil normal, a legislação processual civil, tudo se aplica.
Agora há dois problemas, um no mundo dos fatos, outro no mundo do Direito. No mundo do Direito, é aquele setor do direito que não trabalha com a livre iniciativa como pressuposto. Que mundo é esse? É o mundo do Direito Público, notadamente do Direito Administrativo. Como eu disse, criminalmente, é plenamente alcançado e, civilmente, é plenamente alcançado etc. Mas, no mundo do Direito Administrativo, em que o pressuposto não é a liberdade, mas o dever-poder dos órgãos e entidades públicas, é que isso não está estruturado, e o Gafi pede isso.
E, do ponto de vista dos fatos, há a questão da dificuldade de rastreabilidade. E aí eu gostaria de dizer o seguinte: as tecnologias utilizadas para os ativos virtuais não favorecem o anonimato; pelo contrário, elas favorecem a rastreabilidade. Agora, se houver o corte do cordão umbilical inicial, que é a ligação entre um CPF e um CNPJ, ou seja, entre um sujeito de direito e a chave criptográfica, com esse corte inicial você não acha nunca mais. Mas, uma vez que você faça essa ligação inicial, é um sonho de rastreabilidade, porque é como se você tivesse uma cédula, uma unidade monetária, e você conseguisse saber a história dela toda, registrada de forma distribuída em todos os computadores. Então, é um mundo em que, com uma chave regulatória apenas, que vai de 8 a 80, ela se torna o mais rastreável dos ativos. Basta que haja essa identificação.
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Hoje, sem a regulação, isso não é feito, mas, por autorregulação, boa parte das 35 exchanges que são mencionadas na exposição de motivos do Projeto de Lei 3.825, sponte propria, não aceita clientes que não ofereçam a sua identificação de imediato para elas ligarem a chave criptográfica com a pessoa de direito.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - O.k.!
Passo a palavra também ao Dr. Mardilson, para fazer a última consideração, para responder essas perguntas.
Em sequência, encerraremos esta Mesa, para ouvir os demais painelistas.
O SR. MARDILSON FERNANDES QUEIROZ (Para expor.) - Ótimo!
Mais uma vez, quero parabenizá-los pela iniciativa.
Há uma pergunta do cidadão se o Banco Central, pelo que eu entendi, tem uma preferência ou elegeria... Qual órgão regulador o Banco Central elegeria para ser o regulador? O que eu posso falar é que hoje o Banco Central não tem uma posição a respeito disso, não tem uma prioridade sobre isso. Cabe, obviamente, como já foi dito aqui, ao nosso Congresso bem definir esse regulador. De fato, não há dentro do Banco Central uma posição a respeito disso. Eu acho que esta discussão que está se dando aqui visa justamente a encontrar a melhor solução para que o Brasil esteja bem inserido nesse contexto desse novo segmento que surge. Acredito que essa discussão que se está dando aqui não só é o primeiro passo, mas deverá ser o passo definitivo para que se consiga melhor dizer quem é o regulador.
Como já foi dito, no mundo, há uma disparidade sobre quem é o regulador, quem é o responsável. Isso depende da organização institucional de cada país e das disposições legais de cada país. Já foi colocado aqui que o Banco Central, por ser competente, eu diria assim, por fazer bem aquilo que a lei lhe delega de competência, acaba sendo um natural regulador, mas eu acho que tem de ser visto, de fato, o que é esse setor, o que é esse segmento, o que é esse bem, sem olhar especificamente apenas quem melhor faria isso em termos de competência. Competência é uma questão de esforço e de investimento nas instituições, para que qualquer uma delas possa ser competente para melhor regular. É uma questão inclusive de o País investir nas instituições.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Eu agradeço a todos pelas apresentações e já convido para compor a Mesa...
Vamos desfazer a Mesa. Obrigado.
O Dr. Luciano, inclusive, vai precisar se ausentar.
O pessoal do Ministério vai aqui, com certeza, repassar o que acontecerá no resto da manhã.
Tenho a honra de convidar para compor esta Mesa o Sr. Paulo Antonio Espindola Gonzalez, que é Coordenador-Geral de Programação e Estudos da Secretaria da Receita Federal do Brasil; o Dr. Danilo Doneda, especialista em Direito Digital; o Dr. Prof. Bruno Miragem, especialista em Direito Digital, Direito das Startups e em Blockchain. (Pausa.)
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Dando início, agradeço a presença de todos os convidados.
Passo a palavra, de imediato, ao Dr. Paulo Antonio Espindola, representante da Receita Federal, para fazer sua apresentação pelo prazo de dez minutos.
O SR. PAULO ANTONIO ESPINDOLA GONZALEZ (Para expor.) - Bom dia a todos!
Saúdo todos da Mesa, todos os participantes, na presença de V. Exa., Senador Rodrigo Cunha.
Agradeço o convite. Vou falar aqui em nome da Receita Federal.
É interessante falar depois de alguns órgãos, do Coaf, do Bacen, da Febraban e do Senacon, do Ministério da Justiça, porque a gente vê a divergência de opiniões em relação a se o criptoativo seria moeda, se seria um valor mobiliário. E a Receita tem uma certeza; a única certeza que ela tem é que tem que pagar imposto. Sendo a profissão mais antiga, independentemente do que seja - repito aqui o termo do representante do Bacen, que disse que ela se encontra no limbo -, independentemente de estar no limbo ou não, a gente tem que correr atrás das informações para tributar de forma correta, independentemente de haver regulação ou não.
Esse viés é interessante, porque, às vezes, a sociedade acredita que só aquilo que é regulado deve pagar imposto. Acho que é a terceira ou quarta vez que a gente vem aqui; a gente esteve na Câmara e no Senado. Vou repetir o mesmo exemplo: traficantes de drogas, traficantes de armas, todos eles, pelo princípio do non olet... Vejo à mesa alguns doutores advogados. Que eles me corrijam, se eu estiver errado! Pelo princípio do non olet, independentemente da licitude da atividade, ela deve, sim, pagar imposto.
Nesse sentido, a Receita Federal, neste ano, em maio de 2019, publicou a Instrução Normativa 1.888, que não teve a pretensão de regulamentar o mercado, mas, sim, de captar informações. Temos três tipos de... No nosso universo, temos as exchanges, temos as pessoas físicas e as pessoas jurídicas. Inclusive, Senador Styvenson, a gente esteve na outra audiência pública. Há operações que ocorrem mesmo sem a necessidade de exchange, ou seja, a Receita, com a instrução normativa, recebe informações das exchanges, que são informações de terceiros. Mas, se alguém estiver cometendo alguma de ilicitude e se ela for fazer essa operação com um residente ou com um não residente na Europa, por exemplo, se ele não quiser informar à Receita, hoje há... Por isso, a necessidade de regulamentação é urgente, como disse o nosso representante do Coaf. Só fiquei triste porque ele citou a Receita do México, mas não citou a Receita Federal do Brasil como o primeiro órgão a se aventurar e a regulamentar esse mercado.
Eu vou falar um pouco da história... A apresentação era para ser feita em 20 minutos, mas a gente vai passar aqui rapidamente em dez minutos. Mas é só para ter uma noção de como a Receita capta essas informações.
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Então, a gente publicou a IN 1.888, que disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Receita Federal.
Quem deve entregar? São estes três tipos de pessoas: a) as exchanges nacionais, ou seja, as corretoras, onde as pessoas compram e vendem criptoativos, as intermediárias; b) no segundo grupo, há as pessoas físicas e jurídicas, quando as operações forem realizadas por meio de exchanges estrangeiras - a Receita não consegue obrigar as exchanges estrangeiras a entregarem a informação, e, nesse caso, são as próprias pessoas físicas e jurídicas que se utilizaram das exchanges no exterior que devem informar os dados da Receita Federal -; c) no terceiro grupo, há as pessoas físicas e jurídicas, quando elas realizam operações entre elas. Foi esse o comentário que a gente fez aqui com o Senador. Para os fins dos itens "b" e "c", é só quando o valor mensal das operações ultrapassar R$30 mil. Mas todas as operações realizadas com as exchanges nacionais são declaradas à Receita Federal, inclusive as que estão abaixo de R$30 mil.
Eu vou falar aqui rapidamente das exchanges de criptoativos, que são as intermediárias, ainda que não financeiras, que oferecem serviços referentes às operações realizadas com criptoativos.
Vou passar rapidamente, para a gente ganhar tempo.
Quais são as operações? Aí a gente colocou todas as operações, basicamente tudo: compra e venda, permuta, doação, cessão temporária (aluguel), emissão de novos criptoativos. Basicamente tudo que ocorre dentro da exchange ela tem que nos informar mensalmente.
O que é informado? São as informações das operações: a identificação das exchanges estrangeiras, data de operação, tipo de operação, titular, criptoativo usado, quantidade, o valor da operação e o valor dos custos também, porque esses não são tributados.
Nas informações dos titulares, deve constar a identificação dos titulares das operações, com a inclusão de nome, nacionalidade, domicílio fiscal, endereço, CPF ou CNPJ ou Número de Identificação Fiscal no exterior, que é como se fosse o CPF do estrangeiro. Essas informações são entregues mensalmente. Então, se a gente fez operação agora, em novembro, em dezembro teremos que informar à Receita Federal as operações que foram realizadas no mês anterior. Em setembro, foi a primeira captação de dados que a gente teve, relativa ao mês de agosto. Então, no ano que vem... Imagine uma criança num parque de diversão! A Receita Federal, com a entrega das declarações, vai conseguir comparar as informações prestadas pelas exchanges, já que as exchanges fornecem as informações dos seus clientes, com o Imposto de Renda informado pelos contribuintes residentes no Brasil.
Mas aqui também cabe um comentário, pela necessidade da regulamentação, porque nós hoje estamos captando por mês mais ou menos 90 declarações de exchanges. Mas será que todas estão entregando? A Receita também se posiciona pela necessidade de regulamentação. O prazo de entrega, como a gente falou, é mensal, mas anualmente, em janeiro, as exchanges têm de informar para a Receita também o saldo dos seus clientes, o saldo em reais, o saldo em criptoativos e o custo das operações.
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Há as penalidades de R$100, de R$500 e de R$1,5 mil para as declarações entregues fora do prazo. Vou passar mais rapidamente para ganhar tempo. E há outras penalidades pela prestação inexata ou incompleta ou mesmo pela não prestação das informações.
Ali, nessa instrução normativa, também consta que a Receita, quando identificar algum indício de lavagem de dinheiro, deve representar ao Ministério Público Federal.
Quanto à tributação, pergunta-se: "Ah, como é tributado isso aí?. Vocês disseram que não é moeda". A Receita encara isso como um ativo. A lei é de 1995. Então, a gente está aplicando em algo supersofisticado uma lei ainda de 1995. Há aquele limite de isenção de R$20 mil para Bolsa de Valores, e nós aplicamos o de R$35 mil para aquilo que não está dentro do universo de cima, do inciso I.
Então, estou trazendo um exemplo muito simples. Desculpem-me, mas é só para entender a apuração do ganho de capital. É como se ele tivesse comprado um carro por um valor e vai vendê-lo por um preço mais alto. Mas, no caso aí, é 1 bitcoin.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO ANTONIO ESPINDOLA GONZALEZ - Se a gente comprar 2 bitcoins por R$60 mil e revender por R$80 mil no mês seguinte, o contribuinte vai ter de pagar 15% de ganho de capital, que é a diferença. O ganho ali é a diferença.
Também quero fazer só um comentário aqui em relação à isenção dos R$35 mil, que não é por operação, mas é cumulativo no mês. Então, se você faz duas operações ali, se compra o bitcoin por R$15 mil e o vende por R$20 mil e se, depois, compra de novo por R$15 mil e vende por R$30 mil, você não está dentro da isenção dos R$35 mil, porque, se você somar lá as duas vendas, o valor vai dar R$50 mil. E aí você vai apurar o ganho de capital normalmente, aplicando os 15%.
Também o desenho ali ilustra um pouco a analogia com o veículo. É a mesma coisa. Se você compra um carro ou uma casa e se o bem valoriza, você apura o ganho de capital. É importante comentar a diferença em relação às ações. Compensa o prejuízo? Nesse caso, não compensa, porque a gente vê como só a valorização daquele bem, daquele ativo.
Aí há algumas telas do e-CAC, que é o atendimento ao contribuinte, o centro virtual de atendimento ao contribuinte, em que ele entrega as informações. Há as telas que ele preenche, colocando ali: comprei bitcoins, vendi bitcoins ou criptoativo ou outra moeda. E ali estão suas operações com os não residentes, inclusive.
Então, a gente tentou resumir a apresentação. É só para ter uma visão bem superficial nos dez minutos.
O papel da Receita é tributar, mas nós ficamos preocupados porque a parte do sistema financeiro é extremamente mapeada. Os bancos informam, a cada seis meses, à Receita Federal a movimentação financeira de todos os contribuintes. Então, nós temos diversos critérios de seleção que nós realizamos com essas informações.
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Agora, com as exchanges nacionais, nós também vamos realizar os cruzamentos, mas pode acontecer de um contribuinte eventualmente comprar um criptoativo numa exchange nacional, e, da exchange nacional, esse criptoativo pode ir para uma exchange no exterior, e aí a gente perde a rastreabilidade dessas informações.
Permitam-me fazer mais um comentário. É interessante isso porque os Estados, os países se desenvolveram... Nem todos sabem disso, mas, por meio dos acordos internacionais, do CRS ou do Fatca com os Estados Unidos, a Receita Federal hoje recebe as informações financeiras de mais de cem países. Vou repetir: a Receita Federal hoje recebe a movimentação financeira dos residentes brasileiros existentes nos outros países, em mais de cem países. Chama-se troca automática de informações. E isso levou um tempo para a gente construir, no âmbito da OCDE, por meio dos sistemas informatizados.
Ao se abrir agora uma lacuna, a Receita fica extremamente preocupada, porque, assim como foi comentado, há a questão da corrupção, há recebimentos não declarados ou outros recebimentos que não sejam de corrupção, qualquer outro recebimento não declarado. A gente fica preocupado se as pessoas estão se utilizando disso. Isso vem crescendo. Em 2017 e em 2018, vem aumentando a movimentação financeira nesse ambiente.
Então, nós também nos posicionamos pela regulamentação urgente. Isso vai facilitar a tributação da Receita Federal. Acreditamos também que isso tem a ver com a presença do Estado, porque, quanto aos criptoativos, as pessoas que operam nesse âmbito alegam que vão ter liberdade etc. Mas, independentemente da liberdade, a gente vive numa sociedade, e, para o País existir, para as escolas e hospitais existirem, isso tudo vem de um lugar chamado imposto, tributo. A gente pode ter liberdade, mas vivendo em sociedade.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço ao Paulo pela apresentação.
Dando sequência, passo a palavra para o Dr. Bruno Miragem, que é especialista em Direito Digital, Direito das Startups e em Blockchain, pelo prazo de dez minutos.
O SR. BRUNO MIRAGEM (Para expor.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Rodrigo Cunha, que eu saúdo, registrando a admiração pelo seu trabalho e liderança nesta Comissão.
Também saúdo o Dr. Paulo, o meu estimado Prof. Danilo Doneda, os Parlamentares, os servidores e os demais participantes desta audiência pública.
O tema objeto desta audiência pública tem sido enfrentado, do ponto de vista acadêmico, por nós desde 2013, no Núcleo de Estudos Direito e Sistema Financeiro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O tema é objeto, inclusive, já de estudos e teses mesmo de alunos nossos nessa matéria.
Em primeiro lugar, o primeiro registro que faço é no sentido de saudar a iniciativa deste Parlamento em se ocupar desse tema da maior importância. Em segundo lugar, quero justificar justamente a abordagem e, ao final, um exame muito rápido, naturalmente, dentro dos limites do tempo que temos, sobre o próprio projeto que aqui é objeto de exame, o Projeto 3.825, de 2019.
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Em primeiro lugar, o fundamento da intervenção do Estado no domínio das atividades financeiras - isto foi, de certo modo, trazido também pelas autoridades que me antecederam -, vamos dizer assim, em sentido amplo - este é um pressuposto fundamental que justifica a própria existência do projeto de lei -, são as circunstâncias todas onde haja iniciativas ou atividades próprias de captação de poupança popular. Esse é o pressuposto da regulação do sistema financeiro desde sempre na tradição brasileira e em outros sistemas.
O nosso próprio modelo regulatório, que foi aqui exposto, que já foi citado em outra exposição, divide-se, inicialmente, no tripé dos anos 1960: a Lei 4.728, sobre o mercado de capitais; a Lei 4.595, sobre o Sistema Financeiro Nacional; e o Decreto-Lei 73, de 1966, do sistema de seguros privados, complementado mais recentemente pela legislação própria que criou a Previc, no âmbito da previdência complementar. Ele se sustenta, e há uma unidade de sentido nessas disciplinas todas dentro dessa ideia. Onde há captação de poupança popular, atividade de captação de poupança popular, há intervenção do Estado disciplinando isso. E o Estado está disciplinando isso em que termos, com que preocupações? Naturalmente, com a preocupação principal, de um lado, justamente em torno dos interesses legítimos dos titulares originários dessa poupança, desse capital, dos formadores, de quem serão obtidos esses recursos para a formação de poupança. Em segundo lugar, naturalmente, há as preocupações regulatórias próprias, preocupações de regulação prudencial do sistema, especialmente prevenindo, numa primeira visão, riscos sistêmicos notadamente nessas três atividades, mas também acrescentando, ao longo do tempo, outras preocupações de interesse público, aqui também já citadas, em matéria de lavagem de dinheiro, de coibição a ilícitos.
Dito isso, esse tema dos ativos financeiros virtuais ou dos ativos virtuais ou dos criptoativos se coloca hoje numa importância crescente, como foi aqui citado pelo próprio Presidente, na realidade atual no Brasil. Especialmente nos últimos anos, nem nos últimos anos, mas no último ano e meio, se assim se pode dizer, o que mostra uma aceleração das questões a respeito desse tema, têm sido noticiadas com relativa frequência situações de fraudes, de ilícitos cometidos, especialmente na exploração da fé pública, justamente com irregularidades na própria captação de poupança. Há inúmeras operações, inclusive capitaneadas pela Polícia Federal e pela Polícia Civil dos Estados, em vários Estados, onde há justamente situações de valores bastante expressivos que têm sido objeto de captação irregular, de fraude e de prejuízo a investidores.
Um segundo ponto conceitual, que é decisivo e foi objeto de todas as exposições até aqui, mas eu me permito... Até do ponto de vista acadêmico, nós temos uma posição já consolidada, escrita sobre o tema. O grande desafio do legislador, indiscutivelmente, quando se discute tecnologia e regulação dos sistemas tecnológicos, é um desafio de qualificação inicialmente. O que é justamente essa nova tecnologia em termos de conceitos jurídicos já existentes e já assentados na tradição jurídica? Não há como se romper uma tradição jurídica. E, nesses termos, talvez, no tema dos ativos virtuais, isso tenha aparecido com mais vigor, inclusive nas discussões já havidas nesta Comissão.
Basicamente, nós temos três caminhos simples. O primeiro caminho, bastante dispensado, é o caminho da moeda. É uma criptomoeda ou é uma moeda virtual? Isso, basicamente, nos estudos acadêmicos, tem sido absolutamente afastado, pelas razões já expostas. Eu acrescentaria só uma mais. Do ponto de vista jurídico e econômico, aqui há uma convergência.
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A moeda, sabemos todos, tem três funções básicas reconhecidas pela economia e pelo Direito: medida de valor como unidade de conta, reserva de valor e meio de pagamento. Os ativos virtuais não cumprem essas funções. Por quê? Porque, do ponto de vista do meio de pagamento, como já foi dito, há a necessidade do curso legal. Inclusive, há autores no Direito Comparado que dizem o seguinte, e nós assumimos essa posição também no Direito brasileiro: para ser moeda, precisa haver norma jurídica, supõe-se uma norma jurídica. Não há moeda sem norma jurídica, por uma razão muito simples: como ela é um critério inclusive de satisfação obrigatória e necessária de obrigações, quer dizer, como é meio de pagamento obrigatório de relações e obrigações, nesse contrato, necessariamente, tem de haver uma norma que a defina como curso legal.
A própria noção de reserva de valor - a acumulação desse ativo gera a formação de patrimônio - também, de certo modo, pela própria volatilidade e ausência de uma regulação, fica comprometida, e, como medida de valor, mais ainda, na medida em que eu tenho dificuldade de comparabilidade mesmo de valor sobre coisas a partir dessa unidade de conta.
Até me aproveitando aqui de uma pergunta do eminente Senador sobre a possibilidade de penhora, quero dizer que não há dúvida de que há a possibilidade de penhora, mas vai haver uma dificuldade prática muito precisa: justamente no momento da intimação da penhora, quem se vai intimar? Aí, naturalmente, deve ser aquela entidade que custodia, vamos dizer assim, esse ativo. Mas, por outro lado também, há dificuldade quanto ao próprio valor da obrigação, porque, na verdade, na data do deferimento da intimação, esse ativo pode ter um valor, mas, na data do cumprimento da intimação, terá outro valor. Ao longo do tempo, pode haver uma depreciação ou um acréscimo de valor em moeda corrente, e isso pode ter reflexo na própria penhora. Hoje, eu penhoro determinada quantidade de ativos que representam, em moeda corrente e, portanto, em patrimônio, certa quantidade, e, ao longo do tempo, aquilo pode se desfazer. Pode desaparecer completamente o valor, e a garantia própria da penhora pode se tornar absolutamente ineficaz. Então, há esse problema prático.
Não sendo moeda, o segundo caminho sempre é o da ideia do valor mobiliário. Essa ideia de valor mobiliário é possível em certas situações. Inclusive, a própria CVM, especialmente na oferta inicial de moeda, tem uma preocupação. O artigo que define isso, o art. 2º da Lei do Mercado de Capitais, a Lei 6.385, de 1976, no seu inciso IX, poderia conduzir a possibilidade de regulação, de trazer para o âmbito de competência algumas circunstâncias, especialmente a oferta inicial de moeda. Por quê? Porque ali há o princípio da autonomia privada, ou seja, da criatividade do mercado nas hipóteses em que outros títulos ou contratos importem na captação de poupança, em que eles estariam caracterizados naquele conceito mais amplo de valor mobiliário. Mas não é a única hipótese de utilização de criptoativos. Portanto, nessa medida, a legislação de ativos virtuais é insuficiente.
Em outra perspectiva, a própria competência do Banco Central para a fiscalização, independentemente da conceituação de valor mobiliário, poderia caber também já numa disposição existente, que, de certo modo, recomenda uma especialização, que é justamente o art. 11, inciso VII, da Lei 4.595, de 1964, que indica a possibilidade...
(Soa a campainha.)
O SR. BRUNO MIRAGEM - ... de fiscalização de todas as entidades que, direta ou indiretamente, possam influenciar no sistema financeiro.
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A intervenção do Banco Central se justifica nessa medida. Porém, a qualificação melhor que nós encontramos até hoje para este tema - permita-me falar só por mais um minuto - é a de bem. O ativo virtual é um bem e, como tal, servirá para todos os fins, inclusive regulatórios, que V. Exas. buscam trazer nesse projeto de lei. A melhor qualificação, que é a mais genérica, diga-se de passagem, é de um bem.
Nesse sentido, a incidência do Código de Defesa do Consumidor aqui independeria até da própria legislação, mas ela reforça isso pelo próprio art. 3º, §2º, do Código, que indica como conceito de serviço a atividade financeira, qualquer atividade financeira. Aqui nós temos uma atividade financeira, e incidiria o Código.
Essa matéria, na jurisprudência, não foi enfrentada diretamente, mas apenas indiretamente pelo Superior Tribunal de Justiça num recurso especial conhecido, no qual a corretora de bitcoins se propunha a estar como consumidora de um banco que encerrou a conta corrente. Ali se entendeu que a corretora não era consumidora, mas, em obiter dictum, ou seja, nos argumentos trazidos no próprio acórdão, sinalizou-se, em alguma medida, que os investidores, sim, poderiam ser considerados consumidores, e é a tendência que me parece que vai aqui aparecer.
Sobre o exame do texto - naturalmente, até pelo meu tempo já ter se esgotado, não conseguirei fazer isto com a precisão que eu gostaria; eu até o fiz por escrito e depois posso disponibilizar à Comissão -, eu só chamaria a atenção para duas sugestões. Em primeiro lugar, há uma crítica muito positiva em relação às disposições, ao texto. Várias observações que foram feitas aqui na Mesa anterior já estão contempladas: a questão do patrimônio separado e a questão do dever de informação, que são dignas de todos os elogios; a questão da publicidade, do dever de informar, que é uma preocupação evidente nessa matéria e que foi muito bem trabalhada no projeto - eu gostaria só de deixar este registro -, seja na proibição da utilização de expressões, seja no dever de informar pré-contratual muito definido e muito preciso.
Eu apenas deixaria uma sugestão, que até foi de certa maneira feita pelo representante do Coaf, da UIF, que me parece bastante precisa porque está alinhada com aquilo que internacionalmente está sendo feito. Nessa matéria de tecnologia financeira, é preciso haver certa uniformidade, para não se criarem paraísos legais ou para, ao contrário, não se criarem obstáculos que levem muitas vezes à ineficácia da lei, fazendo justamente a substituição da expressão "criptoativos", talvez, por "ativos virtuais" ou por "ativos financeiros virtuais", porque isso traria a legislação brasileira em linha com as experiências internacionais ou pelo menos com a tendência internacional atual.
Dito isso, eu teria outras observações a fazer, mas, certamente, poderei fazê-las depois, com mais calma.
Agradeço, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço ao Prof. Dr. Bruno Miragem. Eu também o parabenizo por toda a sua contribuição não apenas ao Senado, mas ao Congresso. Há muito tempo, V. Sa. dedica o seu tempo e o seu conhecimento para instruir melhor os projetos através não apenas de reuniões, mas também de audiências públicas, interferindo diretamente no destino deste País através do seu conhecimento, que é reconhecido por todo este País. Então, muito obrigado pela presença e também pelos apontamentos que já foram feitos. Estou aqui de olho nessa legislação, para que possa também aprimorar o nosso relatório final. Muito obrigado.
Em seguida, passo a palavra para o Dr. Danilo Doneda, que é especialista também em Direito Digital e que conhece profundamente a área da defesa do consumidor, mas não somente.
Então, por dez minutos, V. Exa. tem a palavra.
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O SR. DANILO DONEDA (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Rodrigo Cunha. Cumprimento a Comissão e o parabenizo pela realização da audiência. Eu o cumprimento pela condução da Comissão.
Cumprimento os demais Senadores presentes, como o Senador Styvenson, o Dr. Bruno Miragem e o Dr. Paulo Espindola.
O tema da regulação de criptoativos, aqui presente na discussão do PL 3.825, evoca, de certa forma, a regulação de novas tecnologias de forma geral. A discussão sobre o tema já é muito densa, pelo menos bastante candente, no sistema internacional. A questão da regulação das exchanges é um aspecto da regulação dos ativos, do bitcoin e do blockchain como um todo. É um tema que vem sendo discutido em várias instâncias e que, de certa forma, às vezes, é tomado em paralelo com alguns aspectos da criação e da regulação da própria internet.
O bitcoin e o blockchain - aqui, no caso, os ativos virtuais - foram criados e foram concebidos para não serem regulados de certa forma. Com foi falado, eles surgiram na medida em que ganhou cooptação após a crise do subprime, vieram no determinado momento em que a tecnologia já proporcionava a capacidade computacional para a criptografia ser utilizada de forma massificada na produção de ativos virtuais. Muitos dos seus elementos principais têm a ver com a necessidade de descentralização da gestão desses ativos que fazem com que a confiança seja construída através de elementos técnicos, prescindindo de um regulador, de um lastro, de uma autoridade central que empreste um atributo - aliás, é típico da moeda no nosso caso tipificado -, que são o lastro e o curso forçado.
Acontece que essa descentralização não vem sem que haja outras consequências. Tecnicamente, a construção dos ativos virtuais é tremendamente complexa. Essa complexidade cria certa curva, certa dificuldade para os investidores, para os cidadãos, enfim, para quem quer que se coloque como utilizador potencial e concreto do ativo virtual, que tem de enfrentar certa complexidade diante da necessidade da gestão da carteira virtual, diante de elementos como, por exemplo, o tempo gasto numa transação, que, muito embora não esteja na nossa discussão agora, pode ser um entrave técnico e prático para que haja, de fato, algum dia, a equiparação desses ativos a moedas, pelo menos na forma como hoje estão.
Nesse sentido, as exchanges surgem como elementos quase necessários também do ponto de vista técnico e prático no sentido de proporcionarem a facilitação do acesso do utilizador a esses elementos. Elas funcionam, numa forma muito ampla, genérica e coloquial, quase como corretores que fazem essa aproximação e diminuem a complexidade no uso desses ativos. Além disso, o que acontece também é que elas acabam, de certa forma, absorvendo para si alguns elementos, que a gente pode chamar até de externalidades das moedas, dos ativos virtuais. Há o fato de que, para se conseguir a descentralização, isso se faz também à custa não só da complexidade, mas também da transferência de determinados riscos para o utilizador.
Aqui, na apresentação da Receita Federal, ficou claro que algumas utilizações podem ser feitas até sem a exchange, mas isso acarreta, entre outras coisas, que o risco caia todo para cima do utilizador, o risco inclusive de perdas dos ativos. As perdas dos ativos não são garantidas tecnicamente por nenhum instrumento que foi criado.
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Esses são alguns pontos que estão além da possibilidade da tecnologia. Até pelo contrário, eles são problemas que são exacerbados, que são elevados à infinitésima potência por uma tecnologia que, em troca de obter a confiança, criou alguns riscos que quem quer que participe do mercado vai ter que notoriamente assumir. A literatura, a experiência é cheia de exemplos de pessoas que perderam todos os seus ativos por problemas técnicos banais, como perder um pen drive ou atualizar o computador e formatar o HD.
Eu trago isso já para funcionar como pano de fundo de comentários mais específicos sobre o PL 3.825 que, repetindo muito do que foi feito, trazem a questão da regulação na exchange, por todos os motivos que foram trazidos e mais por questões que têm a ver com a facilitação e com a própria operacionalização do acesso a esses ativos tanto pelo consumidor como por outras categorias de usuários.
Hoje em dia, 14% das exchanges em todo o mundo são regulados. Então, é um número muito baixo, mas esses 14% fazem parte de uma espécie de pelotão de frente das exchanges, no sentido de que, para muitas utilizações, são esses somente que vão ser levados em conta. Por exemplo - nem estou falando do ponto de vista de favores ou de características, de possibilidades regulatórias -, hoje em dia, para que um operador de bitcoin anuncie em grandes plataformas, é muito provável que ele tenha de ser regulado. Há dois anos - isso tem a ver diretamente com a proteção do consumidor e do investidor -, grandes plataformas, como o Google e o Facebook, simplesmente proibiram qualquer publicidade nos seus sistemas de moedas virtuais - vamos chamar de moedas virtuais, porque é assim que eles chamavam -, justamente pelos riscos potenciais de fraudes, de pirâmides, de vários esquemas pelos anunciantes. Hoje em dia, essa proibição está sendo flexibilizada. E um dos critérios é a incidência de regulação sobre a atividade do potencial anunciante, entre outras coisas.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Para interpelar. Fora do microfone.) - O Facebook criou a dele, não é?
O SR. DANILO DONEDA (Para expor.) - Aí é outra questão. Vou tocar rapidamente nisso, no pouco tempo que eu tenho. O Facebook, inclusive, além de ter o interesse como plataforma publicitária, hoje em dia surge como um potencial não somente grande player, mas um hiperplayer no sentido de propor algo que eventualmente possa até mudar o equilíbrio deste incipiente mercado, por assim dizer, de uma forma que talvez não haja antecedente na literatura econômica, na doutrina econômica, com a oferta, em nível global, de um ativo de características eventualmente financeiras que não seja lastreado por uma legislação soberana, mas, sim, por uma empresa transnacional.
Enfim, muito do que a gente pode falar sobre isso ainda está em vias de especulação, mas vemos que há um potencial grande para que discussões grandes sejam feitas, tanto é que muitos dos apoiadores de primeira hora do projeto Libra abriram mão do projeto, em face de algumas primeiras reações. Por exemplo, na última reunião do G7, a França propôs a criação de uma força-tarefa, justamente para estudar, juntamente com os bancos centrais dos países do G7 e outros, impactos para a ordem financeira internacional de uma medida do gênero. Esse já foi o primeiro sinal de alerta, com uma bandeira laranja, para não dizer vermelha, para que se prossiga com cautela na implementação de situações do gênero. Basta ver situações paralelas, como a globalização de alguns serviços que para nós eram muito locais. A entrega de bens e de comida em casa era uma coisa que os próprios restaurantes faziam. Hoje em dia, nós temos capital internacional - venture capital - que está financiando soluções que estão, de certa forma, revolucionando, mas também modelando o sistema e impedindo talvez o acesso de atores locais.
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Enfim, voltando aqui ao caso das criptomoedas, as exchanges reguladas talvez comecem a apresentar uma viabilidade maior sob certo ponto de vista, mas é enorme a possibilidade de que as exchanges não reguladas também ocupem certo espaço, e, como o próprio representante da Receita Federal mencionou, os riscos são claros. A partir do momento em que uma exchange não regulada entre numa transação, a possibilidade de rastreabilidade da operação passa a depender de fatores que vão além da possibilidade de reguladores até na cooperação internacional, eventualmente, quando ela for constituída.
Finalmente, há pontos a considerar, que eu gostaria de mencionar, sobre o PL, que me pareceu - repito as palavras anteriores - muito bem posicionado e colocado.
(Soa a campainha.)
O SR. DANILO DONEDA - Primeiro - peço um minuto, por favor -, isso muito ficou a cargo do Banco Central, como é normal em situações do gênero, até em situações que ainda precisam de uma denominação mais concreta. Algumas considerações que eu gostaria de fazer agora têm a ver até com eventuais observações e sugestões que possam vir a ser tomadas na lei ou na regulamentação do Banco Central.
Primeiro, parece-me claro que há uma questão de oferta para o consumidor muito clara aqui. Eu mencionei a questão do Google e do Facebook. O próprio Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) já suspendeu publicidade de produtos que têm a ver com ofertas públicas de moeda digital, com investimentos em moedas virtuais. Hoje em dia, passando por alguns aeroportos do Brasil, vocês podem ainda ver alguns anúncios de empresas, que não sei se caracterizariam ou não como exchanges, oferecendo taxas muito altas de retorno em investimentos, que suscitam obviamente todo tipo de cautela e que são lastreadas em moeda digital. Enfim, há a necessidade de se ficar atento a isso. À medida que o regulador financeiro também participa disso, eu acho bastante relevante que a sensibilidade dele fique atenta a isso.
Existe um histórico muito interessante nesse sentido. A própria Senacon e a Comissão de Valores Mobiliários, há algum tempo, trabalhavam conjuntamente e consideravam tranquilamente harmônica e cabível a caracterização de investidor como um destinatário final do produto financeiro, como um consumidor também passível de ser protegido por todas as disposições consumeristas que protegem o consumidor, desde que verificadas algumas características em relação à sua vulnerabilidade etc.
Enfim, há uma necessidade muito grande de que haja formação e informação dos consumidores e investidores nesse sentido. E o fato de que potenciais fraudes hoje em dia estejam, digamos, posicionadas em anúncios para certa faixa talvez mais esclarecida dos consumidores é apenas um sinal de que isso, com o tempo, vai se tornar algo mais espraiado para outras classes. E aí, sim, vamos necessitar de uma atuação integrada do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que tem de ser informado sobre isso e que, uma vez informado, vai ter que atuar diretamente auxiliando o Banco Central e a CVM nessas situações.
O último ponto, Senador, se me permite, tem a ver com proteção de dados. O PL trata proteção de dados basicamente como um desdobramento de segurança da informação. O art. 4º afirma que uma das diretrizes da normativa é a segurança da informação, em especial a proteção de ativos e de dados pessoais.
Vejam que o paradigma da proteção de dados é o do controle, é o de dar ao cidadão, ao usuário do sistema que usa ativos virtuais, o controle sobre seus dados. E, nas implementações de ativos virtuais, através de blockchain, você pode ter várias soluções diferenciadas quanto a isso. Você pode inclusive ter soluções que permitam transparência total.
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O bitcoin público permite que todas as transações sejam traçáveis, isto é, as identidades são fixas na rede. Se alguém quiser manter uma mesma carteira virtual, não vai ter a opção de falsear a sua transação. Se eu fiz uma transação tempos atrás com alguém no bitcoin público, daqui a vários anos, se eu a fizer novamente com outra pessoa, essa pessoa vai saber que a fiz com alguém hoje. Enfim, existe uma possibilidade de traçabilidade que é interessante para o sistema financeiro, para o fiscalizador, mas que, eventualmente, vai abrir essas possibilidades para pessoas com as quais a gente não está acostumado, eventualmente relegando obsolescência a algumas disposições da Lei Complementar 105, redefinindo alguns aspectos do sigilo financeiro. Nós teremos que nos acostumar com isso. Eventualmente, a regulação - este é um ponto que deve ser mais estudado no futuro - pode levar em conta implementações variadas do blockchain, porque algumas permitem um grau de anonimidade, algumas permitem que seja feito um controle mais estrito pela própria exchange sobre a divulgação ou não da identidade daqueles que transacionam. Eventualmente, esse ponto vai ser crucial para que novas soluções, novos sistemas de ativos virtuais estejam mais ou menos adequados, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados.
Desculpando-me pelo tempo que excedi, agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço ao Dr. Danilo pela sua explanação. Ele fez, no bom sentido, uma boa viagem sobre vários temas, sobre várias relações possíveis, quando se fala dessa nova forma de comércio, o que me remeteu a uma situação: eu tenho um filho que fará 11 anos amanhã, e, dentro dos jogos eletrônicos, também há pontuações, e essas pontuações se trocam hoje por dinheiro mesmo. Então, são situações que a gente não imagina e que não valem pouco, não, que valem muito. Então, isso é interessante. Já existe um comércio paralelo referente a isso nos sites de compra e venda. É muito interessante despertar também para essa visão. Eu não tinha pensado nisso até citar isso aqui.
Dando sequência, deixo aberta também a possibilidade de o Senador Styvenson, caso queira, fazer algum questionamento. (Pausa.)
Se não tem nenhum questionamento, faço aqui dois apontamentos.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Só quero parabenizá-lo, irmão, pela audiência.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Estamos juntos.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - As falas das pessoas que aqui se colocaram só complementam e aumentam a nossa possibilidade de aperfeiçoar essa regulamentação, essa legislação. A contribuição de todos os senhores que aqui passaram nos ajuda a tratar de um assunto complexo, como foi dito, que não é simples, para que a gente possa, logo, logo, dar um passo mais na frente, uma vez que o mundo todo está com a mesma dificuldade em regulamentar esse tipo de bem.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Muito bem!
Para finalizar, vou fazer uma pergunta e lhes vou dar três minutos, no máximo, para finalizar realmente os trabalhos nesta manhã, agradecendo, mais uma vez, ao Senador Styvenson a colaboração, também por ter a intenção de somar esforços para haver uma única legislação saindo daqui do Senado. Isso é muito importante.
Faço as perguntas, primeiro, ao representante da Receita Federal, Dr. Paulo. Acredito que foi o representante do Coaf que falou que, no México, a prática é a de que a Receita Federal seja a autoridade reguladora dos criptoativos. Então, você acha que, no Brasil, a Receita Federal poderia ser essa autoridade?
O SR. PAULO ANTONIO ESPINDOLA GONZALEZ (Para expor.) - Obrigado pela oportunidade de esclarecer isso.
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Eu anotei até os exemplos que ele citou. Na maioria dos países, as instituições que se apresentam para regulamentar esse tipo de bem, aproveitando a definição do Dr. Bruno, são as CVMs e os bancos centrais dos demais países. A missão da Receita é muito clara: controle aduaneiro e administração tributária. Então, eu acredito que isso não se misture. São missões diferentes. A entidade que for regulamentar, por exemplo, uma exchange, tem outras preocupações muito além do âmbito tributário, por exemplo, preservação dos dados, segurança. Então, em que pese a Receita, pela dificuldade do tema, ter emitido uma portaria no sentido de captar as informações, acredito que em nenhum momento ela se apresentaria como a instituição a regulamentar esse bem.
O representante citou o México, mas talvez o México cite o Brasil, porque hoje a única instituição que tem uma regulamentação é a Receita Federal, mas não é uma regulamentação do mercado, daquele bem, são captações de dados, são coisas diferentes.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço.
Para finalizar, faço uma pergunta ao Dr. Bruno Miragem e ao Dr. Danilo Doneda: se na visão dos senhores, do ponto de vista legal, seria correto seccionar o controle da atividade que tem origem nas criptomoedas dos criptoativos. Vou tentar explicar: deixar uma parte, a parte que regulamenta proteção de defesa ao consumidor, com a Senacon; a parte que trata de fiscalização e controle da tributação com a Receita Federal; o Coaf com a parte de evasão de divisas e assim por diante; se vocês acham que isso poderia ser positivo e se concordam com o que a USP sugere, a criação de um comitê para fiscalizar de forma infralegal essa matéria. É uma sugestão que chegou ao nosso conhecimento de alguns que estão se aprofundando sobre esse assunto na USP. Então, se os senhores puderem rapidamente dar uma visão sobre esse tema, é muito importante.
O SR. BRUNO MIRAGEM (Para expor.) - Agradeço, Presidente.
Na verdade, eu acho que o modelo em relação à disciplina dos ativos financeiros virtuais, dos criptoativos, pode seguir um modelo que já é um pouco da tradição do Direito brasileiro, inclusive do próprio sistema financeiro, ou seja, nós temos uma entidade de supervisão de mercado, e, nesse caso, parece-nos bastante adequada a opção do projeto de lei no sentido de indicar o Banco Central, na medida em que a própria competência a que fiz referência aqui, embora genérica, do art. 11, inciso VII, já pudesse conduzir nesse sentido, mas isso não elimina a possibilidade de atuação regulatória, mais do que regulatória, na verdade, no exercício de poder de polícia, para usar o termo clássico, do Estado nos temas ou nas matérias em que forem competentes os demais órgãos.
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No caso da defesa do consumidor, eu diria até independentemente da previsão normativa expressa desse projeto, a Senacon preservaria a sua competência; eu diria, os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, inclusive a Senacon, preservariam sua competência para o exercício de poder de polícia, especialmente da fiscalização. Por exemplo, em matéria de oferta e publicidade, que foi um tema bastante indicado aqui: oferta e publicidade é tema típico de consumo, independentemente do produto ou do serviço.
Agora, a propósito da pergunta, eu até me inclino a uma sugestão que talvez possa reforçar esse caráter, que é uma norma nas disposições finais ou onde se entender melhor, do ponto de vista da técnica legislativa, indicando que a proposta inclusive de outras experiências, inclusive LGPD e outras leis, que a legislação aqui definida não exclui a legislação de proteção do consumidor ou a incidência da legislação de proteção do consumidor, um artigo genérico que reforce isso.
Em relação ao segundo aspecto da sugestão de um comitê, eu particularmente entendo que, para o exercício de supervisão, parece-me que a resistência dos órgãos e a expertise, a técnica e mesmo a competência fixada dos órgãos já existentes, dos entes já existentes, nesse caso o Banco Central, eu me alinho à opção, seja o melhor. Um comitê talvez propositivo, consultivo, me pareceria bem, mas eu não diferenciaria, não estabeleceria uma diferença entre o modelo de supervisão e regulação deste ativo financeiro daquilo que é o modelo da tradição brasileira no Sistema Financeiro Nacional como um todo. Um comitê propositivo talvez, mas aí também há um pouco, se me permite, Senador, esse desafio nosso de legislar sobre o novo. Os senhores têm esse desafio permanente aqui, que é, de um lado, permitir a legislação ter uma certa precisão, mas não uma precisão e um detalhamento tal que impeça sua própria atualização, de modo que se tenha que fazer uma lei a cada dois anos ou a cada três anos.
(Soa a campainha.)
O SR. BRUNO MIRAGEM - Então, eu não diferenciaria muito o modelo. A existência de um comitê pode ajudar numa reflexão, mas não com competência, na velha ideia de competência como medida de poder que a ordem jurídica confere a alguém, com competência. Acho que a competência deve estar localizada nos entes já existentes: Banco Central como ente supervisor, Conselho Monetário como órgão regulador e a Comissão de Valores Mobiliários no exercício de poder de polícia específico, nas ofertas iniciais, nas ofertas públicas. Acho que é o modelo que o próprio projeto de lei, na sua redação atual, está consagrando.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Agradeço.
Passo a palavra ao Dr. Danilo.
O SR. DANILO DONEDA (Para expor.) - Concordo inteiramente com o Prof. Bruno Miragem, lembrando que, a meu ver, as duas questões estão bastante ligadas, no sentido de que, em primeiro lugar, as competências dos eventuais reguladores, heterogêneos, no caso, mas ligados ao mesmo fenômeno dos ativos virtuais, são intradependentes, no sentido de que, por exemplo, a confiança do consumidor é um elemento que vai ser relevante para avaliação do risco sistêmico, para estabilidade do mercado, da operação financeira e assim por diante. Então, se cada um dos reguladores tem seu próprio campo de atuação, sua autoridade dentro de determinado campo, necessariamente deve haver uma coordenação entre todos esses para que ainda mais tratem um fenômeno novo para todos. A novidade do fenômeno é um dado fixo para todos os atores aqui juntos.
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A sugestão de um novo ente, de um novo regulador, talvez seja naturalmente avençada, é algo que eventualmente talvez surja em discussões até internacionais sobre o tema, mas, ao que parece, também no âmbito internacional vem sendo deixada como uma alternativa secundária, no máximo, ante a necessidade de aumento da expertise e experiência dos bancos centrais e dos outros entes que tratem do assunto, ainda mais porque há outros aspectos, ainda mais no Brasil, que vão se mostrar concretos com a experiência. Eu mencionei o elemento de proteção de dados. Há o elemento de proteção de dados relevante, mas ainda estamos aguardando a entrada em vigor da lei, os posicionamentos do regulador.
Então, eu entendo que há um espaço muito grande para que haja coordenação entre os vários setores, ainda mais lembrando que se trata de uma tecnologia que se vai adotar, cuja utilidade pode se ver como um pouco turva e pode se confundir com outros setores ainda. Você pode aplicar as mesmas técnicas que propulsionam os artigos virtuais num registro de imóveis, como já vem sendo feito, em registro civil de identidade, enfim, em qualquer sistema de banco de dados que necessite de um grau de confiança atribuído não somente ou não primordialmente por autoridades. Então, você tem ainda outra questão, que é a fixação exclusiva da regulação em nenhum outro ente ou até num ente próprio, o que pode inibir eventualmente o desenvolvimento de outras atividades operadas ou desdobradas a partir dessa tecnologia.
Algo também a se levar em conta tanto no projeto quanto na regulamentação posterior é que há utilidades híbridas sobre as quais nós não temos clareza ainda hoje em dia, que vão necessitar mais do que nunca dessa coordenação entre os vários órgãos, mais do que a gente dar uma palavra final e taxativa desde já.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Cunha. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AL) - Muito bem, senhores.
Assim eu agradeço a presença de todos e declaro encerrada esta audiência. Até a próxima.
(Iniciada às 10 horas e 22 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 42 minutos.)