Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Havendo número regimental, declaro aberta a 76ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública a fim de debater o Projeto de Lei n° 4257, de 2019, que modifica a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para instituir a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária, nas hipóteses que especifica, conforme o Requerimento nº 151/2019-CCJ, de minha autoria e do Senador Tasso Jereissati, e o de nº 152/2019-CCJ, de nossa iniciativa. Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou ligando para o número 0800-612211. Nós teremos um seminário em duas etapas. Para o primeiro painel sobre arbitragem tributária, eu convido, como mediador, o Prof. Flávio Henrique Unes Pereira para se dirigir à mesa, e também os nossos convidados, a quem agradeço a presença, Dr. Roberto Pasqualin, árbitro e membro do Conselho Diretor do Comitê Brasileiro de Arbitragem; o Prof. Felipe Faiwichow Estefam, que é advogado e Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e o Dr. Mário Augusto Carboni, Coordenador-Geral de Assuntos Tributários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, representando o Ministério da Economia. Solicito aos convidados que tomem os seus lugares. De acordo com o art. 94, §§2º e 3º do Regimento Interno, a Presidência adotará as seguintes normas: os convidados farão suas exposições e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Senadoras e Senadores inscritos. A palavra será concedida na ordem de inscrição. Cada qual disporá de três minutos para sua manifestação. Painel um: arbitragem tributária. Concedo a palavra ao Sr. Flávio Henrique Unes Pereira, Doutor em Direito, advogado e professor, para suas considerações e para mediação, num segundo momento, deste seminário. |
| R | O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Para expor.) - Boa tarde a todos! Exmo. Sr. Presidente, Senador Antonio Anastasia, demais convidados da Mesa, na verdade o meu papel aqui vai ser de mediação, de tentar fazer com que esse momento seja o mais interativo possível, para que a gente possa discutir os pontos mais controvertidos do projeto. A minha sugestão, que eu compartilhei já com alguns colegas antes de começar, seria de que cada convidado pudesse, em dez minutos, fazer as suas impressões primeiras sobre o projeto, e, em seguida, cada um faria algum comentário sobre algum aspecto controvertido das questões que eu previamente formulei e que aduziria aqui, depois dessa fala de dez minutos. Também foi sugerido, Senador - e acho que talvez pudesse ser interessante, tendo em vista que tem lugar -, que eventualmente os colegas que estão lá pudessem também vir à frente. Parece que eles sugeriram isso, tendo em vista a ideia de que haja uma participação também. Então também na hora do debate, se houver alguém que queira fazer alguma colocação, pode sinalizar que, havendo tempo, a gente consegue, com a dinâmica aqui do nosso trabalho, possibilitar a maior interação possível. Para iniciar esse debate, nós convidaríamos o Prof. Roberto Pasqualin, que é árbitro e membro do Conselho Diretor do Comitê Brasileiro de Arbitragem, para usar da palavra por dez minutos. Em seguida, nós vamos fazer a dinâmica do nosso debate. O SR. ROBERTO PASQUALIN (Para expor.) - Obrigado, Flávio; obrigado, Senador Anastasia, pelo convite. A nossa apresentação é uma apresentação apenas para ilustrar a necessidade de uma legislação nova que possa introduzir a arbitragem tributária no sistema de contencioso tributário brasileiro e uma análise rápida, artigo por artigo, daqueles que possam merecer algum tipo de contribuição em relação à redação do substitutivo que já foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos. Eu faço uma primeira apresentação de uma matéria que surgiu no portal da Globo, o G1, sobre o tamanho das questões tributárias em discussão no Judiciário e no processo administrativo fiscal: 5 trilhões em tributos represados nessas discussões. A segunda apresentação que eu faço é outra matéria, que foi uma entrevista no Estadão do Pedro Passos, que é presidente, fundador de uma entidade, de uma empresa, é um empresário, em que ele critica fortemente o atraso que o contencioso tributário provoca para as empresas pelo tempo de demora em que eles são resolvidos no Brasil. Números do CNJ e da Receita Federal mostram que, quando há recursos, um procedimento tributário pode demorar até 15 anos para ser resolvido. E a terceira imagem que eu trouxe para vocês é de um seminário que foi feito em São Paulo pela cúpula da Receita Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da AGU (Advocacia-Geral da União), mostrando a necessidade de acelerar a arrecadação via o contencioso tributário e a introdução de normas que possam fazer essa arrecadação se concretizar em tempo muito mais reduzido. |
| R | A pergunta que eu faço, a provocação que eu faço é se essa situação de um contencioso tributário tão demorado tem solução. Podemos resolver esse assunto? O que se diz é: vamos simplificar o sistema tributário brasileiro porque ele é muito complexo; sendo muito complexo, surgem muitas interpretações diferentes e, portanto, surgem contenciosos tributários frequentes. Burocracia fiscal: há uma burocracia fiscal muito grande no sistema tributário brasileiro, e essa burocracia também é uma fonte de conflitos tributários, por erros que naturalmente acontecem nas empresas quando têm que escriturar livros fiscais, guias fiscais, toda uma série de obrigações acessórias ao pagamento do tributo, mas que têm um custo bastante elevado para as empresas e que têm sido fonte de conflitos e processos tributários. E finalmente a provocação que eu faço é: é possível inovar no contencioso tributário brasileiro? Claro que é. E quais são as inovações que a gente sabe que podem vir? A transação tributária, de que já se está falando diretamente no País pela própria iniciativa de legislação; a mediação tributária - já temos uma lei permitindo isso -; e a arbitragem tributária, que, por força da iniciativa do Senador Anastasia, agora pode vir a ser implantada no Brasil. Mediação tributária - nós temos a Lei 13.140 -, transação tributária - temos uma medida provisória recentemente editada pelo Governo Federal - e arbitragem tributária, que é objeto deste projeto de lei. Gente, a arbitragem tributária é uma variação, vamos chamar assim, da arbitragem que foi introduzida no País pela Lei 9.307, de 1996, e a arbitragem comercial privada se desenvolve em câmaras privadas onde as partes, as empresas particulares discutem suas divergências, seus conflitos perante árbitros privados, escolhidos pelas próprias partes e que dão uma sentença final que é definitiva e não sujeita a recursos. A arbitragem privada comercial se desenvolveu no Brasil de uma forma muito importante. Hoje ela é praticada com grande sucesso e com grandes resultados e já tem merecido até reportagens em casos que se tornam públicos pela qualidade das decisões e pela rapidez com que elas são dadas. Essa é uma virtude da arbitragem como um todo. A arbitragem como um todo é praticada internacionalmente, é praticada muito fortemente nos Estados Unidos, na Europa, na América Latina, na Ásia, um pouco menos na África, mas o Planeta pratica arbitragem para resolver conflitos privados entre empresas, entre particulares e empresas, e com a Administração Pública. |
| R | No Brasil, a lei de arbitragem, essa de 1996, foi modernizada em 2015 para admitir a arbitragem perante conflitos com a Administração Pública. E a Administração Pública Tributária, como parte da Administração Pública, deve estar abrangida pela possibilidade de se resolverem os conflitos por arbitragem. Mas, como a arbitragem é uma regra de procedimento, de processo, a matéria substantiva em discussão na arbitragem é matéria tributária. No Brasil, ela é uma matéria com uma quantidade muito grande de normativos, com uma dificuldade muito grande de interpretações e possibilidade de conflitos. E isso que a gente viu no primeiro eslaide - um trilhão, quatro, cinco trilhões de valores em discussão em matéria tributária, mais de 34 milhões de processos em andamento, números do CNJ - é absolutamente impensável num sistema de um país que pretende se desenvolver. É atravancado esse desenvolvimento pela quantidade de processos e conflitos em matéria tributária. A complexidade dessas questões pode muito bem ser resolvida via arbitragem. E a arbitragem em matéria tributária exige, a nosso ver, lei; lei que dê segurança jurídica tanto ao contribuinte quanto ao Estado que arrecada. Hoje o contribuinte tem dificuldade para pagar impostos, e o Estado tem dificuldade para arrecadar impostos. Por que não usar a arbitragem tributária? Essa é a provocação que eu faço de início. Esse projeto de lei do Senador Anastasia em relação à arbitragem em matéria tributária é o que nós queremos discutir com vocês hoje. Eu preparei mais alguns eslaides percorrendo cada um dos artigos do projeto de lei, conforme ele foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos. Esses artigos nós podemos discutir na hora em que o Flávio Unes puder trazer a questão para a plateia e para nós aqui, na Mesa. Essa é a primeira colocação que quero fazer. E quero, especialmente, cumprimentar o Senador Anastasia pela iniciativa de colocar o assunto em projeto de lei no Brasil. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Roberto. Eu queria agradecer as suas palavras e aproveitar para cumprimentá-lo pela entrevista que acabo de ver também na TV Senado, que V. Sa. proferiu aqui nos nossos estúdios e também foi muito esclarecedora para a opinião pública. Agradeço também as palavras de estímulo que me encaminha. Quero também comunicar que está presente já na Mesa - por equívoco nosso, não havíamos chamado num primeiro momento, peço escusas - o Dr. Leonardo Varella Giannetti, advogado e membro do Grupo de Pesquisa em Arbitragem Tributária da Fundação Getúlio Vargas. É uma grande honra estar também com V. Sa. aqui, Dr. Leonardo. Peço-lhe escusas mais uma vez e volto a palavra ao nosso moderador, Dr. Flávio Unes. |
| R | O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Nesses dez minutos iniciais, antes de a gente passar para o debate, eu passaria a palavra ao Dr. Leonardo para fazer as suas considerações iniciais sobre o projeto. O SR. LEONARDO VARELLA GIANNETTI (Para expor.) - Boa tarde a todos! Primeiramente gostaria de cumprimentar a Mesa na pessoa do Senador Anastasia. Também sou egresso da UFMG, de Belo Horizonte. É uma oportunidade muito grande estar aqui participando deste debate sobre um tema ao qual venho dedicando há um bom tempo meus estudos. Agradeço também o Flávio Jardim pela ajuda em todo este debate, pela participação também. A Prof. Tathiane Piscitelli não pôde vir, e eu fiquei muito honrado de vir neste momento representando nosso grupo de estudos. Esse tema realmente vem surgindo com grande relevância nos últimos três anos. A Fundação Getúlio Vargas, pelo núcleo de pesquisa vinculado ao mestrado profissional, iniciou o tema do estudo acadêmico dos meios de resolução de conflitos a partir de 2017. Demos um enfoque inicialmente à questão da arbitragem e ficamos muito surpresos, Senador, com esse projeto. Para mim, especialmente, é um sonho, não achava que aconteceria tão rápido ver esse tema... Até por conta da arbitragem administrativa: já foi um empecilho tão grande, houve tanta resistência que, quando pensávamos na arbitragem tributária, imaginávamos que teríamos ainda muitos degraus a subir. Mas é muito bom ouvir este debate, o Dr. Roberto aí com toda a sua experiência na arbitragem - foi Presidente do Conima. Isso tudo ajuda muito a propagar essa ideia. O projeto: eu lembro bem de o Flávio comentá-lo num evento na Fundação Getúlio Vargas, e depois vi o senhor na OAB do Rio. Ele realmente tem essa iniciativa de propor um projeto mais simples, justamente para iniciar o debate e termos ali uma perspectiva do que podemos acrescentar ou fazer para melhorar o projeto em alguns pontos. Quando se debate arbitragem tributária, inicia-se sempre pensando: qual momento é o melhor? É antes do conflito, na época do conflito latente? Ou é necessário o lançamento, a constituição do crédito tributário? Esse é um tema muito relevante, há posições em ambos os sentidos, e o projeto adota uma linha possível, uma linha coerente: eu vou discutir isso quando eu já tiver o crédito tributário constituído. Isso, para a Fazenda, é melhor, evita algumas discussões do tipo: seria viável eu discutir essa situação tributária antes realmente do conflito ou na época do conflito latente? Há quem entenda que, eventualmente, em razão de uma solução de consulta, o contribuinte já poderia se insurgir preventivamente e buscar isso, a instauração da arbitragem para solucionar esse conflito. É uma via possível? Juridicamente, sim, mas será a melhor para iniciarmos o debate? Então, esses são temas que começam a aparecer. A opção pela utilização da arbitragem a partir do conflito já nascido e no bojo de uma execução fiscal foi até inusitada, não se pensava nisso antes. Será que a execução fiscal seria o melhor lugar para se ter a arbitragem? Não há nenhum impeditivo, o fato é que não há nenhum impeditivo. E a própria via, o próprio artigo... O art. 41-T, que diz também da possibilidade de usarmos a arbitragem como um sucedâneo, como um substituto de uma ação anulatória de débito fiscal, também é uma ótima oportunidade de termos a arbitragem instituída e utilizada como um instrumento de acesso à Justiça. Talvez seja esta a grande relevância da arbitragem tributária: ser mais um meio de propiciar o exercício do direito fundamental de acesso à Justiça. |
| R | Acreditamos que a questão da redução dos processos, do número de processos, do contencioso administrativo, talvez não seja a principal razão para a utilização da arbitragem. A principal razão, repito, é a questão do acesso à Justiça, da melhora da definição, da melhora do impacto que isso pode trazer à melhoria da resolução dos conflitos em termos de mérito, pensando aqui na própria influência que as decisões administrativas do Carf geram no âmbito do processo judicial tributário. Também pensamos que a arbitragem tributária, até pela sua celeridade, irá contribuir muito para a melhoria das decisões judiciais. Acho que a questão da diminuição do número de processos é efeito colateral; não será o objeto principal, mas um efeito colateral. Acredito eu que quem optar pela arbitragem e sair perdedor, pensando no lado do sujeito passivo, irá procurar a Fazenda Pública e pagar o débito que é devido. Não acredito que a arbitragem será utilizada como forma de ganhar prazo, chicana, nada disso. Acredito que quem utiliza a arbitragem o faz porque tem interesse em resolver aquele conflito. Saindo vencedor, ótimo; saindo perdedor, vai resolver isso, vai promover o pagamento. Então, a recuperação do crédito tributário virá com mais rapidez. Então, eu vejo isso também como um incentivo, ou um estímulo, para a Fazenda Pública pensar na arbitragem dessa forma. Outra questão que sempre me preocupou é a questão dos custos da arbitragem. A arbitragem, como comumente a conhecemos, sempre envolveu causas de elevado valor financeiro, seja na área empresarial, societária ou mesmo na questão junto à Administração Pública. Devemos pensar na arbitragem tributária também nessa linha? Ficamos um pouco receosos. Quando a gente faz uma comparação com o instituto da arbitragem tributária que se iniciou em Portugal em 2011 - e a prática nos mostra que mais de 60% dos casos envolvidos na arbitragem tributária em Portugal dizem respeito a valores até 60 mil euros -, isso mostra que a arbitragem lá teve a experiência de propiciar o acesso à Justiça e resolver conflitos de menor valor. Isso seria interessante para o Brasil? Sim, até porque nós temos um volume muito grande de processos que envolvem valores que não são tão elevados. Quando se veem as estatísticas do Carf, percebe-se que grande parte dos processos - não lembro especificamente, mas creio serem mais ou menos 90% dos processos no Carf, salvo engano - são até 15 milhões de reais. Então, você teria um volume muito grande de processos, demandas, questões tributárias que poderiam ser levadas para a arbitragem. Esse é um ponto de vista. Outra questão é a preocupação de não transformar a arbitragem tributária em algo que o Prof. Casalta Nabais chama de apartheid fiscal: dar a oportunidade de mais um acesso à Justiça para aqueles que mais possuem dinheiro, ou pelo menos questões de mais desembolso. É que a arbitragem muitas vezes é pensada como um meio adequado de resolução de conflitos em que o tribunal arbitral é melhor, não só pela celeridade, mas pelo nível técnico superior para resolver aquela demanda em relação ao Judiciário. Essa situação pode se fazer presente na questão tributária, porém nós sabemos bem que, na questão tributária, temos um volume muito grande de processos que discutem a mesma base jurídica do tema. |
| R | Temos alterações fáticas, mas o tema de fundo é o mesmo. Pensando na perspectiva federal: quando discutimos o que gera direito de crédito de PIS e Cofins em termos de não cumulatividade, temos uma questão jurídica em que a parte pericial ou factual será muito relevante para mostrar a importância daquilo para determinada empresa, mas há uma parte jurídica comum. Então, pensando nisso, a questão dos custos me preocupa. Preocupa-me por quê? O projeto buscou definir um limite de despesas. Ótimo. Será que as câmaras vão colaborar nisso? Será que as câmaras vão utilizar a mesma tabela de honorários, de custas e de taxas usual para os processos que elas administram para as questões tributárias? Ou haverá um olhar diferenciado? Esse é um tema que me preocupa, porque, se as custas forem muito elevadas, será possível realmente que a arbitragem não caminhe da forma como desejamos ou, pelo menos, nós a tenhamos instituída no papel, mas não a tenhamos sendo realmente utilizada na prática, por conta de custos que podem inviabilizá-la. A forma como esse ponto consta no projeto é interessante, na medida em que limita o custo para a Fazenda Pública. O Flávio deixou bem claro na exposição que há uma preocupação, acho que uma preocupação séria, de que a arbitragem não gere custos adicionais à Fazenda Pública. Porém, dependendo do valor... Os valores de taxas, custas, enfim, honorários dos árbitros serão tão elevados que eventual condenação nos honorários e aquela parte de repartição que existe no projeto não serão suficientes para custear aquilo. Lógico que a arbitragem é sempre manifestação da autonomia, é uma questão da vontade da parte querer se submeter àquilo, não é uma obrigação, não é uma imposição legal. Porém, esse efeito, esse custo financeiro, essa avaliação de custo/benefício vai ter sempre que ser levada em consideração, e eu tenho um pouco de receio de que isso seja um empecilho à questão da arbitragem. Por fim, uma questão que eu sei que, para os "arbitralistas", é muito cara, mas eu acho que na esfera tributária ela é relevante: a necessidade de observar os precedentes. Eu sei que no âmbito da arbitragem, no âmbito privado, esse é um tema que os "arbitralistas", como nós os chamamos, têm uma certa suspeição, pode-se dizer. Eles não gostam, não gostariam, não veem com bons olhos, pelo menos é assim com uma corrente majoritária, que o árbitro fique vinculado. Ele poderia ou não utilizar os precedentes, as partes poderiam antecipadamente discutir e deliberar isso no compromisso arbitral, dizendo se o árbitro irá ou não participar disso. (Soa a campainha.) O SR. LEONARDO VARELLA GIANNETTI - Porém, aqui, no âmbito tributário, que envolve a livre concorrência e a neutralidade, é um elemento que... Eu acho, sim, importante observar os precedentes. São as observações iniciais que eu gostaria de apresentar. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Giannetti. Agradeço muito a participação de V. Sa. Devolvo a palavra ao mediador. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - O Dr. Leonardo tocou em dois pontos que dizem respeito especificamente aos artigos 16-D e 16-F do substitutivo e que estavam destacados para debatermos realmente. Então, nós vamos ter oportunidade de falar um pouco mais sobre isso. Antes disso, passo a palavra ao Prof. Felipe Estefam por dez minutos. |
| R | O SR. FELIPE FAIWICHOW ESTEFAM (Para expor.) - Boa tarde! Boa tarde a todas! Boa tarde a todos! É com extrema satisfação que hoje eu compareço a este seminário para discutir o PL 4.257, que visa a alterar a Lei de Execuções Fiscais, instituindo a arbitragem tributária. Eu gostaria de agradecer, primeiramente, o convite ao Senador. É uma grande honra participar. Eu o cumprimento pela iniciativa. Desde já, falo que esse projeto de lei se alinha às melhores práticas internacionais e faz com que o Direito Administrativo e o Direito Tributário respirem novos ares, ganhem novos horizontes. Eu gostaria de cumprimentar igualmente o Prof. Flávio Unes, na pessoa de quem eu comprimento todos os convidados e palestrantes. Por fim, cumprimento todos os presentes. O tema deste primeiro painel é a arbitragem tributária. Nestes primeiros minutos, eu gostaria de colocar alguns pontos a respeito da conversa entre o Direito Administrativo e o Tributário com a arbitragem e a evolução dessa conversa. Apontando o dedo para o ordenamento jurídico, nós não podemos esquecer que, em 2015, nós tivemos um momento importante para essa conversa, porque a Lei 13.129, de 2015, alterou a Lei de Arbitragem, a Lei 9.307/96, para expressamente permitir que a Administração Pública como um todo pudesse participar de procedimentos arbitrais desde que o litígio fosse respeitante a direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, a norma jurídica clara dessa lei é a de que, se o conflito fosse sobre direitos patrimoniais disponíveis, se houvesse a arbitrabilidade objetiva, a Administração Pública poderia optar pela arbitragem. Na sequência dessa lei, nós tivemos, recentemente, o Decreto 1.025, de 2019, que revogou o decreto dos portos e tratou, em sede de regulamento, da arbitragem na Administração Federal, especificamente nos setores portuários, rodoviários, ferroviários, aquaviários e aeroportuários. Na esfera estadual, do mesmo modo, além do Estado de Minas Gerais, que, pioneiramente, tratou sobre o assunto, por influência do Senador, inclusive, nós temos também, recentemente, um decreto publicado no Estado de São Paulo que trata sobre o tema, que é o Decreto 64.356, de 2019, e temos também no Estado do Rio de Janeiro outro decreto, que é o de nº 46.245, de 2018. Além da esfera contratual, onde acontece a arbitragem em regra na esfera da Administração Pública, nós temos um novo marco, que é a possibilidade de arbitragem na esfera das desapropriações, conforme a Lei 13.887, de 2019. E nós temos, além disso, um projeto de lei que versa sobre a possibilidade ou sobre uma regulação legal das dispute boards. Portanto, o que nós temos, considerando esse ordenamento jurídico atual e os projetos que estão por se concretizar, é uma Administração Pública diferente, uma Administração Pública tributária também que merece uma renovação paramétrica, que tem novos horizontes, que bebe de outras fontes, que muda o seu jeito de lidar com o particular de uma forma top-down para uma maneira mais dialógica, mais participativa, mais cooperativa, de uma maneira em que a Administração Pública conversa, dialoga com o particular. |
| R | Com isso, nós temos um novo cenário em que passamos a falar de um sistema multiportas, de tal maneira que, nos conflitos, a Administração Pública como um todo, incluindo a Administração Pública tributária, não precisa tão só recorrer ao Judiciário para resolver os seus problemas; ela pode, por esse sistema multiportas, recorrer, por esse PL, à arbitragem. Pela Lei 13.140, a mediação também foi incorporada no âmbito da Administração Pública. Portanto, o que nós temos aqui reforçado pelo ordenamento jurídico e o que a ciência do Direito Público não pode desconsiderar é realmente essa mudança de paradigma, que a comunidade jurídica não pode desconsiderar. Especificamente no âmbito do Direito Tributário, é importante apontar o dedo para os números. Os números falam por si, na verdade. É altíssima a litigiosidade. O congestionamento dos tribunais também é excessivo. Nós temos soluções mínimas e temos um custo fora do padrão com o Poder Judiciário. Portanto, nós temos um modelo fracassado e temos uma possibilidade de alteração desse modelo que não está funcionando a contento. É muito bem-vindo, portanto, como já falei, o projeto de lei, porque ele traz esse novo fôlego. Existem resistências? Sem dúvida, existem resistências, algumas válidas, algumas não tão válidas. Eu vejo muito alguns doutrinadores, alguns expositores se baseando na indisponibilidade do interesse público, que é um princípio relevante, se não o pináculo do Direito Público, mas, ao menos, um princípio importante. Mas esse princípio não é vulnerado por nenhum tipo de consensualismo na Administração Pública. Ele não é vulnerado pela possibilidade de arbitragem no âmbito do Direito Administrativo ou pela possibilidade de arbitragem no âmbito do Direito Tributário. Isso é claríssimo, se nós entendemos o que é esse princípio. Esse princípio basicamente exige que o Poder Legislativo defina na lei, impessoalmente, com base na lei e na Constituição, os interesses públicos, assim como os meios e os modos de alcançá-los. Se o meio arbitragem, portanto, vier a ser encampado na área do Direito Tributário, não há problema nenhum, não há vulneração a esse princípio. Isso já aconteceu nessa Lei 13.129, que facultou a arbitragem, e nós não temos aqui nenhum tipo de problema de compatibilização com o regime jurídico administrativo. E, na verdade, a arbitragem não faz com que o particular abra mão de nada, não faz com que a Administração Pública abra mão de nada, mas, sim, opte pela via mais eficiente de resolução do conflito. Portanto, eu vejo um projeto de lei que é benéfico na esfera do Direito Tributário, que já tem dispositivos muito positivos e alguns outros que nós vamos aqui discutir, seja para aprofundar essas discussões, seja para propor algumas alterações. Neste momento inicial, eu gostaria só de apontar o dedo para alguns deles, provavelmente os mais importantes em termos de concreção do regime jurídico administrativo e tributário. |
| R | E eu aponto o dedo primeiramente para o art. 16 do projeto de lei, que concretiza peculiaridades importantíssimas, quais sejam a arbitragem de direito, o respeito ao princípio da publicidade, a preferência ou a escolha da arbitragem institucional e a necessidade de credenciamento dessas câmaras arbitrais. Vejam: a arbitragem é de direito. Isso decorre não só da Constituição - art. 37, caput; art. 84, IV; art. 5º -, mas também a própria Lei de Arbitragem, reformada em 2015, já prevê, em seu art. 2º, §3º, que essa arbitragem, quando envolve a Administração Pública e, portanto, a Administração Pública Tributária, deve ser de direito. Portanto, a equidade não tem um papel na esfera do Direito Público. Então, acertadamente, essa peculiaridade veio a ser encampada aqui no projeto. E, do mesmo modo, o respeito à publicidade, que é também um princípio constitucional e que já consta na Lei 13.129, veio expressamente nesse art. 16, que eu estou comentando. Agora, será que essa publicidade precisa, na esfera legislativa, ser minudenciada? Precisaria agora explicar em quais termos a publicidade precisa ser atendida? Parece-me que não. A nossa experiência já demonstra isso. Por exemplo, no decreto do Rio, há uma minudência do que é público, do que é sigilo industrial ou do que é hipótese de segredo de justiça. Então, na esfera legislativa, parece-me que o projeto de lei cumpre o seu papel em termos de atendimento do princípio da publicidade. Do mesmo modo, parece-me também que cumpre o seu papel quando traz a obrigatoriedade, pela leitura que eu faço, de uso da arbitragem da forma institucional. A arbitragem ad hoc pode ser utilizada. No Estado de São Paulo, nós temos apenas um caso em que foi utilizada a arbitragem ad hoc, mas a regra é a arbitragem institucional, porque nós temos diversos documentos, nós precisamos de um aparato administrativo que dê suporte ao árbitro. Portanto, parece-me que essa é a saída que mais se coaduna com o regime jurídico administrativo. E, do mesmo modo, quanto ao credenciamento, na linha de todos os decretos que vêm sendo publicados recentemente, é preciso igualmente fazer um credenciamento com a finalidade específica de que essas câmaras demonstrem para o Poder Público que elas cumprem os requisitos administrativos necessários para que haja um julgamento justo, legal, econômico, razoável, moral. Portanto, o credenciamento realmente... (Soa a campainha.) O SR. FELIPE FAIWICHOW ESTEFAM - ... é uma necessidade que eu gostaria de ressaltar. Outros dispositivos, muitos deles mais controversos, eu deixo para abordar mais para frente nos debates, para que nós não atrasemos os temas. Eu, mais uma vez, renovo os meus agradecimentos e cumprimentos ao Senador. Fico à disposição para os próximos comentários. Obrigado pela atenção. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Felipe. Agradeço a manifestação de V. Sa. Nós já estamos recebendo aqui manifestações do e-Cidadania, que, no momento oportuno, eu terei a satisfação de ler. Volto a palavra ao moderador. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Terminando esta primeira etapa, antes dos debates, eu convido o Dr. Mário Augusto Carboni para fazer uso da palavra. |
| R | O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI (Para expor.) - Muito boa tarde! Eu cumprimento aqui todos os presentes da Mesa, na pessoa do Senador Antonio Anastasia. Todos trouxeram aqui questões que foram muito bem fundamentadas e preocupações em relação ao Projeto 4257, sobre a arbitragem tributária. O projeto traz basicamente seis artigos que tratam dessa modalidade de arbitragem no campo dos créditos inscritos em dívida ativa, na execução da dívida. É muito louvável a medida. Como a fala agora do Dr. Felipe expressou, ele cria mais uma porta - é uma multiporta - para o fim de solução dos conflitos. Uma questão que precisamos ter em conta é a seguinte: essa porta nova está classificada na doutrina como aquela porta da heterocomposição dos conflitos. Então, a partir daí, eu vou trazer alguns pontos para reflexões, quando se envolve a Fazenda Pública. Essa porta que está sendo aberta para fazer face à solução de um conflito está classificada no campo da heterocomposição, que significa a necessidade de existência de um terceiro, de uma terceira pessoa com poder de decidir o caso, a lide posta nas suas mãos. Esse poder de decisão, essa decisão será imposta. Então, esse terceiro é um terceiro autônomo às partes e vai tomar uma decisão, porque as partes assim o delegaram, e essa decisão tem força executória coercitiva para as partes. Então, não é um ambiente em que nós estamos falando de autocomposição. Por exemplo, aí incluiríamos a transação tributária, que agora foi objeto da MP 899, e também aquela previsão que foi feita sobre a mediação. Aí nós estamos no campo mais da manifestação autônoma da vontade das partes. Aqui não! Aqui, nós já estamos diante da imposição de uma decisão arbitral. É uma medida louvável no sentido de trazer uma nova porta, uma nova saída para, inclusive, o Poder Judiciário, desafogando o julgamento principalmente dos embargos à execução, que é uma das ações, das execuções fiscais, que mais assoberbam o Poder Judiciário. Alguns pontos merecem a nossa atenção aqui. São pontos para reflexão e depois para debates. Eu elenquei aqui cinco questões básicas sobre pontos que nos levariam a refletir sobre a proposta. O primeiro deles é o seguinte: quando estamos determinando que vai ser possível ao executado, ao devedor executado, optar por levar a solução de sua lide, que no caso seria embargos à execução, a um juízo arbitral, o que acontece com o crédito tributário quando se leva isso, essa demanda, para o juízo arbitral? Ele se suspende? A Fazenda Pública já fica de mãos atadas porque ele está suspenso ou não? E, depois, a sentença arbitral, quando for proferida, teria o condão de extinguir o crédito tributário, no caso, em execução fiscal? São duas questões em uma só. |
| R | O problema que está por trás dessa minha reflexão é se seria necessária ou não uma lei complementar para tratar da arbitragem como forma de extinção do crédito tributário - porque a sentença arbitral pode extinguir o crédito tributário - e de suspensão também durante o seu caminhar, porque é preciso lei complementar tanto para suspender quanto para extinguir o crédito tributário. E isso decorre do art. 146 da Constituição. Então, uma das preocupações seria pensar sobre isto: até que ponto poderia uma lei ordinária trazer como reflexo a extinção do crédito tributário? Ou isso seria posteriormente questionado? Diferentemente da transação, que foi feita por lei ordinária - por medida provisória, que tem força de lei ordinária - e está prevista no CTN como forma de extinção, a arbitragem não está. Poder-se-ia questionar que ela o estaria de forma reflexa, porque a sentença judicial está lá. Porém, você pensar que uma lei ordinária pode equiparar - porque é equiparada - uma sentença arbitral a uma sentença judicial, isso poderia em tese afrontar alguma robustez no princípio da segurança jurídica: bastaria uma lei ordinária para equipar institutos, e aí se dar um subterfúgio às exigências de lei complementar. Esta seria uma das preocupações. Então, colocar essa medida no 151 e no 156 do Código Tributário Nacional, inclusive com vigência para todos os entes da Federação. A exigência de lei complementar é uma garantia tanto do Estado quanto do contribuinte. Então, o que está lá é também válido para todos os entes da Federação: União, Estados, Municípios. Um outro ponto que eu trago para as reflexões seria em relação à necessidade ou não de alterar - e aí é uma coisa muito mais simples - aquela disposição da Lei da Arbitragem, que é a 9.307, de 1996, porque ela tem lá um dispositivo, em que pese em 2015 a Administração Pública tenha sido incluída lá... Então, para não gerar qualquer dúvida, talvez seria recomendável fazer alguma modificação, porque ela pressupõe que o conflito seja de direitos plenamente disponíveis e patrimoniais das partes. Por que eu falo isso? Porque, quando estamos diante de uma execução fiscal de créditos tributários, o crédito tributário, sob o sentido financeiro, representa uma receita pública derivada. E as receitas públicas, tanto por força da Constituição quanto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, não estão plenamente nessa esfera de disponibilidade do ente público, do ente político. Então, talvez mereceria atenção essa disposição da Lei 9.307, que é aplicável, por referência aqui do Projeto 4247, inteiramente ao instituto. Outro ponto que eu trago também para a gente refletir seria a questão de limites desse juízo arbitral. Como assim? Em Portugal... O Prof. Leonardo falou sobre a arbitragem em Portugal, desde 2011. Só que a lei geral da arbitragem tributária lá de Portugal estabelece algumas limitações, e não é uma limitação desarrazoada, não é uma medida desarrazoada ou que retira as forças do instituto. |
| R | Os limites que podemos pensar, por exemplo, poderiam ser limites de alçada ou limites de matéria. Limites de alçada até para testar o instituto neste primeiro momento; limites de matéria, esses seriam muito bem-vindos no nosso ordenamento jurídico, quando se fala de crédito tributário, porque as demandas tributárias que envolvem os litígios no Brasil geralmente perpassam por questão constitucional. E, dado que a nossa Constituição trata em detalhes do Sistema Tributário Nacional, muitas vezes a questão a ser decidida por um árbitro vai ser algo sobre se isso é ou não é constitucional. Poderia então uma instituição arbitral privada decidir que uma legislação... Tudo bem aquilo tem efeito no caso concreto, mas ela poderia decidir se aquilo é ou não é constitucional? Então, será que não seria melhor deixar delimitado que a sentença arbitral só pode tratar sobre legalidade, sobre a questão dos regulamentos? Até porque, ao jogar a decisão sobre constitucionalidade no campo do juízo arbitral, principalmente em se tratando de matéria tributária, corre-se um severo risco de, depois, a medida ser contestada perante o Supremo Tribunal Federal, a medida legislativa. Parece que o art. 16-F, que é o que está incluído aí, um dos artigos, pressupõe um limite do juízo arbitral: ele está jungido às súmulas vinculantes do Supremo; às decisões tomadas em recurso repetitivo ou de repercussão geral; e às ADIs, às decisões em controle concentrado de constitucionalidade. Por esse dispositivo, a contrario sensu, poderíamos dizer que, se não está dito pelo Supremo, então é o campo de que o árbitro poderia dizer sobre matéria tributária e sua interpretação constitucional. Então, talvez, criar neste primeiro momento alguns limites, como os de alçada ou esse de matérias, pelo qual o executado pode levar a sua demanda para o juízo arbitral. Um outro ponto que eu trago para reflexões também é a questão do regulamento. Parece que, pelo texto do projeto, isso vai depender de regulamento de cada ente. Então, esta seria talvez uma questão relacionada à fixação da convenção de arbitragem ou do compromisso arbitral. É um direito subjetivo do executado, do contribuinte levar o seu caso para ser julgado pelo árbitro? Então, se eu tenho direito, não importa a vontade do Estado. Certo, então o projeto trouxe aqui a necessidade de um regulamento. Se o Estado faz esse regulamento, ele já está deliberando que concorda. Agora, a questão é que cada ente faria o seu. Então, talvez aqui colocar algo, ou uma competência supletiva, talvez federal, pensar em algum sentido, porque pode ser que um Estado institua, outro não; um Município sim, outro não; a União institua ou não. Então, para não ficar até um mecanismo que quebra a isonomia diante de contribuintes; de um Estado ou de outro da Federação poder acessar ou não essa via de solução de conflitos. |
| R | E um último ponto que eu trago aqui para reflexões é a respeito dos órgãos de controle. Pela medida aqui e pela Lei 9.307, a sentença arbitral só está sujeita ao controle do Judiciário diante das nulidades, que são a afronta à súmula vinculante e etc., de que eu falei agora. Todavia, no campo dos créditos públicos, principalmente os tributários, que, como eu falei, são uma receita tributária derivada, em que medida essa sentença arbitral poderia ser objeto de controle, por exemplo, de órgãos como o TCU e os Tribunais de Contas dos Estados? Qual é o papel desses órgãos de controle nesse sentido? Porque, de uma forma ou de outra, isso envolve a questão relacionada às receitas públicas tributárias. Esses pontos que eu levantei são pontos de reflexão. Falta mais um aqui, que é a questão da escolha do juízo arbitral. Como eu falei antes, se é um direito subjetivo do contribuinte, do devedor levar os seus embargos para serem julgados por um juízo arbitral, não é menos relevante pensar que isso pode gerar uma despesa também para o ente público, na medida em que ele pode ser ali o vencido daquela demanda. Então, isso pode gerar, sim, uma despesa com os custos de honorários - mesmo sendo eles aqui no projeto limitados à metade, no CPC - e também despesas que incorrem com o juízo arbitral, que não são honorários. Isso tudo vai ser levado às contas do ente público. Então, também nós temos aí um elemento que pode gerar uma despesa para um ente público, para a Administração Pública. Nesse sentido também seria crível pensar na sua participação... (Soa a campainha.) O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI - ... na participação do ente público na seleção, no cadastramento desses entes arbitrais, até porque ele vai ter que arcar com essa despesa; isso vai gerar uma despesa pública. E está sendo levado um litígio para o juízo arbitral... Em que pese não se possa exigir prima facie processo de licitação, mas um procedimento de cadastramento, um primeiro crivo para o credenciamento desses entes na Administração Pública. Bem, são essas as considerações que eu queria apresentar, que são mais preocupações e reflexões acerca do projeto. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Carboni. Agradeço. É muito importante, porque a manifestação da Fazenda Nacional é vital para um projeto dessa natureza. Eu devolvo a coordenação técnica ao nosso mediador. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Para expor.) - Salvo a questão da lei complementar, parece-me que todos os outros pontos estão também abordados nas questões que nós vamos fazer, então, se por acaso faltar algum, a gente retoma. Eu incluiria, então, nesta primeira oportunidade, o debate em torno desse apontamento acerca de ser necessário ou não lei complementar, mas já levantando, ponderando que talvez o projeto tenha se focado na suspensão da execução e não, propriamente na suspensão do crédito, previsão que há no Código Tributário Nacional e que não estaria alterada ou cogitada no projeto. É interessante que a gente possa compartilhar essa preocupação com os demais colegas. Também vou colocar dois pontos: este, da lei complementar; e sobre o art. 16-A do projeto, do substitutivo. Houve algumas considerações que chegaram até nós. Por que não caberia a exceção de pré-executividade ou outros tipos de garantias que não aquelas específicas que foram colocadas no dispositivo? |
| R | Enfim, quais seriam as considerações, começando pelo Dr. Prof. Roberto Pasqualin, acerca do 16-A, mas, preliminarmente, sobre a questão levantada acerca da necessidade ou não de lei complementar? Cinco minutos nessa rodada. O SR. ROBERTO PASQUALIN (Para expor.) - Eu achei muito interessantes as colocações. Essas colocações já foram objeto de discussão nossa em grupos de estudo em que a gente tem analisado projetos de lei. Primeira questão: se é preciso lei complementar ou não para dar segurança jurídica à arbitragem em matéria tributária veiculada por lei ordinária, como é o projeto de lei do Senador Anastasia. A nosso ver, não há essa exigência de alteração do Código Tributário Nacional com relação à segurança jurídica da arbitragem tributária. Eu explico a minha visão: a Administração Pública já é parte em questões, em litígios com os particulares ou entre os próprios órgãos da Administração Pública. Existe uma câmara dentro da AGU para solução de conflitos entre órgãos públicos e até com particulares. Então, não há uma necessidade de a administração tributária ficar sujeita a um dispositivo novo no Código Tributário Nacional que preveja expressamente a arbitragem como um modo de extinção do crédito tributário. Por que isso? Porque o próprio Código Tributário Nacional, quando fala em extinção do crédito tributário, fala em sentença judicial passada em julgado. E a sentença arbitral é equiparada à sentença judicial, ou seja, a força da sentença arbitral em matéria tributária estaria já abrangida pelo dispositivo do próprio Código Tributário Nacional que traz a possibilidade de extinção do crédito por sentença judicial passada em julgado. Uma das contribuições que esse grupo de estudos está fazendo ao projeto de lei do Senador Anastasia é exatamente essa de permitir que a sentença judicial passada em julgado possa extinguir o crédito tributário, com base não só nesse dispositivo do Código Tributário Nacional, mas em dispositivos do próprio CPC. O Código de Processo Civil também admite isso. E, se houver tempo, eu posso até colocar isso na nossa projeção. Então, a primeira questão, sobre ser exigida lei complementar para que a arbitragem tributária pudesse ter segurança jurídica, em face de não estar expressamente colocada na letra do Código Tributário Nacional, parece-me desnecessária. Seria adequado? Claro que seria, mas isso é necessário? |
| R | Ao nosso ver, não é necessária a expressa referência à arbitragem tributária, porque a sentença judicial passada em julgado tem esse poder, e a sentença arbitral é equiparada à sentença judicial. Então, para todos os efeitos, não vemos essa necessidade. (Soa a campainha.) O SR. ROBERTO PASQUALIN - Esse é o primeiro aspecto. Não sei se a gente pode continuar. A outra referência, Flávio, que você colocou era: a lei complementar e...? O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Fora do microfone.) - O art. 16-A. O SR. ROBERTO PASQUALIN - É, o art. 16-A. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Fora do microfone.) - Que aspectos controvertidos o senhor veria aí? O SR. ROBERTO PASQUALIN - É, o art. 16-A é um artigo que, primeiro, admite a arbitragem tributária no sistema do contencioso. É a opção do contribuinte. A opção do contribuinte é levar o litígio tributário a um juízo arbitral. O segundo aspecto é a exigência de regulamento, quando se fala em haver uma multiplicidade de regulamentos: regulamentos que podem levar à falta de isonomia entre os diversos entes tributários, Estados que não editam um regulamento, então, não têm como aplicar a arbitragem naquele específico Estado. O que nós já fizemos, neste grupo de estudos, para analisar o projeto de lei, foi uma sugestão simples. A sugestão seria a seguinte: o regulamento da União poderia ser utilizado no caso de qualquer dos entes federativos não ter editado o seu próprio regulamento. Bom, se não editou um regulamento, o contribuinte não pode optar pela arbitragem em matéria tributária. Se o projeto de lei for aditado com essa possibilidade na ausência de um regulamento de um Município, de um Estado, de uma capital, o regulamento da União, que virá... Não vejo por que a União não colocar um regulamento em vigor, como já aconteceu na questão dos decretos dos portos, a que o Felipe já se referiu, na questão de outras áreas do Direito Administrativo, que já são objeto de decretos. Minas Gerais tem uma lei próprio do Estado sobre o litígio com a administração tributária. Eu mesmo fui árbitro, em Minas, numa câmara arbitral lá de Minas Gerais, a Camarb, numa discussão em que o aspecto tributário entre o Estado de Minas Gerais e o concessionário de rodovia era o cerne da discussão. Questão tributária: uma determinada contribuição era exigida do Estado ao concessionário... (Soa a campainha.) O SR. ROBERTO PASQUALIN - ... poderia ser tratada como um tributo, deveria ser... Essas questões é que podem surgir numa discussão, e o regulamento, ou da União, ou de cada ente federado, vai regular esse assunto. A colocação da exigência de um regulamento é, obviamente, a necessidade de o Estado consentir com a arbitragem. O particular consente, na hora em que faz a opção, e o Estado - o Estado em sentido amplo - consente na hora em que admite, por regulamento, como a arbitragem vai se processar. |
| R | O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Bem, Dr. Leonardo, alguma consideração sobre esses dois pontos? O SR. LEONARDO VARELLA GIANNETTI (Para expor.) - Sim. Inicialmente, a questão da lei complementar, isso aí, dentro do nosso grupo de estudos, também sempre foi alvo de muita discussão e preocupação. Inicialmente, sempre entendemos pela necessidade da lei complementar no caso, por se tratar de matéria que envolva o art. 146 da Constituição, matéria de norma geral do Direito Tributário. Ainda que tenhamos argumentos para justificar a sua desnecessidade, o fato é: a sua ausência pode gerar uma fragilidade na medida em que a questão passa a ser questionada desde o início. Sabemos muito bem que a arbitragem, no âmbito nacional, veio em 1996, mas ela só ganhou força e foi para frente depois que o Supremo a declarou constitucional em 2001. Então, se essa preocupação por questões formais já justifica um debate da matéria, é uma preocupação. Por outro lado, um juízo de perspectivas em termos de quais as chances de essas teses serem vencedoras no STF está algo mais pragmático. Também temos de reconhecer que há decisões do STF nesta matéria, e houve uma recente, de setembro de 2019, em que o Supremo, pelo Pleno, julgou a ADI 2405, do Rio Grande do Sul, em que reconheceu e reiterou posições anteriores de que o rol do art. 156 do CTM não é exaustivo, de modo que, se o ente público tem a competência tributária específica para tratar de determinado tributo decorrente de sua competência, então, ele também pode instituir ou prever outras formas de exclusão do crédito tributário, outras formas de extinção do crédito tributário. Então, seria viável, seria possível, via uma lei federal, seguindo essa premissa do Supremo Tribunal Federal, que uma lei federal pudesse, então, tratar da arbitragem tributária, deixando claro que ela seria uma forma de extinção do crédito tributário. Eu acredito que, pelo projeto... Tenho também a visão sua, Flávio, de que nós estamos aqui tratando no máximo de uma suspensão da execução fiscal. Se houver o depósito em juízo, o depósito por si só suspende a exigibilidade. Eu faço um parâmetro, um paralelo com os embargos. A simples propositura de embargo do devedor não suspende a execução fiscal. Teria de haver um pronunciamento do juiz para reconhecer hoje. Eu acredito num paralelo disso também no caso da arbitragem. Ou seja, o tribunal arbitral eleito teria, então, de determinar se seria ou não o caso de suspender a execução fiscal. Seria um paralelo possível na medida em que estamos tratando do quê? De uma discussão em que, em vez de eu ir para o Judiciário, eu iria para a arbitragem. Quanto à questão de outras formas, à questão da exceção de pré-executividade ou de outras garantias, no art. 16-A, a questão da exceção de pré-executividade, eu vejo assim com uma certa reserva. A exceção de pré-executividade é uma construção doutrinária e jurisprudencial cabível em situações muito particulares. Sabemos que há abusos dela na prática e que o Judiciário é rigoroso nisso. Geralmente, vemos que situações cabíveis na exceção de pré-executividade? Pagamento, prescrição, decadência, uma nulidade, algo muito fácil, visível, algo que não demande uma instrução probatória muito robusta. |
| R | Eu acredito que as exceções de pré-executividade cabíveis, em geral o Judiciário as analisa, até porque o contraditório é muito simples: vai para a Fazenda; a Fazenda se manifesta, e às vezes até aceita; outras vezes, não; e o juiz, percebendo que aquilo ali é uma demanda mais controvertida, que exige uma prova mais elaborada, não conhece, mas deixa aberto o caminho dos embargos. Então, eu acho que colocar exceção aqui não seria o melhor pelo menos nesse momento inicial. Preocupa-me a questão da garantia. Eu entendo a posição da Fazenda no sentido de ter uma melhor garantia, uma garantia de maior liquidez para, finalizando o processo arbitral, eu resolver aquilo, recuperar o crédito tributário com mais agilidade, e tudo mais. Mas, ao pensarmos a arbitragem como um meio, um novo meio, uma nova porta de acesso à Justiça ou uma maneira instrumental de tornar mais efetivo ainda o direito de ação, dar essa oportunidade apenas àqueles que tenham dinheiro ou condições financeiras de arcar com os custos de uma garantia, de uma apólice de seguro ou de uma carta de fiança, eu acho que isso pode ser desproporcional, isso pode gerar algum conflito. Eu vejo isso com um pouco de reservas. Não vou ser categórico e dizer que seria inconstitucional. Mas é algo que me incomoda um pouco. Da mesma forma, no art. 41-T fala-se da ação anulatória, que seria precedida, então, de depósito ou outra forma de garantia, carta de fiança ou apólice de seguro, como possibilidade de se substituir a ação anulatória pela arbitragem. Sabemos bem que o Supremo Tribunal Federal, muitos anos atrás, editou a Súmula Vinculante 28, que entendeu que depósitos ou esses tipos de depósitos ou garantias não podem impedir o acesso ao Judiciário. O STF também deixa claro que, no que diz respeito aos embargos de execução, é um outro regime. Então, os embargos devem, sim, serem precedidos de garantia. E essa súmula vinculante não afeta. Porém, ao substituirmos a ação anulatória por um procedimento arbitral, será que não teríamos que usar a mesma premissa? (Soa a campainha.) O SR. LEONARDO VARELLA GIANNETTI - Então, esse também é um ponto que me preocupa. Mas é algo que muitas vezes tem que ser debatido e não acho que seja um ponto que gere uma ilegitimidade do sistema. Pode ser que haja algum litígio, mas que não vai colocar em xeque a arbitragem, ela não vai ser declarada inconstitucional, não vai impedir isso. São essas as considerações. Obrigado. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Perfeito. Prof. Felipe. O SR. FELIPE FAIWICHOW ESTEFAM (Para expor.) - Eu, primeiramente, parabenizo todos os palestrantes pelas observações muito profundas e importantes. Sobre o art. 16-G, que foi objeto de questionamento... O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - O 16-A. O SR. FELIPE FAIWICHOW ESTEFAM - Não, o G, que fala sobre a sentença, que diz que a sentença produz, para o executado optante e para a Fazenda Pública, os mesmos efeitos de sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. Eu me inclino na mesma linha do Dr. Roberto, porque na verdade a pergunta que nós precisamos fazer para entender um pouco mais das razões expostas pelo Dr. Roberto e também o motivo pelo qual eu concordo com ele é o que é a arbitragem. A arbitragem é um contrato, mas a sua finalidade é uma finalidade jurisdicional. Portanto, estou falando em processos, e não em direito material em si. |
| R | Apontando o dedo mais uma vez para o ordenamento jurídico, porque é esse o objeto de nós estudiosos do Direito, nós olhamos o art. 515, VII, do CPC, que diz que a sentença arbitral é título executivo judicial. Portanto, ter esse art. 16, na forma colocada nesse projeto de lei, não vulnera, não atropela em nada o CTN. Ainda mais que, como lembrou o Dr. Roberto, o CTN fala em extinção com sentença judicial e uma interpretação de sentença judicial, em um ambiente em que a arbitragem é uma possibilidade, e nós entendemos também como sentença arbitral. Acho, portanto, que não há essa necessidade de lei complementar. Pode ser adequada, como foi dito, mas não vejo como uma necessidade e não vejo como um risco jurídico. O segundo ponto, muito interessante, colocado pelo professor a respeito do 16-A, acho que é um tema que na verdade toca um assunto bem delicado na esfera do Direito Público, que é a quantidade de poderes que um árbitro pode assumir naquele sentido de arbitrability que os norte-americanos utilizam, e também uma delimitação temática sobre o que pode ser levado para a arbitragem, o subject matter. É um ponto, também, que foi falado pelo professor, e eu acho que cabe muito a discussão quando se trata sobre esse art. 16. Também foi falado sobre a possibilidade de se aproveitar um regulamento federal, e mesmo se é necessário ou não um regulamento. Primeiramente sobre o regulamento. Eu, apontando o dedo, mais uma vez, para o ordenamento jurídico, que é o que nós precisamos fazer para entender melhor esses debates, chamo a atenção para o art. 30 da Lindb, alterada pela Lei 13.655, de 2018, que diz que as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Esse dispositivo é muito importante na realidade do Direito Público atual porque a Administração Pública é polifacética, é heterônoma, muda de um lugar para o outro. Um regulamento vem justamente trazer padrões de comportamento, vem uniformizar o entendimento específico de uma Administração Pública a respeito de como essa lei será cumprida. Portanto, acredito que um regulamento é, sim, importante para fins de aplicação da lei. E acho também que a lei não precisa ser tão descritiva e detalhada, sob pena de atrapalhar o dinamismo necessário na esfera da aplicação da norma jurídico-tributária. Havendo ausência de regulamento, acho que a proposta que foi colocada de aproveitamento de um regulamento da União até a edição do regulamento do ente não atrapalha em nada. Pelo contrário, estimula a aplicação do projeto de lei. Inclino-me, portanto, à ideia de que haja regulamento e à ideia de que, se não houver um regulamento em algum ente, seja aproveitado esse regulamento da União. Agora, sobre questões de arbitrabilidade, que foi o tema que eu coloquei inicialmente, não vejo a necessidade de se ingressar em tantos detalhes na esfera da legislação. |
| R | (Soa a campainha.) O SR. FELIPE FAIWICHOW ESTEFAM - Na Espanha, por exemplo, colocou-se muito especificamente na esfera da lei o que era arbitrabilidade. Hoje em dia, não funciona muito bem a arbitragem no que tange a conflitos administrativos. Acho que essa experiência é importante para que nós não repitamos esse erro. Portanto, um regulamento pode fazer essas delimitações, seja de alçada, como foi sugerido, seja de matérias. Sobre o momento da arbitragem, eu concordo também com a exposição aqui colocada sobre o fato de que, quanto mais cedo a arbitragem for instaurada, melhor. Ou melhor, quando não houver conflito ainda, é melhor que as partes já acordem uma possibilidade de arbitragem futura, porque acordar no calor dos problemas é muito mais difícil. Mas, como o projeto propõe já num ambiente de contencioso, eu, em princípio, não vejo problemas em exigir uma garantia com mais liquidez - isso numa perspectiva mais fazendária - e vejo também uma desnecessidade de prever essa arbitragem num cenário de exceção de pré-executividade. Portanto, acho que, nesses termos, o projeto andou muito bem. Obrigado. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Para expor.) - Bem, Dr. Mário, algumas considerações sobre a polêmica que o senhor suscitou estão aí colocadas. Eu até imaginei que a Administração fazendária adere, na medida em que edita um decreto, e aí, só porque ela perde, vem aduzir: "Não; então, não tem, porque aí precisaria de lei complementar". Isso me pareceria até contraditório à luz dos princípios até da Administração Pública, para além dos argumentos que foram aduzidos. Mas gostaríamos de ouvi-lo mais sobre isso e sobre os demais apontamentos que fizemos. O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI (Para expor.) - Bom, alguma dessas duas questões, aliás, as duas eu suscitei aqui como reflexões. O primeiro ponto, que é essa relação com a necessidade ou não de uma lei complementar, eu caminho no sentido de ver um risco jurídico, sim, aí. E eu vejo um risco jurídico porque o que a nossa legislação infraconstitucional fez foi equiparar os efeitos da sentença arbitral a uma sentença judicial, mas não foi equiparar a sentença arbitral à sentença judicial. A sentença arbitral não é uma sentença judicial. Os seus efeitos são os mesmos. Aí podemos argumentar que estamos tratando aqui de processo. Sim, ela vai suspender o processo, vai ter efeitos no processo. Não é isso! A sentença arbitral produzida lá no juízo arbitral encerra o litígio. Não vai precisa levar essa sentença para o juiz da execução fiscal paralisada homologar. Então, a partir do momento em que se levou a questão para o juízo arbitral, acabou a questão de se dizer que o Poder Judiciário tem ali alguma interferência, a não ser, futuramente, na questão dos vícios que podem ocorrer e gerar a tal da nulidade. Então, nesse sentido e tomando a necessidade que o art. 146 da Constituição estabelece, que as formas de extinção de crédito tributário são normas gerais e, para essas normas gerais, é exigida a edição de lei complementar, então, seria, num primeiro momento, um vício formal. Aí, você pode trabalhar com a construção dessa tese. |
| R | Então, já é uma questão no nível da interpretação. Você dizer: "Olha, mas as normas gerais que hoje estão em vigor, o art. 156 do CTN, estabelecem que a sentença judicial põe fim ao crédito". Põe, mas está dito lá a sentença judicial, não está dito sentença arbitral. Poderíamos dizer: "Mas o nosso ordenamento jurídico equipara". Não, ele não equipara a sentença judicial a uma sentença arbitral. Ele equipara os seus efeitos e ele não estabelece ali que a sentença arbitral é a mesma. E qual é o sentido de exigir uma lei complementar? O sentido não é o sentido da Constituição. Aquela matéria, principalmente, está tratando ali de segurança jurídica para ambos os lados, tanto para o lado do contribuinte, quanto para o âmbito da Fazenda Pública, e essas medidas, que são gerais, tributárias, têm aplicabilidade em todos os entes da Federação, não apenas na União, nos Estados, no Distrito Federal ou nos Municípios. Então, se você traz a possibilidade de uma lei ordinária equiparar os institutos, e aí está sanado o problema da lei complementar, algum Estado, por meio de lei estadual, pode equiparar algum instituto, alguma lei da União ou lei federal pode equiparar outro instituto, para o que, em tese, seria exigida uma lei complementar. Então, é um perigo, é um risco jurídico. Eu não deixo de ver um risco jurídico em não se alterar o 156 do CTN para incluir ali a sentença arbitral como uma das formas de extinção do crédito tributário, até porque, volto a dizer, o projeto aqui em andamento, em que pese tratar das medidas de execução da dívida ativa, quando por opção do contribuinte, do devedor executado, ele leva para o ambiente arbitral, acabou a esfera judiciária. Não vai voltar a questão mais, não vai ter que haver uma homologação em juízo. (Soa a campainha.) O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI - E, caminhando para o final, sobre a questão do art. 16-A, acho que foi questionado, colocado aí para discussão, eu entendo que é plenamente recomendável que se mantenha a exigência de garantia do juízo para se acessar o juízo arbitral, porque, primeiro, você estará dando a possibilidade de o devedor levar uma discussão para um juízo arbitral, que é uma câmara privada, segundo, porque não se tem uma garantia de como serão esses regulamentos. Vários Estados poderão regulamentar de forma diversa, e como será a escolha desses árbitros? Então, é preciso que haja um mínimo de liquidez e garantia do crédito público que será colocado nas mãos de um particular para decidir. Nesse sentido, eu acho que é plenamente recomendável a manutenção de que haja a garantia da execução fiscal pelas formas aí que estão elencadas para poder acessar o juízo arbitral. Acabou o tempo? O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Fora do microfone.) - Eu aumentei. Pode continuar. O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI - Caminhando aí nesse sentido também, eu vejo um único ponto aí na questão da regulamentação por meio da União, que é a eventual discussão sobre o tal do pacto federativo. |
| R | Eu aventei a possibilidade até de que isso fosse feito de uma forma, mas é possível pensar o seguinte, como até o professor disse: a regulamentação - e aí não está dizendo se é lei, se é decreto, se é portaria, se é instrução normativa, não há especificação - é a adesão do ente público - então é a sua manifestação de vontade - naquela convenção de arbitragem. Então, é a sua adesão, como se, então, estivesse ali confirmando o compromisso arbitral. Como poderia a União, supletiva ou tacitamente, dizer que o Estado de São Paulo, ou de Minas Gerais, ou do Maranhão, ou do Piauí, de onde seja, tomou a decisão por mim? E envolve recursos públicos, envolve receita pública. Então, nesse sentido, há uma preocupação de você colocar essa regulamentação supletiva. De outro lado, se você deixar a regulamentação de forma aberta para cada Estado fazer a sua, você também pode gerar o problema da isonomia. Talvez colocar aqui no projeto de lei ou num outro dispositivo ou num parágrafo, estabelecendo, pelo menos, alguns requisitos básicos que a regulamentação deveria observar de forma uniforme por todos os entes. Em que pese aqui não ser uma lei complementar... (Soa a campainha.) O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI - ... mas seria recomendável uma disposição nesse sentido. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Prof. Flávio Jardim, que antes participou também dos debates conosco, poderia falar? O SR. FLÁVIO JAIME DE MORAES JARDIM (Para expor.) - Exmo. Sr. Senador Antonio Anastasia, mais uma vez muito obrigado pelo convite de comparecer a esta Comissão. É um imenso prazer debater esse projeto. Eu tive oportunidade de conversar, algumas vezes, com o senhor e com a sua brilhante assessoria. Agradeço demais a oportunidade e à Mesa também. O debate tem sido riquíssimo. A gente sempre conversa que um projeto nasce, tem que evoluir, e a evolução se dá aqui no Senado Federal. Então, a participação da sociedade em peso só aprimora, a meu ver, o texto, pelo menos é isso que eu sempre escuto do Senador Antonio Anastasia e dos demais Parlamentares com quem sempre tenho a possibilidade de conversar. Bom, eu vou direto ao ponto. De fato, em relação a esse ponto da lei complementar que tem sido mencionado, eu até coaduno, primeiro, com essa manifestação que o Prof. Flávio Unes fez em relação a uma postura eminentemente contraditória. Vamos imaginar: quem teria o interesse em questionar o eventual laudo arbitral para impedir a extinção do crédito tributário? Seria o próprio ente público, ele teria interesse no sentido processual mesmo. O ajuizamento de uma demanda partiria do próprio ente público. E o ente público, então, já editou um decreto submetendo à possibilidade de arbitrar aquela disputa. Ele tem a possibilidade de fazê-lo. Ele tem essa possibilidade de manifestar a vontade. E a lei ordinária dá para ele esse poder de optar pela arbitragem na forma como o regulamento que ele editou dispuser. E o ente público, depois, questionaria se era necessário ou não uma lei complementar. Nós lembramos que isso é uma matéria processual. Quem tem no País a competência para legislar sobre processo é a União. Então, assim, acho que a preocupação do Prof. Mário é, de fato, relevante na medida em que poderia haver outras, vamos dizer assim, tentativas em outras searas do Direito para equiparar institutos, mas esse não é o caso. Aqui seria uma questão de lei ordinária federal que deveria disciplinar. Não poderia um Estado ou um Município editar uma lei equiparando a efeitos de sentença judicial. A meu ver, essa lei, aí sim, seria incontestavelmente inconstitucional. |
| R | Mas aqui também há uma repetição da própria Lei de Arbitragem. A Lei de Arbitragem hoje prevê essa equiparação de efeitos da sentença arbitral. É uma lei também, e eu não consigo, tentei até imaginar situações em que poderia haver uma previsão de lei complementar e que hoje tenha sido decidido em arbitragem, mas eu acho difícil a gente verificar uma situação como essa, até porque a parte na verdade teria aí uma contradição com o ato que ela praticou lá atrás, o ato de vontade de ter aderido à arbitragem. Talvez por um excesso de cautela... Mas a meu ver também o que define o que é sentença arbitral ou não é a lei processual, também de natureza ordinária. Então, enfim, esse é um debate relevante de ser mantido aqui no Senado, acho que é o momento atual, mas eu não considero que seja um debate que vai ecoar assim que a lei for aprovada, num sentido ou no outro. Eu acho que as partes e o próprio ente público terão poucos argumentos sustentáveis, e nós sabemos que a questão da mera incompatibilidade formal de uma lei é algo que hoje é também avaliada com bastante cuidado pelo Judiciário. Então, a própria prática de atos mostrando qual foi o comportamento do ente público na medida em que ele aderiu à sistemática da lei... E essa adesão é facultativa, ele não é obrigado a arbitrar. Ele pode simplesmente optar por manter hoje as temáticas que ele faz, que é litigar toda a parte de contencioso tributário dele no Poder Judiciário. Quer dizer, ele aderiu a isso. Ele vai editar um decreto, e o Senador Antonio Anastasia sempre mencionava a preocupação federativa que ele sempre teve, em toda a sua carreira política, de deixar isso aqui como uma opção. Então, o Município que quiser, o Estado que quiser, a própria União vai aderir mediante edição do decreto. Então, esse é um ponto-chave sim. Inclusive com o Dr. Leonardo, na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, isso foi debatido também. É um ponto que vem sempre surgindo. E tal qual o Prof. Roberto Pasqualin mencionou, eu tendo a aderir às razões dele nesse ponto. Segundo: a questão do regulamento. Acho que a forma como um ente público adere a essa sistemática é via um decreto, mais uma vez, optativo. E até, após a edição da lei, talvez nós vejamos um comportamento interessante. Alguns Estados possivelmente pensarão: "Olha, aqui no meu Estado o Judiciário está um pouco demorado, isso tem sido um fator impeditivo de atração de investimentos, vou abrir a possibilidade da arbitragem em certos casos". Também ele pode editar um decreto aderindo à arbitragem em alguns pontos ou não. Isso tudo a gente vai verificar no momento em que a lei passar a produzir esses efeitos. E talvez esse Estado ou esse Município passe a ter até mais atrativo por oferecer segurança jurídica em relação ao Município ou Estado vizinho. Então, de fato, a arbitragem, como nós sabemos, no âmbito empresarial, tem sido um meio de desburocratizar soluções, tem sido um meio que tem trazido segurança jurídica. E eu acredito que, no âmbito do Judiciário, no âmbito do Poder Público e na seara tributária, isso também pode ser uma realidade que o tempo vai nos dizer se se concretiza ou não. E em relação às garantias, por óbvio, todos nós, e imagino até os especialistas em arbitragem, tendem a acreditar que o procedimento arbitral é um procedimento para resolver o problema. Então, também ser um mero procedimento para julgar embargos de execução e depois a execução persistir no Judiciário, sem solucionar o problema, em uma busca incessante de bens, como a gente verifica hoje, não parece algo que vá atrair, a meu ver, a Fazenda Pública para o assunto. |
| R | A Fazenda Pública ganha aqui, tal como o particular, expertise e celeridade. Então, a celeridade é: "Bom, já que eu vou ter que me submeter a um procedimento arbitral, vou, inclusive, nas minhas rotinas internas...". Sabemos dos problemas que os Municípios e os Estados têm hoje no quantitativo de procuradores, de servidores. Isso aqui é algo que foge da rotina interna da Fazenda Pública, das procuradorias. Elas terão que alocar procuradores para comparecerem, e esse é um procedimento que terá um cuidado especial, para, depois, não surtir nenhum efeito concreto na recuperabilidade do crédito. Acho que seria bastante desincentivador que a Fazenda Pública aderisse. O Prof. Leonardo é um defensor da arbitragem, reconhece a arbitragem não só como meio de resolver problemas de volume, mas também um meio de oferecer alternativa ao jurisdicionado de solução de conflitos - e, nesse ponto, ele tem toda a razão. A meu ver, para um início de conversa, talvez esse modelo seja um pouco mais adequado, porque nós sabemos também que, hoje em dia, qual é a realidade? Aquele cidadão mais pobre, que está sendo cobrado, tem a possibilidade de acessar muitas vezes o juizado especial, que tem um procedimento que sequer precisa de advogado, é primeira instância e também não há custos. Enfim, não se está de forma alguma fechando a porta ao cidadão para o acesso à Justiça; na verdade, está-se criando um meio alternativo para que as partes que tenham o interesse em resolver de forma mais rápida, célere... Algo que também não acontece muito, os juizados tendem a ser céleres. Eu não conheço qual é a realidade do País inteiro; eu conheço a realidade do Distrito Federal. No Distrito Federal, existem quatro juizados da Fazenda Pública e o que nós ouvimos é que fornecem uma boa prestação jurisdicional ao cidadão e que justamente esses casos de menor valor é que são tratados por esses magistrados. São esses os argumentos, Prof. Flávio. Eu agradeço a possibilidade de me manifestar e também estou aberto a qualquer diálogo se a Mesa entender pertinente. Muito obrigado. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Obrigado, Prof. Flávio. Acerca do tema da segurança jurídica, eu passaria para o art. 16-F, que já foi mencionado aqui. Quais seriam os riscos à segurança jurídica, considerando a possibilidade de se pleitear ao órgão do Poder Judiciário a declaração de nulidade da sentença arbitral na forma como o dispositivo 16-F do substitutivo foi colocado? Eu perguntaria, então, ao Dr. Roberto, qual seria a sua avaliação sobre isso e sobre o eventual aprimoramento do texto? O SR. ROBERTO PASQUALIN (Para expor.) - Flávio, eu quero registrar aqui uma posição institucional da arbitragem. A redação do 16-F prevê a nulidade de uma decisão arbitral quando contrarie decisões vinculantes, seria a anulação da decisão arbitral pelo Judiciário. E um dos pilares do instituto da arbitragem é que a sentença arbitral não tenha o seu mérito revisto pelo Poder Judiciário. |
| R | Então, a possibilidade de levar ao Judiciário uma questão de violação pela sentença arbitral de precedentes vinculantes contraria frontalmente a separação entre o juízo arbitral escolhido pelas partes, com a sentença final definitiva, não sujeita a recurso. Contraria esse princípio levar ao Judiciário a invocação de uma violação a um precedente vinculante. Essa norma de nulidade não está na Lei de Arbitragem em primeiro lugar. O art. 32 da Lei de Arbitragem tem um rol de situações em que a anulação da sentença pode acontecer: vício, erro, enfim, questões procedimentais, não de mérito - mérito não é discutido em questão de anulação de uma sentença arbitral. A proposta que este nosso grupo de estudos imaginou: alterar a redação do art. 16-F, mantendo a situação de eventual violação a precedentes vinculantes ser revista a pedido de uma das partes, como está no dispositivo, mas ser revista pelo próprio tribunal arbitral que deu a decisão em desatenção, vamos dizer, a um precedente vinculante. Vamos imaginar uma situação concreta: a sentença arbitral não respeitou um precedente vinculante. A parte faz um pedido de esclarecimento. O pedido de esclarecimento é dirigido ao próprio tribunal, com argumentos que não tenham sido debatidos na sentença arbitral ou suficientemente debatidos na sentença arbitral, em relação ao precedente vinculante. O tribunal, o próprio tribunal, no caso concreto, pode rever aquela decisão anterior e pode aderir ao precedente vinculante, ou não. No próprio pedido de esclarecimento, ele pode não aderir; ele pode manter a decisão anterior. Ou, na primeira sentença... (Soa a campainha.) O SR. ROBERTO PASQUALIN - ... não houve uma violação a um precedente vinculante, porque ele não foi sequer aventado antes, mas ele vem a ser aventado no pedido de esclarecimento, que é o único recurso que há dentro do procedimento arbitral para uma revisão da sentença. Muito bem, no pedido de esclarecimento feito a respeito de outra matéria que não a da sentença de mérito, nesse pedido de esclarecimento, também pode acontecer uma contrariedade a uma súmula vinculante. Muito bem, caberia, então, um segundo pedido de esclarecimento para tratar apenas da vinculação ao precedente. O tribunal pode aceitar, pode não aceitar. |
| R | Aí a parte que invocou a questão da violação ao precedente terá, no caso concreto, a possibilidade de discutir essa questão no Judiciário, mas, na norma do 16-F, ao apresentar aqui, toda vez em que houver uma violação a precedente judicial, a causa de nulidade a ser resolvida diretamente pelo Judiciário, nós destruímos, vamos dizer assim, a desvinculação da questão de mérito, que, na arbitragem, é exclusivamente decidida pelo tribunal arbitral e que não pode ser, dentro do sistema processual da arbitragem, revista pelo Poder Judiciário. Esse é o acordo de vontades de quem vai para a arbitragem. A revisão pelo Judiciário não pode envolver o mérito. Essa é a sugestão que a gente faz para uma nova redação do art. 16-F, Prof. Flávio, deixando a revisão da questão da violação ao precedente para o próprio tribunal que deu a decisão anterior. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Perfeito. Dr. Leonardo, considerando que as decisões do Supremo têm efeito vinculante, algumas com previsão constitucional, como a repercussão geral, como compatibilizar isso com a ponderação do Dr. Roberto? O SR. LEONARDO VARELLA GIANNETTI (Para expor.) - Esse tema é muito sensível. Eu entendo a reflexão do Dr. Roberto. Eu acho que é a especificidade do Direito Tributário, que envolve ali a aplicação isonômica do Direito, a preocupação com a livre concorrência e neutralidade, na medida em que a questão tributária é muito sensível a esses pontos. Lembro um precedente do STF numa medida cautelar, no caso da American Virginia, em que ele reconhece que a prática fraudulenta ou a inadimplência recorrida de um determinado contribuinte do setor de cigarros levou até o STF a legitimar uma situação política de cancelamento do registro, ou seja, a questão tributária por trás do tema da livre concorrência era tão relevante que chegou ao ponto de impedir o exercício da atividade de uma empresa. É uma situação muito pontual, muito característica desse caso, mas mostra a importância da questão tributária. Nós sabemos muito bem que toda essa evolução do Código de Processo Civil, para termos aí um regime de precedentes vinculantes, é justamente buscando evitar essa loteria. Então, preocupa-me muito um contribuinte ou a Fazenda Pública perder uma causa, uma demanda, sendo que o Supremo já manifestou em repercussão geral ou o STJ em recurso repetitivo determinada tese jurídica. Então, eu acredito que teria que ser vinculante ao árbitro, sim, para matéria tributária, de modo que toda a teoria geral do Direito Arbitral não fosse contaminada com essa situação. O que eu tenho dúvida é se seria o caso aqui, poderíamos dizer, da causa madura, ou seja, reconhecendo que o tribunal arbitral desconsiderou a tese fixada em recurso repetitivo ou em repercussão geral ou uma súmula vinculante, caberia a ele apenas anular e voltar o tema para o tribunal arbitral julgar a causa ou ele já poderia entrar no mérito? Nisso aí eu concordo com o Dr. Roberto. Realmente não sei até que ponto devemos legitimar o Judiciário ao entrar no mérito e julgar o tema. A princípio, eu penso que seria melhor voltar para o tribunal arbitral, até porque pode haver outras situações lá em discussão. |
| R | Imaginemos aqui que, realmente, o argumento principal do contribuinte seja uma tese fixada em recurso repetitivo que o tribunal arbitral entendeu que não se aplicava, mas ele tinha outros temas lá. Eventualmente, pode ser uma situação em que seja necessário ir e voltar. Eu tenho um pouco de receio de já legitimar o Judiciário a julgar a causa, entendeu? Então, eu acho que, talvez, possa ser como ocorre com a arbitragem normalmente: se há um vício procedimental, se o tribunal arbitral analisou errado a prova, se houve violação do contraditório, anula-se a sentença arbitral e volta para o tribunal arbitral julgar a questão de novo. Eu acho que seria melhor. Isso porque, acredito eu, seriam situações excepcionais. Não acredito que isso iria ocorrer com frequência. O que me preocupa aqui - aí é uma situação que talvez tenha de ser definida ou no compromisso arbitral, ou no regulamento, e não sei se a lei pode entrar, porque, senão, começa a haver muitas nuances, muitas particularidades - é o Supremo reconhecer a matéria que tem repercussão geral e ordenar a suspensão dos processos. Aí, fica indefinido; não sabemos quando isso vai ter; e, aí, a arbitragem fica naquela coisa... Também acho que serão situações excepcionais, mas que podem vir a ocorrer. Ou, então, é: reconheceu a repercussão geral, tudo bem, mas o árbitro é livre para julgar da forma como ele bem entender. (Soa a campainha.) O SR. LEONARDO VARELLA GIANNETTI (Para expor.) - Se a tese for fixada no futuro, paciência. Eu acho que também não podemos ficar aqui pensando em ação rescisória nem em nada disso, porque, senão, vai distorcer completamente o instituto da arbitragem. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Para expor.) - Relativamente à questão do pedido de esclarecimento, talvez seja realmente interessante, mas sobre a impossibilidade de o Judiciário se manifestar em tais situações, realmente, a arbitragem aqui é de direito e os interesses envolvidos poderiam dificultar um pouco esse tipo de limitação. Mas eu me lembrei de que, com relação à possibilidade de o Judiciário avançar e já decidir, uma vez admitida essa possibilidade, e não devolver, no âmbito do controle dos atos administrativos, há uma certa discussão sobre isso em relação aos atos tidos como discricionários. Se naquilo que é balizado por lei o Judiciário provocado reconhece um vício, ele pode avançar e já analisar a questão de mérito, que seria o mérito administrativo, ou não? Em alguns precedentes interessantes, parece-me que o Judiciário, no STJ, quando não se tratava de ato discricionário, de ato vinculado, de matéria exclusivamente de direito portanto, mutatis mutandis - e é isso que eu quero comparar -, avançava e decidia. É claro que um caso concreto pode ter uma complexidade ou a própria instrução do processo judicial pode impedir esse avanço, mas, aí, na própria decisão judicial, isso será colocado e justificado porque se declina para o juízo arbitral novamente. Mas, se a matéria é exclusivamente de direito, entendo meio contraditório devolver isso ao juízo arbitral. Mas, enfim, Prof. Felipe, o que o senhor tem a nos dizer? O SR. FELIPE FAIWICHOW ESTEFAM (Para expor.) - A interação entre Judiciário e arbitragem é muito discutida na doutrina. Na prática mesmo, pode haver diversos problemas. O modo como eu costumo colocar isso é analisando as correntes que se firmaram a respeito do assunto. De um lado, nós temos a corrente minimalista sobre o controle judicial; de outro lado, nós temos a corrente maximalista. Nas arbitragens internacionais, fala-se em full flat review, quando essa revisão é mais extensa; e em full judicial deference, quando é quase um controle a zero. Apontando o dedo para o nosso ordenamento jurídico, olhando o art. 32, olhando o art. 33, parece que o controle judicial deve ser pontual. |
| R | Não há uma reanálise do mérito, porque quem assume a jurisdição, por força do princípio da competência-competência, é o próprio árbitro. Portanto, parece-me que esses artigos que regulam as arbitragens no Brasil e as arbitragens envolvendo a Administração Pública ainda merecem respeito e ainda merecem prosperar. Mas isso não impede que o art. 16-F aprofunde os instrumentos jurídicos que concretizam a legalidade. Eu falo isso porque súmula vinculante, conforme o art. 103-A da Constituição, é um dos instrumentos a que a Administração Pública deve respeito. Eu falo Administração Pública, embora nós estejamos em um ambiente arbitral, porque, toda vez que a Administração Pública integra um dos polos da relação, atrai-se o regime jurídico administrativo, o regime jurídico tributário. E, nesse sentido, o respeito a súmulas vinculantes é obrigatório por parte dos árbitros. Mas, como muito bem colocado aqui, nós não podemos nos esquecer de que o nosso sistema jurídico é muito complexo, envolve princípios, regras, valores, fins públicos, de tal modo que o árbitro, ao fazer a sua ponderação, pode preferir aplicar ao caso concreto, lógico que com justificativa suficiente, mas conforme o seu convencimento, outro dispositivo diferente daquilo que aquela súmula vinculante eventualmente diga. Portanto, essa liberdade, esse livre convencimento do árbitro deve ser preservado e, se houver algum questionamento por parte das partes, que se faça via pedido de esclarecimento. A jurisdição ainda permanece na esfera arbitral nesse momento processual. Portanto, acredito que se deve ainda mais preservar o princípio da competência-competência, algo que, inclusive, veio enaltecido pela Lei nº 13.129 ao revogar o art. 25 da lei, e preservar também o entendimento de que o controle posterior da arbitragem é sempre feito pontualmente. Acho, portanto, que esse art. 16-F não atrapalha essa sistemática. Eu confesso, porém, que a primeira leitura que eu fiz - e, inclusive, conversei com alguns colegas - foi a de que parecia que o controle judicial posterior havia sido estendido a ponto de adentrar no mérito. Mas, após uma leitura um pouco mais detalhada, pareceu-me que não é essa a intenção. Portanto, eu acho que a redação pode ter algumas alterações, mas o seu espírito pode ser preservado, desde que se mantenha essa sistemática de que o Judiciário não revisa o mérito, mas ele pontualmente analisa algumas questões que possam ser relacionadas à arbitrabilidade, a problemas quanto aos poderes dos árbitros e questões já tratadas pontualmente nos arts. 32 e 33 da Lei de Arbitragem. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Dr. Mário. O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI (Para expor.) - Bom, aqui, eu também tenho a leitura de que esse dispositivo 16-F está ampliando o rol do art. 32 para essa hipótese específica aqui da transação dentro da execução fiscal e, portanto, traz por consequência que se vão seguir os procedimentos que estão lá no art. 33 e seguintes. |
| R | Nesse ponto, parece que a apreciação do Judiciário vai ser o que ele já faz nos processos judiciais, o Código de Processo Civil tem essa disposição também. Então, ele vai fazer um cara-crachá de tese. A tese que foi fixada na súmula vinculante foi essa. A decisão arbitral é contrária a essa tese? Então, no caso, o Judiciário, no meu entender, não poderia ingressar ali no mérito do juízo arbitral do que foi discutido, mas ele vai verificar se a tese é ou não a mesma. E, se não for, ele vai determinar a nulidade. Agora, eu tenho... O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Fora do microfone.) - Manda voltar lá para fazer... O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI - Como? O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Manda retornar? O SR. MÁRIO AUGUSTO CARBONI - Quando você vai submeter isso a um procedimento de nulidade, traz por consequência o art. 33. Então, quem vai decidir isso é o Poder Judiciário. É uma ampliação do rol do art. 32, e o art. 32 traz as causas de nulidade da sentença arbitral. Não há essa lá; então, essa aqui está ampliando, claro, por uma hipótese específica que é essa aqui tratada no PL nº 4257. Todavia, aquelas causas do art. 32 levam a uma consequência, que é observar o procedimento do art. 33, e o art. 33 diz que é o Poder Judiciário que vai dar a nulidade. Então, na realidade, essa causa vai ser apreciada pelo Poder Judiciário, só que no sentido, como eu disse aqui, de avaliar a questão da tese, da cara-crachá da tese: essa tese adotada na sentença arbitral contraria ou não a tese que está lá na súmula vinculante, no recurso extraordinário com repercussão geral, na ADI? Então, é fixação de teses. Agora, eu teria uma sugestão, até indo na linha do que eu expus como preocupações no início. É de que se traga um dispositivo que determinasse, se não limites de alçada, mas, nos limites materiais, que à sentença arbitral ou ao juízo arbitral é vedado... Então, você faz no sentido contrário: você não dá a abertura de questionar isso em juízo; você já veda. "Olha, a você, juízo arbitral, é vedado, nessa arbitragem aqui, que é de direito, decidir contrariamente a tese fixada em súmula vinculante, ADI, repercussão geral, recurso repetitivo". Então, você traria isso nesse projeto, nesse dispositivo 16-F. Em vez de colocar que isso é uma causa de nulidade, você não coloca isso como causa de nulidade, mas um dispositivo que veda a que o juízo arbitral profira decisões com base em matérias que já foram objeto de fixação de tese pelo Supremo nesse sentido. Essa seria uma forma de você não criar mais uma hipótese de levar ao questionamento do Poder Judiciário. Claro que daí pode advir depois aquela questão de você alegar a superveniência de uma repercussão geral... Mas a isso está todo mundo sujeito, inclusive as decisões judiciais. Mas seria uma sugestão, talvez, para não se criar mais uma hipótese de nulidade de uma sentença arbitral nesse campo aqui. Acho que era isso. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Bem, indo ao final deste primeiro painel, eu queria agora trazer aqui as participações, já agradecendo muito, daqueles que nos acompanham pela TV Senado e pela internet. Primeiramente, trago aqui o comentário da Sra. Clarissa Saturnino, do Estado do Ceará, que diz o seguinte: "Muitas demandas cíveis, como divórcio consensual, já não necessitam de processo judicial. Muito positivo também isso no Direito Tributário". |
| R | Então, agradecemos o comentário da Sra. Clarissa. Com essas indagações colocadas aqui para o painel um, o Sr. Leandro Souza, do Distrito Federal, fez a seguinte pergunta, que eu vou tomar a liberdade de dirigir ao Dr. Roberto Pasqualin, para que ele faça a gentileza de respondê-la: "Por que não permitir dar qualquer bem penhorável como garantia para arbitragem, visando tornar acessível aos pequenos devedores essa modalidade?". Qual a sua opinião, Prof. Roberto? O SR. ROBERTO PASQUALIN (Para expor.) - A questão das pequenas discussões em matéria tributária, Senador Anastasia, me parece ser a preocupação inicial de que já se falou aqui hoje: o custo da arbitragem é um custo elevado; a forma de exigir a garantia prévia pode inviabilizar a própria opção do contribuinte, que lhe é assegurada pelo projeto de lei; a restrição às garantias que a lei exige pode ser um fator impeditivo de aplicação da arbitragem a causas de menor valor econômico. A escolha de outros bens que possam garantir a execução ao final de um procedimento arbitral, a penhora de bens outros que não o depósito em dinheiro, que não o seguro-fiança, que não as garantias previstas no projeto de lei, a meu ver é possível para causas de menor valor, mas isso é uma alternativa que eu não vejo que venha a ter grande aplicabilidade, porque causas de menor valor podem muito bem ser resolvidas não necessariamente pela arbitragem. Podem ser resolvidas por transação: acabamos de ter uma medida provisória estabelecendo isso. Podem ser resolvidas até por mediação: a Lei 13.140 dá essa abertura, ainda que não especificadamente, como a MP 899 faz. Não vejo, do ponto de vista prático, em causas de menor valor, se se pudesse substituir a garantia prevista no projeto de lei por uma penhora de um bem de outra natureza... O que eu vejo é que a arbitragem em matéria tributária não deve ser uma panaceia para todas as questões de execuções fiscais ou outras matérias que possam ser incluídas dentro do rol das arbitragens em matéria tributária. As outras portas para solução de conflitos consensuais fora do Judiciário podem e devem ser estimuladas e já são estimuladas pela própria iniciativa da administração tributária. Esse congresso que nós tivemos em São Paulo há poucos dias reuniu a administração tributária federal, a administração tributária do Estado de São Paulo, do Município de São Paulo, todos incentivando a solução consensual extrajudicial de conflitos, de litígios em matéria tributária. Esse, a meu ver, é o caminho multiportas a que o Dr. Felipe se referiu anteriormente para o contencioso tributário. Não se afasta o Judiciário, não se afasta o contencioso administrativo; abrem-se portas alternativas, entre elas a arbitragem. |
| R | A arbitragem, como na arbitragem comercial se faz, normalmente se destina a questões mais complexas, de valor econômico mais relevantes, que justificam uma solução mais rápida a um custo mais alto de processamento. Já as questões de pequenas causas, no próprio sistema da arbitragem comercial privada, podem ser resolvidas, por exemplo, por árbitro único e não por um tribunal plúrimo. Você tem regras de arbitragem expedita que reduzem o tempo e o custo das arbitragens. Eu não vejo por que isso não possa também ser colocado num regulamento para que o Estado, a União, o Distrito Federal, o Município, dentro das regras de alçada que foram colocadas aqui hoje, intervenham dessa maneira. Você pode ter uma questão tributária, uma execução ou outro tipo de procedimento de menor potencial econômico resolvido numa arbitragem tributária expedita, num juízo de pequenas causas, como já foi colocado aqui. Então, são alternativas que tornam possível resolver, até mesmo, eventualmente, com oferta de outros bens que não as garantias listadas, como o cidadão fez nessa pergunta. Eu acho que é uma questão um pouco mais ampla: é dar alternativas mais práticas para resolver questões de menor valor econômico. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Roberto. Certamente o nosso Leandro Souza, aqui do Distrito Federal, ficou muito satisfeito com a resposta completa e muito clara que V. Sa. nos ofereceu. Eu queria, ao encerrar este primeiro painel, agradecer sobremodo a presença aos convidados que aqui compareceram de maneira cívica, com muita predisposição de ajudar o debate para o aperfeiçoamento deste projeto de lei de nossa autoria, sendo Relator o eminente Senador Tasso Jereissati, que tem exatamente o objetivo de aprimorar, como aqui foi dito, e tornar mais célere a prestação jurisdicional no Brasil através de uma das formas de autocomposição. Sabemos que o tema tributário, por sua natureza e especificidade, envolve cautelas maiores. Por isso é muito importante, Dr. Carboni, a participação da Fazenda Nacional. É claro, no momento oportuno também, temos sempre de ouvir as Fazendas estaduais e municipais, como os especialistas, os professores, a Ordem dos Advogados, o Ministério Público, ou seja, todos aqueles envolvidos na questão da tutela dos temas tributários e do patrimônio público. Quero, portanto, agradecer muito. É interessante observar que este projeto de lei - por isso dois painéis - tem dois grandes assuntos - não é, Prof. Flavio Jardim, nosso grande inspirador, que fez ali a sugestão? Há uma parte menor, sob o ponto de vista físico ou geográfico do projeto, que são poucos artigos instituindo a arbitragem; e uma parte muito mais longa, sobre execução fiscal administrativa. Essa primeira gera mais polêmica, mais debates, mais dúvidas do que a segunda. Eu tenho participado de alguns eventos e tenho percebido isso. |
| R | O que é positivo? Que o processo legislativo exige exatamente essa dinâmica, esses debates, para nós, como eu disse e reitero, aperfeiçoarmos o projeto, que passará ainda por esta Comissão, depois pelo Plenário aqui do Senado e vai à Câmara para novas discussões. Dr. Roberto Pasqualin, eu quero agradecer muito a sua disposição, a vontade, a participação. Ao Prof. Felipe Stefam também, a sua gentileza, que também hoje gentilmente aqui me ofertou livros de sua publicação de recente edição - agradeço muito -, sobre o tema evidentemente. Agradeço muito ao representante aqui da Fazenda Nacional, Dr. Mário Carboni, as suas ponderações muito lúcidas, que serão levadas em consideração. Ao nosso Prof. Gianetti, aqui agradeço muito, sangue mineiro, forte e robusto! Agradeço também a gentileza. Peço escusas pela falha inicial, mas ressalto a participação extraordinária de todos os membros. E ao Dr. Flávio Unes, que é o nosso debatedor e, claro, nosso coordenador e mediador dos debates, com aquela proficiência que lhe é característica. Eu, portanto, antes de dar início ao Painel 2, vou desfazer esta Mesa, agradecendo muito a presença a todos e dizendo que estamos todos muito agradecidos. Muito obrigado. (Palmas.) (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Nós vamos, então, dar início ao Painel 2, que trata da execução fiscal extrajudicial. Continua como mediador o Prof. Dr. Flávio Henrique Unes Pereira, a quem convido para reassumir o seu papel, o seu lugar. Convido o Dr. Flavio Jaime de Moraes Jardim, Procurador-Geral Adjunto da Fazenda do Distrito Federal; o Dr. Ricardo Ferreira Nogueira, Procurador do Município de São Paulo; o Dr. Thiago Sorrentino, Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, doutorando pela Universidade de Autônoma de Lisboa, professor e advogado da área tributária; e Dr. Antônio Saboia de Melo Neto, Procurador do Estado do Pará. (Pausa.) |
| R | Agradecendo a presença dos senhores convidados mais uma vez, a disponibilidade e a gentileza da presença, nós vamos dar início a esta segunda parte, que vai seguir os mesmos cânones da primeira. Por isso, eu passo a palavra já ao nosso moderador, Prof. Flávio Unes. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA (Para expor.) - Boa tarde a todos, a todos os colegas de Mesa! Nós estamos fazendo 10 minutos de fala inicial para cada participante e, se me permitirem, quero colocar um tema que talvez seja mais geral e que, eventualmente, já possa ser abordado nessa primeira fala, que seria algum comprometimento do devido processo legal à concepção de execução fiscal administrativa, especialmente considerando que há essa possibilidade de constrição e a restrição do direito de propriedade sem a participação do Poder Judiciário - qual seria essa avaliação mais de ordem genérica constitucional dessa concepção que o projeto trouxe. E aí nós passaríamos... Poderíamos começar... Enfim, o Dr. Thiago Sorrentino poderia começar? O SR. THIAGO SORRENTINO (Para expor.) - Posso começar. Inicialmente gostaria de agradecer o gentil convite e espero poder contribuir um pouco para os debates de hoje. O projeto de lei traz algumas ferramentas muito importantes, especialmente para nós que acompanhamos o dia a dia das ações da atividade fiscal do Estado e também das agruras do contribuinte em relação ao controle de validade do crédito, a própria eficácia da validade; traz alguns mecanismos muito interessantes, alguns mecanismos que, se realmente forem trazidos à efetividade em nosso sistema, vão levar a um ganho de eficiência muito grande, não só para o Fisco, não só para o Estado, mas para o próprio contribuinte também. Hoje em dia nós temos uma preocupação muito grande em dar a máxima efetividade ao crédito tributário no menor tempo possível, mas também em garantir que essa máxima efetividade ocorra com segurança jurídica, ou seja, é a possibilidade do controle de validade desse crédito, para que nós tenhamos a segurança de que aquele crédito é válido segundo a Constituição e segundo a legislação de regência. Hoje, em especial, nós temos um problema muito grande lidando não só com aquela figura que nós temos do sonegador ou daquele que não deseja pagar o tributo, mas, também, do que nós chamamos de inadimplente estratégico, que é aquele que vai até os limites do sistema, os limites daquilo que o sistema permite como defesa, para conseguir alguma vantagem competitiva a partir desse inadimplemento. E me parece que o sistema que vai trazer a possibilidade da execução extrajudicial ou de constrições extrajudiciais pode funcionar muito bem nesse contexto. Essa é a minha manifestação inicial. Agradeço a atenção. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Dr. Ricardo Ferrari Nogueira, por gentileza. |
| R | O SR. RICARDO FERRARI NOGUEIRA (Para expor.) - Boa tarde a todos! Agradeço imensamente o convite feito pela CCJ do Senado me dirigindo ao Exmo. Sr. Senador Antonio Anastasia, em cuja pessoa cumprimento os demais presentes à Mesa, especialmente ao Dr. Flávio, Procurador-Geral Adjunto do Distrito Federal, que muito honrosamente nos fez esse convite para comparecer e estar aqui fazendo esta manifestação. Entro diretamente no questionamento sobre o devido processo legal, sobre o aspecto constitucional em execução fiscal administrativa. Em primeiro lugar, destaco que outros sistemas que são muito parecidos com o nosso já adotam essa metodologia. Então, se a gente fosse analisar o Direito Comparado, nós veríamos que outros países adotam esses mecanismos e fazem uso de uma alternativa à expropriação de bens e à recuperação do crédito tributário ou de outra natureza, aqueles inscritos em dívida ativa. Depois eu poderia dizer que o crédito tributário, pela sua própria constituição, goza de segurança e certeza, liquidez e certeza. Então, a segurança do crédito tributário já diz que ele já passou por um crivo de análise e, devidamente inscrito em dívida ativa, vai fazer com que outros mecanismos procedimentais sejam dotados, agora pela Fazenda pública, para que haja a recuperação do crédito público. Diante disso, do Direito Comparado e diante dessas possibilidades de segurança jurídica de que goza o título e ainda acalentando a possibilidade inafastável da jurisdição, sendo que o prejudicado eventualmente pode ingressar no Judiciário e questionar, como faz, no próprio Direito Tributário, com ações anulatórias, mandados de segurança, ações ordinárias e assim por diante, não vejo problema algum, diante da Constituição, sob o aspecto de uma execução administrativa do crédito tributário ou daquele inscrito em dívida ativa em relação ao nosso sistema. Assim consigno minha manifestação inicial em relação ao tema. Muito obrigado. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Prof. Flavio Jardim. O SR. FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM (Para expor.) - Muito boa tarde novamente! Novamente agradeço ao Senador Antonio Anastasia pelo gentil convite, ao Prof. Flávio Unes pela brilhante moderação, aos demais presentes à Mesa e a todos os presentes na CCJ na tarde de hoje. Na minha parte, eu só queria apresentar um pouquinho o que vem a ser a cobrança administrativa que está sendo proposta pelo Senador nesse projeto e por que ela é limitada a alguns tributos. Sobre a questão da constitucionalidade, acho que o Dr. Antônio Saboia, meu colega do Estado do Pará, poderá tratar de forma mais adequada, mas quero só deixar claro: nós todos sabemos que a execução é uma forma de nós localizarmos bens de um devedor inadimplente, mas existem alguns fatos tributários em que a propriedade de um bem é justamente o fato tributário que faz nascer o tributo. Então, imaginemos: quando a pessoa deve o IPTU, ela deve o IPTU porque, em geral, em regra, tem a propriedade de um imóvel; quando ela deve o IPVA é porque, em regra, tem a propriedade de um veículo; e a taxa de limpeza pública também incide em função da propriedade; o ITR da mesma forma. O que nós verificamos hoje? Que essa execução é tratada como a execução de vários outros tributos, como do IPI, do ICMS, do Imposto de Renda. E há um detalhe importante sobre o qual também temos que refletir: o Congresso Nacional, em 1990, aprovou a lei do bem de família. A lei do bem de família diz que, se você é devedor do IPTU, aquele imóvel sobre o qual o IPTU incide pode ser penhorado, a garantia da inoponibilidade do bem de família não pode ser alegada, e também exclui da possibilidade de ser um bem de família o veículo de transporte. |
| R | Então, o que esse projeto na verdade tenta fazer? Tenta refletir que nem todas as garantias que o contribuinte tem numa execução fiscal são equivalentes, que há execuções fiscais que cobram determinados tributos que já têm uma garantia mais limitada. Por exemplo, se eu estou executando uma dívida de Imposto de Renda em face do Prof. Flávio Unes e o Prof. Flávio Unes só tem o apartamento em que ele reside e o salário que recebe, ambos os bens são impenhoráveis pela legislação. Então, é necessário que o Judiciário interceda para garantir que a Fazenda não penhore esses bens, mas, aqui, a própria consequência legal em relação às execuções de IPTU, IPVA, TLP e TR já é distinta. Mas o que nós fazemos hoje? Nós impomos que, para a Fazenda Pública penhorar esse bem, e essa é uma medida de constrição importante... Ou seja, para tentar fazer com que o devedor, que já é impontual, que já não pagou, satisfaça essa dívida, ajuíza-se uma execução fiscal. O que aconteceu, então, em nosso sistema? Nós temos hoje quase 31 milhões de execuções fiscais. Eu posso dizer para os senhores, com bastante possibilidade de acerto, que algo em torno de R$25 milhões cobrem o IPTU, porque o IPTU é o fato tributário que mais ocorre, a propriedade de um bem é o fato tributário que mais ocorre. Acho que eu li um relatório do Ipea dizendo que há 70 milhões de moradias no Brasil. Então, se temos 70 milhões de moradias, se todos os Estados têm que cobrar o IPTU, porque nenhum gestor público pode abrir mão de cobrar um tributo, isso pode gerar 70 milhões de CDAs se todo mundo... Graças a Deus, a gente sabe que em torno de 75% a 80% da população paga em dia os seus tributos, senão estaríamos vivendo imergidos em processos para todo lado; a gente sabe que a maioria das pessoas paga em dia, mas nós sabemos também que a impontualidade existe por diversas razões que não vêm ao caso, isso é algo normal de qualquer sociedade. Então, o que é esse projeto faz é retirar do Judiciário a necessidade de que ele processe a execução. No entanto, primeiro: ele é optativo, ou seja, o Município que não quiser aderir para cobrar o seu IPTU, o Estado que não quiser aderir pode simplesmente continuar na via da execução fiscal. Se o contribuinte que for submetido à execução administrativa tiver alguma alegação de defesa, se quiser vir ao Judiciário, as portas estão amplamente abertas. Na verdade, o bem que está sendo cobrado, ou sobre o qual incide o tributo, é a garantia da execução. Então, a extensão do direito de defesa dele é exatamente a mesma que ele teria com a exceção de pré-executividade, na qual ele não precisa garantir a execução. Então, a estratégia aqui é uma estratégia de simplesmente retirar a necessidade de que o Judiciário processe, até porque o juiz não tem alternativa: se a pessoa insistir e não pagar o IPTU, eventualmente a consequência legal, que é aquela que eu mencionei aos senhores, de que a própria lei do bem de família já preconiza, vai ser alcançada. Então, ela autoriza uma execução administrativa, uma penhora administrativa, e a parte, a qualquer momento, pode impugnar mediante o ajuizamento de embargos a essa penhora administrativa ou pelo próprio embargo à cobrança administrativa, mediante embargos. Por fim, eu queria registrar só mais uma questão. No Supremo Tribunal Federal, no Brasil, já vige um procedimento similar para os bancos, e esse procedimento, que está estabelecido no Decreto Lei 70/66, já está há muitos anos consolidado, ou seja, é um procedimento que tem mais de 50 anos, Senador. Nesse caso, acho que o Dr. Saboia vai poder dizer melhor, mas esse é um procedimento que também já foi chancelado pelo Supremo Tribunal Federal numa jurisprudência antiquíssima. Mesmo antes, o Tribunal Federal de Recursos decidia assim. Depois, o Supremo entendeu que esse é um procedimento que foi recepcionado pela atual Carta de 1988. |
| R | Então, a minha exposição inicial era esta: dizer da problemática que temos em relação às execuções fiscais, sobretudo as execuções fiscais do IPTU, da problemática que temos em processar isso tudo pelo Judiciário. Acho que os senhores já ouviram falar, mas o Ipea fez um cálculo do tempo e do custo médio da execução fiscal na Justiça Federal. Cada execução fiscal, na verdade, custa em torno de R$7 mil em números atualizados, de hoje. Então, custa caro para o próprio contribuinte, com todos os seus tributos, também arcar com os custos judiciários. Sabemos que o nosso Judiciário, tendo em vista o altíssimo volume de processos que chegam a ele e que ele faz tramitar todo ano, tem um custo alto até em comparação a outros países. Salvo engano, os números atuais são de que o nosso Poder Judiciário gasta 1,2% do PIB, mas isso também se reflete no fato de que a legislação, às vezes, exige muito do Poder Judiciário. Então, temos também que refletir sobre o seguinte. Queremos que os nossos juízes processem todos os tipos de demanda, inclusive aquelas em que as garantias sejam mais limitadas? Ou eles podem atuar na medida em que o contribuinte entender que há alguma violação de direitos? Então, a minha apresentação inicial era essa. Eu agradeço e retorno a palavra ao Prof. Flávio Unes. Muito obrigado. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Dr. Antonio Saboia de Melo, por gentileza. O SR. ANTONIO SABOIA DE MELO NETO (Para expor.) - Boa tarde a todos. Gostaria, inicialmente, de cumprimentar o Senador Antonio Anastasia pelo honroso convite, que foi intermediado pelo Dr. Flávio Jardim, meu colega de Procuradoria de Estado, do DF, e pelo Dr. Flávio Pereira, para estar contribuindo aqui com esse profícuo debate em torno do Projeto de Lei nº 4.257, que prevê a cobrança extrajudicial da dívida ativa. Bom, como o Dr. Flávio Jardim antecipou, a primeira preocupação que nos vem é sobre as questões constitucionais que, possivelmente, ameaçam essa iniciativa que altera, de maneira significativa, a Lei de Execução Fiscal, a Lei nº 6.830. E eu início a minha fala dizendo que essa ameaça - denomino assim - de eventuais inconstitucionalidades a esse projeto de lei se dividiria em dois blocos: um primeiro bloco diria respeito ao direito de propriedade, ao princípio do devido processo legal contraditório e ampla defesa e ao princípio do não confisco; e um segundo bloco diria respeito ao princípio de reserva de jurisdição ou de inafastabilidade da jurisdição, como também ao princípio da separação dos Poderes e do juiz natural. Bom, no que diz respeito ao primeiro bloco, eu começaria fazendo uma consideração de natureza bem prática relativa a um princípio, que é o da responsabilidade em torno de eventual dívida que um cidadão tenha sobre um imóvel ou um bem, um veículo. |
| R | Esse princípio de responsabilidade é um princípio que tem a ver também com a função social da propriedade. Toda vez que alguém adquire - um simples exemplo - um veículo, a primeira coisa em que pensa é nos custos que vai ter com aquele veículo: quanto vai lhe custar a manutenção, as revisões, quanto vai custar o seguro. E ele deve também cotejar e avaliar qual seria o tamanho da responsabilidade tributária dele. Então, penso eu que a sociedade brasileira já evoluiu a um patamar que permite exigir desse proprietário, usufrutuário ou possuidor, um sentido de responsabilidade social sobre o patrimônio que ele detém, de maneira que ele não possa se isentar argumentando coisas outras que refujam dessa responsabilidade e que acarretam também uma questão de função social da propriedade. O perdimento eventual desse patrimônio, desse bem que assegura essa dívida, não se dá de uma maneira fortuita. Ele se dá por uma justa causa, por uma dívida que decorre exatamente desse patrimônio, de uma taxa que obrigatoriamente tem de ser paga, de um imposto que lhe é inerente. Essa é uma primeira consideração. Daí a não se falar que o direito de propriedade seja um direito absoluto, porquanto... A cobrança da dívida não deve recair sobre as pessoas, sobre o corpo das pessoas, mas, sim, sobre o seu patrimônio. Uma segunda consideração que eu faria em relação ao direito de propriedade diz respeito a situações outras que, previstas já na nossa legislação, permitem o perdimento de patrimônio em decorrência de outros fatos. Por exemplo, se um veículo é apreendido em uma blitz e não é reivindicado e nem reclamado durante 60 dias, o próprio Código de Trânsito Brasileiro prevê que a Administração poderá leiloá-lo administrativamente. Também lembremos a hipótese do perdimento de bens quando aquele imóvel ou patrimônio está envolvido em tráfico ilícito de entorpecentes. Então, isso não representa exatamente algo que deva gerar maior perplexidade. No que diz respeito ao devido processo legal contraditório e ampla defesa, não havemos de confundir o devido processo legal com o devido processo judicial. Aqui há um devido processo legal. O cidadão, na verdade, é notificado três vezes. Ele é notificado pela primeira vez quando recebe aquele boleto de cobrança do IPTU ou quando recebe aquele boleto de cobrança do IPVA, citando dois exemplos aos quais a lei se restringe. Ele tem prazo para honrar aquela cobrança ou contestá-la. Depois disso, a lei prevê um segundo prazo de 30 dias para que ele possa ofertar algum tipo de resistência. Depois desse prazo, ele tem mais 30 dias, aí já com a certidão de dívida ativa para a efetiva cobrança, que é o que a lei prevê. Então, eu diria que não haveria aqui uma violação à prerrogativa de se defender. Há várias oportunidades de defesa. No que diz respeito ao não confisco, o próprio projeto de lei reserva ao devedor o direito de vender o imóvel ou o veículo até o momento dos embargos à penhora. Eu imagino que não haja uma compatibilidade de confisco, já que há possibilidade de o próprio devedor vender esse patrimônio. Então, não vejo como um bem que esteja em confisco possa ser vendido pelo particular, e a lei faculta essa possibilidade. |
| R | Um segundo bloco de inconstitucionalidade, de ameaça de inconstitucionalidade, seria a questão da reserva de jurisdição, da separação de Poderes e do juiz natural. Aqui há um conforto, conforme mencionado pelo Dr. Flávio Jardim. É uma jurisprudência que já vem de décadas de Supremo. Eu pediria até permissão para aspear o excelente voto do Ministro, à época Relator, Ilmar Galvão, que já vaticinava, ele praticamente previa e já contemplava, porque era uma aspiração da doutrina, no que diz respeito à cobrança extrajudicial da dívida ativa, num precedente que me parece ser o caso líder, que é o Recurso Extraordinário 223.075, no qual se discutia a execução extrajudicial da alienação fiduciária. E ali foi consagrado que o Decreto-Lei 70, de 1966, é constitucional e compatível com esses princípios constitucionais de reserva de jurisdição, do juiz natural e da separação de Poderes. Abro aspas para o que o Ministro Ilmar Galvão já previa naquela época. Diz o Ministro: Nem é, aliás, por outro motivo que prestigiosa corrente doutrinária, com vista ao desafogo do Poder Judiciário, preconiza que a execução forçada relativa à dívida ativa do Estado seja processada na esfera administrativa, posto reunir ela na verdade, na maior parte, uma série de atos de natureza simplesmente administrativa. Reservar-se-ia ao Poder Judiciário tão somente a apreciação e julgamento de impugnações deduzidas em forma de embargos, com o que estaria preservado o princípio do monopólio do Poder Judiciário. Portanto, esse voto me parece bastante emblemático da constitucionalidade desse projeto de lei no que diz respeito a esses aspectos constitucionais. Não vejo dificuldades, Senador, com relação a isso e faço votos de que o projeto possa avançar aqui. Estou à disposição para eventuais perguntas e esclarecimentos. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Agradeço a todos os expositores nessa primeira fase. Vamos agora à segunda fase, com a mediação do Prof. Flávio Unes, sobre algumas ponderações que serão feitas por S. Sa. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Bem, havia alguns temas específicos, mas, como se trata de um capítulo mais extenso, como disse o Senador, e o próprio Dr. Ricardo já me antecipou que tem algumas sugestões sobre o aprimoramento do texto, eu acho que talvez fosse interessante, em vez de ficarmos limitados a um tema, abrirmos realmente para as observações e sugestões de aprimoramento do texto da parte de cada um dos senhores. Aí daríamos mais dez minutos para fechar. Pode ser? (Pausa.) Então, vamos retomar. O SR. THIAGO SORRENTINO (Para expor.) - Bom, minha intervenção vai ser muito pontual. São dois aspectos de sugestões; na verdade, mais questões para desenvolvimento, pensamento, do que sugestões já fechadas e prontas. |
| R | Em relação à dúvida sobre a constitucionalidade, parece-me que, em situação normal, não há muita dúvida, ou não há muitos pontos de contenção. O que me preocupa é a inconstitucionalidade conjectural, aquela que o Supremo examina com base em dados da concreção, com dados empíricos da realidade naquele momento. Hoje nós vivemos no Brasil uma situação um tanto quanto complicada do ponto de vista econômico. A taxa de mortalidade de empresas, por exemplo, é de dois anos. Uma empresa recém-aberta tem uma expectativa de vida de até dois anos, segundo uma pesquisa do Sebrae. E outras pesquisas, do Ipea e de outras instituições, demonstram que as nossas empresas morrem muito cedo. Nós temos o objetivo de dar a máxima efetividade para o crédito tributário, no menor tempo possível, contra aquele inadimplente estratégico e contra o sonegador. mas nós temos que nos preocupar também com o inadimplente ordinário, aquele que advém da ruína financeira, que é comum a qualquer negócio econômico, qualquer empreendimento. Então, imagina aquela pessoa padrão: foi demitida, sacou seu Fundo de Garantia, vai fazer o quê? Resolve empreender. Não está bem equipada, não está bem estruturada para isso e, depois de alguns anos, se vê na ruína financeira. A pergunta é: se essa situação for disseminada, for numa quantidade muito grande no nosso País, isso poderia levar o Supremo Tribunal Federal ou qualquer outro órgão jurisdicional a entender que, naquele caso específico, por conta desses dados, dessas circunstâncias, aquela norma se mostraria inconstitucional naquele momento, por causa daquelas coordenadas? Esse é um ponto. E vem o segundo ponto. Talvez a ideia seja procurar dar um tratamento especial para aquele inadimplente ordinário que se encontra naquela situação por ruína financeira decorrente da idiossincrasia econômica ou da sua própria atuação empresarial. Isso me preocupa muito na redação sugerida, por exemplo, para o art. 41, que a morte, a falência, a recuperação judicial, não impediriam. Nós, aqui no Brasil, não temos instrumentos bons para proteger o indivíduo, pessoa natural, pessoa física, contra esse tipo de ruína, como você tem em outras jurisdições - nos Estados Unidos da América por exemplo. Então, minhas únicas ponderações são essas, para nós divisarmos esses dois tipos de inadimplentes e dar um tratamento de acordo com cada um deles. Para o inadimplente estratégico, aquele que não quer pagar ou para o sonegador, máxima efetividade do crédito, menor tempo possível. Mas, para o inadimplente ordinário, devemos pensar se não precisamos de salvaguardas para permitir que aquela pessoa saia daquela situação e retorne... Eu imagino o seguinte: por um lado, o Estado consegue seu crédito de IPTU, por exemplo; pelo outro, do ponto de vista social, ele vai ter que prover moradia para aquela pessoa que acabou de perder a sua propriedade imóvel. Efetivamente, nós temos que discutir várias nuances, o tamanho da propriedade, se ele não deveria ir para uma propriedade menor, mas eu acho que é uma preocupação justa, legítima, que deve ser abordada, para ser rechaçada ou não. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Dr. Ricardo. O SR. RICARDO FERRARI NOGUEIRA (Para expor.) - Bom, eu fiz a lição de casa, Senador, e tentei estudar com bastante acuidade o projeto de lei e as suas disposições. Eu vou tentar fazer um cotejo com aspectos práticos de onde eu venho, que é o Município de São Paulo. |
| R | Para se ter uma dimensão do que a gente vai falar: a minha carteira de execuções fiscais chega a um número de 1,5 milhão e, claro, dentro de um trabalho de inteligência que está sendo desenvolvido e capitaneado com bastante maestria pela PGFN, instituição brasileira de âmbito nacional, que está trabalhando com ranking, com rating, com jurimetria, com desajuizamento maciço, etc. A gente está buscando, dentro desse universo, com esse aprendizado e com a introdução da nossa realidade local, com a nossa pertinência tributária e material também, IPTU, ITBI, ISS, taxas variadas, e assim por diante. Então, estamos tentando saber como é que vamos utilizar os nossos mecanismos de cobrança como Procuradoria, já que nós temos essa titularidade e essa competência constitucional. Uma das medidas que nós utilizamos com bastante proficiência é o protesto, o protesto das certidões de dívida ativa, o que tem um resultado muito significativo. Outro mecanismo que a gente utiliza são esses que as grandes instituições de cobrança utilizam: SMS, comunicação para encontrar o devedor por meio do seu telefone celular; estamos utilizando e-mails para atingir o devedor e chamá-lo à colação; estamos utilizando telemarketing, que é outro mecanismo que a gente utiliza sem uma força normativa, mas pelo menos tentando encontrar o devedor, já que nós estamos tratando de execução fiscal, localização dos devedores, expropriação dos seus bens. Outro mecanismo que a gente está buscando é a judicialização. Mas aí nós temos alguns pactos locais, como, por exemplo, um pacto, um acordo chamado Acordo Amigo da Justiça com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Inclusive - conversei com o Dr. Flávio -, estudo do Ipea diz que a PGFN tinha como alçada, em 2013, R$5 mil para evitar o ajuizamento. E nós evitamos o ajuizamento de acordo com a nossa realidade. Se você for pensar, são 30 cidades médias brasileiras dentro de São Paulo, com 300, 400 mil habitantes cada uma, que é o número de prefeituras regionais, de subprefeituras. A gente utiliza também esse mecanismo para evitar a judicialização excessiva. Aí vocês vejam o número, que é de 1,5 milhão de execuções fiscais. E esse projeto, Senador, que é muito bem-vindo - e aí fica o elogio -, estabelece, logo no seu art. 41, mais uma opção, já que o Município ou o ente federativo poderá optar por utilizar - e eu já estou entrando no mérito das considerações que fiz em relação ao texto - a execução fiscal administrativa, com as considerações que foram apresentadas pelo meu colega de mesa, o Dr. Nogueira. Então, fica, primeiro, 41-A, a opção. A opção é sempre bem-vinda. Eu acho que ela tem que continuar dessa maneira. A segunda consideração, para contribuir, em relação ao 41-B, e eu passo na ordem em que forem estabelecidos os artigos, é em relação à própria notificação. Coloca-se aqui o executado, mas, como nós estamos falando de IPTU, poderia ser o executado e o respectivo cônjuge, se houver, se for uma pessoa física casada e, se não houver, somente o executado; e pessoa jurídica não vem ao caso. Eu digo isso porque você já elimina aquela parte que é prevista, inclusive, na 6.830, em que você depois tem que notificar o cônjuge também. Então, você já coloca o cônjuge e já passamos para a próxima fase e já damos agilidade ao próprio procedimento. No final da redação, está aqui o total da dívida, com o principal, juros, a multa de mora e os demais encargos - e coloco uma vírgula -, se aplicáveis. Já são aplicáveis os demais encargos. Vamos deixar já também para passar essa fase e nem haver um questionamento sobre se é aplicável, se não é aplicável, sobre o que foi feito e o que não foi feito, sobre execução A, execução B, execução C, já que, no meu caso, trata-se de 1,5 milhão de execuções fiscais. |
| R | Passo adiante, e aí estou no 41-B, §2º: "A notificação do devedor deverá ser feita na forma do art. 246 do Código de Processo Civil", que cita ali carta com AR, oficial de justiça, todos os meios que o processo judicial encontra para a citação. A minha sugestão aqui, colegas, Senador, é deixar carta com AR e ponto. Há uma sugestão de que seja por intermédio do cartório de títulos e documentos: a considerar, para reflexão, saber se é pertinente ou não. É que a carta com AR resolveu, isso já criando uma ficção de direito, que é do §3º, que diz que, feita a notificação, com carta com AR, de acordo com a certidão imobiliária existente, já se dá como presumido que ele foi cientificado. Já se cria essa ficção e já se vence mais uma etapa. E vamos caminhando. Para a fase posterior, que é a penhora imobiliária no registro de imóveis, aí sim, uma efetiva comunicação para o devedor, pelo sítio oficial, que é o previsto no projeto, do ente expropriante ou do ente cobrador, também já considerando tanto o devedor quando seu cônjuge, se for o caso, observação que já fiz anteriormente. Já passamos adiante também nisso aqui. O 41-D prevê que o termo de penhora vá para o registro de imóveis. Aqui há uma situação muito importante para a gente, com esse número extraordinário que nós estamos. Nós temos que prever um convênio com o cartório de registro de imóveis, com a Arisp pelo menos, que é de São Paulo, e aí com os institutos representativos dos cartórios de registro de imóveis. Por quê? Porque se eu for registrar cada penhora que eu faça nessa execução fiscal, eu vou pagar mais caro, vou pagar mais pelo registro do que obterei com a própria recuperação do crédito. Então, se a gente previsse esse convênio, aqui no próprio texto legal, nos ajuda muito, e é muito salutar, pelo menos na nossa realidade, que trabalha com esse número. Seguindo um pouquinho, no 41-E: há aqui a avaliação do imóvel. Na avaliação do imóvel nós estamos vivendo uma situação muito interessante em São Paulo, em relação ITBI, que o Judiciário já definiu. Nós, com o ITBI lá em São Paulo, no Município São Paulo, fazemos o seguinte. Nós temos uma tabela de referência para o ITBI, mas o Judiciário já decidiu que é a tabela de referência IPTU ou o valor da transação, o que foi maior. Como nós estamos falando de IPTU, nós poderíamos aproveitar a própria legislação de IPTU, que diz isso também. E aí, em vez de passar por uma avaliação, de saber quanto vale, já tem um preço determinado. Pega-se a certidão imobiliária e está lá registrado o valor da transação, ou pego o valor venal de referência, conforme tabela IPTU, e já está claro, já está posto. Poderíamos também pensar sobre esta questão: se vai nomear perito, se não vai nomear perito, e já se colocaria dessa forma aqui. A questão dos leilões, em nosso ponto de vista, está bem colocada. Aqui, no 41-M, eu chamaria a atenção só pelo seguinte. Em vez de ser até a assinatura da carta de arrematação para que o devedor possa pagar o crédito, que seja até o término do leilão: acabou o leilão, acabou a chance. É que aí vem a burocracia: eu vou chamar o arrematante, vou esperar um prazo, vou pagar, e vem o devedor e paga. Ele está sabendo o que está acontecendo, já foi notificado, devidamente notificado. Seria uma sugestão também de encaminhamento para melhorar a redação do 41-M. |
| R | Chamou-me a atenção que, no 41-O, caput, são 5 pessoas físicas idôneas para assinar a carta. Eu não sei qual foi a referência que foi utilizada. Você já tem um agente fiduciário e mais 5 pessoas idôneas e capazes. Deve ser do Decreto 70, de 66, em paralelo, em simetria. Mas fica a dúvida, não cheguei a dar uma olhadinha. E, aqui, muito bem, no 41-O, §1º: a carta de arrematação serve como título de propriedade, e transcrevemos essa carta de arrematação no registro de imóveis. Essas são as considerações iniciais que eu trouxe, Senador, sobre um projeto muito bem feito pela equipe, pela turma capitaneada por V. Exa. E eu vou passar ao Dr. Flávio, para os outros colegas de mesa e para quem se interessar também, essas considerações e esses complementos, ousando encaminhar dessa maneira, já que me foi dada a oportunidade de assim fazê-lo. Muito obrigado. O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Perfeito. Dr. Flávio Jardim. O SR. FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM (Para expor.) - Eu queria agradecer ao Procurador Ricardo. Acho que ele verificou que a intenção do Senador foi justamente evitar temas que hoje judicializam etapas do procedimento de execução, o que gera uma judicialização excessiva de pontos. Então, o projeto, de fato, é mais extenso nessa parte da execução administrativa justamente por tentar antever problemas que hoje ocasionalmente surgem e acabam atrasando a satisfação do crédito e inundando o Judiciário de ações judiciais. Só para deixar claro: quanto às cinco pessoas físicas idôneas, de fato, é a mesma redação do art. 37 do Decreto-Lei 70, de 66. Na verdade, como na minha fala introdutória eu mencionei, a intenção não foi criar um novo instituto, foi justamente adequar um instituto que já está consagrado e declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal à cobrança da execução fiscal desses tributos específicos. Em relação às demais proposições, acho que o Dr. Flávio Unes, com certeza, juntamente com a assessoria do Senador, poderão avaliar. Achei bem interessante, porque elas ainda evitam temas que não tinham sido antevistos e que podem gerar uma judicialização. Então, eu entendo que são pertinentes e merecem reflexão. Com relação às ponderações do Prof. Thiago, queria fazer algumas considerações. São ponderações interessantes, acho que elas, de fato, merecem ser refletidas porque envolvem aspectos fáticos da realidade brasileira, dessa possibilidade, às vezes, que empresas e pessoas têm, momentaneamente, de pagar tributos. Mas uma questão importante é que o projeto prevê que haja possibilidade de parcelamento do valor integral da dívida. Geralmente o parcelamento é uma forma que a Fazenda oferece para aquele devedor que está, justamente, nessa situação. Aqui no DF, por exemplo, o parcelamento pode ser até de 60 vezes o valor da dívida. Nós sabemos que, em geral, as dívidas de IPTU e IPVA não são altíssimas, pelo menos para o contribuinte médio brasileiro. Então, havendo essa possibilidade de parcelamento - e isso suspenderia qualquer ato de constrição -, nós chamaríamos aqui o contribuinte à possibilidade de ele tentar se organizar financeiramente. |
| R | Claro que são bastante sensíveis os bens que o projeto atinge e, como em todo Direito Tributário, cobrar tributos e sempre algo difícil, sobretudo do cidadão mais pobre, mas sabemos também que todos temos essa obrigação de contribuir. Um ponto chave do projeto é que tenta, justamente, organizar as finanças, evitando gastos com execuções, que são altíssimos, gastos com o Poder Judiciário. E, óbvio, um Município ou um Estado com as finanças organizadas pode começar a refletir sobre zona de isenção de IPTU para as áreas mais pobre, sobre zonas de isenção de IPVA para veículos, que seriam veículos mais populares também. Mas, hoje... Primeiro: isso não seria matéria de um projeto de lei federal, porque envolve a realidade de cada Município, de cada Estado. Segundo: isso teria que ser refletido na medida em que os entes públicos pudessem comprovar que isso não comprometeria as previsões de receita orçamentária. Então, a Lei de Responsabilidade Fiscal é uma legislação muito importante - seria, na hipótese, uma medida de renúncia. Por fim, as questões que V. Sa. colocou pareceram-me muito adequadas à interpretação do Direito. Na verdade é o que nós chamamos de inconstitucionalidades na aplicação da norma e não na face da norma. Até o senhor mencionou os Estados Unidos como parâmetro. Existe o entendimento de que existem duas formas de se declarar a inconstitucionalidade: aquela em sentido abstrato, ou seja, a norma na face é inconstitucional; ou ela é inconstitucional as applied, naquela aplicação. É justamente a nossa ideia de interpretação conforme. É quando a gente exclui algum sentido, esse sim inconstitucional, mas a norma, na sua face, ainda poderia ser interpretada de forma constitucional. Então, essas situações, acredito eu, não maculam o projeto, na medida em que elas terão que ser enfrentadas pelo Judiciário caso a caso, assim que apresentada a situação dessas empresas ou dessas pessoas, conforme V. Exa. muito bem explicou. É até interessante: no precedente do Supremo Tribunal Federal mencionado pelo Dr. Saboia, pelo Procurador Saboia, a alegação da parte era de que ela tinha ficado inadimplente do crédito hipotecário por conta da inobservância do princípio da equivalência salarial no reajustamento das prestações do seu contrato de financiamento de casa própria. Então, no momento em que a parte celebrou o contrato de financiamento da casa própria, aquele contrato tinha um peso no orçamento dela e, segundo ela alegou, esse peso no orçamento acabou ficando um pouco mais alto. Não foi algo que o Supremo entendeu que pudesse...Talvez ela não tenha produzido prova, mas não foi um argumento que sensibilizou o Supremo Tribunal Federal. Mas esses tipos de argumentos vão surgir, com certeza. Eu acho que eram essas as considerações que eu gostaria de colocar neste momento O SR. FLÁVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - Ótimo. Dr. Antonio Saboia de Melo Neto. O SR. ANTONIO SABOIA DE MELO NETO (Para expor.) - As observações que eu tenho a fazer ao projeto de lei são bem curtas, mesmo porque o projeto é muito bem estruturado e sistematizado com a legislação que já se encontra em vigor. Eu dividiria as minhas observações em duas naturezas: a de natureza processual e a de natureza material. Eu começaria pela material, que seria uma questão realmente de mérito, sobre o 41-A, caput. Por que não incluir também as multas? Não só as multas que são decorrentes da mora, mas também as multas que são decorrentes de infrações de trânsito, por exemplo, e que devem ser cobradas também na via judicial, pelo modelo tradicional. |
| R | Eu não sei por que não o fez como está, porque não será rara a situação de que, ao levar a efeito a cobrança judicial do crédito do IPVA, nós estaremos diante de situação reiterada de devedor contumaz. É recorrente que essas dívidas, não só de IPVA, se acumulem, mas também muitas multas, multas que, muitas vezes, estão nos noticiários e que superam múltiplas vezes o valor do próprio veículo. São situações escandalosas que a gente percebe e que, ao que me parece, não poderiam ficar de fora do conteúdo, do objeto do alcance da norma, que não fica clara na redação do 41-A. Uma segunda consideração de natureza material diz respeito - mescla com um pouco de processo - a uma possível previsão da possibilidade de substituição do bem que está sendo objeto da penhora administrativa. Por que assim o falo? Por que assim o sugiro? Também não será pouco corrente a situação em que o valor do imóvel ou do veículo for muito superior ao valor da dívida, mesmo acumulada. Essa desproporção pode gerar muita perplexidade no Judiciário - eu fiquei perplexo - e alguma intervenção de natureza jurisdicional. É natural que esteja no rol de atribuições do próprio juízo fazer essa avaliação de substituição, mas por que não aproveitar o projeto e já engatilhar um mecanismo de substituição que seja anterior ou concomitante aos embargos à penhora, de maneira que seja algo simplificado e que garanta, da mesma forma que a ideia do projeto, o juízo, para que sejam apreciados os embargos? Então, eu não vejo dificuldade para que se instaure um procedimento extremamente simplificado, repito, para que se faça essa substituição. Agora as observações de natureza processual. No que diz respeito ao 41-B, §1º, sobre a notificação, a norma faculta que a Fazenda faça a notificação, de maneira que uma coisa seja a notificação, e outra coisa, a Certidão de Dívida Ativa (CDA). Por que não aproveitar o projeto e transformar essa notificação e a CDA numa coisa só? Não como uma faculdade, mas como uma obrigação, até para dar mais segurança jurídica no que diz respeito ao fato de não se poder alegar futuramente: "Olha, eu recebi a notificação, mas não veio a CDA". Isso é uma coisa recorrente também. |
| R | Uma observação também de natureza processual, no que diz respeito ao 41-B, §2º, sobre as modalidades de notificação do devedor - aqui ele remete ao 246 do CPC. Ali, naquele rol, constam várias modalidades. Isso coincide, em parte, com a observação que o Dr. Ricardo fez sobre essas modalidades que são variadas. Parece-me que fica um pouco em aberto você deixar o 246 com modalidades dentre as quais está a citação por oficial de Justiça, o que remete a uma intervenção judicial, que é tudo que se quer evitar aqui. Então, de repente, seria o caso de pensarmos realmente só numa modalidade. O Decreto-Lei 70 privilegia a questão do cartório de títulos e documentos, a intermediação do cartório. É uma modalidade cara, mas eu penso que, a partir do momento em que essa lei avançar, os Estados vão progredir para convênios, instrumentos que barateiem e agilizem essa notificação. Mas deixar em aberto assim eu acho que é uma coisa complicada. Uma observação final diz respeito à questão também que coincide com a observação feita pelo Dr. Ricardo sobre a presunção da concretização da notificação, prevista no 41-B, §3º. Uma crise, na verdade, que o Poder Judiciário e os credores fazendários enfrentam é a fase de, efetivamente, localizar o devedor. Torna-se muito mais dramático quando nós estamos tratando do IPVA. O imóvel está lá, não vai sair do lugar, por óbvio. Então, o imóvel sempre vai ser localizado para uma eventual penhora. O problema se agrava quando nós estamos diante da questão de uma dívida que decorre de um bem móvel. Essa mobilidade segue o proprietário. Na medida em que muda o proprietário, muda o registro no qual aquele veículo está cadastrado. Então, a notificação vai para o endereço que o proprietário fornecer. O que acontece? Como o Código de Trânsito Brasileiro obriga a que se faça, dentro de 30 dias, a comunicação de venda para o órgão de trânsito do Estado, sob pena de o alienante, o vendedor, continuar corresponsável com o adquirente, penso eu que esse cadastro é o mais fidedigno, pelo menos no que diz respeito ao crédito do IPVA, para que se lance uma presunção, senão todas as modalidades tributárias que são inseridas no 41, como ITR, IPTU, contribuição de melhoria. Mas, no que se refere ao IPVA, esse drama é maior para localizar o devedor. Então, eu penso que, no que diz respeito à presunção, ela deve ser feita, sim, por mais que se registre lá: "Mudou-se". Não! Mudou-se não! Se ele se mudou, tem que ver se ele notificou o órgão de trânsito. Se não notificou, não se mudou - esse ainda é o endereço. Então, brevemente, eram essas as considerações que eu queria fazer. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Eu acho que nós todos percebemos que o projeto de lei, nessa parte, também pode ser aperfeiçoado, conforme as sugestões muito lúcidas e bem colocadas de todos os participantes deste painel. |
| R | Eu recebi aqui, como eu tinha lido antes, algumas observações do e-Cidadania e, uma delas - eu vou me permitir perguntar ao Dr. Flavio Jardim - veio da Sra. Larissa Dantas, do Estado do Ceará, com o seguinte teor: "Os atos executivos referentes à Execução Fiscal, hoje de competência do Oficial de Justiça, passariam a ser realizados por quem?" O SR. FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM (Para expor.) - Muito obrigado, Senador, por dirigir a mim essa pergunta; muito obrigado à cidadã Larissa Dantas, do Estado do Ceará. Bom, o ato mais importante que vai ser praticado, segundo o projeto, seria a penhora e também o leilão. A penhora vai ser realizada mediante comunicação da Fazenda ao cartório e, depois, o leilão - o projeto prevê no art. 41-G, §1º - vai ser realizado por um agente fiduciário. E o agente fiduciário pode ser quem? Os incisos dizem quais são os agentes de que a Fazenda vai poder se valer para a venda do bem: pode ser uma instituição financeira, inclusive sociedade de crédito imobiliário, qualificada nos termos do art. 30, II, do Decreto Lei nº 7.066, selecionada por meio de concurso simplificado regido por critérios objetivos e previamente definidos; ou por um órgão ou entidade da própria Administração Pública com competência para a execução de atividades imobiliárias. Claro que nem todos os Estados e Municípios possuem esse órgão ou entidade; aqui no Distrito Federal existe uma empresa pública, controlada pelo Distrito Federal, na qual a União também tem uma parcela das ações, que é a Terracap. Enfim, a ideia de se valer de um agente fiduciário privado para fazer essa alienação também já segue a linha do Código de Processo Civil. Hoje juízos majoritariamente tem-se valido da alienação por iniciativa particular, e isso, salvo engano, tem funcionado muito bem na efetividade dessas vendas dos leilões judiciais. Então, acho que essa é a resposta da cidadã Larissa. Eu queria também mencionar algo em relação ao protesto, que foi referido pelo Procurador Ricardo: o protesto tem dado muito certo, justamente em função de convênios que foram celebrados entre a Fazenda Pública e os cartórios. Muitas vezes a Fazenda Pública fica isenta de qualquer custo e, posteriormente, no momento em que o cidadão vai pagar a dívida no cartório, ele também paga os emolumentos. Então, eu acredito que aqui se vai operacionalizar o projeto dessa maneira. E o Dr. Ricardo também apontou um ponto realmente chave hoje: que a Fazenda Pública já se vale da cobrança administrativa, mediante protesto, mediante inscrição do crédito em órgão de avaliação de crédito, como Serasa ou SPC. Então, este projeto tem essa faculdade, esse é um meio alternativo, uma nova opção, justamente para evitar levar à execução ao Judiciário. Depois de todas essas fases, depois da CDA ter sido protestada, depois de o nome ter sido inserido, ela acaba tendo que ser ajuizada. Aqui, no Distrito Federal, nós também temos um corte: hoje nós só ajuizamos IPTU e IPVA acima de - salvo engano - R$6,8 mil. Mas o que que acaba acontecendo? Depois de quatro anos de inadimplência, Senador, essa execução acaba tendo que ser movida, e a lei local, pelo menos, diz que, se for prescrever, eu sou obrigado a mover execução, por conta justamente da característica desses tributos. Eu sei que há um bem, eu sei que há um bem ali, que é o imóvel ou o veículo, e eu posso depois, como gestor, ser acusado de ter aberto mão de cobrar um crédito relativo a um bem que eu sabia que existia, porque eu não havia conseguido satisfazê-lo antes pela via da cobrança administrativa. |
| R | Então, esse projeto, na verdade, faculta que eu, adotando esse procedimento, não precise ir ao Poder Judiciário, porque hoje eu acabo tendo que ir. E os Municípios... Isso é algo que a gente verifica também pelos números. Muitos Estados... O Estado de São Paulo - não é, Ricardo? - separa a cobrança: do crédito municipal numa vara e, do crédito estadual, noutra vara. O que a gente verifica hoje é que muitos Municípios, talvez por falta de recursos ou falta de organização, não têm outro meio que não a execução fiscal. Então, eles, de fato, levam inúmeras ações ao Poder Judiciário. Os números que são apresentados na justificativa de V. Exa., Senador, mostram isso. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, tem 12 milhões de execuções fiscais hoje, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, algo em torno de 6,5 milhões. Quando a gente compara isso com os números da Justiça Federal, vê que esses números estão muito além dos números da Justiça Federal. Por exemplo: o TRF da terceira, sediado em São Paulo, cuja competência abrange também o Estado do Mato Grosso do Sul, tem 1,7 milhão de execuções fiscais. Então, dentro desse valor de 12 milhões de execuções aqui no TJ de São Paulo, certamente, a maior parte delas é de execução de IPTU. São Estados que não conseguiram se organizar ainda para cobrarem nessa via administrativa e acabam só tendo a execução fiscal como meio de cobrança. Eram essas as considerações. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Flavio - certamente a Larissa Dantas, do Ceará, agradece. Eu queria, antes de encerrar, fazer um agradecimento muito especial pela presença dos senhores. Como eu disse, no primeiro painel também houve um comparecimento cívico, voluntário. Agradeço muito, portanto, a presença do Dr. Thiago Sorrentino; do Dr. Ricardo Nogueira, que nos trouxe um número de assustar: só no Município, um milhão e meio de ações - ficaram no Município de São Paulo, ainda que seja o maior Município do Brasil -; do Procurador Saboia, do Estado do Pará, também com ponderações muito lúcidas. Ao Dr. Flávio Jardim, o nosso agradecimento especial, o grande inspirador desse projeto e, em especial, na parte relativa à execução fiscal administrativa. Nós percebemos neste debate, não há dúvida alguma, que, se aprovado, o projeto vai desafogar em muito a Justiça brasileira. Só por isso já seria um grande alento, além, é claro também, de prestigiar os bons pagadores e ajudar a resolução desses conflitos tributários favorecendo o fisco, quando ele tem toda a condição de funcionar adequadamente e sem o encargo do Poder Judiciário, que, nós sabemos, é muito oneroso. Desse modo, agradecendo muito e contando com essas contribuições que aqui foram trazidas e vão ser entregues também à nossa assessoria, eu quero declarar encerrada a presente reunião. Muito obrigado. (Iniciada às 14 horas e 09 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 14 minutos.) |

