24/08/2020 - 28ª - Comissão Mista destinada a acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas ao coronavírus (Covid-19)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO. Fala da Presidência.) - Bom dia a todos. Bom dia, senhores convidados, convidadas; bom dia, Srs. Deputados, Senadores; bom dia, Deputado Francisco Jr., ainda em recuperação, mas está com a cara muito boa, saiu-se muito bem dessa fase aguda da doença - feliz pela sua presença.
Vamos abrir nossa audiência no horário certo.
Havendo número regimental, declaro aberta a 28ª Reunião da Comissão Mista criada pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, que tem por objetivo acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à emergência em saúde pública de importância internacional relacionada à Covid-19.
O rito do uso da palavra todos os Parlamentares já sabem, é a 28ª audiência pública com a participação, e as questões de ordem e o uso da palavra pela Liderança, se forem necessários, ao fim da nossa audiência.
O objetivo desta audiência pública é debater os principais riscos fiscais e macroeconômicos da Covid-19, as estratégias internacionais de enfrentamento e como a experiência brasileira no combate à crise interna pode contribuir também para as ações de mitigação.
Nossos convidados são Joana Pereira, representante do Fundo Monetário Internacional no Brasil; Rafael Muñoz Moreno, Coordenador de Operações em Economia, Governança e Desenvolvimento do Banco Mundial no Brasil; Morgan Doyle, representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil; Paulo Nogueira Batista Jr., ex-Diretor-Executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI); e Felipe Salto, nosso Diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente, aqui do Senado Federal.
Então, vamos deixar para votar a ata da reunião passada quando tivermos quórum qualificado.
Nós vamos começar... (Pausa.)
Devido a alguns dos convidados da sequência aqui ainda não estarem na sala por dificuldade de acesso, vamos passar a palavra para quem já está presente. Como são cinco palestrantes, vamos cuidar do tempo, para não ficar muito longo, muito cansativo.
O primeiro a usar a palavra será Morgan Doyle, representando o Banco Interamericano; depois, Paulo Nogueira Batista Jr.; depois, à medida que forem entrando os outros, nós vamos passando a palavra.
Antes eu quero aproveitar o quórum de presença.
Havendo número regimental, eu coloco em votação a Ata da 27ª Reunião, solicitando a dispensa da sua leitura.
Os Parlamentares que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Está aprovada.
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Então, passo a palavra ao Dr. Morgan Doyle pelo tempo de 15 minutos para a sua apresentação.
O senhor pode falar, doutor.
O SR. MORGAN DOYLE (Para expor.) - Muito obrigado.
Bom dia, Senador Confúcio Moura, Presidente desta Comissão, e demais Parlamentares membros, a quem cumprimento. Bom dia aos demais apresentadores da reunião de hoje e a todos que nos acompanham.
É um prazer compartilhar o que o Banco Interamericano de Desenvolvimento vem fazendo no Brasil em resposta à pandemia. Agradecemos muito o convite para participar desta audiência.
Estamos comprometidos em apoiar o Brasil tanto na urgência sanitária quanto nas necessidades para a retomada da economia. E, antes de detalhar o que temos feito para combater a pandemia, gostaria de apresentar brevemente uma visão global das nossas atividades no País.
O grupo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é composto pelo BID, que atende o setor público, o BID Invest, que atende o setor privado, e o BID Lab, que é o nosso laboratório de inovação.
Temos uma carteira em execução no País de 84 operações com o setor público, distribuídas em áreas como infraestrutura, recursos naturais, social, gestão fiscal e maior inserção do Estado. Trabalhamos tanto com a União quanto com os Estados e Municípios. São um pouquinho mais de US$11 bilhões em projetos relevantes para o desenvolvimento do Brasil.
Temos operações relevantes em andamento na grande maioria dos entes federativos brasileiros em programas emblemáticos que muito nos orgulham como o Profisco (Programa de Apoio à Gestão dos Fiscos do Brasil), que ajudou os Estados participantes a aumentarem em até 10% a sua arrecadação, além de dar mais transparência à gestão pública por meio da nota fiscal eletrônica.
O nosso apoio ao setor privado, que tem tido um grande foco em infraestrutura e mercado financeiro, possui uma carteira ativa de US$1,5 bilhão no Brasil.
O BID Lab nos serve para a construção de protótipos para futura escala em inovação, agricultura e fortalecimento do ecossistema das startups no Brasil.
Nossas cooperações técnicas são importantes instrumentos, não reembolsáveis, para transferir tecnologia e boas práticas, apoiar desenhos de reforma política, entre outros.
Acreditamos que tão importante quanto os recursos financeiros está a nossa capacidade de alavancar e aplicar conhecimento. Por isso, temos ampliado ainda mais os nossos esforços para produzir e compartilhar análises, relatórios e recomendações que possam ajudar os países membros neste momento tão complexo.
Partindo para a pandemia, o banco tem trabalhado em uma série de frentes para as operações vigentes. Estamos agilizando processos de compras, realocando recursos e colocando à disposição dos nossos parceiros o nosso conhecimento técnico. Devemos também dobrar os desembolsos para o Brasil neste ano de 2020.
Como em todos os países, a pandemia implicou tremendo esforço para atender uma demanda radicalmente diferente do que achávamos no começo do ano. Isso significou um pivô completo quanto à programação de 2020, assinando quase a totalidade dos US$2,3 bilhões para a Covid-19. Há duas semanas, inclusive, a nossa diretoria aprovou uma operação de US$1 bilhão para ajudar famílias vulneráveis e trabalhadores no Brasil - US$400 milhões serão direcionados para auxílio emergencial, e o valor é equivalente a três meses de ajuda para 475 mil famílias. Essa operação foi coordenada com o Banco Mundial, com a NDB, com a CAF, com a Agência Francesa de Desenvolvimento, e com a KFW.
Adicionalmente, nossas equipes têm buscado aproveitar ao máximo a carteira existente e puderam realizar cerca de 40 iniciativas e ações para atender demandas da pandemia que representam mais de US$200 milhões em 11 Estados do Brasil. Alguns exemplos dessa aplicação são a aquisição de respiradores e equipamentos de proteção individual no Ceará e no Amazonas; a instalação de hospitais de campanha; inovações para proteger os profissionais de saúde, como o túnel de desinfecção em Salvador; e a adoção de telemedicina na cidade de São Paulo. Temos realizado a conversão da dívida do Sabesp de quase US$500 milhões a reais, reduzindo a exposição cambial da companhia neste momento.
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Com a liderança da nossa diretoria, o BID criou um mecanismo de aprovação rápida em que os recursos podem ser liberados em tempo recorde. Para este mecanismo definimos quatro áreas prioritárias de ação: saúde pública, redes de proteção para populações vulneráveis, produtividade econômica e emprego, e políticas fiscais para aliviar os impactos econômicos da crise. Estamos trabalhando ainda em produtos adicionais que podem entrar em vigor em 2021. Trata-se de um programa de investimentos em infraestrutura sustentável para gerar emprego e outro para assegurar a resiliência das cadeias de fornecedores com especial ênfase na segurança alimentar e na integração.
Para além da crise, as necessidades deste País de dimensões continentais são muito grandes. Isso exige que sejamos estratégicos e inovadores para atender as suas demandas. Demos uma oportunidade para explorar instrumentos que são particularmente relevantes para o Brasil. Um exemplo seria um financiamento temático abrangente que permita gerar sinergia e complementaridade entre diferentes áreas para projetos multitemáticos. Com isso, procuramos garantir o maior alcance e impacto das nossas intervenções. Visamos a um modelo de negócio diferenciado por tipo de cliente. Assim, queremos diversificar utilizando diferentes tipos de instrumentos: empréstimos, garantias, assegurar a disposição em reais, considerando o tipo de projeto, a experiência, bem como a capacidade do cliente. Nesse sentido, a abordagem abrangente e multissetorial será fundamental. Estamos colaborando estreitamente com Estados, especialmente com o Norte e o Nordeste, na formulação das estratégias integrais de desenvolvimento sustentável, e com os Municípios na elaboração de planos metropolitanos, envolvendo diversos setores.
Também acreditamos, diante do cenário fiscal delicado que tanto o Brasil quanto os demais países da região estão experimentando, que será crucial criar um ambiente propício para o desempenho de projetos com investimento privado, o que pode ser feito por meio de PPPs e de instrumentos financiadores inovadores, como os títulos verdes e sustentáveis.
Outro ponto a destacar é que temos trabalhado com vários parceiros aqui no País: com o BNDES na estruturação de uma carteira de gestão de resíduos sólidos urbanos; como o BDMG em concessões rodoviárias estratégicas; com Santa Catarina na construção de um hospital público-privado; com várias entidades federativas em projetos estruturantes. Temos o fundo estruturador do projeto com a Caixa e uma linha com o BNDES e com a IFC que vêm permitindo o desenho de projetos mais bem estruturados para terem sucesso. Entretanto, considerando as necessidades de investimento do País, que estão na ordem dos trilhões, e a grande necessidade de melhorar a qualidade dos projetos, acreditamos que há espaço para fortalecer ainda mais nosso apoio nesse sentido, tanto no desenho das operações quanto na oferta do financiamento de garantias.
Outra área em que vemos muito espaço para explorar tem a ver com a inovação, oferecendo mais oportunidades para fortalecer o ecossistema de inovação do País e ajudando os governos a absorverem novas tecnologias e a executarem serviços com melhor custo-efetividade e melhores resultados aos cidadãos.
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Em síntese, são esforços em diferentes frentes, que se somam ao empenho do Brasil para lidar com uma crise inesperada que interrompeu a retomada do crescimento que o País vinha ensaiando.
Além de ajudar o País a atravessar esse período, queremos também auxiliar o Brasil a planejar os próximos passos no seu caminho do desenvolvimento. Acreditamos que o cenário também é a oportunidade de superar alguns desafios históricos que se impõem ao País, como questões de eficiência, produtividade, competitividade e desigualdade. E sabemos que, com estratégia, equilíbrio fiscal, sustentabilidade e inovação, é possível atingir esses objetivos.
Temos o orgulho de conhecer o País de perto. O Brasil é um dos países fundadores do BID, além de termos uma experiência internacional abrangente e consolidada.
Nós e nossos técnicos estamos à disposição, inclusive, dos Deputados e Senadores para apresentar nossos mais recentes estudos, com propostas concretas para desafios que se apresentem ao País em áreas como infraestrutura, computação pública na nuvem, entre outros.
Para encerrar, o Brasil é muito importante para o grupo BID. Estamos somando todos os nossos esforços para atender as necessidades do País tanto na emergência sanitária quanto na retomada da economia.
Continuem contando conosco.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Morgan Doyle, representação do BID no Brasil. Muito obrigado pela sua apresentação. Gostaríamos muito de ter todo esse material que V. Sa. preparou em nossa Comissão para justamente consubstanciar os nossos relatórios de futuro.
Eu passo a palavra para o Dr. Paulo Nogueira Batista Jr. pelo tempo de 15 minutos para fazer a sua apresentação. Muito obrigado.
Pode falar, doutor.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Bom dia. Eu queria, em primeiro lugar, agradecer ao Senador Confúcio Moura, ao Deputado João Campos e aos demais membros da Comissão Mista do Congresso pelo convite para vir aqui falar um pouco sobre as questões fiscais e macroeconômicas decorrentes da crise da Covid-19, da pandemia.
Eu vou focar, sobretudo, na questão das finanças públicas, mas queria dizer que a crise provocada pela Covid-19 no Brasil, na realidade, agravou dois problemas econômicos, dois problemas macroeconômicos preexistentes. Agravou substancialmente a questão fiscal, a questão do desequilíbrio das contas públicas, primeiro; e, segundo, a questão do desemprego. Eu vou tratar brevemente da questão das finanças públicas, do déficit fiscal, mas sempre com o olho no outro grande problema, que é a questão do desemprego.
Eu queria dizer, Senador, em primeiro lugar, que eu acredito que o debate público sobre a questão fiscal, sobre a questão das contas públicas no Brasil tem sido bastante deficiente. Eu lembro que, em 2018 e 2019, portanto antes da pandemia, havia quase que um consenso entre economistas de que o Estado brasileiro estava falido, quebrado. E, impressionados com esse consenso entre economistas, alguns candidatos a Presidente da República em 2018, inclusive, aderiram a essa tese de falência do Estado brasileiro. Estranhamente, até Paulo Guedes, já na condição de Ministro da Economia, aderiu a essa ideia de que o Estado brasileiro estava quebrado e, inclusive, alardeava a ideia em seus pronunciamentos.
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A solução urgente, dizia-se, era privatizar, aplicar uma série de reformas ditas estruturais, começando pela da previdência, sob pena de cairmos na insolvência estatal, na explosão dos juros, no descontrole da inflação.
Então, não quero dizer que as reformas não sejam importantes, que o Brasil não precisa de reformas, mas vejam bem que, na época em que se alardeava a ideia da quebra do Estado, em 2018 e 2019, o déficit público brasileiro total andava por volta de 6% a 7% do PIB; e a dívida pública bruta, em torno de 75% do PIB. Agora em 2020, com a pandemia da Covid-19, a recessão provocada, o aumento do desemprego, a ampliação dos gastos e a queda da arrecadação, o déficit público consolidado do setor público como um todo deve subir para 16%. Era 6%, 7% e agora está em 16% do PIB. E a dívida bruta, que era 75% do PIB, deve se aproximar de 95% do PIB no final deste ano, segundo projeções oficiais recentes. Ao mesmo tempo, o desemprego estourou - a taxa de desemprego aberta, a taxa de desemprego ampliada -, o nível de emprego caiu.
Bem, se o Estado estava falido antes, com números bem melhores, o que dizer agora? O que dizem agora, dessa suposta falência estatal, os economistas que antes, com números melhores, pregavam a quebra do Estado? Nós deveríamos estar experimentando, Senadores e Deputados, um ou mais dos seguintes fenômenos: interrupção do pagamento da dívida, alta acentuada da taxa da inflação, alta acentuada das taxas de juros. Nada disso aconteceu. É verdade que a dívida está sendo refinanciada a prazos mais curtos, mas não houve interrupção do pagamento. A taxa de juros básica nunca esteve tão baixa, e a taxa de inflação também não. Então, há um descompasso entre o discurso predominante dos economistas e a realidade da economia brasileira, não é?
Eu queria dizer aos senhores que o Estado brasileiro, se você deixar de lado alguns Estados subnacionais, alguns governos subnacionais que, sim, estão quebrados e inclusive Estados importantes da Federação, não está falido - não estava antes e não está agora. E essa observação tem importantes implicações práticas: o diagnóstico da falência do Estado, senhores, estava prejudicado, a meu ver, por uma série de equívocos conceituais ou empíricos, entre eles a ideia de que existe um limite facilmente identificável para a dívida como proporção do PIB ou para emissão monetária de moeda; o foco na dívida bruta do setor público e não na dívida líquida, que é muito menor do que a dívida bruta quando se leva em conta os ativos que o Estado brasileiro tem, sobretudo reservas internacionais; terceiro, não se leva na devida conta que a dívida pública brasileira é interna - a dívida pública externa é negativa: vale dizer, os créditos que temos em moeda estrangeira, no setor público, são maiores do que os seus passivos externos em moeda estrangeira, ou indexada à taxa de câmbio -; e, finalmente, a dívida pública brasileira está na mão de residentes, que é uma base mais estável de investidores.
Tendo feito brevemente essas ressalvas, eu não quero, de forma nenhuma, passar a impressão de que a situação das contas públicas no Brasil é tranquila. Não é isso que estou dizendo. Como poderíamos estar tranquilos com os números que eu mencionei há pouco sobre 2020? Mas é importante afastar soluções que são perigosas e inconvenientes. Por exemplo, a ideia de que se precise fazer, já em 2021, um ajustamento drástico das contas públicas, do gasto público.
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Afirma-se, às vezes, - inclusive membros da equipe econômica dizem - que a austeridade fiscal rápida provocaria um aumento súbito da confiança e isso não permitiria fazê-la sem recessão. Essa tese, que é a tese do ajustamento fiscal expansionista, não tem base na realidade empírica nem na experiência internacional, no meu modo de ver, mas ela é, volta e meia, repetida. Essa questão é importante porque o Congresso terá que voltar até o final do mês o Projeto de Lei Orçamentária para 2021, então essa questão está na Ordem do Dia. Então, não acredito que seja viável ou interessante tentar, em 2021, o ajustamento drástico das contas públicas, sobretudo pela via do gasto.
O que fazer então? É preciso reconhecer, sim, que a situação das contas públicas requer cuidados, mas, tendo em vista a preocupação com o nível de atividade e de emprego, seria melhor passar ao ajustamento das contas ao longo de vários anos, reduzindo gradativamente o déficit primário do setor público e adotando, de preferência, uma regra fiscal mais racional, mais bem formulada do que as regras atualmente existentes, que são três na realidade. Não estão sendo aplicadas agora, em 2020, por causa da emergência sanitária, mas as regras que existem são o teto constitucional, que é uma regra altamente controvertida e com razão - nós tivemos recentemente na imprensa brasileira dois grandes manifestos: um a favor do teto, propondo o rebaixamento do piso, assinado por economistas mais ortodoxos; e um segundo, assinado por economistas mais heterodoxos, criticando e propondo a supressão do teto; então, há uma controvérsia muito grande no momento sobre isso -, mas há também a regra de ouro e a meta de resultado primário. Teriam que ser reexaminadas as regras existentes e introduzida uma regra mais racional do que essas, que permitisse um ajustamento gradual do Estado brasileiro ao longo dos anos seguintes.
Eu quero frisar que o ajustamento das contas públicas não impede, até recomenda que o Estado promova o crescimento econômico, lançando mão dos bancos públicos federais, com o devido cuidado, mantendo a combinação de câmbio depreciado e juros baixos e usando a própria política fiscal para alavancar o crescimento. O crescimento da economia facilitaria inclusive o ajustamento das contas públicas, pois elevaria a base sobre a qual incidem os tributos e permitiria a redução de certos gastos, como, por exemplo, o gasto com seguro-desemprego.
Em resumo, é preciso, no meu entender, combinar crescimento econômico com ajustamento fiscal; ajustamento fiscal com desenvolvimento, em outras palavras. Isso inclui retomar o investimento público, que está baixíssimo, e manter transferências elevadas a pessoas de baixa renda, que têm alta propensão a gastar, a consumir e, portanto, ajudam na sustentação do nível de atividade e de emprego. Ao mesmo tempo, é preciso aplicar severa disciplina, no meu modo de ver, sobre gastos não essenciais, revendo inclusive os gastos tributários, as chamadas renúncias fiscais, que são muito altas, algo superior a 4% do PIB, segundo estimativas da Receita Federal.
Se for necessário aumentar impostos, e acredito que será, cabe fazê-lo sobre os ricos e os super-ricos, que pagam pouco no Brasil e têm baixa propensão a gastar. Vejam os senhores que essa questão da tributação dos ricos e super-ricos está praticamente ausente do debate público brasileiro sobre finanças governamentais. E é impressionante que assim seja. Por exemplo, esse longo manifesto publicado por economistas que defenderam o rebaixamento do piso para poder sustentar o teto constitucional, apesar de longo, não tem uma linha sequer dedicada à questão da justiça tributária e à necessidade de extrair uma contribuição maior para o financiamento do Estado dos super-ricos, nem uma linha.
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O jornal Folha de S.Paulo, juntamente com a Confederação Nacional da Indústria, publicou um interessante relatório sobre peso dos tributos no custo Brasil, de 12 páginas, agora no dia 7 de agosto. E conseguiu, em 12 páginas, a mesma proeza que os economistas autores do manifesto em defesa do teto: não dedicar uma linha sequer à questão das injustiças do sistema tributário. E, no entanto, a injustiça do sistema tributário salta aos olhos - salta aos olhos. E queria, para terminar este breve comentário, falar um pouco sobre isso.
O sistema tributário brasileiro é regressivo, no sentido de que ele onera proporcionalmente mais os de menor renda e proporcionalmente menos os de maior renda. Os mais ricos são pouco tributados no Brasil. Eu diria até mesmo que o Brasil é um paraíso fiscal para os super-ricos.
Quais são as causas da injustiça tributária do sistema brasileiro? Basicamente quatro: o peso dos tributos indiretos; segundo, a baixa progressividade do Imposto de Renda; terceiro, a reduzida tributação sobre patrimônio; quarto, as fragilidades da administração tributária. Como o tempo é curto, eu vou falar só dos itens dois e três, da baixa progressividade do Imposto de Renda e da baixa tributação sobre patrimônio.
O Imposto de Renda Pessoa Física no Brasil é pouco progressivo. Ele é progressivo, mas ele é pouco progressivo; ele chega a ser regressivo, chega a onerar proporcionalmente menos os mais ricos a partir de certo nível de rendimento, especificamente a partir da faixa de 30 a 40 salários mínimos mensais, consideradas as rendas do trabalho e do capital.
Vejam os senhores que a alíquota marginal máxima, que é de 27,5%, é baixa para padrões internacionais e é mais baixa do que já foi no próprio Brasil. No Brasil, a alíquota marginal máxima sobre as faixas mais altas de renda já foi de 45% até a reforma de 1988 e ficou sempre acima de 50% durante os governos militares. Além disso, notem os senhores que as rendas de capital ou de propriedade, excetuados os alugueis, ou estão isentas de tributação na pessoa física ou estão fora da tabela progressiva aplicada aos rendimentos do trabalho e aos alugueis, ficando submetidas à tributação proporcional de baixa progressividade. Desde 1995, por uma lei instituída no Governo Fernando Henrique Cardoso, os lucros e dividendos distribuídos a sócios e acionistas estão isentos de tributação, mesmo quando remetidos ao exterior. E os rendimentos das aplicações financeiras são tributados exclusivamente na fonte e de forma não progressiva, com alíquotas reduzidas, mais reduzidas do que aquelas que se aplicam às faixas mais altas de rendimento do trabalho e dos alugueis. Os aplicadores estrangeiros - reparem nesse detalhe - estão isentos de tributação progressiva. Assim, um brasileiro rico pode, por exemplo, remeter recursos ao exterior, retornar ao País travestido de aplicador estrangeiro, beneficiando-se, assim, de isenção sobre os rendimentos de suas aplicações financeiras no Brasil.
E, por último, a tributação sobre patrimônio é baixa para padrões internacionais. Por exemplo, a alíquota máxima do imposto sobre heranças e doações, que é de competência estadual, é de apenas 8%, inferior à que prevalece em países da OCDE, inclusive inferior à que prevalece em países emergentes como o Brasil.
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O IPVA, que também é de competência estadual, não incide sobre iates e aviões particulares, por exemplo. O Imposto Territorial Rural arrecada muito pouco, respondendo por apenas 0,1% da arrecadação total. O IPTU incide sobre imóveis subavaliados.
Existe no Brasil, os senhores sabem, desde 1988, o Imposto sobre Grandes Fortunas, mas, infelizmente, só na Constituição; nunca foi criado. Reparem que os Constituintes introduziram deliberadamente o adjetivo "grandes". O objetivo era taxar os super-ricos e, se tivesse sido criado, o IGF, o Imposto sobre Grandes Fortunas, seria o único imposto na história brasileira a incidir exclusivamente sobre os ricos, não atingindo nem a classe média, nem os pobres. Talvez não por acaso permanece até hoje letra morta.
Por último, Senador Confúcio, uma palavra final sobre um aspecto que é frequentemente referido por aqueles que são contra a tributação sobre os super-ricos. Ela provocaria fuga de capitais para o exterior, frustrando as tentativas de tributar? Esse risco existe e é sempre destacado pelos opositores da progressividade da justiça tributária, mas eu acredito que ele é menor do que geralmente se pensa. Primeiro, qualquer tentativa de se transferir recurso ao exterior em resposta ao aumento da tributação sobre os super-ricos provocaria depreciação cambial. Essa depreciação não seria necessariamente negativa; pode estimular os setores que competem com exportações, aqueles que competem com importações no mercado interno e pode também facilitar o ajustamento do balanço de pagamentos em conta corrente, o que, às vezes, é necessário. E também a depreciação encarece a transferência de capital para o exterior e a desestimula, portanto.
Se esses mecanismos de mercado não forem suficientes - talvez não sejam -, cabe reforçar a fiscalização tributária sobre o movimento de capital e retomar controle sobre a conta de capitais no balanço de pagamentos, revertendo pontualmente e de forma seletiva a liberalização que remonta aos Governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.
Obrigado, Senador. Devolvo a palavra.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Paulo Nogueira Batista.
Eu aviso a todos os palestrantes - Dra. Joana, Rafael, Morgan, Paulo Nogueira e Felipe - que cada um tem 15 minutos de fala, podendo ser prorrogados por um ou dois minutos. A seguir, entramos nos debates. O primeiro a falar será o Relator, Deputado Francisco Jr., e, consequentemente, os outros Parlamentares inscritos. Essa é a sequência. Após todas as respostas, nós encerramos a nossa audiência pública.
Eu passo a palavra agora à Dra. Joana Pereira, representante do Fundo Monetário Internacional (FMI) no Brasil.
Dra. Joana, a senhora está com a palavra.
A SRA. JOANA PEREIRA (Para expor.) - Bom dia! Bom dia a todos, bom dia, Senador Confúcio Moura! (Falha no áudio.)
Gostaria primeiro de agradecer à Comissão e ao Senador, em particular, pelo convite para participar desta audiência.
Eu tenho planeada uma apresentação curta, que tem muito enfoque na economia internacional e que espero seja um complemento às apresentações dos demais palestrantes.
Vou tentar colocar a apresentação.
Não sei se conseguem ver.
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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Pode continuar, doutora. Está ótimo. Está boa. Estamos vendo.
A SRA. JOANA PEREIRA - O.k.
Estou tentando só... (Pausa.)
Como eu dizia, a apresentação foca no impacto sentido na crise gerada pela Covid-19 na economia mundial. Eu vou começar por debater um pouco de que forma ela impactou e como o FMI vê quantitativamente esse impacto em 2020 e 2021. Passarei depois para os primeiros sinais que estamos vendo de retomada da economia, como os vários países têm tentado formatar o efeito econômico e como o FMI tem ajudado no processo.
A Covid-19 é um choque econômico sem precedentes - nossa diretora diz essa frase várias vezes. O que isso significa? Ela é sem precedentes em três tipos de aspectos. Primeiro que tudo, ela é excepcionalmente forte, é um choque particularmente grande, mais severo que o das crises de 2008 e 2019, que afeta não só todos os países, mas também todos os setores. Em particular, ela afeta o setor de serviços, que tem sido mais resguardado noutras crises, como na de 2018 e 2019 e mesmo aqui no Brasil, em 2015 e 2016, no passado. Ela trouxe também uma excepcional queda no consumo, o que é atípico também de crises dessa dimensão. Tipicamente o setor que é mais afetado é o setor de investimentos, de comércio internacional, enquanto que as famílias tipicamente conseguem recorrer a poupanças que tenham e sustentam níveis de consumo, o que desta vez não foi observado. Na verdade, essa queda de consumo está intimamente ligada à queda no setor de serviços.
O segundo aspecto em que ela é sem precedentes tem a ver com a elevada incerteza quanto à duração da crise e ao risco de um relapso, de voltarmos a ter necessidade de políticas de isolamento social quer dirigidas pelo Governo, quer em nível voluntário e, na própria evolução da crise de saúde, como vai se comportar o vírus, quando vamos ter uma vacina e tudo mais. Tudo isso traz um contexto de muita incerteza quanto às projeções econômicas. Todos os números que eu vou citar aqui para o futuro são números que têm um elevado grau de incerteza, mais do que o habitual.
Por outro lado e numa nota mais positiva, é também o momento em que o tamanho da resposta de política econômica, quer no grupo de países avançados e economias desenvolvidas, quer em economias em desenvolvimento e mercados emergentes é também sem precedentes. Ela atinge níveis muito acima daquilo que foi observado, por exemplo, em 2008 e 2009.
Assim sendo, o FMI, que previa, em janeiro deste ano, um crescimento para a economia mundial acima de 3%, tem revisto em baixa essa expectativa.
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Nesse momento, pelas últimas projeções, que foram publicadas no final de junho, essa projeção foi revisada para quase -5%, sendo que as economias desenvolvidas são as mais impactadas, com -8%, enquanto o restante das economias, emergentes e em desenvolvimento, sofreriam uma contração este ano de cerca de 3%.
Notadamente, quase 90% das economias estão contraindo este ano. A exceção é por causa da China, que, embora tenha visto a sua perspectiva de crescimento revisada em baixa substancialmente, ainda assim esperamos que venha a crescer em 1% este ano.
A recuperação em 2021 é expressiva, mas não será completa, de forma que, no final de 2021, espera-se ainda que os níveis de PIB mundial estejam cerca de 9% abaixo daquilo que era o nível esperado em janeiro deste ano.
Como eu indiquei antes, o setor que tem sido mais afetado é o setor de serviços. Esse conjunto de gráficos mostra a situação no início da crise, nos meses de abril e maio. O gráfico da esquerda mostra um índice de atividade, que se interpreta da seguinte forma: barras acima do nível 50, onde está essa linha preta tracejada, significam que é um setor que está em expansão; barras abaixo são um setor em contração com relação ao mês anterior, e o que a gente vê é que, quer para as economias avançadas, aí marcadas como AE, como para os emergentes, o mês de abril foi o mês em que se registraram as maiores quedas, quer em nível industrial, que são as duas barras da direita, os dois grupos - desculpem, são os dois grupos da esquerda -, quer no setor de serviços, mas a queda nos serviços foi bastante mais expressiva. Essa queda esteve, num grupo de países onde foi possível identificar, para o mês de abril, que é o gráfico do meio, intimamente ligada com as restrições à mobilidade ao local de trabalho.
A gente vê uma enorme disparidade de queda no setor de serviços: por exemplo, entre as economias europeias que foram mais afetadas pela pandemia, como Itália, Espanha, Reino Unido, a queda nos serviços no mês de abril atingiu 70%, enquanto, por exemplo, no Brasil, a queda foi da ordem de 25% a 30%. Consequentemente, os índices de emprego caíram expressivamente nesses meses de abril e maio. Eles têm se recuperado, em algumas economias fortemente até, em junho e julho, mas os meses de abril e maio viram fortes quedas de emprego, em particular aqui, na zona das Américas.
Os únicos países aqui representados são Canadá, Estados Unidos e Brasil, Canadá e Estados Unidos tendo sofrido lamentáveis e sucessivas quedas de emprego, mas se a gente colocasse aqui Chile, Peru, Colômbia, veríamos também expressivas quedas de emprego, e esse assunto toca o problema ressaltado pelo representante do BID no Brasil, Morgan Doyle, de que essa queda de emprego tem se concentrado essencialmente no setor informal, entre trabalhadores de mais baixa renda e com menores qualificações, o que significa que, não fosse pelo apoio que tem sido provido pelos vários governos, a crise de Covid traria um enorme retrocesso nos ganhos que temos verificado nas últimas décadas de diminuição de pobreza.
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A crise de Covid-19 trouxe também, tal como a crise de 2008, uma queda abrupta no comércio mundial. No gráfico da esquerda, a gente vê as linhas em vermelho representando o impacto da Covid nos volumes e valores de comércio mundial desde o início da crise. A linha horizontal marca o número de meses desde o início da crise. O que a gente vê aqui é que a queda foi semelhante àquela que foi observada durante a crise financeira mundial de 2008; em termos de volume de comércio, foi mais expressiva, mas foi um pouquinho menor em termos de valores de comércio. No total deste ano, o FMI estima que o comércio mundial tenha uma queda de cerca de 12%, o que é semelhante ao que foi observado em 2008, 2009.
Em termos de preços de commodities, que são bastante relevantes para a região, incluindo o Brasil, notoriamente, o preço de energia e de petróleo caiu expressivamente no início da crise, em abril e maio; ele se recuperou, e a expectativa que nós temos é que ele se mantenha num nível entre 40 e 50 até o final do ano, o que significaria uma diferença para os níveis médios de 2019 de mais ou menos (Falha no áudio.) Os preços das commodities agrícolas - aí ver a linha vermelha - e de metais sofreram menos com a Covid, porque os setores que elas servem foram menos afetados, notoriamente alimentação e construção, enquanto o petróleo está mais ligado ao setor de transporte, que, esse, sim, foi muito afetado, especialmente nos primeiros momentos, nos primeiros meses da crise.
Da mesma forma, a Covid trouxe uma enorme pioria de condições financeiras para os mercados emergentes em geral. E, por isso, o Brasil, como os outros países emergentes, viu uma saída importante de capitais estrangeiros, investimentos em carteira, mais notoriamente, quer em títulos de dívida, quer em debêntures, nos primeiros cem dias da crise. Essa tendência se reverteu nos últimos meses, muito por conta das medidas que foram avançadas pelos bancos centrais, que trouxeram mais confiança, mas não existe ainda uma total reversão com relação ao momento inicial da crise.
No que toca à parte de varejo, ao comércio varejista, eu tenho aqui dois gráficos que mostram a comparação entre o que aconteceu no varejo no início da crise e qual é a situação atual. E eu coloquei aqui, por comparação, a variação na indústria. Como eu tinha indicado, a indústria sofreu no início da crise. Ela caiu... Existe uma enorme variedade entre os vários países, mas ela caiu, na média, 15% a 20% no mês de abril e tem vindo a se recuperar. Se continuasse esse gráfico em julho, os primeiros indicadores mostram uma continuação de recuperação. O chamado retalho no varejo caiu até bastante menos na maioria dos países e, na verdade, se recuperou também rápido. Então, na maioria dos países, incluindo o Brasil, chegando a junho e especialmente agora olhando julho e agosto, o varejo retomou, se não mesmo superou, os níveis que estávamos observando antes da Covid.
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O setor que permanece bastante penalizado é o setor de serviços. E, mais uma vez, eu tenho aqui um gráfico, dois gráficos que têm uma interpretação semelhante à desse gráfico da esquerda, que eu mostrei antes, ou seja, essas barras mostram se o setor da indústria, à esquerda, ou dos serviços, à direita, está em expansão ou em contração com relação ao mês anterior, sendo que números acima de 50 denotam expansão. O que a gente vê é que, para a grande maioria dos países, a indústria, neste momento, está em território expansionista. Em alguns países, desde junho, que são as datas amarelas, mas, na maioria, certamente, em julho, com algumas exceções, especialmente nos mercados emergentes, como México, Índia, Indonésia, que são países que ainda sofrem contração no setor da indústria; já no setor de serviços, essa recuperação tem sido mais recente. O Brasil, em particular, ainda não está em território expansionista, de acordo com esse índice. Esses índices são sempre indicativos. Eles são baseados em pesquisas empresariais. Então, não é o dado final, o dado completo, mas eles dão uma indicação de como, no Brasil, assim como em outros países, o setor de serviços, que depende mais de uma relação presencial, continua mais fraco que a indústria.
De onde vem essa recuperação? Primeiro de tudo, a economia tem começado a se recuperar, desde o mês de maio, porque, pelo mundo afora, há menos necessidade de políticas de isolamento social. Então, na medida em que os vários países vão conseguindo controlar a pandemia... Deveria dizer que esses gráficos aqui não incluem a China, mas, no caso da China, como todo o efeito ou a maioria do efeito foi sentido em janeiro e fevereiro, já em março, abril, maio, tinha havido uma abertura da economia que, sim, iniciou uma recuperação expressiva na China, que se está potenciando no segundo trimestre.
Mas para além desse (Falha no áudio.)
... das políticas de isolamento social, existiu também, e de forma sem precedentes, uma resposta massiva dos vários Governos à pandemia. Eu trago aqui dois tipos de resposta. Primeiro de tudo, a que tem a ver com respostas de política fiscal. No gráfico da esquerda, eu coloquei para vários países qual foi o tamanho, em percentagem do PIB, das respostas que estão dentro do orçamento. São as barrinhas vermelhas, ou seja, que tomam a forma ou de despesas adicionais - tipicamente programas de auxílio ao emprego, de assistência social - ou de diminuição de receita, como cortes temporários de impostos ou diferimento de impostos. As barras azuis denotam políticas creditícias ou de garantias ou injeção de capital através de bancos públicos. E aí vemos que a resposta, especialmente dos países avançados, foi bastante expressiva e, no cômputo mundial, atingiu cerca de 10% do PIB. O Brasil se destaca entre os países emergentes no tamanho da resposta, principalmente resposta que tem impacto direto no resultado primário, mas outros países tiveram programas muito expressivos, da ordem dos 30% do PIB, por exemplo, em concessão de garantias, seguros, de recebíveis de empresas e por aí afora, como Itália, Japão, Alemanha.
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Claro que o reverso desse, enfim...
O que era efeito direto da crise, dessas políticas é um aumento também sem precedentes dos níveis de dívida pública, na verdade, nas economias avançadas e também nas emergentes, para níveis não vistos jamais, desde que existem dados, mais elevados em percentagem do PIB do que no período de pós-guerra.
Do lado da política monetária, também a resposta tem sido decisiva. Quase todos os bancos centrais reduziram taxas de juro, vários deles, incluindo os de economias emergentes, têm as taxas de política monetária perto de zero.
Estou terminando, estou terminando.
E vários países iniciaram o uso das chamadas políticas não convencionais, incluindo países da América Latina. O Brasil ainda não fez uso, mas legislou essa possibilidade de usar programas de quantitative easing, de compra de ativos para alívio.
Esse é o meu último eslaide.
Ele mostra, em âmbito global, como o FMI tem apoiado no combate à crise. Esse apoio tem tomado uma forma essencialmente de assistência financeira de caráter emergencial. Foram contratados cerca de US$250 bilhões em assistência emergencial diretamente ligada à Covid, dos quais foram já desembolsados cerca de US$30 bilhões. Setenta e cinco países se beneficiaram desses programas de assistência intimamente ligados à Covid.
Houve também, para os países mais pobres, quase 30 iniciativas de alívio de dívida, em particular de serviço de dívida ao Fundo Monetário.
E, por fim, para todos os países-membros, o FMI continua prestando apoio técnico, quer no diálogo, para as autoridades, quer na publicação no seu site de várias notas técnicas sobre políticas de combate à Covid.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Dra. Joana Pereira, obrigado pela sua apresentação.
Vamos dar sequência.
Agora, com a palavra Rafael Muñoz Moreno, Coordenador de Operações em Economia, Governança e Desenvolvimento do Banco Mundial no Brasil.
Com a palavra V. Exa., Rafael.
O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Obrigado.
Senador, está me ouvindo, só para confirmar?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Ouvindo bem, pode continuar.
O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Ótimo, muito obrigado.
Primeiro, vou pedir desculpas. A minha conexão fica fraca, eu estou conectado através do telefone mobile. Eu quero agradecer às equipes técnicas do Senado pela ajuda e também, claro, a vocês pelo convite.
Então, vou passar uma pequena apresentação que nós enviamos. Vou comentar a questão e dar mais detalhes.
Eu vou começar talvez por fazer um pouco do que foi a análise do Banco Mundial do impacto da pandemia em âmbito global e como essas análises vão se trasladando nas análises em âmbito regional na América Latina e depois em âmbito brasileiro. O.k.?
Então, se passarmos ao eslaide seguinte, o que vemos... Ainda não estamos no eslaide seguinte. (Pausa.)
Sim, agora estamos.
O principal é que o impacto foi muito grande. A resposta do banco teve que ser muito rápida, muito grande. Nós temos expectativas de empréstimos de 160 bilhões durante os próximos 15 meses, o que é uma quantidade impressionante para o Banco Mundial.
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E quais são os principais pontos? O primeiro é, claro, reduzir a ameaça à saúde, os impactos sociais e econômicos no curto prazo, mas, ao mesmo tempo, continuar as reformas nas instituições que venham dar apoio aos objetivos que tem o Banco Mundial, que são a redução da pobreza e a redução da iniquidade, tanto de ingressos como de oportunidades. Então, esses são os impactos no curto prazo e no médio prazo.
Eslaide seguinte.
Isso fazemos, digamos, em três etapas. A primeira nós chamamos etapa de alívio, que, num curto prazo realmente dá respostas emergenciais na saúde, na proteção social, nas economias, nos empregos, nas empresas para passar na reestruturação, que é, mais ou menos, na etapa que estamos chegando agora, reestruturação e fortalecimento de instituições, fortalecimento de sistemas de proteção social. A preparação de potenciais, novos impactos, novos surtos da pandemia, a preparação do que será a terceira etapa, que é a recuperação resiliente. Então, como aproveitar essa pandemia para sair dela com uma realidade melhor do que nós entramos? Porque, em muitos casos, a situação já não era muito boa.
Vamos para o seguinte.
Exatamente, os quatro pilares. Dos quatro pilares que o banco identificou, o primeiro, óbvio, é salvar vidas. O principal, no contexto atual, e, ao mesmo tempo, proteger os mais pobres e vulneráveis. É uma situação mundial, e eles são os que mais precisam do Estado. Nestes dois casos, seria garantir também a sustentabilidade econômica, quer dizer, manter empresas, manter empregos é muito importante. E, por último, fortalecer políticas, instituições e investimentos para melhorar a retomada.
Esse quadro nós aplicamos em âmbito mundial, vamos falar assim.
Eslaide seguinte.
Temos todo esse impacto dos projetos e dos recursos que foram implementados nos primeiros três meses da resposta.
Eslaide seguinte.
Então, como isso traslada a realidade latino-americana? A realidade da América Latina é muito particular porque, se vocês lembram, a América Latina vinha já em uma grave crise social antes da pandemia: tínhamos crise na Bolívia, crise no Chile, crises em muitos lugares. A situação já era bem controvertida.
Além do que, tínhamos uma realidade de economias muito informais a ponto de empregos e empresas terem que ter uma dimensão bem diferente e, sobretudo, por esta questão social. Uma das regiões com taxas de pobreza mais altas e com taxas de iniquidade mais altas.
Não devemos esquecer que está sendo, provavelmente, a região do mundo que, por enquanto, está sendo mais afetada pela Covid. E, portanto, os impactos serão maiores que noutras regiões.
Eslaide seguinte.
Então, o foco. Onde focar? É voltar para... A situação anterior já estava difícil, como já falei, tínhamos uma situação de crise social muito grande. Então, estamos tentando focar em áreas que melhorariam a região mesmo depois da pandemia. Isso implica em uma melhora muito forte da produtividade nas áreas das regiões, e tem sido feito muito mais: áreas de proteção social, como proteger os seus grandes grupos vulneráveis; a digitalização e a adoção tecnológica é muito importante, essas regiões são as com menos tecnologia no mundo; e, por último, a sustentabilidade ambiental, a região é a base de alguns dos principais pontos de sustentabilidade. Por exemplo, a Amazônia, no mundo, precisa ser sustentada.
Então, se avançarmos assim - eslaide seguinte -, já foram desenvolvidos, implementados, mais de US$4 bilhões nessas áreas.
Eslaide seguinte.
São alguns dos programas que temos feito na região.
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Então, esses são o contexto global e o contexto da América Latina. E agora eu gostaria de adentrar um pouco ao contexto do Brasil, como essa visão que nós temos de como o Covid impactou o mundo está sendo feita no Brasil.
O primeiro é como o banco se engajava com o Brasil antes da pandemia? Nós temos o que nós chamamos de estratégia de parceria, que foi preparada em 2017 e vai até 2023, e que identificada já quais são as três principais áreas do engajamento. A primeira área é essa área de sustentabilidade fiscal e a melhora na prestação de serviços, tanto em qualidade como em cobertura. Uma realidade que continua sendo bem válida no contexto atual. A segunda área é a área de crescimento de produtividade e aumento do investimento, principalmente do setor privado; mais uma vez, uma área que continua sendo bem válida no contexto atual. E, por último, a área de desenvolvimento inclusivo e sustentável, que é por um lado, a parte do ambiental, mas não só a parte ambiental; quer dizer também, por exemplo, uso de recursos hídricos, uso de energia, desenvolvimento urbano, etc., etc. Então, quando nós olharmos nossos três pilares de estratégia, nós consideramos que essa estratégia continua sendo válida - claro, que temos que ajustá-la.
O que nós fizemos também no início da pandemia foi olhar o nosso portfólio, a nossa carteira. E temos uma carteira grande, um quadro de 29 operações, principalmente com os Governos subnacionais, na ordem de US$5,2 bilhões. E aí o que fizemos foi: naqueles projetos que nós propusemos, reestruturamos para dar resposta imediata às prioridades a alguns desses Governos subnacionais e reencaminhamos parte de nossa assistência técnica e trabalhos analíticos para apoiar no que possível todos esses Governos, principalmente os subnacionais, com premissas de apoio técnico.
Vamos continuar. Seguinte eslaide.
Mas, além disso, nós, obviamente, tivemos que fazer um trabalho analítico. Onde ficamos hoje? Qual foi o impacto da Covid no Brasil? Então, a primeira coisa que nós fizemos, o Banco Mundial fez uma análise de como isso está acontecendo.
E aí fizemos esse relatório que já foi publicado, onde nós olhamos qual é o impacto da queda da economia global sobre aspectos como investimento, comércio, viagens, na economia brasileira. O impacto, por exemplo, dos mercados de commodities, que tiveram uma queda de preço importante, tanto nas exportações brasileiras como nos preços que esses produtos têm. E também, claro, como foi o efeito do lockdown, do fechamento das economias dentro do Brasil, como isso afetou o setor financeiro, as empresas, os trabalhos, os Estados. Então, fizemos uma ampla modelagem de todos os impactos para identificar quais foram os principais feitos. E esse foi o que está - digamos - mapeando a nossa resposta com o Brasil no médio prazo.
Eslaide seguinte.
Também, nas conversas que fizemos com o Governo Federal, identificamos potenciais apoios adicionais financeiros. Os dois principais eram: uma operação que já estava sendo preparada com Salvador; e o principal é um apoio financeiro coordenado com outros parceiros, incluindo o BID e outros, para os grupos mais vulneráveis afetados pela Covid. Nesse caso, o banco está preparando, está finalizando uma operação de US$1 bilhão para apoio na expansão do Bolsa Família, que vai cobrir mais ou menos 1,2 milhão de famílias, e apoio para seguro-desemprego, o que vai cobrir mais ou menos 1,6 milhão de pessoas. Isso é o principal instrumento que o Governo Federal solicitou ao Banco Mundial. De maneira coordenada, estamos colaborando com outras instituições para apoiar nessa área.
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Então, como vemos os próximos passos.
Seguinte eslaide.
Fizemos análise global, olhamos na área da América Latina. Dentro do Brasil, olhamos o que estamos fazendo, como podemos estruturar para apoiar melhor as necessidades principalmente dos Estados. Fizemos esse trabalho analítico para mapear as necessidades, o impacto da Covid na economia, na saúde, nas pessoas, e aí identificamos algumas das principais características que vai precisar o Brasil na retomada do crescimento.
Primeiro, talvez, essa questão que foi já um pouco debatida hoje, que é o restabelecimento das finanças públicas de forma sustentável. Isso tem muitas questões; não há uma solução fácil, como foi dito. Olha, este ano houve um momento grave do endividamento do Brasil. Realmente aconteceu. Nós achamos que o Brasil tem capacidade de se endividar bastante em resposta à pandemia, mas que é muito importante manter a confiança dos investidores nos títulos públicos, e isso é feito, por enquanto, através da credibilidade da âncora fiscal, que está feita principalmente no teto dos gastos. Essa credibilidade é fundamental, quer dizer, você pode aumentar o gasto se conseguir continuar mantendo essa credibilidade com os mercados. Portanto, para nós a âncora do teto continua sendo o principal e fundamental para assegurar isso.
O segundo é a melhora na eficácia dos serviços sociais, para o acesso dos mais pobres e vulneráveis. Aí é fundamental algum tipo de apoio continuado aos mais pobres. Já foi feito o auxílio emergencial, e fica para ver como isso vai poder ser mantido no ano próximo.
Nós não podemos esquecer o ponto que já vinha sendo discutido, mesmo antes da pandemia, que acho que ainda ficou mais valorizado, que é a necessidade da retomada de reformas estruturais. Isso é preciso para aumentar investimento, produtividade, critérios da economia, e para gerar o crescimento econômico - é fundamental. É difícil que o Brasil possa alcançar todo seu potencial se não entrar na nova rodada de reformas estruturais.
Por último, nós gostamos muito de assinalar esse ponto de adaptação às mudanças climáticas, porque há um certo risco de que a solução para o crescimento do Brasil seja um pouco a solução de setores de commodities. O Brasil é uma potência econômica na mineração, uma potência econômica na agricultura de exportação; então há um certo risco de, pegando um pouco essa solução relativamente fácil de fazer mais o que o Brasil faz melhor, pôr ainda mais pressão sobre, por exemplo, o meio ambiente, que é uma das áreas que está ficando bem pressionada.
Eslaide seguinte.
Muitas dessas ideias, em nível regional, estão simplificadas nesse relatório que fora publicado recentemente pelo banco. Trago aqui, casos vocês tenham interesse, porque pode dar muitas dicas do que o banco está fazendo em nível regional.
E se passamos aos nossos últimos eslaides, nós tentamos ir mais profundamente em alguns dos pontos principais.
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No ponto da contenção da doença, da pandemia mesmo, da questão de saúde, por enquanto, para nós, continua sendo a prioridade porque salvar vidas humanas é rentável. Esse é um dos trabalhos que o banco fez. Quer dizer, o custo/benefício da vida humana na América Latina é positivo. Então, temos que salvar gente porque essa gente é bem produtiva no futuro. Portanto, elementos como testes, rastreios, continuidade de isolamento e tudo isso têm um grande impacto.
Nós fizemos uns cálculos iniciais de que, para cada mês de lockdown, do tipo em que a gente fica em casa, pode reduzir mais ou menos da ordem de 1,1 ponto percentual do crescimento do PIB, o que é muito. Não queremos negar a realidade. E uma extensão da recessão, se for pior do que o antecipado, pode ter um impacto bem grande nos balanços patrimoniais das empresas das famílias. E isso pode ter, depois, um efeito cascata quanto à acessibilidade ao sistema financeiro, mas vocês podem imaginar que, se a queda econômica for muito maior do que a antecipada, o que vai acontecer é que muitas empresas vão fechar, e, se fecharem, não vão abrir depois que a economia voltar a fazer abertura econômica. Portanto, o impacto pode ser muito maior.
No seguinte eslaide, uma das áreas em que nós achamos que o Brasil fez um trabalho melhor foi na da proteção dos mais vulneráveis. O fato de que o Brasil já tem programas como o Bolsa Família, que está fazendo transferências e o faz há muito tempo, foi complementado como o do auxílio emergencial, além de pequenos apoios, por exemplo, como no adiamento do pagamento de contas de energia e água etc. Mas principalmente o auxílio emergencial. Isso permitiu a sustentabilidade financeira da maioria dos brasileiros.
Então, uma vez que o auxílio emergencial termina neste ano, alguma coisa vai ter de ser desenvolvida. O Governo está falando do Renda Brasil. Achamos que essa pode ser uma oportunidade de remanejar os recursos disponíveis para a proteção social e continuar o múltiplo apoio nessa área.
Seguinte eslaide.
Vou terminar rapidamente. Vai ser preciso continuar protegendo empresas e empregos. Vai ser preciso ter uma conversar com os Estados e com os Municípios, mas principalmente com os Estados. A Lei Complementar 173 dá um grande auxílio neste ano, mas não prevê nada para o próximo ano. Nós achamos que o Governo Federal terá de flexibilizar muitas regras para permitir que os Estados possam se ajustar à nova realidade pós-Covid de menor receita.
Por último, vou terminar com... É importante esse apoio, é importante evitar, digamos, que a crise econômica se transfira a uma crise financeira, porque isso agravaria muito mais a situação que estamos vendo. Por enquanto, a nossa percepção é de que o setor financeiro é bastante sólido para responder à realidade, mas, claro, uma queda muito forte da economia poderia afetar isso.
Dois pontos adicionais: a necessidade de proteção aos recursos naturais, que eu já mencionei; e a necessidade de fazer o setor público mais digital, mais moderno. Temos de mudar a concepção do setor público para serviços digitais.
Por último, no último eslaide, é o que nós chamamos retomar a agenda de reformas. Vai ser preciso identificar, ser claro, mapear, implementar essa agenda de reformas, porque essa vai ser a base do futuro da retomada econômica do Brasil.
Vou parar aí.
Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Rafael Muñoz Moreno, pela sua apresentação.
Estou vendo, pelo nível elevadíssimo dos apresentadores palestrantes, que será uma audiência pública muito proveitosa para que a nossa Comissão possa debater também, agora no final do mês, no dia 30. O Ministro Paulo Guedes estará conosco fazendo um balanço, um relatório, e muitos desses conteúdos, alguns deles até divergentes de um dos senhores ou senhoras com os outros, vão, obviamente, até nos orientar bastante nessa audiência no final deste mês.
Por último, desta sessão de apresentação, Felipe Salto, que é o Diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente, o IFI, para a sua apresentação pelo tempo de 15 minutos.
Depois nós passaremos à fase das perguntas e respostas.
Felipe está com a palavra.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Bom dia todos, em nome do Senador Presidente Confúcio Moura quero cumprimentar todos os Senadores presentes e também os Deputados membros da Comissão que estão participando desta audiência.
Aproveito para cumprimentar também os outros colegas participantes, debatedores, apresentadores, o Rafael Muñoz, Representante do Banco Mundial; a Joana Pereira, do FMI; o Paulo Nogueira Batista Jr., um economista que é referência no debate econômico nacional. E também cumprimento o Morgan Doyle, que é representante do BID.
Bom, eu trouxe aqui os dados mais recentes que a Instituição Fiscal Independente do Senado Federal (IFI) tem reunido a respeito da economia, das contas públicas e também da evolução setorial da atividade econômica. Eu vou dividir essa apresentação nesses 15 minutos em três partes principais.
A primeira, com alguns dados macrossetoriais, para a gente observar um pouco como vem sendo essa evolução da atividade da economia nesses diferentes setores, nos grandes setores: indústria, serviços, comércio.
Na segunda parte quero falar um pouco do emprego, em linha com o que a Joana Pereira disse, e também o Paulo Nogueira. O Brasil tem apresentado alguns dados no mercado de trabalho que são muito preocupantes e que vão ser difíceis de serem revertidos num pós-crise.
E, na terceira parte, a fiscal. E, dentro dessa parte fiscal, eu quero mostrar os dados agregados de dívida e déficit, mas também alguns dados do que nós temos feito de acompanhamento da liberação de recursos orçamentários no painel Covid, que é um painel disponibilizado pela instituição - nós até divulgamos aqui em primeira mão da última vez em que participei de audiência pública na Comissão da Covid.
Quanto ao primeiro ponto, o que a gente pode destacar é que já há uma certa recuperação em curso quando a gente olha para os principais setores. No varejo, por exemplo, na margem, como a gente diz, quer dizer, entre maio e junho, há uma alta de mais de 12% no varejo. O problema é que, como o mergulho foi muito profundo, quando a gente equipara em relação ao ano anterior, ainda se observa um quadro muito ruim. Por exemplo, no acumulado em 12 meses, o varejo apresenta uma queda de quase 1,5% ainda no acumulado em 12 meses. Mas é preciso dizer que, na margem, quando a gente olha a evolução no mês... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Acho que é a sua internet, Felipe, nós não estamos te ouvindo. Dê uma olhadinha aí.
Entrem em contato com o Felipe Salto para mim. Ele deve estar com problema de internet, de contato, conexão.
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O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Alô!
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Isso, pode falar, Felipe.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Está dando para ouvir agora?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Está bom, excelente. Pode continuar.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Peço desculpa.
Então, como eu vinha dizendo, na parte de varejo, quando a gente olha os dados de varejo, há uma recuperação em curso, quando a gente olha os dados na margem, entre maio e junho, de 12,6%; e, em relação ao ano passado, quando a gente olha o acumulado em 12 meses, queda de 1,3%.
Na indústria, a indústria tem apresentado também na margem uma recuperação de 8,9%; e, no acumulado de 12 meses, queda de 5,6%.
E, finalmente, no setor de serviços, que tem apresentado uma recuperação mais modesta, quando a gente olha os formatos da curva inclusive, alta de 5% na margem; e queda de 3,4% no acumulado em 12 meses.
Então, esses dados setoriais mostram duas coisas. Uma, que pode ser positiva, que talvez esses dados reflitam o sucesso, em parte, das medidas de mitigação da crise, sobretudo as medidas de crédito, a exemplo do Pronampe, que demorou para começar a surtir efeito, mas que, quando começou a ter os recursos garantidos pelo Fundo Garantidor de Operações, acabou surtindo um resultado importante: a demanda foi crescendo rapidamente e a oferta também conseguiu atender a essa necessidade de crédito adicional. Mas pode também refletir um dado negativo, que é as medidas de isolamento não terem sido feitas de maneira adequada. Isso pode significar, infelizmente, que a gente tenha o risco de voltar a ter uma nova rodada de aumento de contágio, o que seria muito preocupante. Então, os dados da economia precisam estar muito bem analisados, de maneira conjunta com os dados da contaminação, de espalhamento do vírus. O que se espera é que haja o controle mais célere possível da doença, para que a economia possa encontrar espaço para se recuperar de maneira mais persistente.
Na segunda parte, os dados de emprego, que preocupam bastante, quando a gente olha as taxas de emprego, que é um dado muito observado, estão num patamar de 13,3%, mas há uma precariedade escondida nesses dados que é a queda da chamada taxa de participação. O que aconteceu? As pessoas da força de trabalho estão saindo da força de trabalho, estão deixando de procurar emprego. Então, a participação da força de trabalho no total da população, de 62,1% no ano passado, agora está em 55%. Se a gente tivesse a mesma taxa de participação de junho do ano passado, a taxa de desemprego não seria de 13%, seria de 23%. Então, esse é um dado importantíssimo.
Outra forma de observar também é a queda da ocupação. Quantas pessoas ocupadas nós temos? Em junho do ano passado, quando a gente olha os dados, eram 93 milhões; agora são 83 milhões. Então, há uma destruição de ocupações da ordem de 10 milhões, o que é muito grave e não vai ser fácil de reverter.
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Outra forma de olhar é pelas taxas de variação. No setor privado, por exemplo, a ocupação está caindo 13,2%; com carteira assinada, 9% de queda; sem carteira assinada, quase 25% de queda em relação ao ano passado.
Então, esses dados macro resumidos aqui mostram que a situação econômica do País, que já era muito ruim no pré-crise, foi agravada pela chegada da Covid-19, como aconteceu nos outros países, mas vai ser fundamental que o Governo tenha um plano de ação para o pós-crise, diretrizes que permitam, de maneira fiscalmente responsável, colaborar para que a economia entre numa trajetória de recuperação sustentável.
E, na terceira e parte final aqui da minha apresentação, quero falar um pouco do fiscal, que é a parte que aí se cobre com maior detalhe e onde o alerta precisa ser feito de uma maneira muito clara. A dívida bruta do Governo geral passou, de dezembro do ano passado para junho deste ano, de 75,8% do PIB para 85,5% do PIB e, até o final do ano, a projeção da IFI é de que ela atinja 96,1% do PIB. Isso já considera a venda de reservas que aconteceu muito concentrada no início do ano, mas pontualmente ainda deve acontecer até o final do exercício, a depender dos movimentos de capitais que a gente veja e da necessidade de cobertura do balanço de pagamentos.
O déficit público projetado é de 877,8 bilhões, o que corresponde a 12,7% do PIB. E, quando a gente incorpora os dados dos Estados e Municípios, esse número vai para 912,4 bilhões; nós estamos falando de um déficit de 13,2% do PIB. Consolidando aí, ou compilando, agregando as despesas de juros da dívida pública, que estão diminuindo em razão da queda da Selic, da queda do custo médio da dívida, esse déficit vai para R$1,2 trilhão. É o maior déficit nominal, déficit fiscal nominal, incluindo juros que nós já tivemos, e vai ser muito complicado manejar a economia e as contas públicas nesse contexto de dívida muito alta e déficit público muito elevado.
Há uma série de soluções que podem ser combinadas para resolver esse problema. Isso envolve aumento de receitas, corte de gastos ou uma combinação das duas coisas. Não fazer isso significa, a médio prazo, flertar novamente com o aumento de inflação. É claro que não se vai optar por esse caminho. A ideia é de que medidas do lado da receita e da despesa possam ajudar a resolver o problema.
A questão é que, no meio do caminho, há uma regra fiscal chamada teto de gastos, que preconiza o ajuste fiscal todo concentrado pelo lado da despesa. Foi uma escolha feita em 2016, foi uma resposta a um diagnóstico, a meu ver, correto de que a despesa obrigatória, que vinha num crescimento muito grande, ocupa uma fatia muito importante do orçamento. Noventa e quatro por cento do orçamento primário correspondem a despesas que têm algum grau de rigidez; só 6% têm alguma margem de manobra. Então, de um orçamento de 1,485 trilhão só 6% disso são passíveis de algum corte, remanejamento, contingenciamento, e, dentro desses 6%, a gente sabe que existe um mínimo necessário para o funcionamento da máquina pública. É aí que, para o ano que vem, por exemplo, o teto de gastos, que é corrigido pela inflação desde 2016, inflação acumulada em 12 meses até junho...
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Então, a gente já sabe qual vai ser o teto do ano que vem - não é? -, porque a inflação até junho foi de 2,13%. O teto vai ser de 1.485,9 bilhões. A despesa obrigatória, que é sujeita ao teto, mais a parcela da despesa discricionária, que tem caráter obrigatório - por exemplo, o mínimo constitucional da saúde -, totalizam 1.410,8 bilhões. A diferença desses dois números, de 75 bilhões, é o que na IFI nós chamamos de margem fiscal. Setenta e cinco bilhões, em termos absolutos, é muito dinheiro. Só que a gente precisa comparar esses 75 bilhões com a despesa mínima necessária para o funcionamento da máquina, que é também estimada por nós em 89,9 bilhões, ou seja, os 75, que são a margem, estão abaixo do 89. Isso significa que o risco de romper o teto no ano que vem é muito alto.
Quer dizer, a gente está à espera, como os Srs. Parlamentares também estão, do envio do Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual), para o ano que vem, cujo prazo é 31 de agosto. Mas o que preocupa é a falta de indicações por parte do Governo do que vai ser o ano que vem - quanto vai ser a despesa previdenciária, quanto vai ser o gasto de pessoal, qual a estimativa para o abono salarial, seguro-desemprego, BPC -, para que se possa cotejar o conjunto de projeções da IFI ao conjunto de projeções do Governo.
Essa é uma atividade fundamental que as Instituições Fiscais Independentes exercem em outros países. Daí decorre a importância de se ter um órgão como este, como a IFI, para projetar essas informações de uma maneira tecnicamente independente, o que, evidentemente, não é infalível: fazer projeções é supercomplicado, ainda mais nesse contexto de incerteza colocado pela Covid, mas...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - De novo, Felipe. Houve algum problema na sua conexão. Dê uma olhadinha. Pessoal da Comissão, dê uma ligadinha para o Felipe para ajudá-lo. Nós não o estamos ouvindo, Felipe. (Pausa.)
Houve algum probleminha.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Alô?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Pode continuar, Felipe. Estamos ouvindo você.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Peço desculpas, mais uma vez. Essas coisas de internet sempre nos pregam peças, não é?
Mas eu vou terminando por aqui. Eu queria só terminar de falar sobre esse raciocínio do teto de gastos.
Essa conta que eu mostrei leva à conclusão de que o risco de romper no ano que vem é alto: romper o teto; não significa abandonar a regra. São coisas diferentes. A imprensa tem feito uma mistura muito grande entre essas duas coisas, talvez até pelas declarações que têm sido feitas pelo Ministério da Economia, mas são coisas diferentes, porque a regra do teto, a Emenda 95, nos arts. 107 e 109 do ADCT, prevê o quadro de rompimento. Ao romper o teto, você aciona o que se chama de gatilhos. O próprio FMI preconiza que regras fiscais bem desenhadas têm que ter flexibilidade. Nesse sentido, a regra do teto tem essa flexibilidade, que é a possibilidade de acionar os gatilhos. Só que a forma como foi escrito nos artigos que eu mencionei da Emenda 95, esse desenho do acionamento dos gatilhos tem problemas jurídicos. Cabe uma interpretação do TCU e do Supremo Tribunal Federal, só que eles precisam ser provocados. O ideal seria que o Poder Executivo fizesse uma consulta prévia - e nós defendemos isso num texto lançado semana passada pela IFI, assinado pelos três diretores, além de mim. O que a gente acha é que essa consulta prévia, ainda que em termos gerais, poderia dar sustentação ao Governo para que ele pudesse entrar num cenário de acionamento de gatilhos, até comportando eventuais necessidades de gastos sociais mais ampliados no ano que vem, temporários ou não.
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Então, essa questão do teto é muito importante, porque não adianta a gente dizer que o ajuste fiscal vai ter que se dar pela receita também se o teto de gastos não estiver equacionado. Então, a revisão de gastos tributários, renúncias fiscais é muito importante: ela poderia ajudar a financiar um programa de transferência de renda. A gente gasta 4,2% do PIB nas renúncias tributárias; então, vamos supor que haja uma superestimativa de 30% nisso: ainda assim, há um volume muito grande de recursos se a gente cortasse 20% desse valor, o que daria para financiar um programa bastante significativo de transferência de renda no após crise.
Para terminar, o quadro dos gastos que têm sido feitos durante a Covid mostra que nós não estamos para trás dos outros países. Assim como a Joana mostrou no gráfico comparado com outros países, o que a gente conclui é que a parte do gasto primário e dos diferimentos tributários tem sido muito expressiva. O orçamento que foi fixado - e isso é mérito do Congresso e do Executivo - é bastante elevado. Por exemplo, no Auxílio Emergencial, já foram pagos R$168 bilhões, 65,9% do que era previsto; nas transferências para Estados e Municípios, já foram pagos R$30 bilhões, 50% do previsto; e, na saúde, cuja execução estava um pouco mais lenta, o que a gente viu no último relatório de acompanhamento fiscal da IFI é que, dos R$47 bilhões, R$23,7 bilhões já foram pagos, 50,6%. Então, as ações estão acontecendo.
A maior preocupação continua a estar, talvez, dividida em duas questões: a rapidez com que a gente vai sair dessa crise - e aí as medidas sanitárias e a eficiência dessas medidas são muito importantes -; e a segunda é o que vai ser o depois da tempestade. Contrariando o ditado popular, pode ser que depois da tempestade a gente tenha outra tempestade, de caráter fiscal e econômico. Então, é preciso que a gente tenha noção disso e comece a sinalizar o norte, do ponto de vista da política econômica, para depois dessa crise.
Muito obrigado, Senador.
Cumprimento todos, mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado.
Estão aí colocadas pelos cinco debatedores apresentações brilhantes.
Agora eu chamo a atenção para os inscritos. O primeiro é o Deputado Francisco Jr. A seguir, o Deputado Felício Laterça, do Rio de Janeiro; o Senador Izalci Lucas, do Distrito Federal; o Luiz Carlos Motta, Deputado Federal de São Paulo; a Senadora Eliziane Gama, do Estado do Maranhão; o Senador Wellington Fagundes, do Estado de Mato Grosso; e o Mauro Benevides, do Estado do Ceará, Deputado Federal. A Senadora Kátia Abreu também participa conosco como se membro fosse - ela não é membro ativo nosso, mas está sempre presente em nossas audiências públicas; quero agradecer-lhe a sua participação ativa aqui nos nossos encontros.
Então, agora, eu passo a palavra...
Eu gostaria também de pedir aos Deputados e Senadores que, ao elaborarem as suas perguntas, dirijam-nas a quem - ou de quem V. Exas. desejam a resposta -, para não confundir a todos, pois, de repente, todos vão dar a mesma resposta. Por exemplo: se for para o Paulo Nogueira, ao economista Dr. Paulo Nogueira; se for para Rafael Muñoz, a Rafael Muñoz; a Morgan Doyle; à Joana; ou a Felipe. Então, direcionem a pergunta para um dos nossos debatedores, ou dois, ou três, para que vocês possam também colocar os debatedores em choque. É muito importante esse debate didático para nós todos e também para os telespectadores que estão ativos. Eu tenho perguntas aqui do e-Cidadania, da TV Senado. Estão atentos a esse debate altamente robusto de conhecimento.
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Então, vamos lá. Nós vamos passar a palavra ao nosso Relator, como primeiro participante.
Deputado Francisco Jr., bem-vindo ao nosso encontro. Sentimos muito a sua falta nesses dias anteriores, por motivo justo.
Então, com a palavra o nosso Relator, Francisco Jr., para fazer os seus questionamentos.
Pode falar, Deputado.
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO. Como Relator.) - Obrigado, Presidente.
Quero cumprimentar cada um de vocês e, primeiro, já pedir desculpa antecipada porque parece que o sinal hoje está oscilando muito, então falha muito o som. Então, vamos tentar fazer o possível aqui.
Quero agradecer as manifestações de carinho e de melhora que eu recebi na semana passada, pois eu estava de quarentena por conta da Covid. Pude experimentar o outro lado do balcão, Presidente. Então, graças a Deus estamos aqui, mas lamento muito pelo sofrimento que todo o povo, de forma especial o povo brasileiro, tem enfrentado com essa situação.
Quero agradecer a presença de todos os representantes desses organismos internacionais, que têm sido muito importantes em todo esse momento de combate às consequências dessa pandemia.
E já vou entrar nas minhas perguntas, porque são muitos debatedores e são muitas perguntas. Eu vou tentar ser o mais objetivo possível aqui, Presidente. E nós vamos focar o contexto de recuperação econômica do pós-pandemia. Penso que é o que nós estamos hoje mais... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - O som está falhando.
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO. Como Relator.) - O som está falhando?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Vê se consegue dar uma melhorada na internet. Vê se é possível. Mas pode continuar. Continua. Se tiver dificuldade, sai do vídeo e fica só no áudio. Talvez fique melhor.
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO. Como Relator.) - Está certo. Se falhar novamente, o senhor me avisa que eu faço isso.
Bem, então a minha primeira pergunta eu vou dirigir à Sra. Joana Pereira, do FMI.
Esta é sem dúvida uma das maiores crises econômicas em mais de cem anos - desemprego elevado, dívida pública ascendente, contas públicas no vermelho e empresas fechando as portas. Aparentemente, trata-se de um cenário perturbador. Por outro lado, um olhar técnico e atento revela que, do ponto de vista das políticas cambial e monetária, o País não está tão mal - inclusive, alguns fizeram essa observação - comparativamente com os demais países de renda média compatíveis com o nosso. Nesse contexto, podemos dizer que, apesar da situação frágil do ponto de vista fiscal, nosso País apresenta alguns fundamentos sólidos que o tornam mais resistente à crise? Qual exatamente a visão do fundo com relação à nossa economia? Como o fundo enxerga a capacidade do Brasil hoje de enfrentar essa realidade, essa pandemia?
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O endividamento público brasileiro é predominantemente em moeda local. A dívida pública federal externa deixou de ser um problema há vários anos e hoje só é emitida para financia projetos de longo prazo e criar uma curva de juros soberana em um contexto de endividamento público e moeda local ascendente. V. Sa. poderia nos esclarecer se há um limite para esse endividamento e quais são as consequências para a economia? Quais são exatamente os riscos dessa expansão, já que há economistas que insistem em que o Governo pode gastar mais?
A senhora poderia também compartilhar os estudos sobre o Brasil e também sobre outros países que demonstram os efeitos desse endividamento elevado em moeda local sobre a economia, possíveis impactos e o que foi feito para mitigar - para nós aproveitarmos essa boa experiência de outros países?
Dirijo-me agora ao Sr. Rafael Moreno.
O Banco Mundial apresentou há algum tempo um estudo que demonstra que o setor público no Brasil remunera melhor seus servidores em comparação com a iniciativa privada, mesmo considerando os menores riscos que esses servidores correm. Essa é uma característica apenas brasileira ou em outros lugares isso também acontece? Gostaria de um comparativo com essa realidade, no trato com o servidor público, em outros países semelhantes.
V. Sa. poderia encaminhar para esta Comissão o estudo, seus dados e premissas para que possamos entender essa situação? Há estudos do Banco Mundial de escopo semelhante para outros países que pudessem ser compartilhados conosco? Vocês têm analisado essa relação salarial do servidor público com a iniciativa privada da forma como acontece no Brasil e em outros lugares?
Outra pergunta para o senhor: qual é o cenário econômico que o Banco Mundial vê para o Brasil no pós-pandemia? O senhor já falou bastante, inclusive colocou na sua apresentação uma parte sobre o Brasil na retomada do crescimento. O senhor fez análises sobre o Renda Brasil, sobre modernização do serviço público, transparência e sobre a agenda de reformas. Com base no que o senhor está vendo em outros países, pela experiência internacional, o que ainda não está sendo feito no Brasil? O que o senhor poderia sugerir além disso que nós estamos desenhando e que temos a vontade de fazer e queremos fazer? O que nos falta? Como podemos avançar mais na opinião do senhor?
Pergunto ao Sr. Morgan Doyle: Sr. Doyle, quais as maiores dificuldades que V. Sa. enxerga para que o Brasil retome o crescimento de forma acelerada no pós-pandemia? Estamos observando um cenário de várias boas práticas em outros países. Das boas práticas observadas em outros países, qual se destaca e poderia ser adotada no Brasil? O senhor fez um relato de vários, mas o que nós poderíamos aprender dessa experiência internacional?
Você poderia explicar para esta Comissão de que forma o baixo desempenho econômico do Brasil afeta os países da região e como o desempenho deles afeta o nosso diante de toda essa interação que nós temos, de forma especial... (Falha no áudio.) ... talvez com países em desenvolvimento?
Agora, dirijo-me ao Sr. Paulo Nogueira.
Dr. Paulo Nogueira, a política econômica entre 2003 e 2016 foi caracterizada por um certo expansionismo no gasto público. Mesmo com a contratação das receitas, segundo um grupo de economistas, isso levou o País, já a partir de 2014, a observar complicações no crescimento econômico. Agora um grupo de economistas defende que haja uma expansão do gasto público do Governo, mesmo com elevado endividamento, como forma de reaquecer a economia.
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Nesse sentido, tenho as seguintes perguntas: como podemos compatibilizar a responsabilidade fiscal com essa tese do gasto público em um ambiente de elevado endividamento e déficits primários recorrentes? Ainda que não faça sentido uma inadimplência em moeda local, quais são as consequências de uma elevação do endividamento público acima, podemos dizer, de 100%, 120% do PIB? Quem perde e quem ganha com isso? A solução para o País é o Governo expandir seus gastos, mesmo que isso leve a dívida para altos patamares? Qual é a sua avaliação técnica dessa questão?
E, por fim, pergunto ao Sr. Felipe Salto, que já tem tanto colaborado com a nossa Comissão - muito obrigado, Dr. Felipe: Sr. Salto, repito para V. Sa. o questionamento que foi feito ao Prof. Paulo Nogueira: é o momento de o Governo entrar gastando recursos públicos, mesmo com os níveis de endividamento observados? O senhor foi o último a falar e acabou de fazer toda uma avaliação, inclusive sobre a quebra, sobre a questão dos gatilhos, da renúncia, tudo isso. Nós podemos chegar a 100% ou a 120% em moeda local sem maiores consequências? Quem ganha e quem perde com essa política? Quais os cuidados? Qual o limite da prudência que nós precisamos ter no nosso radar?
Presidente, essas são, sem dúvida, situações muito técnicas, difíceis, mas muito importantes para nós avaliarmos. Eu agradeço mais uma vez a oportunidade de estar aqui. Parabenizo os senhores por todo o trabalho.
Eu gostaria de pedir a V. Exa. que, à medida que os nossos debatedores forem apresentando as suas análises e as suas sugestões, nós pudéssemos estar muito atentos. No nosso próximo relatório, nós vamos reunir isso em forma de sugestões, para apresentar tanto ao Executivo quanto ao Legislativo, reunindo as medidas necessárias, porque, sem dúvida nenhuma, nós já... (Falha no áudio.)
... e fazer crescer de forma muito sustentável e responsável.
Mais uma vez, obrigado. Parabéns pela sua condução!
Eram essas as minhas perguntas, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado.
Vamos tomar bastante cuidado com o tempo, porque temos muitos inscritos, que vão responder na ordem em que os palestrantes falaram. Vamos colocar na mesma sequência, para organizar.
Então, o primeiro debatedor a responder é o Dr. Morgan Doyle, do BID - para responder às perguntas do nosso Relator -, pelo tempo de dois ou, no máximo, três minutos.
O Dr. Morgan Doyle com a palavra.
O SR. MORGAN DOYLE (Para expor.) - Muito obrigado pela pergunta. E parabéns, Deputado, pela convalescença e por ter saído dessa dificuldade.
A pergunta é muito interessante com relação às maiores dificuldades que têm tido alguma boa prática no mundo. Eu gostaria de salientar uma que, de fato, foi um elemento super-relevante e que continua sendo, que é o tema de acesso a crédito. Existe uma grande consciência da necessidade de se manter emprego e de se manter de pé as empresas e da necessidade de se assegurar o fluir do crédito para as empresas. E isso, de fato, tem sido uma dificuldade em todo o mundo: Grã-Bretanha, Estados Unidos e aqui na região da América Latina também.
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O Brasil tem feito uma série de ações que são muito interessantes, como colocou o Sr. Felipe na sua fala, que estão agora realmente decolando, com relação aos diferentes créditos, mas a reflexão é a importância do risco de crédito; não é uma questão de liquidez. E, nesse contexto, há necessidade de que o Fisco enxergue a possibilidade de tomar uma parte desse risco no seu balanço. Isso tem sido feito com algum sucesso em vários países no mundo e também agora está sendo feito aqui.
A inovação que eu gostaria de salientar é, de fato, de um evento que realizamos aqui no Brasil, com apoio de um professor de Harvard que se chama Jeremy Stein, com os profissionais do Ministério da Economia, que é uma aproximação um pouco diferente com relação a uma crise normal, pela incerteza com a evolução da pandemia. Então, neste momento, é difícil para o Fisco, para as autoridades enxergarem a solvência real daquelas companhias subjacentes. Então, poderia ser interessante, em vez de tentar avaliar a solvência mesmo de cada um deles, fazer uma aproximação em que você resguarda a opcionalidade, quer dizer, em termos financeiros: você espalha um pouquinho mais amplamente, sem ter a certeza de que todas as empresas têm a capacidade de pagamento, no intuito de que, ao longo do tempo, conforme vai se aclarando a evolução real da pandemia, você possa realmente enxergar. Então, é reduzir os apoios, mas ampliar, para haver ainda mais empresas beneficiadas.
Com gosto, posso encaminhar alguma informação nesse sentido para a Comissão.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Sr. Morgan Doyle.
Eu passo a palavra para Rafael Muñoz Moreno, pelo tempo de três minutos, para responder ao nosso Relator.
O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Vamos lá!
Muito obrigado. Só para confirmar: estão me ouvindo? (Pausa.)
Sim. Obrigado.
Então, vou começar por esses dados da análise que fizemos para o setor público, o servidor público. Então, o que os dados falam? Nós trouxemos dados do Governo Federal, dos governos estaduais. A primazia salarial, quer dizer, o que ganha a mais um servidor público federal, com as mesmas características de educação, de responsabilidade, etc., etc., o que ganha a mais do que um trabalhador similar - com essas características - no setor privado é de 96%. O que ganha a mais, a primazia de um servidor estadual, comparado com um profissional de mesma responsabilidade, mesmo cargo no setor privado, é de 36%. Isso se compara relativamente bem com o que ocorre em nível internacional, em que a média é mais ou menos 21%. Quer dizer: os servidores públicos federais e estaduais ganham muito mais do que outros servidores em outros países. O importante é que isso só representa mais ou menos 58% da remuneração total do servidor. Além disso, há uma multiplicidade de gratificações e benefícios no setor. No Governo Federal, identificamos mais ou menos 405 rubricas de gratificação, que, portanto, são ganhos a mais.
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Isto está também em algumas diferenças que identificamos com outros governos internacionais: o alto número de carreiras que há. Por exemplo, em nível federal, há mais de 300 carreiras.
Outras diferenças que existem em comparações internacionais são a rapidez e o alto número de servidores públicos que têm progressões. A maioria dos servidores alcança o topo de sua carreira. Quer dizer, é um servidor público diferente. Eu vou ser sincero: não é o típico servidor público mundial.
Então, tudo isso explica um pouco a realidade, digamos, do custo, mas também da eficiência que isso pode tirar no servidor público.
E nós podemos compartilhar claramente o relatório com vocês, porque tudo isso são números que nós usamos do Governo.
Como vemos o caso do Brasil? As nossas projeções hoje são bastante negativas, mas as estamos revisando. Por quê? Estamos revisando um pouco na linha de como o Felipe Salto mencionou. Primeiro, os últimos dados falam de uma retomada econômica mais rápida do que nós antecipávamos; segundo, o auxílio emergencial, principalmente, foi estendido muito além do que nós tínhamos considerado em nossas previsões anteriores. Portanto, esperamos que a queda do crescimento econômico, neste ano, seja menor do que nós tínhamos esperado antes.
Isso não inviabiliza o fato de que retomada das reformas econômicas vai ser preciso. Abertura ao comércio internacional achamos que vai ser fundamental. Reforçar a competência e a competitividade da empresa brasileira é preciso. E, aí, reforma nos impostos, um sistema impositivo, um pouco na linha que o Governo está falando, é bem importante, não só na questão de assegurar receitas, mas sobretudo de melhorar o contexto de ambiente de negócios, para permitir a melhor alocação de recursos.
Por último, no setor público, temos idealizado reformar a questão de gastos estruturantes, folha de ativos, um pouco na linha que acabo de mencionar, mas também previdência, continuar implementando essa reforma da previdência, particularmente nos Estados, que está afetando muito.
Vou para lá e posso compartilhar os relatórios que vocês precisarem.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado.
Eu fiz aqui uma inversão. Eu peço desculpas ao Dr. Paulo Nogueira Batista, porque ele seria o segundo, mas eu troquei aqui a ordem das falas.
Agora eu passo a palavra para o Paulo Nogueira Batista, para responder ao nosso Relator Francisco Jr.
Muito obrigado.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Obrigado, Senador.
Vou tentar ser breve.
A pergunta do Deputado Francisco Jr., o Relator da Comissão, é muito importante. Ele pergunta se a dívida poderia superar os 100% do PIB, chegar até a 120% do PIB - a dívida bruta -, quais são as consequências disso, quem ganha e quem perde. E a pergunta mais importante dele: "É o momento [pergunta o Deputado] de aumentar o gasto com o nível de endividamento observado?". A minha resposta é não; não é o momento de aumentar o gasto com o nível de endividamento observado, mas também não é o momento de tentar uma redução drástica do gasto público em 2021, apesar de o nível de endividamento ser alto.
Eu vou dizer que, considerando as estimativas disponíveis, por exemplo, da Instituição Fiscal Independente... O que que o Felipe Salto nos trouxe? Um déficit primário de 13% do PIB projetado para este ano e uma dívida bruta do Governo geral que chega a 96% do PIB no final do ano. São números ruins. Então, não há espaço para um grande aumento de gasto agregado. Mas volto a dizer: se o Governo tentar reduzir abruptamente o nível de gastos, em 2021, o resultado vai ser, provavelmente, uma interrupção da retomada que se esboçou, que se esboça e que se espera que continue.
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O que deveria ser feito? Primeiro, manter transferências elevadas de renda a setores de baixa renda, aos pobres, menores que em 2020. Entretanto, falando de 2021 - menores porque o nível de transferência que foi feito este ano não é sustentável, como se reconhece. Por outro lado, o investimento público, sobretudo em infraestrutura, tem que aumentar, porque está muito baixo, não é suficiente nem para repor o estoque de capital.
Então, como financiar isso? Tem que haver uma redução dos gastos não essenciais, sobretudo daqueles que beneficiam setores de renda mais alta, e tem que haver também uma revisão das renúncias tributárias, ponto que foi mencionado pelo Felipe Salto, e, como eu disse na minha intervenção, aumento da tributação sobre os super-ricos no Brasil, que são subtributados. Vejam que a redução das renúncias e o aumento da tributação dos super-ricos não ajuda a cumprir o teto, porque o teto é um teto sobre os gastos, é uma medida - a Emenda à Constituição nº 95, de 2016 - infeliz, porque ela é simplista demais. Então, seria preciso, idealmente, rever o teto de gastos, reformulá-lo, adotar uma regra fiscal mais flexível e mais inteligente.
Devolvo a palavra, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Paulo Nogueira Batista.
Passo a palavra para a Joana Pereira, do FMI, para responder.
A SRA. JOANA PEREIRA (Para expor.) - Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Ouvindo bem. Pode falar.
A SRA. JOANA PEREIRA (Para expor.) - Obrigada, Deputado, pelas suas perguntas. Eu vou tentar ser breve.
Vou começar com a questão dos fundamentos - o Deputado perguntava como é que o FMI vê os fundamentos - e, depois, relacionar isso com a questão cambial e com a questão dos juros.
Eu penso que o Brasil entra na crise de Covid-19, por comparação com outros emergentes, com algumas vulnerabilidades e alguns pontos fortes. As maiores vulnerabilidades são, de fato, o nível de dívida pública e a baixa produtividade. No curto prazo, 2020/2021, essas vulnerabilidades provavelmente vão se intensificar não só no Brasil, como em outros países - são pontos que vão se intensificar.
Por outro lado, o Brasil também entra na Covid-19 numa trilha de implementação e adoção de medidas que procuravam justamente abordar esses problemas, e existe, como eu vejo, intenção de continuar. Então, é importante continuar essa trilha de adoção de medidas que buscam aumentar crescimento de longo prazo e prover uma âncora fiscal que possibilite a redução da dívida ao longo do tempo.
Existe um limite de dívida? Nós não temos um número de referência. Quando nós olhamos a questão da vulnerabilidade fiscal dos países, nós olhamos um conjunto de dimensões que inclui, certamente, o nível de dívida - e, aí, de fato, o Brasil, por comparação com países de renda semelhante, se coloca negativamente -, mas olhamos também, por exemplo, a porcentagem dessa dívida, que está denominada em moeda estrangeira. E o Brasil tem um ponto bastante forte nessa porcentagem mínima: a maturidade da dívida, que, neste momento, se encurta no Brasil e uma série de outras considerações. Então, não existe um limite de dívida, e o Brasil, embora tendo um nível que está muito acima do de outros países, tem esses pontos fortes de ser pouco dependente de investidor estrangeiro e de contratação de dívida em moeda estrangeira.
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No que toca às taxas de juros, é verdade, concordo que o Brasil, como outras economias pelo mundo afora, se beneficiou dessa possibilidade de baixar as taxas de juros de referência no curto prazo. No caso do Brasil, essa possibilidade é suportada por um arcabouço de política econômica credível e uma confiança dos mercados, nesse caso do investidor doméstico, como indicou uma base de investimentos mais estável, na âncora fiscal - âncora fiscal que, no Brasil, é provida ou tem sido provida pelo teto. Então, o Brasil se beneficia agora, em particular, desse espaço que foi criado ao longo de décadas com a adoção de medidas que conferem estabilidade na condução de política monetária e fiscal.
Por fim, o câmbio, que, sim, tem sido uma importante variável de ajustamento. E mais uma vez: porque o Brasil não é tão dependente de dívida externa denominada em dólar, isso significa que ele é mais efetivo em prover esse colchão, em poder ajustar sem que isso traga um problema de refinanciamento forte. E, mais uma vez, dada a credibilidade da política fiscal, o ancoramento das expectativas da inflação não se tem traduzido em pressões inflacionárias importantes.
Esta foi a sua primeira pergunta: "até que ponto a política cambial não está ajudando o Brasil neste momento?". Com certeza, a política de câmbio flexível, que deixou o ajustamento devido do câmbio, tem sido, sim, um elemento de suporte à economia, como tem sido a política fiscal e a provisão de liquidez e corte de juros por parte do Banco Central.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigada, Dra. Joana Pereira.
Passo a palavra ao Felipe Salto.
Pode falar, Felipe.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Bem, respondendo à pergunta - cumprimento o Deputado Francisco Jr., Relator da Comissão - e complementando o que já foi dito, os níveis de dívida e de déficit é óbvio que são preocupantes. Há um trabalho referencial muito relevante do Giavazzi e do Alberto Alesina que faz uma análise com uma série de países combinando os níveis de endividamento e déficit público e mostrando a fragilidade fiscal decorrente da combinação dessas variáveis.
Quanto a essa questão de a gente estar caminhando para 100% do PIB - pelas projeções da IFI pode atingir 100% em 2022; no cenário pessimista já se atingiria este ano, mas o cenário pessimista é menos provável, obviamente, que o cenário base -, o nível de dívida em si não é o ponto central. O ponto central é o custo dessa dívida, que hoje está realmente muito baixo. A gente tem uma taxa implícita da dívida bruta que é aproximadamente metade da que se observava em outubro de 2016, por exemplo. Então, houve uma redução da Selic, e o custo médio da dívida, tanto da líquida quanto da bruta, também diminuiu fortemente.
Agora, como vai se comportar nos próximos anos, em 2021, 2022, a taxa de juros? Há uma série de fatores condicionantes como o balanço de pagamentos, se vai haver ou não desequilíbrios no balanço de pagamentos; as respostas costumam ser via política monetária, isso pode afetar o curso da dívida; e, também, a própria recuperação da economia. Hoje, uma espécie de termômetro que os economistas têm, que é o hiato do produto, está muito aberto, muito negativo, quer dizer, a economia está operando muito distante do seu potencial. Por isso a inflação está lá embaixo, a Selic vai correndo atrás, e o Banco Central vai reduzindo os juros, correndo atrás dessa inflação muito baixa.
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Essa fotografia que a gente tem hoje não necessariamente vai ser a situação de amanhã, então as medidas fiscais são muito importantes, e o Governo precisa sinalizar o conjunto de ações do lado da despesa, do lado da receita, comportando também essas novas demandas numa pós-crise, sobretudo na área social, para que se dê segurança aos agentes econômicos, aos investidores, ao mercado em geral.
O teto de gastos, de certa forma, simboliza isso, mas ele está longe de ser suficiente. É preciso sinalizar qual vai ser a estratégia para produzir um superávit primário em algum momento do tempo, para produzir uma estratégia de sustentabilidade da dívida pública.
Em economia, essa questão das expectativas é fundamental. Não é só o que você está fazendo hoje, mas fazer com que o mercado acredite em como vai ser o comportamento das variáveis fiscais, da economia e da dívida pública, principalmente, nos próximos períodos.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, Felipe.
Muito bem, creio que o Deputado Francisco Jr. está satisfeito com as respostas.
Nós vamos passar agora, senhores palestrantes, a um bloco de três Parlamentares. Cada Parlamentar terá um tempo de três minutos para fazer seus questionamentos. E eu peço aos Senadores e Deputados que dirijam a sua pergunta ao palestrante de que deseja ouvir a resposta para que ele possa anotar e responder somente aquilo que lhe for solicitado.
Muito bem.
O primeiro dessa série é Felício Laterça; a seguir, Senador Izalci; e, depois, Deputado Luiz Carlos Motta.
Com a palavra, Deputado Felício Laterça.
O SR. FELÍCIO LATERÇA (PSL - RJ. Para interpelar.) - Presidente, Senador Confúcio, é uma satisfação estar em mais uma reunião com todos e com esses ilustres convidados.
Quero saudar de forma efusiva o nosso Relator, Francisco Jr., que experimentou na própria carne e está recuperado da Covid-19. É bom tê-lo conosco com esse sorriso estampado no rosto, Francisco!
Quero cumprimentar os nossos ilustres convidados: a Sra. Joana Pereira, o Sr. Rafael Muñoz Moreno, o Sr. Morgan Doyle, o Sr. Paulo Nogueira Batista Jr. e o Felipe Salto, que mais uma vez está conosco.
Num ambiente permeado por incertezas de natureza sanitárias e econômicas, grande parte dos países mundo afora têm adotado políticas de estímulo financeiro. Operações para isenção de liquidez por meio de estímulos fiscais em instrumentos de política monetária foram amplamente utilizadas recentemente.
Com o Brasil não foi diferente. Há programas de apoio aos vulneráveis ao custo de cerca de 250 bilhões, programas de apoio aos entes subnacionais por 80 bilhões, programas para sustentação do emprego por cerca de 50 bilhões, programas de apoio aos órgãos de saúde ao custo de 50 bilhões e programas setoriais diversos como o auxílio a empresas aéreas, setor cultural, companhias de transportes coletivos e afins.
Essa conta, convém lembrar, ainda não está fechada e pode aumentar significativamente. Como o Brasil tem uma situação fiscal relativamente frágil, o custo dessas ações tem ido, inevitavelmente, para a dívida pública e trará consequências futuras complexas. Nós nos aproximamos de um déficit primário de 900 bilhões e de uma relação dívida-PIB de 100%, superior à norte-americana e quase duas vezes a da média dos países emergentes.
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Nesse contexto, eu pergunto, primeiro, à Sra. Joana Pereira. Como dito agora, o Brasil adotou uma série de medidas de combate à crise e aos seus efeitos econômicos. Como o FMI enxerga tais medidas à luz do que tem sido feito no âmbito internacional? O custo das medidas apresenta-se adequado ao tamanho da crise? Em que ponto o FMI acredita que o Brasil poderia atuar de modo a ser mais assertivo no combate à crise? E o que o FMI recomenda ao Brasil no pós-crise?
A segunda pergunta é ao Felipe Salto - já estivemos juntos algumas vezes. Sabemos que o senhor tem sido um atento observador da situação fiscal brasileira. Assim, sabe que nos aproximamos de um contexto fiscal ainda mais grave, com sinais inclusive de que o colchão de liquidez para gestão da dívida pública se encontra próximo do limite prudencial. Mesmo assim há pressões por mais gastos, como os assistenciais ou mesmo os de saúde, dado não sabermos ainda como será o desfecho da crise. Nesse sentido, como vê o encaminhamento pelo Brasil das ações para mitigar a crise? E como vê o nosso cenário futuro, em curto e médio prazo, com pressões pela flexibilização do teto de gastos, de modo a viabilizar o aumento de despesas, em particular de cunho social, e os investimentos?
Já vou concluir, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Está certo.
O SR. FELÍCIO LATERÇA (PSL - RJ. Para interpelar.) - Como entende que o País deva endereçar o pós-crise no contesto das contas públicas? E como fazer para que o Parlamento e o País entendam a necessidade de ajustes fiscais?
E a última pergunta vai para o Rafael Muñoz Moreno. Alguns programas de cunho assistencial no Brasil têm sido bastante elogiados internacionalmente, como é o caso do Bolsa Família. No contexto da atual crise, o auxílio emergencial também foi bastante importante para apoio aos desamparados e vulneráveis. E, como o Brasil é um país de grandes desigualdades econômicas, é natural que tais programas tenham um apelo grande junto à sociedade e ao meio político. Ademais, em que pesem tais programas serem planejados como algo temporário, temos visto que no Brasil têm sido perenizados e aprofundados. Assim questiono: como o senhor enxerga tais programas, em particular no que diz respeito à efetividade para redução de desigualdades? Como implementar uma porta de saída efetiva para os programas? Como não fazer dele um instrumento político, mas, sim, um instrumento efetivo para a redução de desigualdades e aumento de oportunidades à camada mais humilde da população?
Muito obrigado pela tolerância, meu Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, Deputado Felício.
Com a palavra o Senador Izalci Lucas.
Senador Izalci.
O SR. IZALCI LUCAS (PSDB - DF. Para interpelar.) - Cumprimento o Presidente. Cumprimento todos.
Eu queria já perguntar ao Paulo Nogueira se essas medidas adotadas até o momento, que nós fizemos aí, estão adequadas, se podem melhorar. Como o senhor vê o custo-benefício das políticas implementadas até este momento?
E pergunto se os senhores também avaliam que existem medidas que não tiveram ainda algum impacto esperado; se existe ainda alguma sugestão para aprimorar aqui no Congresso.
Ainda para o Paulo: com relação à questão da reforma tributária, como você vê a questão do IVA neste momento e, inclusive, a CPMF? Neste momento de pandemia, há essa discussão da reforma tributária.
Gostaria de perguntar também ao Banco Mundial, ao BID - pode ser para os representantes do BID - sobre essas novas operações. Eu gostaria de saber se há alguma diferença no perfil de projetos novos, de financiamentos, em relação ao que vocês já haviam aprovado anteriormente; se vocês têm aí alguns financiamentos especiais para este momento.
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E queria perguntar também, com relação a outros países, como é que está a questão das instituições financeiras. Aqui no Brasil mesmo, o dinheiro chegar à ponta está muito difícil. Nós aprovamos aí o fundo garantidor, mas que virou fundo financiador, porque os bancos estão emprestando no limite da garantia. Está havendo em outros países algumas atitudes diferenciadas?
Em linhas gerais era isso, Presidente. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, Senador Izalci Lucas.
Passo a palavra para o Deputado Luiz Carlos Motta, de São Paulo.
Deputado Luiz Carlos Motta, pode falar.
O SR. LUIZ CARLOS MOTTA (PL - SP. Para interpelar.) - Obrigado, Presidente Confúcio.
Quero saudar também o Relator Francisco Jr. É muito bom tê-lo de volta, bastante animado. Isso é muito importante para nós.
Eu gostaria de cumprimentar também os demais Parlamentares, os demais Senadores e cumprimentar os senhores palestrantes: o Sr. Morgan, o Sr. Paulo Nogueira Batista Jr., Joana Pereira, Rafael Moreno e Felipe Salto. Quero parabenizar a todos pela maneira como se expressaram. Foram muito esclarecedoras as suas palavras.
Gostaria de fazer uma pergunta para o Sr. Felipe Salto, que também, como disse o Felício, é um grande observador da situação fiscal brasileira. Eu acho que ele já falou desse assunto, mas, frisando o que o Felício perguntou e também o que o nosso Relator já demonstrou nas suas palavras, gostaria de perguntar: como identificar e gerir os impactos fiscais de forma positiva diante de um cenário de queda de arrecadação e aumento de gastos por conta da pandemia? Sei que a tarefa não é fácil, mas gostaria de ouvi-lo para que o senhor esclarecesse melhor essa situação.
Eram essas as minhas considerações, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Deputado Luiz Carlos Motta.
Então, vamos ao bloco de respostas.
Eu não vi aqui nenhuma pergunta... Eu vou passar a palavra. Se não houver pergunta, o palestrante me devolve a palavra.
Então, vamos à mesma sequência: vou passar a palavra para o Dr. Morgan Doyle, em primeiro lugar.
Morgan Doyle. (Pausa.)
Isso.
Pode falar, doutor.
O SR. MORGAN DOYLE (Para expor.) - Desculpa, eu estava no "mudo".
Serei bem breve.
Muito obrigado pela pergunta, Senador Lucas. De fato, sim, as operações que a gente tem preparado agora são um pouco diferentes qualitativamente. Elas são... Baixou uma autoridade da nossa diretoria, e a gente teve um fast-track, uma capacidade para preparar operações muito, muito mais céleres do que o normal, até em quatro semanas. Além disso, temos acompanhado muito de perto as inovações do País com relação à atenção às populações vulneráveis. Então, fazer um programa tão ambicioso para atender 60 milhões de pessoas em tão pouco tempo, de fato, é inovador e foi um grande desafio para nós acompanhar o esforço.
Com relação à pergunta do crédito, o senhor colocou as dúvidas com relação aos recursos chegarem à ponta. Esse, de fato, é um desafio em todo o mundo, Senador. Até fizeram algumas mudanças agora na Grã-Bretanha para aumentar o montante garantido pelo Tesouro até em 100% em alguns casos. A dificuldade é, de fato, a incerteza da evolução e, portanto, há dificuldade para os bancos avaliarem o risco.
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Então, a gente está trabalhando nisso com as autoridades achamos que agora, feita uma série de trocas com relação aos sistemas mesmos dos bancos para poderem entrar nos esquemas que o Poder Legislativo tem aprovado com relação ao FGI, ao FGO, ao Pronampe, aos demais, ele poderia pegar uma tomada com muito mais força. Sem dúvida, é um tema muito relevante para frente.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado.
Dr. Paulo Nogueira Batista, não sei se foi dirigida alguma pergunta a V. Exa. Se foi, o senhor pode responder, Paulo Nogueira Batista. (Pausa.)
Paulo? Cadê o Dr. Paulo?
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. - Paulo ao microfone.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Ótimo.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Há uma pergunta só dirigida a mim pelo Senador Lucas, desculpa se eu não peguei o nome completo.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Izalci Lucas.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Izalci Lucas, não é?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Exatamente.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Obrigado pela pergunta, Senador.
O custo e benefício das medidas até o momento: o Brasil seguiu a tendência geral no mundo, que foi responder à crise provocada pela pandemia com as medidas de expansão fiscal e medidas de expansão monetária e creditícia.
As medidas, de um modo geral, foram corretas, embora tenham sido demoradas. Houve uma certa demora em acioná-las no início da crise e problemas de implementação, inclusive no auxílio emergencial, mas o auxílio emergencial foi generoso, foi grande. As medidas de crédito nem sempre chegaram à ponta, mas acabaram surtindo algum efeito, e houve a expansão da liquidez por parte do Banco Central.
O principal custo dessas medidas foi o aumento do déficit público, que foi comentado aqui. Juntamente com a recessão, as medidas de expansão do gasto público e de diferimento desses impostos produziram um grande aumento do déficit, que já foi mencionado aqui. Isso terá que ser corrigido, no meu modo de ver, gradualmente, a partir do ano que vem.
Quanto à reforma tributária, Senador, eu acredito que ela sofre de um problema: ela se concentra quase exclusivamente na discussão do regime de tributação indireta no Brasil, tentando melhorar a eficiência do regime. Isso é válido. Por exemplo, a ideia de um IVA, de um Imposto de Valor Agregado, que substitui impostos cumulativos, é uma ideia válida, a que eu sou favorável.
Quanto à CPMF, que não faz parte da proposta, eu não sou daqueles que condena inteiramente a CPMF. Eu sei que politicamente é muito difícil que ela possa ser implementada, mas eu entendo que, sim, poderia ser uma medida complementar no contexto de um esforço de arrecadação.
De novo, medidas de arrecadação adicional - CPMF, por exemplo - não resolvem o problema do teto de gastos, que é o problema que se coloca de maneira emergencial.
Fundamentalmente, Senador, a reforma tributária que está sendo discutida omite a dimensão crucial da justiça tributária, a necessidade de exigir uma contribuição maior dos super-ricos do Brasil, que pagam poucos impostos, poucas contribuições sociais. E essa dimensão do problema é totalmente ignorada pelas reformas que tramitam no Congresso - não todas, mas as que recebem mais atenção da mídia e da maioria dos Parlamentares, as reformas tributárias indiretas.
Devolvo a palavra, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Paulo Nogueira.
Passo a palavra para a Dra. Joana Pereira. (Pausa.)
Sra. Joana Pereira, pode falar doutora.
A SRA. JOANA PEREIRA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Eu recebi apenas uma pergunta do Deputado Felício Laterça sobre como as medidas no Brasil se comparam ao contexto internacional e como pensar nas medidas do pós-crise.
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Com relação à implementação das medidas, os outros palestrantes já comentaram um pouco, mas eu vou reiterar que, no que toca à comparação internacional, o Brasil respondeu numa escala semelhante à de países avançados. Por comparação a outros emergentes, ela foi uma resposta mais decisiva. Eu quero ressaltar que não só ela foi maior, mas teve várias pernas, vários pilares, o que foi importante, ou seja: a provisão de auxílio emergencial para um setor que perde não só empregos, mas renda, importantemente, e que não tem outro tipo de seguro social; o apoio ao emprego formal através do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; as linhas de crédito ás empresas, que, sabemos, têm tido dificuldades no Brasil, como em outros países, de chegarem à ponta, mas que foram importantes no sentido de prover liquidez de curto prazo; a atuação dos bancos públicos em suporte desses vários objetivos. Então, é uma resposta que não só é grande e que é grande do lado do Ministério da Economia, mas também do lado do Banco Central, que dispôs instrumentos de liquidez na ordem de 15% do PIB, o que é mais ou menos o tamanho também dos instrumentos que foram postos à disposição pelos bancos centrais do chamado Grupo dos Dez, ou seja, a Zona Euro, Federal Reserve, Japão, os maiores bancos centrais. Então, ela é não só comensurável, mas também multifacetada, o que foi bastante importante.
Olhando para frente, existe - e isso não é só no Brasil, mas em todos os países - uma necessidade de recalibrar esse apoio, refocá-lo e, gradualmente, retirá-lo. À medida que a economia começa a estar em seu próprio pé, esse estímulo deve ser retirado gradualmente para não arriscar uma disrupção da atividade econômica e deixar de se focar tanto na questão da provisão imediata de renda e impedimento da falência imediata das empresas, mas, sim, numa perspectiva mais construtiva, ou seja: fomento à contratação; fomento à reestruturação das empresas no sentido de aumento da produtividade; e aproveitar as oportunidades onde elas existam para haver um crescimento mais baseado em tecnologia, menos nocivo ao meio ambiente e mais inclusivo. A retirada quantitativa deve ser gradual, mas, mais do que isso, o tipo de apoio que é fornecido deverá mudar.
Na parte financeira, o suporte da política monetária continuará sendo importante e deve permanecer, mas, do ponto de vista de regulação, é importante que as instituições financeiras que possam reconstruam os seus colchões, porque à medida que a recuperação vai avançando, algumas empresas ficarão para trás, certamente haverá necessidade de absorver essas perdas, e é importante que essa absorção se faça de tal forma que o sistema financeiro como um todo possa continuar provendo o financiamento do investimento.
Era só.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, Joana.
Passo a palavra para o Dr. Rafael Muñoz Moreno.
O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Obrigado.
Só para confirmar, estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Estamos ouvindo bem.
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O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Beleza. Então, o ponto, a efetividade do sistema dos programas de proteção social. Talvez seja bom começar por uma coisa que vocês conhecem bem. O Brasil não gasta pouco em proteção social, mas a maioria do que gasta é para proteção social dos trabalhadores formais. Aqui há grandes programas na área de previdência, de proteção ao desemprego, principalmente FGTS, seguro-desemprego e outros. Então, esse é o principal pacote de assistência social. Depois, há um programa que é realmente muito efetivo, que é o Bolsa Família, do ponto de vista internacional, todos os estudos e avaliações que fez o Banco Mundial, mas também o Ipea, todos mostram o impacto muito relevante que tem o Bolsa Família: muito robusto enquanto entrada, utilizam um cadastro único, que lista a avaliação contínua das famílias que estão no Bolsa Família, portanto, acho que é a principal âncora de proteção aos mais pobres.
Indo para diante, como fazer? Nós achamos que uma das respostas possíveis à situação atual da pandemia é fortalecer o Bolsa Família, quer dizer, aumentar o escopo do Bolsa Família tanto no montante que estão dando mas, principalmente, no número de famílias que estão beneficiando. Isso poderia ser feito dentro dos envelopes de proteção social que o Brasil está usando hoje. Como? Remanejando recursos em programas que não têm tanto impacto e que, se usados no contexto do Bolsa Família, teriam um impacto muito maior. Por exemplo, a possibilidade de melhorar a combinação entre o seguro-desemprego e o FGTS, revela alguns programas como o auxílio salário-família e outros. Então, há bastantes programas que não têm tanto impacto, cujos fundos poderiam ser usados para reforçar o Bolsa Família.
Nessa linha, o que o banco de fato está trabalhando agora, a principal operação do banco, por enquanto, está sendo esse bilhão de dólares que estamos fornecendo para o Governo Federal precisamente nessa área da expansão do Bolsa Família e como podemos trabalhar conjuntamente com o Governo Federal para explorar e fazer esse programa ainda mais exitoso e com um impacto ainda maior.
Vou parar aqui.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado.
Eu passo a palavra para o Felipe Salto.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Respondendo às perguntas e cumprimentando o Deputado Felício Laterça, o Senador Izalci Lucas e também o Deputado Luiz Carlos Motta, o ponto central que os senhores colocam para mim é a questão fiscal.
Nessa questão fiscal, não há uma bala de prata, não há uma solução pronta que possa resolver os nossos problemas, infelizmente. O teto de gastos é uma medida fundamental porque traz o debate sobre o lado da despesa, mas não vai ser suficiente. No pós-crise, toda essa necessidade de gastos sociais maiores... O próprio Rafael agora falava em remanejamento de despesas; isso é fundamental, que a gente tenha a capacidade de readequar nossas prioridades orçamentárias, discutir ano a ano essas prioridades, porque a forma como o processo orçamentário é feito no Brasil é muito no estilo piloto automático; e a literatura de orçamento, no mundo todo, vai caminhando para algo na direção de combinar revisões periódicas do gasto público, as chamadas spending reviews, e, com isso, haver um planejamento melhor, haver um plano fiscal de médio prazo a partir dessas avaliações.
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Então, quanto ao abono salarial, por exemplo, será que é um benefício social que atingiu o seu objetivo, que está bem calibrado? Daria para pegar uma parte desse orçamento e direcionar para uma transferência para pessoas mais pobres, a exemplo do Bolsa Família? Agora, além disso, é preciso discutir o lado da receita também, onde há muitas distorções - as renúncias são o maior exemplo disso -, mas toda a discussão da reforma tributária que também precisa ser endereçada.
Então, a resposta para esse nó fiscal passa por uma série de menções e não vai ser trivial formular um programa de ajuste no pós-crise; por isso que essa formulação tem que começar já.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, Felipe.
Eu quero agradecer a participação de internautas, da TV Senado, de frequentadores da TV Senado. E há inúmeros pedidos, mas muitas perguntas da comunidade, da população, já foram respondidas.
Eu deixei aqui duas somente que eu vou deixar para vocês anotarem; a primeira é para o Dr. Paulo Nogueira. Eu vou direcionar uma pergunta de Lucas Siqueira, do Estado do Paraná. Ele pergunta o seguinte: "Qual foi a maior contribuição até o momento desempenhada pelo Brasil nas ações de mitigação?". Qual foi a mais importante?
E a segunda pergunta eu direciono - são perguntas da comunidade, da população; por José Rocha, do Rio de Janeiro - para a Dra. Joana: "Como os representantes de organizações financeiras internacionais veem a gestão econômica do País durante a crise?". É uma pergunta de José Rocha, Rio de Janeiro.
Aos demais, de José Moreira Júnior, Fernanda Muniz e outros, já foram respondidas.
Vamos para o segundo bloco dos Parlamentares. Nós temos inscritos neste bloco a Senadora Eliziane Gama, o Senador Wellington Fagundes e o Deputado Mauro Benevides. Eu consulto a Senadora Eliziane Gama - ela está lá no Maranhão - se já retornou à sala. Ela teve que dar uma saidinha, não sei se retornou; estava com problema de conexão. Eliziane Gama, está presente? (Pausa.)
Não está, não é? (Pausa.)
Então, vamos passar às perguntas... Eu vou passar aqui para o Wellington Fagundes. Ele está no Estado do Mato Grosso. Ele teve também que se ausentar por outros motivos, mas deixou as perguntas aqui prontas para eu fazer em nome dele.
Mas eu passo, então, para quem está presente que é o Deputado Mauro Benevides Filho, para fazer as suas indagações. Deputado Mauro, com a palavra.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO (PDT - CE. Para interpelar.) - Sr. Presidente, Senador Confúcio, que alegria, mais uma vez, estar aqui nesta Comissão liderada por V. Exa. Cumprimento os demais Senadores, Senadoras, Deputados e Deputadas.
Eu tenho três ponderações a fazer aos nobres expositores. Primeiro, quero me dirigir à Dra. Joana, do Fundo Monetário Internacional. Quando o fundo levanta valores de dívidas dos países pelo mundo afora e compara a relação dívida-PIB, eu acho que há uma diferença entre os países que não contabilizam as operações compromissadas, ou as repos, na sua dívida pública, apesar do custo de pagamento de juros em cima dos depósitos voluntários.
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E aqui estão as operações compromissadas do Brasil. Essas, sim, são contabilizadas como dívida pública, o que eleva significativamente esse percentual, ou seja, o Brasil tem hoje 19,7%, 20% do seu endividamento em operações compromissadas. Portanto, não há precedente no mundo inteiro, nenhum país chega nem perto desse abuso de operações compromissadas que nós estamos fazendo. O FMI avalia reconsiderar essa forma de análise ou... Porque o Brasil, o Congresso deve aprovar já, já os depósitos voluntários, o que vai, portanto, ensejar, pelo menos contabilmente, uma redução da sua dívida pública. Essa é a primeira pergunta.
Segundo, queria me dirigir ao Dr. Paulo Nogueira Batista Jr. No Brasil, o teto de gastos controla a despesa primária: pessoal, previdência, custeio e investimento. Ora, se isso acontece... Eu não vou falar de custeio, porque esse valor já está no mínimo, mínimo do Brasil. Então, você tem pessoal, previdência e investimento. No Brasil, pessoal e previdência representam quase 90% da despesa obrigatória. Em 2017, 2018 e em 2019, ela sempre aumentou em termos reais, ou seja, além da inflação, descumprida a Lei do Teto, a Emenda Constitucional 95.
O total só é alcançado porque o investimento está sendo reduzido. Ele saiu de 110 bilhões em 2011 para 19 em 2020. Já, já não haverá mais dinheiro para investimento, para infraestrutura, para nada. Portanto, o Brasil não tem teto de gastos; o que ele tem é cortar investimento. E eu acho que chegou a hora de a gente tirar investimento do controle dessa emenda constitucional. Eu debati isso com o Ministério da Economia, ao que surgiu a Emenda Constitucional nº 186. E eu queria ouvir do colega Paulo Nogueira o que ele pensa sobre isso.
O terceiro é ao companheiro Felipe Salto. Hoje o Valor tem uma matéria sobre liquidez de caixa do Governo Federal. Eu acho que para 2020 não tem nenhum problema, porque você tem 280 bilhões de rolagem de dívida e tem um trilhão de caixa. Eu tenho um projeto que libera 170 bilhões de caixa de fundos, o que não é dinheiro novo para efeito de resultado primário, mas é caixa para poder evitar que a União vá ao mercado financeiro, ao invés de buscar os 870 bilhões. Com esses 170, ela só vai buscar a diferença de 870 menos 170. Eu queria saber a opinião sobre esses três pontos que eu acabo levantar neste exato momento.
Se houver tempo, Sr. Presidente, no Banco Mundial há um estudo sobre overlaping, ou seja, superposição de benefícios para as pessoas que recebem o Bolsa Família, o abono, enfim? O Banco Mundial tem um estudo atualizado, além daquele que ele produziu em 2016 e 2017, para a gente aprimorar esses valores que hoje estão sendo superpostos a esses valores da proteção social brasileira? Essa seria a quarta pergunta, Presidente.
Agradeço a sua condescendência com o meu tempo.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco/MDB - RO) - Obrigado, Deputado Benevides.
Pergunto se a Senadora Eliziane já retornou. (Pausa.)
Ela está longe, no Estado do Maranhão, não é? Ela deve ter problema de conexão e deve ter desistido.
O Senador Wellington não está presente, mas me encaminhou algumas perguntas, que eu vou ler e endereçar a quem vai responder. Prestem bem atenção. A pergunta não é minha, é do Senador Wellington Fagundes, do Estado de Mato Grosso. Ele endereça esta pergunta a Rafael Muñoz, e eu vou lê-la lentamente: "Observamos uma dicotomia entre os indicadores de desempenho do mercado financeiro, em especial as bolsas de valores, que já apontam patamares acima do período pré-crise, e os indicadores da economia real, com níveis de queda da atividade econômica como recordes históricos. Na opinião do senhor, Dr. Rafael Muñoz, qual será o desfecho dessa dicotomia da economia brasileira? Podemos esperar o desempenho da atividade econômica em forma de "v"? Ou é mais provável que teremos uma explosão de uma nova bolha especulativa que agrave ainda mais a recessão? Como prevenir os efeitos negativos?". Essa é a pergunta para Rafael Muñoz.
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Para Felipe Salto (pergunta-lhe o Senador Wellington Fagundes): "Segundo levantamento feito por Tendências Consultoria Integrada, amplamente divulgado pela mídia especializada, somente cinco Estados brasileiros: Mato Grosso do Sul, Pará, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Goiás devem apresentar resultado positivo em 2021, com o Produto Interno Bruto (PIB) acima do nível pré-crise apresentado em 2019 - influência da exportação de commodities agrícolas e minerais, que muitos acreditam que contribuam pouco para a arrecadação tributária, e outros economistas, por outro lado, sempre se manifestam fortemente contrários a essa tributação. Qual a sua opinião a respeito desse tema?
À palestrante Joana Pereira, pergunta do Senador Wellington Fagundes: "No âmbito da discussão chamada reforma tributária, o Governo cogita a criação de um novo imposto sobre movimentação financeira, semelhante à antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), que passou a ser conhecida com a sigla CPMF somente. A criação de novos impostos não seria uma medida não recomendável numa conjuntura recessiva? Qual seria o impacto do aumento da carga tributária diante da pandemia que enfrentamos? Essa medida poderia contribuir para reverter a recessão? Ou iria aprofundar ainda mais a nossa crise econômica?".
São essas três perguntas encaminhadas. Muito bem, então vamos às respostas, lamentando a não participação da frequente e assídua Senadora Eliziane Gama - foi por motivo justo que ela não está aqui.
Então, eu passo a palavra, em primeiro lugar... Não sei se o Morgan Doyle foi perguntado... Foi? Acho que o Morgan não foi, não é? Então, vou passar aqui a quem eu tenho certeza de que foi: Paulo Nogueira Batista, em primeiro lugar. Pode falar, Dr., Paulo. (Pausa.)
O som...
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Estou ouvindo-o bem agora. Excelente! Pode falar.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Pergunta do Lucas Siqueira, do Paraná: qual foi a maior contribuição das ações de mitigação adotadas pelo Brasil? Sem dúvida me parece que foi o auxílio emergencial de R$600 por mês. Essa medida atingiu um grande número de brasileiros, atingiu com valores superiores ao Bolsa Família, que era o programa importante que existia antes e que existe ainda. Então, o impacto desse programa foi, sem dúvida, o mais importante. E uma das grandes questões agora é como manter esse auxílio emergencial: em que medida, com que escopo.
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O Deputado Mauro Benevides fez uma série de ponderações importantes. Eu concordo inteiramente com ele: nós temos hoje um teto constitucional, o da Emenda 95, que se aplica ao gasto primário ou a quase totalidade dos gastos primários do setor público. Ora, o gasto primário, como definido, inclui os gastos correntes não financeiros e também o investimento público. Isso está incluído no teto. Quando se considera, como ele notou muito bem, que as despesas chamadas obrigatórias, que têm pouca possibilidade de remanejamento, atingem 95% do total do gasto primário, sobretudo pessoal e previdência, como ele ressaltou, o que acontece, na aplicação do teto, é uma compressão das despesas de funcionamento da máquina e do investimento público, que está muito baixo em razão disso. Nós temos hoje um investimento público que sequer se mostra capaz, em muitos casos, de repor a depreciação do estoque de capital. Então, eu acredito que, sim - concordo com o Deputado Mauro Benevides -, na reformulação das regras fiscais brasileiras, que eu espero que venha o quanto antes, seria interessante tirar o investimento público do teto, excluir o investimento do teto, para que possa haver uma recuperação do gasto público nessa área crucial não só para demanda, mas para a oferta agregada da economia.
Devolvo-lhe a palavra, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Paulo Nogueira Batista.
Então, eu pergunto ao Dr. Morgan se quer fazer algum comentário.
Morgan Doyle, algum comentário sobre as perguntas?
O SR. MORGAN DOYLE - Acho que não foi dirigida para mim, Senador, nenhuma. Posso...
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, doutor.
Passo a palavra à Dra. Joana Pereira.
A SRA. JOANA PEREIRA (Para expor.) - Estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Ouvindo bem! Pode falar.
A SRA. JOANA PEREIRA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Rapidamente, eu penso que recebi três questões. A primeira é da audiência em geral, que já tinha sido abordada anteriormente, com relação à gestão econômica do País durante a pandemia. Como eu tinha indicado, a resposta tem sido não só decisiva, mas também uma preocupação de suportar vários pilares da economia, liquidez do sistema financeiro, liquidez das empresas, parte de suporte social, suporte ao emprego... E, tal como em outros países que puderam avançar, essas medidas têm sido adequadas. Não vou me alongar nisso.
No que toca à métrica de dívida pública, eu queria só fazer referência a isto: as métricas de dívida pública que nós utilizamos para todos os países seguem um padrão, acordos de apuramento estatístico, que são adotados pelo nosso diretório para todos os países, que é o chamado Government Finance Statistics Manual. Sua última versão é de 2014, conhecido pela sigla GFSM 2014. É essa métrica que nós usamos no apuramento das estatísticas de dívida de todos os países.
Agora, só uma pequena correção: a diferença com a métrica do Governo brasileiro não é de 20... (Falha no áudio.) ... como dívida pública, na medida em que elas estão compromissadas. Você tem lastro em operações de política monetária.
Eu vou me escusar de comentar com relação à CPMF. O debate sobre a introdução de um imposto sobre transações financeiras sempre deve ser feito de forma holística, tendo em conta como ele interage com outros elementos do sistema tributário, no que toca à eficiência, a questões de equidade, bem como de equilíbrio fiscal. É certamente uma pergunta interessante. Nós não temos uma avaliação neste momento.
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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, Dra. Joana.
Passo a palavra para Rafael Muñoz Moreno.
O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Obrigado a todos.
Então, sobre o relatório, nós fizemos um relatório - Brazil Expenditure Review -, acho que há três anos, que nós estamos atualizando. Aí, se vocês quiserem, nós podemos atualizar. Eu faço uma apresentação para dar continuidade ao assunto dos benefícios que estão beneficiando várias diferentes faixas de ingresso. Então, é uma coisa a que podemos certamente dar continuidade.
Sobre a dicotomia entre bolsa, valores e economia real é uma coisa que está acontecendo no mundo todo. Acho que tem reflexos um pouco das percepções de risco e de muito mais coisas. Sobre a pergunta mais difícil ainda - como vai ser a saída da economia brasileira? - já sabem que há uma chuva de letras, e não sei como vai ser.
É isso um risco? Acho que, em princípio, nós não percebemos um risco, mas claramente temos de continuar fazendo uma tensão muito forte. O risco seria que aquela fonte da economia real afeta a sustentabilidade financeira, a sustentabilidade do sistema financeiro. Isso seria o risco. Por enquanto, essa não é uma coisa que estamos, digamos, considerando. O sistema financeiro brasileiro entra na pandemia com forte capitalização, com muitas baixas a non-performing loan, bem seguro. Mas é um risco que precisa ser claramente monitorado. Aí o que estamos sugerindo é, talvez, dar uma olhada em alguma das áreas que são mais constringentes para o sistema financeiro poder se adaptar. Por exemplo, áreas como Lei de Falências. Será que podemos revisar na Lei de Falências e facilitar, por exemplo, que a saída da crise não prejudique muito aquelas empresas e aqueles empresários que perdem o seu negócio durante a pandemia? Isso teria um impacto muito mais sobre a potencialidade da economia.
Então, vou parar e nós ficamos disponíveis se vocês quiserem ter uma conversa específica sobre os benefícios.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado.
Por fim, a palavra para Felipe Salto.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Bom, começando pelo Senador Wellington Fagundes, ele menciona estudo da consultoria Tendências a respeito da recuperação dos Estados e da grave crise que ainda se verifica nos Estados e como isso vai afetar as receitas daqui para diante. Eu tenho dito que o problema fiscal dos Estados... Inclusive, em reuniões que tivemos com a própria Joana, com o Banco Mundial e com o BID, a gente tem discutido muito sobre a recuperação dos Estados e como endereçar esse problema do pacto federativo no caso brasileiro.
Os senhores sabem - só para ser breve - que a gente tem feito, ao longo da nossa história, uma série de renegociações de dívida e sempre com o compromisso de que os Estados, os Governos subnacionais adotem medidas de ajuste fiscal, só que se cria aquilo que em inglês se chama de moral hazard, o risco moral. Quer dizer, os incentivos são tais que o benefício vem primeiro - você deixa de pagar juros e parcelas de dívida -, mas reforma da previdência, corte de gastos com pessoal e outras reformas estruturantes acabam não sendo realizadas.
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Então, num pós-crise, esse contexto de baixo crescimento, que vai afetar as receitas do ICMS, no caso dos Estados, e do ISS, no caso dos Municípios, vai levar necessariamente à necessidade de uma nova renegociação. Eu não vejo como escapar disso, mas é preciso que, desta vez, a gente faça de uma maneira diferente, de modo a exigir contrapartidas por parte dos Governos subnacionais, que sejam críveis, que sejam muito claras e muito práticas e que sejam bem executadas, a exemplo do que vinha sendo proposto no âmbito do Plano Mansueto, mas que acabou morrendo na praia.
Sobre a pergunta do Deputado Mauro Benevides - agradeço como sempre, é sempre bom ouvi-lo -, essa questão da liquidez é fundamental na dívida pública. Hoje nós não estamos tendo problema de financiar a dívida porque o Tesouro tem um instrumento, que são as Letras Financeiras do Tesouro pós-fixadas e indexadas à Selic, que tem um lado ruim porque você aumenta a indexação da política fiscal, da política monetária, mas tem um lado bom, porque, como esses títulos representam quase liquidez, têm uma liquidez altíssima, são quase moeda, aliás, é um instrumento que ajuda a passar por este turbilhão. Os prazos vão se encurtando, os juros mais longos sobem um pouco, mas se consegue passar por isso.
O que se tem cogitado é usar os recursos da Conta Única, que são recursos que se decidiu não gastar no passado, seja por vinculação, seja por decisão do Governo, para ajudar nesse refinanciamento da dívida. É uma coisa positiva. Claro que vai redundar em aumento de operação compromissada, porque o Banco Central tem que enxugar na outra ponta, mas eu acho que, sim, é um instrumento importante que vai sendo utilizado, desde que de maneira transparente e sempre lembrando que redunda em aumento de dívida.
Muito obrigado mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Felipe.
Quero fazer uma explanação a todos os telespectadores da TV Senado e também a todos os palestrantes: esta é a única Comissão que está em funcionamento, desde março deste ano, no Congresso Nacional - a única Comissão. Todas as demais Comissões temáticas estão suspensas. Então, é para vocês observarem que a expectativa sobre essa questão de ajuste, de equilíbrio fiscal, de todos os indicadores econômicos e também de saúde pública recai sobre nossos ombros neste momento.
Vamos fazer o seguinte agora: a Senadora Eliziane Gama vai falar ao telefone para os senhores. Porque ela está sem condições de acessibilidade à internet, ela vai falar ao telefone. Depois a Senadora Kátia Abreu; por último, o Deputado Francisco Jr. faz o encerramento, e eu faço só o fechamento, porque é o nosso último bloco.
Então, eu passo a palavra à Senadora Eliziane Gama de onde ela estiver no Estado do Maranhão. Vamos ver se ela consegue.
Senadora Eliziane Gama.
A SRA. ELIZIANE GAMA (CIDADANIA - MA. Para interpelar.) - O senhor está ouvindo, Presidente?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Estou ouvindo bem.
A SRA. ELIZIANE GAMA (CIDADANIA - MA. Para interpelar.) - V. Exa. me ouve.
Aqui hoje estou ao telefone, mas vou de forma muito rápida, porque até o meu telefone está numa situação também difícil.
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Eu queria fazer uma pergunta ao Paulo Nogueira referente à questão da justiça tributária. Ele mencionou a tributação como um caminho rico, na verdade, para alcançarmos a justiça tributária, e muitos economistas rebatem o tema, dando ênfase a que essa medida poderia provocar um efeito adverso de fuga de patrimônio no País. Então, nós temos hoje uma defesa da regulamentação do imposto sobre grandes fortunas como uma fonte para que nós possamos, por exemplo, ter políticas sociais.
O projeto que eu apresentei foca na primeira infância, com um valor de até R$800/mês para crianças de zero a seis anos de idade. Eu queria ouvir dele, queria que ele reforçasse esse argumento que foi defendido agora há pouco, de que a fuga dessas riquezas do País não daria, na verdade, um efeito adverso a essa instituição de um imposto sobre grandes fortunas, já que nós temos estabelecido alguns mecanismos para que esses recursos de fato possam ficar no País, a partir da perspectiva de um valor ético e moral, já que nosso projeto centra em que, ao estabelecermos essa tributação, esses recursos vão necessariamente para o investimento nessas crianças que estão em situação de extrema pobreza.
Hoje, pelos números apresentados, Sr. Presidente, 60% de nossas crianças de até seis anos de idade, sobretudo crianças negras, estão em situação de pobreza. Alguns dados que foram apresentados, inclusive alguns até avaliados pela IFI, apontam, por exemplo, que nós teríamos uma renda de até R$100 bilhões por ano, e esse programa que nós estamos apresentando seria de até R$80 bilhões por ano, ou seja, ao tributarmos grandes fortunas, nós vamos fazer com que esse recurso possa ser necessariamente direcionado para essas crianças que estão em situação de extrema pobreza.
Eu queria ouvir um pouco mais dele exatamente sobre esse foco específico e ao mesmo tempo sobre a importância de medidas como essa para reduzirmos a desigualdade social hoje, no Brasil. Só para finalizar, os últimos dados apresentados apontam um crescimento da população pobre no Brasil, infelizmente, e também um aumento de riqueza daqueles que são mais ricos, ou seja, aqueles que têm hoje mais riqueza acabaram aumentando a sua riqueza nos últimos anos, e, infelizmente, aqueles que são mais pobres acabaram também aumentando a sua pobreza. A taxação de grandes fortunas seria um mecanismo para reduzir essa desigualdade social e, automaticamente, melhorar a situação econômica brasileira.
Muito obrigada, Presidente. Desculpe a dificuldade que estou tendo hoje em relação à internet.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Senadora Eliziane Gama.
Passo a palavra... Não estou vendo a Senadora Kátia Abreu na tela.
Está por aí, Senadora Kátia?
A SRA. KÁTIA ABREU (PP - TO. Para interpelar.) - Estou! Estou aqui, Presidente! Imagina, não largo V. Exa. de jeito nenhum. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Com a palavra. Aí no fundo, uma biblioteca linda, hein? Maravilhosa!
A SRA. KÁTIA ABREU (PP - TO. Para interpelar.) - Obrigada.
Eu quero agradecer, Presidente Confúcio Moura, por esses convidados que o senhor trouxe aqui hoje, da maior importância, não só para que a gente pudesse ouvi-los, mas também para eles ouvirem a opinião dos Senadores em suas análises, quando vão fazer seus relatórios e seus pareceres. A contribuição de cada Senador e de cada Deputado também é importante como retorno para essas instituições de tamanha importância.
Eu vejo uma preocupação muito grande dos meus colegas, e com toda razão: como fazer para reverter tudo rapidamente? E eu me atrevo a dizer, sem ser nenhuma especialista, apenas psicóloga de formação - na verdade eu sou uma mulher da roça, do campo -, mas eu estou muito convicta, e gostaria de dividir isso com todos vocês, sobre esse passo mágico que nós deveremos dar. De fato, como disseram quase todos, não há uma bala de prata. Nós temos que seguir fazendo o que estávamos fazendo antes da Covid. Simples assim! Então, falar em furar teto, em flexibilizar teto antes das reformas é quase um suicídio, um tiro no pé.
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O que isso vai trazer de desconfiança do mercado nacional e internacional, como disseram aqui os representantes dessas instituições. É quase um suicídio nós termos o atrevimento - seria um grande atrevimento - num teto que eu votei contra lá atrás por um motivo... Eu não acreditava nele sozinho, sem as reformas. Já que se fez a previdenciária e ele foi aprovado, agora, vamos correr para fazer as duas reformas que são fundamentais para o País; não há outro caminho, não há outra bala de prata. É não consolidar os gastos ano que vem que atingiram o primário, que, na realidade, deve ser em torno de 500 bilhões, não repetir isso e tentar reduzir para 2021 o nosso déficit em mais ou menos 200 bilhões. Eu acho que é possível, sim, ir diminuindo pouco a pouco. Agora, se nós insistirmos num fura-teto e em fazer graça com o chapéu alheio, o povo brasileiro vai sofrer muito mais. Nós estamos com um hiato enorme, como disse aqui o Felipe, de 10% do PIB potencial. Nós estamos com o Tesouro pagando dívidas de longo prazo e não renovando essas dívidas. E o Banco Central, então, é obrigado a comprar títulos com 44 dias. Quem está de fora olhando está de olho nisso. Se furar o teto, isso passa a ser uma coisa gravíssima, além da medida.
Eu queria saber o que todos acham da criação de um carbon tax, que é recomendável em alguns documentos que eu consegui ler pelo Banco Mundial e pelo FMI. É a taxa sobre o carbono, que está sendo recomendada para todos os países do mundo. Eu sou radicalmente contra a CPMF, porque ela é muito regressiva, e nós não podemos penalizar os mais pobres deste País.
A outra questão é por que o FMI demorou tanto a revisar o crescimento do País. Nós estamos repetindo... Até semana passada, o FMI calculou em 9%. E isso nos atrapalha muito. Hoje, a Dra. Joana apresentou, dos países em desenvolvimento, no caso o Brasil, já um PIB negativo de 3% - então, de 9% para 3%. Apenas hoje eu estou ouvindo o FMI fazer essa revisão. Por que a demora tão grande nessa revisão, se os economistas nacionais já estavam prevendo um crescimento negativo bem menor que os 9% do FMI?
Por último, eu pergunto ao Rafael Muñoz sobre as micro e pequenas empresas. O dinheiro que nós disponibilizamos vai dar para chegar a um atendimento em torno de 6% das micro e pequenas empresas do País apenas. São 7 milhões de micro e pequenas empresas. Qual é a média mundial, durante a Covid, de atendimento às micro e pequenas empresas? Quanto nós estamos fora da curva? Na minha simples avaliação, 6% das micro e pequenas empresas é muito pouco. Elas empregam, Sr. Rafael Muñoz, 18 milhões de pessoas de carteira assinada no País. Elas empregam este tanto de gente: 52% da mão de obra no País.
Qual é o impacto positivo ou negativo? O Banco Mundial e o FMI adoram esses números, e eu também gosto muito. Por exemplo, um dia de lockdown dá um ponto percentual e meio a menos no crescimento do PIB. E, com relação às micro e pequenas empresas, vocês têm algum número que pudessem nos repassar para convencimento do Governo e das políticas públicas do quanto é importante investir nas micro e pequenas empresas?
E por que a China foi a que menos investiu na Covid, e é o único país que vai crescer um ponto positivo? Qual é esse milagre?
Obrigada, Presidente.
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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito bem, Senadora Kátia Abreu.
Agora passo a palavra, para suas considerações... Logo depois, passo a palavra para todos os palestrantes responderem, na ordem das falas, para a gente fazer o encerramento.
Passo a palavra ao Deputado Francisco Jr., para fazer suas considerações finais ou perguntas.
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO. Para interpelar.) - Obrigado, Presidente.
Presidente, quero para parabenizá-lo por essa reunião. Achei que ela foi muito proveitosa, muito rica realmente, de muito conteúdo. Isso faz a diferença.
Nas minhas considerações, quero apenas fazer uma, duas perguntas ao Sr. Paulo Nogueira e um comentário.
Com relação às perguntas, é o seguinte: o Dr. Paulo falou muito sobre a questão dos impostos, das grandes fortunas, da revisão de toda essa situação. E a gente sabe que... Das medidas de aumento das receitas que V. Sa. mencionou, que são justamente estas: grandes fortunas, tributação dos mais ricos etc., quais delas representariam um aumento real e significativo de arrecadação? E o que seria mais simbólico? Porque eu penso que, em termos de simbolismo, sem dúvida, é interessantíssimo; agora, em termos de eficácia, como nós trabalharíamos isso, na sua sugestão?
Outra pergunta para o senhor também: a carga fiscal já é muito elevada, e a sociedade não aceita mais aumentá-la. Por outro lado, o endividamento também já é bastante elevado. Nesse contexto, como nós podemos financiar a manutenção dos gastos nos volumes que seriam necessários? Que volumes seriam necessários, em sua opinião? Quais isenções fiscais deveriam ser retiradas primeiro?
E outra situação que gostaria de comentar - e eu quero parabenizar pelas perguntas a Senadora Kátia Abreu e reforçar essa pergunta também, que nos deixa bastante curiosos - é que, nessa engenharia internacional, a gente fica muito surpreso com esse comportamento da China, por exemplo. Seria bom uma explicação, um esclarecimento, para nós leigos, sobre como isso funciona.
E retomar um pouquinho aquela discussão que, se não me engano, quem comentou foi o Sr. Rafael Moreno, sobre a questão dos salários. Esse disparate, no Brasil, realmente tem incomodado. E a gente percebe que internamente... E aí, quando a gente fala do serviço público, do salário do servidor público, comparando com o salário da iniciativa privada - nós temos essa realidade no Brasil -, é importante a gente enfatizar que não é todo servidor público, mas algumas categorias que têm certo privilégio dentro do setor público. Senão, fica parecendo que a massa de servidores públicos no Brasil está ganhando demais. E a gente, infelizmente, sabe que essa não é a verdade. Ao mesmo tempo em que nós temos servidores públicos com salários exagerados, na minha opinião, altos - a gente percebe, por exemplo, colocando os três Poderes, que, no Judiciário, a gente percebe uma folha de pagamento que destoa da dos demais Poderes; no Legislativo também há salários que destoam dos do Executivo, por exemplo -, ao mesmo tempo, nós temos categorias básicas, como é o caso da saúde e da educação, em que a gente percebe salários muito baixos, que poderiam ser muito melhorados. Então, como fazer esse equilíbrio? E qual seria a melhor ferramenta para isso acontecer, a partir da experiência de outros países? Se não me engano, eu tinha perguntado isso para o Sr. Rafael Moreno.
No mais, parabenizo a todos e agradeço mais uma vez a disposição dos senhores de participar e colaborar com a nossa Comissão.
Obrigado, Presidente. Parabéns pela condução!
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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Deputado Francisco Jr.
Então vamos, in continenti, passar às respostas na ordem das falas iniciais.
Passo a palavra ao Dr. Morgan Doyle, do BID, para fazer suas considerações finais.
O SR. MORGAN DOYLE (Para expor.) - Muito obrigado, Senador, eu agradeço muito a oportunidade de participar deste evento, realmente foi muito enriquecedor ouvir os Deputados e Senadores, além dos meus colegas, aqui nas palestras. Eu gostaria de salientar a importância de haver esse tipo de debates com o Poder Legislativo para assim reconhecer a importância desse exercício democrático com relação a como avançar na pauta da retomada do crescimento posterior à crise. Eu acho que tem sido salientada por meus colegas e pelos Deputados e Senadores uma série de coisas muito relevantes com relação à necessidade de aprimorar a produtividade da economia, uma pauta até com as reformas, e também refletir sobre como enfatizar aquelas despesas que são fundamentais e também procurar reduzir aquelas que não, no intuito do que a situação fiscal tem de importante, de impor uma série de decisões.
Eu acho que a pergunta concreta que foi feita pela Sra. Senadora Abreu, que se dirigiu a mim, foi com relação ao carbon tax, o imposto do carbono, que, de fato, a gente acha que é uma ferramenta muito útil, muito interessante para internalizar os custos das emissões dos gases do efeito estufa e que poderia ser uma ferramenta interessante.
Mas, além disso, eu gostaria de comentar, para a retomada do crescimento, a importância que também foi discutida hoje, a de uma retomada verde, uma retomada que, de uma forma ou de outra, reconhece a necessidade de acompanhar o crescimento com uma visão de sustentabilidade. E nisso eu gostaria, mais uma vez, de colocar o BID à disposição. Nós temos uma série de estudos, algumas modelagens que têm mostrado que aqui no Brasil há um esforço para zerar emissões que poderia até criar empregos importantes. Mas, além disso, nos oferecer para trabalhar para atrair ainda mais investimentos privado, acompanhar os diversos projetos que têm a ver com essa retomada.
Então, muito obrigado e parabéns pelo evento, foi um prazer acompanhar.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Morgan Doyle.
Passo a palavra ao Paulo Nogueira Batista Jr. Por favor, há muitas perguntas. É o áudio só.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Ouvindo bem.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (Para expor.) - Eu tenho que... O som está bom? Eu vou tentar responder às perguntas, eu tive que ligar aqui porque a minha bateria estava acabando e não estou ouvindo no momento.
A Senadora Eliziane Gama fez uma pergunta muito importante sobre justiça tributária. Sim, eu espero que ela seja bem-sucedida nessa tentativa de regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, que é um imposto que existe, como eu disse na minha intervenção inicial, desde 1988, a Constituição de 1988, que nunca foi implementado. Apoio inteiramente!
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Não creio, Senadora, que a tentativa de aumentar a tributação sobre os super-ricos provoque necessariamente uma fuga de patrimônio, uma fuga de capitais. Não é que o risco não exista e esse risco é sempre alardeado pelos que são adversários da progressividade tributária, da justiça tributária no Brasil e em outros países.
Eu tenho duas considerações importantes. Uma é o regime de flutuação cambial que nós temos que faria com que qualquer tentativa de fugir para o exterior provocasse uma depreciação cambial. Duas observações: a depreciação cambial que resultaria não é necessariamente negativa, ela pode ajudar, pode ajudar a estimular as exportações, pode ajudar a desestimular importações e favorecer os setores que competem com importações no mercado interno de bens e serviços; e ela ajusta, a depreciação, o balanço de pagamentos em conta corrente, contribui para melhorar a balança comercial e outros itens do balanço de pagamentos de conta corrente, o que pode ser importante também.
Além disso, Senadora, repare que quando ocorre uma depreciação ela automaticamente encarece a transferência de recursos para o exterior, porque deprecia a moeda nacional e torna a moeda estrangeira mais cara.
E, por último, não esquecer que as aplicações no exterior não são, neste momento, já há alguns anos na verdade, agora sobretudo não, muito atraentes. Os juros no exterior têm sido negativos em termos reais e até em termos nominais em muitas praças financeiras importantes. Portanto, não é que transferir recurso para o exterior seja necessariamente muito benéfico para quem sofra uma tributação adicional no Brasil.
E, por último, Senadora, se esses mecanismos de mercado ligados à flutuação cambial e à baixa atratividade das aplicações no exterior não funcionarem, existem possibilidades de aprimorar a fiscalização tributária sobre movimentos de capital e de introduzir regulamentos que restrinjam a transferência de recursos ao exterior, como existiam no passado no Brasil.
Eu sou, portanto, contra qualquer proposta de liberalização do mercado cambial, como tem sido feito pelo atual Governo, e tenderia ao contrário, a favorecer medidas de restabelecimento pontual e seletivo das medidas de controle.
Quanto à pergunta da Senadora Kátia Abreu, imposto de carbono. Concordo com o que disse o representante do BID, esse tributo pode ser útil para arrecadar, reforçar a arrecadação, e pode ser útil para desestimular atividades danosas ao meio ambiente. Portanto, ele é um tipo, do que se chama na literatura de finanças públicas, de sin tax, imposto sobre pecado, assim como são os impostos sobre fumo e sobre bebidas alcoólicas. É uma forma de tributar atividades que podem ser danosas ao indivíduo que as consome ou ao meio ambiente, como no caso do imposto de carbono. Portanto, sim, é um imposto que deve ser considerado.
E, finalmente, o Deputado Francisco Jr., que faz algumas perguntas. Quais das propostas de aumento da tributação sobre os mais ricos seriam eficazes e quais seriam simbólicas?
É um assunto vasto. Eu apenas menciono que existe um estudo bastante interessante que eu recomendo aos Parlamentares, é um estudo liderado pelo Instituto Justiça Fiscal, que se chama: Tributar os super-ricos para reconstruir o País. Está disponível e é de um grupo sobretudo de especialistas, auditores fiscais e ex-auditores fiscais que, com base na experiência prática, elencaram uma série de medidas. As oito principais incluiriam a instituição do IGF, já mencionado aqui; a tributação isonômica das rendas no Imposto de Renda Pessoa Física, com maior progressividade do IRPF; a mudança das regras dos impostos de doações e heranças; o fim da dedução da tributação dos juros sobre capital próprio do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, entre outras medidas, algumas de desoneração. E a estimativa dos autores é de que isso traria um aumento líquido de cerca de R$292 bilhões na arrecadação fiscal. Portanto, é, sim, possível.
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O Deputado fala que a carga tributária já é elevada no Brasil. Sim, é verdade que é elevada para padrões dos países de nível de desenvolvimento semelhante ao do Brasil, mas é difícil escapar, no meu entender, de uma situação fiscal tão complicada como a que nós enfrentamos sem aumentar a carga tributária. Se é para fazê-lo, que o faça sobre os super-ricos. Eventualmente, combinando a tributação dos super-ricos com medidas de desoneração fiscal das camadas intermediárias e baixas de renda.
Quanto à pergunta sobre isenções ficais, eu vou ficar lhe devendo uma especificação. Nós sabemos que existe uma grande variedade de isenções fiscais, renúncias tributárias no montante total de mais de 4% do PIB. E seria importante fazer uma avaliação ponto por ponto dessas isenções, muitas delas não são submetidas a um acompanhamento dos seus resultados, são adotadas por prazo indeterminado sem acompanhamento dos resultados. Precisamos instituir o acompanhamento dos resultados e fazer um pente-fino para reduzir aquelas que beneficiam sobretudo os setores de renda mais alta, que têm pouco impacto favorável para o País.
Agradeço mais uma vez o convite aos Deputados e Senadores e devolvo a palavra, Senador Confúcio.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Paulo Nogueira Batista Jr.
Passo a palavra para o Dr. Rafael Muñoz Moreno, do Banco Mundial.
Rafael Muñoz Moreno. (Pausa.)
Cadê o Rafael Moreno?
Pode falar, Rafael.
O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Ouvindo agora. Pode falar! Continue!
O SR. RAFAEL MUÑOZ MORENO (Para expor.) - Beleza. Vamos lá! Rapidinho!
Acho que eu gostei muito das considerações finais sobre alguns pontos. Um, imposto de carbono. Nós claramente topamos a ideia, gostamos muito de trazer isso como um dos impostos principais, não só no contexto da receita, mas no contexto principal de uma retomada econômica verde, uma retomada econômica que é mais sustentável.
Mas eu gostaria de trazer um ponto importante aqui, porque esse imposto vai pôr o Brasil em frente ao espelho. A maioria dos impostos no resto dos países se faz sobre emissões de combustões de fósseis - o.k.? -, a gasolina, fuel, etc., etc. No Brasil, a principal parte ou uma grande parte das emissões está vindo do setor agrícola florestal, que, em grande parte, está feita sob atividades ilegais. Então, como são atividades ilegais, eles não vão pagar nenhum tipo de preço sobre o carbono. Então, eu quero trazer esse ponto para falar assim: é fundamental ter essa conversa, nós gostaríamos de ter essa conversa, mas isso vai forçar uma conversa ainda maior sobre a realidade do crescimento econômico e desenvolvimento brasileiro. Então, nós estamos mais do que interessados em começar a ter essa conversa com vocês, com o Governo e com qualquer um que tenha interesse. Pode ser uma solução de receita e de eficiência econômica.
Segundo ponto que foi trazido, o ponto das pequenas empresas. A microempresa brasileira já entra no Covid com um problema financeiro, quer dizer, não tem tanto acesso ao mercado financeiro, tanto acesso a crédito e a liquidez como outras empresas. Isso já era uma realidade antes da pandemia, e nosso receio é que a pandemia piore. Há problemas de crédito direcionado, que não necessariamente estão gerando para a microempresa; há problema de o que a própria microempresa pode fornecer ao sistema financeiro como garantia dos empréstimos, o que seria preciso rever, e, como parte da solução no curto prazo, está a necessidade, talvez, de o Estado assumir garantias sobre muitos dos empréstimos para as pequenas e microempresas. Então, é uma área que seria bom retrabalhar, olhar novamente e fazer funcionar o mais rapidamente possível.
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Por último, o ponto do servidor público. Nós somos cientes de que o servidor público brasileiro em geral é um servidor que está entregando muito, mas o mais importante que nós reforçamos nesse estudo, é que no Brasil vocês têm, no Governo Federal, mais de 300 carreiras diferentes. Isso é uma coisa realmente anormal no contexto internacional. Há muita carreira e há pouca ligação entre o desempenho e o salário, quer dizer, o servidor público em geral, no Brasil, beneficia-se sempre das progressões e se beneficia de muitas gratificações que não estão ligadas ao desempenho. Então, é importante reforçar os pontos e revisar esses elementos, se vocês querem melhorar ainda mais o funcionamento da máquina pública, tanto federal quanto estadual no Brasil.
Finalmente, agradecemos muito a possibilidade de estar com vocês hoje, de trazer os pontos que foram levantados e nos oferecer, mais uma vez, a continuar essa conversa no contexto que vocês quiserem. Acho que foram muitos bons pontos levantados, que poderiam ser grandes elementos a serem considerados na retomada do crescimento econômico brasileiro.
Muito agradecido.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Muito obrigado, Rafael Muñoz.
Por fim, Felipe Salto, para as respostas e considerações finais. (Pausa.)
Felipe Salto.
O SR. FELIPE SCUDELER SALTO (Para expor.) - Bom, quero agradecer mais uma vez pelo convite, cumprimentar o Presidente, Senador Confúcio Moura, agradecer também pelas considerações da Senadora Kátia Abreu e da Senadora Eliziane Gama, sobre as quais eu faço aqui alguns comentários, já caminhando para as considerações finais também, emendando as duas coisas.
O primeiro é sobre a questão do benefício social que eventualmente será criado no pós-crise. E a Senadora Eliziane corretamente chama atenção para que isso seja feito com focalização na primeira infância, nas crianças que são de famílias pobres. E fazendo essa focalização, o programa certamente vai ser mais barato do que se fizesse um benefício universal e, além disso, é possível que os resultados sejam mais eficientes do ponto de vista da redução da desigualdade. O Naercio Menezes, o Paes de Barros e uma série de outros especialistas têm analisado com profundidade essas questões e, nesse contexto de forte restrição fiscal, é preciso que se tenha claro que não vai haver espaço para se fazerem grandes programas, vai ser preciso remanejar o orçamento já existente, ter maior eficiência nesses programas que já existem para que sobrem recursos para fazer incrementos ou novos benefícios a partir do ano que vem.
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Ainda é bom lembrar que, quanto às renúncias tributárias ou gastos tributários - o Paulo Nogueira já comentou -, eu dou um exemplo importante, que é o das deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física: só na área da saúde, por exemplo, podem-se fazer abatimentos de toda sorte e sem limitação. Isso beneficia pessoas de classe média alta e pessoas ricas. Será que esse benefício faz sentido? O total das deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física, de acordo com o demonstrativo de gastos tributários da Receita Federal, representou quase R$20 bilhões - só essa renúncia tributária. Com R$20 bilhões, dá para pagar dois terços do Programa Bolsa Família, só para a gente ter ordem de grandeza.
E, a respeito da colocação da Senadora Kátia Abreu, eu acho importante, sim, discutir o carbon tax. A gente precisa ter claro que não vai ser a salvação da lavoura, mas tributar atividades que têm externalidades negativas e tentar trazer isso de volta para a sociedade em políticas públicas é sempre uma iniciativa interessante.
Sobre o teto de gastos, concordo também com a Senadora Kátia Abreu que não é o momento de dar um cavalo de pau nas regras fiscais. O teto tem uma série de problemas de desenho, mas a essência do teto é muito importante, inclusive a possibilidade de acionamento dos gatilhos, porque o indexador do teto só pela inflação certamente vai ter que ser revisto antes de 2027, que é o décimo ano, mas isso não significa que não se possa ganhar tempo e, no próximo ano e no seguinte, com gatilhos acionados, caminhar para um quadro de manutenção do equilíbrio fiscal, controle das expectativas e da confiança.
Então, é isso.
Muito obrigado mais uma vez. Cumprimento os colegas também palestrantes.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. MDB - RO) - Obrigado, Felipe Salto.
A nossa audiência pública foi de três horas e treze minutos. Foi um tempo alargado.
Quero agradecer a todos os senhores e à Dra. Joana pela participação enriquecedora. São personalidades de grande conhecimento nacional e internacional que puderam trazer para o debate elementos importantes neste momento de transição da economia brasileira.
Quero agradecer à Joana Pereira pela sua participação representando o FMI; ao Rafael Muñoz, do Banco Mundial; ao Morgan Doyle, do BID; ao Dr. Paulo Nogueira Batista Júnior, ex-Diretor do FMI; ao Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente.
Agradeço a presença das Sras. e Srs. Parlamentares que participaram ativamente desta reunião e a participação dos nossos internautas através do e-Cidadania e da TV Senado.
Eu declaro encerrada a presente reunião agradecendo a todos.
Muito obrigado. Um grande abraço e uma boa semana a todos.
Abraço. Satisfação. Muito agradecido.
(Iniciada às 10 horas, a reunião é encerrada às 13 horas e 15 minutos.)