18/09/2020 - 10ª - Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Boa tarde a todos os membros da Comissão da Reforma Tributária, boa tarde a todos os convidados.
Declaro aberta a 10ª Reunião da Comissão Mista Temporária criada pelo Ato conjunto do Presidente do Senado Federal e Presidente da Câmara dos Deputados nº 1, de 2020, destinada a consolidar o texto da reforma constitucional tributária.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, com a presença dos seguintes convidados: Sr. Aristóteles de Queiroz Câmara, advogado e pesquisador da FGV/SP; Sr. Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp; Sr. Fausto Júnior, Diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese); Sr. Luiz Gustavo A. S. Bichara, advogado e Procurador Tributário do Conselho Federal da OAB; Sr. Marcos Lisboa, economista e Presidente do Insper; e Sr. Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A fim de que esta audiência pública seja o mais produtiva possível, conto com a colaboração de todos para que sejam observados os seguintes tempos para exposição e perguntas: fala dos convidados, dez minutos; perguntas do Relator, cinco minutos; respostas dos convidados, cinco minutos; bloco de perguntas de cinco Parlamentares membros da Comissão: três minutos cada, sem direito à réplica; respostas dos convidados: cinco minutos; bloco de perguntas dos Parlamentares não membros somente após metade da lista dos membros.
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Informo aos Parlamentares que o uso da palavra será feito de acordo com a ordem de inscrição, através do uso da função "levantar a mão" do aplicativo Zoom.
No intuito de se aproveitar o tempo restrito e a oportunidade presente, as eventuais questões de ordem, no tempo das Lideranças, poderão ser utilizadas após a audiência com o convidado.
Feitos esses esclarecimentos, concedo a palavra ao convidado, Sr. Aristóteles de Queiroz Câmara, advogado e pesquisador da FGV de São Paulo. V. Exa. dispõe de até dez minutos. (Pausa.)
Já está no ar.
O SR. ARISTÓTELES DE QUEIROZ CÂMARA (Para expor.) - Primeiro, eu gostaria de agradecer o convite que recebi para participar desta audiência pública e saudar o Vice-Presidente da Comissão, Deputado Hildo Rocha, e o Relator, Deputado Aguinaldo Ribeiro, meu conterrâneo, paraibano, em nome dos quais eu saúdo os demais integrantes desta Casa.
Srs. Deputados e Senadores, esta Legislatura é reconhecida como uma das mais atuantes da história do Congresso Nacional. Isso não é pouco, ainda mais porque vivemos em tempos de pandemia, em que todos sentem os efeitos da crise sanitária que vivemos. Mas, mesmo durante a pandemia, o Congresso não deixou de estar aberto e aprovar reformas. Então, eu acho que é importante nós aproveitarmos este momento em que temos um Congresso reformador, em que temos também algumas propostas de reforma tributária já em curso nesta Casa, cada uma com seus méritos e pontos de melhoria, para finalmente nós termos uma reforma tributária no País.
Como falou ontem o Deputado Aguinaldo Ribeiro na audiência pública que ocorreu, a confiança é a base de uma reforma tributária, confiança é a base da cooperação e, por sua vez, confiança é a base do federalismo fiscal, como foi previsto na Constituição da República. E, para construir a confiança e nós possamos avançar na reforma tributária, é necessário amplo conhecimento das propostas por seus impactos econômicos e sociais e, sobretudo, distinguir os interesses específicos de entes federados e setores da economia do interesse geral do Brasil. A tributação naturalmente lida com conflitos distributivos e uma reforma tributária coloca em evidência esses conflitos.
Dito isso, eu gostaria de ressaltar três pontos de convergência das PECs que estão em curso e também da proposta da CBS, que, na minha visão, deveriam estar contemplados no relatório final que será feito por esta Comissão.
O primeiro deles é a unificação das bases econômicas do consumo. É um ponto já muito debatido neste Congresso e também na Academia, pela sociedade. Sabemos que a Constituição, já há muito tempo, e foi mantido pela Constituição de 1988, tentou separar as competências tributárias dos entes separando as bases econômicas: serviços ficam com os Municípios, uma parte com os Estados, a circulação de mercadorias com os Estados, operações de produtos industrializados com a União. Foi essa a forma encontrada e mantida pela Constituição de 1988 para poder separar, outorgar essas competências tributárias para os três níveis de Federação. Na minha visão, isso não vem mais funcionando a contento e gera vários problemas graves que devem ser enfrentados.
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O primeiro deles é uma questão que nós vemos cada vez mais. A competência tributária separada em setores da economia incentiva a guerra fiscal, incentiva que um ente que tem a sua base econômica diminuída invada ou tente invadir a base econômica do outro. Isso é uma consequência natural de uma separação, na minha visão, artificial de base econômica. Ela gera também uma coisa muito ruim que é um conflito entre entes federados na base de incentivos fiscais, para atrair investimentos; ela gera, sobretudo, ineficiências econômicas quando o contribuinte, pela sua opção e forma como monta o seu negócio, pode estar sujeito ao ISS e tributado a 2% a 5%, em vez de montar um negócio, usar tecnologias mais eficientes e sofrer uma tributação do ISS. A escolha desse contribuinte não pode ser tributária; ela tem que ser feita com base econômica. Isso é importantíssimo para ser endereçado na reforma tributária.
O segundo ponto que gera essa separação de bases é algo muito caro para mim, que fala em relação à justiça fiscal. É algo muito distante no Brasil, hoje em dia. Não há, na minha visão, nenhuma justificativa para o consumidor de serviços ser menos tributado do que o consumidor de mercadorias. Nós podemos pensar se é razoável estabelecermos alíquotas diferenciadas para alguns serviços essenciais, como saúde e educação. Nós podemos pensar também se é razoável termos alíquotas diferenciadas para algumas mercadorias mais essenciais, em relação ao princípio da seletividade, que está previsto na Constituição. Mas não há razão alguma para que alguém que consuma serviço, que majoritariamente são pessoas que estão nas camadas superiores da nossa sociedade, seja menos tributado do que aquelas pessoas que não conseguem comprar serviços e conseguem comprar apenas bens de consumo. Isso é algo que é uma deturpação do nosso sistema tributário e tem que ser enfrentado, para diminuir a nossa regressividade.
Outro ponto que eu gostaria de colocar de convergência entre as propostas em curso é a utilização de um tributo único. Na minha visão, ao convergir competências tributárias, você não fere o pacto federativo. Se se observar bem o que foi previsto pela Constituição, ninguém, nenhum ente federado pode exercer plenamente, em alguns impostos, em alguns tributos, a sua competência. O caso do ISS é muito exemplar disso. Os Municípios exercem a sua competência legislativa em relação ao ISS, não podendo dar isenções, por exemplo; eles não podem colocar a alíquota de 1%, têm que estar adstritos a uma alíquota de 2% a 5%.
Então, não há que, necessariamente, para a garantia do federalismo brasileiro, cada um possuir um tributo separado e cada um poder exercer livremente a sua autonomia legislativa. Isso é um pressuposto que me parece falso, não está previsto na Constituição. O que a Constituição prevê, em relação à autonomia financeira, é a possibilidade de cada ente dosar a sua alíquota e, com base nisso, gerir ele próprio o quanto de receita tributária conseguirá ter para conseguir custear os serviços públicos que estão sob a sua alçada. É isso que diz a Constituição, é isso! Todo o resto é uma questão acidental e parece que pode ser mais bem conformado para que nós tenhamos uma gestão compartilhada de tributos e ganhemos em eficiência, ganhemos em cooperação entre os demais entes.
O terceiro ponto. Eu gostaria de ressaltar nas propostas algo que me parece mais consensual, mas é muito importante, que é a arrecadação ser no destino. Isso é algo que, do ponto de vista fiscal, é importante, porque você empodera o cidadão, ou seja, o cidadão vai decidir, um agente político que vote em eleições, quanto de carga tributária deseja ter na sua localidade e impede que eu, que estou no local, seja tributado com base no que foi decidido por uma pessoa em outra cidade, em outro Estado. É a questão muito importante de você ser representado e decidir, como agente político, a sua carga tributária. E segundo, é a melhor distribuição de recursos em termos federativos. A Constituição de 1988 errou nisso, na minha visão, ao colocar a tributação na origem.
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Temos também alguns pontos a melhorar em relação às propostas. Tenho alguns deles. Eu quero só ressaltar um, pela questão do tempo.
O conceito de não cumulatividade previsto nas propostas me parece que não propõe a segurança necessária que nós queremos, para poder ver de fato essa não cumulatividade exercida plenamente. Por quê? A Constituição de 1988 já previu a não cumulatividade das ISS, por exemplo. Mas logo depois, as mudanças legislativas alteraram esse conceito e restringiram o direito de crédito das empresas. Isso foi julgado inconstitucional pelo STF. Então, infelizmente, eu acho que esse é um ponto em que nós precisamos colocar esse conceito na própria Constituição, para que a gente tenha uma maior segurança jurídica.
Finalmente, eu gostaria de falar também de duas propostas que estão em curso aqui na Casa, que têm os seus méritos e têm, na minha visão, um lado menos favorável.
O Simplifica Já está sendo muito discutido nesta Casa. Foi discutido ontem pelos Prefeitos. Parece-me que ele endereça bem algumas questões, mas ele usa muita energia, exige muita energia para pouco resultado em relação aos problemas centrais. Eu acho que ao invés de nós pensarmos em PECs, ao invés de nós pensarmos em manter a separação entre ISS, entre ICMS, como foi proposto pelo Simplifica Já, é melhor enfrentar, melhor usar essa energia do Congresso Nacional e resolver essa questão naquilo que é essencial, que são esses três pontos que foram colocados no começo da minha exposição.
Finalmente, a CPMF, que é colocada como a bala de prata para tratar da desoneração da folha. Bala de prata é um conceito errado. Não há nada simples para você consertar a questão da folha no Brasil. Há um conjunto de medidas que deve ser pensado, como retirar os penduricalhos que existem sobre a folha em relação ao Sistema S, melhorar o sistema de benefícios, abolir privilégios que ainda persistem lá; não criar um tributo que é cumulativo, que é regressivo, que incentiva atividades menos complexas, incentiva a desbancarização. Em momentos de crédito baixo, de juros baixos, como vivemos, de 2% ao ano, uma empresa que buscar um crédito rotativo, de 2,5% ao mês nos bancos, vai pagar quase o mesmo de tributo. Não tem como sustentar isso na nossa atual economia. E sobretudo há a questão do exercício fiscal. A CPFM custeia benefícios tributando todos. Isso é algo que está totalmente contrário à natureza de uma contribuição previdenciária. Cada vez mais ela tem que ser incidente em cima daqueles que vão receber o benefício no futuro.
As palavras finais que eu gostaria de colocar são que essa reforma sobre o consumo deve ser vista como apenas o começo de uma reforma mais ampla. O Brasil deve melhorar a tributação sobre a renda e sobre o patrimônio. É importante isso para que a gente tenha um sistema tributário menos regressivo, tal qual em vários países. O nosso sistema tributário não pode ser causa de iniquidades, como nós vemos hoje.
Muito obrigado pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Muito obrigado pela participação, Sr. Aristóteles de Queiroz Câmara, advogado e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas.
Eu vou passar a palavra agora para o Sr. Fausto Júnior, porque o Sr. Eduardo Fagnani está com dificuldades de conexão. Ou ele já se conectou? (Pausa.)
O Eduardo ainda não conectou. Então, vamos chamar...
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O SR. EDUARDO FAGNANI - Eu estou aqui. Alô.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Opa! Já está aí? V. Exa. pode entrar e falar. V. Exa. dispõe de dez minutos.
Com a palavra Eduardo Fagnani.
O SR. EDUARDO FAGNANI (Para expor.) - Boa tarde a todos os Senadores e Senadoras presentes e os meus colegas da Mesa.
Eu queria, em dez minutos, destacar, em primeiro lugar, que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Recentemente o economista Thomas Piketty mostrou que a desigualdade no mundo piorou nos últimos 30 anos, mas ela é menor do que a desigualdade que nós tínhamos na Europa no começo do século passado, exceto no Brasil. Ele disse que a desigualdade no Brasil hoje é semelhante à desigualdade que existia na Europa na época da Primeira Guerra Mundial. Outro estudo do Piketty mostra que o Brasil é o país onde há a maior concentração da renda: o 1% mais rico fica com cerca de 30% da renda nacional, enquanto, por exemplo, na França o 1% mais rico fica com 10%, 12% da renda. As causas da desigualdade são múltiplas, de caráter histórico e estrutural, enfim, mas certamente uma delas é o caráter secularmente regressivo da tributação nacional.
Eu queria registrar que a ideia da progressividade era um conceito liberal: ela está lá em Adam Smith, A Riqueza das Nações. Segundo Adam Smith, na sua teoria da tributação, o princípio da equidade diz que o súdito de cada Estado deve contribuir com o máximo possível para a manutenção do Governo em proporção às suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento que cada um desfruta sob a proteção do Estado. A ideia é a da proporcionalidade, da progressividade, não é? A progressividade está na Constituição brasileira somente no art. 145, que fala da igualdade material tributária e da capacidade econômica do contribuinte. No entanto, esses princípios não são cumpridos. O caráter regressivo da tributação brasileira se manifesta basicamente porque nós somos vice-campeões mundiais em tributação sobre o consumo, e lanternas globais na tributação sobre renda e patrimônio. Essa é que é a questão central. Uma reforma tributária que não enfrenta esse problema é uma reforma tributária absolutamente limitada.
No Brasil, cerca de 50% de tudo que é arrecadado vem do consumo, enquanto que nos Estados Unidos, por exemplo, é 17%. Por outro lado, a arrecadação de renda e patrimônio no Brasil é cerca de 20%, enquanto que nos Estados Unidos é 50%, e na Dinamarca, que é um caso extremo, é quase 67%.
A alíquota do Imposto de Renda no Brasil - a alíquota máxima - é de 27,5%, enquanto a média dos países da OCDE é em torno de 41%. Vários países praticam uma alíquota máxima de Imposto de Renda superior a 40% e até superior a 50%.
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Essa alíquota é inferior até mesmo à alíquota praticada no Chile, na Colômbia e no México. Sequer em relação aos países da América Latina... Essa alíquota é menor ainda que neles. Isso apresenta uma injustiça enorme, quer dizer, uma pessoa que ganha R$5 mil paga na fonte 27,5% e uma pessoa que ganha R$500 mil paga os mesmos 27,5% na fonte. Isso é uma negação absoluta do princípio da progressividade.
Em países capitalistas desenvolvidos, o imposto de renda tem um papel central, é quase o coração do sistema. Por exemplo, na Alemanha a arrecadação do imposto de renda é próxima de 10% do PIB. No Brasil, é cerca de 2,5% do PIB. Na média de um conjunto de países desenvolvidos, é cerca de 7% do PIB.
Há um dado na nossa tributação que é a não tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos. Então, por exemplo, suponha que um acionista majoritário de um grande banco receba R$400 milhões, pessoa física, como distribuição de lucros e dividendo. Esses R$400 milhões são totalmente isentos de tributação. Não é por outra razão, ou essa é uma das razões pelas quais quem ganha mais de R$320 mil por mês tem quase 70% da sua renda tributada. Sem falar da questão toda da não tributação do patrimônio, mas o tempo é muito curto.
Portanto, nós estamos diante de um paradoxo: a questão central da tributação brasileira é a alta participação de consumo e reduzida participação de renda e patrimônio, quer dizer, o que seria correto fazer é elevar renda e patrimônio e reduzir consumo e folha de salário. O paradoxo é que os três projetos prioritários que tramitam no Congresso Nacional não enfrentam essa questão. O foco é exclusivo na simplificação da tributação sobre consumo. É importante simplificar a tributação sobre consumo - não estou dizendo que isso não é necessário fazer -, mas é insuficiente. É insuficiente, porque há quase que uma completa omissão em relação a esse caráter regressivo da tributação brasileira.
Eu queria lembrar que, diante desse quadro, os partidos da oposição protocolaram, em outubro do ano passado, a emenda substitutiva global à PEC 45, que é pouco discutida - praticamente não há nenhum espaço na imprensa para ela -, que é conhecida como a reforma tributária solidária, justa e sustentável. É a única proposta que propõe uma simplificação, mas também propõe a elevação da tributação sobre renda e patrimônio e a redução da tributação sobre o consumo. Essa proposta foi amparada em estudos que foram feitos por mais de 40 especialistas. Foram publicados dois livros: um faz um diagnóstico enorme, o outro faz propostas para mudar. Esses estudos mostram que tecnicamente é possível que o Brasil tenha um sistema tributário mais próximo da média dos países da OCDE. Esses estudos estão todos disponíveis para consulta, através de livros eletrônicos, etc.
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O que aconteceu com a crise? Essa crise, agravada pela pandemia, tem sido comparada por especialistas do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, do Financial Times, como uma crise semelhante às grandes crises do capitalismo no século XX. O editorial do Financial Times de julho tem dito que os líderes atuais deveriam se inspirar nos líderes do século XX, como Roosevelt e Churchill.
E como as crises do capitalismo do século XX foram enfrentadas? O estudo do economista Thomas Piketty mostra muito bem isso. Diz o Piketty que a grande inovação na tributação no século XX nos países capitalistas centrais foi a tributação progressiva. Então, só para vocês terem uma ideia, a alíquota máxima do imposto de renda das pessoas físicas - a alíquota máxima - no Reino Unido e nos Estados Unidos foi superior a 90% entre 1940 e 1980, e a alíquota máxima das grandes heranças nos Estados Unidos e no Reino Unido, só para citar dois casos, foi superior a 70%, 80% também entre 1940 e 1980.
Então, a questão, que já era complicada - aquele paradoxo que eu mencionei de que as agendas prioritárias de reforma tributária no Congresso não enfrentam a questão da regressividade do sistema tributário -, com a crise, esse problema fica ainda maior, porque, numa crise desse tamanho, o Estado tem que ser fortalecido. É o que a história econômica ensina, e uma das formas de ser fortalecido financeiramente é a tributação progressiva das altas rendas e dos altos patrimônios.
O Estado tem que ser capacitado, por exemplo, para fortalecer o SUS; por exemplo, para implantar um programa de renda básica, de renda mínima que substitua o salário. Essa crise é grave, a recuperação vai ser difícil. O que aconteceu no mercado de trabalho é algo inédito em termos de pessoas sem trabalho. Certamente, só para dar um exemplo, o Estado vai ter que criar um programa de renda mínima que substitua o salário. Isso custa dinheiro, e uma das alternativas é...
Quinze segundos.
Então, uma das alternativas é a reforma tributária. A reforma tributária é o mecanismo pelo qual é possível fazer com que não se tire dos pobres para dar aos paupérrimos. É possível retirar dos super-ricos.
Só para concluir, em função desse quadro, essa mesma equipe que trabalhou naqueles outros projetos redigiu um novo documento que se chama "Tributar os super-ricos para reconstruir o Brasil". São apresentadas oito medidas prioritárias que têm o potencial de arrecadação de R$290 bilhões por ano, taxando apenas 0,3% da população.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Muito obrigado, Dr. Eduardo Fagnani, Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pela sua participação, pela sua colaboração.
Agora convido o Sr. Fausto Júnior, representante do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), para fazer uso da palavra.
V. Sa. dispõe de até dez minutos.
O SR. FAUSTO JÚNIOR (Para expor.) - Primeiro, boa tarde a todos.
É um prazer poder estar aqui. Agradeço, em nome do Dieese, o convite para fazer esse debate tão fundamental neste atual momento para o nosso País, em que a questão tributária se coloca mais uma vez como nosso desafio.
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Bem, eu creio que foi o Fagnani que me antecedeu - aproveito e cumprimento o Fagnani e todos os membros da Mesa - e levantou uma parte importante do debate que a gente precisa minimamente trazer para essa questão da reforma tributária.
Primeiro, há um conjunto de problemas da estrutura tributária brasileira que eu acredito - aqui nós vamos passar por vários especialistas - que, de certo modo, é um tanto quanto consensual. O sistema tributário brasileiro é regressivo, é complexo e é pouco transparente. Eu acho que esse é um dado para nós colocado e um desafio para todos aqueles Parlamentares que se colocam no desafio de reformar o nosso sistema tributário.
Agora, é importante a gente lembrar que o sistema tributário não foi construído também de uma hora para outra. Ele é um resultado complexo da nossa própria história, o que ele faz bem. Algumas estruturas inclusive de que a gente fala muito - em especial a tributação sobre o consumo, em especial o ICMS - estão guardadas na nossa história bem antes da própria Constituição de 1988. E a questão do pacto federativo, de certo modo, é que organiza e, de certo modo, dá inclusive complexidade para o nosso sistema tributário.
Propostas de reforma tributária inevitavelmente passam por a gente fazer escolhas, e eu acho que este é um daqueles momentos.
As perguntas que a gente deveria tentar se fazer neste momento são: num momento de crise e de pandemia, quais escolhas nós deveríamos fazer? Que escolhas trariam mais coesão social, trariam mais consenso e, aí sim, possibilidades de a gente efetivar mudanças, para, ao longo de um tempo - que não será curto -, ir corrigindo estas distorções: a regressividade, a complexidade e a pouca transparência?
Para isso, eu acho que nós precisamos eleger prioridades que, de alguma forma, lidem com esses problemas. Aí eu coloco a pergunta: qual é o principal problema do sistema tributário? Sob o nosso ponto de vista, sob o ponto de vista de um conjunto de especialistas que vêm discutindo essa questão já há um bocado de tempo, a questão da regressividade é algo que precisa ser enfrentado. Nós não vamos efetivar de fato uma reforma tributária que lide com alguns problemas - e não todos - se a gente, de alguma forma, não tocar na questão da regressividade.
A discussão da carga tributária no Brasil é uma discussão importante, porque, de certo modo, ela define o Estado que nós queremos. É bom dizer que o Brasil mudou, e mudou muito para melhor a partir de 1988, do ponto de vista de país, do ponto de vista de olhar para o conjunto da sua população e minimamente enfrentar um conjunto de mazelas as quais, de certo modo, a gente vem enfrentando nos últimos 30 anos a partir da construção dos direitos sociais. Não é possível que a gente faça o debate tributário sem levar em consideração o outro lado, o que esse conjunto de recurso vai financiar e como é que você vai garantir recursos para esse financiamento. É bom lembrar que várias das mudanças que estão sendo colocadas colocam em questão, por exemplo, a vinculação orçamentária, os impostos, contribuições e tributos que, de alguma forma, estão vinculados a financiar determinados direitos sociais. Fazer uma discussão de reforma tributária sem levar em consideração a que ela se destina é fundamental. Nós falamos agora sobre a tributação da folha - como o Prof. Aristóteles lembrou -, é algo importante para a gente olhar o que de fato aquela tributação sobre a folha financia do ponto de vista da construção dos direitos sociais no Brasil.
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Eu chamo atenção também para o fato de que olhar para a desigualdade certamente é algo fundamental no Brasil. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Se a gente olha o conjunto a partir do índice de Gini, constatamos que estamos quase na última posição da desigualdade, e o sistema tributário é fundamental para a gente enfrentar isso.
Aí chamo atenção quando a gente olha para o índice de Gini: ele tem uma classificação, um grau de desigualdade... Eu não estou transmitindo, então não consigo mostrar o gráfico, mas, quando você avança para o conjunto de serviços de assistência e previdência, a nossa desigualdade diminui; quando eu incorporo a questão da tributação, a nossa desigualdade aumenta. Então, chama atenção para nós o fato de que o nosso sistema tributário, em vez de ser um sistema que vá ao encontro da ideia de lidar com uma das maiores mazelas deste País, que é a questão da desigualdade, ele reafirma e reforça a sua desigualdade. E não é possível que, nesta discussão de reforma tributária, neste momento histórico que estamos vivendo, no qual o mundo discute a questão da desigualdade, nós, mais uma vez, vamos fazer essa discussão de lado, ou vamos colocá-la no cantinho para ser discutida. É fundamental que a gente faça um debate muito sério sobre a tributação indireta e a tributação direta e olhe sobre isso em especial com relação ao imposto de renda, com relação ao imposto sobre as grandes rendas, ao imposto sobre as propriedades, ao imposto sobre as fortunas e sobre heranças. É óbvio que só isso não resolve os nossos problemas, mas nós temos que escolher um caminho, e o caminho tem de ir na direção de, minimamente, enfrentar a maior mazela e o maior problema deste País, que é a desigualdade social.
Bem, quando a gente olha de fato para a carga tributária do Brasil... É muito interessante você olhar que... A gente diz que a carga tributária sobre a folha de salário é um problema, mas, quando você vai fazer a comparação com o mundo, vê que a nossa tributação sobre a folha de salário está abaixo da média da OCDE, e ela, de certo modo, está abaixo de vários países que historicamente fizeram essa discussão e estão hoje no centro do mundo. Quando a gente olha, em compensação, a carga tributária sobre bens e serviços, vê que estamos lá no topo, ou seja, nós tributamos bens e serviços acima da média, muito acima da média, o que distorce, inclusive, o nosso mercado consumidor e distorce o acesso aos bens e serviços. Isso nós temos que enfrentar de alguma forma.
Por outro lado, no extremo oposto disso, quando a gente vai para a carga tributária sobre renda, lucro, grandes capitais, vê que estamos muito, muito abaixo da média da OCDE, muito abaixo dos países desenvolvidos e abaixo, inclusive, de alguns países em desenvolvimento. É fundamental que a gente enfrente a discussão da tributação sobre a renda, sobre o lucro, sobre os ganhos de capital.
Aí, quando a gente adentra, então, a discussão de propriedade, isso piora muito. Piora muito, primeiro, porque essa não é uma discussão federal, ela caminha para Estados e Municípios quando a gente fala de propriedade e quando a gente fala de herança. Aí, é quase inviável se fazer... É um debate que, de certo modo, é interditado no Brasil, não se faz debate sobre carga tributária sobre propriedade. É fundamental que a gente enfrente minimamente essas questões para atacar a desigualdade.
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Creio que, ao pensar um pouco sobre esses caminhos, inevitavelmente do ponto de vista do Congresso Nacional, olhando para a questão federal, torna-se fundamental a gente mexer na tabela do Imposto de Renda e na estrutura de distribuição do Imposto de Renda no Brasil. Não é possível que, ao olhar a alíquota efetiva do Imposto de Renda, a gente tenha a mesma alíquota entre aqueles que ganham em torno de 7 salários mínimos e aqueles que ganham acima de 300 salários mínimos. Não é possível que a gente continue com uma distorção tão grande de uma curva de imposto sobre a renda em relação aos demais impostos deste País. É fundamental que se enfrente esse debate sobre a renda, porque não existe outro mecanismo de minimamente se colocar a efetivação da reforma tributária, o sistema tributário nacional na direção de uma das ferramentas de distribuição de renda neste País. Não é possível a gente olhar para a questão da tributação sobre a renda e perceber que os proprietários, que os empregadores em geral têm uma alíquota efetiva que é algo em torno de 3%, um pouquinho acima de 3%, enquanto o empregado médio, o trabalhador médio tem uma alíquota média que está acima dos 8%, ou seja, mais quase três vezes a alíquota do dono do capital. É fundamental que a gente enfrente isso.
Para a gente pensar um pouco sobre isso - eu acho que as propostas que estão principalmente tramitando hoje na Casa não se pronunciam sobre isso -, é importante que minimamente a gente faça essa discussão: a proposta do substitutivo da reforma tributária solidária está aí e ela coloca possibilidades. A gente acredita, então, que é fundamental que a gente olhe para a tabela do Imposto de Renda, que a gente tribute lucros e dividendos, que a gente reveja a figura dos juros sobre o capital, reveja as deduções do Imposto de Renda, regularize o Imposto sobre Grandes Fortunas e faça uma discussão sobre a federalização do ITCMD. Além disso, a gente precisa, de alguma forma, efetivar a tributação sobre a propriedade da terra.
Eu agradeço a possibilidade, e estamos abertos ao debate.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Eu pediria um pouco mais de atenção da Mesa na autorização do uso do áudio.
Agradeço a participação do Sr. Fausto Júnior, representante do Dieese. Muito obrigado pela sua participação, pela sua contribuição.
Convido agora o Sr. Luiz Gustavo Bichara, advogado, Procurador Tributário do Conselho Federal da OAB. V. Exa. dispõe de até dez minutos.
O SR. LUIZ GUSTAVO A. S. BICHARA (Para expor.) - Boa tarde a todos. Boa tarde, Deputado Hildo Rocha, Presidente desta reunião. Cumprimento V. Exa., Deputado Aguinaldo Ribeiro, em especial, e, na presença de V. Exas., cumprimento os demais membros desta reunião.
Eu queria agradecer e dizer que é uma honra estar aqui hoje representando o Conselho Federal da OAB. Pretendo ser muito breve e não quero cansá-los com obviedades e platitudes sobre a reforma tributária, porque todos nós já sabemos: a complexidade, o tempo que se gasta com compliance tributário no Brasil, isso tudo V. Exas. sabem muito melhor do que eu. A minha ideia aqui é tentar trazer meras contribuições pragmáticas e bastante concretas ao debate que hoje se trava nesta Casa, fundamentalmente com relação às duas PECs apresentadas. Eu já adianto a V. Exas. que realmente parece não haver muita saída fora do IVA, fora das propostas que estão feitas, já que as propostas são muito boas, cumprimento a Comissão, com toda ênfase. A ideia aqui é eventualmente tentar trazer um par de ideias para a gente evoluir no caminho das PECs sem tentar reinventar a roda.
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Uma coisa muito importante que eu acho precisa ser dita é no sentido da ideia de se fazer a reforma fatiada. O primeiro IVA da União, primeiro a CBS para depois o IVA dos outros entes federados parece uma ideia, data venia, muito ruim. Essa repartição da reforma parece uma ideia típica de quem no fundo não quer nada reformar. Com toda vênia, parece impossível efetivamente a gente fazer uma reforma digna sem endereçar o projeto nos três níveis da federação. A CBS parece-me realmente uma ideia infeliz, uma versão edulcorada de PIS/Cofins com um aumento inequívoco de tributo e a consubstanciação do velho provérbio: "A farinha é pouca, o meu pirão primeiro".
Realmente, é muito importante que a gente evolua nas PECs com um ajuste da tributação sobre o consumo nos três níveis da federação. Parece-me impossível uma efetiva reforma tributária que não inclua Estados e Municípios.
Dentro dessa linha, quero trazer uma visão mais pragmática e mais concreta sobre reforma. Eu teria algumas considerações no sentido de conclamar V. Exas. para que a reforma fosse um pouco mais ambiciosa, que nós não ficássemos hoje com uma reforma idêntica à que estávamos em janeiro, num período pré-pandemia. Não podemos desconsiderar hoje que 50% dos brasileiros em idade adulta estão desempregados. É um dado muito grave!
Mas me parece que os colegas que me antecederam já perpassaram bem sobre esse tema da necessidade de nós alterarmos também a tributação sobre renda e patrimônio, não só o consumo, de maneira que eu vou me permitir, então, pular essas reflexões para não ficar chovendo no molhado.
Agora, algumas coisas são ainda importantes e eu acho que a gente tem que ter em mente. A primeira questão, a não cumulatividade. É sabido por V. Exas. que a espinha dorsal do IBS, quer na 45 quer na 110, é a não cumulatividade plena, ampla, o crédito financeiro e não físico, de maneira que a gente possa finalmente pôr fim àqueles infindáveis debates sobre créditos de PIS/Confins ou de ICMS. Então, não há dúvida de que essa é a pedra de toque da reforma tributária.
No entanto, eu preciso considerar e dizer a V. Exas. que isso não é o que está no texto. Por exemplo, na Emenda 45 o que nós temos proposto no art. 152 é uma previsão de que o IBS será não cumulativo, compensando-se o imposto devido em cada operação com aquele incidente nas etapas anteriores.
Esta é rigorosamente a mesma redação do art. 156 da Constituição, muda uma ou outra palavra, mas o sentido é igual, ou seja, eu queria só alertar V. Exas. no sentido de que a promessa de não cumulatividade não está efetivada no texto constitucional proposto, não está na PEC.
E se as mulheres e os homens serão os mesmos, e se a norma matriz será a mesma, nós não temos elementos de convicção para crer que o intérprete agirá de maneira diferente, ou seja, essa questão da não cumulatividade plena do crédito financeiro necessariamente precisa vir albergada no texto constitucional, a reforma precisa tratar disso.
Um outro ponto que eu gostaria de chamar a atenção de V. Exas. é a questão da alíquota. Realmente, essa alíquota proposta de 25 - nós já sabemos que não vai ficar em 25, deve ir lá para perto de 30 - é uma alíquota excessiva. A alíquota média nos países da OCDE hoje gira em torno de 19,3%. Então, eu queria conclamar V. Exas. a uma reflexão sobre a possibilidade de a gente ter algumas alíquotas, três e uma possibilidade de alíquota zero, três, quatro, uma coisa assim. Claro que fique diferente da balbúrdia que nós temos hoje, mas que se afaste também desse fetiche da linha conta única.
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Eu vejo alguns especialistas falando em Nova Zelândia... A Nova Zelândia é um país que tem 5 milhões de habitantes, do tamanho do Piauí. Nós não podemos comparar a Nova Zelândia com o Brasil, com a complexidade do País que nós temos. Então, nós precisamos evoluir, me parece aqui, com um sistema intermediário. Não adianta achar que nós vamos do inferno para o paraíso da noite para o dia.
Por exemplo, na União Europeia, os senhores sabem, a Diretiva 102, de 2006, autoriza que os países membros adotem alíquotas diferenciadas para vários setores. Por exemplo: serviço médico, educacional, aluguel de bens móveis, etc. Isso é feito, isso agora foi o que salvou inúmeros países em termos de recuperação de pandemia.
Só um exemplo curioso: a Noruega reduziu de 19% para 6% o IVA em turismo, cinema, tudo para recuperar a economia, em tudo o que é ligado ao turismo. O Reino Unido renunciou ao IVA para hotelaria e viagens durante um ano. A Turquia reduziu de 18% para 1% o IVA sobre passagem aérea.
Então, é preciso que haja uma margem de manobra para o Poder Executivo reduzir alíquota num momento de emergência. Esse engessamento proposto pela alíquota única da PEC é que causa um pouco de preocupação e também uma certa espécie no que concerne à justiça fiscal. V. Exas. sabem que 80% dos 168 países que adotam o IVA conseguem, por exemplo, um tratamento diferenciado para a saúde. A Alemanha, que tem uma alíquota base de 19%, é zero de saúde; em Israel, a alíquota base é 17%, zero de saúde; México, 16%, é zero de saúde.
Dessa mesma forma, saúde, educação, telecomunicações, energia elétrica, coisas que pesam mais no orçamento do pobre talvez mereçam ter uma alíquota diferenciada. Quer dizer, nós precisamos lembrar que nós estamos extinguindo o IPI, que é um imposto com finalidade extrafiscal, para congregá-lo, então, no novo IBS, mas isso não pode causar um engessamento em termos de política pública.
Quer dizer, eu acho que a gente poderia efetivamente caminhar para um modelo de algumas poucas alíquotas, e acho que não o fazer seria um voto de desconfiança no Parlamento. É claro que o Parlamento vai saber manejar que contribuinte deve estar enquadrado em que alíquota. Então, pelo menos essa parece ser uma transição mais suave.
Evidentemente, sempre que o subsídio puder ser financeiro, ele é melhor do que o subsídio tributário. Então, sempre que a gente puder fazer a política pública sem ser por um caminho tributário, isso será mais efetivo. Mas, por outro lado, nós temos que olhar que uma tributação sobre consumo agravada tende a tornar o sistema mais regressivo e mais prejudicial ao pobre.
Só para dar um dado da POF, por exemplo, energia elétrica, o consumo de quem ganha até dois salários mínimos, equivale a 4,4%; para quem ganha mais de 23 mil, equivale a 0,9%, ou seja, nós precisamos ter um cuidado para que as alterações no tributo sobre o consumo não terminem por tornar o sistema menos regressivo.
Também queria dar uma palavra a V. Exas. no que concerne aos benefícios fiscais. Tornou-se um lugar comum demonizar benefício fiscal. Eu queria só fazer uma breve consideração. Talvez o demônio não resida no benefício fiscal, mas, sim, no benefício fiscal sem controle da efetividade da política pública, como a gente viu especialmente nos últimos governos. Então, de novo, claro, sempre que o subsídio puder ser financeiro, ele é muito melhor do que o subsídio tributário, mas, às vezes, o subsídio tributário se mostra mais efetivo. Vou dar um exemplo simples: Prouni. V. Exas. sabem que ele tem como alvo viabilizar o estudo superior para estudantes de baixa renda, basicamente bolsistas. Dados do MEC: um aluno do Prouni custa R$3,9 mil por ano; um aluno em universidade pública federal custa R$38 mil. Esse é um exemplo típico de um benefício que não deve ser acabado, porque é um benefício altamente inclusivo, que foi responsável pelo ensino superior para mais de 2,5 milhões de pessoas desde que foi criado e com um custo, em termos de renúncia fiscal, muito mais barato do que do exercício da política pública diretamente. Esse é um ponto fundamental, talvez um pouco contraintuitivo, mas eu acho que a gente tem que fazer uma reflexão talvez um pouco mais serena sobre benefícios fiscais e sobre alíquotas.
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E outro ponto, talvez também um pouco esquecido, é o seguinte: nós não estamos acabando com todos os tributos sobre o consumo. Só para dar um exemplo, o Fust e o Funttel, que são duas contribuições que se tem sobre telecomunicações, custam 1,5% e têm a mesma base de cálculo do PIS e Cofins. Então, não dá para fazer reforma varrendo alguma sujeira para debaixo do tapete nem deixando esqueletos no armário.
Eu teria ainda alguns outros pontos para comentar com V. Exas., sobretudo no que concerne à cobrança de crédito e à preocupação com os créditos hoje existentes - dos contribuintes -, mas vejo que já estou me aproximando do final, já chego perto dos dez minutos. Se eventualmente nós pudermos conversar um pouco nas perguntas de V. Exas., talvez possamos explorar essa questão dos créditos hoje existentes.
Agradeço a atenção de V. Exas. e fico à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Muito obrigado, Sr. Luiz Gustavo Bichara, pela sua participação, pela sua contribuição a um tema que é muito importante a todos nós, brasileiros.
Quero convidar agora o Sr. Marcos Lisboa, economista e Presidente do Insper.
V. Sa. dispõe de até dez minutos. (Pausa.)
A palavra está com Marcos Lisboa. (Pausa.)
Será que ele se ausentou?
O SR. MARCOS LISBOA - Deputado...
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Opa... Estamos aqui.
O SR. MARCOS LISBOA (Para expor.) - Muito bem.
Deputado Hildo Rocha, muito obrigado pelo convite, é um prazer estar com os senhores aqui.
O tema tributário do Brasil realmente é urgente, e eu vou conversar pela perspectiva da economia.
O Brasil é um país que cresce pouco há quatro décadas. Então, nós crescemos menos do que o resto do mundo, crescemos menos do que os países desenvolvidos e crescemos muito menos do que os demais emergentes. E não é um fenômeno de agora. Esses últimos dez anos foram bastante ruins para o País, mas, desde - para dar um número - 1995 até 2016, os países emergentes fora da América Latina cresceram seis vezes mais do que o Brasil.
O Brasil vem empobrecendo já, relativamente ao mundo, há muito tempo, mesmo antes da crise. Nos melhores momentos, nos meados dos anos 90 e nos meados dos anos 2000, nós conseguimos crescer apenas na média do mundo, bem abaixo dos demais emergentes. Esse empobrecimento do Brasil é talvez o tema mais urgente para superar a miséria, a pobreza e as dificuldades que nós enfrentamos.
A pesquisa em economia, já há muito tempo, procura entender quais são as causas do atraso dos países. Há bases de dados muito grandes para várias e várias décadas, com dados muito detalhados, que permitem estimar, afinal de contas, que fatores estão relacionados com o crescimento.
Por que alguns países, como o Brasil, ficam para trás, enquanto outros países se desenvolvem? Histórias podem ser contadas, mas os dados parecem indicar alguns resultados surpreendentes. A educação claramente importa, a qualidade da educação também, a capacidade de o país investir em infraestrutura é importante, mas todos esses fatores explicam menos da metade da diferença de renda entre os países.
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A evidência dos 30 anos é que perto da metade da diferença de renda entre os países decorre da maneira como as regras são estabelecidas para a economia funcionar. Dependendo de como se organizam as regras do mercado de crédito, as regras do mercado de trabalho, as regras para o funcionamento para os investimentos em infraestrutura e as regras tributárias, os países crescem menos ou crescem mais.
Em particular no Brasil, o nosso sistema tributário é repleto de distorções, de diferenças em relação ao resto do mundo, que acabam levando ao que alguns economistas chamam de má alocação de capital. Nós induzimos investir em atividades pouco produtivas; nós gastamos nossos recursos, capital e trabalho, em atividades que geram pouco valor para a sociedade, geram poucos lucros, poucos salários, poucas rendas, em detrimento de atividades mais rentáveis. Nós temos um problema grave no Brasil, há 40 anos, de baixo crescimento da produtividade - você analisa o que os economistas chamam da produtividade total dos fatores.
E por que o sistema tributário acaba sendo um obstáculo a isso? Não quero aqui entrar na discussão da carga tributária. A carga tributária é uma escolha do país, é uma escolha da sociedade, é uma escolha da política. Em geral, países mais pobres como o Brasil têm uma carga menor. O Brasil tem uma carga alta em comparação com os seus pares. Países ricos como os da OCDE têm cargas maiores, mas, quando eles eram pobres como nós, tinham cargas menores. Em geral a história é, à medida que o país vai enriquecendo, sua carga vai aumentando e não o contrário. Nós e a Argentina somos os casos diferentes aqui e os países da antiga União Soviética. Mas eu quero discutir a maneira como essa carga é arrecadada. Tem a questão do imposto sobre a renda, eu falo sobre isso no fim, mas tem a discussão sobre a maneira como nós tributamos o consumo, a forma como nós tributamos o consumo. Eu não estou discutindo aqui a alíquota; eu estou discutindo a forma.
Qual é o problema do nosso sistema tributário? Tem a complexidade, tem todo esse contencioso e regras muito estranhas no Brasil, muito diferentes do resto do mundo. Um sistema muito complexo, com muitas variações entre produtos; tributação na origem; como já foi dito antes, o crédito produtivo, que é uma coisa estranha do Brasil, e não o crédito financeiro, que é você poder deduzir todos os tributos que foram pagos anteriormente na cadeia produtiva. Mas uma das dificuldades que nós temos é que essa quantidade de alíquotas, regimes, distorce os preços relativos da economia. Atividades se tornam rentáveis não porque elas são socialmente rentáveis, não porque elas vão gerar muita renda, mas porque elas pagam menos impostos. Atividades deixam de ser rentáveis, apesar de terem um retorno social muito alto, porque pagam muitos impostos. Processos produtivos, tecnologias são adotadas não porque são as melhores, as mais eficientes, mas exclusivamente pela regra tributária. Essa é uma grave distorção que o País tem. Por isso que, idealmente, o imposto sobre o consumo deveria ter uma alíquota única, para evitar essas distorções. Quer dizer, ao chegar ao consumidor final, qualquer que seja o bem ou serviço deveria ter implícito no seu preço a mesma alíquota. Isso evitaria distorções. É verdade que alguns países não têm - têm alíquota única para o IVA -, outros países têm algumas poucas exceções, mas o grau de complexidade do Brasil que é pior. A maneira como nós cobramos, com cumulatividade, a sociedade acaba não percebendo a quantidade de impostos que paga. Alguns grupos acham que são beneficiados com algum regime tributário, alguma isenção, mas os insumos, os bens e serviços que compram, para produzir, estão carregados de impostos, que não são visíveis. Um IVA retira isso. Com um IVA, você paga uma alíquota única sobre o valor que foi adicionado naquela etapa de produção; ou o que é o mesmo, você pode deduzir dos impostos a pagar todos os impostos que foram arrecadados antes. É uma decisão da sociedade: se ela quiser criar distorções, é uma escolha da sociedade. O que cabe alertar é que a complexidade das distorções leva a esse quadro de má locação de capital, baixa produtividade. Há vários setores que acabam, sem perceber, em função dos preços dos insumos, em função das regras tributárias, escolhendo tecnologias mais ineficientes, investimentos malfeitos. Quanto a esse tema, inclusive, chamado pelo sistema americano como misallocation of capital, é muito documentado na literatura o peso que ele tem na diferença de renda, na diferença de bem-estar entre os países.
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Então, o primeiro ponto, é uma reforma tributária sobre o consumo. De novo, a questão da alíquota é uma decisão da política, mas que retire essas distorções. É fundamental, retira um dos entraves ao crescimento do País. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é o imposto sobre a renda. E aqui, para variar também, o Brasil tem muitas peculiaridades da maneira que cobra a renda. A Receita Federal no Brasil, a maneira de arrecadar do Brasil é muito peculiar em relação ao resto do mundo. O Brasil gosta da substituição tributária. Então, em vez de cobrar de cada um proporcionalmente à sua renda, escolhem-se alguns grandes consumidores, algumas grandes etapas do processo de produção para arrecadar pelos demais, é isso que é a substituição tributária. Então, você vai, por exemplo, em grandes fábricas, e você cobra pelos tributos que seriam devidos pelos revendedores, por exemplo. Não é que o revendedor não pague imposto; ele paga, está implícito no preço que ele pagou uma alíquota maior de imposto paga antes na cadeia, exatamente para dar conta do imposto que seria devido depois. Isso também gera um contencioso muito grande.
Isso é feito em impostos sobre o consumo no Brasil, mas também é feito no imposto sobre a renda. O lucro de uma empresa pertence ao acionista, assim como o salário pertence ao trabalhador. A nossa opção tributária é tributar o lucro do acionista na empresa, como tributamos o salário do trabalhador na empresa, ele é retido. O trabalhador recebe um salário líquido de impostos que já foram pagos. Isso não quer dizer que o trabalhador não pagou imposto; claro que pagou. O seu salário é de um montante, e ele recebeu um montante a menor, em função da tributação.
A mesma coisa acontece com o lucro das empresas. Então, o que é o dividendo? O dividendo é o lucro do acionista que já pagou o imposto. Então, é preciso separar. Agora, no Brasil, a gente confunde o tamanho da empresa com o tamanho do acionista. Se a empresa é grande, assume-se que o acionista é grande. Isso vai ser verdade para alguns acionistas, e não para outros. Então, por exemplo, fundos de pensão são acionistas de granes empresas. Os seus cotistas recebem a sua pensão a partir do lucro dessas grandes empresas e eles não são ricos, em muitos casos; há pessoas de classe média. Mas como nós primeiro tributamos a renda onde ela é gerada - ela é gerada na empresa, então tributa-se o lucro da empresa - e assume-se que, se a empresa é grande, o acionista é grande, você tem alíquotas maiores para grandes empresas e menores para pequenas empresas. O ideal é como o resto do mundo tem feito: reduzir o imposto da pessoa jurídica e tributar cada família na proporção da sua renda. Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Obrigado, Marcos Lisboa, economista, Presidente do Insper, pela sua participação, pela sua colaboração, pelas ideias trazidas até aqui a nós.
Agora eu quero convidar o Sr. Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o nosso último convidado a fazer uso da palavra.
V. Exa. dispõe de até dez minutos.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI (Para expor.) - Bom dia a todos.
Vou tentar compartilhar aqui uma tela para uma apresentação. Todo mundo falando, mas vou querer mostrar alguns dados, para a gente poder discutir.
Todos conseguem ver? (Pausa.)
Perfeito.
Eu queria fazer uma apresentação. Vou falar várias questões, mas eu queria aproveitar também para dizer que alguns dos números que eu vou apresentar fazem parte de um estudo feito com meu colega Rodrigo Orair. Para quem quiser conhecer mais detalhes, esses dados estão nesse texto para discussão do Ipea, de número 2530.
Preliminarmente, eu queria dizer que aqui se falou, por exemplo, da questão da progressividade tributária. Vários dos colegas que me antecederam tocaram no tema. Eu não tenho dúvidas de que ampliar, melhorar a progressividade tributária no Brasil é um desafio. Como vou até colocar na minha conclusão, acho que a reforma do Imposto de Renda é algo muito importante a ser feito para corrigir sérias distorções que nós temos no nosso sistema tributário, só que eu creio que nós não podemos perder a oportunidade de aprovar a atual reforma tributária, que se cinge a reformar os tributos sobre o consumo, inclusive pela questão distributiva.
Aqui na minha apresentação... (Falha no áudio.)
Falando nessa introdução, além de a reforma tributária provavelmente ter, por seus efeitos econômicos, impactos na produtividade e, portanto, no crescimento econômico, da nossa economia... Um colega da GV do Rio de Janeiro estima que esse impacto pode ser de 20%, ao longo do tempo. Além disso, essa reforma tributária, a reforma da tributação do consumo, tem três ordens de efeitos redistributivos. Um é na esfera econômica, já que a gente supertributa indústria e subtributa serviços - eu não vou me aprofundar nisso. Na outra questão, nós temos também efeitos do ponto de vista social. A reforma tributária prevista na PEC nº 45, pelas simulações que a gente faz, tem potencial para reduzir a regressividade, seja via unificação de alíquotas, eliminação de desonerações e adicionalmente, como vou mencionar, com a criação do mecanismo de devolução do imposto pago pelas famílias de mais baixa renda.
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E nós temos um importante impacto redistributivo do ponto de vista federativo, que é algo que eu vejo - eu sou economista - muitas vezes; esse aspecto redistributivo da Federação é menosprezado, e não se dá a devida importância para ele. E eu, ao contrário de muitas pessoas que não dão importância, creio que essa seja uma questão muito séria porque ela induz... O problema distributivo na Federação gera uma enorme ineficácia da Administração Pública na medida em que nós temos alguns entes federativos com muito mais receitas do que precisam e uma grande maioria de entes públicos com uma baixa capacidade de financiamento de serviços públicos.
Aqui eu mostro um quadro em que estou juntando Estados e Municípios por unidade federada, e a gente vê que, mesmo quando a gente ainda não está entrando no detalhe das diferenças por Município ou por Estado, como são desiguais as receitas públicas no País. Chama a atenção aqui, de cara, por exemplo, que o Distrito Federal tenha uma receita per capita muito maior do que as outras unidades da Federação, em função do quê? Em função de uma grande distorção que é o Fundo Constitucional do DF. Eu não tenho dúvida... Hoje não se justifica mais - falando antes de mais nada que não é um tema da reforma tributária - se manter esse fundo nos níveis com que ele foi instituído.
E depois nós temos uma série de outros fatores que produzem distorções nessas receitas per capita dos entes públicos que são a forma como são distribuídos os royalties de petróleo, a forma como é apropriado e distribuído o ICMS e o ISS municipal, e nós temos também problemas com as regras que são aplicadas aos fundos de participação dos Estados e dos Municípios. E a reforma tributária começa corrigindo uma parte desses problemas, não todos esses problemas, não é?
As simulações que a gente faz indicam claramente que as unidades federadas de menor PIB per capita seriam todas elas beneficiadas pela criação do Imposto sobre Bens e Serviços no destino, conjuntamente com as mudanças, com a incorporação do ISS e a unificação com o ICMS, e também com a mudança no critério de partilha da cota-parte do atual ICMS adotando critério populacional em substituição ao VAF. Então, as unidades federadas mais pobres, com menor PIB, ganham. E nós temos, aqui nos Estados de renda média e alta, alguns Estados ganhando e outros perdendo.
Na esfera municipal, se nós formos ver isso - eu vou aqui me ater mais na questão da esfera municipal porque tem havido uma resistência muito forte, não só através do movimento Simplifica Já, mas da Frente Nacional de Prefeitos, da associação brasileira de secretários de Fazenda -, na realidade os dados mostram que, apesar de esses organismos estarem contra a reforma tributária, na esfera municipal 4.567 Municípios ganhariam com a unificação do IBS, com os critérios propostos, e apenas 1.001 perderiam em termos relativos. Os Municípios ganhadores não só são maioria numérica, como concentram 64% da população brasileira.
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Num cenário de crescimento do PIB de 2% ao ano - isto é importante destacar -, desses 1.001 que apresentam perdas em termos relativos, porque eles não ganham tanto quanto ganhariam sem a reforma, os efetivamente perdedores, a quantidade de Municípios que efetivamente perderiam chegaria, ao final da transição prevista atualmente na redação da PEC 45, a apenas 74 Municípios, ou seja, são já poucos, uma minoria, menos de 20%; e perda absoluta, no final da transição, a apenas 74 Municípios, que são Municípios muito ricos, que são ricos por distorções que nós temos no nosso modelo tributário e federativo.
E, se nós nos restringíssemos, inclusive, à análise do ISS, em que há maior resistência desses organismos que eu mencionei, que são contra a unificação do ISS ao ICMS, então essa situação de minoria e maioria fica mais gritante. Por quê? Porque apenas 407 Municípios dos 5.500 Municípios do País teriam uma arrecadação menor com o IBS municipal do que eles têm hoje com o ISS. E mais: mesmo entre as cem maiores cidades do País, apenas 32 dessas maiores cidades em termos populacionais estariam perdendo, estariam nesse grupo de perdedores.
O que a gente vê é que, mesmo sem compensação, mesmo sem regra de transição, que é algo que está sendo discutido, que vai estar implícito na reforma tributária, os perdedores são minorias. Mas essas minorias acabam tendo um poder de lobby, acabam muitas vezes expressando-se como se representassem a maioria. E aqui eu estou mencionando claramente essas entidades aí que têm se oposto à reforma tributária, falando em nome das capitais ou das grandes cidades. Eu repito: a maioria das grandes cidades ganha com a reforma tributária, inclusive metade das capitais ganha com a reforma tributária.
Mas essa não é a única razão, digamos, para aprovar a reforma tributária do ponto de vista federativo. Como eu disse, existem graves distorções no nosso modelo federativo.
Aqui eu apresento, no nível municipal, as maiores receitas per capita que nós temos hoje. Na parte de cima, os Municípios mais ricos do País e, na parte de baixo, os Municípios mais pobres do País; ou seja, nós temos um Município, como Presidente Kennedy, que tem uma receita per capita anual de R$37 mil por habitante/ano e, lá na ponta de baixo, nós temos, por exemplo, São Gonçalo, no Rio de Janeiro, com um milhão de habitantes e uma receita de apenas R$1 mil por habitante/ano. Isso aqui é inconcebível. Isso aqui é resultado do nosso modelo federativo, causado não só pelas distorções do ISS e do ICMS, mas também pela questão dos royalties e por uma série de outros fatores. E essa situação aqui se corrige um pouco com a reforma.
Outra coisa que eu queria aqui, rapidamente, destacar: dias atrás, o Ministro Guedes disse que o ISS era o imposto do futuro. E, na verdade, ele não é o imposto do futuro. Utiliza-se uma dinâmica melhor que o ISS teve no período recente, mas, desde 2012 a 2019, o ISS já não cresce mais que o ICMS e também não há uma perspectiva de que a base de...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Quero agradecer a participação do Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que trouxe números interessantes ao nosso conhecimento, ao conhecimento da Comissão.
Então, esse bloco foi encerrado.
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Vamos agora ouvir o Relator, Deputado Aguinaldo Ribeiro, que dispõe de cinco minutos para fazer as suas indagações e suas colocações em relação ao tema.
Com a palavra o Deputado Aguinaldo Ribeiro.
O SR. AGUINALDO RIBEIRO (PP - PB. Como Relator.) - Sr. Presidente, Deputado Hildo Rocha, alegria em revê-lo, ainda que virtualmente.
Quero cumprimentar todos os expositores. Nós ouvimos aqui atentamente cada fala que foi colocada para todos nós na Comissão.
Presidente, quero dizer que cada vez mais me convenço da necessidade, da urgência da reforma do nosso sistema tributário. Acho que nós temos um consenso do ponto de vista da reforma, dessa urgência. E há alguns pontos que foram colocados aqui que nós achamos que são relevantíssimos. Além do que nós tratamos, da questão da simplificação, há a questão da transparência, da justiça tributária, sobretudo. Eu queria aqui fazer um grifo de que de fato nós temos que trabalhar com uma reforma que ataque a regressividade, portanto, uma reforma que seja progressiva. E acho que nós também discutimos e ouvimos isso aqui, nessa linha.
Nós vimos também a questão do impacto positivo na nossa economia - foi colocado aqui também nesse contexto -, e outro ponto que é relevante é essa questão, que sempre se discute, de que não deixa de haver uma conexão da reforma do sistema tributário com a discussão do pacto federativo brasileiro. Aqui nós ouvimos, por último, a apresentação que trata exatamente dessa redistribuição, ou dessa justiça federativa, que, sem dúvida nenhuma, é muito importante. Eu acho que esse debate foi muito rico, enriqueceu muito, e nós vamos além desse debate. Estou aqui renovando o diálogo que nós, enquanto Relator, temos tido com os setores. Com vários que aqui expuseram já estivemos debatendo, discutindo.
E o desafio, Sr. Presidente, que se nos apresenta agora é exatamente no sentido de avançarmos para a construção de um texto que represente tudo isso. Nós estamos levando em consideração tudo; estivemos com o Eduardo Pagnani recentemente numa reunião, tratando dessa proposta, e em várias outras propostas que aqui foram colocadas nós já estamos trabalhando.
Como em cinco minutos é difícil a gente fazer um aprofundamento nessa discussão, eu queria só deixar aqui a nossa disposição de continuarmos debatendo, Sr. Presidente. E fico aqui, cumprimentando todos os que participaram desse debate, mas acho que é até mais oportuno que eu use menos o tempo aqui, para que os Parlamentares possam participar desse debate.
Agradeço a V. Exa. e cumprimento todos os que participaram como expositores. A gente vai continuar acompanhando, Presidente, esse debate com os demais Parlamentares. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Obrigado, Deputado Aguinaldo Ribeiro, Relator da Comissão da PEC 45 e também Relator desta Comissão Especial, a Comissão Mista que trata sobre a unificação das propostas, tanto da 110 como da 45.
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Eu vou chamar agora a Senadora Kátia Abreu, do PP, do Tocantins, para fazer uso da palavra.
V. Exa. dispõe de até três minutos. (Pausa.)
Como a Senadora Kátia Abreu está ausente, eu vou convidar a Senadora Zenaide Maia, do PROS, do Rio Grande do Norte, para fazer uso da palavra.
V. Exa. dispõe de até três minutos.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco/PROS - RN. Para interpelar.) - Deputado, eu quero cumprimentar aqui o Deputado Hildo Rocha, nosso Presidente; o nosso Relator, Aguinaldo Ribeiro, aqui meu vizinho, da Paraíba, e dizer o seguinte: são falas esclarecedoras, mas eu sinto que há um ponto aí. Primeiro, tem que simplificar essa forma de tributar no Brasil. Por exemplo, na tabela, nessa tabela regressiva, nessa regressividade, eu estava olhando aqui: o trabalhador que ganha menos de R$2 mil paga Imposto de Renda, gente; quem ganha R$4.674 paga 27,5%; quem ganha R$300 mil paga 27,5%. Aliás, quem ganha e paga, porque os acionistas de grandes empresas não pagam nada, desde aquela lei de 1995.
Que a gente tem que reduzir a tributação sobre o consumo é claro, porque isso pune quem ganha menos. Por exemplo, como sou médica, mas sou dona de casa também, você imagine que quem ganha um salário mínimo paga o mesmo imposto numa lata de Leite Ninho do que eu, com um salário de Senadora. Isso tem algo errado e os países desenvolvidos estão vendo isso. E tributar renda, patrimônio e grandes fortunas.
Ninguém está falando aqui, como o Luiz Gustavo - Luiz Gustavo, não -, como o economista Marcos Lisboa disse que não pode achar que é acionista de grandes empresas e que por isso tem dividendos grandes. Não, só vai tributar quem tem dividendos, por exemplo... Nós fizemos um levantamento - eu e Flávio Arns - e, por exemplo, nós temos 20 mil pessoas neste País que têm uma retirada de mais de R$300 mil por mês e não pagam nada de Imposto de Renda. Então, é certo que existe uma concentração de renda.
A reforma tributária é necessária, precisamos simplificar impostos, mas não há como continuar com esse caráter regressivo, não há como não reduzir os impostos sobre o consumo e não há como deixar de tributar lucros e dividendos e grandes fortunas.
Muito obrigada, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Muito obrigado, Senadora Zenaide Maia.
Convido agora, para fazer uso da palavra, o Senador Major Olimpio, do PSL, de São Paulo, que inclusive é o Sub-Relator da Comissão Especial Mista que trata sobre a reforma constitucional tributária.
V. Exa. dispõe de até três minutos.
O SR. MAJOR OLIMPIO (PSL - SP. Para interpelar.) - Sr. Presidente Hildo, Sr. Relator Aguinaldo Ribeiro, eu quero cumprimentar todas as personalidades e capacidades que estão ajudando o Brasil neste momento, participando desta audiência. São pessoas que têm a vida dedicada ao estudo, ao estudo comparado com outros países e transbordam conhecimento em relação a isso.
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Ouvi coisas muito significativas. O Dr. Bichara afirmou que nas PECs não está a promessa de não cumulatividade. Essa preocupação realmente... A média de alíquotas da OCDE é 19%, e a nossa, eventualmente, aí nessa proposta da PEC 45, é de 25% - não vai ser menos de 30% nunca -, o que pode explodir o que já é um pandemônio.
O Prof. Marcos Lisboa parece estar alerta à questão do custo Brasil. Nós crescemos menos do que a totalidade dos emergentes entre 1995 e 2006, há emergentes que cresceram seis vezes mais que o Brasil, nós estamos num processo de empobrecimento.
Eu gostaria que vocês pudessem comentar... Existe o movimento Simplifica Já, que eu consubstanciei na Emenda 144, que mantém o ISS com os Municípios, o ICMS com os Estados, cria um comitê gestor, equilibra essa questão da CBS, inclui essas plataformas ou marketplaces. Gostaria de saber se poderiam fazer algum comentário em relação a isso.
Na maioria das manifestações, eu vi uma tendência dos expositores de apoiamento à PEC 45. Se pudessem posicionar... Pelo que aprendi até agora nisso, tenho visto a PEC 110 como menos perversa para os setores da economia brasileira. Gostaria também que pudessem comentar sua visão acerca desse projeto segmentado que o Governo também encaminhou, o 3.887. Gostaria que pudessem os expositores, nas suas considerações, colocar suas posições sobre o Simplifica, projeto de lei que o Governo fez se contrapondo à PEC 110 com a PEC 45. O que entendem ser melhor para o Brasil e para uma reforma tributária?
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Muito obrigado, Senador Olimpio, por sua participação, por suas indagações e seus questionamentos bastante apropriados.
Agora eu quero convidar para fazer uso da palavra o Deputado Alexis Fonteyne, do Novo, de São Paulo. V. Exa. dispõe de até 3 minutos.
O SR. ALEXIS FONTEYNE (NOVO - SP. Para interpelar.) - Boa tarde, Presidente Hildo Rocha. Boa tarde, Deputado Aguinaldo Ribeiro e todos ao palestrantes aqui presentes, com quem já tive o prazer até, em alguns momentos, de interagir em algumas questões.
Eu estou vendo que, na audiência pública de hoje, está se falando bastante sobre as questões de regressividade. Na de ontem, estávamos falando sobre a questão dos entes federados, sobre as prefeituras, mas hoje vamos falar, principalmente, sobre a questão da regressividade.
Essa reforma ataca, e muito, a regressividade, mas a gente teria que fazer primeiro uma discussão quando se começa a falar em grandes fortunas e dividendos. Onde está, de fato, a regressividade no sistema tributário brasileiro? Há como simplesmente tirar toda a tributação do consumo e jogar para a renda? Isso é possível? Ou simplesmente esse excesso de tributação no consumo é uma consequência de um país que não tem renda o suficiente?
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Nós temos quase que 80% da população ganhando em média dois salários mínimos. Como é que eu transfiro a tributação sobre o consumo para a renda achando que simplesmente com uma virada de chave a gente elimina a regressividade? Veja, dentro do próprio consumo, existe uma regressividade que nós estamos combatendo nessa reforma. Quando diminuímos o degrau entre a tributação de bens e de serviços, nós estamos combatendo a regressividade porque quem consome mais bens são as faixas mais baixas de renda no Brasil: o pobre consome eminentemente bens; não consome serviços. Portanto, quando a gente faz esse equilíbrio entre serviços e bens, nós estamos combatendo a regressividade.
Não existe nada mais regressivo que o desemprego, e esse atual sistema tributário brasileiro é um grande gerador de desemprego, tanto que nós temos esse empobrecimento do Brasil fruto também desse sistema tributário brasileiro. Também é fruto de decisões políticas erradas, mas o sistema tributário ajuda muito, porque ele agrega custo em tudo o que nós produzimos no Brasil; aliás, agrega muito mais custo do que valor. Portanto, nós também não temos competitividade para exportar. E aí, novamente, o Brasil fica exportando commodities.
Quando falamos da regressividade que gera desemprego, nós, de fato, estamos atacando. Vamos atacar grandes fortunas, IPVA de lanchas, jatinhos? Tudo bem, mas isso não resolve o problema, nós não atacamos a causa da regressividade, nós não atacamos a causa da pobreza, nós não atacamos nem a causa, que na verdade é uma consequência, que são as desigualdades. Todos nós queremos, mas nós temos que atacar isso, atacando as causas e não as consequências. Não é só uma questão de redistribuição, mas é uma questão de geração de riqueza e de valor. E essa reforma tributária faz isso ao botar o Brasil de novo como um país produtivo e gerador de empregos.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Muito obrigado, Deputado Alexis Fonteyne, pela sua participação, pela sua colaboração, que foi bastante valiosa.
Agora eu vou convidar para fazer uso da palavra o último inscrito, que é o Deputado General Peternelli, do PSL, de São Paulo, que tem uma ideia diferente de todas as que estão aí.
V. Exa. dispõe de até três minutos.
O SR. GENERAL PETERNELLI (PSL - SP. Para interpelar.) - Uma boa tarde a todos.
Presidente Hildo Rocha, quando eu vejo essa palestra, parece que nós estamos falando de um outro país. A principal causa brasileira é a sonegação, esse é o principal problema. E eu não entendo tanto termo técnico: regressivo, progressivo, regressivo... O que me interessa é que o pobre pague o mínimo. Uma coisa que eu vejo: você vai, ali, na Paulista, compra um material naquele shopping popular, e não há nota fiscal; você vai à feira da madrugada, não há nota fiscal; você vai à feira, aqui em São Paulo, que tem empresas grandes, e não há nota fiscal; você compra passagem pela MaxMilhas, pela 123 Milhas, e não há nota fiscal; você compra coisa pela internet, recebe pela internet, gasta pela internet, não há nota fiscal. Para quem vai ser o destino dessa compra? Você nem sabe onde é que está. Você vai a um profissional e ele pergunta se é com ou sem recibo, e nós estamos falando na teoria de como seria.
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Quando se fala do IVA, que vai descontar os impostos pagos, você pergunta: E a passagem aérea? E o imposto pago pelo carro? E o imposto pago pelo jato? Porque pode ser que o jato seja para serviço.
Então, isso que nós estamos falando não está atacando a causa principal, que é a sonegação. Por isso é que eu defendo que o tributo tem que ser um só. É o que o Sinfra propunha, o 2,5% no crédito e no débito e acabar tudo. Temos que acabar com a nota fiscal e você tem que distribuir o dinheiro, quando o banco recolhe, na mesma hora, distribuir o dinheiro dentro de uma pacto federativo: 30% para a União; 30% para o Estado; 30% para o Município; e 10% para o Congresso para política pública de desigualdade regional, Sudam e Sudene. E ainda ser como na Europa: não permitir que se pague em cash em compras acima de mil euros, aqui R$1 mil. Devemos acabar com as notas, que são fonte de corrupção e são fonte de transmissão do coronavírus.
Uma proposta deste tipo acaba com as dívidas com o Fisco. Você acaba o contencioso jurídico, você permite que o pobre, através do CPF dele, não pague tributo. Quando uma empresa passa um dividendo, ela vai pagar 2,5%, que recebe 2,5% quando gasta 2,5%, e o dividendo é tributado em 7,5% e acaba com essa conversa.
Nós vamos estar eliminando a corrupção. Nós temos que ser práticos e ter um desafio para a indústria. Eu desafio... Quando se fala de bens e serviços, o serviço vai manter o mesmo, eu aposto que nada na indústria que você possa transformar sobre a cota em forma cooperativada vai chegar a 25%.
Está na hora de nós reduzirmos o imposto. Está na hora de nós simplificarmos, acabarmos com a teoria e colocarmos na prática.
Esta é a proposta: Emenda Substitutiva nº 20 à PEC 45.
Obrigado, Presidente Hildo Rocha.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Obrigado, General Peternelli, pela sua participação.
Ainda temos inscritos, porque eu estava com a lista antiga e pulei o Deputado Hugo Leal, do PSD, do Rio de Janeiro, e também o Tadeu Alencar.
Então, eu vou conceder ao Hugo Leal a palavra por até três minutos.
V. Exa. está com a palavra, Deputado Hugo Leal. (Pausa.)
Liberem o microfone para o Deputado Hugo Leal
O SR. HUGO LEAL (PSD - RJ. Para expor.) - Em três minutos, eu vou tentar aqui falar de um tema que caberia em trinta.
Aliás, eu estou na Câmara já no meu quarto mandato e nunca vi um debate tão intenso quanto a reforma tributária.
Só para avisar, General Peternelli, essa questão da reforma que o senhor falou não é reforma tributária, a sua reforma é econômica, é acabar com o dinheiro. Tem que avisar ao Banco Central para não fazer nota de R$200. Se é para a gente acabar o processo do dinheiro, a gente não poderia ter nem a nota de R$200. Mas isso é um outro tema e é interessante. Eu sou favorável, hoje o dinheiro é cada vez mais eletrônico e a fiscalização também é muito positiva.
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Presidente, eu quero deixar claro aqui e cumprimentar todos que participaram. Listei, mas não consegui ouvir a todos, como foi a caso do Aristóteles e do Clóvis, que ouvi o final. O Fagnani, eu ouvi, o Dr. Bichara também, o Marcos Lisboa e o Gobetti. Do Gobetti eu já tinha ouvido a manifestação.
Acho muito próprio esse trabalho que o Ipea fez, inclusive para responder a pergunta do Major Olimpio, que é a questão do Simplifica Já. O Simplifica Já é um movimento das grandes capitais, das grandes cidades, que tem o ISS como foco. Acho que nisso a apresentação do Gobetti, que eu já tinha assistido em outro momento, é muito interessante. Eu acho que ele pode reformar a palavra dele.
Mas eu queria tocar em três pontos aqui, porque eu vi que a maior parte aqui é de economistas, e nós temos aqui o Dr. Bichara, que é advogado e Procurador Tributário do Conselho Federal. Então, vou direcionar a ele, porque ele foi muito enfático, além de conhecê-lo e de conhecer também o trabalho da OAB. Eu quero fazer três perguntas bastante importantes. Uma delas tem a ver com o que o General Peternelli trouxe: sonegação e medidas para o combate à sonegação. O General trouxe uma ideia boa, mas eu quero medidas efetivas para o sistema que nós temos. O que fazer com os créditos já existentes, os créditos gerados neste momento, com esse sistema? Há a questão da compensação dos créditos. E a outra é o que fazer com a dívida ativa, como é que processamos a dívida ativa? Nós estamos falando em reforma tributária, mas, quando a gente olha para a dívida ativa, a gente vê um leviatã, um monstro. E como é que nós estamos lidando com essa dívida ativa?
Nós fizemos agora e aprovamos na Câmara o PL 13.988, que foi a regulamentação do art. 171 do Código Tributário Nacional sobre a transação tributária, que foi um avanço, mas nós estamos 54 anos atrasados. E aí o que há efetivamente, nessa cumulatividade, é a dívida pública, é a dívida ativa que nós temos. Como na visão do senhor, que tinha falado como advogado, nós vamos enfrentar isso? Porque nós vamos fazer um sistema novo, mas vai ficar tudo o que é volumoso, que vai gerar aborrecimento, que é essa questão do crédito, da dívida ativa e da sonegação.
Três pontos, Presidente.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Obrigado, Deputado Hugo Leal, pela sua colaboração. Tocou em pontos importantes.
Eu quero agora chamar o último inscrito, que é o Deputado Tadeu Alencar, do PSB, de Pernambuco. V. Exa. dispõe de até três minutos.
O SR. TADEU ALENCAR (PSB - PE. Para interpelar.) - Obrigado, Presidente Hildo Rocha.
Eu quero cumprimentar o Relator, Aguinaldo Ribeiro, todos os expositores, com a manifestação muito esclarecedora de todos. Eu queria cumprimentar, em especial o Prof. Fagnani, que, desde o ano passado, estabeleceu um grande diálogo com esses 40 especialistas em Direito Tributário, em Direito Econômico, e formulamos uma proposta, que é a proposta de reforma tributária solidária, que é uma emenda substitutiva global à PEC 45, exatamente para que a gente não perca de vista a importância de se avançar na questão da simplificação.
Vejo que todos temos clareza da importância do que significam esses avanços para diminuir a complexidade, aumentar a transparência, diminuir a conflituosidade do sistema, garantir segurança jurídica e também, como bem disse o Prof. Marcos Lisboa, acabar com as distorções na tributação sobre o consumo. Na hora em que você tiver uma única alíquota incidente sobre o consumo, certamente você vai ali diminuindo as distorções que diminuem a produtividade, diminuem a competitividade da economia. E vejo também, Presidente Hildo Rocha, que há também um consenso em relação à regressividade do sistema tributário brasileiro. O que eu não vejo, em relação à regressividade, são, de fato, ideias que possam avançar, na linha de diminuir essa regressividade e de aumentar a progressividade, que é um princípio constitucional explicitado na Constituição. Todo mundo reconhece a regressividade, mas acha que, se a gente, simplesmente... Que não é um avanço pequeno da simplificação, mas nós não podemos perder de vista a necessidade, num País que vem empobrecendo, cujas desigualdades e concentração de renda são as maiores do mundo, que vem exportando tributo, que seguramente faz com que o peso dos tributos em cima dos mais pobres seja muito maior, não podemos perder a oportunidade de, junto com o avanço na simplificação, também caminhar para essa mediação, no sentido da progressividade.
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Claro que nós não vamos fazer uma modificação revolucionária, radical, resolvendo todos os problemas de desigualdade e de injustiças do nosso sistema tributário, mas não podemos perder de vista essa perspectiva.
Vi com muita alegria que o Deputado Aguinaldo Ribeiro tem essa preocupação. Por isso eu estou muito confiante de que nós vamos atingir este duplo objetivo: diminuir as distorções, aumentar a transparência e simplificação do sistema tributário e, de outro lado, dar um passo adiante, um passo importante, indispensável, do qual não podemos abrir mão, que é diminuir a regressividade. E diminuir a...
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Obrigado, Deputado Tadeu Alencar.
Está encerrada a participação dos Parlamentares, Deputados e Senadores. Vamos passar para a próxima etapa neste momento, momento em que os convidados vão responder e fazer as suas considerações finais em relação ao que os Parlamentares colocaram. Eu vou conceder a cada um até cinco minutos, para que eles possam responder a todos os Deputados, Deputadas, os Senadores, Senadoras, e também ao Relator, Deputado Aguinaldo Ribeiro.
Então eu convido, inicialmente, o Sr. Aristóteles de Queiroz Câmara, pesquisador da FGV e advogado, para, em cinco minutos, responder às indagações e às colocações dos colegas Parlamentares.
O SR. ARISTÓTELES DE QUEIROZ CÂMARA (Para expor.) - Bom, quero então agradecer a participação. Acho que o debate foi muito rico e acho que o debate de ideias é essencial para a democracia.
Eu gostaria de finalizar aproveitando algumas questões que o Senador Major Olimpio colocou de maneira muito precisa: qual é a opinião dos convidados com relação às PECs? O que é que uma tem de melhor do que a outra?
Eu acho que... Eu vou me concentrar em relação à PEC 45 e em relação à PEC 110. Eu acho que cada uma tem... Como eu falei, as propostas têm um lado bom e um lado ruim. Não há proposta legislativa, e V. Exa. sabe mais do que eu, que seja boa em abstrato. Ela é boa naquilo que ela consegue responder.
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Eu acho que a PEC 45 tem uma grande vantagem na medida em que permite que cada ente federado, os cinco mil e tantos Municípios, todos os nossos Estados e a União autonomamente fixe a sua alíquota. Esse é um dado essencial, para mim isso é a garantia do federalismo. Por outro lado, a PEC 110 tem maior flexibilidade em relação à possibilidade de se fixarem alíquotas em relação a serviços essenciais, como educação e saúde, ou mercadorias tidas como essenciais. Na minha visão, uma conjunção dessas duas PECs, aproveitando esse lado favorável de cada uma delas, resultaria numa proposta final mais adequada.
O Deputado Hugo Leal trouxe aqui uma questão importante. Eu trabalhei muito na FGV sobre a dívida ativa. A dívida ativa, na verdade, é consequência de más escolhas feitas em todo processo legislativo, em toda a gestão da dívida pública. Eu vejo hoje a dívida pública sendo mais bem tratada em nível federal. Iniciativas da Procuradoria foram muito importantes para a gestão da dívida ativa. Mas as causas, na verdade, são um sistema tributário ineficiente, complexo, que gera incentivos ao litígio. Se nós não tivermos um sistema tributário que enderece esses problemas de complexidade, de incentivos, nós não teremos nunca uma dívida ativa em patamares minimamente corretos.
Eu fico muito feliz, para finalizar a minha fala, que a regressividade seja um ponto colocado aqui por vários Parlamentares. Eu, como cidadão, fico muito contente em ver que este é um debate colocado de maneira muito forte aqui na Casa. Eu gostaria, como cidadão também, que essa outra parte da reforma tributária, que para mim é tão importante quanto a primeira, que é tratar da renda e tratar do patrimônio, seja endereçada.
Concordo com o Deputado Alexis: vamos começar com a reforma sobre o consumo. Eu acho que é importante para o momento no Brasil. Temos que começar por algum ponto, mas não podemos parar nesse ponto. Eu acho que há várias causas para o Brasil ser um país desigual, uma delas certamente é o nosso sistema tributário. Ao contrário de outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, aqui é uma causa de desigualdade. Isso aqui é uma aberração em relação à desigualdade causada pelo sistema tributário. Então, isso é algo que tem que ser enfrentado no momento oportuno pelo Congresso.
Novamente eu agradeço, me despeço e me coloco à disposição de todos.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Obrigado, Aristóteles Queiroz, pela sua participação, pela sua colaboração. A resposta que V. Sa. deu contempla todos que o questionaram.
Eu queria pedir um minuto de atenção porque nós deixamos de chamar um Deputado muito importante para este debate, o Deputado Eduardo Cury, do PSDB de São Paulo, membro ativo neste debate da reforma tributária. Então, eu vou conceder a ele três minutos, depois eu retorno para os participantes. Não podemos, de forma nenhuma, deixar de ouvir o Eduardo Cury.
V. Exa. está com a palavra, Deputado.
O SR. EDUARDO CURY (PSDB - SP. Para interpelar.) - Primeiro, obrigado, Presidente Hildo, pela gentileza em ser o último.
Quero aqui cumprimentar o nosso Relator, Aguinaldo, os Deputados e Senadores, e os nossos convidados que tão bem colaboram conosco.
A minha colaboração vai ser no sentido de que este debate, esta contribuição sobre a tributação da renda é extremamente positiva. Não só os nossos colaboradores, brilhantemente, mas muita gente hoje está fazendo estudos e simulações sobre a tributação sobre a renda. Então, é bastante benéfico que este debate comece.
A questão é que acho que um debate, para a gente transformar numa reforma, demanda um certo amadurecimento, e não existe esse amadurecimento sobre a tributação da renda no Brasil, por motivos bastante simples. Como bem disse o Alexis, foi bastante feliz, o Brasil é muito pobre. Nós temos que definir primeiro o que é classe média, e aí se vai demandar uma grande guerra sobre isso. Quem demanda, fala que vai resolver o problema da tributação brasileira, tributando através da renda, na verdade, se é honesto intelectualmente, está falando que vai meter a mão na classe média, porque só os ricos não vão resolver essa parada. Só por uma questão bastante objetiva, se a gente prender todos os ricos - os que as pessoas entendem como ricos, milionários - e tomar todo o dinheiro deles, não se vai resolver, de forma nenhuma, o problema da pobreza no Brasil; aliás, já tentaram, em 1917, na Rússia, e não deu muito certo. Então, quem está falando em mexer na tributação sobre a renda, que tem que ser mexida, como forma de resolver o problema brasileiro, do orçamento brasileiro, está falando em mexer com a classe média. E aí é uma briga grande e muito difícil de ser feita.
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Então, vamos lá. Como é que nós, esta geração pode tentar resolver isso? Olha, se você é gente honesta intelectualmente, se a esquerda está falando em acabar com a regressividade, existe um consenso que são os impostos sobre o consumo, e esse é consenso. Nos impostos sobre o consumo, sobre a cadeia produtiva, sobre o trabalho, aí está a grande regressividade. Isso é um consenso entre quem é liberal, como eu, quem é da esquerda, se fala que é contra a regressividade. Essa é uma etapa que a gente pode cumprir, simplificar o sistema tributário.
Então, aí, veja bem, nós vamos ajudar os mais pobres, porque é regressivo, eles vão pagar menos; nós vamos ajudar quem mais empreende no Brasil, porque vai tornar a vida deles mais fácil e vai tornar o Brasil mais competitivo. Então, eu não quero interditar o debate sobre a tributação sobre a renda, de forma nenhuma, é extremamente benéfica. Alguma coisa tem que ser feita para tornar mais justo, mas não vai salvar o orçamento brasileiro. O Brasil é muito pobre, como bem disse o Alexis, e a contribuição que essa geração de agora, que nós podemos dar é um esforço máximo, através dessas propostas que nós temos. Eu até defendo um IVA europeu, como o IBS ou a PEC 110, com uma alíquota menor - eu acho que esses 25 são muito altos, mas é um outro debate -, mas para quem está sendo honesto intelectualmente, dentro do curto prazo, é centrar em impostos sobre o consumo. Aí, sim, nós vamos ajudar o Brasil.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Eu que agradeço a V. Exa. pela paciência de aguardar. Em função do papel que me deram aqui, o senhor não estava lá, estava atrás, escondido... (Risos.)
O próximo, o General Peternelli, já tinha falado.
Então, eu quero agora voltar a ouvir os palestrantes do dia de hoje. Eu quero convidar o seu Eduardo Fagnani, Professor do Instituto de Economia da Unicamp. V. Sa. dispõe de até 5 minutos, para fazer as suas colocações finais e também responder aos debatedores, Deputados, Senadores e Senadoras.
O SR. EDUARDO FAGNANI (Para expor.) - Muito obrigado.
Eu gostei muito das observações, das ponderações dos Parlamentares.
Primeiro, eu queria saudar o Deputado Aguinaldo Ribeiro. Acho absolutamente correta a postura que ele anunciou aqui de enfrentar a questão da simplificação da tributação do consumo e também o revigoramento do pacto federativo, mas sem deixar de fora a questão da regressividade. Eu queria saudar essa sua posição como uma posição correta no momento que nós vivemos atualmente.
Quero saudar a Senadora Zenaide Maia. Concordo integralmente com a fala da Senadora. Ela tem tido um trabalho importantíssimo nessa discussão, no sentido de colocar a questão da regressividade como um tema central no debate sobre a reforma tributária brasileira. A questão que o Senador Major Olimpio colocou, a questão da simplificação, a comparação entre as três PECs... Acho que o Sr. Aristóteles já mencionou e acredito que o Sérgio Gobetti pode também complementar, ele tem se dedicado bastante a esse tema.
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Também quero dizer que a questão que o Deputado Hugo Leal colocou, da dívida ativa, também já foi respondida.
Então, eu vou ficar aqui em dois pontos, que o Deputado Alexis Fonteyne mencionou. O Deputado Alexis faz três perguntas. Onde de fato está a regressividade? - primeira pergunta.
A regressividade, Deputado, está exatamente no que, de alguma forma, eu tentei colocar - talvez de uma forma muito apressada em função do tempo. Não faz sentido uma pessoa que ganha R$5 mil e uma pessoa que ganha R$500 mil estarem submetidas à mesma alíquota de 27,5%. Esse, por exemplo, é um ponto crítico do nosso sistema tributário. Isso não é assim nos países capitalistas relativamente menos desiguais. As alíquotas máximas do imposto de renda - são várias alíquotas -, mas a média da OCDE, como eu mencionei, é em torno de 41%. Então, quem ganha menos paga proporcionalmente menos, e quem ganha mais paga proporcionalmente mais.
Outro fato que também demonstra a regressividade é a questão na não tributação sobre lucros e dividendos. Então, um médico do SUS que ganha R$5 mil é tributado na fonte em 27,5% e um acionista de um grande banco que ganha R$400 milhões é isento de tributação. Essa é uma outra questão em que me parece óbvia a falta de progressividade ou a regressividade do sistema. Os dados da Receita mostram que quase 70% da renda de quem ganha mais de R$320 mil por mês é totalmente isenta de tributação.
A segunda pergunta do Deputado Alexis é se é possível reduzir o consumo e aumentar a renda. Num desses estudos técnicos que eu mencionei para o senhor, feito no âmbito da reforma tributária solidária, a gente mostra que sim, que é tecnicamente possível - eram os dados de 2015 - ampliar a tributação sobre renda e patrimônio em R$350 bilhões e reduzir, em igual medida, a tributação sobre consumo e sobre folha, caso se queira manter a carga tributária inalterada.
"Nada mais regressivo do que o desemprego", disse corretamente o Deputado Alexis. Ocorre que um sistema tributário também contribui para que a economia não cresça. Estudos mostram que, para os 20% mais pobres da população, os tributos consomem cerca de 45% a 49% da renda. Então, se essas pessoas forem isentas da tributação, vão sobrar mais 40%, 45% da renda, que se revertem em consumo e, portanto, ativam a economia. Então, a forma de combater desemprego é exatamente acabar com a regressividade do nosso sistema tributário.
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Eu não tenho tempo, mas eu queria dizer para o Deputado Eduardo Cury que eu me considero uma pessoa intelectualmente honesta, tenho mais de 40 anos de trabalho, e é possível, sim, ampliar a tributação de quem ganha mais do que R$30 mil por mês, o que representa 600 mil contribuintes num universo de...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Quero agradecer ao Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp, pela sua participação, pela sua colaboração neste debate, nesta audiência pública realizada no âmbito da Comissão Mista de Reforma Constitucional Tributária.
Quero convidar agora o Sr. Fausto Júnior, que é representante do Dieese, para que V. Sa. faça as suas colocações finais, suas observações e também responda aos Parlamentares que indagaram aqui, uns de forma geral, outros de forma específica.
V. Sa. dispõe de até cinco minutos.
O SR. FAUSTO JÚNIOR (Para expor.) - Primeiro, eu gostaria de agradecer a oportunidade de ter conversado aqui, de ter feito o debate. Eu acho que é um bem para a democracia a gente poder debater, em especial um debate em que a gente conseguiu minimamente tratar da questão da regressividade, que eu acho que é o centro do nosso debate aqui e de uma reforma que precisa encarar isso.
Algumas perguntas... Eu não sei se vou conseguir responder todas, mas eu queria olhar com bastante atenção e dialogar com o Senador Major Olimpio. A PEC 110, entre outras questões, faz ali a "ajuntação", ela incorpora a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e o Imposto de Renda Pessoa Jurídica, e isso é algo importante porque simplifica; e é importante porque, de certo modo, discute a questão do imposto de renda sobre a empresa. O problema é que, se a gente não fizer a outra ponta e mexer na tributação sobre a pessoa física, a gente corre o risco, porque o sistema tem sempre que buscar o equilíbrio, e a gente corre o risco de, em algum momento, buscar recursos novamente em cima do consumo. Então, tem que olhar com cuidado esses detalhes, porque a gente precisa buscar esse equilíbrio.
Outra questão, na linha do equilíbrio, dialogando um pouquinho sobre o Simplifica Já: vale a pena olhar um pouco como é a distribuição do Orçamento e dos gastos em relação aos direitos sociais, em relação às funções. A gente vai olhar - eu posso mandar inclusive este dado - como é que os direitos sociais, ou seja, os recursos - os gastos em relação a educação, saúde, cultura, habitação, saneamento - estão muito mais incididos sobre o Município. Então, é importante a gente olhar com bastante cuidado como é que você garante que o Município minimamente tenha recursos e tenha relativa autonomia para fazer política. Então, dá para entender o movimento do Simplifica Já.
Com relação à progressividade e à regressividade, se é possível, como o Deputado Eduardo colocou: é possível, é importante e nós temos que fazer esse debate. Talvez esse seja o grande debate que nós temos que fazer de alguma forma. E aí, Deputado, nós temos um problema que não é só... É um problema histórico mesmo, sendo tranquilo para debater com o senhor. Nós, inclusive, buscamos fazer progressividade dentro do sistema de consumo, da tributação sobre o consumo. Por isso é que se criou este montão de alíquotas: alíquotas diferenciadas sobre a cesta básica, alíquota diferenciada sobre bens do chamado consumo dos ricos; ou seja, a gente fez esses movimentos, só que esses movimentos... Primeiro, o perfil de consumo se altera ao longo da história. Segundo, essa forma de tributação sobre consumo que a gente fez induziu o Brasil a produzir bens cada vez inferiores. E a gente precisa enfrentar esse debate, então a gente precisa fazer essa transformação. Agora, precisa fazer; e, para fazer, precisa encarar a discussão do imposto sobre renda.
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E nos preocupa também que inevitavelmente, quando discutimos tributação e crescimento econômico, a harmonia e a perenidade do sistema, quer dizer, o tempo de confiabilidade do sistema é fundamental. E o Brasil tem um problema: em 30 anos, nós fizemos 116 emendas constitucionais. É uma média de mais de três emendas constitucionais por ano. Como é que você pode dizer para uma empresa, para um investidor, que a gente tem estabilidade legislativa? Então nos preocupa uma reforma que vá fazer um pedaço do processo, deixar outro pedaço em aberto e aí, depois, novamente, no próximo Governo, neste Governo, em outro momento, continuar o debate de uma reforma que nunca acaba. Então, isso nos preocupa bastante.
E nos preocupa também a forma como estamos picando, em especial com as propostas que o Governo está colocando, que, aí, sim, picam mais ainda a reforma tributária. A gente precisa ter o mínimo de sentido, primeiro, de para onde vamos com a reforma; depois, de quais etapas vão ser concluídas; e de como é que se vai buscando equilíbrio entre consumo e renda e entre o pacto federativo, entre União, Estados e Municípios.
Junto com tudo isso - só para encerrar minha fala -, é fundamental que a gente olhe para o Estado que a gente quer construir, do qual o art. 3º e o art. 6º definem que nós precisamos financiar os direitos sociais. E a melhor forma de distribuição de renda é a efetivação dos direitos sociais no Brasil.
Mais uma vez, agradeço a possibilidade de debater com os senhores e estamos abertos a outros debates. E já encaminhamos a nossa apresentação aí para a assessoria.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Obrigado, Fausto Júnior, pelas suas colocações, pela sua participação neste debate, nesta audiência pública.
Agora, eu quero convidar para fazer uso da palavra o Sr. Luiz Gustavo Bichara, advogado e Procurador Tributário do Conselho Federal da OAB.
V. Sa. dispõe de até cinco minutos.
O SR. LUIZ GUSTAVO A. S. BICHARA (Para expor.) - Obrigado, Deputado Hildo Rocha.
Eu tentarei aqui sumarizar as perguntas que foram endereçadas, começando pelas indagações do Deputado Hugo Leal, que, se bem tomei nota, são três.
A primeira é com relação à sonegação, Deputado Hugo Leal. Muito objetivamente, duas ideias: primeira, mais monofasia. Quando a tributação se concentra na indústria, diminui-se substancialmente o risco de sonegação; facilita-se a fiscalização, e isso simplifica muito o sistema. Quando a tributação é concentrada no primeiro elo da cadeia produtiva, os demais elos não precisam se preocupar com o pagamento do tributo porque ele já foi recolhido. Então, técnica de monofasia é uma técnica tributária, acho que muito recomendada para alguns setores, em que há altíssima sonegação, como, por exemplo, combustível, cigarro, bebida, etc. Então, eu acho que essa técnica da monofasia é muito indicada. E acho que também a gente tem que reforçar o ataque ao sonegador contumaz. O Supremo Tribunal Federal já deu as balizas para que a gente negue registro a sonegador contumaz e me parece que isso tem que ser enfatizado.
Com relação à questão dos créditos que V. Exa. colocou, dois comentários. Um me preocupa muito nas duas PECs, que é o risco de calote dos contribuintes. Esse é um assunto incomodo. Acho que as pessoas não gostam de falar disso, mas o fato da vida é que a União Federal, para ficar nesse ente federado, tem um crédito grande na praça. Só dos exportadores, o último dado da CNI que eu olhei, que era de 2016, dava conta de R$70 bilhões de crédito de PIS e Cofins de exportação que não foram devolvidos. Só naquele famoso litígio do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, há R$250 bilhões em discussão que vão ter que ser devolvidos para os contribuintes. Mas o que pretende a União? Como vai acabar PIS e Cofins, não pretende devolver o dinheiro. Agora, não é porque muda o nome do tributo que ela pode se esquivar desse pagamento. Eu já debati isso algumas vezes, até com o economista Bernard Appy, pessoa que eu admiro muito, e ele propõe, então, a emissão de um título resgatável em até 20 anos para que se paguem esses valores. Realmente me parece que esse é um ponto que precisa ser aqui endereçado. Não dá para fazer reforma tributária varrendo a sujeira para debaixo do tapete; é preciso que se enderecem essas dívidas da União, sob pena de se brincar de Tiradentes com o pescoço alheio, no caso, o pescoço dos contribuintes.
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E com relação à dívida ativa, também queria chamar a atenção para um dado que é muito impressionante. Nós estamos aqui discutindo a reforma tributária, mas o Brasil cobra muito mal seus tributos. Foi dito aqui pelo colega que me antecedeu que o problema da sonegação tem a ver com a complexidade. Eu, desculpe, discordo. Para mim, sonegação é um outro problema; para mim, sonegação diz com a má-fé do contribuinte. A complexidade do sistema gera outros problemas, mas não a sonegação.
O fato da vida é que nós temos R$2,2 trilhões de créditos inscritos em dívida ativa, segundo dados da PGFN. O índice de recuperabilidade desses tributos é de aproximadamente 1% por ano. Na semana passada, 621 mil inscrições em dívida ativa foram canceladas, num total de R$5 bilhões, por prescrição. Desculpem a franqueza: isso é uma imoralidade. Isso é dinheiro público sendo jogado no lixo. Então, o Brasil cobra muito mal seus tributos. Nós precisamos pensar em alguma solução para esse R$2,2 trilhões que estão executados. Agora, aqui nós precisamos ser criativos, há esse dogma da indisponibilidade do crédito público. Ué, e 1% de recuperabilidade já não é indisponibilidade? Por que não se vende esse crédito? Faça o que toda instituição financeira faz com seus créditos podres: venda. Faz um leilão e vende isso, privatiza essa dívida. Agora, alguma coisa nós precisamos fazer com essa dívida ativa.
O Deputado Alexis Fonteyne colocou, acho que com muita propriedade, o fato de que a alíquota única facilitaria a regressividade na medida em que os pobres consomem menos serviços. Eu concordo com V. Exa., só queria fazer uma ponderação. A gente tem que ter um pouco de cuidado com essa premissa, porque ela não é absoluta. Por exemplo, olhando isso aqui, a POF, a gente vê que pobre consome mais telecomunicação e energia elétrica - por ficção jurídica, é mercadoria, mas se assemelha a serviços - do que rico. Então, essa defesa que eu faço de duas ou três alíquotas coaduna com a premissa de V. Exa., mas joga uma luz sobre esse problema de quem está na base da pirâmide.
Quer dizer, é verdade que alíquotas múltiplas podem alterar os preços relativos e há a própria consequência de distorcer a escolha do consumidor, mas não nesse tipo de coisa. Ninguém vai deixar de tomar remédio porque tem muita tributação ou vai deixar de usar a geladeira porque tem muita tributação - não é? Então eu acho que a gente tem que ter cuidado só para não levar essa premissa ao último grau e acabar tributando mais aqueles que estão na base da pirâmide. A premissa é verdadeira, não há dúvida, mas talvez a utilização de três ou quatro alíquotas, como faz a maioria dos países, possa ser positiva. E aqui respondo ao Major Olimpio: acho que esta é uma vantagem que eventualmente a PEC 110 traga e que pode ser incorporada pela 45 numa carta fusão: alguma flexibilidade - não muita, alguma flexibilidade - nas alíquotas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Agradecemos a participação do advogado Luiz Bichara, representando aqui a OAB.
Agora eu convido, para fazer uso da palavra, o Sr. Marcos Lisboa, que é economista e Presidente do Insper.
V. Sa. dispõe de até cinco minutos.
O SR. MARCOS LISBOA (Para expor.) - Muito obrigado, Deputado. É um privilégio poder estar aqui hoje.
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Eu acho há dois pontos principais. Acho que a discussão sobre a renda é importante, e o Brasil tem no detalhe muitas distorções relevantes. A maioria dos países está migrando para o regime em que você tributa menos a pessoa jurídica, você avalia exatamente qual é a renda da pessoa física - há vários regimes no Brasil - e aí você tributa proporcionalmente com a renda. Aí, sim, a decisão da progressividade das alíquotas fica viável, fica transparente - e é uma decisão da política, da sociedade o tamanho dessa progressividade -, mas, com esse regime de tributar a pessoa jurídica e depois a física, você acaba gerando mais distorções e mais problemas.
Esse é um ponto, mas eu acho que o ponto central foi levantado por Gobetti no começo.
Temos uma oportunidade hoje. Nos detalhes da tributação sobre o consumo, há uma quantidade impressionante de distorções. Conseguiu-se chegar a uma proposta, como a da PEC 45, que resolve, de uma maneira muito engenhosa, uma quantidade imensa de problemas que nós temos e que inviabilizaram durante anos a reforma tributária.
Há muitos mitos sobre o impacto da reforma. Eu acho que o trabalho do Gobetti é extremamente importante, porque elucida várias das teses que existem: "Não, não vai aumentar a regressividade", "Os Municípios vão perder", "Os Estados vão perder". Eu quero aqui parabenizá-lo por esse esforço de trazer os dados, porque, com frequência nessa discussão, as pessoas têm impressões que não correspondem aos fatos.
Por fim, uma pequena discordância. Eu tenho muita preocupação com múltiplas alíquotas. Elas começam muito bem-intencionadas e, quando a gente vê, não há três, não há quatro, não há cinco; isso é importante, aquilo é importante, aquilo é importante; e há a perda do controle. E nós sabemos por evidência que, com raríssimas exceções, como o caso do Prouni, a política social é muito mais eficaz via gasto. Os dados, por exemplo, sobre a redução da desigualdade no trabalho feito pelo Ministério da Fazenda em 2017: o mesmo volume de recursos da renúncia da cesta básica tem um impacto 12 vezes maior na queda no índice de Gini se for feito via transferência para o Bolsa Família; quer dizer, em geral, fazer política social para cuidar dos vulneráveis é muito mais eficaz via gasto público transitando pelo orçamento do que via tributação.
Com isso, eu concluo, agradeço e estou à disposição dos senhores, de V. Exas., sempre que precisarem, com muito prazer.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Muito obrigado, Marcos Lisboa, pela sua participação aqui neste debate. Trouxe aqui elementos importantes para o nosso conhecimento e para que nós possamos decidir em relação ao resultado que deve estar sendo elaborado e entregue pelo Deputado Aguinaldo, que é o seu texto final.
Eu quero agora convidar, para fazer uso da palavra, o Sr. Sérgio Wulff Gobetti, que é do Ipea.
V. Sa. dispõe de cinco minutos para fazer as suas considerações finais e também responder as perguntas que foram feitas aqui pelos Srs. e Sras. Parlamentares.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI (Para expor.) - Obrigado. Acho que foi muito bom este debate.
Eu queria... Eu não consegui concluir a minha apresentação inicial, em que eu ia tratar justamente da questão da progressividade e da regressividade.
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Eu creio que não existe uma contradição entre os dois movimentos de reforma necessários: a reforma na tributação do consumo e a reforma na tributação da renda. Na reforma na tributação do consumo, é possível avançar na redução da regressividade; na reforma da tributação da renda, é possível avançar na melhoria da progressividade.
Acho, no caso do imposto de renda, que é preciso criar mais uma faixa. É possível criar mais uma faixa de tributação para rendas mais altas, é preciso rever o modelo de tributação do lucro, tributando como os países e a experiência internacional hoje indicam, tributando a pessoa física, até porque isso permite a gente diferenciar os acionistas recebedores de dividendos de acordo com sua capacidade contributiva.
É preciso reformar também, simultaneamente, o imposto de renda das pessoas jurídicas, mas tendo muito cuidado, porque não basta, como algumas pessoas dizem, simplesmente reduzir a alíquota do IRPJ, é preciso acabar com as inúmeras brechas que hoje existem no IRPJ.
Por exemplo: fala-se aqui que bancos no Brasil pagam as mais altas alíquotas de IRPJ com a CSSL. É verdade, mas, através do mecanismo dos juros sobre capital próprio e de vários outros mecanismos permitidos na legislação brasileira, a alíquota efetiva dos bancos, demonstrada em balanço dos bancos, se aproxima de 25%.
Essa reforma não é uma reforma tão simples, há muito detalhes técnicos importantes, e eu acho que, infelizmente... Eu gostaria que ela já estivesse amadurecida para a gente já poder votá-la agora. Eu acho que ela é fundamental, fundamental também no debate da desigualdade: não para resolver o problema da pobreza, mas para diminuir um pouco a concentração de renda no topo.
Agora, a reforma que nós temos para votar agora é a reforma da tributação do consumo e, como eu tinha dito aqui, não podemos perder a oportunidade, inclusive porque acho que ela serve também para reduzir a regressividade, reduzir um pouco a regressividade.
E aqui eu queria citar mais alguns dados. Tanto nesse trabalho do IPEA quanto agora, recentemente... Eu estou trabalhando na reforma tributária do Rio Grande do Sul. Tanto na esfera federal quanto na estadual, o que a gente detectou? A gente detectou que atualmente, no conjunto da tributação do consumo no País, como no caso do ICMS, esses tributos hoje são mais regressivos do que se esses tributos tivessem uma alíquota só. Isso é chocante!
No caso do ICMS do Rio Grande do Sul, por exemplo, as famílias mais pobres pagam uma alíquota efetiva média de 15% sobre o seu consumo, enquanto as famílias mais ricas pagam uma alíquota efetiva média de 13% sobre o consumo. Isso é chocante por quê? Porque, afinal de contas, a seletividade, do jeito que foi concebida, deveria estar atenuando um pouco essa regressividade, mas o que a gente vê é que, no frigir dos ovos, isso não está acontecendo. Não está acontecendo não só porque o consumo dos mais pobres mudou - o pobre não consome só alimento, ele consome, como foi dito aqui, muita energia elétrica e combustível, que hoje são tributados a 25, 30, até 34% no País -, mas também porque existem múltiplas desonerações que acabam anulando, inclusive, os efeitos de algumas desonerações que poderíamos dizer que se justificam, como no caso da cesta básica, mas, mesmo a desoneração da cesta básica... Eu queria dizer que tanto no caso do PIS/Cofins quanto do ICMS hoje, infelizmente, ela está, em valores agregados, beneficiando mais os mais ricos.
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No caso do ICMS, por exemplo, as simulações que a gente tem com base na POF mostram que apenas 10% da desoneração beneficia os 20% mais pobres - 15%, perdão, beneficia os 20% mais pobres - e 32% dessa desoneração beneficia os 20% mais ricos, ou seja, ela não atinge seu objetivo de atenuar, ela é um instrumento pouco eficaz. E hoje a tecnologia permite que a gente tenha outros métodos de reduzir a regressividade, que é o que está previsto na PEC 45 e é o que nós estamos propondo aqui na reforma tributária do RS, que é a devolução do imposto para as famílias de baixa renda. Com isso, o Estado consegue gastar menos, e nós atingimos o objetivo de combater, reduzir a regressividade.
Por fim, eu só queria dizer que é possível também, em relação às alíquotas, definir uma alíquota máxima para o IBS de 25% e compensar isso daí com a reforma depois do Imposto de Renda. Poderemos ter até um...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha. MDB - MA) - Agradeço muito a participação do Sr. Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Ipea. Quero pedir a V. Exa. que disponibilize para a Comissão toda a apresentação, já que V. Exa. não teve como fazer toda a apresentação. Quero pedir à Mesa que entre em contato com V. Exa. e pegue para distribuir no WhatsApp de todos os participantes da Comissão e dos não membros também que queiram e que estão sempre participando.
Como nós não alcançamos quórum para deliberações, vamos deixar para a próxima reunião desta Comissão a apreciação dos vários requerimentos que temos aqui, assim como também a apreciação das atas que estão pendentes de aprovação.
Portanto, quero agradecer demais a participação dos convidados, que aqui fizeram suas colocações, trouxeram ideias, números e que deixam uma certeza: de que precisamos, pela voz de todos, de uma reforma tributária. Que seja logo, que seja de imediato. Agradeço demais!
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Um grande abraço a todos e um bom final de semana.
(Iniciada às 15 horas e 41 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 53 minutos.)