3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 6 de abril de 2017
(quinta-feira)
Às 9 horas
39ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão especial destina-se a celebrar o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2017, nos termos do Requerimento nº 31, de 2017, de minha autoria e outros Senadores.
Convido para compor a Mesa: o representante do Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Revmo Sr. D. Marcony Vinícius Ferreira; o Secretário Executivo das Campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Rev. Sr. Pe. Luis Fernando da Silva; o pesquisador e autor do livro Biomas do Brasil: da exploração à convivência, Sr. Prof. Ivo Poletto.
Cumprimento o Núncio Apostólico do Brasil, Embaixador D. Giovanni d'Aniello, que está presente aqui conosco; e os padres que vieram prestigiar esta sessão.
Convido a todos para, em posição de respeito, acompanharmos o Hino Nacional, que será cantado pelo Coral do Senado. E, sem seguida, ouviremos a apresentação do coral com a Oração de São Francisco.
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(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
(Procede-se à execução da música Oração de São Francisco.) (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Eu quero cumprimentar o D. Marcony, representando o Cardeal D. Sérgio da Rocha, Presidente da CNBB. Eu quero cumprimentar o Secretário Executivo das Campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Padre Luis Fernando da Silva. Eu quero cumprimentar o Prof. Ivo Poletto, que é o pesquisador que vai nos brindar aqui com uma aula, com certeza, sobre os biomas brasileiros. Eu cumprimento os Senadores e as Senadoras, os telespectadores da TV Senado, os ouvintes da rádio Senado, pois esta sessão vai ser certamente repetida.
Inicialmente, quero dizer que sinto uma alegria e uma honra muito grande de estar aqui hoje na condição de Senadora da República e poder proporcionar este momento de reflexão e homenagem a uma iniciativa tão importante como é a Campanha da Fraternidade.
A Campanha da Fraternidade começou ainda na década de 60, por iniciativa de bispos da minha querida Região Nordeste, inspirados pela Bíblia. De lá para cá, a Campanha alastrou-se como boa nova para todo o Brasil. Profeticamente, a CNBB escolhe um novo tema a cada ano. Sempre é um assunto importante, inadiável, uma realidade que precisa ser conhecida e debatida à luz dos ensinamentos cristãos, para ser transformada. Destaco aqui alguns dos temas.
Em 1966, o tema foi "Somos responsáveis uns pelos outros", refletindo sobre os problemas do individualismo, mostrando que a vida é melhor se for vivida em comunidade.
Em 1973, num momento crucial da luta do povo brasileiro contra a ditadura militar, quando as pessoas eram presas e mortas, a CNBB, profética, lançou a campanha com o tema "Fraternidade e libertação", mostrando que, enquanto o egoísmo e a injustiça escravizam, prendem e matam, o amor e a generosidade libertam.
Em 1978, quando os movimentos sindicais explodiam estruturas arcaicas e grandes greves eram articuladas, a Igreja também não se omitiu, e as comunidades de base refletiram e clamaram por mais "Fraternidade no mundo do trabalho", exigindo "Trabalho e justiça para todos"!
O tema do meio ambiente apareceu em 1979, quando o lema da Campanha da Fraternidade foi "Preserve o que é de todos", mostrando de forma pioneira que a Terra é a nossa casa comum e precisa de cuidados.
Em 1980, num tempo em que milhões de pessoas ainda precisavam se retirar da seca no Nordeste - infelizmente, persiste esse flagelo -, coincidindo com a primeira visita de um Papa ao Brasil, a Igreja denunciou a situação dos migrantes, mostrando que não era normal aquela situação de verdadeiros "exilados" dentro do País, e, assim como o Cristo fez aos discípulos de Emaús, a CNBB também perguntou ao povo brasileiro: "Para onde vais?"
De lá para cá, houve temas como saúde, educação, violência, valorização da vida, fome, reforma agrária, infância, racismo, dignidade da mulher, moradia, valorização da família, desemprego, drogas, idosos, água, paz, pessoas com deficiência, vida no Planeta, juventude, tráfico humano e muitos outros.
Neste ano, a questão da sobrevivência no Planeta é revisitada com o tema "Fraternidade: Biomas brasileiros e defesa da vida" e o lema "Cultivar e guardar a criação", como está escrito no cap. 2 do Livro de Gênesis.
Sr. Presidente, com a discussão intensa desse tema durante os 40 dias da Quaresma, a Igreja Católica chama seus fiéis e a sociedade como um todo a entenderem e a tratarem com respeito a natureza que nos envolve. A Igreja pede nossa atenção para os diferentes biomas brasileiros e nos lembra que eles têm a ver com a vida que somos chamados a defender, pois nossas vidas estão inseridas neles, e, destruindo os biomas, juntos seremos extintos.
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No Brasil, temos seis biomas: a Mata Atlântica, a Amazônia, o Pantanal, o Pampa, o Cerrado e a Caatinga - eu venho de uma mistura de Cerrado e Caatinga e acompanho bem. Cada um dos biomas brasileiros abriga diferentes tipos de vegetação e de fauna. Nesses ambientes, vivem pessoas, povos, resistem culturas resultantes da imensa miscigenação brasileira e, principalmente, as nascentes que nos garantem a água e a sobrevivência.
A Campanha da Fraternidade convida a uma reflexão sobre os desafios da realidade desses biomas e dos povos que neles vivem; chama a atenção para as boas iniciativas preservacionistas já existentes; e aponta propostas sobre o que podemos e devemos fazer em respeito à natureza. Para a perpetuação da vida nos biomas, é necessário o estabelecimento de políticas públicas ambientais, a identificação de oportunidades para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade com os povos e comunidades tradicionais.
Durante esses dias de Quaresma, preparando­me para a Páscoa, refleti muito sobre o tema da Campanha da Fraternidade, e a minha conclusão é a de que a palavra que precisa calar no fundo dos nossos corações é a palavra "cuidado". Precisamos cuidar da Mãe Terra com o mesmo amor filial que dedicamos às nossas mães biológicas. Assim como nossas mães nos doaram o leite do peito que nos alimentou, os biomas da Terra nos doam a água que nasce do seu seio. Precisamos cuidar de tudo o que se refere à água, desde as nascentes até o consumo consciente dela. Precisamos cuidar dos ribeirões, rios, lagoas, aquíferos e mares. Precisamos cuidar também das florestas e de todo tipo de cobertura vegetal de cada bioma, pois, como bem afirma o Prof. Ivo Poletto, aqui presente: "Estamos sendo convocados a corrigirmos os erros que secularmente cometemos na relação com a Terra por não conhecermos bem os biomas, os jardins criados por Deus".
Aproveito que estamos ao vivo para todo o Brasil por meio da TV e da Rádio Senado - na verdade, ainda não, mas estaremos, e será repetido, gente - e convido as pessoas que nos acompanham a ajudarem a cuidar da cobertura florestal dos nossos biomas, pois são as florestas que garantem a umidade suficiente para que haja chuvas em todas as regiões. Atitudes individuais ou coletivas, como não jogar lixo nos rios e lagoas e economizar água nas atividades cotidianas, podem fazer uma grande diferença. Do ponto de vista dos empreendimentos, é possível adotar boas práticas preservacionistas na agricultura e indústria, respeitando as áreas de reserva, valorizando as comunidades tradicionais, economizando muita água e preservando muitos outros recursos.
Como já afirmou o Papa Francisco, um dos eixos fundamentais da reflexão ecológica é a relação íntima que deve existir entre os empreendimentos, os pobres e a fragilidade do Planeta. Francisco já disse que a natureza e os povos pobres não podem ser usados para que alguns ricos alcancem o lucro fácil.
Do ponto de vista individual, é sempre possível tomar banhos mais rápidos, fechar a torneira ao escovar os dentes, reutilizar a água em algumas situações, conversar sobre ecologia com amigos e parentes, colaborando com o meio ambiente.
Eu quero aqui citar um exemplo. O meu assessor Juarez, nas horas vagas, trabalha com hortas caseiras comunitárias e escolares e me contou recentemente que, com a crise da água em Brasília, na escola onde há uma horta em que ele trabalha, não se podia usar água tratada para irrigar. A partir daí, houve uma grande descoberta. Foram observar o bebedouro das crianças e perceberam que, enquanto eles bebem, colocando a boca naquela torneirinha, a água vai correndo. E qual não foi a surpresa, ao resolveram canalizar essa água que ia para o esgoto, verem que, num dia, foram mil litros de água para irrigar as hortas. Isso é fantástico! São descobertas que a gente vai aprendendo com a necessidade, mas a gente devia fazer sem precisar acontecer o que está acontecendo de racionamento em Brasília.
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Quero homenagear a Igreja no Brasil por manter estreita sintonia com o pensamento social, econômico e ambiental de Francisco. Em sua primeira encíclica ecológica, a Laudato Si, o Papa fala da interligação de todas as criaturas e do desafio da nossa convivência respeitosa com os biomas.
Na exortação apostólica Evangelii Gaudium, ele afirmou:
Nós, os seres humanos, não somos meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas. Pela nossa realidade corpórea, Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação [em nosso corpo].
Palavras do Papa.
Ao encerrar este pronunciamento, mais uma vez, convido todos que nos veem e nos escutam e o nosso povo a fazermos uma reflexão sobre os biomas e a nossa vida dentro deles. Somos convocados a uma verdadeira conversão pessoal e social para cultivar e cuidar da Terra, pois é essa a condição para a vida do Planeta.
Muito obrigada.
Era o que eu tinha a dizer. (Palmas.)
Quero anunciar a presença do Senador Cristovam, que está conosco e vai, certamente, fazer uso da palavra.
Já anunciei o Núncio Apostólico, D. Giovanni, que nos alegra com a sua presença; o Embaixador da República do Sudão no Brasil, Sr. Ahmed Yousif Mohamed; o Conselheiro para Assuntos Globais da Embaixada da França no Brasil, Sr. Yannick Samson; e mais alguns padres que também vieram nos prestigiar.
Eu passo a palavra ao Senador Cristovam, porque Senador tem a prioridade pelo Regimento - e também certamente o Senador deve ter um compromisso.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia a cada uma e a cada um presente.
Eu quero cumprimentar muito especialmente a Senadora Regina Sousa, que teve a iniciativa de fazer esta sessão, e eu quero parabenizar a fala que fez para nós - eu ouvi uma parte pela rádio e uma parte aqui.
Quero cumprimentar o Revmo Sr. D. Marcony Vinícius Ferreira, o Rev. Sr. Padre Luis Fernando da Silva, o Prof. Ivo Poletto, o Núncio Apostólico e os Srs. Embaixadores aqui presentes.
Quando a gente olha a história dos grandes movimentos acontecidos no mundo, creio que dá para dizer que nenhum teve um slogan tão revolucionário e progressista quanto a Revolução Francesa, quando falou em igualdade, liberdade e fraternidade. Eu costumo dizer que não precisavam usar três palavras, pois bastava dizer fraternidade ou até repetir fraternidade, fraternidade, fraternidade.
A fraternidade leva à igualdade.
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A fraternidade é uma prática que vem com a liberdade. Por isso a importância da escolha da CNBB do tema da fraternidade, especialmente sobre os biomas, os nossos jardins. As pessoas ficam sem saber direito o que é bioma. Bioma é um jardim, um jardim natural e grande. E o progresso não gosta de jardim. É uma tendência que a gente vê do progresso dos últimos 200 anos: os jardins são desfeitos, jardins no sentido metafórico, geral, das plantas no estado natural.
Fico muito satisfeito, porque, mesmo que aquela Revolução Francesa tivesse feito fraternidade, fraternidade, fraternidade, seria a fraternidade entre as pessoas da geração vigente. E nós precisamos, nos tempos de hoje, em que o homem adquiriu o poder de transformar a natureza inteira, que botaram até o nome de antropoceno, a era do poder do homem para mudar a própria geologia e não só a biologia, nesse tempo nós precisamos pensar, refletir e adotar a fraternidade intergeracional. E essa é uma novidade dos nossos tempos. Até pouco tempo não era preciso pensar em fraternidade entre gerações. A fraternidade era intrageração. Hoje, sem uma fraternidade intergeracional, nós não temos como deixar um Planeta melhor para os nossos descendentes.
Nesse sentido, entre os líderes mundiais, o único eu diria que captou essa ideia foi o Papa Francisco. Temos muitos intelectuais, até ex-Presidentes que se dedicam a essa preocupação, mas é o Para Francisco, entre os líderes que nós temos em atividade, o único que deixa com clareza a mensagem da necessidade de uma fraternidade intergeracional.
Essa fraternidade intergeracional exige um respeito muito grande, um cuidado muito grande com a natureza, que é a mãe aonde nós todos caminhamos, é a mãe de cujo útero nós não saímos, nem depois de mortos. Então, é preciso zelar por ela, mas é preciso pensar também por que nós precisamos nos preocupar com isso. Onde está a raiz dessa preocupação? Está num conceito de progresso que é destruidor da natureza por uma razão muito simples: tem por propósito atender à voracidade do consumo. É essa voracidade que leva à destruição dos nossos biomas, das nossas florestas. É essa ânsia de transformar as pedras, as plantas e os animais em produtos para o consumo dos homens.
Se nós não fizermos a revolução cultural mental, mais do que cultural, de entender que os homens não existem para consumir o que produzem, que o propósito da existência de uma pessoa e da sociedade onde ela está é transformar com a máxima velocidade possível, para aumentar o tal Produto Interno Bruto, as pedras, as plantas e os animais em produtos, se não fizermos essa revolução, a fraternidade intergeracional não virá.
Nós vamos precisar disso. Por isso a importância do tema que foi escolhido: a fraternidade zelando pelos biomas.
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Mas há outra também. É preciso que despertemos - e não é hoje, não é aqui, não é neste ano - a intergeracional entre as pessoas de uma geração para outra, porque muitas vezes nós nos apegamos ao consumo nosso, hoje, através da renda que cada um quer ter, o maior possível, sem perceber que para aumentar R$1,00 na renda de alguém tem que diminuir R$1,00 da renda de alguém, a não ser que aumente o Produto Interno Bruto e a renda de todos, o que destrói a natureza. Há uma contradição aí dentro: ou a gente destrói a natureza, para todo mundo enriquecer, ou, se queremos um equilíbrio ecológico, é preciso entender que alguns têm que abrir mão da sua renda, do seu padrão de consumo, para que outros cheguem a um padrão de consumo satisfatório, e não destrutivo.
Hoje nós esquecemos isso por uma razão direta e uma indireta. A direta é o individualismo, que também é um produto dos tempos de hoje, maior do que no período em que ele surge, que é o período do Iluminismo, quando surge a ideia do indivíduo e não do clã, da família, da coletividade. Então, um é o individualismo. E o outro é o individualismo disfarçado pelo corporativismo, que é uma forma de individualismo, só que em vez de só para mim, eu e o meu grupo.
Essa visão da sociedade baseada no individualismo e sua realização plena ou no corporativismo, com uma realização plena de cada indivíduo combinando com os que estão ao seu redor, como é que eles abocanham o máximo, essa visão tem que ser rompida em nome de uma solidariedade mais ampla do que cada grupo, só a família, só a corporação. Até mesmo - e aqui algo que torna quase impossível o exercício político democrático -, até mesmo a Nação tem que ser analisada levando em conta o conjunto da humanidade.
O nacionalismo que surge hoje no mundo, que constrói muros, como nos Estados Unidos, que usa o Mediterrâneo, como a Europa, esse nacionalismo não permite a fraternidade plena intergeracional, mesmo que as gerações contemporâneas... Quando fala da necessidade do equilíbrio ecológico, a gente está pensando nas gerações não contemporâneas, dos futuros seres humanos, mas há uma fraternidade intergeracional contemporânea, nós com as crianças. As crianças são contemporâneas nossas, mas não são da nossa geração.
O que se vê hoje é o surgimento de um nacionalismo antifraternidade, que impede imigrantes de entrar, por conta do Mediterrâneo geográfico. Mas e os "mediterrâneos" invisíveis ao redor das casas nossas? E os "mediterrâneos" invisíveis ao redor dos hospitais que atendem a quem pode pagar? E os "mediterrâneos" invisíveis ao redor das escolas boas? Estamos cheios de "mediterrâneos" invisíveis. Por isso a gente nem vê. Por isso nos acostumamos com eles, tanto quanto a Europa geográfica se acostumou...
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... com o Mediterrâneo geográfico, que impede a entrada dos povos do mundo que querem ali entrar.
É preciso que a fraternidade leve a uma luta contra os "mediterrâneos" invisíveis e contra os muros visíveis que estão sendo construídos entre países e que nós construímos ao redor das nossas casas, dos nossos hospitais. Eu digo nós, as classes médias e abastadas do mundo inteiro.
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Nesse momento da fraternidade em que discutimos o bioma, eu queria chamar a atenção disso: nós precisamos fortalecer a ideia da fraternidade intergeracional, inclusive dentro do mundo contemporâneo, entre nós e as crianças, o que exige certos equilíbrios, eliminação dos desperdícios e equilíbrio nos nossos gastos.
Não é possível ser solidário...
(Interrupção do som.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... não é possível ser fraterno sem abrir mão de alguma coisa. A fraternidade, você sai mais rico dela, não pelo que distribui, pelo que perde, mas pelo que adquire ao distribuir. É outra dimensão do ganho, diferente da dimensão da doação. A fraternidade exige uma doação que, no caso nosso, da nossa geração, é sairmos dessa visão de que o progresso é o consumo. O consumo exige renda, a renda vem da produção cada vez maior. Vamos quebrar esse mundo sem fraternidade, pelo egoísmo, o individualismo, o produtivismo e o consumismo a que nos acostumamos, e tentar entrar num mundo diferente.
Eu fico feliz porque se alguém tem falado, com outras palavras que sejam, contra os "mediterrâneos" visíveis e invisíveis...
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ...é o Papa Francisco. Por isso a nossa homenagem a esse grande líder do mundo, não apenas dos católicos, que está trazendo uma visão nova de que basta fraternidade, fraternidade, fraternidade não só entre nós, da nossa geração, incluindo-se aí as crianças, mas também das gerações futuras.
Por isso que fiz questão de vir aqui, Senadora Regina, aproveitando para saudar o Gilberto, que está ali, nosso grande amigo. Fiz questão de vir para dizer que este é o tema: como ser fraterno num mundo em que os homens têm o poder de destruir a natureza, apropriando-se dela e sacrificando as futuras gerações. Os biomas representam isso, representam os jardins do mundo destruídos pelo progresso insano dos últimos dois séculos.
Muito obrigado, Senadora. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada, Senador Cristovam. E pensar que as pessoas gastam tanto dinheiro para fazer jardins em casa, em volta das casas, tendo jardins naturais.
Pela sua fala, Senador, eu me lembrei de um ex-Deputado Federal do PT, o Nazareno Fonteles, que escreveu um livro que falava de renda e de cidadania. Ele é meio discípulo do Suplicy, naquela linha do Suplicy. Ele tem uma frase que nunca esqueci. Ele diz assim: "É preciso que os ricos vivam mais simplesmente para que os pobres possam simplesmente viver". Essa frase não saiu da minha cabeça, porque é recheada de significados.
Muito obrigada, Senador.
Passou por aqui a Senadora Lídice, que não pôde ficar porque tem um avião para Salvador que não espera, mas deixou um abraço, deixou a solidariedade na campanha.
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Quero registrar exatamente a presença do meu amigo Gilberto Carvalho, ex-Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República de 2011 a 2014, que foi militante da Pastoral Operária Nacional. Eu fui da Pastoral da Juventude, da Igreja Católica. Ele foi Secretário Geral da Pastoral entre 1985 e 1986.
A Srª Deputada Federal Creuza Pereira também nos honra com a sua presença.
Passo a palavra ao representante da CNBB, o reverendíssimo Bispo Dom Marcony Vinícius Ferreira, que representa Dom Sérgio, Presidente da CNBB.
O SR. DOM MARCONY VINICÍUS FERREIRA - Bom dia a todos.
Querida Senadora Regina, em sua pessoa saúdo os outros membros da Mesa, caríssimo Sr. Núncio, querido Gilberto. Quero saudar de modo especial todos os Senadores e Senadoras e também todos os membros e funcionários desta Casa.
A minha palavra em nome de Dom Sérgio, aqui representando também a CNBB, é de gratidão por esta iniciativa, por abrir espaço para tratarmos desse tema dentro desta Casa, tão representativa para o nosso país, o tema dos biomas, o tema da Campanha da Fraternidade.
Quero parabenizá-la pelo seu discurso. Acho que foi sintético, mas muito apropriado, profundo, sintetizando justamente aquilo que a Campanha da Fraternidade nos traz: o cuidado, o cuidado com a casa comum, como nos lembra o Papa Francisco, o cuidado que parte, inclusive, de pequenos gestos, como a senhora mesma citou em seu discurso, que começa dentro de casa, invade as escolas, invade também a nossa formação, para que todos nós sejamos responsáveis pela casa comum, pelo nosso mundo e para que deixemos um mundo melhor, como dizia o Senador Cristovam, para as nossas crianças, para o futuro da nossa Nação.
A Campanha da Fraternidade, de fato, ultrapassa o aspecto meramente religioso, mas é iluminada por esse aspecto, como aqui foi colocado, iluminada pela palavra de Deus, neste ano iluminado pelo Livro do Gênesis, que Deus fez tudo e viu que tudo era bom e, nessa bondade, doou tudo aos homens para que os homens não se apropriassem, mas cuidassem de tudo aquilo que Deus fez para nós na Criação.
Então, a minha palavra é muito breve, de agradecimento a esta Casa por mais uma vez por reconhecer este passo da Campanha da Fraternidade em um tema que é tão necessário, primeiramente, de ser conhecido, Senadora. A gente fala de biomas, e muitas vezes as pessoas até se perdem. Uma vez sendo conhecido, levar à prática a partir de atitudes bem concretas do nosso dia a dia.
Creio que o próprio cartaz da Campanha se torna algo incentivador, inclusive para as nossas escolas, para o conhecimento dos biomas brasileiros. Nós, que estamos no Cerrado, este grande bioma, este celeiro do mundo, podemos dizer, e do nosso Brasil, somos os primeiros a ter esta consciência do cuidado com a natureza, do cuidado com a água, do cuidado com tudo aquilo que trará um futuro melhor para as nossas crianças e jovens.
O meu muito obrigado, a minha gratidão em nome de Dom Sérgio, em nome da CNBB, em nome dos Bispos do Brasil, por esta iniciativa, pela abertura para tratarmos este tema aqui e, a partir daqui, chegar a todo o país.
Muito obrigado. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada, D. Marcony.
O senhor falou uma coisa muito importante, que é a questão das escolas. Eu acho que, antes do nome de todas as nossas escolas, tem que vir: escola ambiental fulano de tal, para poder ver se desperta. Estamos precisando de uma nova governança nessa área, mas também de uma nova mentalidade. E essa nova mentalidade vai acontecer com a nossa juventude, com as nossas crianças. Dos idosos, com mais idade, esperamos consciência, mas nós nos policiamos, porque incorporamos valores, incorporamos desperdício. Então, nós, que temos mais consciência, nos policiamos, agora, as crianças aprendem. E aí, com certeza, nós vamos ter uma nova mentalidade em relação ao meio ambiente.
Passo a palavra ao Padre Luis Fernando da Silva, que coordena, que é Secretário Executivo das Campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
O SR. HÉLIO JOSÉ (PMDB - DF) - Pela ordem, Senadora.
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Ah! Sim. Desculpe-me, Senador Hélio. Pela ordem, Senador Hélio, mas já sei o que é, vou logo dizer: o Senador Hélio José, aqui do Distrito Federal, tem outra atividade. Vai fazer o pronunciamento depois o Padre Luis Fernando.
Desculpe-me, Senador.
O SR. HÉLIO JOSÉ (PMDB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Quero cumprimentar V. Exª, Srª Regina Sousa; cumprimentar também o nosso querido Bispo Reverendíssimo, Sr. D. Marcony Vinícius Ferreira, que muito bem representa a CNBB aqui neste evento, filho de Brasília, criado aqui na nossa Candangolândia - Candangolândia, não, aqui na Vila Planalto -, que o pessoal ama. Minha esposa teve o privilégio de ser enfermeira na Vila Planalto por muitos anos e conhece o tanto que D. Marcony é querido em Brasília, como um todo, principalmente aqui na Vila Planalto. Parabéns! Cumprimento V. Exª Revma por estar aqui conosco neste momento tão importante.
Quero cumprimentar também o Secretário Executivo das Campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o Reverendo Sr. Padre Luis Fernando da Silva. O Luis estava conosco lá na Câmara dos Deputados. Fizemos lá outra audiência pública, mas não poderíamos deixar de fazer esta audiência aqui. A Regina foi a puxadora - da outra vez, ano passado, fui eu -, e nós fomos signatários, junto com a Regina - eu, o Senador Cristovam e outros Senadores aqui -, pela importância da CNBB, pela importância desse tema e por tudo o que precisamos fazer por essa sociedade brasileira.
Quero cumprimentar também o nosso pesquisador e autor do livro Biomas do Brasil: da exploração à convivência, Prof. Ivo Poletto, cujo pronunciamento eu terei a honra de ouvir; também o nosso querido Núncio Apostólico no Brasil, Sr. D. Giovanni d'Aniello, que está aqui conosco - obrigado, D. Giovanni, pela presença; o nosso Embaixador da República do Sudão no Brasil, Sr. Ahmed Mohammed; o nosso Conselheiro para Assuntos Globais da Embaixada da França no Brasil, Sr. Yannick Samson, que está aqui; os nossos reverendíssimos senhores padres aqui presentes e senhoras e senhores.
Realmente, como a nossa querida Senadora Regina Sousa acaba de anunciar, eu tenho que presidir a Medida Provisória 760, que trata de resolver o problema da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal. Ela está neste momento lá, inclusive está até suspensa para eu vir aqui. Por isso, eu peço vênia ao Sr. Poletto para estar aqui usando as palavras. Vamos lá, nobres senhores. Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, prezados convidados e convidadas e todas as pessoas que nos acompanham pelos sistemas de comunicação do Senado Federal, da TV e Rádio Senado, iniciada a quaresma, um dia após a Quarta-Feira de Cinzas, temos outra tradição após o Carnaval. Essa outra tradição é menos festeira e mais reflexiva do que o Carnaval, mas aponta para a necessidade de uma movimentação da sociedade em igual intensidade.
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Trata-se da Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - daí a importância dessa atividade aqui, em que nós estamos, transmitida para o Brasil inteiro pela TV Senado, coordenada pela CNBB. E como nos ensina D. Leonardo Steiner, Bispo Auxiliar de Brasília e Secretário-Geral da CNBB, "a Quaresma é um tempo precioso da vida da Igreja, das comunidades, mas também da vida pessoal". O Papa Francisco ressaltou que a iniciativa é "um convite a viver com mais consciência e determinação a espiritualidade pascal".
Desde 1964, essas campanhas têm servido não apenas para despertar a comunidade católica brasileira para os temas e lemas anuais, mas, também, para alertar para questões que extrapolam a dimensão confessional. Católicos de todos os ritos, cristãos de todas as formas de congregação, religiões de matriz africana ou indígena e os humanistas são também chamados, pois há uma dimensão ecumênica que tem sido ressaltada e elevada a cada ano que passa - é isso que torna essa campanha cada vez maior, não é, padre?
Na primeira fase, na década de 1960, houve uma dimensão - digamos assim - mais voltada para dentro da própria instituição. Os temas e lemas foram, respectivamente, Igreja em Renovação e Lembre-se: Você também é Igreja, em 1964 - um momento importante da vida política do País; Paróquia em Renovação e Faça de sua Paróquia uma Comunidade de Fé, Culto e Amor, em 1965 - posterior a essa questão ocorrida em 1964.
A dimensão profética, que se manifesta na doutrina social da Igreja, ganhou a compreensão do pecado como injustiça social e violência contra os fracos e oprimidos, a partir do Concílio Vaticano II. A Igreja se aproximou dos oprimidos, e a caridade incorporou o sentido da responsabilidade política da libertação. Isso fez com que jovens - como eu, por exemplo, que estava na UnB em 1978, como estudante de engenharia elétrica, vindo da classe baixa e proletária - viessem a ajudar a construção de várias formas nas comunidades eclesiásticas de base, na CPT, e várias questões. Sempre participei dos movimentos leigos da Igreja Católica e também da sociedade brasileira, chegando hoje aqui.
Então, para mim, que aqui passo a minha vida defendendo os menos favorecidos, a família, a sociedade e a vida - para mim, para a Senadora Regina e para outros Senadores -, é fundamental estarmos aqui valorizando esse trabalho da CNBB.
Recordo-me muito bem, na condição de militante dos movimentos sociais e de trabalhadores, do quanto as campanhas da fraternidade nos auxiliavam, os lutadores pela liberdade, a encontrar mais respaldo em nossas demandas trabalhistas e políticas. Em 1985, por exemplo: Fraternidade e Fome, como tema; e Pão para quem tem Fome, como lema. Na mesma tônica, no ano seguinte, Fraternidade e Terra, como tema; e Terra de Deus, Terra de Irmãos, como lema.
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Em minha condição de sindicalista, uma campanha como a de 1991 foi fundamental para o reforço das posições dos trabalhadores diante da onda neoliberal de então: A Fraternidade e o Mundo do Trabalho, como tema; e Solidários na Dignidade do Trabalho, como lema.
Então, foram tantas coisas fundamentais que a campanha da fraternidade fez neste País que nos orientaram e nos levaram a ter um Brasil melhor, mais integrado. Este tema de hoje da água e do meio ambiente está muito atualizado e é muito real, porque, sem a água, não seremos nada, sem o meio ambiente realmente bem cuidado, também não. Quero louvar muito a escolha do tema deste ano.
Definitivamente, Srªs e Srs. Senadores, não há como desconsiderar a afinidade entre a CNBB e os movimentos sociais mais libertários brasileiros nos últimos 50 anos. E isso tem ocorrido em função das campanhas da fraternidade, principalmente, uma campanha que se firma na Quaresma, mas a ultrapassa, movimentando as juventudes escolares e trabalhistas, as comunidades cristãs, os movimentos sociais e os acampamentos dos sem-terra, uma chama de esperança que expressa na reflexão coletiva e orienta todos os cristãos a buscarem o lado dos oprimidos. Esse é o nosso trabalho aqui.
O tema deste ano é Fraternidade: Biomas Brasileiros e Defesa da Vida; e o lema é: Cultivar e Guardar a Criação - numa citação do Gênesis.
Não poderíamos imaginar uma proposição mais atual, tendo em vista a necessidade de defendermos os nossos biomas contra o uso predatório. Nossas sociedades estão abusando da natureza. Nossas economias que visam ao lucro imediato e a qualquer custo já estão mudando o clima do Planeta. O aquecimento global irá aumentar a fome e a pobreza, mas pouco se fez até agora para evitar a catástrofe anunciada pelos cientistas.
Por isso, nobre D. Marcony - eu já falei com D. Sérgio em outra oportunidade e quero falar para V. Revma aqui que sou Vice-Presidente da Comissão da Medida Provisória 759...
(Soa a campainha.)
O SR. HÉLIO JOSÉ (PMDB - DF) - ... que trata da regularização fundiária no País, inclusive de todas as famílias de Brasília, porque temos quase 1,5 milhão de pessoas sem escritura pública, sem viver numa situação regularizada -, estou à disposição da Cúria e da CNBB para ajudar naquilo que vocês entenderem ser importante no regramento dessa questão.
Vou tentar caminhar para a conclusão.
Srªs e Srs. Senadores e presentes aqui, defendo o uso sustentável de nossos biomas, não o seu isolamento, sem possibilidades de intervenção humana. Isso não seria sábio. Temos que parar imediatamente com o uso predatório e acabar com o endeusamento do dinheiro e do consumo. Transformaram o dinheiro em um deus que exige sempre e sempre mais veneração e subordinação, à custa da extinção de espécies animais e vegetais, à custa de guerras para conquista de minerais estratégicos e à custa da escravização de milhões de trabalhadores pelo mundo afora, para que os mercados de roupas, telefones celulares e outras mercadorias prosperem vendendo produtos baratos.
A natureza existe para o bem-estar do Planeta, incluindo o nosso, o dos humanos. O dom do livre arbítrio significa que podemos, com inteligência, alterar nossos comportamentos. Podemos mudar o rumo das coisas e parar de destruir.
Como o discurso ainda tem umas três ou quatro páginas, Regina, e eu tenho de voltar para lá, quero pedir vênia à nossa Cúria e dizer que vou encaminhá-lo por completo - vou ler os dois últimos parágrafos - e considerá-lo lido, porque é muito profunda e importante esta campanha.
(Soa a campainha.)
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O SR. HÉLIO JOSÉ (PMDB - DF) - Vou para os dois últimos parágrafos, porque eu ainda teria aqui pelo menos uns oito minutos, para ganharmos tempo.
Se não cuidarmos das nascentes e se não tivermos rigor no ordenamento do uso das águas, o Cerrado será a próxima fronteira da desertificação acelerada que já atinge várias áreas do País. Precisamos urgentemente discutir a crise hídrica como produto humano e não como castigo divino. A ganância desmata a Amazônia e seca o Centro­Oeste e o Sul do País. Está tudo interligado. A destruição das nascentes seca os rios e empobrece as comunidades ribeirinhas e de agricultura familiar.
Esse é o olhar crítico e reflexivo que a Campanha da Fraternidade 2017 nos traz. Espero que possamos ir localizando, de maneira cuidadosa, todas as maneiras...
(Soa a campainha.)
O SR. HÉLIO JOSÉ (PMDB - DF) - ... pelas quais poderemos, ao mesmo tempo, gerar desenvolvimento econômico e cultivar e guardar a criação, como quer a CNBB, no lema de sua campanha.
O Senado pode participar disso, pode transformar nossas comissões permanentes em fóruns privilegiados. Podemos melhorar a legislação vigente e produzir novas leis a partir desse olhar que a Campanha da Fraternidade nos motiva.
Grato pela atenção, o discurso fica considerado lido.
Só quero dizer, nobre D. Marcony - eu sou o Vice-Presidente da Frente Parlamentar Mista do Cerrado -, que nós moramos em uma região de Cerrado e precisamos trabalhar muito para preservar essas questões aqui.
Muito obrigado, Senadora Regina Sousa. Obrigado, D. Marcony. Obrigado a todos aqui presentes. Um forte abraço. (Palmas.)
DISCURSO NA ÍNTEGRA ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR HÉLIO JOSÉ.
(Inserido nos termos do art. 203 do Regimento Interno.)
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada, Senador Hélio.
Passo a palavra agora ao Padre Luis Fernando da Silva, Secretário Executivo das Campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
O SR. LUIS FERNANDO DA SILVA - Bom dia a todos e todas. Saúdo, na pessoa da Exma Srª Senadora da República Regina Sousa, Presidente desta sessão solene, todos os Srs. Senadores e Senadoras aqui presentes. Saúdo as demais autoridades: Embaixador, Conselheiro da Embaixada, S. Exª Revma D. Giovanni D'Aniello, Núncio Apostólico do Brasil; S. Exª Revma D. Marcony Vinícius Ferreira, Bispo Auxiliar de Brasília, que representa o Emmo Sr. Cardeal D. Sérgio da Rocha, Arcebispo Metropolitano de Brasília e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Primeiramente, em nome da CNBB, quero agradecer a todos que se empenharam na feliz iniciativa de promover e celebrar esta solene sessão que homenageia a Campanha da Fraternidade 2017.
O tema da Campanha da Fraternidade deste ano é Fraternidade: Biomas Brasileiros e Defesa da Vida e tem como lema Cultivar e Guardar a Criação. Mais uma vez, a campanha pretende despertar as pessoas para o cuidado com a criação. O lema Cultivar e Guardar a Criação quer mostrar a importância das pessoas no cuidado de cada elemento da natureza, que é objeto de amor do Criador.
A campanha tem como objetivo geral cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, e promover as relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho.
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Bioma quer dizer vida que se manifesta em um conjunto semelhante de vegetação, água, superfície e animais. Uma paisagem que mostra uma unidade entre os diversos elementos da natureza. Um bioma é formado por todos os seres vivos de uma determinada região, cuja vegetação é similar e contínua, cujo clima é mais ou menos uniforme e cuja formação tem uma história comum.
Quando Pero Vaz de Caminha chegou à costa do Território brasileiro, maravilhou-se com tudo o que viu. Descreveu minuciosamente os indígenas, a flora, a fauna e todas as águas que tinha diante dos olhos.
Com a ocupação do paraíso descrito por Caminha pelos colonizadores, começa um processo de exploração do território, partindo do litoral e avançando para o interior, seja pelo Sul do País, pelo Pampa, seja pelos leitos de diversos rios e, então, se percebe como a terra é imensa e como possui extraordinária variedade de formas de vida, florestas, animais e de povos.
Hoje, mais de 500 anos depois da chegada dos colonizadores, devemos nos perguntar: o que restou daquelas florestas? O que restou daqueles povos que habitavam a então chamada Pindorama? O que restou daquelas belas águas? O que restou daquela imensa biodiversidade que maravilhava os olhos? Precisamos nos perguntar severamente qual é o destino que estamos dando a tantas riquezas e que o Brasil quer deixar para as gerações futuras.
Contemplando as problemáticas ecológicas, cabe perguntar: o que Deus tem a ver com as questões ambientais e ecológicas? A plausibilidade dessa pergunta leva a uma análise sistemática da diversidade dos biomas à luz da fé cristã.
Tal análise põe em relevo o homem moderno e a sua construção paradigmática a partir do cristianismo, não podendo descartar a tensão relacional entre o homem criado e as coisas criadas e, consequentemente, com o Criador.
Junto ao conceito de casa comum, em tempos de globalização, fala-se também de aldeia global, o que pode ser entendido como casa global. Desse modo, o universo, e dentro dele o Planeta Terra e o Brasil, com os seus seis biomas - Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas - são a grande casa onde convive não só o povo brasileiro, mas este com todas as esferas de vida da grande casa.
Essas definições apontam sempre para a ideia de casa, e a casa vista como lugar de relações e inter-relação e diálogo de todas as coisas existentes entre si e com tudo o que existe, real ou potencial. A reflexão da Campanha da Fraternidade 2017 não tem apenas a ver com natureza, mas principalmente com os povos e a sua cultura.
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Assim, numa visão ecológica, tudo que existe coexiste, preexiste e subsiste através de uma teia infinita de relações.
Nesse sentido, o destino dessa grande casa comum está relacionado com as ações e práticas de cada habitante; essa grande casa ultrapassa o sentido do ser e existir somente como espaço destinado ao ser humano e pressupõe uma responsabilidade pautada pelo cuidado.
A Campanha, ao afirmar os biomas como o lugar das relações, quer mostrar que a crise é uma "crise das relações" e leva a afirmar um novo paradigma social e, ao mesmo tempo, os paradigmas existentes refletem a crise na qual estão imersos os biomas e todos os que com ele se inter-relacionam.
Nesse sentido, é preciso responder à tal problemática, identificando os mecanismos de desculpas em nível pessoal e coletivo, que consistem em um não assumir da responsabilidade em relação aos desequilíbrios.
O fato de se constatar a proficuidade das ciências modernas, não faz encerrar nelas mesmas o processo de relação do ser humano com a natureza. Assim, o acesso do ser humano à natureza também passa pelo caminho do diálogo e apropriação da cultura. É importante esse passo justamente para superar uma tendência monopólica de ver o mundo a partir do prisma da ciência moderna. Assim sendo, a relação do povo brasileiro com os biomas não é somente empírica, mas dialógica e interacional.
Esse caminho é também uma via de encerramento e valorização. A emersão do encantamento leva a uma recusa de tratar os biomas como um conjunto de recursos ou reservas naturais fisioquímicas. O encantamento leva a uma afirmação dos biomas como casa, uma casa biótica, uma casa de vida. Nessa perspectiva, quando se afirma que o ser humano está buscando conhecer a natureza, o termo conhecer não é sinônimo de dominação, mas é sinônimo de comunhão, de cuidado. E aqui cabe lembrar Santo Agostinho de Hipona: "Amamos à medida que conhecemos". Esse amor é todo comunional e todo convite para estabelecer relação. Se existe relação, então existe reciprocidade, e a reciprocidade gera interdependência.
Sendo a relação do homem brasileiro com os biomas uma relação de comunhão, não se exclui a ciência moderna empírica, mas lhe dá uma nova configuração. Nesse novo paradigma, a empiria é um serviço sempre em favor dos povos e jamais contra eles.
Nos últimos decênios, cresceu a consciência da periculosidade do domínio ilimitado sobre os biomas brasileiros, que inicialmente se apresentou como autogestão do progresso econômico, e que sorrateiramente alimentou, única e exclusivamente, os interesses dos dominadores.
A contramão desse processo se dá por meio de uma reviravolta ética, que produza uma consciência biótica em condições de orientar a práxis do Governo, de todos os que lhe são interligados e de toda a população brasileira.
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Esse processo de abertura proposto pela Igreja Católica, pelos Poderes Públicos e pela sociedade civil vai afunilando o caminho para o diálogo e para a responsabilidade da casa comum. A teologia cristã percebe que, não menos, o olhar sobre os biomas também afeta a fé do homem no Deus criador. E essa percepção leva à conclusão da necessidade de um trabalho conjunto.
Nesse diálogo estabelecido entre a Igreja, os Poderes Públicos e a sociedade civil, é grande a percepção da interdependência e da necessidade de assumir uma responsabilidade global pelos biomas e pelos seus povos.
A motivação da Campanha da Fraternidade 2017 partiu da observação de que, em nossos dias, existe no seio do povo brasileiro uma preocupante degradação dos biomas pela desordenada exploração dos recursos e pela progressiva deterioração da qualidade de vida. Semelhante situação gera formas de egoísmo coletivo. Portanto, mais do que apontar nessa campanha a já sabida crise ambiental, a Igreja quer, por meio de uma profunda reflexão, ir à raiz da problemática de tal crise, que é a ferida aberta no princípio da comunhão, quanto mais é maculada a comunhão entre os brasileiros, mais cresce a degradação dos biomas.
O desenvolvimento de uma sociedade brasileira pacífica toda comunional passa pelos biomas, e isso não é possível sem atitudes coordenadas e baseadas na ética da alteridade, do reconhecimento do ser humano como irmão.
A sociedade brasileira hodierna não encontrará solução para a degradação dos biomas se não revir seriamente o seu estilo de vida. Há uma necessidade urgente de cada qual assumir sua responsabilidade em relação ao ambiente, e essa não é uma questão ideológica, é uma questão de comunhão: ou se entra na comunhão com toda a vida existente, ou se fecha num narcisismo egoístico.
A questão dos biomas deve assumir nos dias de hoje a dimensão da responsabilidade de todos os brasileiros.
Os cristãos, em particular, possuem essa tarefa de reconhecer os biomas e todas as realidades de vida como criação, portanto devem se empenhar na fé no Deus criador, respeitando toda a vida e a dignidade da família humana. Toda a criação foi redimida em Cristo e, um dia unida, glorificará a Deus Pai, por meio do Filho e do Espírito Santo.
Mais uma vez expresso a gratidão da Conferência Episcopal a esta Casa da República por permitir que reflitamos a urgente necessidade de cuidarmos da nossa casa comum, rica nos seus seis biomas, a nossa Pátria amada, Brasil! (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada ao Padre Luis Fernando da Silva, coordenador das campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Eu passo a palavra, agora, ao Prof. Ivo Poletto, que é pesquisador e autor do livro Biomas do Brasil.
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O SR. IVO POLETTO - Bom dia a todos e todas!
Saudando a Senadora Regina Sousa, saúdo também todos os Senadores e Senadoras que trabalham nesta Casa. E, saudando D. Marcony Vinícius Ferreira, saúdo também os representantes mais diretos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e responsáveis pela Campanha da Fraternidade.
Queria fazer uma observação inicial. No livro que disponibilizei, na forma digital, pela internet, no debate que há em relação aos biomas do Brasil, assumi uma perspectiva um pouquinho diferente da que está no documento da Campanha da Fraternidade, que assume, digamos, o que o IBGE propõe como seis biomas no Território brasileiro. Pessoalmente, ouvindo também os clamores dos que vivem e dos que trabalham socialmente nas regiões próximas ao Oceano Atlântico, eu assumo que, no Brasil, na realidade, nós já temos que reconhecer que existem sete biomas, e o sétimo seria a chamada Zona Costeira, porque aí, de fato, há um conjunto de elementos que caracterizam um espaço vital diferente da Mata Atlântica. Então, incorporar toda essa área na Mata Atlântica pode deixar de levar a sério as potencialidades, mas também os limites, dramas e problemas de todos os povos e populações que vivem nessa região próxima do mar, e mesmo todas as formas de vida que penetram até mesmo dentro do oceano. Então, nós precisamos ter uma atenção também particular a esse ambiente de vida que é a Zona Costeira.
Dito isso, eu queria fazer uma breve reflexão, trazendo alguns dos elementos que estão presentes nesse livro que disponibilizei. Quero partir justamente do tema da Campanha da Fraternidade deste ano: biomas brasileiros e defesa da vida como prática da fraternidade. Nada mais humano, nada mais político, nada mais religioso, nada mais ecumênico, nada mais cristão para quem quer levar a sério a mensagem cristã. Trata-se de agir a partir da real relação entre os biomas e a vida; a partir da situação dos biomas e da real situação em que se encontram os povos; a partir da real possibilidade de os biomas do Brasil continuarem jardins, berços vivos e fontes de vida para as pessoas humanas e para todas as formas de vida.
A publicação do livro já citado, Biomas do Brasil: da exploração à convivência, é disponibilizada a todas as pessoas e, portanto, também aos Senadores, aos Deputados Federais e a todas as pessoas aqui presentes. Sintetizo ali minhas reflexões pessoais e também coletivas sobre o sentido da existência desses biomas em nosso País. Trata-se de examinar se, ao tomarmos decisões sobre nossas práticas de relação com a Terra, alguma vez o fizemos prestando atenção ao ambiente vivo e fonte de vida que não foi criado por nós, e que, portanto, o recebemos de presente da Mãe Terra, e para os que orientam a sua vida de forma religiosa, do espírito criador de Deus.
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É isso mesmo, o ponto de partida da existência de todas as formas de vida não é a ação humana. Por mais que isso pareça evidente, práticas humanas, de modo particular, nos últimos três séculos e mais exatamente nas últimas seis ou sete décadas, revelam o contrário. Elas desconhecem ou fazem de conta que os 4 bilhões de anos que a Terra levou para criar o ambiente vital oferecido gratuitamente à espécie humana não é fator que deve ser levado em conta na hora de colocar em prática o que se considera direito humano exclusivo, o direito, o denominado direito ao crescimento econômico sem fim, sem limites.
Examinemos isso mais atentamente, e para isso tomemos o bioma Cerrado, no qual vivem milhões de pessoas e está o próprio Distrito Federal e as instituições públicas do Estado brasileiro. Mas, antes de falar desse bioma, precisamos nos dar conta de que a Terra, nos longos 4 bilhões de anos de sua existência e de seu processo evolutivo, não criou condições para a existência da vida de forma linear, igual em toda a superfície, tanto nos mares, nas águas, nos rios e nos lagos, quanto nos continentes terrestres, respeitando a quase infinita possibilidade de relações entre os elementos necessários para o surgimento e a reprodução de, mais uma vez, as quase infinitas diferentes formas de vida, gerou diferentes ambientes vivos e fontes de vida, territórios que hoje denominamos biomas. Por isso, o Cerrado é um ambiente vivo e fonte de vida diferente dos demais, um berço único que não se repete.
Amigos e amigas, o bioma Cerrado existe há, pelo menos, 35 milhões de anos e, portanto, seu solo, sua cobertura vegetal e florestal, sua biodiversidade, seu regime de chuvas dividido em tempos de chuvas intensas e tempo seco, seu clima seco, seu subsolo rico de lençóis freáticos e aquíferos, tudo isso o faz um dos biomas mais antigos da Terra e um bioma dos mais ricos em biodiversidade, mas faz também que ele seja um bioma maduro com imensas dificuldades de se recuperar no caso de serem destruídos seus elementos que o constituíram e o mantêm um ambiente vivo e fonte de vida.
A pergunta que não quer e nem pode ser calada é esta: essas características do bioma Cerrado foram levadas em conta quando algumas pessoas, ou melhor, algumas empresas estrangeiras e uma ditadura militar tomaram a decisão de implementar os chamados programas de desenvolvimento do Cerrado? E mais, estariam sendo levadas em conta, no capítulo final da série desse Prodecer, que é o atual Matopiba? Mais ainda, foram levados em conta os alertas e gritos dos povos indígenas e quilombolas, dos povos tradicionais do Cerrado e das entidades e movimentos sociais que lutam pela preservação e por outras formas de relação com o Cerrado?
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Se a resposta para essas perguntas é um solene não, será estranho que Brasília e muitas outras cidades do grande Cerrado estejam começando a sofrer com a falta de água? Será estranho que os aquíferos estejam com estoque baixo de água e que, por isso, o planalto em que está o Cerrado não garanta mais as nascentes das bacias vitais do Brasil e da América do Sul, de que depende a vida e a reprodução da vida dos biomas vizinhos, como a Caatinga, que é semiárida, a Amazônia, o Pantanal e até a Mata Atlântica, a Zona Costeira e o Pampa?
Nada disso é estranho para quem se relaciona com a vida a partir da história da Terra, a grande mãe da vida, gerada, mantida e reproduzida através de seus biomas. Como experimentamos todo dia, para manter-nos vivos e com energia para trabalhar, criar arte, organizar festas, orar, visitar pessoas, passear, etc., precisamos que todos os órgãos do nosso organismo funcionem de forma harmônica. Quando um dos órgãos passa a considerar-se mais nobre que os demais e quer impor seu ritmo a todos os demais inicia-se uma grande confusão. Imaginemos que o cérebro, por exemplo, declare-se independente e queira funcionar sozinho em relação com os demais órgãos. Ele perderá toda sua pretensão, ficando sem sangue e sem condições de recuperar-se. Da mesma forma, a Terra precisa de tudo que foi criado em cada bioma para garantir sua existência, inclusive uma presença realmente inteligente do ser humano.
Levando a sério a informação do maior conhecedor do Cerrado, o Sr. Altair Barbosa, de que só restam em tomo de 5% da cobertura vegetal originária, de que ela foi cortada e queimada para implantar imensas monoculturas agropecuárias, de que o solo foi corrigido e de que todo o processo de produção depende de produtos químicos e venenos, é possível entender que a vitalidade e a capacidade de gerar vida do Cerrado estão gravemente ameaçadas ou destruídas.
Uma das consequências é que as águas das chuvas, que já caem em menor quantidade, já não conseguem alimentar os lençóis freáticos e os aquíferos, e isso é percebido na diminuição das águas que o planalto em que está o bioma Cerrado distribui para os demais biomas e regiões. Ele já não é o berço das águas como foi durante milhões de anos. E se não mudar a relação humana com ele, pode entrar num processo irreversível de perda de vitalidade e entrar em uma desertificação progressiva.
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Vale destacar que as chuvas do Cerrado, assim como as da Mata Atlântica, do Pantanal, do Pampa e mesmo da Caatinga, sempre contaram com o apoio amigo do bioma Amazônia. A umidade produzida nesses biomas foi reforçada pela grande quantidade de umidade trazida até eles pelos rios voadores que chegavam da Amazônia depois de mudarem de direção ao encontrarem-se com a Cordilheira dos Andes. Mas, nos últimos anos, todos esses biomas começaram a viver os dramas da falta de água. A que se deve essa mudança climática ameaçadora?
Lembremos que a cobertura vegetal da Mata Atlântica, do Cerrado, da Caatinga está cada vez mais baixa, chegando a 5%, 7%, e a própria Amazônia já tem devastado mais de 20% de sua cobertura vegetal. Isso significa um território igual a três vezes toda a área do Estado de São Paulo. Isso significa que alguns biomas quase não produzem mais umidade, e sua dependência dos rios voadores amazônicos aumenta perigosamente. Mas a Amazônia também diminui a geração dos rios voadores, e isso tem tudo a ver tanto com a repetição de anos de seca no próprio bioma quanto com a diminuição das chuvas no Centro-Oeste, no Sudeste, no Sul e com o aumento dos períodos de seca no Nordeste.
Tendo tudo isso presente, se o Senado Federal quiser defender a vida humana e todas as demais formas de vida, não pode continuar tomando decisões, aprovando leis, mudando a Constituição sem ter presente o que as práticas implementadas ou legitimadas provocarão na vida e na capacidade de reprodução da vida de cada um dos biomas do Brasil. Não é possível continuar esquecendo que os seres humanos, por mais poderosos que sejam, por mais que se apropriem de conhecimentos e tecnologias, não criaram nem criarão um novo planeta Terra. O que já fizeram e continuam fazendo, numa velocidade cada vez maior, é alterar em proveito próprio, atendendo aos seus interesses, os elementos criados ao longo do processo evolutivo da Terra e que deram origem e reprodução dos biomas como jardins vivos e geradores de vida.
Não podemos esquecer: se alteramos ou impedimos os processos vitais dos biomas, todos os seres vivos, e principalmente nós a frágil espécie humana morreremos antes da hora. Criando novos termos, o "biomicídio" ou "biomacídio" leva ao "humanicídio", leva à morte da própria humanidade. Se por acaso ainda não estão convencidos disso, procurem escutar a Terra, escutar seus gritos de dor, pois ela, como nos fala o apóstolo Paulo na carta aos Romanos, está em dores de parto e já não consegue gerar a vida por causa dos que a dominam e exploram.
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Que o Senado brasileiro, por isso, dê apoio a algumas das sugestões que apresento aqui reconhecendo, portanto, e defendendo os territórios e as formas de vida dos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais como guardiães da floresta; trabalhando, aprovando legislação e exigindo políticas eficazes em favor do fim da derrubada das florestas e das coberturas vegetais dos biomas brasileiros; favorecendo políticas efetivas e prioritárias de recriação da Floresta Amazônica e da cobertura vegetal originária em todos os espaços possíveis de todos os biomas; favorecendo a produção de alimentos em cooperação com a natureza de cada bioma; apoiando a recuperação de sementes, plantas, árvores frutíferas e até de animais típicos de cada um dos biomas - isso significa reconhecer e promover processos de agroecologia, com descontaminação dos solos e com produção consorciada em sistemas agroflorestais -; favorecendo o cuidado máximo e amoroso com tudo o que tem a ver com o ciclo da água, desde a recuperação de nascentes e das matas ciliares de córregos e rios, passando pela descontaminação de córregos e rios e, para isso, pela coleta e tratamento adequado de esgotos e lixos, pela eficiência dos serviços de distribuição das águas tratadas e de todos os usos de águas de irrigação - isso deve ser reforçado pelo incentivo à captação de águas da chuva e filtragem de águas servidas para uso no sistema sanitário e outros usos domésticos que não exigem água tratada -; incentivando a produção local de energia, utilizando a infraestrutura dos telhados para produzir energia solar fotovoltaica, térmica e eólica de pequeno porte, diminuindo a perda de energia no transmissão de longas distâncias, diminuindo as agressões à vida nos biomas com a construção de grandes hidrelétricas, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa ao deixar de produzir energia através de termelétricas a carvão, diesel e gás; incentivando a transformação dos sistemas de transporte urbano com a decisão de dar prioridade aos meios massivos de transporte e com uso de energia elétrica, de preferência gerada a partir do sol e de outras fontes efetivamente renováveis; incentivando, finalmente, um processo de educação da população que recupere o amor pela Terra, pelo bioma em que cada pessoa vive, fazendo com que as atividades rurais e urbanas sejam manifestações carinhosas com a Terra, para que ela nos mantenha vivos em biomas vivos e geradores de vida.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada, Prof. Ivo Poletto. Não errei quando disse que nós iríamos ter uma aula sobre biomas.
O Senador Paulo Rocha se encontra conosco. Quer usar a palavra?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Paulo Rocha, do PT, do Pará.
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Primeiro, eu queria saudar, Presidenta, pela oportuna sessão solene, com a presença da CNBB.
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A CNBB, nos últimos tempos, tem promovido as Campanhas da Fraternidade. São campanhas que estão sintonizadas com os problemas do Brasil, mas principalmente com os problemas por que passa o nosso povo. Esta, mais oportuna que qualquer outra, trata da questão da vida humana, e envolve a questão ambiental, a questão da floresta.
Eu venho lá da Amazônia. Sou de uma família muito pobre do interior. Aliás, queria falar aos nossos religiosos aqui que... Queria tratar da questão da oportunidade, porque essas campanhas estabelecem a oportunidade de o próprio Brasil discutir os seus temas mais prementes. E, quanto à questão da oportunidade - como a gente costumava chamar lá, a nossa Madre Igreja -, hoje eu sou Senador da República por causa da oportunidade que a Igreja me ofereceu de sair lá do meu interior, de uma família muito pobre. Fui para a cidade grande, lá me formei operário, e acabei seguindo o processo da luta sindical, da luta política e virei Senador. Mas foi a Igreja que me oportunizou.
Aliás, Bispo, como curiosidade, eu fui sacristão - como se chamava na época - de um padre. Acho que ele é conhecido na Igreja toda do Brasil, porque ele está em investigação para processamento da sua canonização. Chamava-se Monsenhor Edmundo Igreja. Naquela época a gente ainda rezava a missa em latim, e o celebrante ainda ficava de costas para o público. Pois foi esse Monsenhor que me oportunizou, e acabei virando operário.
Então, desde esse tempo tenho a minha luta voltada para dentro da Amazônia. Todo mundo sabe - o Dr. Ivo deve saber - que o Pará, principalmente, era campeão da disputa pela terra, exatamente com esta visão de os devastadores chegarem e se apoderarem da estrutura da terra, expulsando os pequenos e verdadeiros donos da terra, os índios etc. E acabei sendo, vamos dizer, uma das lideranças desse processo da resistência.
Então eu queria saudar a campanha, mas, ao mesmo tempo, dizer, Bispo, Dr. Ivo, que, principalmente nas nossas regiões, na Região Amazônica, nesses biomas, eu acho que já houve evoluções, a partir da ciência e das pesquisas, nessa questão de se discutir o tal do desenvolvimento sustentável, respeitando a questão ambiental, mas promovendo o desenvolvimento dentro das pesquisas, das técnicas e do processo, para poder também arrancar da floresta a questão da proteção à vida humana.
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No entanto, o Estado brasileiro é que fica distante desses espaços: acaba criando registro ou arcabouço jurídico, mas não se faz valer lá, porque falta a presença do Estado. Na Amazônia é muito isto: há uma ausência do Estado brasileiro no processo não só de políticas públicas para poder criar as condições de qualidade de vida para o cidadão, mas também a presença do Estado como instrumento inibidor desse processo de devastação ou da destruição dos nossos biomas etc.
Acho que é muito oportuno, principalmente, fazer esta sessão no Senado Federal para chamar a atenção dos nossos Senadores, que são os verdadeiros representantes dos Estados e da Federação, para criar instrumentos e políticas de governos que possam, digamos assim, assegurar com que, na evolução do processo de desenvolvimento, seja assegurada essa questão da sustentabilidade criando condições de proteção ambiental, proteção da terra, mas, ao mesmo tempo, criando as condições de qualidade de vida humana nas nossas regiões.
Parabéns, Presidenta Regina, pela sessão. E parabéns à CNBB, com a campanha da fraternidade, sempre oportuna nos graves e grandes problemas do nosso País.
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada, Senador Paulo Rocha, que conhece bem os problemas do bioma da Amazônia.
A gente caminha agora para o encerramento. Quero agradecer ao Padre Paulo Renato que é Assessor Político da CNBB e que ajudou a organizar a sessão.
Quero ler um trecho da carta de D. Sérgio. Ele não pode vir porque tinha um compromisso agendado. D. Sérgio Rocha foi Arcebispo na minha cidade, em Teresina, e ele escreve aqui um agradecimento, mas vou ler só o final. Ele diz:
[...] Pela sua natureza e pela complexidade das questões abordadas, a Campanha da Fraternidade necessita sempre de parcerias, de reflexão e de ação conjunta. A preservação dos biomas e a defesa dos povos originários, em pauta neste ano, exigem a participação do Poder Público, a ação efetiva do Governo e dos órgãos públicos. A abertura das portas do Senado Federal para homenagear a Campanha da Fraternidade é motivo de esperança e sinal de compromisso com a preservação de nossa casa comum, representada pelos biomas. Os biomas, dons do Criador, sejam acolhidos com gratidão, e cuidados com responsabilidade!
Desejo a Vossa Excelência e a todos os participantes dessa Sessão, as copiosas bênçãos de Deus.
D. Sérgio da Rocha, Cardeal Arcebispo de Brasília.
Quero agradecer ao D. Marcony, ao Padre Luís Fernando e ao Prof. Ivo Poletto por essa...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Quero registrar a presença do Deputado Flavinho, do PSB, de São Paulo. Muito obrigada. Infelizmente - vamos ter sessão aqui agora -, estamos caminhando para o final. Quero agradecer muito a sua presença.
E, nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta sessão solene.
(Levanta-se a sessão às 10 horas e 43 minutos.)