3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 8 de maio de 2017
(segunda-feira)
Às 11 horas
58ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A presente Sessão Especial destina-se a celebrar a passagem do centésimo ano da Revolução Pernambucana de 1817, nos termos do Requerimento nº 110, de 2017, de nossa autoria e de outros Senadores.
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Convido para a composição da Mesa, desde já agradecendo a aceitação do nosso convite e a gentileza de suas presenças, o Prof. José Luiz Mota Menezes, arquiteto e doutor em História da Arte, membro da Academia Pernambucana de Letras.
Convido também o Prof. Vamireh Chacon, doutor em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do Recife e também pela Universidade de Munique, na Alemanha, com pós-doutorado na Universidade de Chicago, Estados Unidos.
Convido o Dr. Leonardo Dantas Silva, conselheiro e consultor do Instituto Ricardo Brennand, Recife, e membro efetivo do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
Convido o Dr. Paulo Santos de Oliveira, jornalista, escritor, autor dos romances históricos A Noiva da Revolução, sobre a república nordestina de 1817, e o General das Massas, sobre o General Abreu e Lima.
Convido o Sr. Dr. George Félix Cabral de Souza, Presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, doutor em História pela Universidade de Salamanca, na Espanha, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco e acadêmico honorário da Academia Portuguesa de História.
Convido o Sr. Dr. Flávio José Gomes Cabral, doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco, professor de história do curso de graduação e do programa de mestrado profissional de História da Universidade Católica de Pernambuco e atual coordenador do curso de História da referida universidade.
Convido o Sr. Dr. Luiz Carlos Villalta, doutor em História pela USP, professor de história do Brasil colonial e de práticas de ensino da Universidade Federal de Minas Gerais e professor da Universidade Federal de Ouro Preto, também em Minas Gerais.
Ao Sr. Ricardo Mello, da Companhia Editora de Pernambuco, quero agradecer por nos ter ajudado com as gravuras sobre a Revolução Pernambucana de 1817.
Agradeço também ao setor de relações públicas do Senado pelo importante e indispensável apoio, bem como a todas as equipes de assessoria envolvidas neste trabalho.
Estamos aqui no aguardo do Ministro da Cultura, Roberto Freire.
Também gostaria de anunciar aqui as presenças do representante do Governador do Piauí, Sr. Roberto John Gonçalves da Silva, e da Deputada pernambucana, D. Creuza, de Serra Talhada.
É uma alegria tê-la aqui conosco!
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim, de Salgueiro.
Está bom. Fazer essa confusão é grave! (Risos.)
Convido todos para, em posição de respeito, acompanharmos a execução do Hino Nacional e o Hino do Estado de Pernambuco.
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(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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(Procede-se à execução do Hino do Estado de Pernambuco.)
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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado e pelas redes sociais, esta sessão solene é uma oportunidade de um justo reencontro com a história. É uma oportunidade de grande significado para tomarmos lições do passado, entendermos melhor o nosso presente e termos mais base para projetar com altivez o nosso futuro.
É uma oportunidade de revisitar a Revolução Pernambucana de 1817, um movimento libertário amalgamado pela coragem de um povo que não aceitou os arreios impostos pelo governo colonial de D. João VI. Ficou conhecida como a "Revolução dos Padres", porque tem boa parte de sua origem creditada ao Seminário de Olinda, na época recém­criado sob ideias iluministas e libertárias, mas também dos maçons, dos senhores de engenho, dos militares, artesãos, juízes. Mas foi, sobretudo, uma revolução do povo pernambucano.
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Questões econômicas e sociais estão na origem desse movimento histórico de emancipação. Pernambuco, que era uma das capitanias mais ricas do Brasil Colônia, sobretudo pela cultura do açúcar, era forte e pujante. Mas era, igualmente, a que mais transferia riquezas para a Corte. No Rio de Janeiro, a riqueza produzida em Pernambuco custeava as mordomias da Família Real e os dispendiosos serviços públicos, como a iluminação pública do Rio, que Pernambuco bancava sem que dispusesse do mesmo serviço.
As fortes reações da Europa contra a escravidão foram outro fator que acelerou, entre os revolucionários pernambucanos, a necessidade de uma reação imediata ao cárcere dos negros no País, muito embora o movimento não tenha cogitado abolir a escravidão, chegando até mesmo a tranquilizar os produtores rurais quanto à inviolabilidade dos escravos de sua propriedade.
Ao mesmo tempo, a capitania sofria os dramáticos efeitos de uma seca monumental, como foi a de 1816, que atingia as culturas agrícolas basilares do açúcar e do algodão. A sede e a fome se juntaram à indignação e à revolta com o rumo que as coisas seguiam. Tomava forma o cenário para a revolução.
O embate contra a opressão e contra a injustiça, também fincado nos ideais políticos de "igualdade, fraternidade e liberdade" da Revolução Francesa de 1789, ganhava, naqueles tempos, contornos que impulsionariam os pernambucanos para uma reação firme e corajosa, revolucionária. Ali se fortalecia o espírito de luta contra injustiças que acompanharia os pernambucanos até os dias de hoje.
Em1817, foi a revolução liderada por Domingos José Martins, pelos padres Roma e João Ribeiro, pelo Vigário Tenório. Iniciou na luta a lendária figura de Frei Caneca, que, sete anos depois, liderou a Revolução de 1824. Foi a revolução de Antônio Gonçalves da Cruz, o Cruz Cabugá, e de Gervásio Pires. Do advogado José Luís de Mendonça, do capitão Domingos Teotônio Jorge, do fazendeiro Manuel Correia de Araújo. Foi a revolução do capitão José de Barros Lima, o lendário Leão Coroado, cujo gesto de reagir e matar o comandante opressor que fora a Pernambuco prendê-lo "em nome do Rei" consolidaria o início do movimento, no dia 6 de março.
É importante destacar que foi a única revolução emancipacionista que saiu da conspiração para a vitória, sendo vista com simpatia e respeito por governos estrangeiros. Foi o caso dos Estados Unidos, que haviam instalado o seu primeiro consulado no Brasil e chegaram a receber uma missão do governo provisório e revolucionário liderada por Cruz Cabugá. Foi o caso, também, dos capitães franceses de Napoleão Bonaparte, que, nos planos de resgatar o seu lendário general do exílio na ilha de Santa Helena, tinha Pernambuco libertado como ponto de passagem para levá-lo até a cidade norte-americana de Nova Orleans.
A Revolução de 1817 também foi um movimento integrado ao seu tempo. Não só na Europa as guerras revolucionárias tomavam vulto. Aqui no continente, vários países passaram por experiências libertárias, como o Haiti, cujos próprios escravos declararam a independência em 1803, o Paraguai, em 1811, a Argentina, em 1816, e várias províncias espanholas a partir dos anos de 1820.
No Brasil, teve a adesão de praticamente todas as províncias nordestinas, em especial da Paraíba e do Rio Grande do Norte, mas também do Ceará. Enfrentou as forças da Bahia, que, junto com as do Rio de Janeiro, foram enviadas às terras pernambucanas por ordem do rei, que determinou o enfrentamento feroz e sem tréguas.
Vivemos, neste momento, a lembrança de um período em que a história do nosso País se enriquece e se engrandece.
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Há 200 anos, surgia no cenário brasileiro uma "nova Roma de bravos guerreiros", como bem diz um dos versos do Hino de Pernambuco, ou o Leão do Norte, como nosso Estado ficou conhecido ao longo dos anos, sendo cantado recentemente pelo compositor e poeta Paulo César Pinheiro e pelo seu parceiro, o músico pernambucano Lenine, numa canção que também já virou uma espécie de nosso hino extraoficial.
Fôssemos um País de mais memória, o Brasil inteiro, não somente Pernambuco, estaria comemorando, neste momento, uma de suas datas mais significativas. Longe de ser um simples movimento nativista, a Revolução Pernambucana de 1817 foi um ato histórico da maior relevância. Afrontou a Coroa Portuguesa e, por um período, derrotou-a. Historiadores estão aí para analisar a questão, mas foi um movimento que, pelos seus motivos, ajudaria a desaguar na Independência do Brasil, que viria a chegar cinco anos mais tarde, em setembro de 1822.
Foi quando Pernambuco tomou nas mãos o destino de uma região inteira, inconformada com a servidão política e com a cobrança extorsiva de impostos, quando se ergueu "a terra dos altos coqueiros", a mesma que, em 10 de novembro de 1710, já havia se feito República com o brado de Olinda, onde foi instituído o primeiro Senado, e que viveria, sete anos mais tarde, um "desdobramento" libertário por meio de Frei Caneca, na Confederação do Equador, em 1824, o mesmo Frei Caneca também herói da Revolução que hoje aqui saudamos em seu bicentenário.
A pernambucana foi a única revolução anticolonial que logrou êxito no Brasil, a única que venceu, mesmo que temporariamente, mesmo que por apenas 75 dias, quando a força desproporcional da Coroa suplantou o movimento. Nesse curto tempo de Governo Provisório, foram reduzidos os impostos, foram postos em liberdade presos políticos, foram valorizados os soldados da Capitania, ações que renderam forte empatia popular. É a Revolução de 1817 um marco não só para a história do nosso Estado, mas para o sentimento de valorização que constitui uma verdadeira marca do seu povo.
Costuma-se dizer, lá na minha terra, que o pernambucano é quem detém o mais arraigado orgulho "em linha reta" do universo. Uma das rádios de lá, a Jornal do Commercio, adotou até hoje o slogan, famoso e nada modesto: "Pernambuco falando para o mundo". A bandeira azul e branca, herança direta de 1817, é exibida com altivez e com charme nos carnavais, nos campos de futebol, nas roupas de uso diário dos homens e mulheres. Tudo resulta de um sentimento de amor ao seu Estado e à sua história, plantado por movimentos dos quais a Revolução de 1817 é o mais representativo de todos.
Mais do que esse sentimento, digamos, pátrio, o pernambucano herdou de sua grande Revolução o espírito de luta que sempre o caracterizou, o espírito altaneiro e rebelde, que vai atrás de seus direitos e que luta como um leão pelo que entende ser justo, como o Leão do Norte que é. Um antigo político do nosso Estado, o ex-Governador Manoel Borba, costumava dizer que "o pernambucano só se curva para agradecer".
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A herança de 1817 legou ao Estado esse espírito insurgente, esse sentido de democracia e de combate às injustiças que acompanha suas lutas e seus filhos. Desde sempre, têm partido de Pernambuco movimentos históricos e reações firmes a todo o tipo de tirania e de malfeito: das revoluções coloniais, como o emblemático movimento do qual hoje tratamos, como de vários outros momentos históricos quando seus filhos foram perseguidos, torturados e mortos por lutar pelo que é certo e pelo que é direito.
A luta de 1817 reflete a luta dos últimos tempos, da Revolução de 1930, do movimento de 1935, da resistência ao Estado Novo, ao golpe de 1964, ao golpe do ano passado. Esse é o espírito que, presente em todos os momentos mais dramáticos da nossa história, caracteriza Pernambuco.
Particularmente nesse período iniciado em 1964 que perdurou até a anistia, em 1979, não foi à toa que a repressão em Pernambuco atingiu níveis de barbárie tão alarmantes. Foi um tempo de quadros políticos arrastados a correntes pelas ruas do Recife, de governantes depostos e exilados, de militantes massacrados por causa de suas ideias e desaparecidos. Pernambuco, com o espírito libertário herdado dos seus heróis do passado, sempre foi alvo preferencial dos tiranos, dos ditadores, sejam eles explícitos ou disfarçados de democráticos ou de salvadores da Pátria.
Também nos dias de hoje, os ideais dos revolucionários pernambucanos nos legam o mesmo sentimento, a mesma vontade política e a mesma convicção histórica para lutar contra ideias que atentem contra a liberdade e contra o Estado de direito. Eles nos fazem lutar diante de pautas nefastas, muitas vezes indecentes, que atentam contra o povo e contra as suas conquistas históricas, sejam elas democráticas, sociais ou trabalhistas.
Por tudo isso, precisamos ter a Revolução Pernambucana de 1817 como um momento histórico do qual não devemos apenas nos lembrar e a ele prestar um justificado tributo - como fazemos, hoje, aqui neste Senado -, mas precisamos guardá-la como um balizador de tudo o que ainda temos que enfrentar, males ainda tão presentes, como a exploração econômica, a injustiça social, o ataque aos direitos dos trabalhadores, a existência do trabalho escravo.
Enfim, é preciso ter, em movimentos libertários, como a Revolução de 1817, a inspiração para não permitir retrocessos, para lutar contra todo o tipo de ação que não represente nem respeite os ideais democráticos e a vontade soberana do povo.
Viva a Revolução de 1817! Viva o povo pernambucano!
Muito obrigado a todos e a todas. (Palmas.)
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Quero aqui registrar, com muita alegria, a presença do nosso querido Senador por Brasília, que é também um grande pernambucano, Senador Cristovam Buarque.
Eu queria registrar aqui também a presença dos professores e professoras da Universidade de Brasília, Marcilio de Brito, Maria Alice Guimarães Borges e Salviano Guimarães.
Concedo a palavra... Há algum Senador inscrito? (Pausa.)
Não havendo Senadores inscritos, quero convidar...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Com muita alegria, V. Exª... Vou seguir aqui o protocolo: V. Exª está com a palavra. (Pausa.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia! Bom dia a cada uma e a cada um! Quero cumprimentar inicialmente o Senador Humberto Costa, que teve a iniciativa - e o parabenizo por isso - de fazer esta sessão solene pelos 200 anos da Revolução Republicana de nosso Pernambuco. Cumprimento também o Sr. José Luiz Mota Menezes, de quem assisti a uma belíssima palestra, algum tempo atrás, em que ele recuperou a arquitetura daquela época - um belo trabalho de arqueologia arquitetônica e urbanística; o Sr. George Félix Cabral de Souza, que é Presidente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco; Luiz Carlos Villalta, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais; meu professor Vamireh Chacon, membro da Academia Pernambucana de Letras e professor emérito da Universidade de Brasília; Paulo Santos de Oliveira, escritor pernambucano; o Sr. Leonardo Dantas Silva, historiador e consultor do Instituto Ricardo Brennand, que honra Pernambuco; o Sr. Flávio José Gomes Cabral, doutor em História e coordenador do Departamento de História da Universidade Católica de Pernambuco; todos os presentes. Não posso deixar de citar também o Primeiro Secretário da Embaixada da República da Costa do Marfim, o representante do Governador do Piauí e a Deputada Federal pelo Estado de Pernambuco, Creuza Pereira.
O que significava república 200 anos atrás? Duas coisas fundamentais: independência do Brasil e escolha do dirigente nacional pelo povo. Dois sonhos utópicos de um grupo de sonhadores desvairados que pensavam o que parecia absolutamente impossível: um país da América Latina, o Brasil, independente de Portugal. Já havia movimentos nesse sentido, mas era uma ideia muito distante. Agora, além de ser república e não continuar sendo monarquia, era um sonho muito ousado. É certo que no resto das Américas já se havia conseguido república: nos Estados Unidos já havia; na América Latina, havia em diversos países - Bolívar já estava em plena atividade; mas, no Brasil, era um sonho desvairado. Eram tão fortemente enlouquecidos, como tinha sido Tiradentes, que foram mortos. Deram a vida. E o que é ser republicano hoje? Creio que essa reflexão, meu caro Humberto Costa, é a melhor homenagem que podemos fazer àqueles nossos conterrâneos de 200 anos atrás, que deram a vida.
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Sem ordem de importância no que vou colocar como itens que definiriam um ser republicano de hoje, eu começaria dizendo que tem que ser um humanista, mas um humanista no sentido global, no sentido da humanidade inteira. Não é mais tempo de republicano prisioneiro do seu grupo nacional apenas; não é mais, a meu ver, republicano quem foi isolacionista em relação ao resto do mundo. Ser republicano, no mundo de hoje, exige ser participante da humanidade inteira. Para isso, outro item que deve caracterizar ser republicano é a solidariedade em terra nacional. Não é republicano quem quer uma república e não deixa os imigrantes entrarem nela. Não é plenamente republicano. O republicano é aquele que é capaz de aceitar o desafio de incorporar, nas fronteiras da sua república específica, os seres humanos de onde forem, que precisam de uma pátria, que precisam de um lugar. A solidariedade internacional é uma condição necessária para ser republicano.
Lembrem-se de que os nossos republicanos - o Prof. Menezes pode dizer se estou certo errado - de 1817 conviviam com escravocratas. Havia escravocratas entre eles. Hoje, não se pode imaginar alguém republicano que não seja capaz da solidariedade de reconhecer o direito de cada ser à liberdade, de cada ser ao seu trabalho, de cada ser à sua educação, de cada ser à saúde. Não é republicano. Não é republicano quem não lutar pela distribuição igualitária de, pelo menos, educação e saúde. Até que podemos aceitar - não vejo problema ético nenhum - a desigualdade na roupa, a desigualdade até mesmo no transporte, mas a desigualdade no acesso à educação, a desigualdade no acesso à saúde, essas desigualdades negam a república. Não é republicano aquele que não luta pela igualdade plena no acesso à educação e no acesso à saúde.
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Claro que, depois, uns têm mais saúde que outros, seja pela natureza, pelo DNA, seja pelos cuidados com a sua vida, mas o acesso tem que ser igual. Claro que uns se educam mais do que outros, seja pelo talento, pela persistência, pela vocação intelectual, mas o acesso tem que ser igual. Ser republicano é defender a igualdade plena no acesso à educação e à saúde.
Ser republicano, a meu ver, é ter austeridade republicana. Não é republicano um País que não dá saneamento e faz palácios, seja com recursos públicos, seja com recursos privados também, construindo palácios no lugar de atender à habitação popular, no lugar de atender ao saneamento. Não é republicano o País que faz palácios quando ainda não há casas para todos. Por isso, nós não somos ainda plenamente republicanos. Não é à toa que, aqui, o lugar onde moram os Presidentes e os governadores chama-se "palácio". Nos Estados Unidos, chama-se "casa". Nós não somos ainda plenamente republicanos, porque continuamos com edificações suntuosas em diversos setores públicos, quando, ao redor, não há ainda água e esgoto.
Não é republicano o País onde a política não se faz com ética. A corrupção nega a república. A corrupção é uma característica natural dos impérios antigos, porque, no mundo de hoje, se formos olhar os países onde há mais ética na política, como os países do norte da Europa, veremos que há reis, como é o caso da Suécia, mas eles são mais republicanos, a meu ver, do que nós, que ainda temos essa maldade imperial de ter palácios antes das casas.
Para mim, não é republicano o sistema que não compreende que a gratuidade é paga pelo povo, e, por isso, às vezes, ela é injusta. Nós nos acostumamos a defender que as coisas sejam todas gratuitas, esquecendo-nos de que alguém paga por elas e que, nem sempre, quem se beneficia delas é o povo que paga. Temos que defender a gratuidade para que os filhos do povo adentrem os serviços gratuitos, mas temos que lembrar que o povo está pagando por serviços públicos que servem mais a quem tem acesso a eles por influência, e até por dinheiro, do que o povo em geral. A República exige que saibamos que tudo que é gratuito é pago pelo povo e, por isso, deve servir ao povo.
Não é republicano, para mim, o sistema em que serviços públicos são privatizados e deixam de servir ao público. Mas aqui é preciso lembrar que há duas formas de privatização não muito visíveis. Quando a gente vende um sistema de água potável para uma empresa, é bem visível; mas há uma outra: quando a gente entrega um serviço de água potável aos funcionários daquela empresa estatal, mas que não é pública, porque não serve ao público.
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Nem tudo que é estatal é republicano. Uma república moderna tem-se de entender que ser república é servir ao público, como diz o próprio nome: res publica. Não servir ao público não é republicano, mesmo que seja estatal.
E hoje sabemos que muitos serviços, no Brasil, foram privatizados por pessoas, por grupos, por corporações, por sindicatos, e passaram a servir aos funcionários mais do que aos usuários. Isso não é republicano.
Para ser republicano, é preciso a gente colocar, hoje, o sentimento de equilíbrio ecológico. Não dava para imaginar, em 1817, aqueles nossos conterrâneos desvairados - uso "desvairados" no sentido positivo - pensando no equilíbrio ecológico. Mas hoje, no tempo em que as ferramentas que o homem fez são capazes de mudar o clima, são capazes de inundar áreas, são capazes de acabar com geleiras, danificar a agricultura... No tempo de hoje, um republicano não pode ficar preso só ao presente; tem que olhar a longo prazo. Não pode ficar preso só à produção; tem que olhar o equilíbrio ecológico.
Eu quero concluir, meu caro Humberto, dizendo que, no século XXI, ser republicano exige - e V. Exª tocou nisto em seu discurso - absoluto compromisso com liberdade de opiniões, de imprensa, de credo.
Não é republicano um sistema que tolera corrupção, seja no comportamento dos políticos, seja nas prioridades das políticas. E aqui a gente esquece que, muitas vezes, existe uma corrupção que a gente não percebe, que é a de fazer uma obra sem roubo, para o bolso do político, mas que não serve ao povo, usando dinheiro público. É corrupção usar dinheiro público para fazer obras que não interessam ao povo e não o beneficiam, mesmo que o político ou dirigente não fique com a propina. Existe a corrupção no comportamento, mas existe a corrupção nas prioridades. E a república exige a ética nos dois.
Não é republicano um País que tem uma das colocações mais elevadas na concentração de renda. Não conseguiremos dizer que isto aqui é uma república, enquanto tivermos uma concentração de renda tão vergonhosa como a que temos no Brasil. A distribuição de renda tem que ser um propósito fundamental da república, 200 anos depois daqueles pernambucanos.
Finalmente, eu creio que o resumo de tudo isso é que não é republicano um País onde o filho do rico tem uma escola melhor do que o filho do pobre. E, nesse sentido, as monarquias do norte da Europa são mais republicanas que o Brasil.
O grande lema, hoje, da república deveria ser: o filho do pobre na mesma escola do filho do rico. E que pelo talento, pela persistência, pela vocação, pelo esforço, se diferenciem. Deixem surgir suas diferenças, deixem surgir e realizar suas desigualdades - mas não pela herança. A herança não é republicana. A herança é intelectual, porque compra a escola de qualidade. Por isso, eu resumo dizendo: ser republicano, hoje, é ser educacionista. Ser republicano, hoje, é ter como bandeira que não haverá desigualdade no acesso à escola por causa da renda dos pais ou por causa da localização. Ser republicano é não ter nem CEP, nem CPF, para definir a qualidade da escola de uma criança: o CEP de onde mora, o CPF dos pais. Por isso, do mesmo jeito que aquele desvairados defendiam uma república, quando todo mundo imaginava império, e defendiam independência, quando todo mundo imaginava que continuaríamos colônia, eu continuo insistindo: ser republicano, hoje, é defender que a educação de base seja uma questão nacional, e não municipal, não estadual, porque aí as desigualdades continuarão.
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Ser republicano é querer uma escola republicana em todo o Território e a serviço de todos os brasileiros, não importa a renda dos pais nem a cidade onde mora.
Eu creio que essa é uma proposta, um sonho. Outros devem existir. E temos, hoje, um bom momento para lembrar daqueles pernambucanos, graças à iniciativa do Senador Humberto Costa, a quem eu agradeço, concluindo.
Muito obrigado, Senador Humberto Costa, por trazer aqueles pernambucanos, nossos conterrâneos, para esta tribuna, este plenário, lembrando-se do esforço deles, da luta deles, dos sonhos deles, da coragem deles, e lembrando que eles deixaram ainda muita coisa para nós fazermos, como ser republicanos nos tempos de hoje, com as características que ser republicano significa hoje, como eu coloquei que é a minha maneira: com solidariedade internacional, reconhecendo a necessidade de proteger a ecologia, garantindo educação e saúde igual para todos, a liberdade plena de expressão de imprensa, a ética na política. Isso é ser republicano hoje; isso é dar continuidade aos sonhos daqueles velhos, que deram a vida lutando para que o Brasil fosse uma república e que nos deixaram ainda a tarefa de construir esta República, que ainda não está feita.
Muito obrigado, Senador Humberto Costa.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu que agradeço a V. Exª pela sua presença e também pela manifestação tão lúcida que fez nesse momento. Muito obrigado, Senador Cristovam.
Eu queria também agradecer ao Presidente do Senado Federal, Senador Eunício Oliveira, que aqui esteve mais cedo, pelo seu apoio integral à realização desta sessão, momento em que aproveito para desejar-lhe um pleno restabelecimento.
Vamos então, agora, ouvir nossos convidados.
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Eu queria começar chamando o Professor do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, Dr. George Félix Cabral de Souza.
O SR. JOSÉ LUIZ MOTA MENEZES - Senador Humberto Costa, expresso o agradecimento de Pernambuco pela memória de um feito que, como disse o Prof. Cristovam, meu querido amigo, ainda estamos por construir, ainda estamos para mudar.
Em primeiro lugar, devo agradecer a lembrança do meu nome e até a vontade de que eu falasse pouco. André, ao me convidar, disse: "São quatro minutos." Ora, os revolucionários de 1871 tiveram 70 dias e muito fizeram. Vou tentar dizer alguma coisa aos senhores nesses poucos minutos. Não sei se conseguirei ou se, depois, serei sentenciado ao suplício. Mas vou tentar.
A minha posição, diante dos acontecimentos da Revolução republicana de 1817, não é bem aquela dos historiadores que, nesta Mesa, estão reunidos. Inclusive, agradeço, na oportunidade, o introito muito bem realizado por Humberto Costa, pelo feito de que ajudou o que vou dizer, que não é nada do que ele disse.
Sempre tenho dito a quem me interroga sobre assuntos de História que não sou historiador. Exerço bem ou mal a Arquitetura. Ensinei, por muitos anos, a olhar os acontecimentos históricos à luz dos lugares onde estes ocorreram. Neles estão presentes os homens e suas aspirações. Esta Casa e estas paredes são testemunhas de tudo quanto aconteceu neste Brasil, desde quando foi criado este espaço por Oscar Niemeyer.
Eu vinha, com mais frequência, por sete anos, a Brasília. Nesse período de tempo, participei dos Conselhos, sucessivamente, de Engenharia e Agronomia e de Arquitetura e Urbanismo. Nenhuma cidade brasileira melhor se presta à política e aos célebres bastidores. É uma palavra fantástica da mídia! Mal se inicia a falar de Brasília, a menina aparece bonitinha: "Os bastidores de Brasília." Isso é dito como se Brasília, na realidade, fosse, toda ela, envolvida por uma série de conspiradores.
São ambientes circulares, praças, ruas, onde as moradias se voltam para pátios internos, desejados para o viver. Entre os cenários das moradias da gente de Brasília, eram estas as célebres - hoje esvaziadas - superquadras.
Brasília tem uma inter-relação muito forte: é uma cidade realizada para a política; é uma cidade realizada para que aconteçam aqui as decisões políticas. O caráter dela está intrinsecamente atrelado a isso.
Situando-os na mesma maneira daquela antes citada, de olhar os acontecimentos em função dos lugares, eu olho os revolucionários de 1817 e suas razões e percebo o quanto um e outro assentamento urbano estão ligados quanto à maneira de viver política; o quanto Pernambuco, a Vila do Recife está aproximada, quanto à sua estrutura, da cidade de Brasília, não no sentido urbanístico, mas no sentido do significado político.
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Em 1817, a Vila do Recife refletia, e muito bem, as inovações ideológicas, políticas e tecnológicas do século XIX. Nisto estavam presentes desejos de mudanças. A Revolução de Pernambuco, como tem sido chamada, representou bem essas inovações e os desejos ora vivenciados, talvez expressos na aceitação de três palavras que conduziram as revoluções que estavam em curso no mundo: liberdade, igualdade, fraternidade. Nesse sentido, eu diria ao meu amigo Cristovam Buarque que a República contextualizada, como foi a daquele período, está consignada dentro desses princípios, embora esses princípios não estivessem presentes em todo o componente da sociedade; estavam em alguns, mas não estavam em todos, o que era muito natural e muito lógico àquela altura. E mais ainda: há um princípio fantástico que estava presente entre os revolucionários de 1817: o princípio da ética, ao qual se associava o da moral.
Quando encerrada a Revolução e perdida a Revolução, os recursos retirados do Erário foram devolvidos para o poder constituído - no caso, absolutista.
Todos esses conceitos expressos em tais palavras existiam contidos nas leis existentes e deveriam participar do convívio entre dominadores e dominados, mas nunca foram exercidos pelo estado absolutista. É uma coisa singular.
Havia um amigo meu, Berguedof Elliot, que dizia que o Brasil é um baú de leis, mas quase nenhuma cumprida. Então, se nós abrirmos os - eu tenho, até pedi ao Senador... Eu, às vezes, quero chamá-lo de Humberto, pela amizade - livros sobre esse aspecto... Porque eu tenho livros. Tenho as leis extravagantes, tenho as ordenações do rei, tenho as ordenações filipinas. Em todas elas, a relação rei e sociedade é maravilhosa. Estão descritos os direitos de todos, e nenhum direito era respeitado pela tirania absolutista. Então, parece muito com o que acontece no nosso presente: leis demais, cumprimento nenhum.
Em 1817, no dia 6 de março, um domingo, a Vila do Recife foi acordada, conforme um dos testemunhos da revolução, Louis-François Tollenare-Gramez. Infelizmente só se conhecem esses três nomes. Ele é da família Gramez, com brasão d'armas. Em suas anotações, ele descreve: "A 6 deste mês teve lugar uma revolução bem inesperada." É uma palavra também... Eu gosto muito, no contexto, da palavra "bem inesperada". É porque não havia uma relação entre os conceitos defendidos pelos revolucionários e aqueles do restante da gente. Querer, por exemplo, que o sujeito que era quase semianalfabeto, que vivia atrelado ao poder constituído, pudesse pensar em liberdade? Querer que até o próprio escravo que se acomodou à escravidão pensasse em liberdade? Querer que houvesse a participação de caixeiros, a participação... Não! O poder existente era o poder de uma elite, de uma figura constituída exatamente às bases do poder estabelecido.
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Então, é difícil dizer que haveria uma revolução em Pernambuco, senão a revolução de poucos. Não era uma revolução como aquela, francesa, em que o povo saiu à rua para derrubar uma bastilha em que só havia um preso só. Mas era uma ideia.
Todos esses conceitos expressos em tais palavras existiam contidos nas leis. Não eram absolutamente respeitados.
Então, nosso Tollenare continua dizendo: "O estandarte da independência foi levantado; as tropas colocaram-se em volta dele." Esse é um ato fantástico, teatral! Eu lembro o meu amigo Paulo, num dia em que escreveu uma peça. Isso é um ato. Todos se levantam e ficam em torno. É como se dissesse: "Nós estamos aprovando." Não! Eles estavam aprovando o ato do brigadeiro morto, que estava exatamente contestando a relação entre tropas. Era um motim, mas um motim em que estavam exatamente pessoas vinculadas às conspirações existentes e em trama nas lojas maçônicas.
Independência: palavra usada por Tollenare. Não é a independência que surge depois; é uma independência bem diferente, conceitualmente: independência do absolutismo e de Portugal - embora todos se considerassem portugueses no Brasil.
E ele continua: "A fuzilaria empenhou-se em diversos pontos da Ilha de Santo Antônio, e o sangue correu ainda aos gritos reverenciados de 'Viva a Pátria". "Viva a Pátria"... Então, por que esse sentido de Pátria surge em Pernambuco? Porque foi a única oportunidade na história brasileira em que Guararapes foi à defesa do território brasileiro. Só Fernando Vieira - que não era uma boa peça, desculpem-me os historiadores - é que escreve dizendo-se autor de tudo e faz com que Manoel Calado ponha, na boca de Cardoso, a boca dele. Era um tratante - desculpem-me a verdade. Mas ele, em termos de "independência", em termos de "viva a Pátria" e em termos de "inesperada", define bem três palavras, define bem o que aconteceu.
Muniz Tavares assim nos informa: "A Revolução de Pernambuco, em 1817, bem que mui pouco durasse, fará sempre época nos anais do Brasil. Tempo virá, talvez, em que o dia seis de março, no qual ela foi efetuada, será para todos os brasileiros um dia de festa nacional." São três palavras: inesperada, independência e pátria. Depois há mais uma, que surge com Muniz: o conceito de memória.
Quer dizer... É fantástico, porque um descreve o que ocorre e usa três palavras que definem uma revolução; o outro descreve a necessidade da memória, porque a memória constrói a história, mas nos dá a autoconfiança; ela nos dá exatamente aquela coisa que diz: "Somos, estamos, faremos!" Os acontecimentos, as razões e os lugares. E essa última das palavras deixa para mim as duas outras: 1817 e qual aquela maneira de ver um quadro ou uma cidade. Tenho de entender a frase com somente um modo de aperceber cada palavra interligada. Recife, suas praças, ruas e os lugares de viver, nos parece, permitiram, e bem, as ações e os bastidores da conspiração da qual resultou a revolução.
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A cidade e os homens de 1817 estariam assim, para mim, diante da mesma relação do hoje vivido em Brasília. A vida do Recife, nas suas dimensões, não era tão pequena, mas nela as edificações estavam unidas umas às outras, e todos se conheciam. Todos se conheciam! Estava situada a gente nas moradias, e elas, juntas, daquela forma e localizadas em ruas estreitas, permitiam, quais os corredores deste Congresso, a troca das ideias.
Vejam que os Srs. Senadores ficam enclausurados aqui dentro, nesse círculo e nesses corredores, nesses labirintos, o que permite a interlocução, o que permite a conspiração, na linha direta da mídia, dos bastidores.
Então, elas vieram à tona, vindo do restante do mundo por meio da maçonaria, do iluminismo e das mudanças resultantes da queda do antigo regime. Mudar, mudar, e mudaram!
Vejam como é interessante: é como se fosse um grupo de padres, um grupo de negociantes insatisfeitos com os impostos, conforme esclareceu muito bem Humberto Costa, e finalmente os soldados. Três classes fortes. Não eram revolucionários inocentes do que estavam realizando, considerando o poder da Corte. Isto é uma coisa incrível: eles não eram inocentes. O José Luiz de Mendonça mesmo chama a atenção do Domingos José Martins e diz: "Vamos lá, vamos procurar, vamos debater." Ele disse: "Não, temos que ir em frente". E escreve-se o "preciso" quase a pulso - desculpem-me, meus queridos historiadores.
Então, duas outras palavras vão se somar às que me referi anteriormente: ideal e prática. Esse ideal mais forte do que a morte esperada. É disto que precisa este País: ideal, mesmo com a morte. Que se cumpra, que se faça.
Não eram revolucionários inocentes do que estavam realizando considerando o poder da Corte.
Então, duas outras palavras vão se somar às que me referi anteriormente: ideal e prática, esse ideal mais forte do que a morte esperada. Repito porque é mais do que importante que isso seja entendido em toda sua plenitude.
Os revolucionários de 1817 estavam conscientes do que faziam. Em 70 dias, organizaram um governo por meio de uma lei orgânica. Em 70 dias, constituíram um governo representativo da sociedade daquele momento. Havia representantes do clero, dos negociantes, da agricultura, do jurídico. Quer dizer, era um pacto! Era um pacto que se poderia considerar como um pacto dentro da contextualização histórica.
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Em 70 dias, efetivaram o desejado e, depois, com a morte dos líderes, construíram, da mesma maneira que o cristianismo, a simbologia do martírio. Esta, aliada aos conceitos anteriores, eternizou todo o ideário da revolução.
O martírio é ótimo. Dizia um amigo meu: "É muito bom que me deem pancadas; ruim é o sujeito esperar e, depois, quando mal espera, receber uma facada".
Então, ser mártir é construir na realidade a sua ideia como uma ideia forte: "Ele morreu por ela!" Até, num jogo de futebol, o cara recebe uma bacia sanitária na cabeça, mas se diz: "Ele morreu pelo Santa Cruz!"
O ideário, a prática e a crença no ideário.
A vila do Recife convidava à conspiração. A vila do Recife permitia, diante da proximidade entre os conspiradores, que as ideias fluíssem como neste espaço onde estamos reunidos.
A Revolução Republicana de 1817 teve lugar em um espaço urbano capaz de nos permitir, hoje, assistir à vitória das ideias e à morte dos ideólogos.
Aquele mesmo Tollenare assim descreveu um dos martírios:
Vi executar o Padre Tenório, vigário de Itamaracá. Estava extremamente abatido. Vestido de uma alva e de uma camalha brancas, pálido e desfeito, mal podia andar para o lugar do suplício; dois frades franciscanos o sustinham por baixo dos braços e um jovem beneditino prestava-lhe o doloroso serviço de exortá-lo. [...] No momento terrível em que o negro trepou sobre os ombros do desventurado padre [...] os dois carrascos derramavam lágrimas e as vi brilhar nos olhos dos espectadores silenciosos.
As ideias de liberdade, fraternidade, igualdade, ética e moral não estavam morrendo naquele instante de 1817; viveram até hoje e durarão para todos nós eternamente. Elas são inerentes à vida do homem. Sempre existirá uma vila e uma gente a qual a defenderá, mesmo com o sacrifício da própria morte.
Hoje devemos repetir, tal como em 1817: viva a Pátria!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao Prof. José Luiz Mota Menezes.
Agora, passo a palavra ao Prof. Vamireh Chacon, doutor em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do Recife e também pela Universidade de Munique, na Alemanha, com pós-doutorado pela Universidade de Chicago.
O SR. VAMIREH CHACON - Sr. Presidente desta sessão do Senado Federal, autor desta magnífica iniciativa de comemorar o bicentenário da Revolução, não apenas pernambucana, não apenas nordestina, mas brasileira, de 1817, Senador Humberto Costa; Exmo Sr. Senador Cristovam Buarque, que também faz parte desta Casa, pertinência à qual se incorpora a Deputada Federal pelo Estado de Pernambuco Creuza Pereira, uma vez que estamos todos dentro do mesmo Parlamento; Exmo representante de um país estrangeiro, Primeiro-Secretário da República da Costa do Marfim, Brou Angora; caríssimos amigos membros da Mesa - seria longo nomear cada um -, ficam sempre na recordação da memória minha e de todos que os conhecem as suas presenças.
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A Revolução de 1817 não era separatista, conforme alguns intérpretes teimam em insistir. Ainda bem que não são majoritários os que assim pensam.
Ela só fala em Pernambuco nos últimos dias; ela começa dizendo "viva a Pátria" e começa convocando os brasileiros. É preciso que lembremos que recebeu imediata adesão da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Alagoas, naquele tempo, pertencia a Pernambuco e foi separada como uma das punições a 1817. No Ceará, Bárbara de Alencar, matriarca de uma ilustre família local, antepassada de José de Alencar, o grande escritor, e de um estadista do Império, Tristão Martiniano de Alencar Araripe, também aderiu ao movimento. Era a maior fortuna que existia no Cariri, residia, então, no Crato e foi igualmente presa pelas autoridades portuguesas. A Bahia só não aderiu, porque houve uma delação contra o Padre Roma, que desembarcava nas suas praias e foi detido antes de exercer a sua missão.
É preciso que nos recordemos também de que 1817 proclamou a independência antes do Brasil, proclamou a República antes do Brasil. A tal ponto chegou sua influência que, em 1821, um ano antes da proclamação da independência oficialmente em nosso País - em 1821, lembremos e insistamos -, Gervásio Pires Ferreira, dono da primeira fábrica de indústria têxtil do Brasil e homem de grande fortuna pessoal, levantou a cidade do Recife e conseguiu a expulsão do Governador português Luís do Rego, que saiu acompanhado da unidade militar portuguesa que ali estava instalada, o Batalhão do Algarve. A Junta de Goiana foi reproduzida em um quadro célebre do pintor alemão Rugendas, testemunha exatamente de que Pernambuco mais uma vez tentou e conseguiu a independência antes do Brasil. Quando veio o 7 de setembro de 1822, Pernambuco era de fato independente, já tinha governo local não eleito, mas colocado revolucionariamente pelo povo. Ainda hoje há Rua Gervásio Pires, que lembra sua memória na cidade do Recife.
Proclamamos também a república antes do Brasil. Em 1889, veio ela para todo o País. Hoje disse muito bem o Senador Cristovam Buarque que falta proclamar a independência do Brasil, falta proclamar a República brasileira, Senador Humberto Costa.
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Republicanizemos a República em toda a extensão que nós sabemos da palavra, res publica, e democratizemos a democracia brasileira, que só existe de classe média para cima e é praticamente desconhecida de classe média para baixo, movida ou por um assistencialismo vulgar ou simplesmente pelos grandes temas do momento na televisão, no rádio e nas redes sociais, elas próprias nas mãos de uma pequena minoria.
É preciso que recordemos também que 1817 quase recebeu reconhecimento internacional. Antônio da Cruz, vulgo Cabugá, daí que vem a Avenida Cruz Cabugá, que liga Olinda ao Recife, viajou a Washington, foi recebido pelo Secretário de Estado, portanto, Ministro de Relações Exteriores dos Estados Unidos, Richard Rush, e não chegou a ser recebido pelo Presidente dos Estados Unidos simplesmente porque, entre a audiência com o Secretário de Estado e o encontro já marcado com o Presidente dos Estados Unidos, a revolução foi simplesmente abafada e esmagada - por sinal, deixando um espírito tão vivo que, pouco tempo depois, retornou na pessoa e nas ações de Gervásio Pires Ferreira e seus colegas.
Quanto à proclamação da abolição da escravatura, Muniz Tavares, que foi um dos revolucionários, dos poucos sobreviventes, primeiro Presidente e principal fundador do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, registra simplesmente o seguinte: quanto à abolição da escravatura, que era propagada por alguns dos líderes da revolução e levada a sério pelas autoridades portuguesas, o que aconteceu, pura e simplesmente, foi que - recordemos isso com ênfase - era uma suspeita que os honra. Lá está escrito textualmente: uma suspeita que os honra. Por que ela não foi imediatamente proclamada? Pelo simples facto de não haver ainda imigração da mão de obra livre. Não havia ainda imigração em grande escala de europeus para substituir a escravidão, já então defasada e ultrapassada como meio de produção. A primeira colônia organizada de imigrantes estrangeiros no Brasil é de 1825. É a cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, integrada por imigrantes alemães, trazidos por D. Pedro I, sob influência de sua esposa, uma princesa austro-alemã, D. Leopoldina, da dinastia dos Habsburgos.
Para concluir, sem nenhum bairrismo, porque bairrismo é um sentimento pequeno: quem é brasileiro não precisa ser bairrista, quem é pernambucano não precisa ser bairrista. É um sentimento menor. O que nós devemos colocar em primeiro lugar é o internacionalismo, é o universalismo; em segundo lugar, o patriotismo como virtude cívica, ou o nacionalismo como movimento político, porém, só em segundo lugar. Quando eu digo isso, não estou colocando em terceiro lugar o regionalismo, eu estou colocando-o em primeiro lugar, ao lado dessas outras reivindicações, dessas outras propostas.
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Em 1824, Pernambuco foi o primeiro lugar do Brasil onde se proclamou o federalismo. O nome Confederação do Equador não era homenagem àquele país, que só se tornou independente em 1830, seis anos depois.
Foi fuzilado nesse movimento Frei Caneca, porque ele era reincidente, já tinha sido condenado e anistiado em 1817. Em ambas as revoluções, houve centenas de executados, não foi apenas um, por mais merecimento que ele tenha. Estou me referindo, evidentemente, a Tiradentes.
É preciso que se recorde que a Revolução Pernambucana era tão brasileira, que um dos seus principais chefes era do Espírito Santo. Domingos José Martins era espírito-santense. É bom que nos lembremos que, também na Revolução de 1817, estava o paulista Antônio Carlos de Andrada e Silva, irmão, nada mais, nada menos, de José Bonifácio, Patriarca da Independência do Brasil. Ele veio de São Paulo, ele era paulista. Depois é que a família se tornou mineira, nas gerações seguintes. Ele veio especialmente solidarizar-se com a Revolução de 1817.
Enfim, para concluir, nesta lista de prioridades, sem nenhum bairrismo, Pernambuco também é onde pela primeira vez se proclama uma revolução socialista - estou a me referir ao ano de 1848, a novembro de 1848 -, que também permaneceu no poder algo mais. Através da guerrilha de Pedro Ivo, ela se prolongou até fevereiro e março do ano seguinte, portanto três ou quatro meses, no poder pleno de Pernambuco ou na guerrilha nos campos e nas cidades do interior do Nordeste.
Foi daí que o General Abreu e Lima, único brasileiro general de Bolívar e filho do Padre Roma, publicou, em 1855, o primeiro livro sobre socialismo nas Américas, não apenas no Brasil ou na América Latina, o livro dele O Socialismo. Trata-se, evidentemente, do socialismo ético. Ele não era nem nunca foi marxista. Era um socialismo ético na linha de Lamennais, que, na época, fazia grande sucesso na França.
Enfim, concluindo estas minhas palavras, quero simplesmente relembrar que essas reivindicações não são apenas pernambucanas, não são apenas nordestinas, são, em primeiro lugar e acima de tudo, reivindicações brasileiras, conforme todos esses líderes, sacrificados no martírio ou não, todos eles, sem exceção, reivindicaram.
Muito obrigado pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Agradeço as palavras do Prof. Vamireh Chacon.
De imediato, convido o Dr. Leonardo Dantas Silva, Conselheiro e Consultor do Instituto Ricardo Brennand, membro efetivo do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
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O SR. LEONARDO DANTAS SILVA - Exmos Senadores Humberto Costa e Cristovam Buarque, ilustres membros, companheiros estudiosos de 1817, meu amigo Rubem Amaral Júnior, Embaixador, que aqui veio prestigiar a nossa fala, fala esta que vai de todo à gratidão, à gratidão ao Senador Humberto Costa, que teve a iniciativa de festejar, lembrar e proclamar os feitos da Primeira República do Brasil, a República de 1817. Portanto, o meu agradecimento pessoal, como pernambucano.
Mas eu tomo para mim, neste início de fala, as palavras do poeta João Cabral de Melo Neto, quando ele, no poema Pergunta a Joaquim Cardozo, interroga:
É que todo o dar ao Brasil
de Pernambuco há de ser nihil?
Será que o dar de Pernambuco
é suspeitoso porque em tudo
sintam à distância, o pé atrás,
insubserviente de quem já foi mais?
Meus amigos, o que hoje se comemora foi um comportamento permanente dos pernambucanos. Muito antes do iluminismo, existia um sentimento de autonomismo em Pernambuco, sentimento este que se encontra até os dias presentes. O pernambucano - desculpem a imodéstia - tem sempre um queixo levantado, tem sempre um orgulho muito grande de ser pernambucano.
Não é à toa que o símbolo dos revolucionários de 1817 está nas cabeças, nas camisas dos pernambucanos, que é a nossa bandeira, proclamada, outorgada pelos revolucionários de 1817, desenhada pelo Padre João Ribeiro Pessoa Montenegro e ressurgida pelo Governador Manuel Borba. Está nas cabeças de todos aqueles que, em plena festa de Carnaval, sem querer, sentem orgulho; se vão para um campo de futebol, levam uma bandeira de Pernambuco. Portanto, é o autonomismo de Pernambuco.
Das antigas províncias formadoras do Território nacional, nenhuma deu maior número de mártires do que Pernambuco, haja vista a imensa lista de condenados à morte que nós herdamos de 1710, de 1817, de 1824, de 1848. Numa consulta à história de Pernambuco, veremos que todos esses movimentos foram gerados do orgulho nativista dos restauradores de 1654.
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Com uma mesma ideologia, com que os antepassados pernambucanos conquistaram toda a região do nordeste do Brasil, que ia da foz do São Francisco até o Maranhão, conquistaram sozinhos - como diria o Padre Antonio Vieira, sós com suas relíquias -, Pernambuco conquistou todo aquele território em batalhas de 1648, 1649, com a expulsão dos holandeses em 1654. E doaram todo aquele território - que hoje é o Nordeste brasileiro - ao El-Rei de Portugal, à suserania da Coroa Portuguesa, mas debaixo de certas condições, a condição do autonomismo. E essa doutrina nos segue, nos persegue, nos impregna até os dias atuais.
Então, toda vez que Pernambuco se achava ferido no seu autonomismo, ele se manifestava através de uma revolta armada, como a que aconteceu com a República de Olinda, de 1710, chefiada por Bernardo Vieira de Melo, seus filhos e irmãos, em que o enviado - o governador português - se refugiou na Bahia, ficou em Olinda o bispo da Diocese, mas logo depois veio o outro governador.
O novo Governador português Félix José Machado de Mendonça - sucedendo a Sebastião de Castro Caldas - resolveu acusar os pernambucanos de tentarem uma rebelião contra a família do próprio governador e, com isso, mandou encarcerar todos os que tiveram destaque no movimento de 1710 e os trancafia na prisão do Limoeiro, na cidade de Lisboa.
De lá, eles ficam prisioneiros e, com o tempo, vão desaparecendo pelas mortes mais misteriosas, como se pode comprovar nos atestados do livro de mortos da Paróquia de São Martinho. Um a um, vão morrendo e, quando chega o perdão real que da Corte, o perdão real de Portugal, já não havia mais ninguém para perdoar, todos haviam morrido. Graças a essas certidões de óbito, pudemos comprovar o dia da morte da cada um dos nove que morreram na prisão.
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Conclui José Antônio Gonsalves de Mello que a interligação de um ideário de liberdade dos pernambucanos remonta "à vitória sobre os holandeses e se renova não só em 1710, aqui referido, como ainda em 1817, em 1824 e em 1848. Dentro dessa linha de reivindicações, aqueles que pagaram então com a vida, nas celas do Limoeiro, seu ideal político de participação no governo de sua terra estão na companhia de outros mártires pernambucanos como o Padre João Ribeiro, o Frei Caneca e o Desembargador Nunes Machado".
No século XVIII, por conta das ideias dos filósofos iluministas da segunda metade, veio a ser gerado, entre os estudantes de Pernambuco, um ideário liberal, um ideário republicano. Essas ideias vieram a ser propagadas não só por aqueles estudantes de Coimbra e de Lisboa. Consegui ler detidamente o processo de cada um. Eles voltam a aparecer na Revolução de 1817, como é o caso do nosso Antônio Morais Silva, que foi o autor do primeiro Dicionário da Língua Portuguesa.
No século XVIII, as ideias daqueles iluministas foram divulgadas pelos seminaristas do então Seminário de Olinda, criado em 1799, e pelas lojas maçônicas, que já se faziam presentes no Recife. Tais ideias passaram para uma revolta armada, eclodida no dia 6 de março de 1817, quando era proclamado um governo de caráter republicano, com representação dos militares, do clero, da magistratura, do comércio e dos senhores rurais.
Por um curto período de dois meses e meio, viveu-se naquela capitania um regime republicano, regido por uma Constituição, chamada de Lei Orgânica, que, sob a orientação de um Conselho de Estado, regulava a representatividade de classes, a independência da magistratura, a imprensa livre e outros direitos até então desconhecidos entre nós.
A Coroa Portuguesa logo combateu a revolta a ferro e fogo, levando à prisão centenas de patriotas, como eram chamados, nas cadeias do Recife e de Salvador. Dessa lista, 13 presos foram condenados à morte, quatro foram fuzilados em Salvador, e nove foram enforcados no Recife, sendo depois seus corpos esquartejados, suas cabeças separadas do corpo, juntamente com seus membros. Os troncos eram amarrados às caudas dos cavalos e arrastados até o cemitério. Esses troféus de cabeça e dos quatro membros eram colocados em pontos previamente determinados.
Morreram, como consequência direta no envolvimento da Revolução de 1817, na atual Praça da República, no centro do Recife, que veio a ser chamada de Campo da Honra, em 8 de julho de 1817, os Capitães Domingos Teotônio Jorge e José de Barros Lima, além dos mártires Antônio Henrique Rabelo, Amaro Coutinho, José Peregrino Xavier de Carvalho, Inácio de Albuquerque Maranhão e o Padre Antônio Pereira de Albuquerque.
Na Bahia, foi executado por fuzilamento, no Campo da Pólvora, o Padre José Ignácio de Abreu e Lima (Padre Roma), em 29 de março de 1817, seguindo-se dos patriotas Domingos José Martins, José Luiz de Mendonça e Padre Miguel Joaquim de Almeida (Frei Miguelinho), em data de 12 de junho de 1817.
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Segundo o Pe. Dias Martins, autor do livro Os Mártires Pernambucanos, a lista dos denunciados, nos dois movimentos, soma o número de 628, dos quais calcula-se que 33 morreram na prisão.
Não obstante, a chama da liberdade continuou presente e, por conta das arbitrariedades de Dom Pedro I, quando do episódio da dissolução da Constituinte, vem a ser, em consequência, proclamada no Recife a Confederação do Equador.
Iniciada em 20 de março de 1824, culminando com o manifesto de Manuel de Carvalho Paes de Andrade, em 2 de julho do mesmo ano, a luta armada toma conta de Pernambuco e se espalha por outras capitanias do Norte.
Pernambuco, por sua vez, a exemplo do que aconteceu em 1817, com a perda da Comarca das Alagoas, voltou a ter o seu território retalhado pelo primeiro imperador, com a perda da Comarca do São Francisco, que ocupava toda a área esquerda da margem esquerda do Rio São Francisco, estendendo-se da Vila do Juazeiro às fronteiras com a Capitania das Minas Gerais. A área...
(Soa a campainha.)
O SR. LEONARDO DANTAS SILVA - ... da Comarca de São Francisco era estimada em 130 mil quilômetros, bem superior à atual área do Estado de Pernambuco, de 99 mil quilômetros.
Então, por conta desses mártires, é que estamos aqui a relembrar aqueles que pagaram com a vida o preço da liberdade que hoje vivemos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Quero aqui agradecer as palavras do Dr. Leonardo Dantas Silva, e dizer que essa campainha é apenas um aviso; não se detenham por ela, não. (Risos.)
E quero convidar aqui o jornalista e escritor Paulo Santos de Oliveira, autor dos romances históricos A Noiva da Revolução e O General das Massas, para que possa também fazer a sua manifestação.
O SR. PAULO SANTOS DE OLIVEIRA - Bom dia a todos.
É um prazer e uma honra muito grande estar aqui a convite do Senador Humberto Costa, nos conhecemos de longa data.
Saúdo o Senador Cristovam Buarque.
E eu estou aqui aprendendo. Eu não sou historiador; eu sou jornalista, sou escritor. Escrevi um romance sobre a Revolução de 1817, e eu queria falar um pouco mais, talvez, sobre os aspectos humanos dessa revolução, os aspectos, as questões pessoais, a forma como as pessoas naquela época viram a coisa, ouviram, participaram, como viveram aquilo.
Para começar, a Revolução de 1817 foi extremamente romântica. Politicamente, ela foi tudo o que foi dito aqui, de um ponto... Ela foi extremamente, ela foi pioneira, ela preconizou uma série de eventos no Brasil. Ela foi a primeira república, o primeiro governo, o primeiro exército, a primeira marinha, a primeira bandeira nacional.
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Ela tem muito o que nos ensinar, se a gente... Aliás, como dizia Maquiavel, quando os governantes, quando os governadores, quando as pessoas que dirigem um país não sabem, não estão se entendendo, não estão trabalhando bem, ou quando os generais não sabem comandar seus exércitos, é porque eles não conhecem a História, não sabem fruir o seu saber profundo - nas palavras dele. E outro grande historiador - filósofo, como se dizia na época -, Alexis de Tocqueville, que escreveu um clássico, A Democracia na América, dizia que, quando o passado não ilumina o futuro, o espírito vagueia nas trevas.
Então, a Revolução Pernambucana - a "Revolução Nordestina Brasileira", como disse aqui o Prof. Vamireh Chacon -, de 1817, precisa ser vista, precisa ser conhecida, precisa ser estudada, precisa ser analisada... Ela é uma fonte inesgotável de conhecimento, do ponto de vista político, para quem pratica política e para os próprios cidadãos, porque eu acho que é uma obrigação de todos, um dever de todos os cidadãos - ou pelo menos deveria ser - conhecer a História e participar dela.
Mas há um outro aspecto, que é esse que eu comecei a falar no início: o aspecto humano, o aspecto pessoal; como foi a revolução, o que ela representou naquele momento, que - eu acho - está simbolizado e sintetizado no que foi o eixo/tema narrativo do livro que eu escrevi. Foi um caso de amor "Romeu e Julieta", um casamento. A maior festa. Essa revolução foi extremamente festiva.
No primeiro momento em que o governo português é derrubado, as tropas vão para as ruas, cercam o Forte do Brum, onde o governador português estava exilado. O momento seguinte é uma grande celebração: o povo na rua, festejando, dando tiro para cima... É interessantíssima a descrição desse evento pelas pessoas que estavam lá. Um deles... Uma frase que sintetiza e eu acho que foi perfeita: "Tudo é prazer, tudo é felicidade".
Ele demonstra que... De repente, o povo, essa Revolução de 1817 pôde propiciar aos brasileiros - eu não falo só aos pernambucanos - irem para a rua, se manifestar, beber, cantar, dançar, alegremente, com liberdade. Ir para a rua em massa, sem estar acompanhando uma procissão, de cabeça baixa. Eles estavam podendo festejar.
Então, sob esse aspecto, é preciso ver também. É preciso ver, não, é bom lembrar o que foi a Revolução de 1817.
Então, essa Revolução inspirou, foi inspiradora, por exemplo, como foi dito aqui, do movimento do Porto, em 1821, que, por sua vez, redundou... A Revolução de 1817 foi a primeira vez em que o poder da coroa portuguesa, o poder do rei de Portugal... O Reino de Portugal foi fundado no ano de 1140. Desde então, jamais algum povo, membros do governo, do Reino de Portugal, ousaram se erguer... Portugal enfrentou guerras - passou 80 anos sob o domínio da Espanha -, mas nunca houve um enfrentamento interno. E, pela primeira vez, em Pernambuco, no Nordeste, houve esse enfrentamento, houve essa afronta ao governo português, bem-sucedida durante, pelo menos, 74 dias que, por sua vez, a gente pode dizer que inspirou os revolucionários do Porto, em 1820, cujo movimento resultou na independência do Brasil. Então, 1817, também sob esse aspecto, é inovadora.
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Mas é sobre esse lado humano que me senti... Quando comecei a estudar, quando comecei a ler, eu pensava, como jornalista, em escrever sobre 1817 uma bela reportagem, um livro, como vários jornalistas estão escrevendo sobre História.
Mas eu me senti na obrigação de fazer um romance, porque aquilo ali me tocou profundamente do ponto de vista humano: o desapego das pessoas; o amor que eles tinham à república, à causa republicana, como aqui muito bem acentuou o Senador Cristovam; o espírito republicano.
O primeiro ato desse governo, no primeiro dia, foi decretar a abolição dos tratamentos de "vosmecê" e "senhor", dados às pessoas importantes. A partir daquele dia, todos podiam se tratar de "patriota" ou de "senhor", que seriam o equivalente hoje a "você" e a "companheiro". Isso foi uma revolução do ponto de vista do comportamento, do ponto de vista do entendimento que as pessoas... De repente o pobre não era mais obrigado, na rua, a esperar - quando passava um rico, ele tinha que se afastar e tirar o chapéu. Em 1800 há vários relatos de ricos indignados pelo fato de o pobre vir bater no seu ombro e dizer "Olá, patriota!", de vir oferecer ou pedir tabaco.
Então, esse primeiro ato, nesse momento.
Algumas realizações na Paraíba. Na Paraíba eles botaram para quebrar, usando uma expressão popular. Eles chegaram, em Areia, na Paraíba, a pensar, a cogitar a participação feminina, coisa que nem na Revolução Francesa foi cogitada. Eles começaram a fazer um recenseamento das mulheres, prevendo um conceito vago de oferecer cidadania às mulheres. A mulher, no Brasil, só veio votar no ano de 1945, e eles já estavam discutindo isso.
Outros... Há um caso... Outros eram tão anti... Por exemplo, um outro exemplo concreto: os escravos... O que diferenciava um escravo do ponto de vista da... Havia escravos negros, havia negros libertos, alguns até bem de vida, que faziam... O que diferenciava um escravo? E havia escravos, inclusive, que tinham a pele branca ou perto disso. O que diferenciava um escravo de um homem livre? Era o fato de ele andar descalço. Pois bem, alguns revolucionários em 1817 passaram a andar descalços em solidariedade aos escravos. Houve o caso de Manuel Clemente Cavalcanti de Albuquerque, da Paraíba, que foi um dos líderes da revolução na Paraíba. Quando a Revolução é derrubada na Paraíba, ele vai para Pernambuco e é preso na estrada, numa barreira, numa barragem militar feita pelos portugueses, pelo simples fato de ele estar... De ele ser um rapaz de família, de família rica, muito bem vestido, mas estava descalço, então foi imediatamente identificado como tal.
Então, esse espírito revolucionário, esse espírito republicano ao extremo é o que caracteriza, é o sonho, a natureza do movimento em 1817, que, como falei aqui, teve como sua festa movimentos de 1817, que, como eu falei aqui, teve como sua festa maior - teve muitas festas: a festa da Proclamação da Benção Pública da Bandeira, e outras.
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Mas a maior festa foi um casamento, um caso de amor proibido. O líder da Revolução, Domingos José Martins, capixaba, namorava havia quatro anos com a filha de um português muito rico, Bento José da Costa, traficante de escravos. E ele era proibido. Era um rapaz bem apessoado, culto, bem de vida etc., tinha todas as qualidades para ser um bom partido, era um excelente partido na época. Mas ele era proibido de namorar com a moça, pelo simples fato de ser brasileiro, enquanto que a moça era filha de um português rico.
E o rapaz tem que fazer uma revolução, botar o governo abaixo para casar com ela. E ele faz. Lidera a Revolução, derruba o governo. Na semana seguinte estava casando. Em uma semana. E essa festa foi a mais representativa. E esse casamento, que na minha opinião, politicamente - eu não sou historiador, estão aqui vários historiadores que podem avalizar ou não, eu apenas imagino -, eu suponho que foi politicamente o mais importante do Brasil. Que outro caso pode ser comparado a esse? Pelo fato da derrubada do preconceito contra os brasileiros, pelo fato de que ele propôs naquele momento... Havia uma histórica briga entre pernambucanos e portugueses, que monopolizavam o comércio, tinham uma expressão muito grande. Esse casamento ajuda a pacificar, no sentido da construção de uma sociedade, de um novo País. E, também, ele vai a favor do casamento por amor, dos casos de amor, porque na época, pelo menos nas famílias de posses, era costume que os pais acertassem os casamentos dos filhos de acordo com as suas conveniências econômicas e sociais etc. Esse casamento também vai nesse sentido.
Esse é um momento, quer dizer, esse casamento, para mim, sintetiza esse espírito de sonho, de criação. Era um projeto de criação de um novo País. Não era ou não foi muito diferente do que foi a Revolução, do que se implantou no Brasil em 1822, com a Independência. Era uma coisa muito mais interessante, no mínimo muito mais humana, muito mais republicana.
E foi citado aqui, também, por um dos nossos palestrantes, que eles devolveram o dinheiro público. Vocês vejam só como foi o que aconteceu. No último dia, quando a Revolução termina, no dia 20 de maio, acaba-se, a tropa se retira. Os restos do exército pernambucano, eles são derrotados militarmente, porque não tinham condições de enfrentar o poderio português, mas eles se retiram para o interior, com a intenção de continuar com essa luta no interior. Então, na noite do dia 19 de maio, se não me engano, eles decidem que não têm mais condições de continuar e dissolvem a tropa. Mas mandam devolver aos portugueses. Volta para Recife um grupo, um batalhão de voluntários, um pelotão de voluntários, trazendo os cofres públicos que estavam com eles, para entregar para a autoridade portuguesa, com risco pessoal de quem estava levando ser preso, ser enforcado, e devolvem o dinheiro. E os portugueses, espantados, perguntam: "Mas por que é que vocês querem? Vocês estão loucos? Vocês estão vindo aqui? Por que é que não repartiram o dinheiro entre si?" Eles disseram: "Porque nós vamos entrar para a História como revolucionários, e não como ladrões.".
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Então, é com esse espírito de alegria, de ética, de construção de um País que, infelizmente, é muito deferente do País que nós ainda temos hoje, que foi feita a Revolução de 1817.
E esta celebração aqui é muito boa, no sentido de que a gente... De fazer essa... De tentar, aos poucos... Esse momento da história brasileira precisa ser melhor conhecido...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO SANTOS DE OLIVEIRA - ... E melhor divulgado. E seus valores, algum dia, praticados por todos os brasileiros.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao jornalista e escritor Paulo Santos pela sua manifestação.
E, agora, eu gostaria de convidar o Presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Dr. George Félix Cabral de Souza.
O SR. GEORGE FÉLIX CABRAL DE SOUZA - Exmo Sr. Senador Humberto Costa, Presidente da Sessão, na pessoa de quem registro a minha saudação a todos os Parlamentares da Casa, aos membros da Mesa e também às autoridades presentes nesta celebração. Em nome de todos os membros do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, o qual eu tenho a honrosa responsabilidade de presidir neste biênio tão especial, agradeço ao Senador Humberto Costa pelo convite e, ao mesmo tempo, o parabenizo pela feliz iniciativa de trazer ao Plenário desta Casa a memória desse que foi o mais importante movimento anticolonial da história do Brasil - e podemos dizer, também, de toda a história da monarquia portuguesa.
A Revolução Pernambucana de 1817, movimento republicano ao qual aderiram também a Paraíba, o Rio Grande do Norte e parte do Ceará, conforme já mencionaram aqui os que me precederam, até hoje não tem a devida valorização que merece no conjunto da história nacional. É muito interessante perceber como há setores da historiografia brasileira, setores da academia, do ramo editorial, da grande mídia que ainda minimizam a importância da Revolução Pernambucana.
Pernambuco encabeçou, em 1817, um projeto político de vanguarda e propôs a independência com uma visão de Nação muito mais avançada do que aquela que triunfaria em 1822. A lei orgânica publicada pelo Governo Provisório da República de Pernambuco, primeiro texto constitucional ou pré-constitucional destas terras brasileiras, antecipava as bases desse projeto político.
Não podemos deixar de ressaltar a atualidade das bandeiras defendidas pelos revolucionários de 1817. Isso, por um lado, demonstra o quanto eles estavam avançados; e, por outro lado, demonstra o quanto a nossa sociedade ainda tem a avançar. A defesa dos direitos cidadãos, a atuação do Estado em prol do bem-estar da população, a transparência nas ações do Governo, a luta contra os excessos de tributação, a ampliação da participação dos cidadãos nas decisões políticas e o respeito a esta participação, a liberdade de imprensa, a liberdade de culto, todos esses temas são, até hoje, temas de debate em nosso País.
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A escravidão, se não foi imediatamente abolida, estava nos horizontes dos revolucionários tratar do seu fim. É preciso ter em mente que a escravidão no Brasil, a escravidão em Pernambuco, não é apenas a escravidão do grande engenho, a escravidão é uma mácula presente em todos os recantos da vida no Brasil Colonial. E, por isso, um mal difícil de ser combatido.
Todos esses temas só confirmam a absoluta necessidade de revisitar a história de 1817 e de encarar as celebrações do bicentenário como um momento privilegiado para a reflexão sobre os nossos dias, sobre os graves problemas de nosso País e as ameaças que pairam sobre os direitos e cidadãos do povo brasileiro. Ameaças que, permita-me o Senador Cristovam Buarque, nos afastam cada vez mais desse ideal republicano que V. Exª ressaltou muito bem aqui; 1817 também nos permite compreender as raízes das desigualdades regionais e dos desequilíbrios do nosso imperfeitíssimo federalismo.
Em 1817, aqueles que ousaram sonhar com uma Nação mais justa e que se uniram para lutar por liberdade acabaram pagando um alto preço. Dezenas perderam a vida. Os presos se contaram às centenas, padeceram às misérias dos calabouços em Salvador, mas não deixaram que se apagasse o sonho: mobilizaram-se para que os mais instruídos compartilhassem seus saberes com os que não tinham tido acesso à educação, transformando os cárceres de Salvador, como relata Muniz Tavares, em uma verdadeira universidade, permitindo-nos vislumbrar qual teria sido a postura do governo republicano em relação à educação dos cidadãos caso a revolução tivesse conseguido resistir à vaga reacionária.
Não podemos deixar, também, de mencionar os sofrimentos das mulheres e órfãos das famílias violentadas pela repressão realista, mulheres que estiveram lado a lado com os mártires da liberdade, como bem destacou o Prof. Vamireh Chacon, entre elas, Bárbara de Alencar, que também padece nos cárceres da repressão.
O Instituto Arqueológico, o mais antigo instituto histórico estadual, é, desde 1862, o guardião da memória de 1817. Documentos históricos e objetos pessoais de alguns dos participantes na revolução estão conservados em nosso acervo.
E abro um parêntese para fazer um apelo público aos Poderes da Nação para que tenham um maior carinho, uma maior atenção, com os institutos históricos. São instituições que, por todo o Brasil, conservam a documentação, a memória, acervos de museus. E é muito importante que eles tenham apoio para se modernizarem e socializarem esses bens culturais com a população do nosso País.
Francisco Muniz Tavares, participante do movimento e autor da História da Revolução de Pernambuco em 1817, foi o primeiro presidente do Instituto Arqueológico.
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Honrando os nossos objetivos fundacionais e a memória dos que nos precederam, temos realizado todo o esforço possível para divulgar e celebrar 1817.
Contamos com o apoio do Governo do Estado de Pernambuco e estabelecemos parcerias com o Museu da Cidade do Recife, a Academia Pernambucana de Letras, a Grande Loja Maçônica de Pernambuco - os maçons tiveram uma participação fundamental no movimento - e, também, com a Companhia Editora de Pernambuco e diversos institutos históricos municipais.
Vários dos objetos ligados à Revolução de 1817, pertencentes ao acervo do Instituto Arqueológico, estarão em exposição até março de 2018, no Museu da Cidade do Recife.
Destacamos, ainda, o relevante serviço prestado pela Companhia Editora de Pernambuco, que, entre outras obras, publica este ano a quinta edição da História da Revolução de Pernambuco em 1817, com um primoroso trabalho de editoração do Sr. Ricardo Melo.
Já é tempo para que a Revolução Pernambucana de 1817 tenha o devido reconhecimento de todos os brasileiros. Que os ideais republicanos dos patriotas João Ribeiro, Padre Roma, Frei Miguelinho, Pedro Tenório, José Peregrino, Amaro Gomes Coutinho, André Albuquerque Maranhão, José Luiz de Mendonça, Domingos José Martins, entre tantos outros, possam nos servir finalmente de inspiração na construção de um País mais justo e socialmente mais equilibrado.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao Prof. George Félix.
De imediato, eu convido o Dr. Flávio José Gomes Cabral, doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do programa Mestrado Profissional em História, da Universidade Católica de Pernambuco, para que possa fazer uso da palavra.
O SR. FLÁVIO JOSÉ GOMES CABRAL - Exmo Senador Humberto Costa, a quem agradeço a honra pelo convite para tecer alguns comentários sobre a importância da Revolução Pernambucana de 1817; demais membros da Mesa; Ilmo Senador Cristovam Buarque; Deputada Federal por Pernambuco, Srª Creuza Pereira; Primeiro Secretário da Embaixada da República da Costa do Marfim, Sr. Brou Angora; representante do Governador do Piauí, Sr. Presidente Roberto John Gonçalves da Silva.
A Revolução Pernambucana de 1817, dita pelos nossos companheiros historiadores, jornalistas e demais membros de instituições pernambucanas, foi realmente um dos mais importantes gritos de rebeldia contra a coroa portuguesa, naquele momento em que nós fazíamos parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Foi na ameaça ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves que a Revolução de 1817 teceu medo à coroa.
A Revolução de 1817, desde tempos imperiais, foi vista como uma revolução separatista. Separatista de quem?
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Durante todos os momentos em que ela foi tecida, a documentação está mostrando, os grandes documentos, já se percebe que ela já vem sendo organizada, pelo menos, desde 1810, quando a gente vê um importante documento em que o Padre Arruda Câmara, já praticamente moribundo em Itamaracá, chama à sua residência um outro importante padre, o João Ribeiro, um dos grandes artífices do movimento, que, também fazendo parte da junta de governo de 1817, entrega-lhe um interessante documento, em que se falava claramente de um projeto de rebelião, de revolução. Obviamente não se falava de república - obviamente, uma república dentro dos moldes daquele momento. E se falava justamente da importância de se costurar todas essas questões relativas, juntamente com aquilo que estava acontecendo na América espanhola ou daqueles momentos de liberdades, das independências.
O medo de que esses documentos chegassem a mãos contrárias... Era importante que ele fosse entregue a um nosso amigo N, nos Estados Unidos. Quem seria esse nosso amigo N? Provavelmente algum elemento da maçonaria, como eles? Na qual deveria todo esse projeto de revolução, um projeto de Brasil, deveria ser guardado a sete chaves, para, no momento oportuno, ser colocado em prática.
Essa é uma questão em que a historiografia foi muito, digamos, um pouco maldosinha com a nossa Revolução. Tecê-la de separatista, tecê-la como se não tivesse nenhum projeto. Claro que ela foi arquitetada justamente em reuniões sediciosas. Ela foi arquitetada nos conventos. Ela foi preparada na maçonaria. Não foi uma obra do acaso. Se ela tivesse sido obra do acaso, justamente algumas coisas sobre a lei orgânica, sobre projetos inspirados no liberalismo e outros projetos de Nação não teriam sido feitos naquele momento do 6 de março até o 20 de maio, quando ela sucumbiu pelas forças realistas.
A Revolução Pernambucana de 1817 foi uma revolução que foi mais destacada nos jornais internacionais. A gente percebe que praticamente se desconhece algum tipo de modelo como esse.
O Correo del Orinoco falou sobre a nossa revolução, jornais europeus também comentaram sobre ela, e os jornais norte-americanos, quase todos, justamente a partir do momento em que o Governo Provisório nomeou Antônio Gonçalves da Cruz, Cabugá, como ministro plenipotenciário, um embaixador da República de Pernambuco para os Estados Unidos.
Naquela carta da nomeação, como está muito bem guardada no Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro, a gente observa o que ele deveria fazer nos Estados Unidos: entrar em contato com as autoridades; se possível tecer alguns acordos bilaterais para a nova república, para que se pudesse, então, haver uma interação entre a jovem república e a república dos Estados Unidos, que foi justamente o modelo que eles procuraram imitar.
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Nas cartas escritas pela junta de governo, o Governo Provisório de Pernambuco, isso é notável. No próprio documento em que se nomeia Cabugá, a junta esclarece claramente: dificilmente a nação norte-americana reconhecerá a nossa independência, porque todo esse governo tinha conhecimento de que os Estados Unidos não estavam fazendo o reconhecimento das demais repúblicas que estavam surgindo no continente sul-americano. Então, a gente observa, é preciso comprar armas, é preciso entrar em contato com pessoas proeminentes norte-americanas, é preciso ajustar tratados, para que possamos caminhar, justamente como já falado aqui pelos nossos companheiros.
Cabugá não conseguiu conversar com o presidente norte-americano, e ele sabia muito bem disso, mas justamente com a secretaria de Estado e demais membros do governo, exatamente sobre situações importantes que pudessem, então, elevar a República de Pernambuco.
Esse federalismo pernambucano também foi mal entendido pela historiografia. Nesse federalismo, de um momento primeiro, de que estavam fazendo parte a Paraíba, o Rio Grande do Norte e parte do Ceará, como já bem traçado, nós percebemos claramente que havia certa dúvida de algumas dessas províncias citadas: quais seriam os seus lugares nessa República? Pe. João Ribeiro escreveu à junta da Paraíba esclarecendo exatamente isto: a revolução não foi feita para o engrandecimento de Pernambuco, mas teria sido feita exatamente para uma região; não apenas para uma região, porque caberia às outras províncias brasileiras lugares para isso. Na própria bandeira de Pernambuco, já havia espaço para a quantidade de estrelas, para serem colocadas próximo ao arco-íris, para a quantidade de províncias que aderissem a esse movimento. Então, fica muito distante a questão de dizer que seria apenas local.
Se para os Estados Unidos partiu Cabugá, também tivemos missões na Argentina. Para as províncias, nós tivemos pessoas importantes, como o Pe. Roma chegando à Bahia. E Teotônio Jorge chegou a ir à Corte do Rio de Janeiro conversar com algumas pessoas sobre isso. Há um dado momento em que ele pergunta: "Estas cartas são suas? Eu assinei muitos documentos." Mas todo mundo percebia que ele havia estado no Rio de Janeiro.
Então, essa é a importância da Revolução de Pernambuco, como ela teve um espaço geográfico de interesse e de observações.
E um dos passos importantes de Cabugá nos Estados Unidos, a mando do governo que representava, era justamente entrar em contato com José Bonaparte, o irmão de Napoleão, que se encontrava exilado, preso em Santa Helena.
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Era interessante que pudéssemos entrar em contato com José Bonaparte à medida que contratássemos soldados experientes para que pudessem então, nesse momento, engajar-se às tropas pernambucanas para defender a República de El Rei. Todas as tratativas foram feitas. A documentação mostra as assinaturas. Em Pernambuco, chegaram a desembarcar pelo menos três oficiais franceses, que exatamente deveriam adestrar esses militares, porque o Governo sabia claramente que um dos grandes problemas para se poder manter a Revolução era exatamente termos soldados, termos uma força para defender a República, porque se sabia que, a qualquer momento, o Rio de Janeiro enviaria tropas, como chegaram da Bahia, a mando do Conde dos Arcos, e, posteriormente, vindas do Rio de Janeiro.
Então, observamos, como já foi mostrado pelo nosso colega George Cabral, como se precisa estudar melhor essa história, como precisamos levar isso melhor para os brasileiros e brasileiras, não como bairrismo, como foi citado, mas para observar o devido lugar em que esses aspectos sociais, políticos e culturais brasileiros estão nesse mesmo patamar.
Então, a gente observa, neste bicentenário, a importância do que vem acontecendo em Pernambuco e a justa homenagem pensada pelo Senador Humberto Costa. Então, é muito importante que seja levado aos nossos amigos brasileiros, às nossas crianças um pouco dessa história que enaltece não apenas essa região, mas também o próprio Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Agradeço ao Prof. George Félix Cabral de Souza, Presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.
Desculpe-me, Flávio Cabral, que é o Coordenador do Departamento de História da Universidade Católica de Pernambuco, a Unicap.
De imediato, eu convido o Prof. Luiz Carlos Villalta, Doutor em História pela USP, Professor de História do Brasil Colonial e de Práticas de Ensino da UFMG e Professor da Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Gerais.
O SR. LUIZ CARLOS VILLALTA - Exmº Sr. Senador Humberto Costa, proponente e Presidente desta sessão comemorativa, através do qual eu cumprimento os demais Parlamentares presentes, autoridades diplomáticas e de governos estaduais, e ainda os demais membros da Mesa.
Senhoras e senhores, eu me sinto muito honrado com o convite feito pelo Senador Humberto Costa. Sendo paulista de nascimento e mineiro de adoção, isso me envaidece. E eu espero aqui honrar a memória de Antônio Carlos, paulista, e José Mayrink, mineiro, ambos revolucionários em 1817.
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A Revolução Pernambucana de 1817 foi, como bem avaliou o historiador Denis Bernardes, a mais ousada e radical tentativa de enfrentamento até então vivida pela monarquia portuguesa em toda a sua história.
A Revolução de 1817 anunciou percepções essenciais no processo de independência de colônias, situação da América portuguesa, particularmente do seu então Norte, que denominamos Nordeste desde o início do século XX: o antagonismo entre colonizado e colonizador, personificados respectivamente nas figuras do brasileiro e/ou do pernambucano e do português ou marinheiro, e a oposição entre colônia e metrópole.
Em ordem do dia datada de 4 de março de 1817 e dirigida às tropas, procurando impedir a eclosão do movimento revolucionário, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Governador da Capitania de Pernambuco, procurou minimizar as rivalidades e oposições entre portugueses e brasileiros.
Alguns dias mais tarde, em proclamação de 9 de março de 1817, por sua vez, o Governo revolucionário de Pernambuco vem reconhecer a existência da animosidade entre portugueses e brasileiros, recuando a transferência da Corte em 1807, 1808, atribuindo-a ao que ele chamava de espíritos indiscretos. Tais espíritos principiaram, abro aspas, "a espalhar algumas sementes de um mal entendido ciúme, e rivalidade, entre os filhos do Brasil, e de Portugal, habitantes desta Capital [ou seja, Recife], desde a época, em que os encadeamentos dos sucessos da Europa entraram a dar ao continente do Brasil aquela consideração de que era digno, e para o que não concorreram, nem podiam concorrer, os Brasileiros", fecho aspas.
O Governo Provisório, ademais, tomou como improcedentes tais sementes de discórdia, relembrou o socorro dado pelos pernambucanos ao então Príncipe quando ainda se encontrava no Atlântico fugindo de Lisboa e classificou como gesto de gratidão de D. João elevar o Brasil à condição de Reino em 1815. Embora reconhecesse que aquelas sementes foram, abro aspas,"nutridas por mútuas indiscrições dos Brasileiros e Europeus", fecho aspas, o governo culpava implicitamente o governo da Capitania por fortalecê-las. Mesmo assim, ao final da Proclamação, o Governo Provisório, mostrando sua dificuldade de romper com a identidade portuguesa, declarava - abro aspas:·"A Pátria é a nossa mãe comum; vós sois seus filhos, sois descendentes dos valorosos lusos, sois portugueses, sois americanos, sois brasileiros, sois pernambucanos" - fecho aspas. Era muito difícil romper com a identidade portuguesa, mesmo para esses homens que eram revolucionários.
Em Pernambuco, essa questão da identidade delineava uma dissimulada dupla rejeição ao elemento reinol e à Coroa, então sediada no Rio de Janeiro, o que, por conseguinte, incluía a repulsa à administração monárquica que presidia o empreendimento colonial do que nós historiadores chamamos de "metrópole interiorizada". Ou seja, no Rio de Janeiro, a nova Corte, em torno de D. João, constituiu-se de um grupo de nobres, militares, comerciantes, oficiais régios, entre eles magistrados, senhores de terras, gentes de Portugal e do centro-sul do Brasil, que obtinham cargos, vantagens lícitas e ilícitas, por suas relações com a Coroa.
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E aqui eu lembro o espírito republicano de que falou o Senador Cristovam Buarque: era tudo que poderia ser mais antirrepublicano.
Se Lisboa perdera a sua posição para o Rio, e se Portugal virara periferia do império português, as capitanias do norte sofriam com a espoliação comandada pela metrópole, interiorizada em nosso centro-sul.
Como salienta a historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, essa metrópole interiorizada implicava, abro aspas, "o controle e a exploração das outras colônias do continente, como a Bahia e o Nordeste. Não obstante a elevação a Reino Unido, em 1815, o surto de reformas que marca o Período Joanino visava à reorganização da metrópole na colônia e equivale, de resto, no que diz respeito às demais capitanias, a apenas um recrudescimento dos processos de colonização portuguesa do século anterior." Fecho aspas.
Segundo o governo revolucionário da Paraíba, vivia-se sob uma situação de tirania, que era representada pelo Ministério do Rio de Janeiro. Em razão dessa situação, os paraibanos iam passando de vexação em vexação, pois aquele ministério não entendia as suas queixas ou tornava tão dispendiosas as diligências para serem atendidas, que era um novo, diabólico canal da extinção que dizia "nossa substância".
Havia, portanto, animosidades entre portugueses e brasileiros, mas também entre os que habitavam o Norte e o Sul do Brasil.
A eclosão do movimento revolucionário esteve indissociavelmente ligada à constituição de uma esfera pública incipiente em Pernambuco. E quem o reconheceu foi o próprio Governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, aos 30 de abril de 1817. Já deposto e preso na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, o ex-governador lamentava muito o dia 6 de março. Dizia ele que esse era o pior dia da sua vida e reconhecia sua ignorância dos fatos, procurando, com ela, explicar sua derrota - para alguns, um evidente indício de sua incompetência. Identificava a relação entre o movimento e a constituição de uma esfera pública. Dizia ele - abro aspas: "Se eu tivesse algum motivo para duvidar da fidelidade dos pernambucanos ou se me tivessem sido denunciadas as sociedades maçônicas e os ajuntamentos suspeitosos, em casa de Domingos José Martins, Antônio Gonçalves da Cruz e do Padre João Ribeiro, eu teria dado, com tempo, todas as providências, assim como as dei quando se receou que os escravos do Recife se levantassem e quando destruí os projetos sediciosos dos escravos das Alagoas." Fecho aspas.
Portanto, o governador deposto percebia a constituição de espaços de discussão e agitação revolucionária, mas ele percebia também a existência de um perigo, a insurgência escrava, algo que já foi aqui apontado pelos outros oradores.
Quanto à escravidão e sua possível abolição, essas questões eram pontos de tensão naquela época e geraram temores entre os revolucionários sobre como essas questões poderiam ser exploradas pelos seus adversários, sobretudo junto aos proprietários rurais. Esses aspectos estão explicitados em uma proclamação do Governo Provisório de Pernambuco, instituído pela Revolução. Na proclamação, o governo, de fato, fez uma defesa da inviolabilidade de todo tipo de propriedade, mas reconheceu explicitamente a igualdade original entre os homens, entre aspas, "por mais ou menos tostados", fecho aspas, que eles fossem.
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Além disso, fez uma promessa de uma abolição lenta, regular e legal, declarando-se a favor de uma, abro aspas, "emancipação que não permita mais lavrar entre eles, isto é, os homens tostados, o cancro da escravidão, mas deseja a abolição lenta, regular e legal. O governo não engana ninguém. O coração se lhe sangra, ao ver tão longínqua uma época tão interessante, mas não a quer prepóstera", fecho aspas.
Portanto, a abolição estava no horizonte do governo revolucionário de Pernambuco.
Gerada em meio à constituição de uma incipiente esfera pública, a Revolução, ao eclodir, passaria a figurar em uma de suas bases, os impressos, nomeadamente os periódicos, ou ao menos a suscitar um reposicionamento deles.
A Gazeta do Rio de Janeiro, jornal praticamente oficial, demorou muito a falar, a noticiar os fatos. E, ao fazê-lo, o fez de maneira negativa.
Em Londres, Hipólito da Costa, editor do Correio Braziliense, também custou um pouco a falar sobre os fatos e os relacionou às animosidades entre brasileiros e portugueses.
Mas, como o nosso amigo Flávio já disse, a Revolução ganhou a imprensa internacional. Ela teve repercussão em jornais estrangeiros dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, da Espanha e da Rússia e, ainda, na América espanhola. Nos Estados Unidos, teve o eco retumbante e ganhou apoio da imprensa republicana e da opinião pública, favorável ao estreitamento dos laços com as nações que se criavam ao sul.
À Revolução integraram-se pessoas provenientes dos mais diferentes grupos sociais: grandes proprietários, clérigos, militares, pequenos proprietários, homens livres não proprietários, escravos. E, como já salientaram os outros oradores, o governo revolucionário tomou uma série de medidas extremamente importantes, entre elas o envio de uma lei orgânica, que fixava a tese da soberania popular, que determinava o regime republicano de governo e que seguia como princípios, como muito bem lembrou George Cabral, a liberdade de consciência, de imprensa e a tolerância das religiões, adotando, porém, a religião católica como a religião do Estado.
É importante salientar que esse governo aboliu impostos, convocou uma assembleia constituinte e enviou representantes ou negociadores para o estrangeiro, para tentar aí negociar o reconhecimento.
A república foi derrotada 75 dias depois de sua instalação, aos 20 de maio de 1817.
No Rio de Janeiro, o rei D. João VI, visto tanto como bonachão, procurou ter controle direto sobre as iniciativas repressivas que de lá partiam. A repressão foi brutal. E, anos depois, em 1823, o grande baiano Cipriano Barata de Almeida dizia:
A carnificina inaudita de Pernambuco em 1817, com mortes, esquartejamentos, arrancamentos dos cadáveres das sepulturas, profanação do sacerdócio, roubos, estupros, adultérios, sacrilégios, violências, insultos, injúrias, surras mortais e palmatoadas na gente de fora, pretos, pardos e brancos, até nas mulheres e meninos, a ponto de saltarem fora as unhas e ficarem aleijados. Bofetadas, chicotadas e pontapés - fecho aspas.
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Então, foi isso que sucedeu aos revolucionários.
Mas nem toda essa repressão foi capaz de calar os advogados que fizeram a defesa dos réus envolvidos na revolução e que foram acusados de crime de lesa-majestade. Nos idos de 1819, Antônio Luiz de Brito Aragão e Vasconcelos elaborou um longo documento em defesa de 317 réus. Ele também, juntamente com Manoel Gonçalves da Rocha, fez uma defesa do réu Miguel Florentino Carneiro da Cunha, e ao fazê-lo, declarou o seguinte - abro aspas: "Ninguém deve ser condenado sem prova legítima, plena e mais clara que a luz do meio-dia. Tal prova jamais resulta de indícios e presunções, por sua natureza sempre falíveis. E tanto mais grave é o delito, tanto mais claras e tanto maiores provas se requerem" - fecho aspas.
Portanto, eu aqui,...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ CARLOS VILLALTA - ...dialogando com o Senador Cristovam Buarque, queria dizer que o republicanismo se faz também com a defesa dos direitos civis.
E é importante ainda, para encerrar aqui a fala, relembrar as palavras de Stendhal, que, ainda em junho de 1817, assim se pronunciou sobre a revolução de Pernambuco - abro aspas: "A admirável insurreição do Brasil, quase a maior coisa que poderia acontecer, traz-me as seguintes ideias: 1.a liberdade é como a peste: enquanto não se jogar ao mar o último pestífero, nada de definitivo foi feito; 2.o único remédio contra a liberdade são as concessões, mas é preciso empregar o remédio a tempo; vede Luiz XVIII; não há lordes ou névoa no Brasil" - fecho aspas.
A liberdade, portanto, só pode ser aniquilada se houver a destruição do último que se bata por ela. E ainda, sua inexorabilidade só pode ser detida com concessões feitas a tempo. Enfim, hoje, para honrar os revolucionários de Pernambuco, brademos: viva a revolução de 1817! Viva a liberdade! Abaixo toda sorte de despotismos!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Queria agradecer ao Dr. Luiz Carlos Villalta e dizer que é nossa intenção, se tivermos acesso ao que foi escrito por cada um dos palestrantes, juntamente com as notas taquigráficas, por sugestão do Prof. José Luiz Mota Menezes, nós editarmos uma separata sobre esta sessão, que me parece, foi não só uma aula de história, mas uma aula de cultura, de arquitetura, uma aula de pernambucanidade, como todos nós costumamos falar do jeito que os pernambucanos têm.
Eu, na condição de solicitante desta audiência, e, tendo tido a honra de presidi-la, confesso a todos vocês, a todas vocês a minha emoção em vários momentos durante a fala de vários daqueles que aqui estiveram.
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É o tal orgulho de ser pernambucano, o entendimento de que Pernambuco retrata e muito o que é o Brasil e, modestamente, está muito à frente de muitos outros Estados do nosso País.
Então, quero agradecer a todos. Cumprida a finalidade da sessão, agradeço às personalidades que nos honraram com seu comparecimento.
Está encerrada a sessão.
(Levanta-se a sessão às 13 horas e 44 minutos.)