3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 31 de outubro de 2017
(terça-feira)
Às 11 horas
18ª SESSÃO
(Sessão Solene)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Declaro aberta a Sessão Solene do Congresso Nacional em homenagem póstuma ao Dr. Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.
Eu quero compor a Mesa, e chamo para compô-la o Senador Roberto Requião e o Deputado Arlindo Chinaglia - Roberto Requião foi requerente da sessão solene, assim como o Deputado Federal Arlindo Chinaglia. (Pausa.)
O ex-Senador por Santa Catarina Sr. Nelson Wedekin. (Pausa.)
O Desembargador no Tribunal de Justiça de Santa Catarina Sr. Lédio Rosa de Andrade. (Palmas.) (Pausa.)
Quero registrar - desculpem-me se eu deixar de falar um ou outro nome - a presença do Deputado e ex-Senador Esperidião Amin; da ex-Senadora e ex-Ministra Ideli Salvatti, minha colega como também o Senador Requião; do Deputado Roberto Costa, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão.
A sessão tem muitos convidados, mas eu queria mencionar o nome dos familiares aqui presentes do Dr. Luiz Carlos Cancellier de Olivo: Sr. Acioli António de Olivo, Srª Cristiana Vieira e a Srª Raissa Cancellier.
Registro também a presença dos seguintes: Secretário Executivo do Ministério do Turismo, Sr. Alberto Alves; Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina, Sr. João dos Passos Martins Neto; Procurador-Chefe da Procuradoria Especial em Brasília da Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina, Sr. Fernando Alves Filgueiras da Silva; Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão; representante do Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Sr. Luis Cláudio da Silva Chaves; Presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial, Sr. Ivanil Elisiário Barbosa; Secretário Executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, Sr. Gustavo Balduino; (Pausa.)
e Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, no período de 2004 a 2008, Sr. Lúcio José Botelho;
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Senhoras e senhores, amigos do homenageado, por um lapso a TV Senado ainda não entrou, e o Senador Requião, sempre muito vigilante, reclamou. Quero só aguardar um pouco para que a TV Senado entre, porque ela está atualmente em uma sessão temática. (Pausa.)
Vamos aguardar um pouco a TV Senado. Não fosse a vigilância do Senador Requião, eu passaria em branco. (Pausa.)
Os senhores vão me desculpar: vou mencionar todos os nomes citados depois que a TV Senado entrar no ar.
(A sessão é suspensa às 11 horas e 22 minutos, e reaberta às 11 horas e 54 minutos sob a Presidência do Sr. João Alberto Souza, 2º Vice-Presidente.)
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O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Está reaberta a sessão.
Antes de cantarmos o Hino Nacional, eu quero registrar a presença do Senado Dário Berger, de Santa Catarina; do Senador Dalirio Beber, de Santa Catarina; e da Senadora Gleisi Hoffmann, do Paraná.
Convido a todos para, em posição de respeito, cantarmos o Hino Nacional.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Escutaremos agora o Hino do Estado de Santa Catarina.
(Procede-se à execução do Hino do Estado de Santa Catarina.)
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O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Senhoras e senhores, celebramos, na sessão solene de hoje, a vida deste catarinense de Tubarão, o Professor Doutor Luiz Carlos Cancellier de Olivo.
Vítima de uma morte trágica, Cancellier colecionava fatos notáveis em uma ilustre biografia, digna do grande homem que foi e da honrosa família que deixa.
Filho de uma costureira e de um operário, empenhou-se com dedicação e afinco, mas também com convicção e ideais, na construção de uma brilhante trajetória profissional.
Ingressou em 1977 no curso de Direto da Universidade Federal de Santa Catarina - instituição essa que seria o palco privilegiado de sua carreira.
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Como idealista que era, militou no movimento estudantil, participou ativamente das Diretas Já e auxiliou parlamentares na elaboração de nossa Constituição cidadã.
Cancellier trabalhou também como jornalista d'O Estado, mas o Direito chamou-lhe de volta. Concluiu mestrado e doutorado na área jurídica, além de especialização em gestão universitária e direito tributário.
Em uma entrevista antiga, ele já havia justificado sua escolha pelas possibilidades do exercício da justiça. Disse, sabiamente: "Sem o Direito, prevalece a força, a barbárie". Não há como não se surpreender com a atualidade da declaração.
Já como docente na Federal de Santa Catarina, Cancellier lecionou disciplinas como Direito Administrativo e Direito Público. Foi chefe do departamento do curso de Direito entre 2009 e 2011 e eleito diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade um ano depois. Foi, igualmente, diretor da Fundação José Arthur Boiteux e membro do Conselho Editorial da editora da Universidade.
Em novembro de 2015, veio a coroamento de um percurso de seriedade e comprometimento com o desenvolvimento do ensino em Santa Catarina. Luiz Carlos Cancellier foi eleito Reitor da Universidade e seu engajamento no cargo sempre foi ao encontro da agenda que defendeu ao longo de sua campanha para a reitoria.
Abro aspas: "Um modelo de administração que resgate a excelência e a eficiência na instituição, apostando na descentralização da gestão, na valorização e na participação de todos os centros e unidades da universidade nas tomadas de decisão." Fecho aspas. Eis o que sempre defendeu e executou, com a coerência que lhe era própria.
Senhoras e senhores, no último dia 2 de outubro, em circunstância lastimável e comovente, Luiz Carlos Cancellier tirou a própria vida. Nesse dia, perdemos todos.
Despedimo-nos de um homem digno, empenhado no aperfeiçoamento do ensino universitário em Santa Catarina.
Despedimo-nos de um profissional dedicado, que cedeu seu talento e sua capacidade de trabalho para a nobre causa da educação superior pública brasileira.
Era o que tinha a dizer.
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Eu passo agora a palavra ao primeiro orador inscrito e que, depois, vai assumir a Presidência desta sessão.
Concedo a palavra ao Senador Roberto Requião, requerente da sessão solene em companhia do Deputado Arlindo Chinaglia.
Com a palavra V. Exª, Senador.
Senador, pelo adiantado da hora, eu queria conceder o prazo de dez minutos a V. Exª.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Tempos difíceis e estranhos nós vivemos. Nós estamos com esta sessão no ar através da internet, mas dificuldades burocráticas farão com que ela seja reproduzida posteriormente na TV Senado. Mas ela não está sendo transmitida ao vivo na TV Senado.
Sinal dos tempos, Presidente!
Talvez fosse pedagógico, ou mesmo um exercício indispensável, que se estudasse a ascensão do fascismo na Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, e o fenômeno do macarthismo, nos Estados Unidos. Se assim o fizéssemos, dispararíamos todas as sirenes de alerta para avisar essa Pátria tão distraída que o monstro vem aí.
Um traço distintivo, característico da escalada fascista é o abuso de poder, a exorbitância, os excessos da autoridade. As ações imoderadas e arbitrárias são essenciais para que se imponha a ordem fascista. Ações que causem constrangimentos, espalhem o medo, acuem, humilhem, difamem. A polícia e órgãos vinculados à operação da Justiça são imprescindíveis para isso, assim como a colaboração dos meios de comunicação, amigos e simpáticos à causa.
Os pretextos para que se esgarcem ao limite os trâmites legais e tensionem ao máximo a ordem democrática alternam-se ao sabor das conveniências. Ora é o perigo comunista; depois, a dissolução dos costumes; mais adiante, a corrupção; em seguida, a anarquia econômica; e assim por diante.
No fundo, na essência, sempre o mesmo propósito: a salvaguarda e a manutenção do sistema. Este, suas mazelas, sua entranhada e incorrigível desumanidade, não vem ao caso, não se contesta. Enfim, confirma-se mais uma vez: fascismo e capitalismo não se opõem, completam-se.
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Mas é claro, o abuso de poder, os excessos da autoridade não são erupções repentinas, surpreendentes, que surgem do nada. Essas manifestações exigem um longo cultivo, cuidadosa maturação e, como a história ensina, exigem principalmente a omissão, o silêncio e a conivência dos democratas, dos humanistas, das mulheres e dos homens de bem - omissão, silêncio e conivência que levam a tragédias como a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier.
O caso do professor Cancellier é um exemplo clássico, pronto e acabado, de abuso de poder. Um exemplo também completo da impunidade das autoridades arbitrárias e despóticas. Prisão sem justificativa firme, plausível e feita sob os holofotes da Globo, da CBN; acusações vagas, suposições e todo o ritual de humilhação a que são submetidos os presos, culpados ou inocentes. De um lado, a covardia extrema, sadismo, maldade, cinismo, baixeza e a vilania praticada em seu grau mais elevado. De outro, angústia, desespero, desamparo e aquele sentimento de injustiça, de iniquidade, que nada aplaca, alivia ou consola.
Não há como se livrar da mancha de ter sido preso neste Brasil dos abusos da Lava Jato e de operações inquisitoriais assemelhadas. "Se foi preso é porque deve ter alguma coisa. Se foi preso mereceu", diz a voz dos tolos. Como alguns dos presos são realmente bandidos, todos os presos são bandidos. Esse é o silogismo medíocre, ginasiano, concurseiro, dessa nova rapaziada que invade as instituições brasileiras pela via do concurso público.
Eliminou-se a presunção de inocência. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário transformam-se na espada santa do Senhor, nos anjos da Justiça, infalíveis e incontestáveis. Se os fatos, se a verdade dos fatos os contrariam, azar. E vamos parar com essa pusilanimidade de chamar isso de "ativismo judicial". Ativismo judicial é a santa progenitora desses causídicos bobalhões! É ativismo político desbragado, deslavado, desavergonhado! É militância política pura e simples!
Ativismo judicial.... Ora, que imbecis! Querem enganar a quem?
Não conheci pessoalmente o Reitor Luiz Carlos Cancellier. Não estou aqui santificando-o, canonizando-o. Dizem que a Universidade Federal de Santa Catarina vivia uma situação complicada, até anárquica, quando ele assumiu a reitoria, eleito por ampla e incontestável maioria. Dizem que ele tendia à conciliação. Dizem, apenas dizem. Mas nunca ninguém disse que ele era desonesto, corrupto, parceiro de bandidos, protetor de bandidos.
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Talvez, procurando bem, descobríssemos mais defeitos em Cancellier. Talvez ele fosse, como todos nós, em determinadas circunstâncias, passível de censuras. Quem sabe? Mas daí a atirá-lo no lodaçal das suspeitas, equiparando-o, pelo tratamento a ele concedido, a esses notórios bandidos dessa República de meliantes? Não.
Imaginem só, comparar o Cancellier... Bem, não preciso citar nomes ou fazer desfilar a conhecida nomenclatura toda. Pois é, os canalhas ousaram fazer isso com o Reitor Cancellier. Canalhas!
Evidentemente, não vou aqui fazer a óbvia exigência de que apresentassem provas contra Cancellier. Nos dias de hoje, acusar e apresentar provas é um luxo. Por que provas, se os rapazes têm convicção, se os rapazes das instituições têm convicção? Por que provas, se o Jornal Nacional, a GloboNews, a CBN, RBS e os jornalões já sentenciaram? Por que provas? William Bonner, voz solene e empostada, repete Sérgio Chapelin e Cid Moreira dos anos da ditadura e também lê diariamente os boletins das execuções sumárias.
Desagravo-o, Luiz Carlos Cancellier, não como santo ou herói. Desagravo-o como mais um brasileiro, como tantos milhares de compatriotas que, todos os dias, são humilhados pela falta de justiça; pelo desemprego; pelo assalto às nossas riquezas e quebra de nossa soberania; pela monstruosa concentração de renda, que faz seis brasileiros terem a mesmas posses que 100 milhões de brasileiros; pela usura, pelo rentismo que sacrifica o País, suas empresas e o seu povo no matadouro do capital financeiro.
Desagravo-o, Reitor Cancellier, porque, enquanto o perseguem, o expõem e o enxovalham, a corrupção, a grande e asquerosa corrupção da escravização dos trabalhadores; a corrupção do corte de gastos públicos na saúde, na educação, na segurança pública, na geração de empregos, na habitação e no saneamento; a corrupção da entrega do pré-sal e dos minérios; a corrupção da privatização da energia elétrica e da venda de terras para os estrangeiros; a corrupção abominável do racismo, que faz com que mais de 70% dos brasileiros sejam vítimas de violência e sejam pretos, pardos e mulatos; a corrupção de uma Justiça lenta, insensível e parcial; essa corrupção que corrói e destrói o País, essa corrupção, no entanto, para eles não vem ao caso.
Mas supostos desvios na Universidade Federal de Santa Catarina, isso sim vem ao caso - não é, Srª Delegada da Polícia Federal e notável atriz "lavajatina"? Não é senhores juízes e senhores promotores, mais justiceiros e executores do que qualquer coisa. Não é, senhoras e senhores que nada mais são que contrafacções, pastiches dos verdadeiros e sérios operadores do Direito e da Justiça.
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São força-tarefa ou são esquadrões da morte?
As marcas da maldade ficaram impressas em Cancellier, em seu espírito, em sua alma atormentada, em seu coração estraçalhado. E o estigma foi lavado com sangue.
Senhoras e senhores, hoje, exatamente hoje, 31 de outubro, há 500 anos, a humanidade conheceu um dos mais portentosos, sublimes e poderosos gritos contra o abuso de autoridade. No dia 31 de outubro de 1517, em Wittenberg, Alemanha, Martinho Lutero expõe suas 95 teses, denunciando a que extremos chegara o abuso de poder da cúpula dirigente da nossa Igreja Católica.
O protesto de Lutero vibra, faz tremer a face da Terra e desperta o homem para uma nova relação com a religião, com Deus, com a Igreja. O poder discricionário, e seus implacáveis caçadores de heréticos e rebeldes, sofre um abalo, um abalo para todo o sempre.
Protestemos! Mais que isso, rebelemo-nos, insurjamo-nos! Vamos às ruas, ocupemos as escolas, façamos greve, ocupemos fábricas, bancos, escritórios, estaleiros, refinarias e vamos colocar abaixo o entreguismo escravagista, corrupto e inepto.
É o meu grito, é o meu desagravo ao Reitor Carlos Cancellier.
Obrigado, senhores e senhoras. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Eu quero mencionar a presença dos Srs. Deputados.
Aqui, ao meu lado, estão o Deputado Arlindo Chinaglia; o Deputado Jorginho Mello; o Deputado, ex-Senador, Esperidião Amin; o Deputado Jorge Boeira; o Deputado Décio Lima; a Deputada Carmen Zanotto; o Deputado Henrique Fontana; o Deputado Chico Lopes; o Deputado Wadih Damous; o Deputado Celso Pansera; o Deputado Luiz Sérgio; o Deputado Ronaldo Benedet; o Deputado Marcon; a Deputada Angela Albino, a Deputada Maria do Rosário.
Eu concedo a palavra ao Deputado Arlindo Chinaglia.
(O Sr. João Alberto Souza, 2º Vice-Presidente, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Roberto Requião.)
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O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, João Alberto Souza; Senador Roberto Requião, que agora assume a Presidência dos trabalhos; ex-Senador Nelson Wedekin; Desembargador Lédio Rosa de Andrade, enfim, senhores e senhoras, nesta homenagem póstuma ao Sr. Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, dirijo-me inicialmente aos familiares e amigos aqui presentes para manifestar, em primeiro lugar, nossos sentimentos, nossa solidariedade, mas também a nossa indignação.
Ninguém, rigorosamente ninguém pode ficar indiferente quando alguém, com uma trajetória tão marcante, respeitado pelos amigos e colegas de trabalho, tenha um fim de vida tão dramático como teve o Reitor Cancellier. De resto nos sensibilizaria a mesma situação em qualquer ser humano.
Ninguém pode ficar indiferente quando, quatro dias antes do seu suicídio, o Reitor Cancellier publica artigo no jornal O Globo citando, aspas, "a humilhação e vexame a que fomos submetidos", referindo-se a ele e aos seus colegas da Universidade Federal de Santa Catarina. Na sequência do artigo, fala que ficou surpreso, depois diz que perplexo e amedrontado. E, aqui, registre-se - eu também não conheci o ex-Reitor: todas as referências que li, todos os testemunhos que pude colher, e na minha opinião nessa altura, justamente o caracterizavam como um lutador de coragem.
E nesse artigo ele faz acusação. Ele acusa: uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiu o contraditório e ampla defesa; informações insuficientes à Polícia Federal; a sonegação de informações fundamentais ao entendimento daquilo que se passava, e a atribuição a uma gestão de pouco mais de um ano de fatos ocorridos em gestão anterior.
E afirma no mesmo artigo: "Não adotamos nenhuma atitude para abafar a investigação."
Portanto, isso compõe um quadro que levou a um isolamento, agravado por circunstâncias evidentemente de caráter também pessoal, e o desfecho não é só lamentável, ele era evitável.
A partir dessa circunstância, nós estamos homenageando-o numa cerimônia que nós não queríamos que acontecesse.
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Portanto, a única saída decente que nós temos, individual e coletivamente, é não só apoiar, mas é incentivar todas as iniciativas para esclarecer os fatos, para apurar responsabilidades, defendendo o Estado democrático de direito.
Aqui faço referência ao belo pronunciamento do Senador Requião, que aprofundou e deu as tintas necessárias para dar o caráter de urgência, e aqui faço também um parêntese para cumprimentar muitos da comunidade jurídica do Estado de Santa Catarina, dos seus familiares que, de maneira corajosa, já fizeram denúncias e, na minha opinião, até pelas circunstâncias do mundo da política, com certeza, com maior repercussão daquilo que nós aqui no Parlamento podemos falar.
Aqui eu quero entrar naquilo que é óbvio: todos nós sabemos que há erros em todas as instituições do Planeta, sem exceção, mesmo naquelas onde se acerta muito. Portanto, a pior atitude que podemos ter é, de forma passiva ou, pior, arrogante, ignorar os erros e as injustiças.
A humilhação e vergonha mencionadas pelo ex-Reitor Cancellier e seu triste e dramático bilhete, onde afirma que a morte dele foi decretada no dia em que ele foi afastado da universidade; o seu suicídio na sequência; e até o impedimento de um padre - o Padre William Barbosa Vianna - de prestar assistência espiritual ao, então, Reitor - mas que sociedade é essa que nós estamos construindo? É melhor dizer: que sociedade é esta que nós estamos tolerando? -; o desrespeito à dignidade humana, que, neste caso, atingiu e ultrapassou todos os limites do razoável, impõem definitivamente aquilo que deve ser uma atitude continuada, preservada e aperfeiçoada de todas as autoridades que lidam com o ser humano, com o cidadão. Todo o cuidado é pouco, porque é fácil mandar prender, é fácil executar a prisão, mas passa a não ser nada fácil se alguém tiver a mínima decência de se colocar no lugar daquele que pode ser um inocente - aqui eu abro parênteses, perdoem-me -, é fácil ter sensibilidade quando qualquer um é atingido.
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Eu vou dar um exemplo para ninguém utilizar de má-fé contra esta sessão. Eu vou falar...
(Soa a campainha.)
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP) - ...de procuradores, mas quero falar de procuradores estaduais do Rio Grande do Sul. Três deles chegaram ao absurdo, ao absurdo de estarem processando pais de jovens que morreram no incêndio da Boate Kiss; um deles porque apresentou um cartaz dizendo que havia provas de que não podia funcionar aquela boate. Agora, imaginem, pais e mães, dilacerados pela dor, questionarem o Ministério Público daquele Estado, e dois ou três promotores não terem a mínima sensibilidade...
Eu estou dando um exemplo fora do caso, de propósito. É exatamente porque nós não queremos ter a mesma atitude com aqueles que investigaram, como eles tiveram com o Reitor e outros. Terão direito a uma investigação séria, a uma investigação responsável, a começar pelo corregedor daquela universidade, que, aliás, se uma mínima parte do que eu li através de reportagem do Jornalistas Livres for verdadeiro, eu quero dizer que não consigo entender como é que ele consegue continuar corregedor daquela universidade.
Portanto, há que se apurar responsabilidades, a começar pela do corregedor. Todos devem explicações. Primeiro, para o bem da sociedade, também servirá de homenagem ao ex-Reitor Cancellier, mas também para o bem das instituições. Elas não podem ser genericamente responsabilizadas pelos erros, omissões e até crimes que um ou outro, seu mau representante, possa cometer.
Agora, é preciso ter presente que nem tampouco podem encobrir erros ou abusos. E eu quero citar uma frase emblemática, que já foi mencionada pelo Senador João Alberto, mas ela, de fato, é emblemática, que diz o que o Reitor em vida, numa entrevista: "Sem o direito, prevalece a força, a barbárie."
E concluo: ninguém, mas rigorosamente ninguém está acima da lei. Nós estamos aqui, portanto, para clamar por justiça. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - A sessão foi aberta pelos subscritores da Sessão Especial de Desagravo e Homenagem ao Reitor Cancellier.
Em seguida, falarão o Senador Wedekin e o nosso Desembargador Lédio Rosa de Andrade, representando a família.
Mas antes disso, quero convidar para fazerem parte da Mesa, representando a Conferência Nacional dos Bispos, o Pe. Paulo Renato Campos, e a Ordem dos Advogados do Brasil, o Sr. Luís Cláudio da Silva Chaves.
O SR. NELSON WEDEKIN - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados; demais autoridades presentes neste evento, faço uma saudação muito especial e particular não só aos amigos, mas aos familiares: ao Acioli, que aqui está presente; à Cris. E quero mencionar também o Mikhail, que não está presente, o filho do Cancellier; e o Júlio, irmão, que também não está presente.
Queria também cumprimentar, com muito calor humano e vigor, a iniciativa do Deputado Arlindo Chinaglia e do Senador Roberto Requião. Andaram bem, não só pela importância deste evento, pela relevância deste evento, quanto pelo fato até aqui não mencionado, mas é bom que a gente mencione.
O Cancellier foi, durante um bom par de anos, funcionário da Câmara dos Deputados e funcionário deste Senado durante a Constituinte. E foi, indiscutivelmente, um funcionário de altíssima qualidade intelectual, lisura de procedimento, honestidade pessoal. Enfim, o Cancellier teve uma passagem marcante, não apenas no meu gabinete quando eu era Senador, mas nesta Casa. De modo que, por todas as formas, esta homenagem póstuma se justifica e tem um enorme valor. Não seria desejável que eventos tão dramáticos passassem despercebidos de uma Casa que tem a importância do Congresso Nacional.
A morte de Luiz Carlos Cancellier de Olivo foi um acontecimento trágico, infausto, mas não só. Se houvesse uma só autoridade do Estado a refletir, por breves momentos, naquela situação, uma só autoridade com olhar na lei, na proporção que precisa haver entre o seu ato e as suas consequências, se assim fosse, Cancellier estaria entre nós, feliz e realizado, como estava na vida, dedicando o melhor do seu talento e da sua inteligência, de sua capacidade de trabalho, de sua vocação para o diálogo e o entendimento, prestando serviços em favor da universidade e do País. Como bem disse o Deputado Chinaglia, a tragédia teria sido evitada.
Tudo está claro hoje. Os fatos que estavam sendo investigados não eram nenhum escândalo. Não havia flagrante. Não havia malas de dinheiro. Não havia licitações fraudadas nem obras superfaturadas. Não havia nota fiscal fria nem dinheiro de caixa dois. Não estavam em investigação financiamentos do BNDES a juros negativos nem prejuízos biliardários aos fundos de pensão.
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Tudo parece bem mais próximo - e mesmo isso ainda está para ser demonstrado - de um conjunto de irregularidades, precariedade de controles, prejuízos possíveis que, calculados na ponta do lápis, talvez tenham alcançado a cifra de R$350 ou R$400 mil, isso em um programa que movimentou R$80 milhões desde o seu início em 2006.
O detalhe de que os eventos investigados eram anteriores à posse de Cancellier não pareceu relevante às autoridades da Operação Ouvidos Moucos. Também de nada valeu que Cancellier não tivesse antecedentes criminais. Cancellier era um homem de ficha limpa. Nos 59 anos que viveu, ele foi preso uma única vez, no raiar daquele dia de setembro de 2017. Dormiu uma única noite na cadeia. E dali saiu para morrer 18 dias depois, consumido na voragem daquela terrível sucessão de acontecimentos.
Cancellier foi preso, e os policiais que o acordaram de madrugada não souberam explicar as razões da prisão. Tentou rever na memória o que poderia ser, enquanto era conduzido de camburão ao prédio da Polícia Federal, mas não passou nem perto.
Os policiais, o Ministério Público Federal e a juíza poderiam ter tomado uma providência simples: mandar verificar onde morava o Reitor. E veriam, então, que ele morava num apartamento modesto, de três quartos, quase todos lotados de livros, num prédio modesto de quatro andares. Saberiam que ele não tinha carro. E poderiam ter feito o raciocínio elementar: esse homem não tem e não tinha o perfil de delinquente.
Também poderiam ter grampeado os seus telefones. Talvez o tenham feito.
(Soa a campainha.)
O SR. NELSON WEDEKIN - Como sabe esta Casa, no Brasil de hoje é incalculável o número de telefones grampeados. Seriam, dizem alguns, 250 mil ou 450 mil. Ninguém sabe. Mas, se gravaram, não havia nada que comprometesse o Reitor. Senão, teriam divulgado, da mesma maneira que foi irresponsavelmente divulgada a cifra de R$80 milhões como o valor de desvio, quando esse era o valor total de todo o programa investigado desde 2006.
Aquelas autoridades, por dever de ofício, deveriam medir a extensão, a gravidade dos fatos investigados, face ao gigantismo da operação que montaram, a Ouvidos Moucos. Foram mobilizados, só da Polícia Federal, 105 agentes policiais, muitos deles vindos de outros Estados da Federação. Vieram agentes do longínquo Estado do Maranhão, e sabe-se lá mais de onde. Não é demasiado afirmar que a operação custou mais aos combalidos cofres públicos brasileiros do que o prejuízo investigado.
Aquelas autoridades imprudentes, desmesuradas, ao que parece, não cogitaram de abrir uma investigação normal, regular, compatível com a dimensão do episódio. Isto é, abrir o procedimento, ouvir o Reitor, os outros seis presos, os demais envolvidos e, no correr do processo, verificar se havia dolo e culpa, quem eram os responsáveis, se de forma total ou em parte, e quem possivelmente não tinha nenhuma culpa.
Se seguissem a alternativa comum, teriam obtido os mesmos (e até melhores) resultados com o uso comedido, discreto de cinco ou seis agentes da PF. Não teriam gasto uma pequena fortuna em passagens, diárias, refeições. Não teriam de importar reforços de outros Estados. Ninguém parou para pensar. Seguiram apenas os próprios impulsos voluntariosos. Agiram sob a influência de um corregedor buliçoso, ansioso de protagonismo, tomado de excesso de zelo.
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Não havia entre os investigados nenhum condenado, indiciado. Todos eram ficha limpa. Nenhum deles poderia ser chamado de "elemento", como se costuma chamar no meio policial. Nenhum deles reagiu, nenhum deles era perigoso. Todos trabalhavam na universidade. Todos tinham endereço certo e conhecido. Antes de levá-los às barras do tribunal, o que seria até razoável, levaram-nos às barras da penitenciária.
No Brasil são assassinados por ano 60 mil pessoas, 60 mil concidadãos. Em apenas 8% a 12%, dependendo das estatísticas desses assassinatos, se conhece a autoria. Então, devem existir nas ruas das cidades brasileiras e nos grotões do País milhares de assassinos à solta. Nenhuma autoridade teve a ideia de fazer uma operação que reunisse, digamos, cem policiais para encontrá-los, botar atrás das grades, quem sabe uma, duas centenas deles. E, se não tanto, ao menos sete, para se equiparar à Operação Ouvidos Moucos.
O programa do Fies já acumula 55% de inadimplência. Fraudes históricas no auxílio-doença, no seguro-desemprego, no seguro-defeso vêm sendo praticadas há anos, como denunciam sistematicamente os organismos de controle. São milhões, bilhões de prejuízos causados aos cofres públicos. Vez por outra, em longos intervalos, se monta uma operação especial para barrar a pilhagem, conter os abusos, punir os responsáveis. Nenhuma dessas minioperações chegou perto do aparato da Ouvidos Moucos. Ao que saiba, ninguém foi preso e ninguém está preso.
Mas lá no meu Estado de Santa Catarina montaram uma operação estrepitosa para elucidar o possível desvio de alguns milhares de reais, cuja única consequência visível foi a de atirar na lama a reputação de um homem de bem, homem do diálogo e da conciliação, fazendo-o sucumbir na ignomínia.
Era um caso vulgar, ainda restrito ao âmbito administrativo. Um caso que talvez, quem sabe, possivelmente em hipótese, poderia ter causado algum prejuízo ao dinheiro público. Um caso de obstrução à Justiça, embora a matéria ainda estivesse em instância administrativa.
Terá sido a primeira vez em que uma suposta interferência no âmbito administrativo se transformou, do nada, em delito, em crime. E terá sido também a primeira vez que, por tão pouco, se põe na cadeia um homem comum e, mais ainda, um professor, mestre, doutor e reitor de uma Universidade.
As autoridades responsáveis pela sequência trágica de erros ouviram, a rigor, duas pessoas para montar a expedição punitiva: o corregedor da universidade e uma única professora. Ao que se sabe, não cogitaram de um procedimento comum: da hipótese elementar de ouvir antes as explicações do Reitor e dos demais. Fizeram uma ligação direta com a operação cinematográfica, com pompa e circunstância, atirando-os às feras da opinião pública, das milícias raivosas das redes sociais, dos justiceiros de plantão.
Expuseram-no à cobertura acrítica da imprensa, que deixou passar barato e acatou quase pressurosa, sem contestar, a versão pífia das autoridades. Os meios de comunicação, ou partes deles, que com justa razão se batem pelo princípio da liberdade de imprensa, neste caso como em tantos outros, acabaram por usá-la como porta-voz de autoridades do Estado.
Em vez de produzir provas, produziram mais uma operação de nome pomposo e manchetes sensacionalistas na mídia. Em vez de fazer justiça, causaram dano irreparável a um homem, levando-o ao desespero, à pior das vergonhas, que é a vergonha pelo que não fez.
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O combate à corrupção não é, decididamente, um projeto de salvação nacional. Que a corrupção é uma chaga moral que precisa ser combatida, reduzida e, se possível, banida, todos os cidadãos de bem devem estar de acordo. Mas ela não pode presidir todas as preocupações nacionais, como se fosse o único problema do País, acima de todos os demais.
Em tal contexto, tecnoburocratas endurecem as medidas de controle, ouvidores e corregedores e técnicos dos órgãos de controle vasculham repartições de Estado em busca de malfeitos, ameaçando com as normas e regulamentos que só eles conhecem e só eles interpretam - e interpretam a seu gosto, causando pânico em chefes e subordinados.
Agentes policiais e procuradores do Ministério Público, tomados de espírito messiânico, na ânsia protagonista, preferem operações midiáticas, em vez da busca metódica e paciente das provas, em vez de procedimentos discretos de um processo normal. Processo normal é aquele que, se for o caso, não começa pela prisão dos supostos culpados, mas termina com a prisão de culpados verdadeiros, definitivos e sentenciados.
Juízes, magistrados, pressionados por policiais afoitos e procuradores apressados e ansiosos por mostrar serviço, e eles mesmos influenciados pelo clima punitivo geral, admitem de plano, sem maior exame, grampos telefônicos, quebra de sigilos bancário e fiscal, prisões temporárias e outras medidas extremas que devem ser tomadas só em caso justificável, com razão muito pertinente, em um Estado democrático de direito.
As manifestações públicas de entidades de delegados, procuradores do Ministério Público e juízes são altamente reveladoras e preocupantes: todas essas manifestações apoiaram a Operação Ouvidos Moucos, todas as associações. Nenhuma delas viu erro, excesso ou abuso.
Se perguntarem se nós estamos em um Estado policial, e se fosse para responder com a régua rigorosa dessas autoridades de linha dura, de sanha punitiva, e que em tudo enxergam um malfeito, um roubo, então deveria se responder que sim: já estamos num Estado policial. O que não permite tal resposta de pronto é, talvez, a esperança de que existam, em igual número e talvez até em maioria, delegados, procuradores do MP e juízes que trabalham com discrição e comedimento, fazem bom uso de suas prerrogativas e cumprem com exação e equilíbrio as suas funções. Eu mesmo, devo dizer, conheço vários deles.
O fato é que o clima, o estado de espírito que domina amplos setores dessas corporações, predispõe ao abuso, ao exagero, à demasia e à exorbitância. E se estamos vivendo uma escalada é porque tais abusos, tais extrapolações, quando acontecem, fica tudo por isso mesmo. A impunidade pelo erro, pelo abuso de autoridades, é a impunidade dos novos tempos, pois, no Brasil - e isso é bom e positivo -, não se pode mais falar de impunidade dos ricos e poderosos, tão numerosos são os que foram presos, os que estão presos e os que estão para ainda ser.
A sanha punitiva de agentes do Estado, o atropelo de normas elementares da investigação, o conteúdo draconiano das regulações e das exigências de controle, para além de produzir eventos desastrosos como o de Florianópolis e da UFSC, de outro modo, consomem as melhores energias da atividade do Estado.
E tanto mais obsessivamente se criam normas labirínticas e complexas, maior é a necessidade de controles, novos e sofisticados controles, de tal sorte que - e isso é antigo e é clássico, mas nunca chegou ao ponto em que está - as atividades meio consomem cada vez mais recursos financeiros, distanciando o ente estatal da consecução dos seus fins e objetivos. Os meios vão se imiscuindo nos fins, se confundido com eles, paralisando tudo. Eis aí uma equação essencial e pouco lembrada da indesmentível ineficiência do Estado brasileiro.
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Os tentáculos do Estado, de muito tempo, alcançam a sociedade civil, as empresas privadas, compondo o opressivo custo Brasil, embaraçando e asfixiando a produção dos bens e da riqueza, desestimulando as atividades econômicas. Agora, autofágicos, implacáveis e irrefreáveis, se espalham perigosamente nos entes estatais.
Esse clima punitivo, opressor, repressor, policialesco é o germe do totalitarismo.
O Prof. Cancellier foi um exemplo de vida, dedicada ao bem, à justiça, à liberdade e à paz entre os homens. A morte autoinfligida foi um gesto desesperado de inocência, um ato político de coragem, um grito de alerta contra a força bruta e a injustiça.
O mínimo que podemos fazer é tirar dos episódios trágicos de Florianópolis os ensinamentos certos. O Senado, o Congresso Nacional, é um lugar ideal para refletir sobre os fatos, alinhar iniciativas de reação e resistência, levantar a voz em defesa do Estado democrático de direito e das liberdades civis ameaçadas. Que o exemplo de vida de Cancellier, alma cidadã e sal da terra, nos dê força e coragem. Façamos agora enquanto é tempo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - A Mesa registra a presença do Reitor interino em exercício na Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Ubaldo César Balthazar. Registro ainda a presença do Deputado Pedro Uczai, do Deputado Federal Paulo Pimenta e do Deputado Chico Lopes.
Com a palavra, representando a família, o Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Sr. Lédio Rosa de Andrade.
O SR. LÉDIO ROSA DE ANDRADE - Em nome de V. Exª, saúdo as autoridades presentes, o público em geral. Gostaria de fazer uma saudação mais afetiva, mais carinhosa aos familiares do Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que, a partir de agora - permita-me, Sr. Presidente -, chamarei de Cal, como era chamado por todos os amigos queridos e pelo público em geral, mesmo pelos não amigos.
Para mim é uma honra muito grande estar aqui falando da tribuna do Senado da nossa República. E essa honra ultrapassa a minha vaidade pessoal, porque é a honra de um cidadão que acredita na República como a melhor forma de organização política do Estado e de um cidadão que acredita na democracia como a melhor forma de vida social.
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E essas crenças, Sr. Presidente, exigem materialização na vida cotidiana da nossa sociedade. E a materialização da democracia e de uma república se dá com respeito às leis gerais, com respeito ao Estado democrático de direito, e não com a aplicação de "a lei sou eu".
Persiste a honra de estar aqui, mesmo em uma sessão solene deste tipo, na qual a dor, o sofrimento suplantam outros sentimentos. E tenho certeza de que esta sessão em homenagem ao Cal se estende a todas as vítimas brasileiras que já sucumbiram, de alguma forma, ao arbítrio e ao exercício ilegal do poder do Estado.
Por isso, gostaria de falar rapidamente de quem era o Cal, não do currículo que já foi lido, mas, sim, daquele menino de saúde frágil que eu conheci, aos 9 anos de idade, na Rua Santos Dumont, na cidade de Tubarão. Mesmo correndo contra a natureza, ele sobreviveu. Menino que ficou jovem e estudou em colégio público, com quem tive a oportunidade de estudar por alguns anos. Brincávamos, como todos os jovens.
O Cal, desde aquela época... Na nossa cidade de Tubarão, havia uma cultura de que homem tinha que brigar, para mostrar que era homem. E o Cal sempre buscava fugir dessas lutas, apesar de que, quando chegou ao extremo do extremo, em que alguém tentou humilhá-lo, ele lutou fisicamente, contra as suas convicções pessoais. Eu estava lá. Vi a luta, do lado dele, e não me meti, porque ele disse: "Essa questão eu tenho que resolver por mim".
Esse jovem passou no vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina, muito difícil na época - era praticamente a única opção que tínhamos -, e ali começou o curso de Direito, na ditadura militar.
E o Cal, desde novinho, enfrentou a ditadura militar, sabendo dos riscos que isso significava. Houve amigos que sumiram e foram fortemente torturados no nosso Estado.
Seguiu a carreira política e assessorou o combativo Senador Wedekin por vários anos. Voltou para o nosso Estado e, então, fez a carreira acadêmica. Tive muita honra de participar de duas bancas dele - de mestrado e de doutorado -, porque nós gostávamos de discutir e conversar sobre temas sérios.
Fez concurso para a Federal e, ali, começou a galgar a sua carreira, até chegar a reitor. Não sabia o Cal que o esforço dele, que todas as noites maldormidas, lendo, para passar nos concursos; não sabia ele que os passos difíceis que ele deu até chegar ao topo do seu sonho de carreira, que era ser reitor, serviriam de alimento para que as aves de rapina o destruíssem. Ele nunca imaginou isso.
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Ele fazia, com a maior inocência, o seu cotidiano, o seu trabalho. E o que ocorreu em Santa Catarina? E lamento, Sr. Presidente, ter que relatar um processo macabro, porque, em respeito ao público, eu preferia não fazê-lo, mas há horas em que têm que ser ditas as coisas, cruas e nuas.
Em Santa Catarina, professores e um funcionário tiveram a sua liberdade cerceada. Uns com condução coercitiva. Pois bem. Vamos à lei. O Código de Processo Penal é claro: o réu intimado, se não comparecer ou dificultar o comparecimento, poderá o juiz decretar a sua condução coercitiva.
No caso de Santa Catarina, o interrogatório foi marcado às escondidas. Os réus não sabiam que havia interrogatório marcado, não sabiam que havia processo. A coerção na condução foi decretada sem que os réus soubessem. Ela foi decretada em um computador privado, de uma magistrada, de um processo de segredo de justiça. Portanto, só ela ou pessoas de confiança dela sabiam. Os réus não sabiam de nada. A imprensa sabia. Quem comunicou, se era um despacho privado?
Quando eu dou uma decisão privada, como Desembargador, a responsabilidade é minha de mantê-la privada, quando se trata de segredo de justiça. Se vazou, a culpa é minha.
Quem comunicou a polícia? Não se sabe, não se sabe. A primeira notícia que os conduzidos tiveram foram os canos das armas pesadas da Polícia Federal, e ali foram conduzidos. Além da condução, houve a decretação da prisão provisória.
A lei é específica: pode, sim, um juiz prender excepcionalmente uma pessoa nessa fase do inquérito policial, mas a lei dá os requisitos, que são três. O primeiro: que seja imprescindível - essa é a palavra. Segundo: que não tenha endereço certo ou dificulte o conhecimento - o Cal morava ao lado da universidade, todo mundo conhecia. E o terceiro requisito: a lei dá uma série de crimes graves - quando se praticam desses crimes - e ainda fala "que haja indícios fortes de autoria". Aí o juiz pode, excepcionalmente, decretar a prisão.
O que aconteceu em Santa Catarina para todos, e não só para o Cal? Eram réus de crimes, principalmente o Cal, que, se hipoteticamente fossem condenados, não os levariam à prisão, ao final de um processo com ampla defesa e contraditório. Isso foi o que aconteceu em Santa Catarina.
Daí, eu me pergunto, Srs. Deputados e Senadores, para que serve o Parlamento? Se o Parlamento faz uma lei clara... Alguém aqui tem dúvida do que significa réu intimado? Alguém aqui tem dúvida do que significa imprescindível? Não, ninguém tem dúvida. Não se trata de interpretação, não se trata de interpretação. Aqui é ataque à lei, frontalmente, de má-fé ou de forma culposa. É o que nós chamamos, nos meios jurídicos, de error in procedendo, é erro no procedimento. Tem que se investigar se foi por má-fé ou se foi por falta de conhecimento. Eu ia dizer uma palavra mais forte, mas troquei: falta de conhecimento.
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Então, do que adianta? O Parlamento está aqui, faz as leis, e depois qualquer pessoa resolve não usá-las, afrontá-las. Isso aconteceu em Santa Catarina.
E não é só isso, senhores e senhoras. O ritual macabro: os seis professores e o nosso reitor foram algemados. Ele foi algemado nos braços e acorrentado nas pernas. Foi levado para a penitenciária do Estado de Santa Catarina. Até hoje o nosso Estado não abriu - segundo... Pelo menos não se sabe - nenhum procedimento para apurar isso, porque os funcionários do Estado de Santa Catarina não obedecem ordem da Polícia Federal. Eles não têm esse poder hierárquico.
Lá na penitenciária, tiraram a roupa de todos e os deixaram nus por quase duas horas, Sr. Senador, na frente dos outros presidiários, expostos, para que recebessem piadinhas sobre o tamanho do pênis e coisas desse tipo. Fizeram revista íntima no pênis e no ânus do Cal. E ele foi preso de madrugada, às seis da manhã, em casa, e ficou à disposição da Polícia o dia todo. O que ele iria esconder no ânus, eu me pergunto?
Senhores, há uma súmula vinculante - que eu tenho certeza de que a magistratura fez lobby aqui para não aprová-la, porque iria tolher os juízes, iria acabar com liberdade dos juízes -, a Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal, que diz que não pode algemar, salvo se o réu oferecer perigo ou resistência.
Meu Deus do céu! Esse professor tem algum perigo? O que eles iram fazer? Avançar em cem policiais armados até os dentes? Aliás, que vieram aqui do Norte, de avião, com diária, provavelmente com um gasto enorme de dinheiro público. Para quê? Pegar cem pessoas daqui para lá. Se qualquer policial pedisse, seria muito bem recebido lá na USP, nós serviríamos cafezinho, ele iria olhar o que quisesse. Mas, não, cento e poucos policiais vão de avião para lá.
E eu pergunto: para que serve o Supremo Tribunal Federal, se faz súmula vinculante, e ninguém dá bola? Para que servem as nossas instituições republicanas, se há gente que simplesmente usa de "a lei sou eu, faço o que quero e se acabou. Danem-se os outros"? Essa é a nossa realidade.
Mas eu hoje, aqui - pode parecer paradoxal -, gostaria de fazer a defesa da magistratura, a defesa do Ministério Público e a defesa da Polícia. Quero fazer a defesa dessas instituições, porque eu sou professor da Academia Judicial. Nos últimos oito anos, dou aula para todos os juízes que entram na magistratura. Recentemente fui convidado e dei aula em Roraima. Então, toda essa juventude são meus alunos na cadeira de Ética.
E posso asseverar que a grande maioria desses jovens são jovens bem intencionados, que querem trabalhar dentro do marco do Estado democrático de direito. Claro que a magistratura, por formação, é mais conservadora, mas ser conservador não é crime.
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O que está acontecendo, senhoras e senhores, é que uma parte da magistratura, uma parte do Ministério Público e uma parte da Polícia ativa estão pervertendo o Estado democrático de direito, abusando do poder e afrontando lei expressa, clara. E não se trata de interpretação; trata-se de má intenção ou de falta de conhecimento. Isso é o que está acontecendo.
E o que entristece é que a grande maioria dessas instituições - ou pelo menos boa parte delas - não concordam com isso, mas estão caladas. Esse é um grande problema.
E outro problema - este sim me entristece, no fundo do coração -: trata-se das posturas das associações de classes. A Associação dos Magistrados Brasileiros, as associações dos Ministérios Públicos e as associações judiciais deveriam ter a coragem de vir para o debate democrático e ajudar a separar o que é juiz bom do que é juiz fascista; ajudar a separar o Ministério Público que quer, realmente, fazer a sua função de defender o Estado daqueles que querem se promover à custa dos corpos e da história dos outros. E deveria ajudar a associação dos policiais a ver quem é policial dentro daquilo que a lei prevê como suas funções e quem usa a arma para abusar, amedrontar e assustar a população indefesa. Essas associações estão se postando num corporativismo baixo, estão se colocando acima da sociedade e estão jogando a democracia no lixo.
Elas venham para cá debater! Sentem aqui e digam por que são a favor de abuso claro de poder. E não fiquem dizendo que qualquer crítica a uma parte da magistratura é um ataque à democracia.
Essa democracia eu não quero. Se isso for democracia, vou ter que lutar por outra coisa, porque o que estudei de democracia é outra coisa.
Talvez, Sr. Presidente, tenhamos que fazer uma Quarta Emenda aqui, no Brasil, como foi feito nos Estados Unidos. Já que os Estados Unidos influenciam tanto a magistratura brasileira, vamos fazer uma Quarta Emenda.
E eu termino, dizendo que, de fato, de fato, a lei é para todos. De fato e prioritariamente, a lei tem que ser seguida pelos agentes do Estado. E, dentro dos agentes do Estado, mais prioritário ainda: a lei tem que ser seguida por aqueles que manipulam a violência legítima do Estado - nós, juízes, Ministério Público e polícia -, porque, quando nós, que temos dado pelo Estado e regulado pelo Parlamento o poder de usar a violência monopolizada do Estado, legitimamente; quando nós desobedecemos às regras e impomos o nosso desejo pessoal; quando nós achamos que somos os únicos portadores da ética, que estamos acima do bem e do mal, nós estamos tirando a legitimidade da violência do Estado e estamos colocando, no seu lugar, o terrorismo de Estado. E é contra isso que temos que lutar.
E tenho certeza de que grande parte da magistratura, do Ministério Público e da polícia me aplaudiriam neste momento, porque eles não querem um terrorismo de Estado.
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Portanto, que a lei seja para todos, e que nós, ainda na conversa, consigamos parar essa onda de prática fascista que lamentavelmente vem crescendo em nosso País.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Ao tempo em que registro a presença do Deputado Celso Pansera, passo a palavra ao Deputado Décio Lima.
Em seguida, pela ordem de inscrição, o Deputado Esperidião Amin e o Senador Dário Berger.
O SR. DÉCIO LIMA (PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Roberto Requião, que preside esta sessão solene; prezado Deputado Arlindo Chinaglia, aqui representando o sistema bicameral, a Câmara e o Senado, nesta sessão solene conjunta, da Câmara e do Senado Federal; meu querido companheiro, amigo das lutas contra a ditadura, Juiz Desembargador Lédio Rosa; nosso ex-Senador, querido companheiro, Senador Nelson Wedekin; eu queria cumprimentar os familiares, em nome, me permitam, de seu irmão, o Acioli Olivo, extensivo a sua ex-esposa, sobrinha e familiares presentes; quero também cumprimentar o Estado de Santa Catarina, aqui representado em grande número, e o faço na pessoa do Presidente da Câmara da cidade de Natal, do nosso Magnífico Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, aqui presente, o Presidente da Câmara, Felippe Luiz Collaço.
Eu queria, neste momento, Senador Requião, dizer que V. Exª, como de estilo, dá uma grande oportunidade a nós, o povo brasileiro.
Eu não posso imaginar que esta sessão solene póstuma a esta expressão da Academia Brasileira, de uma das melhores universidades do Brasil, se limite à tragédia do seu acontecimento. Eu não posso, ao mesmo tempo, imaginar que este acontecimento seja um erro do Estado, um caso isolado, uma situação singular de erros de procedimentos, como aqui detalhados e anunciados por todos aqueles que ocuparam a tribuna deste Senado Federal.
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Eu acho inclusive, Dr. Lédio Rosa, que a maior perversidade nessa tragédia seria nós, os catarinenses, os brasileiros, os defensores da democracia nos resignarmos, não tirarmos desse acontecimento que, na verdade, é uma síntese do conjunto de momentos que o Brasil, infelizmente, está sendo palco, para que nós, na nossa pluralidade de pensamento, na nossa absolvição da democracia como um valor universal, não venhamos a transformar ...
(Soa a campainha.)
O SR. DÉCIO LIMA (PT - SC) - ... essa figura eminente do Magnífico Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo num marco regulatório para a construção de uma sociedade justa, fraterna e efetivamente democrática.
V. Exª, Presidente Requião, trouxe a esta Casa o relatório da Lei de Abuso de Autoridade, que está lá na Câmara dos Deputados. Nós temos que, a partir desse momento, expressar a nossa indignação, portanto, em um ativismo resolutivo, para que possamos estagnar essa onda que está tomando conta da sociedade brasileira.
Eu, sinceramente, acredito na democracia. Mas ela precisa, neste momento em que estamos vivendo o maior período da vida democrática do nosso País, produzir um processo de lapidação urgente, sob pena de estarmos vivendo os momentos cruéis que a humanidade já atravessou em muitos acontecimentos que nos deixam envergonhados na condição de humanos.
Portanto, eu não imagino que nós possamos sair daqui sem a condução de um processo que possa, além de chamar o debate do Brasil e da sociedade, efetivamente fazer uma produção eloquente, para que a gente ponha, de vez, uma barreira nesse impulso que se agigantou no nosso País, de uma onda extremamente conservadora, de uma onda que dominou e contaminou a sociedade brasileira, não só as instituições envolvidas nesse episódio, e que tomou conta, infelizmente, dos corações abandonados, principalmente, da juventude, que não vivenciou a crueldade, como muitos de nós aqui vivenciamos, os momentos de obscurantismo de que o Brasil, infelizmente, foi palco.
Portanto, eu tenho certeza de que os familiares também aqui têm essa simbologia.
Esta sessão solene não é apenas uma sessão póstuma. Nós não podemos nos render a este momento, a esta construção, infelizmente, de hegemonia autoritária, fascista, cruel, promovida...
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E aqui eu, inclusive, troco os sinônimos das palavras que o Requião tem usado, não de canalhas, mas de crápulas, que querem substituir o povo brasileiro pelo mercado, fazendo com que a dignidade humana e os valores democráticos sejam também sucumbidos, com a grande maioria do povo brasileiro.
Portanto, eu tenho certeza que a memória desta personagem que nos honra - o povo de Santa Catarina... Eu tive a oportunidade de conhecê-lo apenas uma vez e disse ao seu irmão, antes de chegar a esta sessão solene, quando ele me procurava no gabinete para tratar de uma agenda da Universidade Federal de Santa Catarina. E eu entrei na minha sala, olhei para aquela personagem e ainda disse aos meus companheiros colaboradores do meu gabinete: onde está o magnífico reitor? Ali estava a expressão daquele catarinense humilde, reservado, silencioso, mas que deixa para nós um exemplo de vida, para que nós possamos nos indignar, na certeza de que ele é a síntese de vários acontecimentos e episódios que, infelizmente, no Brasil estão tendo curso. Acontecimentos que estão nas periferias, na pobreza, na miséria, no massacre ao gênero das mulheres, na discriminação à pluralidade da vida, na discriminação aos índios, aos negros... Por isso Cancellier escancarou e abriu a Universidade de Santa Catarina, para que ela efetivamente pudesse ser plural.
Essa tragédia simboliza a agressão aos valores que nós construímos aqui, na Constituição Federal: da autonomia da universidade, do Estado de direito e de todas essas conquistas de que a grande maioria do nosso povo, da nossa gente, tem orgulho.
Portanto, eu espero que esta sessão não fique apagada na memória do povo brasileiro. Que ela possa ser uma sessão que estabeleça um marco nas nossas vidas, independentemente das nossas diferenças partidárias. E que ela possa promover uma construção de lapidação nos valores da democracia e de defesa intransigente do Estado de direito e da democracia.
Portanto, Cancellier: presente.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Em função da sessão do plenário do Senado Federal, nós encerraremos essa nossa cerimônia de apoio às 2h30min da tarde.
Com a palavra o Senador Espiridião Amin.
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O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco/PP - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Desejo saudar todas as autoridades aqui presentes na pessoa do Senador Roberto Requião, cumprimentando o Deputado Arlindo Chinaglia pela iniciativa que de certa forma supre uma carência que todos nós sentimos até aqui.
No começo da noite do dia 2 de outubro, eu fui socorrido pela Deputada Maria do Rosário, que me mostrou o texto da nota que o Procurador-Geral do Estado, aqui presente, Dr. João dos Passos Martins Neto, tinha emitido alguns minutos antes, e eu não tinha lido. Aquele texto ainda hoje me mostra como se pode ser conciso, contundente e verdadeiro na dosagem certa do sentimento que a partir da dor, da solidariedade, se pode construir.
E antes de repetir o texto, eu vou dizer que o nosso primeiro sentimento é de solidariedade com os familiares aqui presentes, e fazer o pedido de permissão para que este caso, esta tragédia não deixe de produzir efeitos e resultados.
O que disse a Deputada Maria do Rosário naquele momento, ao me passar o texto, cujos dois últimos parágrafos eu vou ler de novo, pode ser complementado com uma informação que me prestou há pouco, informando que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, da qual eu não faço parte, porque estou cumprindo um período sabático, de retirada, já aprovou a convocação do Diretor-Geral da Polícia Federal, da Procuradora-Geral da República e de representante do CNJ, para prestar esclarecimentos sobre aqueles episódios que foram aqui muito eloquentemente resumidos pelo ilustre Desembargador Lédio, que aliás eu acho que deveria ser convidado também, porque o Desembargador Lédio nos deu um grande socorro.
Antes de fazer novas leis, vamos cobrar as que existem. E elas existem, como foi muito bem reproduzido aqui. E vamos cobrar - e aí eu me socorro novamente do Dr. João dos Passos Martins, de acordo com os exatos termos que ele colocou: "por isso, respeitado o devido processo legal" - e não desrespeitando o processo legal -, "é indispensável a apuração de responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas."
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Isto foi escrito no dia 2 de outubro. A meu ver é irretocável e inesquecível. Inesquecível!
Que o legado do Prof. Luiz Carlos Cancellier de Olivo seja, em meio a tantos outros bens que nos deixou, também o de ter exposto ao País a perversidade de um sistema de justiça criminal sedento de luz e fama, especializado em antecipar penas e martirizar inocentes, sob o falso pretexto de garantir a eficácia de suas investigações.
Não há o que acrescentar. O que não se pode é esquecer. Sem ódio, sem espírito de vindita, para não replicar defeitos, é preciso que se promova a apuração e se dê à outra parte o que, conforme o Dr. Lédio demonstrou, foi negado, tanto ao Cao quanto aos demais que estão agora padecendo também.
Eu não posso deixar esconder, Dr. Requião, a minha preocupação com o que pode acontecer com os que lá estão, à mercê dos métodos que foram aqui expostos, até porque seria humano que para resgatar a justeza do seu procedimento, como já proclamaram os sindicatos, se queira incriminar os vivos para no mínimo obter alguma indulgência sobre eventuais excessos. Ou não é humano isto?
Finalmente, quero registrar que, além da solidariedade e dos resultados que devemos consequente e persistentemente buscar, quero fazer duas colocações a mais. Quero antecipar ao nosso Reitor pro tempore - eu, que sou professor da Universidade Federal de Santa Catarina desde 1975, e que consegui concluir o curso de Direito já faz tempo, em 1970 - que participei com Cancellier, na virada do primeiro para o segundo semestre, de um evento muito importante para a minha vida, que foi o momento em que ele compartilhou a gratidão do nosso curso de Ciências Jurídicas, entre a minha pessoa e a do representante do ex-Senador Luiz Henrique da Silveira, e foi um grande momento, pessoalmente, para mim.
Eu, que como professor, como aluno, devo à universidade, quero dizer que vamos fazer um grande esforço junto ao coordenador do nosso fórum. E tenho certeza de que o João Paulo Kleinübing vai aceder ao nosso apelo para fazermos uma visita a V. Mag.ª, ainda que pro tempore, para que essa nossa solidariedade seja institucional também.
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Concluo dizendo que sempre tive pavor de promover alguma espécie de humilhação ou assistir a alguma humilhação determinada por autoridade. Basta lembrar as humilhações a que foi submetido Jesus, as humilhações que os regimes totalitários impuseram no Brasil, na Itália, na Alemanha e na Rússia, que podem ser resumidas naquela frase verberada no livro O Homem que amava os cachorros, quando ele diz que o que o totalitário quer não é te derrotar.
(Soa a campainha.)
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco/PP - SC) - Não se limite a derrotar o seu inimigo. Cubra-o de excrementos, para que a humilhação seja absoluta, para que até os seus amigos se envergonhem dele.
E nós não podemos, por esquecimento, por falta de persistência, deixar de buscar, respeitado o Estado democrático de direito, o equilíbrio, que, evidentemente, neste caso não houve.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Com a palavra o Senador Dário Berger.
O SR. DÁRIO BERGER (PMDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente, eu quero, inicialmente, saudar o Senador Roberto Requião e, preliminarmente, cumprimentá-lo pela iniciativa, uma vez que foi o subscritor principal para a realização desta homenagem ao Magnífico Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Quero ainda mencionar que estamos diante de uma das vozes mais altas do Senado Federal e que só isso já demonstra a importância e a relevância que este momento representa para todos nós. Quero ainda homenagear o Deputado Federal Arlindo Chinaglia. Quero homenagear o nosso Senador Nelson Wedekin, catarinense, brilhante e que honrou substancialmente esta Casa Legislativa. Quero homenagear aqui o Desembargador Lédio Rosa de Andrade, um Desembargador socialmente justo, equilibrado e que honra a Magistratura de Santa Catarina. Quero ainda homenagear os representantes da OAB e da CNBB. Quero ainda homenagear o Senador Dalirio Beber e a Senadora Ideli Salvatti, que também passou por esta Casa e teve uma destacada atuação. Em nome da Bancada catarinense, me permitam homenagear o Deputado Colatto, o Deputado Ronaldo Benedet, o Deputado Mauro Mariani, a Deputada Carmen Zanotto, o Deputado Jorginho Mello, o Deputado Décio Lima, o Deputado Esperidião Amin, o Deputado Boeira e o Deputado Pedro Uczai, que lotam este plenário do Senado Federal. Quero homenagear os demais Parlamentares.
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Por fim, quero prestar homenagem à família, especialmente ao filho, Mikhail, ao Acioli e ao Júlio, que são irmãos. Em nome deles, presto as minhas justas e legítimas homenagens aos demais familiares e amigos.
Pois muito bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, demais Parlamentares, há momento em que as palavras não são suficientemente capazes de expressar os fatos que vivemos e que observamos ao nosso redor. Há momentos em que os fatos não são capazes de demonstrar a nossa dor e a nossa revolta, que tomam conta da nossa alma e também dos nossos corações.
Estamos aqui hoje por uma razão muito especial: homenagear o Magnífico Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cao, como gostava de ser chamado pelos amigos.
Dessa forma, vamos contar um pouco a história desse jovem, natural de Tubarão, que, em 1977, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Logo em seguida, interrompeu seus estudos jurídicos para trabalhar como jornalista no antigo jornal O Estado e também como assessor de parlamentares catarinenses em Brasília.
Com destaque - o faço com muito prazer -, assessorou o brilhante e destacado Senador catarinense Nelson Wedekin, presente a esta sessão solene. Isso já mostrava sua paixão pela política, pela sociedade, pela mudança, pela convivência justa, leal e democrática. Homem de diálogo, de entendimento, um conciliador.
Cancellier participou ativamente dos movimentos estudantis durante a graduação na Universidade Federal de Santa Catarina. Participou também das campanhas Diretas Já e de outros movimentos democráticos que se seguiram.
Em 1996, retornou à Universidade Federal de Santa Catarina para concluir a graduação e seguir carreira acadêmica, com mestrado e doutorado. Mais tarde, iniciou a carreira de professor no Centro de Ciências Jurídicas, onde lecionava as disciplinas Direito Administrativo e Direito Tributário.
Foi em 2015 que Cancellier pode realizar talvez o seu maior sonho e a sua maior missão. Ele foi eleito Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, onde sempre estudou, Senador Requião, e a que sempre se dedicou.
Nessa campanha, Cancellier deixava bem claro no slogan que usou - "A Universidade pode mais" - o que ele desejava para a Universidade Federal de Santa Catarina. Desde que assumiu, ele apontou a descentralização da gestão e a valorização da participação de todos os centros e unidades da Universidade nas tomadas de decisão como prioridade. Ora, Sr. Presidente, o que acenava como uma grande esperança, o que permitia formar um ambiente luminoso para a Universidade acabou se transformando numa grande tragédia.
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O destino, Srªs e Srs. Senadores, senhores familiares e amigos, toma caminhos e formas muitas vezes inesperados, influenciado por circunstâncias, na maioria das vezes, alheias aos nossos olhos e às nossas vontades.
E é por isso que nós estamos aqui hoje, por força de um destino cruel, em que a arbitrariedade é a principal algoz e a vítima é o Magnífico Reitor Cancellier, e nós, que o perdemos de forma tão prematura e trágica.
Aos 59 anos, Cancellier passou por uma dura prova, ao ser custodiado, no dia 14 de setembro, e afastado do cargo de Reitor da Universidade, pela obtusa acusação de obstrução à Justiça, na Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal.
Do ponto de vista jurídico, esse ato acredito ser arbitrário, desnecessário e de fácil questionamento. Ele foi associado com uma humilhação e restrição de todo teor, não suportadas pelo Magnífico Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. A investigação que apura suspeitas de desvios no sistema de ensino a distância era anterior ao seu período como gestor da Universidade Federal.
Cancellier, Sr. Presidente, era um homem de fino trato, querido por todos. Eu mesmo tive a honra de recebê-lo no meu gabinete, aqui nesta Casa Legislativa, logo após a sua posse. Conciliador, buscava apoio e incentivo para dar à Universidade Federal de Santa Catarina o tratamento e o reconhecimento federal que ela tanto merece. Mas o caráter do Magnífico Reitor não aguentou o peso daquilo que considerava uma injustiça absoluta.
A liberdade moral, o mais alto objetivo ético, deve ser obtida apenas por uma negação...
(Soa a campainha.)
O SR. DÁRIO BERGER (PMDB - SC) - ... da vontade de viver. Longe de ser uma negação, o suicídio é uma afirmação enfática dessa vontade, pois é a fuga dos prazeres, não dos sentimentos da vida, em que a negação de vontade de viver consiste. Quando um homem destrói sua existência como indivíduo, ele não quer destruir a sua vontade de viver. Pelo contrário, ele gostaria de viver, se ele pudesse fazê-lo, com satisfação, se ele pudesse afirmar a sua vontade contra o poder das circunstâncias, mas as circunstâncias foram muito mais fortes do que ele.
Como Senador da República, como catarinense e como homem que acredita na Justiça, coloco-me à disposição da família, dos amigos e dos...
(Soa a campainha.)
O SR. DÁRIO BERGER (PMDB - SC) - ...companheiros de Cancellier para fazer o que for possível para que a sua existência não tenha sido em vão.
O País precisa abrir os olhos para o caminho que deseja seguir, pois não podemos subjugar os sentimentos da humanidade.
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A justiça deve prevalecer em todas as circunstâncias, mas ela não dever ser cega a tal ponto de não conseguir separar, mesmo diante do mais difícil contexto, aqueles que buscam o bem daqueles que usam o mal para os seus objetivos finais.
Pois muito bem, Sr. Presidente, concluindo: ao Magnífico Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo quero agradecer por nos deixar a sua história, por nos deixar a sua luta escrita na história...
(Soa a campainha.)
O SR. DÁRIO BERGER (PMDB - SC) - ...da Universidade Federal de Santa Catarina e, sobretudo, no coração de todos os catarinenses.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Em seguida, teremos o pronunciamento de Marcelo Neves, Doutor em Direito, que fará a leitura de uma nota em nome de um grupo de juristas.
O SR. MARCELO NEVES - Exmo Sr. Senador Roberto Requião, Exmo Sr. Deputado Chinaglia, eu venho aqui ler uma carta denúncia que foi assinada por um grupo de mais de 200 juristas e também acadêmicos, inclusive juízes e membros do Ministério Público, e me restringirei a fazer a leitura desse documento, por indicação de alguns colegas.
Exmo Sr. Presidente do Senado Federal
Exmo Sr. Presidente da Câmara dos Deputados
Os subscritores desse documento vêm com o devido acatamento perante V. Exªs, com [base] no art. 5º, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal, apresentar a presente denúncia, em razão dos fatos a seguir relatos que ferem gravemente os pilares do Estado Democrático de Direito no Brasil: o caso da morte do Prof. Cancellier e a ofensa aos pilares do Estado democrático [de direito] no Brasil.
No dia 02 de outubro de 2017, os brasileiros acordaram com a notícia de mais um evento trágico que marca este período sombrio pelo qual o país vem passando desde que se tornaram comuns operações jurídico-policiais com forte cobertura midiática: o suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier Olivo.
Após ver a sua vida destruída por uma operação autoritária (denominada de "Ouvidos Moucos") conduzida por agentes do sistema de justiça criminal (Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal), o Prof. Cancellier se jogou de um vão do Beiramar Shopping, em Florianópolis/SC, pondo fim ao tormento pelo qual passava por não suportar ter sido acusado e preso injustamente por crime que não cometera.
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A morte do Prof. Cancellier foi o desfecho trágico, mas anunciado diante da forma como os aparelhos de repressão penal vêm funcionando no Brasil. A sua prisão açodada e a exposição midiática do caso o transformaram do dia para a noite em inimigo do povo, colocando sobre seus ombros o dever de provar que era inocente, o que é a mais clara subversão dos valores que regem a democracia.
A Operação Ouvidos Moucos repete o padrão de atuação da Operação Lava Jato, que é similar ao padrão que se viu recentemente na Operação Carne Fraca, e de outras operações jurídico-policial-midiáticas em curso no país. Delegados da Polícia Federal e Procuradores da República, numa reprovável sanha por holofotes e reconhecimento público, acusam pessoas a partir do que eles entendem como incriminador, quando muitas vezes o que possuem são informações desencontradas, denúncias anônimas, documentos incompletos e provas ilícitas, e sem realizarem antes qualquer diligência preliminar para verificarem a verossimilhança e a legitimidade da informação recebida.
Com base em "meras suspeitas", PF e MPF passam a requerer aos juízes federais medidas de força, como conduções coercitivas e prisões cautelares, muitas vezes à revelia dos requisitos legais. Tais medidas são quase sempre deferidas pelo Judiciário, que passa a ser avalista das operações policiais e consorte na destruição dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Medidas como condução coercitiva, busca e apreensão domiciliar e prisão cautelar, medidas excepcionais que deveriam ser adotadas com cautela, tornaram-se a regra, com a finalidade de promover a exposição midiática de pessoas investigadas, uma vez que tais operações são sempre desenvolvidas sob os holofotes da imprensa para serem vendidas para opinião pública como a forma mais bem sucedida de fazer justiça. Também é na imprensa que se fará desde logo o linchamento moral do suspeito, este sempre escolhido a dedo de acordo com as conveniências de quem conduz a operação.
As medidas de força também são deferidas com o intuito de submeter o investigado ao terrorismo de Estado. Agentes da Polícia Federal cumprem os mandados de condução coercitiva, busca e apreensão de prisão sempre vestidos como se fossem combater inimigos (vestem coletes, roupas pretas, balaclava). Empunhando armas, entram em residências em grupos de vários homens, surpreendem moradores ainda de pijamas, ao raiar do dia, vasculhando tudo, submetendo o cidadão ao olhar desabonador de seus vizinhos, ao medo e ao desespero do que se trata tudo aquilo e o que lhe acontecerá a partir de então.
O mais grave: a condução coercitiva [tem visado, então,] a impedir que o investigado possa ter acesso prévio aos elementos que constam da investigação e de ter contato prévio com o seu advogado, o que é um ataque descarado ao direito à ampla defesa.
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A cobertura midiática do cumprimento dos mandados amplifica o quadro de violações aos direitos fundamentais dos investigados. A ideia é com a cobertura midiática angariar apoio popular para a operação e fazer o justiçamento imediato de pessoas que sequer podem ou puderam defender a sua inocência pelo exercício do contraditório. Nesse contexto, a palavra do investigado fica descredibilizada e restam afastadas suas garantias constitucionais por ser ele tido como inimigo do povo.
Com a opinião pública a favor da operação, fica mais fácil para o Estado Policial seguir na sua sanha punitivista, destruindo vidas e, com elas, nosso novel Estado Democrático de Direito. Acuados pela imprensa e pelo público, os Tribunais de Apelação e Superiores se curvam aos desmandos de delegados, promotores e juízes, negando recursos da defesa e avalizando toda sorte de violações às garantias constitucionais.
O justiçamento midiático é instrumento do aparato de repressão penal para minar a garantia da presunção de inocência, facilitando a condenação do investigado pelo Judiciário sem qualquer prova cabal de sua culpa.
Deve-se alertar para o fato de que violação aos direitos humanos das pessoas acusadas da prática de crimes pode dar ensejo à responsabilização internacional do Estado brasileiro no sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, uma vez que o Brasil é parte do Pacto de San José da Costa Rica e está submetido à fiscalização da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Aliás, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em julgamento recente (caso Zegarra Marín vs. Peru, sentença de 15 de fevereiro de 2017), assentou que a violação à presunção de inocência constitui grave violação aos direitos humanos de pessoas acusadas pelos agentes do sistema doméstico de justiça criminal.
A trágica morte do Prof. Cancellier é a denúncia banhada de sangue de que o Estado Policial no Brasil faz suas vítimas à luz de holofotes, não poupando biografias e tampouco a dignidade humana. É preciso cobrarmos a responsabilidade pelo suicídio do Dr. Cancellier, cuja morte representa o ápice do Estado Policial que se instaurou no país! É preciso revelar a farsa das operações espetaculares que têm destruído vidas humanas e a democracia no Brasil! Só assim se colará um basta na atuação autoritária dos agentes de repressão penal que não medem esforços para minar o nosso jovem Estado Democrático de Direito.
(...)
Requerimento:
Ante o exposto, resta manifesto que está a se instalar no Brasil um verdadeiro Estado Policial que não respeita as garantias constitucionalmente asseguradas, motivo pelo qual se requer dignem Vossas Excelências a instaurarem procedimento investigatório para apurar os excessos e abusos no âmbito das operações jurídico-policial-midiáticas em curso no País, de um modo especial aquela que levou ao suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier Olivo.
Nesses Termos, Confia no Deferimento.
Brasília-DF, 31 de outubro de 2017. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Com a palavra o Dr. Luís Cláudio da Silva Chaves, Vice-Presidente Nacional da OAB.
O SR. LUÍS CLÁUDIO DA SILVA CHAVES - Senador Roberto Requião, que tão bem preside esta sessão solene, Senadoras, Senadores, Deputadas e Deputados Federais, caríssimos colegas de Mesa, em primeiro plano eu gostaria de, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, formalizar a adesão da nossa entidade a essa homenagem póstuma, transmitindo os nossos mais sinceros sentimentos e a solidariedade à família do Magnífico Reitor Luiz Carlos.
Também quero prestar esta homenagem à comunidade jurídica e acadêmica da conceituada Universidade Federal de Santa Catarina, e o faço com autorização também do Presidente daquela seccional, Paulo Brincas, que me ligou ainda há pouco.
"Uma injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar" - Martin Luther King.
Na verdade, nós brasileiros reconquistamos a democracia através do sangue e do suor de destemidos brasileiros que ousaram lutar contra o regime de exceção, contra o cerceamento dos direitos fundamentais, e reconquistamos, com o apoio imprescindível desta Casa, do Senado Federal e do Congresso Nacional, que nos trouxe uma das mais belas Cartas Magnas, a nossa Constituição da República, chamada Constituição Cidadã. E ela tem como centralidade a dignidade da pessoa humana.
E para isso, eminentes Senadores e Senadoras, nos foi concedido um arcabouço de proteções jurídicas e institucionais relevantes para que nós tivéssemos essencialmente um regime democrático e um Estado democrático de direito, dentre elas o devido processo legal, algo conquistado na Inglaterra em 1215. Mas com isso a ampla defesa - não só uma ampla defesa formal, mas uma ampla defesa técnica -, qualificada, o contraditório, a licitude dos meios de prova, a paridade, a isonomia entre acusação e a defesa em qualquer processo onde há contraditório evidentemente, até nas lides cíveis como nas criminais, a presunção de inocência, com texto expresso que, permissa venia, não comporta maior interpretação, a pessoa só pode ser considerada culpada após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, conforme expresso por este Parlamento.
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E o que estamos vendo hoje é a mitigação dessas garantias constitucionais. E a demonstração maior é uma proposta ofertada por uma associação de representantes do digno Ministério Público, que contemplava dez medidas contra a chamada corrupção, em que se estabelece uma permissão - a admissão de provas obtidas por meios nada lícitos, e o fim do habeas corpus - como uma medida essencial ao funcionamento das instituições jurídicas e à preservação das liberdades fundamentais do ser humano.
Então, que esta homenagem póstuma sirva também, para todos nós, de reflexão do País que temos e do País que queremos em face da proteção constitucional consagrada por este Parlamento, que torna o País um país de Primeiro Mundo em termos de tentativa de proteção dos direitos sociais e dos direitos fundamentais.
Sem a Constituição não haverá solução. E o que a Ordem dos Advogados do Brasil pretende é a luta intransigente para que a nossa Constituição seja efetivamente cumprida. A Constituição da República nos assegura a todos igualdade no tratamento, mas nos traz também a responsabilidade quando ocupantes de cargos públicos relevantes, razão pela qual enaltecemos a importância da apreciação pelo Congresso Nacional - que já o fez no plenário desta Casa - de uma lei eficaz que contemple e combata o abuso da autoridade em face do direito de cidadania.
É relevantíssimo, nos dias de hoje, que a gente diga que o caso do Magnífico Reitor não é único e que ele se assevera nas comunidades mais carentes do Brasil, longe da mídia. O problema não é apenas midiático e de operações midiáticas: ocorre nos aglomerados, ocorre nas comunidades mais simples quando uma autoridade policial está contrária a algum ato perpetrado por uma simples pessoa - às vezes por ter essa formação humilde, por ser de raça diferente - e a joga dentro de um camburão, sem ter acesso mínimo a uma defesa qualificada.
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Nós estamos vivendo hoje não só uma tentativa de criminalização da atividade política: prefeitos de cidades do interior - sou mineiro, e Minas Gerais tem 853 Municípios -, a maior parte deles, estão amedrontados pela possibilidade de saírem dos seus mandatos com inúmeros processos porque tiveram que decidir onde investir recursos públicos parcos em razão das grandes demandas municipais.
Mas nós estamos diante também da tentativa de criminalização da própria advocacia brasileira, responsável pela proteção e tutela jurisdicional àqueles que mais precisam, que são acusados sem a possibilidade do exercício pleno de defesa, seja no inquérito policial, seja no processo judicial que se segue.
Então, a nossa manifestação aqui é de adesão não apenas a essa importante homenagem prestada ao Magnífico Reitor, que, assim como outros, sofreu uma grave injustiça, não de haver contra ele um processo - qualquer um de nós pode responder a um processo -, mas de não lhe ter sido permitida a ampla defesa.
Nós estamos diante, como disseram aqui da tribuna vários outros que me antecederam, de medidas de condução coercitivas absolutamente desnecessárias.
(Soa a campainha.)
O SR. LUÍS CLÁUDIO DA SILVA CHAVES - Nós estamos vivendo com prisões preventivas e provisórias que viraram, não exceção, mas regra no sistema penal brasileiro, num propósito, permissa venia, de compelir aquele detento a prestar delações premiadas.
E cabe a esta Casa o papel fundamental, ao lado de outras instituições, de assegurar mais uma vez a proteção do Estado democrático de direito da nossa Constituição da República, buscando uma efetiva legislação que combata aqueles que, a pretexto de combaterem a corrupção, querem é praticar crimes. Crimes contra a cidadania brasileira, porque nós entendemos que o combate à corrupção deve ser feito dentro da estrutura judicial preconizada no Texto Magno das grandes Cartas Constitucionais do mundo, não só do Brasil, aquela que dignifica a pessoa humana e estabelece regras de paridade entre a acusação e a defesa.
E a eventual morosidade no julgamento dos processos não pode ser substituída por privações de preceitos constitucionais, mas, sim, de investimento no Poder Judiciário para que ele possa responder suas demandas na brevidade, na celeridade, mas com respeito às normas jurídicas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Nós nos aproximamos do limite da nossa sessão.
Eu tenho sobre a mesa ainda inscrições de Carmen Zanotto, Celso Pansera, Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti - são as próximas.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Senador Requião.
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Senadora Regina, a sua inscrição não havia chegado à mesa.
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O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Presidente, Senador Requião, eu também queria falar, mas isso depende de até quando durar a sessão. Eu quero me inscrever.
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Se o Plenário estiver disposto, eu estendo a sessão. A intenção era que agora, com um critério de pluralidade partidária, falasse a Deputada Carmen Zanotto.
Eu gostaria que daqui para frente respeitássemos, com um pouco mais de observação, o tempo, para que possamos ter o maior número de oradores usando a palavra.
A SRª CARMEN ZANOTTO (PPS - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada.
Nobre Senador Roberto Requião e nobre Deputado Arlindo Chinaglia, proponentes desta sessão de homenagem póstuma; querido - permita-me chamá-lo assim - Dr. Lédio Rosa, nosso Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que aqui representa o Acioli, o Júlio, o Mika, a Cris, e todos os seus familiares; o sempre Senador da República, o nosso Senador Wedekin; colegas Deputados, Deputadas, Senadores e Senadoras desta Casa, a quem saúdo em nome dos nossos Senadores Dário Berger e Dalírio; senhoras e senhores, para eu falar do Prof. Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o nosso querido Cao, é preciso falar da relação profunda de amizade, de companheirismo, falar de um homem que pregava, em todos os seus momentos difíceis ou nos momentos em que recorríamos a ele para pedir um conselho, o pedido de calma, de paciência e a fala da conciliação.
Eu estava chegando em Florianópolis - porque ia visitá-lo -, ligávamos e não conseguíamos contato. A família ainda não sabia o que tinha acontecido de fato. E todos fomos tomados por absoluta surpresa. Mas durante o encaminhamento do seu corpo para o Instituto Médico Legal, durante os preparativos do seu corpo para encaminhá-lo à universidade, conseguimos compreender o que o Cao fez. Nsana sua carteira, junto com apenas os seus documentos, havia um bilhete, uma única frase que resumiu tudo aquilo que o Cao viveu: "Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade". Este era o Cao.
A universidade era a sua vida. A universidade era o seu dia. Quando Reitor, aqui veio, junto com o Gelson e outros professores e pró-reitores, buscar recursos junto à Bancada de Santa Catarina para a sua instituição, para a sua casa - porque a universidade era, sim, a extensão da sua casa: ele morava praticamente ao lado, e era na universidade que a gente sempre o encontrava para conseguir falar com ele.
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Pensando nos seus alunos, pensando nos seus professores, pensando na sua instituição, tenho certeza de que foi assim que o Cao lá se formou, lá atuou e lá buscou preservar...
Foi pensando na sua universidade... Não vejo outra forma de aliviar a dor que ele sentiu - não digo em um momento de desespero, mas em um momento de absoluto constrangimento, vergonha por aquilo que sua universidade estava passando...
(Soa a campainha.)
A SRª CARMEN ZANOTTO (PPS - SC) - ... mas, especialmente, pelo momento difícil que ele estava vivendo - por não aceitar o que estava acontecendo. De fato, tenho certeza de que o direito à ampla defesa não lhe foi permitido.
Assim como disse o Desembargador Lédio, eu continuo acreditando nas instituições - no Poder Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal - e no conjunto de homens e mulheres que dessas instituições fazem a diferença, mas não fazem da sua profissão o ato de perseguir ou cometer injustiça.
Acredito, sim, que, com o passar do tempo, a luz da verdade virá. E desejo à Universidade Federal, a todos os seus professores, a todos os seus alunos e, em especial, a esse conjunto de professores que estão cerceados de...
(Interrupção do som.)
A SRª CARMEN ZANOTTO (PPS - SC) - ... consigam, em um curto espaço de tempo, restabelecer aquilo que é orgulho de Santa Catarina: a nossa Universidade Federal do Estado de Santa Catarina.
Muito obrigada, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Com a palavra o Deputado Celso Pansera.
O SR. CELSO PANSERA (PMDB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa tarde, Senador Roberto Requião; Deputado Federal Arlindo Chinaglia; o sempre Senador Nelson Wedekin; o representante da OAB, que fez belas palavras agora há pouco, Luiz Cláudio da Silva Chaves; o representante da CNBB, Padre Paulo Renato Campos; e os familiares do Reitor Cancellier.
O art. 207 da Constituição brasileira trouxe um grande ganho para o sistema universitário e educacional, que foi a autonomia administrativa, pedagógica das universidades.
Em 1994, criou-se, através da Lei nº 8.958, um sistema de fundações de apoio que vieram para ajudar as universidades a gerir projetos e fazer o dia a dia, dando mais velocidade e mais agilidade à gestão das escolas.
Por outro lado, essas fundações de apoio ficaram submetidas ao alcance do tribunal de contas. E os tribunais de contas, na sua sanha de fiscalização, criaram um conjunto de medidas, de emaranhados, de penduricalhos, que tornou a vida do gestor dessas universidades quase impossível. O mesmo ocorre com os projetos de pesquisa, bolsas e outros tipos de incentivo que pesquisadores têm nas universidades.
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Um estudo do Conselho Nacional das Fundações de Apoio concluiu que 35% do tempo dos professores/pesquisadores brasileiros são dedicados à prestação de contas dos seus projetos. Uma verdadeira distorção daquilo que é prestar contas do dinheiro público. Isso é necessário, mas está provado que não resolve o problema do combate à corrupção. Gera, sim, uma profunda distorção do papel daquilo que o gestor ou servidor público tem que fazer com o seu tempo de trabalho. E isso em todas as esferas.
Quando a gente soma esses penduricalhos a uma conjuntura política em que ousam questionar a importância de Paulo Freire para a educação mundial, para a cultura e o sistema educacional brasileiro; quando se soma a isso uma conjuntura em que agentes públicos investidos da tarefa de investigar, de policiar e julgar cidadãos passam a se referir às leis não apenas no recato dos autos dos processos, mas fazendo militância pública nas mídias sociais - inclusive recentemente tivemos o exemplo de um Ministro do Supremo polemizando no Twitter com cidadãos sobre posicionamentos judiciais e políticos -, nós temos um verdadeiro ataque ao Estado de direito. Isso que o representante da OAB falou tão bem aqui, há pouco.
As coisas saíram do limite. A gente não sabe mais o que é legal e o que é ilegal. É difícil a gente estabelecer a fronteira entre aquilo que é razoável e aquilo que não é razoável, porque este País foi tomado por uma polarização política que nunca se viu e que leva a um tensionamento social, inclusive nas relações familiares.
Quando isso é exacerbado para uma ação judicial, como essa vivida pelo Reitor Cancellier, nós temos um profundo estágio subjetivo de quem é submetido a isso e de seus familiares, que é difícil prever - é difícil prever o final. Aonde vamos chegar nisso? A gente vê com frequência pessoas que a gente sabe que têm postura ilibada, que têm um dia a dia defensável sendo atacados de uma forma pública, até por ordens judiciais.
Eu fui, digo, vítima de uma batida da Polícia Federal no meu apartamento no dia 15 de dezembro de 2015. De lá para cá, isso causou um profundo mal-estar e um trauma na minha família. E, de lá para cá, eu pedi inúmeras vezes para ser ouvido pelo Ministério Público, pela Procuradoria-Geral da República, e sequer me deram o direito de falar sobre aquilo de que me acusaram.
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Uma nota, uma notinha de cinco linhas, em uma grande revista de circulação nacional, bastou para que fossem à minha casa e nunca mais me dessem nenhuma satisfação de por que fizeram aquilo. Por isso, eu entendo o drama do Reitor.
Senador Roberto Requião, nós já votamos, lá na Câmara, um projeto de abuso de autoridade, que aqui no Senado foi revisado, ampliado e aperfeiçoado. Pode ter certeza de que a Câmara dos Deputados tem o dever de votá-lo, porque precisamos colocar um limite nisso.
Nós não somos contra a polícia, não somos contra o Ministério Público, e é fundamental que o Judiciário funcione, mas as coisas precisam ter limite. As pessoas precisam ser respeitadas nos seus direitos mínimos de viver em sociedade e agir de acordo com a sua consciência. E este País perdeu a noção disso.
O representante da OAB falou que isso é o que a gente vê na mídia. O que a gente não vê na Baixada Fluminense, nas favelas do Rio de Janeiro é muito pior do que isso, porque atenta contra pessoas que não têm este microfone para falar, não têm talvez uma mídia social para se defender, não têm sequer os recursos de um advogado para se defender. Então, é importante que a gente coloque um pouquinho as coisas no lugar. E essa tarefa é este Congresso que deve fazer.
Por fim, eu quero prestar minha solidariedade à família do Reitor e dizer que a causa de vocês é a nossa causa. E nós que militamos há muito tempo na educação, nós que trabalhamos com a defesa da ciência brasileira, sabemos o quanto isso é ruim para as instituições; mas também temos noção, como seres humanos, de quanto isso é ruim para as famílias e como é difícil reparar isso. É impossível reparar isso.
Então, eu não poderia deixar de fazer uso da palavra, Senador Requião e todos aqui presentes, porque precisamos tornar esse desagravo num fato prático, que é a Câmara aprovar a lei já corajosamente encaminhada e defendida aqui pelo Senador Requião, no Senado, e a gente avançar, colocar um pouquinho a carroça atrás dos bois, para que a coisa ande de uma forma razoável.
Obrigado. (Palmas.)
(Durante o discurso do Sr. Celso Pansera, o Sr. Roberto Requião deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Arlindo Chinaglia.)
(Durante o discurso do Sr. Celso Pansera, o Sr. Arlindo Chinaglia deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Roberto Requião.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Ao Deputado Celso a solidariedade absoluta da Mesa diante desse incidente, que deve ser contemplado pela Lei de Abuso de Autoridade, abuso de poder.
Com a palavra a Senadora Ideli Salvatti e, em seguida, a Senadora Regina Sousa.
A SRª IDELI SALVATTI - Quero, inicialmente, saudar os familiares e amigos do nosso querido Reitor Cancellier e prestar toda minha solidariedade a eles. Quero aqui também saudar o Senador Requião e o Deputado Arlindo Chinaglia pela iniciativa tão importante da sessão; o meu querido amigo Nelson Wedekin, ex-Senador, como eu; o nosso querido Desembargador Lédio Rosa; o representante da OAB; e todos que se fazem presentes nesta tão importante sessão.
No dia 2 de outubro último, uma segunda-feira, às 10h30 da manhã, num shopping da área central de Florianópolis, um corpo cai. Uma vida se joga. Está lá o corpo estendido no chão.
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A morte, deliberadamente ostensiva, do nosso querido Cao ecoa como um grito angustiado: Vocês têm o poder, mas não têm o direito! Vocês têm o poder, mas vocês não têm o direito!
A sociedade concede poder às pessoas e às instituições para investigar, para julgar, para punir, até para matar, mas esse poder não é absoluto, como já disse aqui o Desembargador Lédio Rosa. Esse poder tem que seguir regras, tem que cumprir as leis, tem que respeitar o Direito.
E esse corpo que cai, essa vida que se joga, continua ecoando: Vocês têm o poder, mas vocês não têm o direito! Não têm! Vocês não têm o direito de prender provisoriamente a torto e a direito. Vocês não têm o direito de submeter o preso a procedimentos vexatórios, intimidatórios, que se assemelham à tortura. Vocês não têm o direito de prender, na área de segurança máxima, alguém que sequer foi acusado de ter cometido um crime mínimo. Vocês não têm o direito de conduzir coercitivamente quem sequer havia sido intimado.
E esse corpo que cai, essa vida que se joga, continua ecoando: Vocês têm o poder, mas vocês não têm o direito! Não têm o direito de vazar para a imprensa informações sigilosas dos processos. Vocês não têm o direito, a cada operação de busca, condução, prisão, de avisar antecipadamente à imprensa para que junto com os canos das armas estejam apontados também os canos das câmeras, muitas vezes mais mortais.
O nosso querido Cao é um exemplo, infelizmente morto, da crueldade desse conluio de agentes do Estado com a imprensa sensacionalista, seja regional ou seja global.
Aliás, a imprensa - rádio e TV, que são concessões públicas - também não tem o direito de promover esses verdadeiros linchamentos midiáticos, essa condenação antecipada e irreparável, sem direito a defesa, esse verdadeiro conluio para o aniquilamento de reputações, de vidas, feito de forma seletiva, ideológica.
E esse corpo que cai, essa vida que se joga, continua ecoando: Vocês têm o poder, mas vocês não têm o direito!
(Soa a campainha.)
A SRª IDELI SALVATTI - Não têm! Vocês não têm o direito de manter em prisão provisória alguém, durante meses, durante anos, numa antecipação da pena antes da condenação.
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Vocês não têm o direito de manter preso provisoriamente alguém até que ele delate o que vocês querem ouvir.
Vocês não têm o direito de exigir que a pessoa prove que é inocente. Vocês é que tem que provar que ela é culpada. Presunção de inocência continua na Constituição!
Vocês não têm o direito de condenar sem provas "porque a literatura permite".
Vocês não têm o direito de condenar sem provas porque têm convicções.
Vocês não têm o direito de condenar por domínio do fato, sem que fatos e feitos comprovem a culpa.
E é desse corpo caído, do nosso querido Cao, do Reitor da nossa Universidade Federal de Santa Cataria, que ecoa o grito por justiça e por respeito ao Estado de direito para todos, para brancos e pretos, para homens e mulheres, para ricos e pobres.
É esse corpo caído, essa vida que se joga, que exige que milhares, milhões de corpos se levantem. Que a vida se erga para barrar o Estado de exceção. Que se erga contra o avanço do fascismo e do autoritarismo. Que se erga pelo Estado de direito.
Cao presente, hoje e sempre. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Com a palavra a Senadora Regina Sousa.
Nós temos no plenário a Professora de extensão da UnB Olga Amir, que nos traz um manifesto de Florianópolis contra o Estado de exceção, assinado por estudantes e professores.
Esse manifesto integrará a ata desta sessão do Congresso Nacional.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, convidadas e convidados. Faço um cumprimento especial à família do Professor Cancellier. Quero dizer que eu compartilho do sentimento de vocês.
E quero dizer rapidamente, porque sei que o horário está avançado: eu fui, aqui no Senado, talvez a primeira Parlamentar a falar naquele dia fatídico. E eu começava dizendo: temos a primeira vítima do Estado policial que está se instalando neste País. Está lá no meu discurso daquele dia.
E eu dizia que nós estamos nos acostumando a ver com certa indiferença esses acontecimentos, com o olhar indiferente desta Casa e dos outros Poderes. Então, precisava haver uma vítima. Temos. E eu dizia naquele dia também que era hora de começarmos a ter um outro olhar, um olhar mais rigoroso sobre essas questões, sobre os espetáculos que se produzem, sobre a seletividade que se faz. E aí nós, vemos, por essa seletividade, que se condena por convicção e se absolve com robustas provas. Estou falando de todos os Poderes.
Uma vez eu falei aqui da fábula do lobo e do cordeiro. Quando o lobo decide comer o cordeiro, não adianta você arranjar argumento, porque ele tem o contra-argumento para justificar.
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Então, o Prof. Cancellier foi escolhido para ser culpado. Não importa que foram R$80 milhões, que houve desvio, suposto desvio que não houve; não importa se R$80 milhões vão virar R$8 mil; não importa que foi antes da gestão dele que esse dinheiro entrou e que foi usado. Importa que ele foi escolhido para ser culpado, e, infelizmente, o espetáculo foi feito, e ele não resistiu a tanta humilhação.
Então, eu acho que, neste momento, o que urge para nós é retomar urgentemente, na Câmara, a questão do abuso de autoridade, sem se preocupar com a opinião pública, porque alguns ganharam a opinião pública contra essa questão, porque dizem que é para acabar a Lava Jato. E a Lei de Abuso de Autoridade é para toda autoridade, do vigia da esquina ao Presidente da República, mas nós temos que encarar, e a Câmara está com essa tarefa agora nas mãos. Mas não basta isso.
Eu dizia também que a morte do Prof. Cancellier deveria servir para se "estartar" um processo de alguma apuração. Por isso, eu quero dizer que, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, estou acolhendo o documento dos juristas, requerendo que ele seja encaminhado à Comissão de Direitos Humanos, que vai debatê-lo, examiná-lo e fazer os encaminhamentos devidos, porque, neste País, nós estamos nos acostumando com muita coisa ruim. Um caminho perigo que este País está trilhando.
Ontem proibiram um show de Caetano Veloso em um assentamento de sem-teto. Onde já se viu!?
Há duas semanas, invadiram a casa do filho do Presidente Lula, por uma denúncia anônima de existência de droga - aliás, denúncia anônima que resta provar -, e a polícia foi lá e, não achando droga, levou computadores, 16 sacos com computadores, com pen drives, com CDs, com DVDs. E fica por isso mesmo. Ninguém diz nada?
Então, eu acho que está na hora de a gente dar um basta no que a gente está vendo acontecer. A matança da juventude negra... Negro é suspeito só pela cor da pele. Já é suspeito. Há uma matança da nossa juventude negra, e a gente está assistindo.
Então, eu acho que a gente tem que agir, antes que seja tarde e antes que aconteça de novo.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Com a palavra a Senadora Gleisi Hoffmann.
A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Senador Requião; Deputado Arlindo Chinaglia, ex-Senador Wedekin, Desembargador Lédio Rosa de Andrade, meus cumprimentos a todos. Quero saudar também os Srs. Senadores e Senadoras que estão aqui, os familiares, amigos e colegas do Prof. Luiz Carlos Cancellier, que acompanham esta sessão presentes ou também pela rede social ou pela TV Senado, e quem nos acompanha pela TV Senado e também pela Rádio Senado.
Quero parabenizar o Senador Requião e também o Deputado Arlindo, por terem convocado esta sessão de homenagem ao Prof. Luiz Carlos Cancellier. Ela é uma sessão de homenagens necessárias, mas ela também é um grito de alerta contra os que pretendem transformar o Brasil em um Estado policial. E é um grito em defesa da nossa Constituição, para que sejam respeitados os direitos e garantias nela consagrados, a Constituição cidadã.
O Reitor Cancellier, como já foi dito aqui, foi vítima de uma série de abusos por parte de autoridades que deveriam defender a lei acima de tudo. E o que fizeram foi rasgar a lei e o direito, a começar pelo princípio da presunção de inocência. Quando se ignora esse princípio, todo o processo penal se degrada. Passa a valer a lei do mais forte, o poder do agente do Estado contra o cidadão desamparado.
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E, ferido em todos os seus direitos e humilhado por seus algozes, o Reitor Cancellier cometeu um gesto extremo, que chocou a todos. Esse gesto, porém, chamou a atenção da sociedade para a escalada dos abusos que estamos presenciando no País, como também já foi dito várias vezes aqui. Prisões sem base legal são feitas com forte aparato da mídia, que se torna cúmplice desse processo: julga e condena antes que o processo termine - aliás, nem iniciado o processo está -, quando não é ela mesma, a própria mídia, que incentiva e até comanda o espetáculo.
Esse tipo de prática é intolerável numa democracia. Nada, nada justifica que se cometam crimes em nome de combater o crime. Nem mesmo o suposto combate à corrupção. E é vergonhoso que as associações de juízes, delegados e do Ministério Público tenham reagido corporativamente nesse episódio, tratando como se fossem naturais e legais condutas que foram erradas e fora da lei.
Nós, que lutamos tanto para restabelecer o Estado de direito no Brasil - e o Reitor Cancellier participou ativamente dessa luta, conforme muitos aqui falaram -, temos a obrigação de impedir esse retrocesso; temos a obrigação de denunciar o crime que foi cometido contra ele e de exigir que os autores deste crime sejam julgados por suas condutas, dentro do devido processo legal, até para que aprendam a viver sob uma Constituição democrática. E a corporação não pode se sobrepor ao Estado democrático de direito.
Agora, a melhor homenagem que nós podemos prestar ao reitor é votar, Senador Requião, e aprovar a legislação contra o abuso de autoridade - a Lei Cancellier, como o senhor batizou aqui -, porque a democracia brasileira precisa se defender daqueles que não a reconhecem.
E eu lembro, Senador Requião, que V. Exª recebeu muitas críticas quando relatou este projeto aqui. Mas, com coragem, com altivez, sabendo de que lado estava da história, V. Exª fez um belíssimo relatório e foi aprovado por esta Casa.
Os mesmos que corporativamente tiraram uma nota, quando houve protesto em relação à morte do Reitor Cancellier, foram aqueles que incentivaram setores da sociedade a virem protestar contra a Lei de Abuso de Autoridade. Ora, uma sociedade que se quer democrática, uma sociedade que quer respeitar o Estado democrático de direito não pode conceber abuso de ninguém - abuso de ninguém -, seja de autoridade ou não. Seja minha, de qualquer um. Uma sociedade que comporta abusos não é uma sociedade verdadeiramente democrática.
Então, nós temos uma grande responsabilidade, como Congresso Nacional, com a sociedade brasileira. E essa responsabilidade agora está nas mãos dos Deputados e Deputadas Federais, na Câmara dos Deputados. Nós temos que votar essa legislação de abuso de autoridade.
E mais uma vez fica aqui o meu abraço aos familiares e aos amigos do Reitor Cancellier, aos colegas do Reitor Cancellier. Infelizmente, a sua tragédia e a dor dos seus familiares e amigos vão ser a forma com que nós chamaremos a atenção da sociedade.
Muito obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Convoco o Deputado Décio para substituir o Deputado Arlindo Chinaglia na Mesa.
Nós estamos chegando ao fim do horário que nos foi destinado para esta sessão de homenagem.
Como último orador inscrito, eu quero convocar o Deputado Paulo Teixeira.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Requião, Deputado Arlindo Chinaglia, em nome de V. Exªs cumprimento todos os Parlamentares presentes. Cumprimento também os colegas do Reitor Cancellier e seus familiares.
Esse fato acontecido com o Reitor Cancellier é um fato cotidiano da vida do povo pobre do Brasil. A polícia prende gente inocente; expõe à opinião pública imediatamente a prisão; o Ministério Público denuncia essas pessoas, e juízes condenam pessoas inocentes, cotidianamente, no Brasil. É uma regra.
Há exceções a essas regras, mas nós temos um Estado de exceção que oprime as pessoas mais pobres no Brasil. A Constituição não chegou a muitos lugares do nosso País.
Jovens negros, como disse aqui a Senadora Regina, são vítimas desse Estado de exceção, que tem esse mesmo modus operandi e que faz com que a Constituição não tenha chegado a eles. São as pessoas que participam dos noticiários das 5h e das 6h da tarde.
E a sociedade brasileira não conseguiu enquadrar esse Estado de exceção, no que dizia respeito aos pobres, e ele chegou ao outro lado da sociedade. Um fiscalismo sem objetivos. Agentes públicos que se colocam nos tribunais de contas, nas corregedorias, no Ministério Público, na Polícia Federal, na Justiça e que acabam cometendo esses mesmos excessos contra outros cidadãos.
Com os pobres, a ideia era a do combate às drogas; com aqueles que atuam na área pública, é a ideia do, entre aspas, "combate à corrupção". É o momento do Estado de exceção necessário ao neoliberalismo.
Discutíamos, eu e o Deputado Wadih Damous, e chegamos à ideia de que esse não é um procedimento excepcional. É a regra. Só que aplicada aos pobres e, agora, aplicada aos demais.
Nós estamos vivendo esse Estado de exceção, em que esse aparato de Justiça e esse aparato de polícia emergem na cena pública com o ativismo político, buscando ter uma ascensão sobre os demais poderes do Estado e sobre a nossa sociedade.
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São pessoas que não conseguem combater a criminalidade comum, dado o sentimento de insegurança na sociedade, mas querem se contrapor aos diversos segmentos da sociedade, muitas vezes uma contraposição político-ideológica, como imposição do seu poder.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - É o Estado de exceção, que se coloca.
O que fizeram com o Reitor Cancellier foi a maior crueldade que um agente público pudesse fazer, porque eles quiseram humilhá-lo, quando estabeleceram, inclusive, medidas cautelares que o impediam de exercer o seu cargo plenamente.
Quis o destino que eu cruzasse com ele. Quando ele foi escolhido como primeiro da lista, um professor da UFRJ me pediu para falar por ele com o então Ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Eu, quando soube o que aconteceu com, também fui um dos primeiros a me pronunciar sobre aquela violência que praticaram.
Acho que a resposta que a sociedade brasileira tem que dar é a exigência do Estado democrático de direito, do cumprimento da Constituição com todos os brasileiros.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - E essa crueldade que foi cometida tem que resultar na aprovação desse projeto de lei, aqui batizado como Projeto de Lei Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que pune o abuso de autoridade. Nenhuma autoridade está acima da lei. Nenhuma autoridade está acima da lei.
E, hoje, o que nós vemos são autoridades que se colocam acima da lei, A iniciar por aquele juiz de direita, chamado Moro, Sérgio Moro, no Paraná. Ele é o mestre desse momento, assim como aqueles promotores da Lava Jato de Curitiba e alguns delegados de polícia do Paraná. Não é por acaso que quem cometeu essa crueldade contra o Reitor Cancellier foi uma delegada originária da força-tarefa de Curitiba. Ali, está a escola do Estado de Exceção que se liga aos grandes meios de comunicação, para fazer o péssimo jornalismo que já existia contra os pobres, a partir das 17h ou 18h da tarde - que existem em todos os canais de televisão -, que depois se candidatam a Deputados, vereadores, prefeitos, Senadores da República. O que eles querem é isso.
Recentemente, aconteceu um fato, Senador Requião, em que o juiz de direito que decretou a prisão desse italiano, que é imigrante no Brasil, de quem se pede a extradição da Itália, no momento seguinte, deu uma declaração, dizendo o seguinte: "Estou me aposentando, porque sou candidato".
Enfim, o objetivo deles é o exercício da política a partir das suas funções. Se eles querem exercer a política, eles têm que fazê-lo na política, disputando cargos políticos como candidatos e não praticando essas crueldades, como as que foram praticadas contra o Reitor Cancellier.
A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - Deputado Paulo.
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O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Por isso, a nossa solidariedade aos seus colegas de faculdade, de universidade; minha solidariedade aos seus familiares; e a minha solidariedade a todos os brasileiros que sofreram, e sofrem esse tipo de violência por parte do Estado policial que nós temos que enquadrá-lo e fazer cumprir a Constituição brasileira.
Não sei se posso, mas a Senadora Vanessa Grazziotin pediu um aparte. Então, eu aqui tomo a liberdade de conceder o aparte à Senadora Vanessa Grazziotin e ao Senador Humberto Costa.
A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - Eu agradeço a V. Exª, Deputado Paulo Teixeira, e sobretudo a aquiescência do nosso querido Senador Roberto Requião, que foi também um dos autores para a realização desta sessão solene. Eu não podia deixar de vir aqui ao plenário e me manifestar, e o faço em nome do meu Partido, o Partido Comunista do Brasil. Aqui temos a nossa querida Angela Albino, que foi não uma colega ou companheira, mas uma grande amiga de Cao, e a Deputada Jô Moraes. Quero cumprimentar todos os seus colegas, amigos, parentes, sobretudo. É lamentável que estejamos aqui numa sessão solene em homenagem, em memória a uma pessoa que nos deixou, que se foi. Eu não conhecia o Cao, mas como uma brasileira fiquei estarrecida, entristecida com tudo o que aconteceu. A todos que eu encontro pela frente, pergunto se é verdade...
(Soa a campainha.)
A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - ... Deputado Paulo, porque todos os fatos que me foram relatados, que sofreu o Cao e os outros que foram também detidos, se é verdade ou não, se eles foram colocados nus por horas em frente às autoridades policiais, se eles tiveram revistas íntimas. Eu custo a acreditar que isso tenha acontecido. Agora, me dói mais quando eu vejo que se fala - e V. Exª acabou de falar, e o Senador Requião foi um grande lutador aqui, sofreu muito por isso - da necessidade da atualização da lei do abuso de autoridade. Quando falamos nisso, eles resumem a lei como um instrumento para enfraquecer a Lava Jato. Nós não queremos enfraquecer a Lava Jato de jeito nenhum. Nós queremos a punição de quem merece ser punido, mas não podemos calar diante de tanta arbitrariedade, de tanta atrocidade, Deputado Paulo.
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - Eu já caminho para concluir, ao dizer que é nossa obrigação como cidadãos, como cidadãs, denunciar tudo o que está acontecendo porque amanhã serão outros Caos que sofrerão as mesmas arbitrariedades. Então, receba o meu abraço o abraço de meu Partido, o PCdoB, não só como Senadora, mas como uma catarinense, que nasceu naquele Estado. Eu sei que o Estado está de luto e vai ficar por muito tempo. Um grande abraço e muito carinho, muita solidariedade, acima de tudo muita força a V. Exª, Deputado Paulo e Senador Requião da mesma forma. Muito obrigada.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - O Senador Humberto Costa me pede um aparte também, e depois Lindbergh.
O Sr. Humberto Costa (Bloco/PT - PE) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Teixeira, senhores familiares do Dr. Luiz Carlos Cancellier, nosso Presidente da sessão e principal subscritor da convocação desta sessão, Senador Roberto Requião, eu estava inscrito para falar, mas diante de várias coisas que acontecem ao mesmo tempo aqui, do grande número de oradores inscritos também, não tive oportunidade. Então, vou me valer de um aparte ao Deputado Paulo Teixeira para dizer exatamente, primeiro da minha absoluta, total e integral solidariedade à família do Reitor Luiz Carlos, aos seus colegas de trabalho, aos seus amigos todos e especialmente também à Universidade Federal de Santa Catarina. Segundo para dizer que, sem dúvida, esse sacrifício não terá sido em vão, porque ele nos chamou, chamou a atenção do Brasil, para o que está acontecendo hoje no nosso País. Eu vi o belíssimo discurso que o Desembargador fez naquela sessão acontecida...
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(Soa a campainha.)
O Sr. Humberto Costa (Bloco/PT - PE) - ... de corpo presente, e ali ele diz tudo: Nós estamos vivendo um Estado policial, nós estamos vivendo uma situação em que a democracia está sendo ferida de morte e em que as autoridades não têm qualquer preocupação, qualquer zelo, pela reputação das pessoas, das suas famílias e, diante de qualquer indício mal investigado, diante de qualquer indício sem fundamentação, lançam mão de instrumentos de constrangimento, como a coerção, como a condução coercitiva, como a prisão, muitas vezes sem qualquer justificativa, para depois dizer que nada foi encontrado, como se houvesse uma banalização desses instrumentos. Então eu quero aqui, mais uma vez, me solidarizar com a família, com o povo de Santa Catarina e dizer que isso, sem dúvida, é algo que vai contribuir para que a gente possa coibir esse tipo de prática que tornou-se tão comum nos nossos tempos. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Senador Lindbergh Farias.
O Sr. Lindbergh Farias (Bloco/PT - RJ) - Muito obrigado Deputado Paulo Teixeira e Senador Roberto Requião. Eu também tinha preparado uma fala, mas na verdade, pelo adiantado da hora, eu quero fazer um aparte, trazer a solidariedade à família, a todos da Universidade Federal de Santa Catarina e das universidades públicas brasileiras. Eu, assim como o Senador Humberto, Desembargador Lédio Rosa, eu me emocionei com aquela sessão fúnebre, com o corpo do Reitor Cancellier, no Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina; quando V. Exª falou da história, da trajetória, da resistência à ditadura militar, também quando o ex-Senador Nelson Wedekin fez uma fala muito emocionada. Cancellier trabalhou com o Wedekin. Em determinado momento ele pergunta: "Que mãos são essas? Que autoridades são essas que em vez de nos protegerem nos causam medo e temor?" Mas não só autoridades, também uma imprensa que primeiro atira e depois pergunta: Quem vem lá? - isso quando se pergunta. Eu fico vendo esse agigantamento agora. Toda semana é uma decisão judicial, impedindo peças de teatro em Jundiaí; outra decisão mandando retirar exposição de quadros... Ontem foi Caetano Veloso que disse que, pela primeira vez na história do País, depois da ditadura militar - porque ele foi impedido pela ditadura militar -, ele é impedido de cantar em São Bernardo, numa ocupação dos sem-teto. Então eu chamo a atenção. Um filósofo italiano que se chama Giorgio Agamben escreveu um livro sobre o Estado de exceção. Eu acho que é com isso que a gente tem que se preocupar. E vale a pena eu ler novamente o discurso do Desembargador Lédio Rosa, em que ele fala sobre isso, fala sobre a luta pela ditadura e que temos que voltar a lutar pelo Estado Democrático de Direito. Trago aqui, então, a minha solidariedade a todos que fazem a Universidade Federal de Santa Catarina e as universidades públicas brasileiras.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Senador Hélio.
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O Sr. Hélio José (PROS - DF) - Quero cumprimentar V. Exª Deputado Paulo Teixeira e o nosso Presidente, Senador Requião. Quero dizer que há toda uma fala preparada aqui, com relação a essa questão, a esse absurdo cometido contra o nosso nobre Magnífico Reitor Cancellier, contra o princípio democrático em nosso País, contra a universidade centenária que é a Universidade de Santa Catarina. Eu, como Líder do PROS (Partido Republicano da Ordem Social) nesta Casa, como Senador do Distrito Federal, como aluno de universidade pública aqui do Distrito Federal e como servidor público concursado, quero dizer que é um absurdo a gente admitir que, num país democrático, aconteça uma situação como essa. Então, quero, no adiantado da hora - já tinha pedido minha inscrição, mas compreendo o tempo exíguo -, fazer destas poucas palavras a minha solidariedade ao Reitor Cancellier, aos alunos da UFSC, aos nossos professores e dizer que a vida continua. Acho que a resistência é necessária, cada vez mais, aos abusos que têm sido cometidos. Nesta Casa, que é o Senado Federal, nós aprovamos já a Lei de Abuso de Autoridade e o fim do foro privilegiado. Espero que a sua Casa, que é a Câmara, encaminhe o que nós já aprovamos aqui. Então, um forte abraço a todos, à família, aos familiares, aos amigos. Saibam que nós todos ficamos consternados com a questão dessa morte lamentável do nosso Reitor Cancellier. Muito obrigado.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Para concluir, gostaria de falar mais duas palavras.
A primeira é que esse Estado de exceção não diz respeito a todo o Poder Judiciário brasileiro, a todo o Ministério Público, a todos os setores de polícia. Há muitos policiais, muitos promotores, muitos juízes legalistas, respeitosos da Constituição. Mas temos que fazer uma lei para aqueles que desrespeitam a Constituição, que afrontam a Constituição, que é uma parte dessas instituições, inclusive de corregedorias, de tribunal de contas, etc.
Em segundo lugar, quero dizer que nós temos que colocar a memória de Luiz Carlos Cancellier como um grande cidadão brasileiro, que deu a sua vida para que o Brasil pudesse passar a página do arbítrio, para que nós todos acordássemos para a defesa do Estado democrático e da nossa Constituição. Ele passa a ser uma pessoa cultuada por todos os democratas, vítima desse Estado em que nós tanto lutamos, quando ele se formou nas ditaduras ou desde a escravidão, em toda a história brasileira. A luta é permanente pela nossa democracia.
Viva Luiz Carlos Cancellier de Olivo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Nós já invadimos o horário da sessão ordinária do Senado Federal. E para esta sessão há um número muito grande de oradores inscritos.
Então, agradecendo a presença da família do Reitor Cancellier e de todos os Deputados e Senadores que prestigiaram esta sessão de homenagem e de desagravo, dou por encerrada a sessão.
Muito obrigado pela presença de todos. (Palmas.)
(Levanta-se a sessão às 14 horas e 59 minutos.)