4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 6 de abril de 2018
(sexta-feira)
Às 9 horas
42ª SESSÃO
(Sessão Não Deliberativa)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A Presidência comunica ao Plenário que há expediente sobre a mesa, que, nos termos do art. 241 do Regimento Interno, vai à publicação no Diário do Senado Federal.
Há oradores inscritos.
Passamos, de imediato, ao Senador Requião, para que use a palavra pelo tempo necessário, neste dia tão complexo e tão complicado, que vai ficar marcado na história do nosso País.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paim, nesta sexta-feira, o Brasil vive um dos momentos de maior crise na nossa história.
O Supremo Tribunal Federal atropelou a nossa Constituição. O art. 5º, inciso LVII, da Constituição brasileira, assegura que, no Brasil - e esta é uma cláusula pétrea -, ninguém poderá ser preso, a não ser por sentença transitada em julgado. O que significa transitada em julgado? Sentença sobre a qual não sejam possíveis recursos alguns.
Não foi o que aconteceu. Tivemos uma manobra regimental. Em vez de colocar em votação uma ação de constitucionalidade, a Presidente do tribunal pautou um habeas corpus em relação a uma medida tomada pelo STJ.
Ora, em 2016, equivocadamente, o Supremo estabeleceu a possibilidade da prisão numa segunda instância de condenação, ignorando os recursos possíveis, atropelando a Constituição. O resultado foi seis votos a favor do absurdo e cinco contra - dividido estava o tribunal.
Se colocássemos em votação a ação direta de constitucionalidade, o Ministro Gilmar Mendes, que tinha ficado com essa possibilidade ilegal, havia mudado de posição. O Ministro tinha visitado penitenciárias em todo o País e havia verificado que a tal prisão provisória, a prisão sem condenação, era um arbítrio extremamente violento e atingia, principalmente, a população mais pobre. O Ministro encontrou presos há 14 anos sem que houvesse um inquérito, sem que houvesse uma condenação, e mudou a sua posição. Portanto, a posição do Supremo Tribunal Federal era majoritariamente, neste momento, favorável ao princípio pétreo da Constituição brasileira.
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No entanto, a Presidente pautou um habeas corpus, e a Ministra Rosa Weber considerou que o STJ, que havia negado o habeas corpus, teria se comportado de acordo com uma decisão anterior do Supremo. Portanto, no caso, não haveria uma arbitrariedade. É evidente que foi uma manobra judicial. E, desta forma, negaram o habeas corpus ao ex-Presidente Lula.
Senador Paim, o Lula nunca foi dono daquele apartamento em São Paulo, numa praia de segunda linha em São Paulo. A D. Marisa, sua esposa, havia comprado um apartamento no quarto andar. E, por esse apartamento, ao longo de anos, havia pagado cerca de R$340 mil ou R$380 mil. De repente, não mais que de repente, a construção cai na mão de uma empreiteira de obras públicas, a OAS. É evidente que o Presidente Lula, saindo do governo com 84% de aprovação popular, aprovação absoluta, a maior aprovação do planeta Terra, um Presidente chamado de "o cara" pelo então Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ensejou o desejo da construtora de lhe fazer um favor. Ofereceram teoricamente para que comprasse o apartamento de cobertura. A D. Marisa se interessou pelo processo e levou o Presidente Lula até o local. O Lula não aceitou e disse que a cozinha não lhe agradava, que o apartamento não lhe agradava. Mas a presunção é que, se trocasse de apartamento, pagaria a diferença.
Eu, com toda a franqueza, acredito que nunca foi interesse da OAS cobrar do Presidente, com 84% de popularidade, a diferença, cobrar o apartamento. Mas o Lula não aceitou. E, num processo montado para dar cobertura à derrubada de um governo democraticamente eleito, que foi o governo da Presidente Dilma, iniciou-se um processo totalmente arbitrário, violento. O Presidente foi conduzido coercitivamente para depor em São Paulo ao arrepio da lei, um absurdo completo. Não está previsto na legislação brasileira. E isso tudo dando cobertura a um golpe parlamentar e ao entreguismo.
Atrás disso, está a entrega do petróleo, a entrega do pré-sal, a entrega da água, o fim do direito dos trabalhadores, a privatização da previdência pública, que seria entregue aos bancos privados, que teriam à sua disposição esses recursos fantásticos da economia popular do fundo viabilizado para a previdência dos trabalhadores, uma previdência que nunca foi deficitária, sempre foi superavitária com a contribuição de trabalhadores e de empregadores. E, atrás disso tudo, arma-se essa postura, essa posição do Judiciário brasileiro de prender o Presidente Lula, que hoje é amplamente favorito na eleição presidencial.
Não é o Lula que querem prender, é o Brasil. Querem encarcerar a soberania, querem viabilizar o fim dos direitos da população e estão claramente a serviço do capital financeiro, Senador Paim. O capital financeiro está mandando no Brasil.
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Eu e V. Exª temos aqui agora a possibilidade de conversar com o Brasil pela TV Senado. Mas a Rede Globo e as redes de televisão massivamente mentem, dizem que nós estamos crescendo, que nós saímos dum impasse econômico criado por ele mesmo, o que não é verdade. Em janeiro, por exemplo, o Produto Interno Bruto do Brasil caiu 0,56% em relação ao valor de dezembro do ano passado. São R$37 bilhões a mais.
Os empregos desaparecem, empregos com carteira assinada. E, com o fim dos empregos, desaparece o consumo. Eles falam no emprego informal, pessoas vendendo quentinhas nos pontos de parada de ônibus, nos sinais luminosos, nos semáforos das esquinas do Brasil. Esse é um trabalho informal. Essa gente não tem acesso ao crédito, não tem condição de compra. E a economia brasileira vai desaparecendo.
Nós estamos na maior crise da nossa história em função do golpe, em função da desindustrialização. A proposta é transformar o Brasil no celeiro mundial, a agricultura com terras vendidas a capitais estrangeiros, perdendo o Brasil o controle do seu solo; com tecnologia alta, mecanização significa desemprego, e a indústria vai desaparecendo.
Com toda clareza, eu vejo que o domínio é do capital financeiro. Há uma ilusão de alguns políticos ainda, de que seriam protegidos pelo sistema, pelo sistema que domina a nossa mídia, pelo capital financeiro internacional e essa proposta de globalização, que liquida com a soberania dos países. Não é verdade, estão enganados. Eles são protegidos enquanto servem à desnacionalização, enquanto servem ao entreguismo. Amanhã ou depois, eles vão pôr na cadeia, sim, o PSDB inteiro. Vão atingir o Temer e o seu Governo, acusado de mil irregularidades. Mas são mantidos enquanto mantêm a desnacionalização do Brasil e a interiorização, na nossa legislação, de medidas que maximizam o lucro do capital.
A ordem de prisão ao Presidente Lula, além de não ter respeitado a presunção de inocência, não respeitou a publicação do acórdão do Supremo. Não respeitou o prazo para os embargos. Eu lembro que o Ministro Marco Aurélio avisava, ainda no fim do julgamento, que só valeria o acórdão depois de publicado. Mas não, o Juiz Moro desobedeceu a isso tudo.
Veja, Senador, no início da Lava Jato, eu mesmo fiquei empolgado com o combate à corrupção, mas a Lava Jato está claramente a serviço de interesses que não são brasileiros. O que é que o Juiz Moro faz, a cada 30 dias, a cada 15 dias, nos Estados Unidos, fazendo palestras, provavelmente remuneradas, sendo ouvido nos programas de televisão de maior audiência do mundo? Foi capturado pela vaidade. Está a serviço dum movimento que, para o comum da classe média brasileira, parece ser um movimento de moralização, mas é um movimento de cobertura do processo entreguista.
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E a prisão do Presidente Luiz Inácio da Silva não é a prisão do Presidente; é a prisão da esperança dos brasileiros. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje, comprometido como referendo revogatório, com uma nova Constituinte, é a devolução da dignidade aos brasileiros. E é rigorosamente inadmissível a sua prisão.
A resistência é grande em São Bernardo. Eu mesmo, provavelmente, depois desse pronunciamento, pretendo, se conseguir um voo, me dirigir a São Bernardo para levar a minha solidariedade ao Brasil e ao Presidente, que não pode ser preso ao arrepio da Lei.
Mas o que nós estamos esperando é que o Ministro do Supremo Tribunal, monocraticamente ou não, tome uma atitude e ponha um fim a esse processo, porque não é o Lula que estará resistindo à prisão, é o operariado de São Bernardo, são os democratas do Brasil que estarão lá para evitar que ele seja preso, fazendo valer no Brasil o Direito, a presunção de inocência, diante de uma condenação absolutamente irregular.
O Presidente Lula não está acima da lei, nem V. Exª nem eu, como Senador. Indivíduo algum está acima da lei, mas não pode estar abaixo dela. E o que nós podemos esperar desse processo é uma espécie de ditadura corporativa. Daqui a pouco a justiça será feita pelo guarda da esquina, pelo delegado, pelo promotor; essa história da hermenêutica livre, em que o texto legal não tem nenhuma relevância e em que o juiz interpreta a lei não conforme o seu texto, mas ao sabor da sua visão filosófica, ideológica e partidária...
Que o Juiz Moro admire os Estados Unidos é perfeitamente razoável. É uma bobagem, um equívoco ideológico, mas que ele atropele a legislação brasileira para facilitar o processo do entreguismo é rigorosamente inaceitável.
Eu espero do Ministro do Supremo uma providência rápida antes que se consuma no País uma tragédia.
Presidente, ocuparei a Presidência para dar a V. Exª a oportunidade do seu protesto. Não se pode encarcerar Luiz Inácio Lula da Silva, porque a esperança de um país não pode ser encarcerada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado, Senador Requião.
Meus cumprimentos pelo seu pronunciamento, que eu assino embaixo. Faço questão de ir à tribuna para expressar também a minha análise sobre esse momento tão delicado que a nossa jovem democracia atravessa em nosso País.
(O Sr. Paulo Paim deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Roberto Requião.)
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Com a palavra o bravo Senador do Rio Grande do Sul Paim.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Roberto Requião, V. Exª, na tribuna, foi muito feliz e lembra que o mundo está acompanhando esse processo.
V. Exª me permita que eu continue no seu raciocínio.
O ex-Presidente Lula está em primeiro lugar, e ganha no primeiro turno, em todas as pesquisas. Ora, a reflexão que todos fazem neste momento é de que esse movimento truculento de não respeitar nem os prazos, que normalmente a Justiça respeita, visa a não permitir que ele possa registrar a sua candidatura - que é em 15 de agosto - e, com isso, permitir que aqueles que pensam diferentemente, e é legítimo pensar assim, possam eleger o seu candidato a Presidente.
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Isso fere a democracia. Não é bom para ninguém esse ataque à democracia, que começou quando? Aí temos que fazer uma reflexão: começou exatamente quando aqui, neste plenário, articulado por setores conservadores, aplicaram, eu podia falar impeachment, mas vou falar o golpe na democracia e na Presidenta Dilma.
E nós avisávamos. V. Exª avisou, eu avisei, inúmeros Parlamentares avisaram que o conflito, a insegurança jurídica, a economia, o social, o político, se aquele golpe que aqui foi aprovado acontecesse, iriam continuar cada vez mais piores até as eleições.
Aplicaram o golpe. Resultado: V. Exª já colocou, e eu cito aqui algumas questões antes de entrar na questão técnica. Vieram com aquela maldita proposta de emenda à Constituição que congelou todos os investimentos no País por 20 anos. Isso interessa a quem? Congelar o crescimento do País...
Em seguida, aquela reforma trabalhista, que revoga tudo o que o brasileiro conquistou, eu diria, desde a Lei Áurea para cá - primeiro a Lei Áurea, depois a era Getúlio. Nesse momento, revogaram todos os direitos.
Não bastasse aquilo tudo, e todo mundo sabe onde foi feito aquele projeto - foi na sede da CNI aqui em Brasília -, a Câmara aprova por unanimidade, deram para o Relator, o Relator assinou embaixo e mandou para o Senado.
O Senado, por sua vez, o que fez? Votou sem ler. Nós o lemos, porque tivemos que ler, porque queríamos fazer a defesa dos absurdos que estavam colocados ali.
Eu perguntava para alguns Senadores, e eles me diziam: "Bem, não li, mas faz parte. Veio da Câmara, e o Presidente Temer assinou embaixo." Mas isso é argumento? Eu li durante quatro horas e meia o relatório lá na Comissão de Assuntos Sociais. V. Exª estava lá, fez a defesa também. Ganhamos por um voto, mas perdemos depois no plenário. E aprovaram isso, não garantindo mais ao trabalhador, para quem está nos assistindo, nem sequer mais a rescisão de contrato com o acompanhamento do advogado do sindicato. Estão fazendo por correspondência.
Esse trabalho intermitente depende do número de horas que o teu empregador resolveu te dar. Se ele te der 17 horas, no fim do mês, tu tens que pagar no mínimo para a Previdência o correspondente a R$3. Não recebe nada e ainda paga.
Veja, o negociado sobre o legislado. A lei só não vale mais para o trabalhador. Por isso, agora não respeitam nem os prazos, amparados em decisões absurdas como essa. Vale o que a parte mais forte decide.
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Vejam a que ponto chegamos. A que ponto nós chegamos! Eu sou obrigado a avançar. Eu podia falar aqui que ele prometeu vetar sete ou oito artigos e não vetou nenhum. Mandaram uma medida provisória para cá que é uma farsa, não mexia em nada nos pontos mais graves. O que aconteceu? Nem instalaram, não há presidente, não há vice, caiu ontem e não existe mais.
A perspectiva, porque fizemos em torno de mil emendas - nós todos fizemos -, era de que prevalecesse a vontade da sociedade, mas não vão apreciar uma emenda, não vão apreciar a MP e fica tudo como estava. Um conflito jurídico enorme, uma insegurança jurídica que 600 juízes reunidos resolveram que é inaplicável. Aí o Tribunal Superior do Trabalho cria uma comissão, se não me engano de seis ministros, para estudar o que fazer, mediante a lambança que fizeram neste País.
Senhores, essa é a realidade dos fatos.
Mas eu quero aprofundar um pouquinho aqui e coloquei no papel. Quero agora apresentar, Senador Requião, a análise que faço aqui desse atentado à democracia que se está fazendo no País. Ou alguém tem dúvida? Dividiram o País outra vez! Eu vou usar "dividiram" porque eu respeito aqueles que pensam diferentemente.
Mas vamos lá: Sr. Presidente, Senador Roberto Requião, senhores e senhoras, falo aqui para todo o Brasil, falo para a sociedade brasileira reafirmando, como coloquei no meu Twitter, que todos nós ficamos perplexos com a notícia do despacho da prisão do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que - repito -, em todas as pesquisas de opinião, está em primeiro lugar. Digo isso pois o processo não está esgotado, por isso os juristas, muitos e muitos, estão perplexos. O processo não estava esgotado, como não está, ou seja, a análise dos embargos não foi findada.
Senador Requião, para aqueles que dizem que o Supremo não pode analisar fatos e até mesmo, mediante a opinião dos ministros daquela Casa, ter uma posição diferenciada, eu lembro aqui que, em 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou o Funrural inconstitucional, trazendo um prejuízo, no meu entendimento e no desenrolar do que eu vou ler aqui, a toda a área rural.
Vamos em frente. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal, a partir desse momento, alterou o entendimento e considerou o Funrural constitucional. Isso gerou uma insegurança jurídica, com essa mudança, trazendo um prejuízo para a área rural de bilhões. O Congresso teve que votar uma nova lei para assegurar que não houvesse esse prejuízo.
Então, apenas estou lembrando um fato em que o Supremo muda de posição, traz um prejuízo enorme para a área rural, aí houve um debate profundo sobre isso e o Congresso teve que interagir.
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Pois bem, a antecipação condenatória foi, nesse cenário, dito inclusive por juristas uma ação estritamente política, desprovida de razão, neste caso atual, e, obviamente, contra o Estado democrático de direito.
Digo mais: foi uma ação seletiva no âmbito da Justiça. Deixo claro que não estou aqui falando do mérito; estou falando do processo.
Faltou, nesse sentido, a serenidade das decisões técnicas e racionais, como eu diria, como horizonte para o equilíbrio, a harmonia, a legalidade e para fortalecer a democracia. Historicamente o País já viveu esta situação.
Agir emocionalmente neste caso agride o bom senso e a capacidade que temos de evoluir ética e moralmente. Isso é só uma constatação.
A Constituição brasileira, a Constituição Cidadã, assim batizada por Ulysses Guimarães, é a nossa Bíblia. Não tenho dúvida alguma sobre isso. A nossa obrigação é cumpri-la na sua integralidade. Mais ainda, Sr. Presidente, cumpri-la como se fosse parte do nosso corpo, como se fosse o sangue das nossas vidas, como se fosse o nosso coração que mantém o corpo ereto, digno de sermos humanos na face da Terra.
Tudo que fizermos contra nossas boas práticas, contra essa visão de mundo é, no meu entendimento, uma covarde agressão à alma da democracia, da liberdade, da justiça e da igualdade.
Miguel de Cervantes, sim, sim, em Dom Quixote de La Mancha, assim se expressou:
A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.
Eu pergunto a V. Exªs: existe liberdade se a democracia é vilipendiada? O que é a democracia enfim?
Lembro aqui Lincoln, Mandela, Saramago, que têm suas definições. Uma das mais respeitadas definições é a de Norberto Bobbio. Abre aspas: "A democracia é um conjunto de regras de procedimento para a formação das decisões coletivas." Fecha aspas.
A democracia, complemento eu, não pode ser seletiva. Democracia exige também igualdade de direitos e condições perante a Justiça. Não pode haver condicionante de exclusão e de parcialidade. Há uma frase de um político gaúcho revolucionário que diz: "Quero leis que governem homens, não homens que governem leis". Isso foi dito por Honório Lemes.
O pecado do Brasil está aí. Os homens públicos se acham superiores à própria Constituição.
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Falta-nos uma pedra angular, o elemento essencial que dá existência à construção de uma nação. Se não houver respeito à Constituição, não haverá paz e harmonia no seio da sociedade e do País.
Alertávamos lá atrás o que está acontecendo hoje.
As instituições serão meros palácios de silêncios e fetiches. Isso é a degradação da cidadania. É a personalização da democracia.
Todos nós temos lado nessa história, mas o que faz a essência da política é a razão, é a sensibilidade, é o bom senso, é o equilíbrio, é a sensatez.
Eu acredito na unidade do nosso Brasil, hoje tão dividido. Acredito que somente as urnas podem assegurar essa unidade. Acredito que é possível deixarmos de lado os nossos orgulhos, as nossas disputas, até mesmo medíocres, mediante a importância da legalidade, luta que lembra João Goulart, neste momento tão importante e delicado da história nacional.
Pensemos no povo brasileiro. Tenhamos grandeza neste momento tão difícil para a democracia do nosso País. A história nos impõe este desafio. As causas, as causas estão acima de tudo isso.
Sr. Presidente, se me permitir ainda, eu faço questão de comentar agora um artigo que foi publicado por um homem que não é de centro ou de esquerda, mas por um homem que sempre teve uma posição muito dura, principalmente em relação às esquerdas. E o que diz ele, no seu artigo? Reinaldo Azevedo: "É evidente que Lula está sendo vítima de um processo de exceção e de procedimentos que agridem o direito da defesa." Porque não foram respeitados sequer os prazos para chegar a este momento tão delicado da nossa jovem democracia.
Diz ele: "Não há mais meio-tom, meias palavras ou ambiguidades. Lula, ex-Presidente da República, está sendo vítima de um processo de exceção. Interpretações exóticas de códigos legais estão se infiltrando nas franjas dos tribunais."
E vou avançando: "A autorização dada pelo TRF4 para prender Lula, com a imediata determinação expedida pelo Juiz Sergio Moro, pegou a todos de surpresa, porque não houve o trânsito em julgado do processo nem na segunda instância."
"Ora...", ele diz - essa pode ser a opinião do Reinaldo Azevedo. "Pois bem...", diz Reinaldo Azevedo, "... reproduzo aqui, então, a entrevista do Desembargador Carlos Thompson Flores, Presidente do TRF4, entrevista que concedeu nessa quinta-feira à imprensa gaúcha."
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Diz ele: "Se forem interpostos novos embargos de declaração, uma vez sendo julgados, a partir desse momento, o relator pode comunicar [sendo julgados!] ao Juiz Sergio Moro o cumprimento da decisão. Não há um prazo. Os embargos anteriores foram julgados mais ou menos em 30 dias." Diz ele.
Olha bem, estou falando do Presidente do TRF4, Carlos Thompson Flores, onde foi julgado o Presidente Lula.
Agora anuncia-se que pode haver os embargos que estão dentro do procedimento legal. Aí, diz ele: "Então eu acho que, no mais tardar, em 30 dias, isso será julgado."
A fala é clara. Thompson Flores é Presidente do Tribunal que confirmou a condenação de Lula e ainda lhe majorou a pena. O entendimento pacífico a respeito é o de que se aguarde pelo menos o trânsito em julgado na segunda instância, o que não aconteceu.
Quando conseguirem, segundo ele, chegar a esse ponto, de Lula ser preso, vai se criar uma situação de instabilidade cada vez maior, porque diz ele: "Por aí nós ficaremos, mais uma vez, a esperar de uma decisão, que pode ser do Supremo." Aqui eu estou resumindo o texto, Sr. Presidente.
Mas ele lembra também que, nessas duas ações que estão na Justiça, o relator é Marco Aurélio. Elas dizem respeito ao art. 283 do Código de Processo Penal, que reproduz um trecho ipsis litteris, o inciso LXII do art. 5º da Constituição. O que é que ela diz? Inciso LII do art. 5º da Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."
Sr. Presidente, eu simplifico aqui, porque não vou ler todo o documento, mas ele se socorre do art. 5º da Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."
Sr. Presidente, eu ainda quero, concluindo esta minha análise... A Defesa do Presidente Lula pode opor novos embargos de declaração, os chamados embargos dos embargos. O prazo para a apresentação do recurso é até 10 de abril. E aqui, neste outro documento que eu tenho, também se socorrem do Desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, que afirmou que somente em meados de maio é que estaria pronto para encaminhar ou determinar o cumprimento da sentença. Independentemente de ocorrer ou não, o processo continua, pois a Defesa apresentará recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.
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Além disso, as ações declaratórias de constitucionalidade que podem alterar o posicionamento do STF de não aceitar ou aceitar a prisão após o julgamento na segunda instância ainda não foram pautadas.
O Ministro Marco Aurélio - eu vi uma entrevista dele - foi provocado já e disse que vai pedir àquele Colegiado do Supremo Tribunal Federal que votem.
Mediante tudo isso, meu querido Presidente, ainda posso lembrar aqui o voto da Ministra Rosa Weber, na ação declaratória contra a prisão após a segunda instância. Ela disse: "Eu votaria diferente, se a ação declaratória fosse para todos." Então, é essa ação que tem que ser votada, independentemente da posição de cada um dos Ministros.
Sr. Presidente, eu digo a V. Exª que ficarei de plantão, aqui em Brasília, conforme já ajustado. Tenho uma outra audiência agora, que vai discutir o assassinato de uma menina, Naiara, de Caxias do Sul, que foi estuprada, com sete anos. Será um debate que vai na linha de evoluirmos, para que neste País, cada vez mais, avancemos na luta contra a violência às crianças e adolescentes.
Era isso, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. PMDB - PR) - Senador Paim, o Brasil era respeitado no mundo inteiro. O Presidente Barack Obama dizia que o Presidente Lula era o cara, e nós tínhamos peso nas decisões internacionais.
Eu conheço muita gente que não tem noção do que nos espera em termos de respeitabilidade internacional daqui para frente e também em termos de respeitabilidade no âmbito dos direitos civis.
Essa gente que está festejando o arbítrio deve rezar para não cair, daqui para frente, na antipatia do guarda de trânsito, do policial da blitz ou do funcionário público que ficar mal-humorado na hora do seu atendimento, independentemente dessa anarquia jurídica armada pelo Judiciário de primeiro grau da Justiça Federal, que cumpriu à risca um protocolo que é o protocolo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O sistema judiciário, o mesmo que embolsa dinheiro para tudo, que embolsa os auxílios para tudo, desmoralizou o Direito brasileiro, deixando o Direito à revelia, como disse no passado Pedro Aleixo, "deixando tudo para o julgamento do guarda da esquina". Et legis lata num diutius exista tamen - diria Numa Pompílio.
A lei comum perdeu a serventia, diante do picadeiro armado do Supremo Tribunal Federal, antes de ontem, e da inusitada, absurda, incompreensível performance da Ministra Rosa Weber.
Eu vi aquele voto, que era o voto naquilo que ela não acreditava, que era contra a sua convicção, e eu me pergunto: era, então, compatível com a convicção e os interesses de quem? Se a sua convicção a levava a pensar e a votar de forma diferente, por que votou da forma que votou, acabando com a possibilidade da confirmação do art. 5º, inciso LVII, da nossa Constituição Federal? Eu, realmente, estou perplexo com o que pode acontecer. O Lula é condenado baseado em boatos levantados pela Rede Globo, em noticiários. E o que é que pode ocorrer depois disso? O boicote das eleições, o fim das eleições? A prisão de Lula tem esse motivo - eu não vejo outro motivo. Ele não é culpado de nada nesse caso levantado pelo Juiz Moro. É um absurdo isso. Todo mundo sabe que é um absurdo. Nunca foi dele aquele apartamento, nunca seria dele. Ele era o Presidente da sétima potência econômica do mundo. A corrupção por um "apartamentinho" que, como dizia o terrível Maluf, eram três Minha Casa, Minha Vida, empilhada uma sobre a outra não tem sentido, para corromper um Presidente da República do Brasil. Eu acho que atrás disso está a doação da Petrobras, da Eletrobras, da Embraer, da Embrapa, Aquífero Guarani e tudo mais.
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E só há um caminho, se nós não quisermos, no futuro, sermos taxados por nossos filhos e netos de omissos e de covardes: a resistência.
Então, fica aqui um apelo, uma sugestão da Mesa do Senado da República a quem nos ouve. Quem puder, quem tiver condições, que se dirija a São Bernardo do Campo, democraticamente, para dar uma demonstração clara de que a opinião do Brasil nacionalista e democrático não aceita o que está acontecendo. Não é possível que os juízes interpretem a lei ao sabor das suas convicções e contra as provas e contra o Direito.
E o Congresso Nacional está sendo totalmente desmoralizado. Desmoralizado já, porque está subordinado a emendas a favores e votando contra os interesses populares. Mas lei, no Brasil, quem faz é o Legislativo. O Judiciário tem que obedecer às leis. É claro que o juiz pode ter uma opinião diferente da opinião da lei, e pode até deixar clara essa opinião, para influenciar a possibilidade de uma mudança. Mas ele não pode mudar a legislação ao seu alvitre, contra o que está estabelecido e fixado no Direito brasileiro.
Então, minha gente, não é a defesa do Lula; é a defesa do Direito, a defesa da soberania do nosso País.
Eu vou verificar agora a possibilidade de voo para São Paulo. Eu irei a São Paulo.
Eu não encerro a sessão aqui. Não temos mais oradores.
Hoje, aqui, no plenário, nesta sexta-feira, estou eu e o Senador Paulo Paim. Mas eu vou suspender esta sessão, porque a tribuna do Senado deve ficar, neste dia terrível para a história do Brasil, à disposição dos Parlamentares que desejarem utilizar a nossa rede de comunicação, a nossa televisão, as nossas rádios, para colocar com clareza a sua opinião.
Está suspensa a sessão.
E poderá ser retomada a qualquer momento que alguns Senadores desejarem utilizar a estrutura de comunicação do Senado da República, para dizer que o Brasil ainda existe, que nós queremos a democracia e que nós não aceitaremos o arbítrio.
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E fico aqui com a esperança - diz-se que a esperança é a última que morre - de que um ministro do Supremo Tribunal tome a medida necessária, monocraticamente, se for possível, e interrompa esta prisão rigorosamente arbitrária, que avilta o Brasil, acaba com a democracia e ameaça os direitos civis do País.
Está suspensa, provisoriamente, esta sessão de sexta-feira, no Senado Federal.
(A sessão é suspensa às 9 horas e 48 minutos e encerrada às 13 horas e 38 minutos devido ao término do prazo regimental.)