1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 25 de abril de 2019
(quinta-feira)
Às 10 horas
57ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão especial destina-se a homenagear os povos indígenas em razão do abril indígena, que se comemora no dia 19 de abril e no decorrer de todo este mês, nos termos do Requerimento nº 246, aprovado pelo Plenário do Senado, de autoria do Senador Telmário Mota e outros Senadores.
Quero convidar com muita honra para integrar a Mesa desta sessão solene, o representante da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o Vereador Otacir Terena; (Palmas.)
Convido também o representante da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), Toya Machineri. (Palmas.)
Façam-me a devida correção na pronúncia, por favor, parentes.
Queria convidar também o representante da Apoinme, Cacique Marcos Xukuru, dos povos indígenas do Nordeste. (Palmas.)
Convido também o Representante da Atiguaçu, da associação dos povos indígenas da região Centro-Oeste, Eliseu Lopes. (Palmas.)
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Com muita honra também convido o representante da Coordinadoria de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica, Tuntiak Katan. (Palmas.)
Bienvenido.
Convido todos os parentes, em sinal de respeito, a acompanhar o Hino Nacional brasileiro.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Parentes, diferentes povos aqui presentes, quero fazer uma saudação toda especial aos representantes presentes à mesa desta solenidade, ao mesmo tempo em que homenageio todos os diferentes povos indígenas aqui presentes, que ao longo desta sessão aqui destacaremos, povos reunidos de todo o Brasil, desde o meu querido Amapá e Roraima até o Rio Grande do Sul, que participam deste Abril Indígena.
De acordo com os dados do Censo Demográfico de 2010, hoje nós somos no Brasil 896.917 parentes, cerca de 0,4% da população brasileira. Esse número dá uma dimensão do genocídio ocorrido ao longo dos últimos 519 anos. Nós éramos mais de 10 milhões quando os portugueses e os demais povos europeus aportaram aqui no continente.
Segundo a Funai, nós somos hoje 225 povos dos mais distintos, além de referências de outros 70 vivendo em locais isolados e ainda não contactados. Entre todas as regiões do País, estão na nossa Amazônia 342 mil parentes e um menor grupo no sul, com 78 mil. Essa diversidade da Amazônia, de 342 mil parentes de 170 povos distintos, é uma das mais destacadas riquezas que nós fazemos questão de aqui assinalar.
No meu Estado do Amapá, é com muito orgulho que nós somos galibis, karipunas, palikurs, tiryiós, kaxuyanas, wayanas, apalaís e waiãpys. (Palmas.)
A história dos povos indígenas do Brasil, como já assinalei, e pelos números fica demonstrado, é uma história de resistência ao genocídio. Quando os portugueses aqui aportaram, cerca de 8 a 10 milhões de pessoas viviam neste território, que depois passou a ter a denominação de Brasil, a ter a simbologia que nós hoje conhecemos e que foi formado, que foi construído sobre o sacrifício dos povos originários.
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Como já dissemos, restamos apenas 896 mil. Já perdemos, ao longo desse século, centenas de etnias, línguas, costumes, religiões e culturas de incalculável riqueza. A luta dos povos originários é um exemplo de resistência para toda a humanidade.
A Constituição de 1988 estabeleceu um dos mais simbólicos processos de redemocratização do País. Entrou, naquela Assembleia Nacional Constituinte, o discurso de Ailton Krenak, pintando o rosto com a tinta negra à base de jenipapo, enquanto denunciava a campanha anti-indígena e defendia as Emendas populares de nºs 39 e 40, em defesa dos direitos indígenas que, juntos, somavam 87.994 assinaturas.
No fim, diversos avanços foram conquistados na Constituição de 1988. Os direitos dos povos indígenas estão expressos em capítulo específico. É o Título VIII - "Da Ordem Social" -, Capítulo VIII - "Dos Índios", com preceitos que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, às crenças e às tradições.
O art. 231 da Constituição proclama, em alto e bom som:
"Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."
Não é a vontade de qualquer governante nem mesmo aquele que hoje está de plantão que fará retroceder os direitos dos povos originários, que estão assinalados no texto da Carta Constitucional de 1988. O direito à demarcação dos territórios indígenas é um direito assegurado pela Constituição e que cabe aos agentes públicos, ao Poder Público, ao Governo cumpri-los.
Quero saudar o Acampamento Terra Livre nesta sua 15ª edição. Tem sido o ATL um dos principais instrumentos de organização e defesa dos direitos dos povos indígenas, assim como um importante espaço de trocas culturais entre as diferentes etnias brasileiras.
Ontem, tive a honra de estar no ATL, acompanhado dos queridos colegas Senadores Fabiano Contarato e Eliziane Gama. Estive também acompanhado de uma comissão de outros Parlamentares de diferentes partidos, liderados, com muita honra, pela querida Sonia Guajajara e também pela primeira mulher Parlamentar indígena desses 519 anos de história, que é a minha irmã Joenia Wapichana, para mim, com muito orgulho, companheira da Rede Sustentabilidade. (Palmas.)
Estive também, com muito orgulho, neste ato acompanhado pela querida Senadora Marina Silva, que é uma referência da luta dos povos da floresta no Brasil e no mundo.
Marchamos ao som dos guerreiros dos diferentes povos, marchamos ao som dos guerreiros para pedir paz e para pedir respeito aos povos indígenas.
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Quero destacar, como já aqui assinalei, a eleição de Joenia Wapichana. Joenia é a primeira Deputada indígena do Brasil. Não poderia vir em melhor hora a presença de Joenia nos tapetes verdes e azuis deste Congresso Nacional. Quis o destino e o povo de Roraima que, em um momento de crise e de ataque aos direitos de todos vocês, os povos indígenas tivessem aqui no Parlamento uma representante, uma representante que, além de ser digna de representar os povos originários do Brasil, é a primeira advogada indígena, para liderar todos nós na luta suprapartidária em defesa dos povos originários.
Quero também aqui, como porta-voz de Joenia, de alguns companheiros e companheiras Senadores e Senadoras deste Parlamento, de Marina e de tantos outros, denunciar as ações do atual Governo Federal. Desde a redemocratização do Brasil, nunca um Governo lançou tantos ataques aos povos indígenas como o Governo do Sr. Jair Bolsonaro. O momento é de grave ameaças e retrocessos. A consequência final que eles assim pretendem caminha a passos largos para o aumento da violência e o derramamento do sangue dos nossos indígenas. Não iremos tolerar isso. Não iremos nos omitir. A resistência de vocês na atuação junto conosco nos inspirará. Denunciamos em alto e bom som as ações do Governo Bolsonaro. Denunciamos a extinção da Sesai. A Sesai é uma conquista originária, é uma conquista fundamental de todos os povos originários.
Quero, ao mesmo tempo, destacar que, com a luta e a organização de vocês, foram possíveis algumas centrais vitórias. Nossa primeira vitória, a partir da pressão de fora para dentro do Parlamento, garantiu o recuo do Governo Bolsonaro em sua proposta inicial de extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena. A atenção básica de saúde especializada é uma conquista fundamental que precisa ser mantida. A outra medida contra os povos originários é a Medida Provisória nº 870, de reorganização da estrutura organizacional e administrativa do Governo.
A Fundação Nacional do Índio é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Ela foi criada em plena ditadura militar pela Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967. Sua missão é coordenar e executar as políticas indigenista do Governo Federal, protegendo e promovendo os direitos dos povos indígenas. O lugar na Funai foi, na sua origem, por conquista dos povos e não pode ser em lugar diferente no Ministério da Justiça. O lugar da Funai é como um instrumento de defesa da organização dos povos originários. As competências sobre demarcação e licenciamento ambiental de empreendimentos com impacto sobre terras indígenas, na Medida Provisória nº 870, passaram, lamentavelmente, para o Ministério da Agricultura, que tem como público-alvo o agronegócio, setor com o qual existem históricos conflitos com os povos originários. Em outras palavras, como ontem assinalei na atividade junto com vocês, é colocar a raposa dentro do galinheiro. E pior, não se pode brincar com licenciamento ambiental, como se não bastassem as tragédias de Mariana e Brumadinho como um alerta para que esse tipo de flexibilização não ocorra no nosso ordenamento jurídico.
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Eu quero aqui anunciar a todas e todos vocês que ontem, em audiência com seus representantes junto com o Presidente do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre, a quem eu quero agradecer e saudar, e depois com o Presidente da Câmara, recebemos o compromisso dos dois Presidentes das Casas, assumidos junto com a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, liderados pela querida Joenia Wapichana, recebemos o compromisso dos Presidentes das Casas de que a MP 870 não passará na sua forma original e será garantido e assegurado que a Funai esteja no lugar de onde ela nunca deveria ter saído. (Palmas.)
Contará esse compromisso com a vigília permanente dos Parlamentares, Senadores e Deputados, repito, liderados por Joenia, aqui no Congresso Nacional.
Os direitos indígenas e a Funai estão sob a competência do Ministério da Justiça desde 1990, portanto é uma questão lógica. As terras indígenas são 13% do Território nacional. E aqui, às vezes, vêm alegar para nós o seguinte: "Há muita terra para índio". Nós aqui respondemos: "Há pouca terra para índio porque toda esta terra pertencia a eles quando os europeus aqui chegaram". (Palmas.)
A continuidade da política de demarcação não é vontade de qualquer governante. É vontade do povo brasileiro e de um processo civilizatório de redemocratização expresso na Constituição de 1988.
O Decreto 9.759, recente, de 11 de abril de 2019, é outra ameaça aos direitos dos povos indígenas. Ele extingue todos os órgãos colegiados criados por decretos ou portarias de toda a Administração Federal. Entre os órgãos extintos, está o CNPI (Conselho Nacional de Política Indigenista), que exerce a função fundamental de criar ponte de diálogo entre lideranças indígenas de todo o País e os órgãos que implementam a política indigenista. Destaco que a bancada da Rede no Congresso Nacional já apresentou um projeto de decreto legislativo para sustar o Decreto 9.759, do Sr. Jair Bolsonaro.
Destaco ainda a nova lei de licenciamento ambiental. O Senhor Presidente da República anuncia que quer um novo projeto de mudança das regras para o licenciamento ambiental. Aqui tramita, por exemplo, um projeto absurdo que visa reduzir as unidades de conservação e ameaçar os próprios territórios indígenas. Destaco para vocês que, com o apoio e a mobilização de todos vocês e com a atuação da Frente Parlamentar Indígena neste Congresso Nacional, não permitiremos que um atentado como esse ao meio ambiente, aos povos originários seja aprovado.
Vocês proclamam, mais uma vez, nesse 15º ATL, uma palavra de ordem que ressoa em nossos ouvidos há, pelo menos, 519 anos. As gerações dos nossos ancestrais já proclamavam a necessidade de garantir a demarcação das terras indígenas. "Demarcação já!", como já disse, é uma proclamação constante, desde os nossos antepassados. Que seja um legado conquistado para as gerações que virão, porque assim está, como já disse, consagrado na Constituição.
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Apenas 57% dos povos indígenas moram em terras indígenas oficialmente reconhecidas. Ao contrário dos brancos, para os indígenas, a relação com a terra é indissociável à própria vida. É nas terras indígenas que o nosso meio ambiente, bem universal da humanidade, está preservado em toda a diversidade e riqueza dos nossos rios e florestas milenares. A demarcação de terras indígenas reconhece o direito de coletividade da terra como forma de garantir a sua reprodução social, física e cultural.
Afirmo aqui o compromisso da Bancada da Rede Sustentabilidade no Congresso, liderada nessa agenda pela querida Joenia Wapichana. Afirmo aqui o compromisso da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas para, junto com Marina e tantos outros, assumirmos o compromisso de batalhar em defesa da demarcação imediata das terras indígenas.
Se o Presidente da República, por um lado, diz "nenhuma demarcação a mais", nós juntos diremos: "Todas as demarcações adiante. Demarcação já!". (Palmas.)
Meus queridos e minhas queridas, sejam bem-vindos meus parentes aqui presentes! Sejam bem-vindos!
Poucas vezes o Plenário do Senado Federal, esses tapetes azuis estiveram tão bem ocupados como por vocês. (Palmas.)
Esta terra pertence a vocês. Este País foi constituído especialmente sobre o sangue de vocês, sobre o genocídio de muitos parentes de vocês. É por isso que é um direito civilizacional, é um direito da Constituição do Brasil como Pátria. A Pátria de verdade não está nas palavras vazias dos governantes. A Pátria de verdade está na luta de vocês, está na resistência ao genocídio de vocês; a Pátria de verdade está nos símbolos que vocês externam; a Pátria de verdade está no ATL, que ocupou a Esplanada dos Ministérios, mesmo que os senhores do poder e do Governo não o quisessem. Viva o ATL! Viva a luta pela demarcação! Vivam os povos originários do Brasil! (Palmas.)
Ato contínuo, quero também convidar para compor a Mesa Kretan Kaingang, representante dos povos indígenas do Sul do Brasil. (Palmas.)
E o Daran, representante dos povos indígenas do Sudeste.
Com a presença do Kreta e do Daran...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Kretan. Obrigado. Em wajãpi, diríamos i'ete.
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Com a presença do Kretan e do Daran, nós temos na Mesa os representantes dos povos indígenas das cinco regiões do Brasil. Então, a partir do consenso aqui da Mesa, ato contínuo, quero convidar o Vereador Otacir Terena, da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), para se pronunciar, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Terena, onde você quiser: se quiser falar aqui, se quiser utilizar a tribuna, fique à vontade.
O SR. OTACIR TERENA - Cumprimento meus patrícios terenas, da região de Miranda, Aquidauana, Campo Grande, Nioaque, Sidrolândia. Em especial, quero cumprimentar também o Senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, que trouxe aqui para nós um relato importantíssimo, que nos deixa muito feliz. Trouxe um relato mais que suficiente para que possamos também acreditar que, dentro deste ambiente, deste espaço, os nossos representantes lutam pelos nossos direitos, temos representantes ainda que defendem a nossa causa. Dessa forma, quero, em nome dos nossos povos indígenas do Brasil, saudar o Senador Randolfe Rodrigues pelas palavras ditas neste Plenário.
Venho de Sidrolândia, sou Vereador indígena terena, primeira vez na história do nosso Município um terena, que veio do movimento. Hoje estou aqui representando também o movimento do povo terena, do Conselho Terena.
Este Governo que está hoje realmente vem marcando uma trajetória, infelizmente, para políticas construídas nas questões indígenas com amplo retrocesso, marcado por genocídio, por preconceito contra o nosso povo. Já está mais que claro que, se não nos mantivermos com a cabeça erguida, eles querem atropelar os nossos direitos, rasgar a Constituição brasileira, que defende os nossos direitos no 231 e no 232. Todos nós sabemos que a Constituição Federal, a carta que defende não só a população indígena, mas a população brasileira, tem que ser respeitada. É lei. É lei, lei existe para que seja cumprida.
Quero, de maneira bastante tranquila aqui, dizer que nós estamos preocupados com tudo o que vem acontecendo. E vem acontecendo muito rápido. Se nós não agirmos também, vamos ser atropelados. Mas, graças a Deus, o nosso povo tem mais de 10 mil indígenas aqui em Brasília hoje pintando Brasília de jenipapo e urucum.
Gostaria de agradecer à Deputada Joenia, uma das militantes que hoje me representa como grande Deputada Federal, aqui em Brasília, que defende o meu povo, o que nos engrandece muito.
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À Sônia Guajajara também, em especial, quero agradecer a ela pela mulher guerreira que é.
As nossas demarcações das nossas terras não podem ser negociadas, porque, senão, estarão negociando também os nossos povos indígenas. Isso nós não vamos aceitar. A demarcação das nossas terras é e deve se manter na Funai e no Ministério da Justiça.
Essa reforma da MP 870 é um retrocesso muito grande para as políticas voltadas para as questões fundiárias.
Então, nós devemos ser ouvidos. Nós precisamos ser ouvidos, tanto é que nós estamos aqui hoje, Senador, lutando pelo bem do nosso povo.
Eu ouvi há pouco tempo - inclusive, quero parabenizar a nossa guerreira Sônia Guajajara, que teve uma discussão com a Senadora que é do meu Estado - a Soraya dizendo que os nossos povos são povos miseráveis. Muito pelo contrário, Senadora. Nós lutamos para manter a nossa dignidade, o nosso respeito dentro dos nossos costumes e das nossas crenças, dentro das nossas aldeias. Vivemos da maneira como queremos, vivemos da maneira como nós queremos viver, respeitando as nossas histórias, as nossas línguas, os nossos costumes e, mais importante, as nossas tradições, porque elas são vivas.
E, dessa maneira, nenhum indígena aqui virou bandido, nenhum indígena no Estado é visto no País como um ladrão. Disso nós não temos histórico. Por quê? Nós vivemos dentro das nossas aldeias, vivendo daquilo que nós plantamos.
Isso nos preocupa também, porque o avanço do agronegócio para dentro das nossas aldeias está fazendo com que tenhamos nossos rios poluídos. A grande quantidade de plantações e o agronegócio... Fala-se que o agro é pop, que o agro é não sei o quê; o agro, para nós, mata, porque eles estão plantando, estão mandando muito veneno em cima das plantações, e, nesta época chuvosa, a água que escorre daquelas plantações desce para as nascentes dos rios, polui o nosso peixe, e nós comemos o peixe. O nosso povo está envelhecendo mais cedo, está morrendo mais cedo, nossas crianças também estão adoecendo constantemente. Então, isso é preocupante para nós.
E nós precisamos que a Funai tenha autonomia, como foi dito aqui. Desde a Constituição de 1988, foi criada a Funai para que deliberasse essas questões indígenas, principalmente a questão da demarcação das nossas terras. Está na mão da Funai e que ela permaneça na mão da Funai.
Nós não queremos que as demarcações das nossas terras estejam na mão do Ministério da Agricultura, porque, se isso acontecer, nós nunca vamos ter o nosso direito.
As demarcações das nossas terras vêm-se arrastando ao longo dos anos, há mais de 20 anos talvez. Então, nós precisamos botar um fim nisso. Precisamos ter o nosso direito, precisamos dar continuidade ao trabalho que vem sendo desenvolvido.
Sr. Senador, além dessas questões da MP 870, que, para nós, são um retrocesso, eu gostaria de enfatizar a questão a municipalização da saúde indígena. Houve várias reuniões aqui em Brasília, os movimentos indígenas se manifestaram. Eu acho isso um processo fundamental para que nós possamos também ser ouvidos.
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Não existe encontrar apenas um caminho, acabando com um órgão que, para nós, é importante, que é a Sesai. Quero também direcionar as minhas palavras ao Ministro da Saúde, Sr. Mandetta, que também é do meu Estado. Tenho falado em vários lugares onde a gente tem discutido a questão da saúde indígena: a Sesai é luta e fruto de uma luta de mais de 20 anos, e não é da noite para o dia que nós temos que extinguir a Sesai. A Sesai para nós é um algo que ampara, que entende que o nosso povo precisa de respeito, a Sesai respeita os costumes do nosso povo. Sabemos que, nas nossas aldeias, também nós temos mestres tradicionais, que trabalham com ervas medicinais. A Sesai respeita isso também.
Então, nós queremos aqui dizer, de público, ao Ministro, Sr. Mandetta, que não existe um caminho acabando com o outro; existe a construção ouvindo as nossas ideias. Não é acabando que nós vamos resolver o problema.
Nós temos que aprender a ouvir. Nós, como indígenas, falamos várias vezes: a Sesai, para nós, é fundamental. A Funai também é fundamental.
(Soa a campainha.)
O SR. OTACIR TERENA - E nós precisamos mantê-la. Precisamos dela para que nosso povo indígena tenha a voz.
Então, Sr. Senador, eu gostaria de agradecer mais uma vez. Éramos 10 milhões de indígenas em anos anteriores; nós estamos com menos de 1 milhão. Vai morrer muito índio ainda, e que morra mais, mas nós vamos lutar sempre para que nossos direitos e as nossas vozes sejam ouvidas.
Eu gostaria de finalizar as minhas falas agradecendo o Ailton Krenak, por ter feito uma fala aqui, há muito tempo, denunciando o genocídio.
E nós precisamos que este Governo respeite o nosso povo, nós estamos aqui lutando, porque lá, nas nossas aldeias, nas nossas áreas, a coisa é feia.
Nós não estamos aqui para brincadeira, nós estamos aqui lutando para que o nosso povo seja respeitado.
(Soa a campainha.)
O SR. OTACIR TERENA - Estamos vivendo numa situação de calamidade. Calamidade porque a gente sai da nossa aldeia e não sabe se vai voltar vivo.
Então, precisamos, Senador, agradecer ao senhor imensamente pelas palavras que o senhor nos trouxe, agradecer a toda a população do nosso Brasil que está aqui em Brasília. Eles não estão para brincadeira, estão aqui lutando pelo direito, e nós precisamos também fazer com que a Constituição brasileira seja respeitada.
O meu muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Obrigado, Vereador Otacir Terena.
Eu queria, antes de passar ao próximo, saudar e apresentar a todos vocês - muitos de vocês já a conhecem -, no Plenário, a Senadora Zenaide Maia, Senadora do PROS, do Rio Grande do Norte, companheira, parente, irmã da luta dos povos indígenas.
Quero agradecer, Senadora Zenaide, por sua presença nesta sessão solene em homenagem aos povos indígenas do Brasil. O microfone está à disposição da senhora para o momento em que a senhora bem quiser utilizá-lo.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para discursar.) - Bom dia a todos e a todas aqui presentes, a esse povo, que, quando a gente chegou, aqui já estava. Randolfe, nunca esqueço, eu sempre digo isto, os índios, os povos indígenas já estavam aqui quando o homem branco, como vocês dizem, chegou. E de repente é esse povo que tem que ser sacrificado em nome seja do que for. Se descobrirem que há uma mineração nas suas terras, aí já têm um olhar diferenciado. O agronegócio não quer nem saber, passa por cima.
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Mas eu gostaria de dizer a vocês o seguinte: o Rio Grande do Norte teve o índio Poti, o Filipe Camarão, que foi quem ajudou a fundar o Exército Brasileiro. Ele comandou os índios, quer dizer, a nação indígena foi para lá defender o Brasil.
E vocês não abram mão. E eu quero parabenizar aqui o Randolfe, porque é o seguinte: uma reunião desta, uma audiência desta dá visibilidade ao povo brasileiro, porque aqui estou eu, há poucos Senadores, mas o Brasil está vendo isto aqui, está vendo vocês querendo pedir que sejamos humanos, porque, quando o poder, Randolfe, esquece o lado humano, você vive só para o poder, acabou.
Infelizmente, gente, isso aqui não depende de partido nem de cor. A gente está vendo um desmonte do Estado brasileiro sem nenhuma razão. A gente tem uma democracia. A gente está aqui como ele para ajudar no que for bom, mas eu queria dizer que, na minha terra, botar o Ministério da Agricultura para definir as terras e a vida de vocês se chama assim: botar a raposa para tomar conta do galinheiro.
Então, eu sou contra isso aí. Tem que ser a Funai, que tem suas falhas, mas a gente tem que parar neste País de, quando encontrar falhas, em vez de corrigir as falhas e punir quem errou, querer acabar com as instituições. É como ele disse: querem tirar a saúde e municipalizar para os Municípios, que estão em situação de penúria. O SUS já não está dando conta da saúde. A gente já sabe isso há algum tempo. Está aqui o Randolfe, a gente está lutando para haver mais recursos para a vida das pessoas.
E quero dizer o seguinte: a gente vai, sim, resistir. Vocês têm que ficar com quem sempre os defendeu, com seus defeitos - por que não corrigir os defeitos e, sim, extinguir? Isso é, como eu costumo dizer, como, ao roubar minha casa, em vez de prender o ladrão, derrubar a minha casa para ele não roubar mais. Então, é, mais ou menos, esse pensamento. Se encontra alguma falha, essa falha é evidenciada para justificar a retirada do direito dos povos indígenas, a retirada de muitos direitos neste País.
E a gente tem que ter muito cuidado, porque, quando dizem "vamos fazer uma parceria", quando se fala na Amazônia, eu chego a ficar arrepiada, viu, Randolfe? Parcerias que se têm feito com os outros países é a gente entregando tudo. Não tem muito a ver, mas eu quero mostrar a vocês o caso da Embraer. A Embraer, uma instituição de 50 anos, foi vendida para a Boeing, 80%, por US$4,5 bilhões; e um hotel, o Copacabana Palace, aquela rede foi vendida por US$3,72 bilhões. Para vocês verem que temos que ter muito cuidado com parceria. Vocês têm que se reunir e reivindicar, pegar um Senador desse que orgulha o Brasil. Porque Randolfe orgulha o Brasil, gente, e desmistifica numa hora em que todo mundo quer dizer que todos os políticos são corruptos. E eu costumo dizer: desonestidade não é inerente à profissão. Há desonesto em qualquer profissão, mas há homens aqui dentro desta Casa, deste Congresso, que são como Randolfe, que tem espírito coletivo e que é humano que defende humano.
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Parabéns, índios. Não baixem a cabeça. Façam o Brasil vê-los. Vocês têm uma importância fundamental. Vocês são a nossa história viva, a cultura. Eu costumo dizer que a cultura é a digital de um povo. Se você não tiver, não resguardar o que existe de melhor em você, como você vai saber em que lugar está e em que lugar vai chegar.
Parabéns, Randolfe.
Parabéns a vocês. Sou fã de vocês.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Obrigado, Senadora Zenaide.
Eu particularmente sou fã da senhora. Eu lhe retribuo, destacando que é uma honra para mim caminhar com a senhora na mesma jornada, nas mesmas pautas. Tenho certeza, assim como todos os parentes aqui presentes, de que a Senadora Zenaide é uma companheira da causa, da luta pela demarcação dos territórios indígenas, da luta e da causa dos povos indígenas.
Muito obrigado, Senadora.
E ato contínuo, dando sequência aos pronunciamentos dos representantes dos povos aqui presentes, quero chamar... Perdão, antes disso eu quero... Como o Daran não está aqui presente, quero chamar o Anildo Lulu, representante dos povos indígenas do Sudeste para integrar a Mesa.
Agora, sim, convido Toya, para falar representando a Coiab.
O SR. TOYA MANCHINERI - Primeiro de tudo, quero agradecer ao Senador Randolfe Rodrigues essa iniciativa de homenagear os povos indígenas do Brasil. Em nome da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), quero dizer que aqui estão presentes representantes dos nove Estados da Amazônia brasileira - Estado do Acre, Estado do Amapá, do Pará, Tocantins, Maranhão, Amapá, Rondônia e Roraima. Estão todos presentes - o nosso povo.
Falar em povos indígenas no Estado brasileiro é falar em resistência. Antes mesmo de 500 anos, a nossa história também não se inicia no ano de 1500, mas ela aparece no ano de 1500, quando os europeus, descendentes de europeus chegaram aqui e começaram a escrever a história na sua visão, de acordo com o pensamento deles. E, de lá para cá, pouco foi feito em relação aos povos indígenas para fortalecer a cultura, para fortalecer a sua organização social.
A Constituição de 1988 traz um capítulo fundamental nos arts. 231 e 232, em que o Estado brasileiro reconhece o modo tradicional dos povos indígenas de viver, sua língua, sua cultura e tradições. E a questão da demarcação do usufruto exclusivo dos seus territórios. Mas, a cada medida que o Estado toma, nós vemos que ele tenta a todo o momento integrar os povos indígenas à sociedade nacional. Não é? Todas as medidas, todos os projetos, ele traz isso para integrar e não respeita a originalidade dos povos indígenas, não respeita os direitos originais, originários dos povos indígenas.
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Nós, povos indígenas do Brasil, há muito vimos defendendo este território: primeiro, como casa nossa, somente nossa casa; depois, nossa casa compartilhada, onde tentaram nos expulsar e nos negar o direito originário nosso.
Nós somos responsáveis por manter a Amazônia viva, a Amazônia para a humanidade. Mas qual é o reconhecimento desse nosso trabalho que o Estado nos oferece? Ele nos oferece a discriminação, através das leis vindas do Poder Executivo. Essa é a única vantagem que nos traz pelo trabalho voluntário que fazemos pelo País.
Nós, povos indígenas, somos responsáveis por o Brasil cumprir o tratado internacional sobre o clima. Nossas terras são responsáveis por isso. Se não fossem as terras indígenas, o País não cumpriria o tratado internacional sobre o clima. Então, por que não demarcar os territórios indígenas? Por que não fortalecer a organização social desses povos? E somente trazer coisas ruins para nos oferecer?
Estaremos de pé, estaremos buscando, a qualquer momento, os nossos direitos e fortalecendo cada vez nossa luta, porque a nossa luta significará o futuro de nossos filhos, o futuro de nossos netos e o futuro do povo indígena no Estado brasileiro.
Portanto, queremos que o Estado respeite e reconheça de fato a originalidade dos povos indígenas e suas visões, sua cosmologia de como veem o mundo, porque isso é importante para nós. Sem isso nós não somos ninguém. Sem o nosso território, nós não somos ninguém.
Não existe muita terra para pouco índio; existe muita terra sem índio, porque foram tomadas de nós e nos expulsaram de nossos territórios. E agora é o grande momento dessa retomada, de fortalecer cada vez mais a retomada do que foi nosso, porque nós somos os donos originários desse território.
E queremos dividir nossa sabedoria ancestral com o mundo ocidental. Mas não queremos de qualquer forma, não queremos como os grandes empresários, como as grandes multinacionais pensam, apenas no ganhar, no ganhar familiar e no ganhar pessoal. Nós queremos dividir essa riqueza com a sociedade brasileira. Que todos utilizem esses conhecimentos e essa riqueza dentro do nosso País.
Queremos, sim, um País que nos respeite, que nos olhe como os povos originários, não como empecilho ao desenvolvimento do Estado, porque não somos. Muito pelo contrário, nossos conhecimentos ancestrais trazem muitos conhecimentos para o homem branco, principalmente para a academia. Então, todos devem olhar os povos indígenas, os povos originários, como parceiros, não como empecilhos, não como inimigos do Estado.
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Em relação ao Governo que aí está, não votei e não votaria, nem se fosse o último candidato no Brasil. Eu não votaria. É um homem que não tem projeto nenhum. O único projeto que ele tem é acabar com os direitos sociais dos povos indígenas, das minorias, dos negros, dos LGBTs e da população carente. Esse é o único projeto que eu vejo. Então, por que confiar num governo desse?
Temos que lutar, temos que unificar nossas lutas, para que possamos conquistar, lá na frente, os nossos direitos e fazer manter as nossas leis que hoje existem.
Aqui quero agradecer novamente ao Senador Randolfe Rodrigues, pois me inspira muito o seu pronunciamento. Sempre assisto à TV Senado e vejo o seu posicionamento muito coerente, que me inspira muito.
Essas são minhas palavras.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Obrigado, Toya.
Ato contínuo, eu queria passar a palavra para o representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas da Região Nordeste, Cacique Marcos Xukuru. (Palmas.)
À vontade, Cacique.
O SR. MARCOS XUKURU - Antes de mais nada, eu gostaria aqui de saudar a Força Encantada, os nossos Encantados, que têm nos conduzido nessa luta tão difícil e tão árdua, que é a proteção da vida não só nossa, dos povos indígenas, mas da vida de todos aqueles que habitam este País.
Agradeço a oportunidade do Senador Randolfe, que tanto nos honra com a sua representatividade neste Parlamento, assim como tantos outros de que nós temos conhecimento e que, vez ou outra, temos observado as suas posturas neste Parlamento em defesa não só das nações indígenas, mas de todos aqueles que necessitam de uma palavra e que seja, de fato, representado aqui neste Parlamento.
Como foi colocado, sou da Apoinme, um dos coordenadores representando aqui a Região Nordeste/Leste, Minas Gerais e Espírito Santo. Aqui, neste momento, é como se nós estivéssemos assumindo um mandato, um mandato, pois ainda este Parlamento não tem aqui no Senado um indígena, que possa também estar, como em tantos outros momentos, se utilizando deste Parlamento para fazer a defesa dos nossos direitos.
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Por mais que tenhamos aliados, é preciso que nós também nos organizemos de tal forma. Assim como já temos a Joenia na Câmara dos Deputados, é preciso também que nós, como povos indígenas, tenhamos condições de ocupar esses espaços, que são espaços importantes de tomadas de decisões, dos quais, muitas vezes, por não termos a nossa representatividade, ficamos de fora, e, assim, o rolo compressor vem, muitas vezes, passando a cada momento, a cada legislatura. E temos visto o que tem acontecido nesse cenário político ao longo desses 500 anos de luta e resistência dos nossos povos.
Estamos aqui, na 15ª edição do Acampamento Terra Livre, trazendo como pauta justiça, justiça por tudo aquilo que o Estado brasileiro, na conjuntura atual, principalmente, tem tratado em relação à questão dos povos indígenas. No primeiro ato, quando assume, como já foi colocado, houve o esfacelamento da Funai, o enfraquecimento da instituição que é tão importante para os povos indígenas, que é cumprir a Constituição, que garante um processo de demarcação das terras indígenas neste País. Inclusive, o Brasil está com déficit, porque a Constituição estipulava um prazo para a conclusão e demarcação das terras indígenas neste País. Já se passaram 30 anos. Em vez de o Estado brasileiro, aqueles que governam este País, dar, efetivamente, a importância para que essa instituição pudesse se fortalecer e garantir que as demarcações das terras indígenas neste País fossem, assim, concluídas no prazo que a própria Constituição estabelecia; passaram mais de 30 anos e hoje a situação ainda continua caótica.
Na região em que nós vivemos, a Região Nordeste, está aqui... Quantos povos desta Região Nordeste e leste - e a Apoinme tem a grande responsabilidade de fazer o processo de articulação, de manutenção desses territórios -, quantos povos estão sofrendo com seus processos de demarcação paralisada, seja na Funai, seja, antes, no Ministério da Justiça, seja na Casa Civil? E nós não temos visto o destravamento desse processo. E piora exatamente agora, com a entrada deste novo Governo, porque tira do Ministério da Justiça e passa para um Ministério que não tem peso político de resolver a situação. Além disso, fragmenta, passando para o Ministério da Agricultura. Sabemos, historicamente - não é de se esconder -, que quem assumiu a pasta desse alto escalão, desse Ministério sempre foram as pessoas que estão ligadas ao agronegócio, que, historicamente, são inimigos dos povos indígenas e que não representam, efetivamente, a nação indígena.
Portanto, é uma política de retrocesso, sim; é uma política que vem para retroceder, esfacelar, enfraquecer a política indigenista no nosso País.
Não vou ser repetitivo, como já foi colocada a questão da saúde, mas vamos falar de uma questão que acho que é primordial: a educação. Tenho sempre dito em minhas falas: se hoje nós temos Senadores médicos, nós temos toda essa força de trabalho que temos hoje é graças aos professores, que estão lá lapidando a cada um de nós no sentido do conhecimento, de trazer a formação para essas pessoas que chegam a assumir cargos importantes neste País. Portanto, a educação tem que ter um olhar muito especial, principalmente em se tratando da educação escolar indígena. Temos visto também muito retrocesso no contexto deste Governo em relação à educação escolar indígena.
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Então, nós temos que ter esse olhar de forma bastante ampla e é preciso que nós tenhamos condições de dar o nosso recado nesse sentido, Senador, porque temos enfrentado muitas situações adversas, sem contar o processo de criminalização e perseguição das lideranças neste País. Quantos morreram! Quantos estão ameaçados! Quantos sequer podem sair dos seus territórios simplesmente pelo fato de defender a vida, porque defender a terra é defender a vida.
Então, nós precisamos entender uma coisa: muitas vezes temos observado, no processo político que sempre se enfrenta a cada dois anos, os grandes discursos de muitos Parlamentares que nos cercam falando do cuidado para conosco, de defender os povos indígenas, mas muitas vezes, quando chegam a este Parlamento, esquecem-se do que ali naquele momento em campanha diziam. Os partidos, seja partido "a", partido "b" ou partido "c", precisam saber que nós somos um país pluriétnico, é pluricultural. E é preciso que este Parlamento tenha condições de nos representar, seja aquele cujo mandato recebeu não para defender uma bandeira de um segmento único e exclusivo da sociedade, que muitas vezes não é o nosso.
Portanto, é preciso neste momento, neste ato... Não fui eleito evidentemente no voto, de forma democrática, mas neste pequeno ato me sinto um Senador defendendo a nação indígena neste País.
Muito obrigado pela oportunidade.
Vamos à luta!
Digam ao povo que avance. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Muito obrigado, Cacique Marcos.
Eu queria, antes de passar a palavra ao próximo orador, fazer um registro todo especial e com enorme honra e orgulho da presença, no Plenário do Senado, de uma irmã de todos os parentes aqui, de uma companheira de todos os parentes aqui e de uma lutadora dos povos da floresta, que inspira a nós aqui no Brasil e em todo o mundo, minha querida Marina Silva, Senadora da República no período de 1995 até 2011.
Eu queria convidar Marina para que nos desse a honra de integrar a Mesa desta sessão solene. (Palmas.)
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Já com a presença de Marina e antes de passar para o próximo orador, eu queria registrar a presença de alguns povos representados aqui, neste Plenário, nesta sessão solene: o povo tiriyó, que o Demétrio está aqui representando; os povos aparai e wayana, que o Animé está aqui representando; o povo waiãpi, que o Makanatu está aqui representando; o povo terena - já falou aqui o Vereador Otacir Terena, que também representa a Coiab; o povo pataxó, que Cinaldo Pataxó, da Aldeia de Coroa Vermelha, na Bahia, aqui representa; o povo karipuna, também do meu Amapá, que está aqui representado pela Simone, pela Janina, pelo Elton - meu querido Elton Anicá -, que também é Secretário de Educação do Município de Oiapoque; o povo palikur - o Gilberto Palikur está aqui presente também -, do Amapá; o povo galibi, que o Luis Campos, nosso Vereador indígena de Oiapoque, está aqui representando, assim como o Silas, do povo galibi, também do meu Amapá; o povo xavante, que o Cacique Agnelo está aqui representando; o povo xucuru, que o Marcos aqui está representando; o povo tabajara, que o Cacique Ednaldo aqui está representando.
Peço a alguns dos povos que não foram aqui citados que, por favor, entreguem a nominata da representação para o Lucas, que está no Plenário, para que nós possamos aqui fazer o devido registro.
Dando sequência, então, passo a palavra ao Kretan Kaingang, representante da articulação dos povos indígenas da Região Sul. (Palmas.)
O SR. KRETAN KAINGANG - Primeiro, bom dia ao Senador.
Quero dizer que, no dia de hoje, eu, particularmente, me sinto muito honrado por entrar pela porta da frente desta Casa. Por muitos anos, nós temos entrado pelas portas do fundo e, em outras vezes, nem conseguimos entrar aqui dentro devido a alguns conflitos e por falta de entendimento. Os nossos povos, todos os anos, chegam a esta instância de Poder para poder reivindicar seus direitos. Então, quero lhe agradecer por confiar em nós e por saber que merecemos subir pela mesma escada, entrar pela mesma porta por onde os principais governos do mundo, quando chegam ao Brasil e vêm a este Congresso, entram: pela porta da frente.
Eu quero começar a minha fala principalmente pela questão de quando nós, há muito tempo, viemos reivindicar a demarcação das nossas terras.
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Muitas denúncias que chegaram a nós nos últimos dias.
Inclusive, peço ao Senador e a outros Senadores desta Casa para que todos os arquivos que provam que, durante a ditadura militar, houve ataques sobre os territórios indígenas, todos os documentos que condenam o Estado brasileiro e que garantem que essas terras são nossas... Hoje, esses documentos estão indo para o Ministério da Agricultura. Sabemos que, durante a ditadura militar, o SPI queimou muitos documentos que mostravam esses crimes praticados durante a ditadura militar contra os povos indígenas.
Hoje, a denúncia chegou até nós. Inclusive, a gente pede para que o Senador, que uma frente aqui do Senado e nós, povos indígenas, possamos pedir que o arquivo da Funai, que está indo para o Ministério da Agricultura agora, porque a demarcação de terras foi para o Ministério da Agricultura, que toda essa documentação venha para nós, do movimento indígena, e vá também para os defensores dos direitos dos povos indígenas. Faço a denúncia de que esta semana mais de duas mil cópias desses documentos já foram para o Ministério da Agricultura. Foram cópias tiradas de toda essa documentação. Acredito que eles devem estar encobrindo crimes que eles causaram no passado.
Quero fazer uma outra denúncia referente à questão regional sul. Hoje, meus parentes, se todas as terras na Região Sul fossem demarcadas - Sul que eu digo são Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul -, de todos os povos, fossem kaingang, guaranis, xokleng, xetás, charruas, não passaria de 3,8% do território sul brasileiro. E essa fala do agronegócio que diz que demarcar terra afeta a economia da região, do Estado e do Município é uma grande mentira. Se fossem garantidos esses 3,8% do território sul brasileiro, com certeza hoje não teríamos esse número da população da Região Sul acampado em beira de estradas e acampado em beira de fazenda.
Setenta por cento da população que hoje está em acampamentos na Região Sul são crianças, crianças que não têm acesso à saúde, que não têm acesso à educação e não têm nenhum acesso constitucional, como qualquer povo brasileiro, como qualquer cidadão brasileiro.
Então, precisamos averiguar essa questão regional, para que possamos garantir a demarcação das terras na Região Sul. E deixamos bem claro para essa bancada ruralista, que é a principal inimiga dos povos indígenas, que nós não afetaríamos a economia do Estado brasileiro ou afetaríamos a economia da Região Sul.
Quero também deixar uma fala para o Governo, deixar uma fala para que nós tenhamos mais coragem para enfrentar o Estado brasileiro. Cada governo que entra para governar o Estado brasileiro vem com estratégias diferentes para dizimar nossos povos - cada um. Só que, para cada estrategia diferente de governo que vem para tentar dizimar nosso povo, o nosso grande Deus nos orienta para que possamos montar nossas estratégias de poder enfrentar este Governo.
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E, a cada Governo que vem, com suas diferentes estratégias, nós também nos orientamos e fazemos esse combate, para garantir nossos direitos. E isto eu digo para vocês, meus parentes: no dia em que os governos vierem com as mesmas estratégias, nós também perderemos a nossas estratégias de luta.
Então, é muito importante que cada governo venha com estratégia diferente, para que possamos fortalecer as nossas lutas, para que nós fiquemos mais fortes e para que nós possamos mostrar para ele. Ele falou que o nosso movimento, que vem aqui nesta Capital, vem financiado por ONGs, vem financiado por recurso público. É uma grande mentira o que este Governo tem colocado, com esses fake news. Quem financia essa luta nossa somos nós mesmos, através das vaquinhas que nós fazemos, as chamadas "vaquinhas", para que possamos chegar aqui e garantir a nossa presença nesta Capital.
Então, é uma grande mentira deste Governo quando fala que a gente é financiado.
Mas nós, que conhecemos essa luta, sabemos que não adianta querer nos travar.
E a gente queria também, aqui nesta fala, convocar os movimentos sociais de todo o Brasil, não só os indígenas, mas todos os movimentos, porque este Governo não é o bicho-papão que se coloca. Ele é um Governo bobo, é um Governo que não entende nada de política, não conhece política econômica, não conhece uma política de um Estado, um Governo que ficou 36 anos como Deputado e não tem um projeto de lei que venha favorecer o seu Estado, que é o Rio de Janeiro. Não tem nada para segurança pública no seu Estado. Não tem um projeto de lei.
E acha que vai criar um projeto de lei de segurança pública em nível de Brasil, porque ele acredita que armar os nossos inimigos para nos combater vai nos travar, vai nos parar. Mas é isso que vai fazer com que nós continuemos andando.
E vocês sabem que não é assim que funciona, porque cada avô, cada pai, cada ancestral que morreu deu a vida para que nós, neste momento, pudéssemos fazer esta fala aqui, dentro do Senado, e para que pudéssemos estar em Brasília, lutando. As crianças, os jovens, as mulheres que hoje estão presentes nesse acampamento Terra Livre, os anciãos são a demonstração de que o movimento indígena não para. Independentemente da força, da estratégia, da maneira como queiram nos enfrentar, não vão nos parar.
Então, é importante que nós sigamos firmes, mas que outros movimentos que se sentem ameaçados na retirada dos seus direitos também venham para a rua, que venham para a luta e que não fiquem aí escondidos, não, porque ele não é o bicho- papão que se diz. E não é também o conhecedor de políticas...
(Soa a campainha.)
O SR. KRETAN KAINGANG - ... desde já, quero agradecer, mais uma vez, Senador, por esta abertura dessa porta para nós. Agradeço também pela entrada pela porta da frente e não pelas portas de trás ou tentando abrir de maneira que não teria sido bom para ninguém.
Então, muito obrigado pela oportunidade da palavra. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Eu que agradeço, Kaigang.
Eu queria, então, dando sequência, passar a palavra ao Sr. Anildo Lulu, representante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste. (Palmas.)
Onde quiser, Anildo. Pode utilizar a tribuna... (Pausa.)
O SR. ANILDO LULU - Boa tarde a todos e a todas.
Primeiro, quero agradecer essa oportunidade que foi dada para os nossos povos indígenas, para nossos parentes. Quero agradecer pelo apoio da Senadora Marina Silva e da outra Senadora. Muito obrigado. E ao Senador Randolfe, por ter dado essa oportunidade para o nosso povo.
Como foi dito, são várias situações criadas em retrocesso para o direito do nosso povo.
Quero aqui também falar sobre os nossos materiais tradicionais. Que sejam respeitados, porque são materiais sempre utilizados para o nosso ritual sagrado, que são o nosso mbaraká. Ficou para trás, porque aquele instrumento traz para nós uma representação muito forte, porque a gente fala com Deus, com Nhanderu.
É isso que tem dado resistência ao nosso povo desde o início da invasão.
A gente fica um pouco assim, triste por esse material ficar lá, porque a gente nunca se apartou dele. Os nossos sabedores sempre utilizaram e por ele são sempre guiados, porque Nhanderu dava todas essas direções, e o nosso povo sempre foi guiado. Mesmo sem saber ler, escrever, sem ter seu conhecimento, mas Nhanderu sempre abriu caminho para nós, e a nossa força de resistência começa desde o início da invasão.
Então, por isso, são 519 anos de resistência. E as Regiões Sul e Sudeste vêm sofrendo muito. A gente queria pedir à Casa, ao Senado um olhar para nossa região, devido as demarcações de terra, porque sem a terra nós não temos vida; nós não temos a educação; nós não temos saúde sem o nosso espaço.
Isso porque o julgamento sobre o nosso povo da região... Dizem que não tem indígena, mas nós estamos aqui presentes.
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O povo terena, o povo guarani, o povo tupi-guarani, krenak e kaingang, que fazem parte lá do Estado de São Paulo, da Região Sudeste. E a gente... Foram tirados do nosso território, foram degradados, não pelos povos indígenas, pelos empreendedores, empresários... Tiraram nossos peixes, nossos rios, nossa alimentação tradicional, abafando com grandes metrópoles, cidades, tirando tudo aquilo que nosso povo tinha para sobreviver.
E a gente precisa desta Casa, para o reconhecimento do massacre cultural do nosso povo, das nossas regiões. Precisamos das nossas terras, para manter a nossa cultura, a nossa tradição, dentro do nosso território. E há uma preocupação do território, que está em julgamento, no STF, no Supremo Tribunal, uma terra já demarcada, que está em processo de julgamento, uma tática do Governo e uma grande preocupação nesse retrocesso... Por mais que a gente tenha o nosso território demarcado, nós precisamos do apoio da Casa e também da força dos nossos parentes de toda a região.
Essas terras já demarcadas também correrão risco para o planejamento deste Governo, porque, se nós perdermos na Justiça, podemos correr um risco e abrir precedentes para a revisão e exploração dos nossos territórios.
Então, peço à Casa, peço aos parentes que fiquemos de vigília também e unifiquemos as nossas forças em defesa do nosso território.
E a nossa educação vem sendo ameaçada. A nossa educação diferenciada vem correndo um risco, porque a gente começou a educação há pouco tempo e ela já vem sendo atacada por este novo Governo, tirando a Secadi, tirando esse setor importante do MEC, e as nossas representações.
A educação traz para nós, não para o conhecimento, ela tem uma diferença acadêmica e o conhecimento tradicional. Teremos que ter avanço, criar um currículo próprio na educação para a nossa população indígena, porque nós somos colocados numa educação diferenciada, mas sem realmente nós termos o nosso próprio currículo.
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Nós somos colocados dentro do Estado, que obedeça, que nós tratamos na nossa região a caixinha quadrada, porque o conhecimento tradicional indígena dentro da educação transborda a caixa. E nós precisamos criar um currículo diferenciado, criado pelo nosso próprio povo, porque temos diferenças culturais dentro do nosso povo.
Temos a preocupação dentro da nossa saúde indígena, que já foi dito que vem sendo agredida e também tirando e também acabando com a história da luta do nosso povo indígena, que foi criada a Sesai.
Nosso povo já teve um processo difícil no tempo da Funai, porque a Funai tomava conta da saúde. E a Funai tinha essas parcerias com o Município. O nosso povo... Foram vários parentes mortos, que não estão na história, mas os nossos avós...
(Soa a campainha.)
O SR. ANILDO LULU - ... eles falaram, eles nos contaram a nossa história sobre a nossa saúde. Eles foram praticamente dizimados, porque a gente não tinha uma equipe de saúde, a gente não tinha uma organização como a Sesai, uma secretaria especial. E a gente pode trabalhar para fortalecer a Sesai.
Então, é apelo que deixou aqui na minha fala para a Casa no Senado.
E agradeço esta oportunidade para os nossos povos indígenas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Obrigado.
Nós que agradecemos, Anildo.
Passo, então, a palavra Eliseu Pereira Lopes, representante da Aty Guasu dos Povos Indígenas da Região Centro-Oeste.
O SR. ELISEU LOPES - Primeiramente, quero dizer bom dia a todos e a todas; cumprimentar a Mesa e agradecer o Senador e a Senadora Marina; agradecer também todos os parentes que estão aqui; agradecer pela oportunidade que o Senador está abrindo para todos os povos indígenas do Brasil, várias lideranças de diferentes línguas, representantes que estão aqui representando povos do Brasil, quero agradecer por esta oportunidade.
E quero agradecer também pela homenagem que a Casa está fazendo para nós, povos indígenas.
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Só quero fazer uma pergunta para a Casa: qual o sentido de a Casa, o Senado estar fazendo para nós, povos indígenas, uma homenagem? Se é uma homenagem à demarcação da terra que está sendo passada para a agricultura; se é o massacre do nosso povo, que vem sofrendo em nível de Brasil, em nível de País.
Eu sou liderança do Mato Grosso do Sul. A minha etnia é guarani kaiowá.
Então, a minha pergunta era isso: qual o sentido de a Casa estar homenageando os povos indígenas? Se esta homenagem também é porque a gente está sofrendo esse ataque do marco temporal do STF, dos três Poderes, com a aprovação dos venenos que estão sendo aprovados para serem mais usados em nossas terras; se é essa perseguição de lideranças, criminalização das lideranças por que hoje estamos passando no Brasil; se é esse derramamento de sangue que as nossas lideranças estão fazendo, ou seja, que estão derramando o sangue para regar soja - é isso que está sendo homenageado?
Se é a municipalização de saúde que está sendo homenageada; essa educação diferenciada nossa que está sendo cortada, se é isso que está sendo homenageado - então, essa que é a minha pergunta, quando eu vi homenagear os povos indígenas do Brasil. Então, essa é a minha pergunta.
E se esse marco temporal que está sendo aplicado já, para que seja anulada a demarcação das nossas terras, por exemplo, na nossa região, que foi aplicada a tese marco temporal, do Guyraroká e Limão Verde terenas, Arroio-Korá e as demais, terra que já passou por vários processos e que foi anulada - se é isso que está sendo homenageado. Então, essa é a minha pergunta.
Em nome do meu povo, os guarani kaiowá, e em nome de todo o povo do Brasil, quero dizer: a nossa luta vai continuar. Estamos aqui dizendo para os três Poderes, principalmente a este Governo atual, que eles falam que querem respeito, mas, se eles quiserem respeito, que respeitem primeiro esse povo de várias lideranças de diferentes povos que estão aqui, que estão representando aqui o seu Estado, a sua comunidade. Que seja respeitado. E que seja respeitada a nossa Constituição. Então, era isso.
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Gostaria de dizer para a Casa: a gente veio aqui não pedir um favor; a gente veio dizer que respeita também e que está o nosso direito na Constituição. Com muita luta também nós conquistamos e conseguimos, pela nossa luta, a nossa saúde na nossa Constituição. O Brasil, na conjuntura geral, é uma vergonha. As nossas lideranças, as nossas comunidades, as nossas crianças, o nosso professor estão derramando o seu sangue por um pedaço de terra. Então, é uma vergonha para o País, que hoje é o maior massacrador indígena, que hoje estamos passando, principalmente com este atual Governo, que está querendo acabar com o nosso direito, que nós conquistamos, que conseguimos na questão de saúde, na questão da educação e várias outras.
Então, era essa a minha pergunta. Eu gostaria de dizer para a Casa, aqui, o Senado exigir para o STF que seja anulado, queimando, e que não aprove esse marco temporal, que está tramitando para ser julgado, por exemplo do gyuraroká, que era para ser julgado esta semana, só que foi adiado para o mês que vem, dia 27, parece. Então, com isso, não vai ser só o gyuraroká que vai ser atingido, vão ser todos os outros que já conseguiram o espaço, a demarcação de suas terras.
Então, queremos exigir que a Casa mande esta exigência para o STF, para que não seja aprovado, para que não seja julgado e anule, porque enquanto nós, enquanto lá na base estamos sendo perseguidos, estamos lutando, estamos sendo anulados, nós não vamos desistir as nossas lutas. Nós vamos continuar retomando as nossas terras, porque o Governo não tem projeto para resolver a nossa terra, de demarcar as nossas terras, em nossas bases. Até hoje a gente não está vendo isso.
Então, a gente exige que mande para o STF que não seja aprovado esse marco temporal, que hoje está atingindo lá a nossa base já como uma lei. Apesar de que ainda não é lei, mas lá na base está sendo aplicado esse marco temporal.
Então, era essa a minha fala. Agradeço mais uma vez.
Muitas lideranças querem chegar até aqui e dizer, com essa mesma voz...
(Soa a campainha.)
O SR. ELISEU LOPES - ... o mesmo discurso que eu estou dizendo. Muitas lideranças que estão lá hoje querem dizer a mesma coisa, e não puderam estar aqui. Mas estamos aqui representando eles.
Quero agradecer por esta oportunidade e também aos parentes.
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Vamos em luta! Vamos continuar em luta com união! A gente vai conseguir o nosso objetivo, porque a gente está vendo, na conjuntura geral, que estamos indo bem, o nosso lado. O Governo, cada vez mais, quer acabar com o nosso povo indígena a nível do Brasil.
Era essa a minha fala. Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Nós que agradecemos, Eliseu. Você deixa perguntas questionadoras neste Plenário da Casa, que sejam de reflexão de todas as Sras. e Srs. Senadores.
Muito obrigado, Eliseu, representante da Atiguaçu, dos povos indígenas da Região Centro-Oeste, do guerreiro povo guarani kaiowá, que tantas lutas tem travado.
Eu queria, antes de passar para o próximo orador, destacar ainda a presença dos seguintes povos aqui representados no Plenário do Senado: povo arara, de Rondônia; povo balatipone, do Mato Grosso; povo gavião, do Maranhão; povo guajajara, do Maranhão, da nossa querida Sônia Guajajara; povo guarani, do Espírito Santo; povo ikpeng, do Mato Grosso...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Já chegaremos ao povo tupiniquim.
...povo cainguangue, da Região Sul; povo cambiuá, de Pernambuco; povo krahô, de Tocantins; povo krenák, de Minas Gerais; povo makuxí, de Roraima; povo marúbo, do Amazonas; povo pankararu, de Pernambuco; povo potiguara, do Ceará; povo potiguara, da Paraíba; povo tupiniquim, do Espírito Santo; povo xerente, de Tocantins; povo tabajara, do Ceará; povo tapirapé, do Mato Groso; povo truká, de Pernambuco; povo xacriabá, de Minas Gerais; povo xokléng, de Santa Catarina e Paraná.
Algum dos povos presentes que tenha faltado citar? (Pausa.)
Bom, uma salva de palmas a todos os parentes dos povos aqui destacados, além dos que antes destaquei. (Palmas.)
Se faltou algum, lembrem ao Lucas, que está aqui no Plenário. É só passar para o Lucas que nós destacaremos e faremos o registro necessário, nesta sessão solene, de algum povo que faltou ser citado.
Eu queria, então, convidar para fazer uso da palavra o nosso parente - todos nós somos parentes da mesma América - que vem de uma nação, de um Estado-Nação irmão nosso, do Equador, mas que representa também todos os povos da Bacia Amazônica. Eu queria convidar para fazer uso da palavra o meu querido Tuntiak Katan, Vice-Coordinador de La Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de La Cuenca Amazónica.
Tuntiak, por favor, onde você preferir. Se quiser fazer uso aqui mesmo da mesa, se quiser usar a tribuna. Bienvenido ao Senado de La República Federativa del Brasil.
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O SR. TUNTIAK KATAN -
(Pronunciamento em espanhol, aguardando tradução.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Muchas gracias, Tuntiak. É uma enorme satisfação saber que a luta, como você muito bem disse - la lucha -, de todos os povos indígenas do Brasil tem e terá repercussão internacional.
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Eu queria reiterar o que você aqui destacou, saudando a denúncia feita no dia de ontem, na Organização das Nações Indígenas, por uma liderança indígena do nosso querido Amapá, o Vereador Jawaruwa Waiãpi, de Pedra Branca do Amaparí, que, no dia de ontem, utilizou no Fórum das Nações Unidas sobre Povos Indígenas para fazer lá as mesmas denúncias que têm repercutido internacionalmente, Tuntiak.
Quero destacar aqui e agradecer a presença também de outros dois colegas Senadores: Senador Wellington Fagundes, nosso representante do Partido da República, do Mato Grosso, que está presente, prestigiando esta sessão, acompanhando a homenagem aos povos indígenas do Brasil; e quero também destacar a presença, aqui ao nosso lado, do Senador Rogério Carvalho, do Partido dos Trabalhadores, de Sergipe, a quem passo a palavra para fazer a saudação nesta sessão solene.
Senador Rogério, fique à vontade.
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discursar.) - Sr. Presidente, Marina, que também está aqui, ex-Senadora Marina Silva, meu colega Wellington Fagundes e todos os povos aqui representados, quero dizer para todos vocês que sou do menor Estado do Brasil. Temos uma pequena nação indígena no nosso Estado, com quem tenho fortes laços. Estão aqui, no meu braço, os meus laços de relação profunda pelo que eles representam para nossa cultura e para a vida do nosso Estado.
Eu quero dizer que nós estamos, sim, diante de um risco muito grande de as conquistas dos povos indígenas serem retiradas ou eu diria que estão ameaçadas. É fundamental esta mobilização de todas as nações, a unidade de todas as nações em torno daquilo que é mais importante, que é a demarcação, que são aqueles direitos que já foram assegurados a todos os povos.
Recentemente, tivemos o problema da proposta de extinção da secretaria nacional, a Secretaria de Saúde Indígena, que foi revertida. Tivemos uma participação nesse trabalho, junto ao Ministro Mandetta, mas isso não significa quase nada diante das ameaças que estão em curso, como, por exemplo, colocar a demarcação das terras indígenas no Ministério da Agricultura, colocando o interesse do agronegócio para cuidar das questões mais relevantes, que é a demarcação do território que compete, que é de propriedade das nações indígenas do nosso País. Portanto, é importante essa articulação internacional, que vocês fazem, que vocês têm, essa organização aqui.
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Houve a fala agora do representante de todas as nações e dessa união de nações dos povos indígenas da Bacia do Amazonas, que envolve mais de um país. Mas é importante que vocês mantenham essa unidade e que dialoguem com o mundo e coloquem para o mundo os riscos que estamos todos correndo, porque o risco a que vocês estão submetidos é um risco a que também estamos todos os brasileiros, todos os povos submetidos.
A agressão ao território, a violação daquilo que já foi conquistado significam a violação do maior bem que a humanidade pode ter, que são as condições necessárias para a preservação da vida no Planeta.
Portanto, vocês contam, com certeza, com uma parcela significativa de Senadores. E vocês têm aqui um grande defensor, um grande guerreiro na luta e na agenda dos povos indígenas, que é o Senador Randolfe Rodrigues. E quero me colocar à disposição dele para ser um soldado das agendas e das questões que forem trazidas a este Plenário.
Randolfe, queria aqui assumir este compromisso público, você me lidera; a gente aqui, cada um faz parte de um partido, mas a gente também pode ser liderado por alguém de outro partido quando se trata de temas específicos. E eu diria que o Randolfe é a nossa maior referência quando se trata das defesas dos povos indígenas aqui no Senado da República.
E quero dizer para ele aqui, com todo o carinho, com todo o respeito, que ele me lidera.
Muito obrigado a todos vocês, do fundo do coração. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - É mais do que mereço liderar um Senador do quilate e da competência de liderança que tem o Senador Rogério Carvalho.
O Senador Rogério está no seu primeiro mandato aqui no Senado, mas é uma liderança política experiente, que tem um lado claro. E tenho certeza de que é um companheiro na luta de todos nós, parentes indígenas de todo o Brasil.
Eu queria conceder, antes de passarmos para a Marina, a palavra, por cinco minutos, a duas lideranças que falarão em nome do Plenário: a Narúbia, representando a Juventude Indígena Brasileira; e, em seguida, a Joziléia.
Então, Narúbia, onde você quiser, se quiser o Plenário, quiser via a tribuna, fique à vontade.
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A SRA. NARÚBIA WERRERIA - Awire!
É uma grande honra estar aqui, porque eu estou aqui falando em nome daqueles que nos precederam, da juventude indígena e dos que virão, porque, se nós estamos aqui hoje, é porque houve líderes que tiveram coragem de dar o sangue por nossa causa.
Por isso, eu quero parabenizar cada um de vocês, de nós que estamos aqui continuando com essa luta, porque nós sabemos o sacrifício que é sair de tão longe para vir a Brasília ocupar este espaço.
Eu quero agradecer a Randolfe por esta oportunidade de abrir este espaço de Plenário para nós, a Marina e a todos os outros políticos, aos Senadores que falaram e que apoiam a causa indígena, porque essa causa é de todos nós.
Eu quero falar um pouco de história, porque não é a primeira vez que tentam colocar um órgão indigenista na mão do Ministério da Agricultura. Isso já aconteceu, isso já existiu. Não era a Funai, era o SPI, e a palavra de ordem era "reintegração". Por que saiu do Ministério da Agricultura e foi para o Ministério da Justiça? Porque houve grandes escândalos de corrupção, pois é óbvio que é um desvio de finalidade, porque o Ministério da Agricultura não tem interesse e não tem capacidade técnica para lidar com as questões indígenas. A demarcação de terras indígenas demanda profissionais de antropologia e de arqueologia, geógrafos, e o Ministério da Agricultura não tem esse corpo técnico. A Medida Provisória 870, portanto, é inconstitucional, mas, antes de ser inconstitucional, ela agride o nosso direito originário, que vem antes de qualquer Constituição do homem branco aqui! (Palmas.)
E a campanha deste Governo trabalha em duas frentes. Uma frente é no desmonte dos órgãos indigenistas, e a outra é difamando os povos indígenas - isso de uma forma mais subjetiva e outra de uma forma objetiva, colocando pensamentos racistas contra nós. Quando ele diz que nós estamos utilizando verba pública, mentindo sobre nós, ele está falando que nós estamos aqui fazendo bagunça, que nós não precisamos disso. Deixe eu falar o que o Governo dá para nós: é descaso! Nós estamos entre o grupo populacional com o menor Índice de Desenvolvimento Humano com relação à segurança, à saúde e à educação. Nós não vamos tolerar que venham usar as redes sociais para falar de nós dessa forma! Nós exigimos respeito, pois estávamos aqui muito antes de ele chegar!
O art. 231 da Constituição consolida o nosso direito originário, nossos usos e costumes, nossas tradições. E não foi fácil. Neste momento, é preciso que nos lembremos os verdadeiros guerreiros da nossa história, que lutaram, saíram das suas terras, na Constituinte, e vieram aqui, como bem foi citado no que Randolfe falou: Ailton Krenak, Mário Juruna, Raoni... Eu sei que cada um deve saber do seu povo; do meu povo, o grande Idjarruri Karajá, Curerrete Waritirre, que formaram a Unind...
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O movimento indígena começou na década de 70 e, de lá para cá, veio crescendo. E olhe o que nós vemos hoje: essa articulação forte e bonita.
Nós precisamos, diante de um Governo com tantos retrocessos, avançar mais. E precisamos do apoio dos Srs. Senadores.
(Soa a campainha.)
A SRA. NARÚBIA WERRERIA - O ATL acontece na sua 15ª edição. E nós não pedimos luxo, mas a gente precisa de uma estrutura. Então, além de lutar com relação a essa MP, nós pedimos que, para o próximo ano, haja um mutirão em favor da estrutura do ATL, porque a gente chega aqui cansada. E a gente vai ficar em barraca, a gente não quer ficar em hotel. O nosso é Acampamento Terra Livre, e a gente vai fazer jus a isso, mas nós queremos as condições mínimas. E nós sabemos que os senhores podem utilizar o cargo que ocupam para nos ajudar nessa tarefa e chamar a população. Nós estamos fazendo a nossa parte.
E eu não quero deixar este discurso como um discurso triste - apesar de que a nossa realidade é triste -, porque nós já comprovamos a nossa força ainda este ano. Quando o Governo tentou acabar com a Sesai, os povos indígenas do Brasil inteiro se mobilizaram e mostraram a nossa força, e eles tiveram que retroceder! Portanto, parentes, foi a nossa força que fez isso. E, se hoje eu estou aqui no Senado, foi porque outros lutaram em nosso nome. E nós temos a tarefa de continuar essa luta.
Awire!
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Obrigado, Narúbia, representando a juventude indígena do Brasil.
Eu passo, por cinco minutos, para a Joziléia Jagzo Kaingang, representando as mulheres indígenas do Brasil.
A SRA. JOZILÉIA DANIZA JAGZO KAINGANG - Ã mã há!
Quero cumprimentar as minhas parentas indígenas. Muito obrigada pela confiança para eu estar aqui. Eu quero cumprimentar o Senador Randolfe Rodrigues, a Senadora Marina, o Senador Rogério também, por estar aqui participando desta homenagem aos povos indígenas.
Nós estamos no 15º Acampamento Terra Livre. E, sempre que necessário, nós vamos retomar e nós vamos ocupar o território de Brasília, sempre que for necessário, mesmo com ameaças, porque esse 15º Acampamento Terra Livre o Governo não queria que acontecesse. E a gente veio aqui para mostrar a nossa força, a nossa luta, e nós vamos, sim, ocupar este lugar, porque este lugar é nosso.
Agradeço muito à Deputada Joenia Wapichana, que é a nossa Deputada Federal, e a formação da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, porque nós precisamos do compromisso dos Senadores e dos Deputados com os nossos povos.
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Infelizmente, o que nós percebemos é que nós temos uma bancada representativa repressiva do capital. Essa é a maior bancada que nós temos e não uma bancada que defende o povo brasileiro e os povos indígenas.
Nós estamos em luta, neste momento, pelas nossas vidas, não somente pelos nossos direitos. A maior luta que nós fazemos hoje neste lugar é pelas nossas vidas.
Como já foi falado aqui nesta Casa, nesta tribuna, por outros parentes, por outros Parlamentares, nós somos os primeiros brasileiros. Antes mesmo de este lugar se chamar Brasil, nós já estávamos aqui, e aqui aconteceu talvez o maior genocídio da história da América. Nós éramos 5 milhões; se nós hoje somos menos de 1 milhão, onde nossos parentes foram parar? E o Brasil não reconhece a memória dos povos indígenas. O Brasil, o Estado brasileiro não reconhece o seu passado. Então, como um Governo quer falar de Estado, quer falar de Nação, quer falar de ordem e progresso, quando ele não reconhece os povos que foram mortos pela colonização?
O ano de 2019, a partir da posse do Presidente, a partir de 1º de janeiro, tem sido o pior ano dos povos indígenas pós-Constituição Federal. Por quê?
Porque nós vimos aí a Medida Provisória 870 - e muitos parentes já falaram sobre isso - que coloca nas mãos do Ministério da Agricultura a demarcação dos nossos territórios, que não vai acontecer. E, como bem disse a Senadora Zenaide anteriormente, é colocar raposa dentro do galinheiro. E o que eles pretendem? Eles pretendem não demarcar, mas rever as demarcações que foram feitas pós-Constituição de 1988.
Nós tivemos...
(Soa a campainha.)
A SRA. JOZILÉIA DANIZA JAGZO KAINGANG - ... outra grande perda que foi a extinção da Secadi do MEC. A nossa Secretaria foi extinta. E nós sabemos que as licenciaturas interculturais indígenas são necessárias para a formação de professores que possam considerar uma educação de qualidade diferenciada para as nossas crianças nos nossos territórios.
Nós tivemos a saúde ameaçada com a municipalização da saúde em algumas regiões do Brasil.
E como é que a gente pode contrapor tudo isso? É com luta, é vindo aqui mostrando a nossa voz, o nosso rosto, é colocando os nossos corpos na rua para falar que nós não vamos permitir retrocesso.
Eu estava junto com outros parentes indígenas, com outros parentes kaingang trancando a ponte do Rio Goio-En, que é na divisa do Estado de Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, dizendo não à municipalização. Nós não vamos aceitar, porque a Secadi foi criada com muita luta, com muito esforço do movimento indígena.
Nós mulheres indígenas estamos aqui lutando pela manutenção dos nossos direitos. Nós estamos aqui somando nossas vozes ao movimento indígena e somando as nossas vozes a outros grupos, a outros movimentos contra a retirada dos direitos, que são os direitos dos cidadãos brasileiros.
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E eu venho de uma terra de retomada. Eu morei em barraco no Rio Grande do Sul, na Terra Indígena de Serrinha. Eu sei o quanto é caro ver os nossos filhos serem discriminados, serem rejeitados pela sociedade, terem as suas infâncias infectadas pela violência que nós sofremos diariamente. Eu sei o quanto é caro ser mulher indígena...
(Soa a campainha.)
A SRA. JOZILÉIA DANIZA JAGZO KAINGANG - ... seja pelo machismo que nós sofremos, seja pelo machismo estrutural que nós temos, seja pela usurpação contínua dos nossos territórios, seja pelos roubos dos nossos saberes ancestrais. E, da maneira mais cruel, eu sei quanto é caro ser mulher indígena quando assassinam os nossos filhos e as nossas filhas na luta pelos nossos territórios, quando eles sofrem racismo, quando nós vemos um jovem tirar a própria vida por conta da falta das condições mínimas de ser um ser humano.
E é por isso que nós estamos mobilizadas para lutar pelos nossos direitos e para lutar por cada uma das nossas parentas, das nossas irmãs, respeitando as tradições de cada um dos nossos povos, junto com os nossos guerreiros, junto com os nossos anciãos, junto com os nossos filhos. E nós juntos vamos avançar na proteção, na demarcação e no bem viver dos nossos povos.
Que Topé proteja nossas vidas.
Muito obrigada.
(Durante o discurso da Sra. Joziléia Daniza Jagzo Kaingang, o Sr. Randolfe Rodrigues deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Wellington Fagundes.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco Parlamentar Vanguarda/PR - MT) - Gostaríamos de convidar a liderança Laucinê Truká para fazer uso da palavra. Pode escolher a direita ou a esquerda - segundo a Senadora Marina, depende do ângulo.
O SR. LAUCINÊ JOSÉ DE SÁ - Primeiro, bom dia.
Eu quero agradecer a todos em nome da Senadora Marina Silva e a todos em nome de Marcos Xukuru e também da nossa grande guerreira minha Cacique Dorinha Pankará, que está sentada aqui à minha direita.
Primeiro, Srs. Senadores e Senadoras, quero dizer aos senhores que, enquanto nós estamos aqui, nossos anciãos, nossos jovens, nossas crianças e nossas mulheres estão correndo sério risco de vida não só lá na base, mas também aqui nesse acampamento, porque, quando se diz que esta Casa é a Casa do povo, eu não entendi a recepção que tivemos ontem. Ou será que o homem branco não nos reconhece como povo? Não nos reconhece como seres humanos? Porque da maneira que fomos recebidos ontem, da maneira que fomos tratados ontem, não foi tratamento de humanos. Trataram a nós como um dos piores inimigos. Da forma que nós fomos expostos ontem, não respeitaram sequer a dignidade da vida humana e nem o direito de ir e vir, o qual nós tanto respeitamos.
E também denuncio aqui a maneira como, ao chegarmos aqui e adentrar esta Casa, que diz que é a Casa do povo, nosso bem precioso... Quando nós entoamos nossos toantes, ficaram jogados no chão, ao pé da porta, onde nem sequer os animais, os cachorros ficam lá. (Palmas.)
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Isso não é tratar com dignidade a nós, nós que abrimos nossas portas para o homem branco estar aqui. Nós aceitamos o branco estar aqui, e hoje eles nos escorraçam do nosso próprio território.
Em seguida, quero aqui, Srs. Senadores e Senadoras, pedir que os senhores façam não só o possível, mas o impossível pela saúde indígena, pela educação indígena, pela nossa permanência em nossos territórios sagrados, porque nossa mãe natureza, nossa mãe terra merece ser respeitada e está sendo destruída pela ganância do dinheiro. Nós tratamos a terra de forma respeitosa, porque ela é nossa mãe e dela tiramos o nosso sustento.
Eu quero aqui reforçar a questão da saúde indígena. Nós necessitamos desse sistema da Sesai, porque ela ainda é a única que nos garante o acesso, com dignidade, ela é o sistema que ainda respeita nossa cultura, que tem nosso povo como parte dos profissionais, ela sabe como tratar nosso povo. O fim da saúde indígena se diz a continuação do massacre dos indígenas, o derramamento de sangue, dessa forma assinada pelo Governo. Se antes o Governo dizia que não tinha participação, quando assina a extinção da Sesai, quando não aceita a educação específica e diferenciada, quando não reconhece nosso território, o Governo está assinando a segunda ou a terceira fase do genocídio.
E nós estamos aqui para dizer que nós existimos, que nós queremos não ter mais direitos do que os outros, mas nós queremos, sim, a plenitude de nossos direitos, porque nós temos direito de ir e vir e de viver da forma que nossos antepassados assim nos ensinaram.
(Soa a campainha.)
O SR. LAUCINÊ JOSÉ DE SÁ - Nós não queremos ser melhores do que ninguém. Nós apenas queremos ter nosso direito e nosso acesso. Nós queremos ter uma saúde de qualidade, queremos ter uma educação de qualidade.
Nós precisamos, sim, da continuidade da saúde indígena. Se o Sr. Ministro Mandetta faz uma coisa dessa, é porque ele não conhece de saúde, ele não conhece da especificidade, ele não conhece sequer um profissional que atua na área, ele não conhece da abdicação do profissional que vai se dedicar ao nosso povo. É dessa forma que ele quer impor a saúde indígena? Daqui a dois anos, não teremos mais índio no Brasil, porque o Município não tem condições. Não é que o Município não queira, é porque ele não tem condições de manter a especificidade. Nosso profissional que está lá trabalha porque conhece, porque ama o seu povo. Quem está lá no Norte, abdicando da cidade grande, está porque tem compromisso, como também nós lá no Nordeste, quem está lá, é porque conhece cada povo, conhece a necessidade de cada povo. Nós trabalhamos na dificuldade, mas quem trabalha na saúde indígena, como o professor que está na sala de aula, ensinando o ritual, mantendo a cultura, faz porque ama o seu povo, faz porque tem respeito à sua cultura.
Eu acho que não precisamos mais de 519 anos para dizer que estamos certos, que a nossa maneira de viver é a maneira correta ou que, porque nós pensamos diferente, temos jeito diferente de ser, amamos diferente, cuidamos da natureza, nós não somos diferentes dos demais. Nós somos povos indígenas e queremos nosso respeito, queremos nossa dignidade e queremos o direito à vida, o direito à permanência e usufruir aquilo que é nosso.
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Obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco Parlamentar Vanguarda/PR - MT) - Ao anunciar e convidar a Ministra Marina Silva para usar a tribuna, eu gostaria também, como mato-grossense, de saudar o nosso companheiro Randolfe Rodrigues por organizar uma bela e extremamente importante sessão. Quero cumprimentar aqui também o nosso companheiro Rogério Carvalho, um atuante Senador aqui nesta Casa, e todos aqueles que aqui já passaram. Portanto, também como mato-grossense, eu cumprimento todas as etnias aqui presentes, todas as lideranças que aqui vieram neste momento de reivindicação. A democracia é assim: cada povo, cada organização social tem que buscar os seus direitos. Portanto, eu quero parabenizar aqui todos os que vieram a esta sessão e cumprimentar também, em especial, todos os povos indígenas do meu Estado de Mato Grosso, em nome dos xavantes, paresís, bacairis, bororos, que são os primeiros da minha cidade natal, Rondonópolis, no Mato Grosso.
E aqui, Randolfe, eu quero citar um caso que ocorreu lá na minha cidade. Estávamos tendo uma mortalidade infantil muito grande das crianças bororos. E, ao detectar o problema da mortalidade infantil, que era exatamente a água contaminada do Rio Vermelho, da nossa cidade, conseguimos lá um recurso não muito expressivo para perfurar um poço artesiano e levar energia elétrica. E, felizmente, conseguimos sanar aquela mortalidade infantil tão grande. Isso, claro, melhorou a qualidade de vida de todos aqueles que ali habitavam, porque chegou a energia, chegou a televisão, chegaram os recursos necessários, sem perder a tradição dos povos bororos.
Eu quero aqui, em nome também dos karajás, dos nambikwáras, dos cintas-largas... Eu fui companheiro também de vários xavantes, de vários caciques na reivindicação de coisas simples, de direitos tão simples, e, às vezes, os Governos não têm a sensibilidade. Então, em nome da memória também do Juruna, que fazia questão de trazer o gravador para poder cobrar, de forma veemente, aquilo que fosse combinado pelos brancos... Eu, inclusive, tive oportunidade de estar no velório do Juruna lá na cidade de Barra do Garças, uma liderança que foi um símbolo também para todos nós aqui no Congresso Nacional. Então, eu quero aqui cumprimentar a todos
No meu Estado, temos ali uma população de aproximadamente 50 mil irmãos índios. Felizmente, essa população está crescendo, mas, claro, é um Estado que tem aproximadamente 903 mil quilômetros quadrados, e, desse território, 12% de áreas demarcadas, com a presença dos irmãos em 55 dos 141 Municípios. Eu tive também um exemplo muito grande na minha cidade, onde há índios vindos do Mato Grosso do Sul, onde há uma população muito maior, mas já confinados num território relativamente pequeno. Então conseguimos inclusive fazer uma reserva de 50 mil ha na cidade de Guarantã do Norte, para abrigar índios do Mato Grosso do Sul. Então é claro que o confinamento de terras também é uma forma de tirar a dignidade e a eliminação às vezes dos povos.
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Portanto, eu creio que a reivindicação que vocês fazem é legítima e claro que temos que, através do diálogo, da negociação, buscar o melhor caminho. Por isso, nada melhor do que a palavra da Ministra Marina Silva, que conhece bem, viveu muito nessa área no seu Estado, tendo tido a oportunidade de ser Ministra. Então, em respeito à sua história, Ministra, gostaria muito de estar aqui presente e fiz questão de vir aqui para ouvi-la.
Vou devolver a Presidência ao nosso companheiro Randolfe, porque esta Presidência é legítima e eu vim aqui apenas para substituí-lo momentaneamente, mas, claro, o encerramento desta sessão pertence ao nosso companheiro Randolfe, que é um grande lutador.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Estava em boas mãos com você.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco Parlamentar Vanguarda/PR - MT) - Com a palavra a Ministra Marina.
A SRA. MARINA SILVA - Boa tarde a todos, a todas! Quero agradecer em primeiro lugar a Deus por estarmos aqui. Quero cumprimentar de modo especial o meu companheiro de Partido da Rede Sustentabilidade, Senador Randolfe, pela iniciativa desta sessão solene. Quero cumprimentar aos Srs. Senadores que aqui estão presentes, Senador Wellington, do Mato Grosso, muito obrigada por suas palavras; Senador Rogério de Carvalho, de Sergipe; demais Senadores que porventura passaram aqui.
De modo especial, quero cumprimentar o Conselheiro da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, Sr. Tuntiak Katan. Quero cumprimentar também o representante da Coordenação das Organizações da Amazônia Brasileira, Sr. Toya Manchineri. Quero cumprimentar também o representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sr. Vereador Otacir Terena; o representante da Articulação dos Povos Indígenas e Organizações Indígenas da Região Norte, Cacique Marcos Xukuru; o representante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul, Sr. Kretan Kaingang. Quero cumprimentar também o representante da Articulação dos Povos Indígenas e Organizações Indígenas da Região Sudeste, Sr. Nildo. Quero cumprimentar o representante da Atiguaçu da Região Centro-Oeste, Sr. Eliseu Pereira Lopes. Eu já participei de duas Atiguaçus e eu sei o sofrimento do povo Guarani Kaiowá e as condições tristes em que vive.
Eu fiquei aqui neste Senado de 1995 até 2010. Em todas as oportunidades em que eu, o Senador Suplicy à época, Senadora Benedita, Senadora Heloísa Helena, outros Srs. Senadores como Pedro Simon, que tinham sensibilidade para a questão indígena, quando nós propúnhamos espaços como este, era uma grande dificuldade conseguirmos. A gente conseguiu em algumas vezes, e, em outras, vocês tiveram que forçar a porta para poder entrar. Eu lembro que, uma vez, até estourou uma porta aqui, e a gente ficou meio imprensada. Havia dificuldades.
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Desta vez, eu quero cumprimentar este Senado. Eu sei que isso se deve muito ao trabalho de vários Srs. Senadores, dos que estão aqui e também do nosso Senador Randolfe, que conseguem abrir este espaço para esta sessão solene.
Eu agradeço pela oportunidade de poder dirigir a palavra aos senhores e quero dizer que eu me sinto parceira dessa causa. Cumprimento a todos os parentes pela luta, pela resistência. Neste momento, nós temos uma sessão também, uma audiência pública, Randolfe, lá na Câmara dos Deputados, com a primeira mulher eleita Deputada Federal representando os índios, que é também do nosso Partido - nós sabemos que essa é uma causa que deve estar em todos os partidos e transitar em todos os partidos -, a Joenia Wapichana. E quero também dizer que eu concordo com todas as avaliações que aqui foram feitas, de que estamos vivendo um momento muito difícil na história do movimento indígena brasileiro.
O Acampamento Terra Livre, quando acontece a cada ano, tem as suas dificuldades. E, é claro, o que se consegue é graças à luta, à resistência, à capacidade de articulação das organizações indígenas, das organizações que apoiam os seus movimentos. Mas, desta vez, nós não tivemos sequer uma sinalização de que estava havendo uma preparação para recepcionar as comunidades indígenas nos Ministérios. A primeira recepção feita foi a da Força Nacional de Segurança, como se os índios fossem a ameaça, quando, na verdade, eles é que estão sendo ameaçados.
O Brasil está vivendo um retrocesso muito grande, e é a primeira vez que nós temos um Presidente da República que se elege e, durante a sua campanha, diz que não vai demarcar mais um centímetro de terra indígena - é a primeira vez!
Nesse sentido, eu cumprimento essas mulheres corajosas que aqui levantaram a sua voz, tanto a Tuíra, que fez uma fala bonita - aliás, eu sempre estou com a Tuíra na minha cabeça em função da luta que ela fez, tempos atrás, quando colocou o facão no pescoço do Presidente da Eletrobras -, como as mulheres corajosas, tanto de Roraima quanto do Estado do Rio Grande do Sul, que aqui também colocaram suas palavras. Essas mulheres corajosas têm agora a felicidade de ter a primeira Deputada Federal eleita representando todas elas e todos os povos indígenas.
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Os retrocessos são grandes, e este Presidente, que diz que nunca mais vai demarcar, que não vai demarcar um centímetro de terra indígena, se elegeu com esse discurso. E, ao assumir o Governo, ele está tendo essa prática. A prática se configura em retirar a Funai do Ministério da Justiça, em retirar da Funai as competências para demarcar terras indígenas, em colocar essa competência no Incra, que não tem competência para fazer os estudos antropológicos, para ter o diálogo com as comunidades indígenas, para buscar a ancestralidade das terras e tratar apenas como terra de demarcação de projeto de assentamento, que é a especialidade do Incra. A Funai é que tem o conhecimento. O Ministério da Justiça tem o know-how de décadas, lidando com a agenda indígena. Retirar a Funai do Ministério da Justiça, colocar na Secretaria Nacional, no Ministério dos Direitos Humanos é perder esse know-how.
Havia uma diferença também. O Ministério da Justiça tem uma liderança sobre os outros Ministérios. Todos os Ministros são considerados iguais, claro, mas o Ministério da Justiça é o único que tem condições de coordenar outros Ministérios. Quando estava no Ministério da Justiça você tinha ali um know-how, uma competência institucional que liderava os outros setores. Agora, está todo mundo no mesmo plano e isso facilita o discurso e a prática de o Governo de não querer mais demarcar um centímetro de terra indígena.
A outra coisa é tirar, acabar com a Sesai, porque como disseram já os representantes da comunidade, isso é destruir todo o know-how de saúde indígena, que respeita as tradições, os conhecimentos tradicionais que não são invasivos. Quando se tem inclusive os agentes de saúde indígena, que sabem dialogar, falar a língua do povo, traduzir as próprias doenças que as pessoas estão sentindo, que muitas vezes dão nomes diferentes, combinar a saúde baseada no conhecimento técnico-científico com o conhecimento tradicional, respeitando os pajés, os sistemas de crenças da própria comunidade. Essa é uma forma de querer implementar uma outra forma de eliminação.
Antigamente a eliminação era feita com violência, contaminando os povos indígenas para que fossem acometidos por doenças. A violência ainda continua, mas agora temos um novo ciclo, como já foi dito: é o ciclo de tentar e, em primeiro lugar, assimilar; e depois, se não assimila, você elimina. Agora, a assimilação dos povos passando por cima da sua cultura, não demarcando suas terras, não respeitando seu modo de vida, é também uma forma de destruição. Temos mais de 200 povos que falam mais de 120 línguas. Nós temos conhecimentos ancestrais associados à biodiversidade, a recursos naturais, que são um verdadeiro tesouro para o nosso país.
Assistimos no mundo inteiro uma perda enorme para o patrimônio cultural, para a arquitetura sacra mundial, sobretudo no Ocidente, que foi a queima da Catedral de Notre Dame. O mundo inteiro está se mobilizando corretamente para restaurar a Catedral.
Agora, aqui, nós temos uma catedral de conhecimento. Nós temos uma verdadeira catedral de conhecimento, de formas diferentes de ser e estar no mundo, e parece que não nos importamos com a destruição desses conhecimentos, com essa cultura diferente, com essa economia diferente, com essa ciência diferente - porque os povos indígenas também têm ciência, só que é uma ciência diferente.
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Quando eu fui Ministra do Meio Ambiente, uma das agendas que nos foi muito cara era a agenda do ordenamento territorial, porque, no ordenamento territorial, estão previstas a criação de unidades de conservação, as áreas para os processos produtivos e a demarcação das terras indígenas.
Os índios são os que mais protegem as suas áreas. Você tem uma total destruição, e, se você vê uma mancha verde, ou é uma unidade de conservação ou é terra indígena. Mas há uma diferença: a unidade de conservação não prevê o uso quando não são assentamentos extrativistas, mas, nas terras indígenas, com homens e mulheres que moram ali e estão ali há milhares de anos, mesmo assim, as águas são preservadas, a fauna é preservada, a floresta é preservada. Essa catedral de conhecimento precisa ser preservada, respeitada, admirada e não difamada como vem sendo, porque uma forma de eliminar é também a difamação.
Esse discurso de dizer que é muita terra para pouco índio é um desconhecimento, uma ignorância do que significa um modo de vida diferente do nosso. Quando para nós a lógica é de acumular, mesmo quando não se precisa ter tanto na despensa, para os índios, a grande despensa é ter muita água e muito peixe, muita floresta e muita caça. Muita floresta: muitos remédios, muitos frutos. Isso é a economia dos índios, é o PIB dos índios.
Agora, quem não entende disso acha que o índio que vive da caça, que vive da pesca, que vive da coleta de frutos é como se fossem pobres, miseráveis. Não são. São ricos. Ficam pobres e vivendo em situação de miséria quando suas terras são griladas, quando suas terras são ocupadas, quando não são respeitados.
Eu quero concluir dizendo que, em diferentes governos, os índios sempre tiveram que lutar. Nada foi dado de graça. Mas, em diferentes governos, houve demarcação e homologação de terras indígenas. Durante o Governo do Fernando Henrique, 41 milhões de hectares de terra indígena foram demarcados; durante o Governo do Presidente Lula, 18 milhões; durante o Governo do Sarney, 14 milhões; no Governo do Presidente Itamar, cinco milhões; no Governo da Presidente Dilma, três milhões; no Governo do Presidente Temer, foi um pouco menos - e bem menos.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARINA SILVA - Notem que vai caindo, caindo, caindo, mas nós chegamos agora a uma situação em que o Presidente diz que não será nenhum centímetro - nenhum centímetro.
E o pior de tudo: elegeu-se dizendo isso. Existem aqueles que até são contra os índios, mas, durante a campanha, dizem que são a favor. Esse ganhou a eleição dizendo que era contra e que ia ser contra até o fim do seu Governo.
Eu, quando fui candidata, apresentei a proposta de que houvesse um fundo de regularização fundiária. Esse fundo de regularização fundiária não seria para aqueles que têm suas terras ancestrais líquidas e certas, que devem ser demarcadas pelos processos já previstos na Constituição. É para aqueles casos como dos guaranis-kaiowás...
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(Interrupção do som.)
A SRA. MARINA SILVA (Fora do microfone.) - ... que foram desterritorializados pelo próprio Governo...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARINA SILVA - ... e nesse sentido é preciso que o Governo crie um fundo para reaver essas terras. Eu cumprimento o Acampamento Terra Livre e me coloco como sempre à disposição, como parente, como parceira, para as lutas que precisamos enfrentar. Nenhum retrocesso a mais! (Palmas.)
(Durante o discurso da Sra. Marina Silva, o Sr. Wellington Fagundes deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Randolfe Rodrigues.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Querida Marina Silva, sua fala inspira a todos nós.
Marina é um símbolo da luta de todos os parentes aqui presentes, é um símbolo da luta dos povos da floresta. Irmã, companheira de Chico Mendes, ela representa uma aliança brasileira e mundial na luta pelos direitos de todos vocês e pelos direitos dos povos da floresta.
Eu queria agradecer a presença do meu companheiro, irmão de alma, como assim dizemos, o Senador pelo Espírito Santo, da nossa Rede Sustentabilidade, Marina, Senador Fabiano Contarato.
Antes de nós irmos para a conclusão da sessão, e inclusive facultamos a palavra se o Fabiano assim o quiser, eu queria fazer um registro e agradecer a presença... Estamos tendo aqui na sessão solene em homenagem aos povos indígenas. (Palmas.)
Este mês de abril é dedicado à luta dos povos indígenas aqui no Brasil e esses povos originários do Brasil estão, atualmente, sob grave ameaça sobre todos os seus direitos. Então, o Plenário do Senado Federal, no dia de hoje, foi tomado pelos diferentes povos originários do Brasil para reclamarem a garantia e conquista dos seus direitos.
Ficamos muito felizes, e eu quero agradecer a Senadora Rose de Freitas e ao Senador Plínio Valério por trazerem aqui ao Plenário do Senado, no momento em que fazemos uma sessão solene em homenagem aos povos indígenas, a delegação do Parlamento canadense.
Então, eu queria dar as boas-vindas aqui à Sra. Keillie Leitch, membro da Seção Canadense do ParlAmericas. (Palmas.)
À Sra. Brenda Shanahan, membro da Seção Canadense do ParlAmericas. (Palmas.)
Ao Sr. Riccardo Savone, Embaixador do Canadá no Brasil. (Palmas.)
Ao Sr. David Wells, Membro da Seção Canadense do ParlAmericas. (Palmas.)
Ao Sr. Jim Munson, Membro da Seção Canadense do ParlAmericas. (Palmas.)
E queria em especial também dar as boas-vindas ao Sr. Robert D. Naut, Presidente do ParlAmericas Internacional. Eu recebi a informação de sua especialização em assuntos relacionados aos povos originários, aos povos indígenas. Têm significado de diagnóstico.
Diz uma poesia brasileira que tudo que acontece na vida tem seu momento e seu destino. Ficamos, então, muito felizes em receber uma delegação canadense aqui para também repercutir que aqui no Brasil, apesar das ameaças aos povos indígenas, aos povos originários, há uma determinação desses povos diferentes, que estavam aqui antes da ocupação europeia, há uma determinação desses povos de resistir contra quaisquer retrocessos. Sejam todos vocês bem-vindos ao Parlamento brasileiro, ao Senado da República.
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Aproveitem e recebam as boas vindas, não só do Parlamento, mas dos diferentes povos indígenas do Brasil que estão presentes nesta sessão. (Palmas.)
Bem vindos! Fiquem à vontade.
O Presidente Robert, do Parlamento, desejou boa sorte a todos nós, a todos vocês na luta.
Welcome. (Palmas.)
Pergunto, antes de concluir: querido amigo, Senador Fabiano, quer fazer uma saudação aos povos indígenas aqui presentes?
Fique à vontade.
Antes de passar a V. Exa., Fabiano, deixa eu ver se eu me organizo aqui antes. Deixa ver se eu consigo me reencontrar aqui. Eu acho que é esse. Só quero também aqui destacar, registrar, mais alguns dos povos aqui presentes, Fabiano.
Já citei pelo menos uns 60 povos. Então vamos aos que faltaram citar.
Os ára guarani, do Rio de Janeiro; os arapiun, do Pará; os arauweté, do Pará; os barari, do Pará; os mbyá; os kaingang, do Paraná e Rio Grande do Sul; os kambiwá, de Pernambuco; os cocal e aos kriwat, do Maranhão; os entresserras pankararu, de Pernambuco; A Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Estado do Mato Grosso; os guarani mbya, de São Paulo e Rio de Janeiro; os guarani nhandeva, de Mato Grosso do Sul; os guaranis, do Pará e Rio Grande do Sul; os Guaranis, de São Paulo; os ikaiowá, do Mato Grosso do Sul; os kaingang, de São Paulo; os karajás, de Goiás; os karajás de Mato Grosso; os karajás de Tocantins; os karitiana de Rondônia; os kaxangó, de Alagoas e Sergipe; os kiriri da Bahia; os pataxó de Minas Gerais; os pataxó do Rio de Janeiro; os sembo, do Pará; os tapuias, de Goiás; os ticunas do Amazonas; os tupi-guarani de São Paulo; os wassu de Alagoas; os xerente de Tocantins; os xetá do Paraná e Rio Grande do Sul; os xipáya do Pará; os xokleng de Santa Catarina; e os guarani do Paraná.
Acho que conseguimos finalmente citar todos os povos. (Palmas.)
Querido Fabiano.
O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES. Para discursar.) - Obrigado, Senador Randolfe.
Eu quero saudar o Senador Randolfe, a Senadora Marina, a todos os parentes, amigos, companheiros e irmãos indígenas.
Nada é tão ruim que não possa piorar. Nós temos que ficar atentos e vigilantes diante desse Governo que iniciou esse mandato no dia 1º de janeiro. Eu não posso deixar de denunciar e fazer coro à voz de vocês.
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E, assim como ontem eu disse lá no acampamento, eu, com toda a humildade, volto a pedir perdão, em nome da população brasileira, a todos os povos indígenas. (Palmas.)
Acho que esse pedido de perdão tinha que vir de todos, de todos os políticos, de todos os Senadores, de todos os Deputados Federais, porque vocês são povos originários. Na relação da propriedade, não basta ter um direito à propriedade como está na Constituição, porque há algo que transcende isso. E o Governo violou direitos indígenas com a edição da Medida Provisória 870, que passou a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura.
Essa medida retirou as atribuições de demarcação de terras indígenas e licenciamento ambiental das terras indígenas da Funai e entregou para a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sob o comando da bancada ruralista.
A decisão do Governo tem estimulado a ocorrência de ataques, invasões articuladas contra terras indígenas, perseguição, expressão de racismo, intolerância aos povos indígenas. Aliás, acho que a palavra ódio é o adjetivo que mais se amolda ao comportamento do Governo.
O Governo ameaça também reduzir o tamanho das terras indígenas já criadas. Nós não podemos admitir isso. Nós não podemos e não vamos admitir isso, porque isso está no nosso Hino. (Palmas.)
Eu não me canso de citar o Hino quando diz "verás que um filho teu não foge à luta". O Governo planeja facilitar que terceiros explorem a atividade de alto impacto ambiental, como a mineração e a agricultura nas terras indígenas.
Temos que dar um basta nisso. Nós temos que dizer não. Nós temos que ser corajosos, destemidos. Nós não temos que ter medidas populistas. Nós temos que estar do lado principalmente das minorias. Há uma dívida eterna com as mulheres, há uma dívida eterna com os negros, há uma dívida eterna com os índios.
Por isso, o meu reforço de pedido de perdão. Perdão a todos vocês, mulheres, negros e índios. Mas, enquanto Deus me der vida e saúde, eu, aqui neste Parlamento do Senado e como Presidente da Comissão de Meio Ambiente, vou lutar, defender sempre tendo a percepção e a certeza de que, quando olho em vocês, no Deus que eu acredito, que é o mesmo em que vocês acreditam, eu enxergo Deus, e, com isso, nós vamos exercer mais o amor, o respeito, a caridade, a compaixão, o diálogo, a humildade. Eu não tenho dúvida de que, para mim, defender a vida humana é sair em defesa de Deus.
Quero expressar a minha total solidariedade a todas as comunidades indígenas do Brasil. O meu compromisso é de unir esforços ao lado da Deputada Joenia, a primeira Parlamentar indígena eleita da história do Brasil, e junto com os demais Parlamentares que compõem a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas do Congresso Nacional, para defender os legítimos direitos e conquistas alcançadas por vocês, bravos e honrados brasileiros. (Palmas.)
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Vocês me representam. Vocês representam as raízes mais profundas de nossa cultura e identidade cultural, responsáveis pela preservação da maior parte dos recursos naturais que ainda temos preservados no Brasil. Vocês são de fato os principais defensores e preservadores do meio ambiente. (Palmas.)
Meu agradecimento. Coloco-me à disposição. Têm em mim um verdadeiro irmão, um parente, uma pessoa que...
No gabinete em que eu estou, as pessoas infelizmente, não só nesta Casa... Eu fico muito triste quando as pessoas se apegam ao material. Quando elas têm a percepção, quando a gente tem a serenidade, Senadora Marina, de que esta vida da gente é curta, e eu não sei se eu vou chegar ao meu Estado, e de que você tem que entender que o nosso papel como ser humano aqui é lutar por uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária, respeitar os direitos de povos originários, você passa a ter uma outra visão de mundo.
Eu fico triste quando nesta Casa aqui impera a vaidade, um dos piores pecados para mim, porque uma das melhores virtudes, para mim, no ser humano, é a humildade. E é com humildade que eu, mais uma vez, me coloco à disposição de vocês para aquilo que eu puder. Mesmo que seja gritando, mesmo que seja voto vencido, mas não vou deixar de imprimir minha marca, minha digital, sempre em defesa da população indígena. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Parentes, deixem-me dizer para vocês da minha enorme alegria e honra de compartilhar a bancada do nosso Partido Rede Sustentabilidade com dois dos melhores quadros deste Senado: o Senador Flávio Arns e esse irmão de alma - nós nos tratamos assim -, que é o Fabiano Contarato. O Fabiano é uma das melhores revelações que a eleição de 2018 trouxe para cá. Um parente de vocês, um companheiro da luta de vocês, um companheiro de jornada. Para todos nós dá muita alegria e orgulho toda vez que te ouvimos, Fabiano. E cada vez nos identificamos mais.
Terminando esta sessão, queria só pedir então para a minha querida Simone Karipuna, do Amapá, do povo karipuna, para ser a última aqui a usar a tribuna, para nós, em seguida, concluirmos esta sessão solene, que eu não diria de homenagem, como muito bem foi dito pelos representantes dos guaranis kaiowás aqui presentes, mas uma sessão solene de advertência, de alerta para a luta que só valerá a pena e triunfará com todos nós juntos.
Simone, por favor, para em seguida concluirmos a sessão.
A SRA. SIMONE KARIPUNA - Boa tarde. É com muita satisfação que nós aqui nos encontramos como povos indígenas do Amapá e norte do Pará e também como povos indígenas do Brasil. (Palmas.)
E ouvi, nas falas das lideranças que antecederam, a importância do momento de estarmos aqui, de entrarmos pela porta da frente, de podermos sentar em vários espaços aqui, espaços que, muitas das vezes, nós ouvimos, e foi tratado sobre nós, e não tivemos como sequer fazer nenhuma interferência direta.
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Aí, Senador, a sua fala entra na nossa alma. Quando um povo, e é isso que o Brasil... Aqueles que não conhecem a realidade indígena não entenderam é que nós temos raízes. Nós somos os verdadeiros povos deste Brasil. A nossa raiz está no nosso território.
Aí também eu gostaria de dizer para o senhor e para a Sra. Senadora que nós somos os cuidadores do nosso território e vocês são os cuidadores aqui dos nossos direitos. Precisamos de vocês! Aí, com esse papel nosso de dizer para vocês que precisamos de vocês é que viemos chamar o Senador Randolfe para que ele desça, por favor, aqui, porque temos uma surpresa a ele.
Vocês falaram que a gente precisa ter esses líderes aqui nossos, aqui na frente, nesta Casa, que tem um papel fundamental para este Brasil. A gente precisa conseguir mais, mais guerreiros aqui, neste Parlamento, para que possam garantir e estar juntos com a gente na defesa do nosso direito.
Senador, o senhor nos representa no Estado do Amapá. A gente tem muito orgulho de poder estar agora falando para você.
Elton Aniká, por favor. (Pausa.)
É com muito orgulho aqui que a gente traz e coloca esse cocar. Para nós, a cultura nos fala.
Obrigada! (Palmas.)
Bora, pessoal do Amapá e norte do Pará, se juntem!
É importante dizer que os verdadeiros donos estão aqui. Os povos indígenas estão na garantia do seu direito. Não entendemos e não... Os indígenas que estão do lado do Bolsonaro não representam os povos indígenas do Brasil! (Palmas.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Bom, primeiro, eu acho que eu nunca tremi tanto ao receber algo como agora, entendeu? (Palmas.)
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Eu estou tremendo até agora. Dizem o seguinte: que comenda tem que ser honrada, não é, Fabiano? Nós recebemos esta comenda aqui, e eu me sinto não tendo recebido sozinho. O cocar está também aqui na cabeça de Fabiano, está na de Marina e está na de todos os Parlamentares, Simone, desta Casa, da Frente Parlamentar Indígena, que assegurará que não haverá um direito a menos aos povos indígenas do Brasil. (Palmas.)
Este cocar não está aqui para mim. É de todos nós. É de todos os povos. É de todos os representantes que estão aqui no Congresso Nacional. É de todos que têm um compromisso com a luta de vocês. É de todos que reconhecem o que significa a luta de vocês há mais de 519 anos. Nós faremos muito para honrar a comenda que nós estamos aqui recebendo. Faremos muito para honrar.
Dito isso, obviamente, vou convidar todos para a gente fazer uma foto - não é, Marina? - juntos aqui de encerramento, fazer uma foto ao final desta sessão. Vocês proporcionaram para nós, para mim especialmente, Fabiano e Marina, o momento mais emocionante que eu já tive neste Plenário do Senado Federal nesses nove anos em que estou aqui. Eu tenho muito a agradecer ao povo do Amapá por ter me colocado aqui, principalmente por me proporcionar um momento como este. É um momento de muita alegria e muita emoção. Eu repito: ao receber isso, eu nunca tremi tanto quanto estou tremendo agora. Estou muito honrado. (Palmas.)
Vamos juntos! Vamos juntos! Eles não passarão. A nossa luta vencerá.
Declaro encerrada a sessão.
(Levanta-se a sessão às 13 horas e 50 minutos.)