1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 22 de novembro de 2019
(sexta-feira)
Às 14 horas
227ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A presente sessão especial é destinada a comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares, e homenagear também a Fundação Cultural Palmares, nos termos dos Requerimentos nºs 51 e 912, de 2019, dos Senadores Paulo Paim, Rodrigo Pacheco e outros Senadores.
Com o Senador Rodrigo Pacheco tivemos juntos a iniciativa desta data para fazermos este debate. Infelizmente, ele se encontra adoentado e não vai poder comparecer, mas, desde já, deixou que eu falasse em seu nome, em relação a esse tema.
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Eu agradeço muito à equipe do Senador Rodrigo Pacheco e, naturalmente, à equipe do meu gabinete, na figura da Isabel, que está aqui, e a todos aqueles que colaboraram para que esta sessão se realizasse no dia de hoje.
Vamos, de imediato, formatar a Mesa. Eu estou um pouco rouco porque, pela manhã, tivemos aqui uma outra sessão de homenagem a Rui Barbosa, junto com o Senador Randolfe, e foi também uma bela sessão.
E vamos lá para a nossa agora!
Convidamos, para compor a Mesa, o Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sra. Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira. Seja bem-vinda! (Palmas.)
É pela direita aqui que é mais fácil, porque aqui pela esquerda tem de dar toda uma volta. Não é que eu não tenha preferência também pela esquerda, mas é que há toda uma volta para chegar aqui.
Convidamos o Presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Vanderlei Lourenço. (Palmas.)
Convidamos o Sr. Defensor Público Federal do Rio Grande do Sul, que está presente ali - eu não quis dizer que é da minha cidade, mas vou dizer então, já que está aqui -, Defensor Público Federal de Canoas, Rio Grande do Sul, Sr. César Oliveira Gomes. (Palmas.)
Convidamos a Coordenadora da Articulação Nacional de Psicólogos (as), Negros (as), e Pesquisadores (as) de Relações Raciais e Subjetividades da Região Centro-Oeste, Sra. Márcia Maria da Silva. (Palmas.)
Convidamos o Diretor-Executivo da ONG Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), Reverendo Sr. Frei David Dos Santos. (Palmas.)
O Sr. David sempre presente aqui, ao longo dos anos do bom combate aqui no Congresso. E não só aqui dentro; estou registrando o trabalho que ele faz aqui dentro.
Convidamos a Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF, Sra. Denise da Costa Eleutério. (Palmas.)
Teremos depois uma segunda mesa, viu? Serão duas mesas. Fazemos a primeira mesa, todos os expositores falam, depois nós vamos para uma segunda mesa.
Continuando os trabalhos, agora nós vamos cantar o Hino Nacional.
Todos de pé, por favor, em posição de respeito ao Hino Nacional.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cumprimentos à cantora Rebeca Realleza, pela brilhante interpretação do nosso Hino Nacional.
Permita que eu repita as palmas, Rebeca! (Palmas.)
Eu informo que nós teremos duas Mesas, é importante lembrar.
Meu querido Theodoro aí, sempre presente, consultor que nos ajudou muito na construção do Estatuto da Igualdade Racial. É uma alegria te ver aqui! Você vai falar, como é decano aqui na Casa, na segunda mesa. Eu quero dar-lhe uma salva de palmas, como consultor da Casa, na construção do Estatuto e mesmo no debate da política de cotas. (Palmas.)
Só dei dois exemplos. Se eu for falar de todos, vão dizer que eu não vou dar a palavra à Mesa e só vou ficar te elogiando aqui.
Vamos, de imediato, aos nossos convidados. Lembro a todos que o Frei David, por ter um outro compromisso em seguida, importantíssimo, porque vai a um outro evento tratar de temas relacionados à questão racial, pediu que fosse o primeiro orador.
Então, passo a palavra, neste momento, ao Diretor-Executivo da ONG Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), Reverendo Sr. Frei David dos Santos.
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS (Para discursar.) - Estimado Senador Paim, demais Senadores que estão nas suas salas participando desta audiência e, de outras regiões, demais participantes em seus lares.
Para nós é uma alegria ver este evento acontecendo em sessão especial para homenagear o Dia da Consciência Negra e as entidades que estão lutando, dentro do possível, como a Fundação Palmares para gerar igualdade de oportunidades.
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Nesta sessão solene, eu gostaria de dizer que nós, como entidades do movimento negro, e especialmente a coligação negra, decidimos entrar, nas próximas 48 horas, com uma queixa-crime no Conselho de Ética da Casa ao lado, da Câmara Federal, contra a atitude do Deputado Tadeu, do PSL de São Paulo, que quebrou o quadro que denuncia o genocídio da população negra. Nós entendemos que não dá para esconder de ninguém essa realidade.
Muitos documentos oficiais apresentam o alto grau de genocídio. Esse livro que estou trazendo aqui acabou de ser lançado recentemente, livro cujo título é Cenas de um Genocídio, e está disponível, portanto, nas livrarias.
E nós queremos, cada vez mais, patentear que nossa celebração do Dia da Consciência Negra é infelizmente marcada por nossos protestos e nossos gritos por direitos. Portanto, o Deputado Tadeu não vai ficar impune, porque nós vamos lutar intensamente para que a Comissão de Ética da Câmara faça com que ele pague caro por essa postura de discriminação racial grave, ao ofender e querer esconder a matança de jovens negros.
O segundo ponto, Senador Paim - e, aí, se você me permitir, eu peço que você leve para o seu gabinete ver a possibilidade de fazer uma audiência pública -, é o seguinte: o Brasil o Brasil, desde o tempo colonial até hoje, nunca organizou um sistema nacional de defesa de política de segurança pública. No entanto, para a nossa alegria, em 2018 foi criado o Sistema Único de Segurança Pública. Em 2018, foi criado o sistema, através da Lei nº 13.675, de 2018. Qual é a nossa angústia? Esse sistema não está funcionando, não está sendo levado a sério pelos vários órgãos do Poder Executivo. E nós pedimos, então, que o Senador Paim convoque uma audiência pública para avaliar como dar efetividade ao Sistema Único de Segurança Pública, porque isso vai enfrentar esse problema central que é a matança de jovens negros.
Então, Senador Paim...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu já posso informar que vou acolher a sua solicitação. Vamos ver a data e marcamos a audiência pública.
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Excelente! Então, isso merece palmas, pessoal! (Palmas.)
O Senador, mais uma vez, sendo bem eficiente nas demandas.
E terceira e última questão. Eu ainda estou muito chocado porque eu faço parte da comissão, do comitê de combate e controle da tortura, que acontece nos presídios brasileiros - inclusive, é a reunião para onde estarei indo em seguida. E nós temos visto, nos vários relatórios da equipe que está fazendo um trabalho de monitoria desses espaços de injustiça, o quanto cresce a injustiça contra os nossos irmãos presidiários. Já é uma tortura ser preso em uma situação em que não se respeita a dignidade humana. E nós queremos que todos aqueles que erram sejam presos, mas queremos que sejam respeitados como pessoa humana e não como bicho.
E, portanto, Senador Paim, nós estamos vendo que o sistema de prisão no Brasil passou a ser, de maneira oficial, mais um objeto de tortura do povo negro.
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Em frente a esse fato, nós discutimos com várias entidades e vários movimentos da comunidade negra, para enfrentar isso de maneira cabal.
E aqui eu quero parabenizar e agradecer ao Partido Socialista Brasileiro, que emprestou a sigla para nós entrarmos no Supremo Tribunal Federal, e entramos agora, no dia 19. Entramos no Supremo Tribunal Federal com um processo contra o Governo brasileiro, frente ao alto grau de matança de jovens negros.
O nosso processo caiu na mão do Ministro Fachin. Já está, portanto, com o Relator, que é o Ministro Fachin, e nós fizemos um apelo agora, aqui nesta sessão solene do Dia da Consciência Negra, para que todas as entidades, não só da consciência negra, mas demais entidades dos direitos humanos, entrem nesse processo do Supremo Tribunal Federal contra a matança dos jovens negros. Entrem como amigo da corte. Então, qualquer entidade pode entrar, oferecendo subsídios aos ministros, para que façam um julgamento bom, honesto e qualitativo.
E concluo, dizendo da nossa alegria, porque não só dor trouxemos para esta sessão solene, mas também alegria. Alegria, Senador Paim, porque a nossa entidade, a Educafro, decidiu criar a Educafro Tech. Por quê? Veja só: nós, brasileiros, afro-brasileiros, somos 55,8% do Brasil. Senador Paim, no mundo da tecnologia, nós, afro-brasileiros, não chegamos a 2% - não chegamos a 2% no Brasil. Então, nós decidimos gerar esse instrumento, que é a Educafro Tech, que paga a jovens pobres, desempregados, para se prepararem para serem desenvolvedores, serem programadores de TI, e a gente disputar esse mercado, porque o futuro do mundo passa pela Tecnologia da Informação.
Então, que esta sessão atinja os seus objetivos, entre eles anunciar as coisas boas, bem como aquelas coisas pelas quais precisamos lutar. E volto a falar: entre elas, terminar com o genocídio da comunidade negra, dos jovens negros.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Frei David.
Meus cumprimentos, mais uma vez, pelo seu trabalho na Educafro. Estamos juntos aqui, nessa caminhada contra o racismo, o preconceito, enfim, todo tipo de discriminação.
Eu vou, de imediato, passar a palavra à Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sra. Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira.
Estou dando dez minutos para cada um - são duas Mesas - e eu farei o meu pronunciamento no final.
A assessoria me incomoda. Diz: "Fala no início, que a Casa está cheia". Para mim, não é importante a Casa estar cheia ou não. Vou deixar os convidados falarem e depois eu falo.
E quero, de Casa cheia, uma salva de palmas para a moçada toda presente aí, ao nosso Plenário aí. (Palmas.)
Um abração, com carinho, nos meus amigos terceirizados aí, parceiros de todas as horas aqui dentro, viu?
Eu queria dar uma salva de palmas aos terceirizados que estão aí. (Palmas.)
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA (Para discursar.) - Boa tarde a todas as pessoas.
Inicialmente, eu gostaria de cumprimentar o Presidente, requerente desta sessão em comemoração, Senador Paulo Paim, ao mesmo tempo em que cumprimento o Senador Rodrigo Pacheco. Gostaria de cumprimentar o Presidente da Fundação Cultural Palmares, o Sr. Vanderlei Lourenço; o Defensor Público Federal de Canoas, Sr. César Oliveira; a Coordenadora de Articulação Nacional de Psicologia, Sra. Márcia Maria da Silva; o Diretor Executivo da ONG Educafro, nosso queridíssimo Frei David, meu conhecido de longas datas e caminhadas; e a Vice-Presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB/DF, Sra. Denise da Costa Eleutério.
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Inicialmente, minhas senhoras e meus senhores, eu trago o cumprimento da Ordem dos Advogados do Brasil para esta iniciativa desta Casa na figura dos Senadores que eu já nominei no sentido de que é muito importante que tenhamos sessões e eventos desta natureza para, primeiro, declarar que Zumbi não morreu, que Zumbi está vivo, está vivo em cada um de nós, nas nossas lutas, na nossa resistência. Então, é importante que a cada ano reafirmemos esta assertiva.
Num segundo momento, eu gostaria de pontuar que, como Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade, que é outra estrutura que nós temos no seio da Ordem dos Advogados... Quem acompanhou essa trajetória sabe que não foi fácil estabelecermos no seio da OAB uma estrutura como essa, porque são temas que as pessoas não querem encarar, são temas que as pessoas não querem enfrentar, mas nós tivemos a sorte de, no ano de 2007, conseguirmos que um grupo de advogados baianos solicitasse ao então Presidente a instalação da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade, e conseguimos. Mas, para que os senhores tenham a noção exata de quanto é difícil nós tratarmos das nossas coisas, coisas que nos são caras, da nossa luta, nós não conseguimos a nomenclatura "racial". Ficou até a data de hoje: Comissão Nacional de Promoção da Igualdade. Mas nós não nos acovardamos e continuamos a tratar da questão racial... (Palmas.)
E isso nós temos feito. Agora, inclusive, eu estou retornando na terceira gestão, e nós estamos dando continuidade às pautas que iniciamos em 2007, dentre elas a questão da inserção na Ordem dos Advogados da disciplina das relações étnico-raciais.
Isso é necessário, minhas senhoras e meus senhores, porque a advocacia trata do Estado democrático de direito, mas essa questão racial, até 2007, não estava inserida na nossa pauta. E o advogado e a advogada precisavam enfrentar essa discussão de frente não só para saber recepcionar as demandas com esse tema, mas também para saber atuar em prol da sociedade quando fossem vítimas do racismo, do preconceito e da discriminação racial. E, em razão disso, àquela época, nós contamos com a sensibilidade do então gestor e, para a nossa felicidade, nós tivemos essa comissão que não só tratou desse tipo de questão, como também tratou de uma questão que eu reputo uma das mais importantes que foi o enfrentamento da ADPF 186.
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E, quanto à essa ADPF 186, de que todos os senhores seguramente que estão aqui têm conhecimento, nós sabíamos que era uma questão que a OAB ainda não tinha uma definição naquele momento, pelo menos, muito clara. E foi necessário um trabalho diuturno para que convencêssemos, pela primeira vez, a Ordem a assumir que estava enfrentando a pauta racial. E, assim, o próprio Presidente da Ordem entrou, ingresso com um amicus curiae, e nós, por sua vez, a convite da então Ministra Luiza Bairros, fizemos a defesa dos alunos cotistas da UnB e mais no Movimento Negro Unificado.
É importante que nós, pelo menos, coloquemos esse breve histórico, porque nós sabemos que as cotas, a despeito... E eu sei que o Frei David tem uma história muito longa nesta luta, e nós estivemos também sempre muito atentas desde a ADPF, ou melhor, muito antes da ADPF, mas sabemos que o Frei Davi sempre esteve muito atento. Mas é preciso que nós estejamos mais atentos que nunca hoje, porque nós estamos na iminência de esgotar o prazo, que é 2024.
E, a despeito de o IBGE trazer uma informação muita alvissareira, no sentido de que hoje as universidades têm um número extraordinário de negros - e que bom que temos esse número extraordinário -, contudo, eu vejo essas questões de uma forma cautelosa. Longe de mim estabelecer qualquer tipo de dúvida sobre um instituto de tanta credibilidade, de tanta seriedade. Contudo, eu tenho cautelas. E cautelas, porque eu não sei quais os critérios nem quais os vetores que sinalizaram esse tipo de pesquisa, e é importante que estejamos muito atentos.
E por que eu digo isso? Eu digo isso, porque as cotas foi um ganho muito caro para a população, para a comunidade negra. Evidentemente que, como ação afirmativa e medida reparatória, elas não se exaurem tão somente na inserção de negros e negras nas universidades; é evidente que não! Mas eu penso que nós precisamos muito estar atentos para que não tenhamos um retrocesso nesse particular. E as pessoas, às vezes, acham que já foi dado conta...
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(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - ... já foi dado conta dessa questão, mas eu penso que não, porque, enquanto nós não tivermos o mercado de trabalho para o negro garantido, inclusive para esses negros que se formaram através das cotas e que não estejam sendo absorvidos, até porque a escravidão de tão nefasta que foi, na verdade, criminalizou o mercado de trabalho negro. Então, nós precisamos, na verdade, trazer mais, ou melhor, agregar outras ações afirmativas, a exemplo da inserção do negro no mercado de trabalho, cujo ingresso nas universidades foi um primeiro passo - eu diria mais arrojado - que nós tivemos na sociedade brasileira.
A gente sabe, inclusive, que as cotas têm caráter temporário, mas eu penso que ainda precisamos das cotas para continuarmos não só povoando as nossas universidades, empretecendo as nossas universidades, como também precisamos que ela tenha uma consequência lógica, que é a absorção no mercado de trabalho.
Por esse motivo trabalhamos e nós sabemos, inclusive, que, enquanto negros que somos, nós trabalhamos mais, ganhamos menos, estamos muito mais expostos ao desemprego, somos mais pobres e os mais miseráveis. Por que estou dizendo isso? Estou dizendo isso para alertar que essa publicização do IBGE não deve nos fazer calar.
Assim, já concluindo, porque sei que há outros oradores... Mas eu sei que eu não poderia deixar de alinhar algumas coisas...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu lhe dei cinco minutos a mais, porque eu achei justo pela qualidade do pronunciamento.
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - Muito obrigada!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para apartear.) - Então, esses alertas têm que ser considerados mesmo, porque essa mesma pesquisa diz que aumentou de 50 para 55, mas reconhece, diz que, perto dos 78,8 do conjunto de alunos nas universidades, nós estamos muito longe.
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - Isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, V. Sa., para mim, faz uma ponderação de equilíbrio, com muito cuidado, mas de alerta.
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - Assim, eu valho-me desta tribuna para celebrar os avanços, mas também para denunciar o massacre quotidiano sofrido por nós que devemos analisar sob duas perspectivas. Uma delas são as perdas acumuladas: a escravidão nos deixou essa perda acumulada que não é essa sinalização estatística que vai nos fazer esquecer. É claro que não! Uma plateia dessa, seleta e de pensadores, inclusive seguramente não vai se deixar enganar por isso. Além dessas perdas, nós precisamos continuar atentos para as tendências preocupantes do futuro, que Frei David trouxe aqui com muita propriedade.
Perdemos quando ingressamos no país escravizados e, mesmo antes que existisse o mercado de trabalho formal, milhões de africanos e seus descendentes já haviam sido incorporados no mundo do trabalho no Brasil através do mercado de escravos. Então, a gente precisa estar atento a essas coisas.
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A escravidão sempre atuou como fator de desqualificação do trabalho livre exercido pelo negro mestiço no Brasil, decorrente dos 388 anos de escravidão. "Assim, a evidência construída pela escravidão cristalizou-se na cultura brasileira como representação negativa do negro trabalhador, atuando ainda como fator discriminatório do negro no mercado de trabalho". Isso não sou eu quem diz, quem já dizia era o Prof. Ubiratan Castro, que dirigiu durante alguns anos a Fundação Cultural Palmares - e faço esse registro diante do atual Presidente da fundação.
Na outra ponta, devemos estar atentos também às tendências de evolução do mercado de trabalho, Frei David, em uma economia global. Está em curso uma intensa revolução tecnológica - parece que nós combinamos nesse particular -, em que constatamos cada vez mais...
(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - ... a necessidade da qualificação da mão de obra, cujo acesso está ficando cada vez mais difícil.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora tem mais um minuto.
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - Estou concluindo, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sim, tranquilamente.
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - Só um segundinho. Em um minuto eu concluo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se precisar de dois também, eu vou dar, não tem problema não. (Risos.)
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - E por conta disto nos deparamos com o advento das máquinas inteligentes, substitutivas do trabalho humano.
Desse modo, o grande desafio será cada vez mais efetivarmos a reparação e incorporarmos na construção do futuro a população negra no mercado de trabalho.
E esse feito só se dará através de um grande pacto social - e é isso que eu trago para esta Casa, essa é a nossa sinalização final -, porque, com reivindicações isoladas, seja do movimento social em relação ao Estado, seja o conflito entre o capital e o trabalho, em face da complexidade a que as desigualdades chegaram, não caminharemos.
Assim...
(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA NASCIMENTO CARDOSO DOS SANTOS CERQUEIRA - ... concluindo, hoje nesta Casa reafirmamos que só teremos êxito se conseguirmos uma negociação social entre os movimentos sociais, partidos políticos - e eu estou na mais alta Casa parlamentar do País -, sindicatos patronais e de empregados, Administração Pública, com vistas a pactuarem, segundo o Prof. Ubiratan Castro, a inclusão racial, em um novo contrato social no Brasil.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos à Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sra. Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira. Meus parabéns!
Frei David terá que se retirar, numa missão pela causa. Então, ficam nossas palmas. (Palmas.)
Passo de imediato a palavra ao Presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Vanderlei Lourenço, que também pediu para usar da palavra nesse momento porque ele terá que ir para São Paulo imediatamente, mas vai deixar um substituto da fundação aqui.
O SR. VANDERLEI LOURENÇO (Para discursar.) - Exmo. Sr. Senador Paulo Paim, Presidente e requerente desta sessão de comemoração, em sua pessoa eu gostaria de agradecer também ao Senador Rodrigo Pacheco, meu conterrâneo, também requerente desta sessão.
Exma. Sra. Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira, Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da OAB; Defensor Público Federal de Canoas (RS), Sr. César Oliveira Gomes; Sra. Márcia Maria da Silva, Coordenadora da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) de Relações Raciais e Subjetividades da Região Centro-Oeste; Rev. Frei David, que acaba de, por necessidade de viagem, deixar esta sessão; e Sr. Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF, Sra. Denise da Costa Eleutério, nós estamos presentes em uma sessão de suma importância para a população negra brasileira. É uma sessão especial destinada a celebrar o Dia da Consciência Negra, do Zumbi dos Palmares e também da Fundação Cultural Palmares, que temos a honra de presidir no presente momento.
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É importante, quando nós nos referimos ao dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, e mais do que isso, a todo o mês de novembro, quando temos uma extensa programação que acontece em todo o Território nacional voltada a comemorações, a celebrações referentes a essa data, lembrar que é uma data em que evocamos, Senador, uma expressão que é muito cara para a nossa gente: liberdade. E liberdade que está consubstanciada sobretudo naquela luta que foi travada lá no Estado de Alagoas, onde hoje nós temos o Parque Memorial Quilombo de Palmares, que é um parque que se encontra sob a gestão da Fundação Cultural Palmares, onde anualmente a Fundação celebra a consciência negra. Celebramos a liberdade do nosso povo que ainda nos dias de hoje batalha, trabalha em busca de liberdade. Hoje lutamos para que a nossa gente possa ter liberdade no campo socioeconômico, financeiro, liberdade de trabalhar contra a invisibilidade em que negros e negras ainda se encontram em nosso País, em nossa Pátria.
Há dois verbos são extremamente importantes de serem conjugados neste momento. Um, como já dissemos, é: celebrar - celebrar essa luta, celebrar conquistas, celebrar as vitórias que foram alcançadas até o presente momento. O segundo verbo é: refletir. É um momento de reflexão, é um momento em que nós buscamos fazer uma reflexão acerca dos avanços que temos alcançado através dessa luta inconstante que a população negra brasileira faz ao longo dos séculos, ao longo dos anos.
Nós da Fundação Cultural Palmares temos tido, nos últimos tempos, uma preocupação muito grande em trabalhar para que a nossa população possa sair desse estado de invisibilidade, trabalhamos para que a nossa juventude possa se capacitar, possa ter melhores condições de se formar, de se preparar para o mercado de trabalho.
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Falamos sobre a necessidade de sair um pouco antes do término da sessão porque nós temos, hoje à noite, em São Paulo, uma sessão em que nós entregaremos títulos de formação de juventude negra da periferia de São Paulo, capacitando os nossos jovens para que possam entrar no mercado de trabalho através do mundo da cultura e das artes, que é a nossa missão principal, a nossa missão na Fundação Cultural Palmares.
Estamos fazendo hoje um levantamento das comunidades quilombolas. São 3,3 mil comunidades já certificadas até o presente momento em todo o Território nacional. Registre-se que essas comunidades, as pessoas que vivem no interior dessas comunidades sobrevivem numa situação de vulnerabilidade no seu mais alto grau e necessitam que as políticas públicas, as políticas governamentais cheguem até elas. Nós estamos hoje fazendo, Sr. Presidente, um levantamento junto a essas comunidades sobre a vocação econômico-financeira dessas comunidades, para que nós possamos, através dos organismos governamentais, fazer com que os moradores dessas comunidades possam sobreviver, possam se autossustentar a partir daquilo que é a sua vocação natural, trabalhando a formação da nossa juventude, preparando a nossa juventude para o mercado de trabalho, trabalhando a conscientização da nossa juventude.
Hoje, nós frequentamos, a população negra frequenta os piores índices da nossa sociedade. O jovem negro é o que mais morre e é o que mais mata no Brasil nos dias de hoje. São realidades que a gente precisa mudar, são realidades que a gente precisa trabalhar para que, no futuro, isso inexista em nosso meio. São resquícios de uma sociedade que, embora construída pela população negra, enfrenta um racismo em um grau elevadíssimo ainda nos tempos atuais.
Nesse trabalho que a Fundação Cultural Palmares tem feito, nós temos a certeza de que vamos colher frutos extremamente positivos no futuro. É para isso que a gente está trabalhando. E, quando falamos de liberdade, quando evocamos a importância do mês da consciência negra, esse momento de conscientização, de tomada de consciência por parte da nossa população da necessidade de se trabalharem as políticas públicas e de fazer com que as políticas públicas cheguem até a nossa população, esse é também um brado de nossa parte para que essa chaga do racismo seja banida da nossa sociedade, para que essa chaga que foi a escravidão jamais se repita em nenhuma parte do mundo.
Eu quero agradecer mais uma vez a oportunidade de estarmos nesta Casa Legislativa, a oportunidade de trabalharmos afinados com os Poderes da República no sentido de fazer com que a nossa população possa avançar, no sentido de que possamos conquistar uma igualdade de direitos efetiva na nossa sociedade.
Pedindo desculpa por ter de me retirar mais cedo, eu gostaria de chamar o meu Presidente substituto na Fundação Cultural Palmares, Marco Antônio Evangelista, para que ocupe, aqui na mesa principal, o espaço reservado à Fundação Cultural Palmares.
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Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Está feito o convite já para o presidente substituto.
Esse foi o Presidente da Fundação Cultural Palmares, o Sr. Vanderlei Lourenço.
De imediato, convidamos o Sr. Defensor Público Federal de Canoas - é a minha cidade; deve ser uma questão meio bairrista aqui. Dizem que todo gaúcho é bairrista, mas não é verdade.
Por favor, Sr. César Oliveira Gomes, Defensor Público Federal.
O SR. CÉSAR OLIVEIRA GOMES (Para discursar.) - Exmo. Presidente, requerente desta sessão de comemoração, Sr. Senador Paulo Paim; Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sra. Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira; Presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Vanderlei Lourenço, que está nos deixando agora; Coordenadora da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) de Relações Raciais e Subjetividades da Região Centro-Oeste, Sra. Márcia Maria da Silva; Diretor-Executivo da ONG Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), Reverendo Sr. Frei David dos Santos, que já nos deixou; Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF, Sra. Denise da Costa Eleutério, boa tarde.
No dia 13 de novembro de 2019 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou dados da pesquisa "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil", dando conta de que, no mercado de trabalho, 68,6% dos cargos gerenciais eram ocupados por pessoas brancas, enquanto apenas 29,9% eram ocupados por pessoas pretas ou pardas.
No que se refere à população subutilizada no mercado de trabalho - ouça-se subocupadas por insuficiência de horas, desocupadas ou com força de trabalho em potencial -, em que pese as pessoas pretas ou pardas representem 54,9% da força de trabalho, elas formavam dois terços dos subutilizados na força de trabalho em 2018, o equivalente a 66,1%.
Em relação à taxa de homicídio, entre as pessoas brancas ela foi de 16 para cada 100 mil habitantes, enquanto entre as pretas chegou-se a 43,4 para cada 100 mil habitantes - o ano de referência foi 2017.
Por fim, quanto à representação política, dos Deputados Federais eleitos no ano de 2018, tem-se o percentual de 24,4% de pretos ou pardos e 75,6% de brancos e outros.
Haverá quem diga que se trata de um problema socioeconômico, da questão da pobreza. E esse argumento, inclusive, foi enfrentado por ocasião da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, em que se colocou que a questão do negro no Brasil era mais uma questão relacionada à pobreza, uma questão socioeconômica.
Pois bem. Neste ponto, concordamos com Stuart Hall, quando refere que "raça é a modalidade na qual a classe é vivida", porque sempre é preciso perguntar antes por que a pobreza assola a maioria da população negra no nosso País. Essa questão sempre precisa ter um recorte racial nas suas investigações.
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O que se trata aqui, e isso também é um ponto importante de referir, sempre traz a questão de que no Brasil nós não tivemos um racismo porque não houve nenhuma segregação legal, sempre em comparação com os Estados Unidos da América ou até com a própria África do Sul. Só que o racismo no Brasil - para usar o termo da Prof. Lélia Gonzalez: racismo disfarçado - ocorre de uma forma que você não precise perquirir acerca da intencionalidade do ato de discriminar. Ele cresce a partir da construção de estereótipos negativos, de discursos de desumanização que penetram no seio das relações sociais das instituições públicas e privadas, formando mecanismos permanentes de discriminação, de subordinação e de segregação.
Então, o fato de não termos tido uma segregação legal - e esse tema também foi debatido na ADPF 186 - não significa que nós não tenhamos a questão racial ou não tenhamos a necessidade de dar um caráter racial a esses debates acerca da desigualdade social e econômica.
Nós estamos diante - e essa é a proposta da Defensoria Pública da União para este encontro e para os trabalhos que virão a seguir - do que se tem por racismo institucional. Nós trabalhamos bastante com a discussão acerca do racismo aberto, acerca do racismo individual, da intencionalidade do ato de discriminar, mas a Defensoria Pública da União tem entendido hoje que é preciso avançar em conceitos de racismos que por vezes penetram no seio das relações sociais, mas não estão muito bem configuradas ou não estão muito bem visíveis para que possam ser combatidos.
O conceito de racismo institucional tem origem a partir de um livro chamado Black Power, dos ativistas do Movimento Panteras Negras, lá no final dos anos 60, Stokely Carmichael e Charles Hamilton. Para ambos, o racismo institucional trata-se da falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas, em razão de sua cor, cultura ou origem étnica.
Essa realidade é muito enfrentada pela Defensoria Pública da União no cotidiano de suas atribuições. Dificuldades no âmbito das políticas públicas da saúde, da educação, das questões habitacionais: moradia; das questões voltadas ao sistema carcerário. Essa é a realidade que é trazida aos olhos dos Defensores, dos meus colegas por todo o Brasil. Todos os dias, bate à porta das unidades da Defensoria Pública da União essa realidade, majoritariamente prejudicando e invisibilizando a população negra no nosso País.
Anoto que - e isso também é importante de lembrar - o Brasil já foi condenado no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso Simone André Diniz, pela prática, pela falência em conseguir investigar e punir atos de discriminação racial. À época, no relatório da Comissão Interamericana, a Cidh reconheceu que o racismo institucional é um obstáculo à aplicabilidade da lei antirracismo no Brasil. O tratamento desigual conferido aos crimes raciais no País reflete na maneira como parte do sistema de justiça trata as denúncias de ocorrência de discriminação racial, mediante argumentos no sentido da ausência de tipificação do crime e dificuldades em provar a intenção discriminatória.
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Enfim, a Defensoria Pública da União tem se preocupado com essas questões. É tempo de dificuldade, é tempo de luta, mas é tempo também de construir e de sonhar.
De acordo com a sua missão constitucional de promoção dos direitos humanos, a Defensoria Pública da União se coloca à disposição da sociedade, dos movimentos sociais desta Casa, das demais instituições do sistema de Justiça, para dialogar, fazer um diálogo um pouco mais profundo sobre essas interfaces do racismo: o racismo institucional, o racismo ambiental, o racismo estrutural. Esses racismos nem sempre estão visíveis.
Para tanto, há um grupo de trabalho específico na instituição para isso, o Grupo de Trabalho de Políticas Étnico-Raciais, que, no início do ano, lançou a campanha institucional, com vídeos explicativos, "Interfaces do Racismo". Os vídeos podem ser consultados, acessados e vistos no site da instituição.
A Defensoria Pública da União está atenta às questões voltadas aos estádios de futebol e anuncia que já está fazendo termos de cooperação com alguns clubes no Brasil, que vão ganhar notícia institucional com mais força, nos próximos dias, visando...
(Soa a campainha.)
O SR. CÉSAR OLIVEIRA GOMES - ... posturas, visando a corrigir algumas institucionalidades no seio dessas instituições, para combater o racismo institucional, o racismo que parte do seio do funcionamento de mecanismos dessas instituições.
Por fim, a Defensoria Pública da União viu com muita felicidade - e vai acompanhar - a proposição do PL 5.885, de 2019, há duas semanas, no âmbito da Câmara dos Deputados, que visa a estabelecer medidas para enfrentar o racismo institucional no âmbito da Administração Pública.
A DPU deixa aqui, Senador, um pedido para que, de acordo com a agenda, se possa promover uma audiência pública, convidando vários atores institucionais da sociedade civil, movimentos, para ampliar esse debate e dar esse tratamento, um tratamento diferente, um pouco mais profundo, a essa questão do racismo no seio das instituições, das nossas relações sociais.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Meus cumprimentos ao Defensor Público Federal do Rio Grande do Sul - ele é de Canoas -, Sr. César Oliveira Gomes.
Eu tenho uma relação muito boa com todos os defensores e defensoras do Brasil, porque é inegável: eles estão sempre na linha de frente para defender o setor mais vulnerável, e aí estão os negros e negras.
Já realizamos aqui uma, duas, três... Todo ano há uma sessão de homenagem aos defensores, e tenho, eu diria, pressionado muito o Executivo, para melhorar a estrutura da Defensoria, no sentido de que tenhamos mais defensores públicos em todo o Brasil e também com estrutura.
E, quanto à audiência pública, tranquilamente vamos marcar a data mais adequada, conforme o interesse de V. Sa.
Eu passo a palavra agora à Coordenadora da Articulação Nacional de Psicólogos e Psicólogas, Negros e Negras, Pesquisadores e Pesquisadoras de Relações Raciais e Subjetividades da Região Centro-Oeste, Sra. Márcia Maria da Silva.
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A SRA. MÁRCIA MARIA DA SILVA (Para discursar.) - Boa tarde a todas e todos.
Eu vou cumprimentar a Mesa na pessoa do Senador Paulo Paim, a quem eu admiro muito. Eu já falei na outra sessão, que acompanho bastante o seu trabalho...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E foi brilhante lá.
A SRA. MÁRCIA MARIA DA SILVA - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Emocionou todos com conteúdo e sentimentos.
A SRA. MÁRCIA MARIA DA SILVA - É difícil para a gente ocupar essa tribuna. É a primeira vez que participo de uma solenidade como esta. Então, peço desculpas se eu não for tão brilhante quanto fui da outra vez.
Eu faço parte da Articulação Nacional de Psicólogos Negros. A gente já teve dois eventos nacionais. O primeiro evento foi na USP de São Paulo em que a gente pôde contar com 200 psicólogos - alguns psicólogos da América Latina -, que se reuniram na USP para debater assuntos afetos à população negra. A gente teve outro evento em Recife em 2014, que não foi tão representativo quanto o primeiro. E a gente agora está na luta para a construção de um terceiro evento aqui em Brasília em 2020.
O Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravidão em 1888. Os negros foram expulsos das fazendas, e não foi realizado nenhum trabalho de inclusão, compensação e/ou projeto de integração à sociedade ou ao mercado de trabalho.
Por um lado, o trabalho formal integrou os imigrantes europeus e, por outro, fechou as portas para a população negra .
Com o incentivo aos imigrantes europeus, efetivou-se a ideologia racista com base na crença na superioridade branca e na inferioridade das populações negras e indígenas. As exclusões geradas pela escravidão criaram uma ampla base de sustentação social, política, ideológica, religiosa e econômica, que foram transmitidas de geração a geração e realimentadas pela ação dos preconceitos e discriminações ao longo do tempo.
Nesse sentido, uma pesquisa do Instituto Ethos, ao avaliar os dados do perfil social e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil, ratifica que a população negra soma apenas 4,7% no quadro executivo das empresas de maior destaque nacional, sendo que as mulheres negras correspondem a 0,3%, ou seja, duas diretoras em 548 diretorias mapeadas.
Nessa mesma perspectiva, a bancada federal eleita para mandatos no período de 2019 a 2022 é composta por 71% de homens brancos. Registra-se ainda que não foi eleito nenhum Governador de Estado negro, assim como há a ausência de Ministro de Estado negro e Ministro do Supremo Federal negro.
No entanto, o Brasil simplesmente naturalizou o abismo que separa brancos de não brancos, mas esse olhar é apenas da população negra que olha e não se vê.
Esse é o resultado de um Estado que criou mecanismos eficientes para a manutenção de privilégios e exclusão das minorias, pois são estes poderes constituídos - Executivo, Legislativo e Judiciário - compostos quase que exclusivamente por homens brancos, que se reelegem sucessivamente, que emitem as regras e definem, em última instância, quem deve nascer, viver e morrer.
O Atlas da Violência de 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, registrou, em 2017, 65 mil homicídios, sendo que 75,5% das vítimas eram pessoas negras.
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Cabe mencionar que, a cada 23 minutos, morre um jovem negro no Brasil. Acrescente-se a isso que as mulheres negras são as mais vitimadas pela violência doméstica, pela obstetrícia e pela mortalidade materna. O genocídio de jovens negros mostra a eficiência do Estado em relação aos corpos negros. A violência tornou-se um espetáculo midiático e assistimos, com frequência, corpos negros chacinados, arrastados por carros policiais, queimados, aniquilados, atingidos por balas perdidas, transportados como lixos em carrinhos de mão ou abandonados em terrenos baldios.
Essa fragilidade da população negra é o somatório do racismo à brasileira. Ele se manifesta na ausência de pessoas negras em espaços de liderança e poder. Ele se manifesta na ausência de pessoas negras em profissões de prestígio. Ele se manifesta nos olhares inquisidores de corpos negros em espaços eleitos como sendo da branquitude. Ele se manifesta por meio da violência diária que produz e torna cada vez mais agudas as desigualdades sociais. Ele esteve presente ontem no período da escravidão, quando os corpos negros eram coisas a serem comercializadas. E ele está presente agora nas violências físicas e simbólicas que marcam indelevelmente os corpos negros.
Segundo o Psicólogo Lucas Veiga, esse sofrimento psíquico da população negra não é da ordem da intimidade; ele é político. O País adotou a supremacia branca, formada pelo imaginário eurocêntrico colonizador, que transforma a população negra no outro, no estereótipo, no subalterno, naquele que não é capaz de produzir conhecimentos, de trabalhar em posição de igualdade, de elevar o País a outro patamar. Como bem disse Fanon: "Apesar de tudo, recuso com todas as minhas forças esta amputação. Sinto-me uma alma tão vasta quanto o mundo". E prossegue: "Eu sou dádiva, mas me recomendam a humildade dos enfermos".
As organizações públicas e privadas rejeitam a diversidade racial, étnica, de gênero, de orientação sexual, entre outras. E a ausência da pluralidade nesses lugares impossibilita a reflexão e a criatividade. Ouso ainda afirmar que o Brasil jamais será grande sem acolher a diversidade que o compõem, porque, nesse jogo antidemocrático, todos perdem, absolutamente todos perdem! Os impasses raciais penetraram profundamente na psique de brancos e não brancos, na população negra, na forma de branqueamento estético biológico e social, com um modelo de beleza, comportamento moral, mentalidade, etiqueta assimilados por meio de um modelo branco europeu, e, no branco, o medo do outro e o desejo de eliminação física e simbólica desse outro.
O impacto do racismo nas subjetividades negras vem sendo apreciado por vários pesquisadores ao longo dos anos, entre eles Frantz Fanon, Psiquiatra francês que escreveu, em 1940, Pele Negra, Máscaras Brancas. Atualmente essa obra é referência em estudos de saúde mental da população negra. Virgínia Leone Bicudo, Psicanalista que redigiu a primeira tese sobre relações raciais no Brasil, em 1930, que apresentou como resultado que, mesmo quando diminuem as diferenças sociais, o preconceito de cor permanece. Neusa Santos Souza, psicanalista, autora do livro Tornar-se Negro, em 1980; Isildinha Baptista Nogueira, psicanalista, que escreveu a tese Significações do Corpo Negro; e Wades Nobles, psicólogo negro americano que instituiu a psicologia preta - teorias e práticas em psicologia clínica fundamentadas nas subjetividades negras e a ancestralidade africana.
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Segundo Souza, por exemplo, em uma sociedade racista uma pessoa negra poderá ser conduzida a rejeitar a si mesma em função das experiências de discriminação que vivencia. Assim, a identidade negra é uma construção e muitas vezes, o caminho dessa transformação e tomada de consciência é longo e doloroso. Nessa mesma perspectiva Nobles afirma que simplesmente não conhecer, não admitir ou negar ser africano limita nossa capacidade de curar a nós mesmos e de compreender nossa conexão humana, assim como limita nossa capacidade de cuidar uns dos outros e de curar uns aos outros. Por isso, apresenta para o psicólogo negro com o paciente negro a pulsão palmarina, em referência ao Zumbi dos Palmares, que representa o desejo de ser africano e livre.
Por isso, convida a população negra para o exercício de pensar, criar, agir, participar e transformar a sociedade e, assim, recusar os conhecimentos culturais, intelectuais e políticos que tentam nos aprisionar em um não lugar, em um não ser, em um não pertencimento, promovendo assim a descolonização do pensamento e do inconsciente.
Recontar a história do Brasil de um ponto de vista não racista é um trabalho para várias gerações e exige letramento racial. Nesse sentido, profissionais diversos como sociólogos, psicólogos e educadores, pessoas negras e brancas comprometidas com um projeto de sociedade plenamente democrática, em que os indivíduos possam ter acesso a direitos iguais já iniciaram suas reflexões sobre novas formas de vida, de produção acadêmica e prática profissional.
São exemplos dessas iniciativas: os cursos de introdução a Psicologia preta ministrados pelo Lucas Veiga, a Roda de Conversa de Homens Negros realizadas em Brasília e coordenadas por Vinicius Dias; as discussões sobre branquitude realizadas pela psicóloga Lia Vainer; os escritores negros que têm trabalhado para romper a manutenção do racismo na literatura brasileira como Conceição Evaristo e outros.
(Soa a campainha.)
A SRA. MÁRCIA MARIA DA SILVA - Estou terminando.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai tranquila, tranquila, como foi na CDH.
A SRA. MÁRCIA MARIA DA SILVA - O atendimento prioritário a pessoas negras pelo Instituto Amma Psique e Negritude, em São Paulo; a Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) das Relações Raciais e Subjetividades, que sob a coordenação da psicóloga e psicanalista Maria Lúcia da Silva vem fomentando em todo país a produção de conhecimentos e a ação política sobre o impacto do racismo na construção das subjetividades e nas relações raciais.
Os dias atuais são desafiadores. Nesse aspecto, as decisões a serem tomadas por cada um poderão determinar o caos ou a paz e a prosperidade. Que possamos ficar com a segunda opção!
Obrigada! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem!
Meus cumprimentos à coordenadora da articulação nacional de psicólogos que trata desse tema, nossa querida Márcia Maria da Silva, que foi brilhante como foi na Comissão.
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Para concluir essa Mesa, vamos passar agora a palavra à Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF, Sra. Denise da Costa Eleutério.
Eu só queria, enquanto V. Sa. vai à tribuna, registrar a presença do Embaixador da República Árabe da Síria, Sr. Mohamad Khafif. Acertei essa pronúncia? (Pausa.)
O.k. Está lá atrás.
Registramos também a presença do Embaixador da República do Zimbábue, Sr. Gumisai Gideon Gapare. (Palmas.)
Bem-vindos! Palmas a ambos.
Ao Coordenador Geral de Estratégia da Fundação Cultural Palmares, cujo Presidente usou da palavra, Sr. Rogério Cóser, e também ao Vice-Presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Marco Antônio Evangelista, meus cumprimentos a ambos. (Palmas.)
Por favor, Sra. Denise da Costa Eleutério, Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF.
A SRA. DENISE DA COSTA ELEUTÉRIO (Para discursar.) - Boa tarde, senhoras e senhores! Quero cumprimentar a Mesa, já agradecendo ao Exmo. Sr. Senador Paulo Paim, cumprimentar a Presidente da Comissão de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Sra. Silvia; o Defensor Público Federal de Canoas, Sr. César Oliveira Gomes; o Vice-Presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Marco Antônio; a Coordenadora de Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es), Sra. Márcia.
Eu sou Denise da Costa Eleutério, sou a Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF - a Presidente é a Dra. Josefina Serra - e estou muito feliz de estar aqui hoje, principalmente falando em nome da OAB/DF. Nessa situação, já gostaria de deixar a comissão à disposição. Nós temos mais de 30 membros, e os membros que nós temos lá não são só advogados, nós temos psicólogas também, porque nós entendemos a necessidade de haver outros ramos juntamente com a gente.
Sou mulher negra, filha, professora, advogada e esposa. Quando falo de mulher negra trago comigo toda a ancestralidade de pessoas que me antecederam e sofreram por serem escravizadas, desumanizadas e violentadas de diferentes formas e as mais cruéis possíveis. Porque a nossa cor fala, o nosso cabelo fala, e as nossas características falam.
Por estar aqui hoje fazendo parte desta Mesa preciso ser grata, e muito grata, às pessoas que lutaram fervorosamente para o reconhecimento do povo negro.
Falo aqui de Zumbi dos Palmares, Dandara, Esperança Garcia, Abdias do Nascimento, Luís Gama, Angela Davis, Carolina de Jesus e muitas outras.
Essas pessoas fazem parte da nossa história e deveriam ser estudadas por nossos alunos.
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A questão do racismo no nosso País tem uma peculiaridade muita específica. Os vestígios deixados pela escravidão estão espalhados por todos os setores, como já foi dito por vários de vocês. É de suma importância que a história e a realidade da formação do povo brasileiro seja contada através do nosso olhar em resgate histórico a fim de produzir conhecimentos, atitudes e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade ético-racial.
Tivemos o dia 20 de novembro. Esse é um dia de luta e de reflexão, uma reflexão que deveria ser feita durante o ano inteiro, e não só em um dia, lembrando que o respeito e o direito são extremamente necessários dentro de uma sociedade plural como a nossa. Cito aqui uma frase de Nelson Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar".
Acredito na educação como um meio de transformação, de mudança de comportamento. Falo isso porque fui professora de escola pública durante 30 anos. Eu acredito na educação.
Nós temos uma legislação vasta, mas, por incrível que pareça, ainda há pessoas que são discriminadas, sofrem preconceito racial, e não percebem. Ontem mesmo eu recebi pelo WhatsApp uma denúncia. A pessoa me falou... Não tem prova nenhuma, mas veio procurar a gente. Por isso nós, como advogados... Muitas pessoas falam para mim: "Você é uma referência, porque é uma negra, uma mulher negra. Você tem que ir à periferia falar com os nossos alunos para que eles possam reconhecer que o lugar deles é qualquer lugar que eles queiram, que desejem". (Palmas.)
Então, é uma responsabilidade nossa, como advogados, também levar essa legislação para essa comunidade que muitas vezes não sabe, não tem coragem de denunciar.
O racismo é estrutural, é institucional. Encontra-se presente em todas as relações sociais, produzindo a desigualdade naturalizada pelas ausências nos espaços. Muitas vezes eu fui a única em vários espaços: fui a única numa sala de uma faculdade, fui a única em algum restaurante. Isso tornou-se natural. E aí torna-se natural o racismo também.
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Os últimos dados, como já foi falado muito bem pelos senhores, revelam a desigualdade entre negros e brancos, nas questões da violência doméstica, da taxa de desemprego, dos homicídios, dos feminicídios, da evasão escolar, da remuneração salarial.
Vimos que a população negra corresponde a mais de 54% dos brasileiros, e a luta contra a desigualdade está longe de terminar.
Da discriminação, seja ela qual for, só sabe quem a sente na pele, e, no caso de nós negros, é na pele mesmo! Observamos que, no Brasil, a discriminação não é só pela raça, a discriminação é pela cor da pele, mais clara ou mais escura, pela classe social, pelo gênero e pelos ideais.
Termino aqui, dizendo que a Comissão da Igualdade Racial da OAB/DF vem pautando o seu trabalho justamente no esclarecimento da comunidade e dos alunos de periferia sobre as questões raciais. Nós nos colocamos já à disposição para atender e orientar quem precisar.
Nós nos colocamos à disposição também da OAB Nacional para fazermos juntos o trabalho e um Brasil melhor.
Vou terminar, lendo aqui uma poesia feita pela nossa escritora Neusa Maria, que está aqui na plateia. Ela é escritora, é psicóloga e faz parte, como membro consultora, da nossa...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Onde está a Neusa Maria?
A SRA. DENISE DA COSTA ELEUTÉRIO - Está aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode levantar para ser reconhecida, antes de ela ler a poesia. (Palmas.)
A SRA. DENISE DA COSTA ELEUTÉRIO - Ela é da nossa comissão.
20 de novembro
Uma enorme mancha foi deixada
Que sofrimento a escravidão
Milhares de vidas ceifadas
Subjugo e humilhação
O crime que foi cometido
Por uma suposta hegemonia
Horrores de guerras!
Rotinas dos negros em seus dias!
Tratados como subumanos
Acorrentados em seus grilhões
Chicotadas nos troncos!
Torturados em suas prisões!
Será que fomos libertos?
O racismo ainda está aí!
Os brancos que nos escravizaram
Não mudaram nada por aqui!
Os danos psicológicos
São resquícios da servidão
Até mesmo o processo civilizatório
No Brasil tem limitação!
Não podemos aceitar o racismo!
A coerção gera apartação
Precisamos condenar
Para não naturalizar!
Queremos ouvir a sua voz
Cadê o lugar de fala?
Os negros são exterminados
E os brancos veem TV na sala!
Os anos que se passaram
Não apagaram a dor, a tristeza, a tortura
O sofrimento não acabou
Hoje é 20 de novembro, aniversário de Zumbi
O Dia da Consciência Negra se celebra por aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi a Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF, Sra. Denise da Costa Eleutério.
Eu vou convidar os senhores e as senhoras a que retornem ao Plenário, com uma salva de palmas do nosso Plenário. (Palmas.)
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E vou de imediato chamar a segunda Mesa.
Antes da segunda Mesa, vai usar a palavra... A relação da segunda Mesa a Assessoria já me entregou, mas ela foi alterada.
Eu convido para usar da palavra neste momento o nosso querido Senador Wellington Fagundes. (Pausa.)
Enquanto o Sr. Wellington Fagundes vai à tribuna, eu já chamo a segunda Mesa.
Secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Sr. Esequiel Roque do Espírito Santo. Seja bem-vindo! (Palmas.)
Subprocuradora-Geral do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, Sra. Edelamare Barbosa Melo. Por favor. (Palmas.)
Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Sorbonne, em Paris, e Consultor aposentado do Senado Federal, um dos que nos auxiliou muito na construção do Estatuto da Igualdade Racial e também no debate da política de cotas, Sr. Mário Lisboa Theodoro. Consultor do Senado. (Palmas.)
Professor de Filosofia e Bioética da UnB (Universidade de Brasília), Sr. Wanderson Flor Nascimento. (Palmas.)
Convidamos a Especialista em Políticas Culturais de Base Comunitária pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO-IberCultura Viva), Sra. Jackeline Silva. (Palmas.)
E por fim... Ele não queria nem falar. Eu o vi no Plenário e disse: "Mas de jeito nenhum!". Secretário de Justiça do Estado de São Paulo, no período de 2005 a 2006, advogado - claro, ele atua em todas as áreas, mas principalmente nas causas de combate ao racismo e preconceito - e professor, Sr. Hédio Silva. (Palmas.)
Como é que vem a Brasília e não vai falar em uma audiência que eu estou presidindo? De jeito nenhum!
Por favor, meu querido Wellington Fagundes, a palavra é sua, para as suas considerações iniciais.
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT. Para discursar.) - Meu companheiro, querido amigo e querido por toda esta Casa, por todo o Congresso Nacional, uma referência nacional, Senador Paulo Paim, proponente desta sessão, eu quero cumprimentá-lo e cumprimentar todos os membros das duas Mesas.
Quero cumprimentar a primeira Mesa na pessoa da Sra. Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira, Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da OAB.
Da mesma forma, cumprimento aqui o Secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Quero dizer que este ano eu sou Relator Setorial do Orçamento exatamente dessa área, com a Ministra Damares. Então, quero me colocar à disposição para que a gente possa fazer um trabalho conjunto.
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Ela, inclusive, já confirmou a presença lá na minha cidade natal, Rondonópolis, agora no próximo dia 12, já que Rondonópolis faz aniversário dia 10 de dezembro, e dia 12 ela estará lá com todos do Ministério e também implementando algumas políticas no sentido de diminuir as desigualdades sociais.
Sr. Presidente, quero aqui começar o meu pronunciamento dizendo que "Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele ou por sua origem ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar". Com essa célebre frase de Nelson Mandela, inicio o meu pronunciamento.
Nessa semana em que lembramos os anos de exploração e opressão da raça negra no Brasil, quero lembrar quantas lutas e avanços ainda temos a conquistar no sentido de tornar a sociedade mais igualitária num País marcado pela origem diversificada de sua população.
Esses avanços devem incluir ações governamentais que principalmente possam garantir direitos de parcelas excluídas; ações que possam garantir uma relação de paridade, equidade e justiça, onde as oportunidades sejam iguais para todos, promovendo a inclusão de grupos que, historicamente, não tiveram seus interesses representados no espaço do poder.
Mato Grosso, o meu Estado, o qual tenho a honra de representar, depois de seis mandatos consecutivos como Deputado Federal e agora como Senador da República, é um dos espaços mais negros do Brasil e tem sua história marcada pela luta e pela conquista de direitos tão fundamentais, como o reconhecimento e a titulação de áreas de quilombos.
Existem hoje pelo menos 128 quilombos no Estado. Alguns já com a devida certificação pela Fundação Palmares, mas o processo de titulação continua parado em outros órgãos do Governo Federal.
Quero dizer inclusive, Senador Paulo Paim, que estou relatando o PLN 40, que trata exatamente da repatriação dos recursos da Petrobras, e por decisão do Supremo Tribunal Federal, parte desses recursos, dois bilhões, um bilhão vai para a educação e esse outro um bilhão e duzentos, aproximadamente, irão para áreas da defesa e principalmente para a Amazônia, onde nós estamos enfocando a questão da regularização fundiária.
Creio que no meu Estado, o Estado de Mato Grosso, com a regularização fundiária nós podemos promover uma revolução econômica, mas também uma revolução social, exatamente porque todos esses quilombos lá estão há séculos dependendo de uma documentação, e o cidadão, após ter o seu documento, passa a ter autonomia, passa a ter acesso ao crédito, passa a ter oportunidade de gerar emprego e gerar renda.
Por isso, acredito que também com essa Relatoria estarei ajudando a promover mais igualdade social no meu Estado. (Palmas.)
Quero lembrar, apenas para exemplificar, que Vila Bela da Santíssima Trindade, que foi a primeira capital de Mato Grosso, é uma cidade - já disse aqui, juntamente com Paim - projetada em Portugal para ser a primeira capital fluvial do Brasil, na nossa costa fluvial. E essa cidade é uma das cidades marcadas pela existência de movimentos negros pela liberdade. Tanto é, que produziu para o Brasil uma das nossas heroínas, Teresa de Benguela, que liderou um desses quilombos e se tornou figura nacionalmente reconhecida, pela sua garra e pela sua coragem, pela força da mulher, pela resistência da mulher. Então, é um exemplo que Mato Grosso traz para o Brasil e para o mundo.
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E ela, com a sua força, representou ali também a resistência do negro, e, hoje, Vila Bela da Santíssima Trindade ainda é uma cidade que tem a maioria da sua população composta de negros, negros orgulhosos... A gente vai lá, à festa, todos os anos, e demonstram exatamente a alegria também, mas a alegria através da resistência, mostrando a sua cultura e a sua força.
E, assim como Teresa de Benguela, certamente temos outras lideranças que comandaram os quilombos.
Hoje, outros homens e mulheres continuam nessa luta pelo reconhecimento de seus direitos, como é o caso de Gonçalina de Almeida, professora lá no quilombo de Mata Cavalo, um dos quilombos mais conhecidos do nosso Estado, lá no Município de Nossa Senhora do Livramento, a 40km de Cuiabá, onde nasceu Roberto Campos, essa figura que também teve uma importância muito grande na economia nacional.
Esta semana, no Bloco Vanguarda, estava lá o Roberto Campos Neto, e nós relembrávamos de alguns atos, principalmente da vida de Roberto Campos, na campanha para Senador. Está lá, na sua comunidade, passando aos seus descendentes essa história de luta, que inclui a implementação da Lei 10.639, de 2003, que trata de incluir, na rede de ensino, o conhecimento sobre as relações étnico-raciais e história e cultura afro-brasileira.
E aqui eu faço questão de abrir um parêntese e fazer uma homenagem ao meu amigo de infância, o Dr. Prof. Walfredo Brito, e à família Conrado Sales Brito, que abrigou a minha mãe. Quando saiu da roça, estava numa situação praticamente para perder a vida. Ela, que saiu viajando num cavalo, já grávida, com gravidez bem avançada, e, após uma noite nessa viagem, chegou, no outro dia, a Rondonópolis, a minha cidade natal - que ainda não era uma cidade; era uma comunidade que estava começando a surgir -, e, lá, um vendedor - que a gente chamava de vendedor ambulante, o mascate, que era amigo... O mascate se tornava o amigo da família. E ele disse: "Olha...". O meu pai, que era o João Baiano, saiu da Bahia para Mato Grosso a pé. Então, ele disse: "Olha, essa menina não pode ficar. Ela vai morrer".
Quando chegou à cidade, após bater a barriga na cabeça do arreio, por toda essa viagem, a criança já estava morta. Teve que fazer o aborto, e foi exatamente o Conrado Sales Brito o primeiro doutor da cidade. Ele era um farmacêutico formado no Rio de Janeiro, ainda com os laboratórios, e manipulava os produtos ali...
Com isso, então, fixou a minha família na cidade de Rondonópolis, e, hoje, Rondonópolis é a primeira cidade do interior de Mato Grosso em renda, em desenvolvimento... Estamos criando agora a segunda universidade federal de Mato Grosso, exatamente na força, inclusive com o apoio do Prof. Walfredo Conrado Sales Brito, que é doutor e que, com certeza, também foi um grande companheiro, e a sua família toda, formados e, principalmente, forjados na educação e no trabalho.
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E aproveito esta ocasião especial para reafirmar o meu apoio e...
(Soa a campainha.)
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT) - ... compromisso firmado pela União dos Negros pela Igualdade, na minha cidade, a Unegro, entidade suprapartidária que existe há 30 anos e que, em Mato Grosso, é coordenada pela Luzia Aparecida do Nascimento, esposa do meu segundo suplente Senador. Ela tem se dedicado à luta contra o preconceito, contra a violência, e em favor da igualdade.
Em nome dos homens e das mulheres, quero dizer que não podemos nos calar. Devemos e vamos seguir enfrentando de forma determinada o abismo racial que teima em persistir diante da humanidade. A discussão em torno das questões como o racismo, a discriminação e a violência deve estar sempre presente até que conquistemos uma sociedade mais justa e igualitária.
Encerro o meu pronunciamento da mesma forma que comecei, com uma citação que fala muito ao meu coração e me encoraja na defesa dessa bandeira - e falo também como neto de uma negra índia com toda a sua história de resistência também. É uma frase do psiquiatra, professor e escritor brasileiro Augusto Cury, que diz:
Acima de sermos negros, brancos, árabes, judeus, americanos, somos uma única espécie. Quem almeja ver dias felizes precisa aprender a amar a sua espécie (...). Se você amar profundamente a espécie humana, estará contribuindo para provocar a maior revolução social da história.
Sr. Presidente, eu encerro, agradecendo a oportunidade de estar aqui e faço um convite a V. Exa. para que esteja no Mato Grosso. No Mato Grosso, hoje, nós passamos por um novo processo de desenvolvimento. Inicialmente foram para lá - exatamente essa história que contei aqui -, na fundação da nossa primeira capital, os negros; depois, os bandeirantes; e, depois, os sulistas e também os nordestinos. Hoje nós somos muito gratos não só aos sulistas, que para lá foram, mas aos sulistas como V. Exa., que aqui é para nós uma referência no Congresso Nacional.
Parabéns! Felicidades! Que Deus o continue iluminando para que tenha essa capacidade de agregação, sempre através do diálogo, buscando aqui a convergência nos assuntos mais importantes desta Casa.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senador Wellington Fagundes, cumprimento muito V. Exa. Foi um prazer ouvi-lo.
Todos sabem da minha posição. Eu só acredito que o Brasil será um país de primeiro mundo quando efetivamente brancos - permita que assim eu o localize agora pela figuração - e negros souberem caminhar juntos. Aí, sem nenhum tipo de preconceito, nós seremos um País de primeiro mundo. Até lá não o seremos. E aqui os painelistas estão demonstrando isso.
Meus cumprimentos a V. Exa. por ser o primeiro Senador a falar nesta sessão. (Palmas.)
De imediato, passo a palavra ao Secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Sr. Esequiel Roque do Espírito Santo.
Seja bem-vindo! A palavra é sua. (Palmas.)
O SR. ESEQUIEL ROQUE DO ESPÍRITO SANTO (Para discursar.) - Muito obrigado.
Primeiramente, eu quero cumprimentar a Mesa na pessoa do nosso Presidente e requerente da sessão de comemoração, o Sr. Senador Paulo Paim. Deixo já o abraço da nossa Ministra do Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos, Sra. Damares Alves, que tem uma grande admiração pela sua pessoa.
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E quero saudar, em comemoração a essa data tão importante, e lembrar o nome de duas pessoas que têm marcado a história da minha vida e que eu acho que devem ser lembradas... Eu prefiro lembrar dos vivos a lembrar dos mortos - e respeito muito os mortos -, mas quero lembrar agora da pessoa, a qual eu saúdo, o Sr. Hélio Fernando Barbosa Lopes, Deputado Federal, também conhecido como Hélio Bolsonaro, negro como eu. Eu quero saudar também a pessoa do Sr. Raul Botelho, que é Tenente-Brigadeiro do Ar, Chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas, que é negro também, como eu. E eu quero lembrar dessas pessoas, porque essas pessoas acreditaram que a história da vida deles poderia mudar, poderia ser diferente.
Nós estamos ouvindo, durante toda esta semana, muitas histórias, muitas falas, muitas palavras que nos deixam emocionados, nos deixam impactados, nos deixam tristes, mas eu penso que este dia, esta semana, que é uma semana em que celebramos a consciência negra, é uma semana em que devemos refletir e pensarmos um pouco mais sobre a nossa situação: quem somos nós, ou quem éramos nós; quem somos nós e quem seremos nós. Nós ouvimos palavras esta semana muito faladas, como luta, escravidão, sofrimento, dor, resistência e tantas outras palavras. Algumas delas não são muito agradáveis a nós, ao nosso psiquismo, não nos trazem muita motivação, muita satisfação, mas eu quero trazer a vocês palavras que são palavras que podem nos empoderar, palavras, como força, como liberdade, como esperança, como superação, que podem trazer a nós um sentimento mais nobre e de que nós podemos, nós podemos ir além.
Eu gosto muito da diferença entre as duas palavras que nós temos usado na nossa Secretaria de Igualdade Racial. A primeira palavra que era muito usada era resistência. E nós estamos fazendo uma migração da palavra resistência para a palavra resiliência. E eu trago essa palavra resiliência, como uma palavra forte para nós. A resiliência, diz o dicionário brasileiro, é a capacidade de o indivíduo lidar com os problemas, adaptar-se à mudança e superar obstáculos. Então, essa capacidade resiliência, essa capacidade de superar obstáculos é o nosso grande desafio, é o nosso grande desafio como população negra, afrodescendente na Nação.
Nós temos um desafio enorme, nós temos uma resistência muitas vezes por parte de muitas pessoas quem ainda lutam, ainda vivem com essa ideia do racismo nas suas cabeças e que praticam esse tipo de ato, e nós podemos mudar essa história. Nós população negra, nós população afrodescendente da Nação brasileira temos que assumir o nosso papel, temos que acreditar em nós mesmos, temos que lutar com todas as nossas forças, temos que nos unir para, juntos, podermos mudar essa história. E, nessa história, a mudança começa dentro de cada um de nós, a mudança começa quando nós reconhecemos quem nós somos e vamos lutar para quem um dia seremos. Nós vamos conquistar o nosso espaço, nós vamos conquistar aquilo que temos para conquistar se nós acreditarmos em nós mesmos.
Eu agradeço muito esta oportunidade e digo que esse Governo, o Governo do Presidente Jair Bolsonaro, tem lutado para que se cumpram o art. 2º e o art. 4º. Eu acho que esses dois artigos são os que mais me marcam no Estatuto da Igualdade Racial. E eu vi muitas vezes o nosso Presidente falar sobre isto: a garantia de igualdade de oportunidades.
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Se nós trabalharmos em cima desses dois artigos, garantindo à população negra do nosso País a igualdade dessa igualdade de oportunidade - art. 2º e art. 4º do Estatuto da Igualdade Racial -, nós estaremos mudando a história da nossa Nação brasileira. E este é o alvo deste Governo, este é o alvo da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial: trabalhar com essa ideia de dar oportunidade a toda a população brasileira e aqui, neste caso em especial, da população negra e dos povos e comunidades tradicionais da nossa Nação brasileira.
Eu termino esta fala agradecendo por esta oportunidade e dizendo que nós estamos, no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, abertos ao diálogo, abertos a receber cada um vocês, abertos a contribuir, para que juntos possamos construir uma política que faça uma diferença. E já estamos fazendo diferença, já estamos vendo muitas coisas boas acontecendo. A população negra está sendo beneficiada em muitas áreas, e muitas coisas ainda acontecerão para que possamos ver uma mudança realmente e uma igualdade de oportunidade acontecendo na nossa Nação.
Eu termino citando uma frase de Martin Luther King, que diz assim: "A escuridão não pode expulsar a escuridão; apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio; só o amor pode fazer isso".
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Sr. Esequiel Roque do Espírito Santo.
De imediato, Subprocuradora-Geral do Ministério Público do Trabalho, Sra. Edelamare Barbosa Melo. (Palmas.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO (Para discursar.) - Boa tarde a todos e a todas!
Eu, pela primeira vez na vida, vou fazer questão de ler, porque eu não quero que nesta minha apresentação aqui, neste momento, nesta data tão significativa, me escape nada que machuca meu coração, que machuca minha alma, que machuca a minha identidade, que machuca o meu pertencimento, que me causa indignação como ser humano. E, antes de fazer isso, digo aos senhores que é a primeira vez, porque eu quero que fique registrado.
Vai agradar a alguns, vai desagradar a muitos, e tudo já começa pelo título: "É fato! É trama!".
Antes de mais nada, eu quero pedir licença aos nossos ancestrais e orixás. Eu sou filha de santo de Xangô e Oyá, sou candomblecista com muita honra. Sou batizada também na Igreja Católica, mas encontrei o meu caminho dentro do candomblé.
Saúdo a Mesa na pessoa do Senador Paulo Paim, agradecendo o convite para compartilhar este momento com todos os que integram esta Mesa e com todos que estão aqui presentes, em especial o meu caro, dileto amigo e companheiro Prof. Hédio.
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O tema da minha intervenção é: "É fato! É trama!". Os senhores e as senhoras entenderão o porquê desse título a tempo e modo.
No dia 20 de novembro, em alguns Estados da Federação, foi celebrado o Dia da Consciência Negra, que, por óbvio, é destinado fundamentalmente aos não negros, porque, em relação a estes, há um déficit de consciência do que foi, e é, o processo de escravização no Brasil, mascarado sob a apologia de uma pseudodemocracia racial e religiosa.
Neste contexto em que os fatos desmentem o imaginário de alguns, o Ministério Público do Trabalho, em parceria com a Escola Superior do Ministério Público da União e com o apoio da Escola Nacional de Aperfeiçoamento da Magistratura Trabalhista, da OIT, do Unicef e do Coletivo de Entidades Negras, realizou o 1º Simpósio Internacional "Indígena, Negro/a, Quilombola, Religioso/a de Matriz Africana. Da Ancestralidade ao futuro", evento que teve por objetivo discutir um problema comum a todos esses coletivos: o preconceito, o racismo, a intolerância e a discriminação, que dispensam adjetivos porque simplesmente são. Racismo é racismo, preconceito é preconceito, discriminação é discriminação e intolerância é intolerância, e basta.
Este dia 20 de novembro é emblemático para a população negra - pretos e pardos. É um momento de afirmação - ou deveria ser - de sua identidade, de deixar às claras sua exigência de respeito pelo tudo que foram, são e serão para o Estado brasileiro.
Mas não é fácil celebrar esse dia, em relação ao qual não são poucas as resistências, fundamentalmente por questões religiosas, já que as religiões de matriz africana são o alvo primordial do fundamentalismo e sectarismo religioso que assola o País, onde, com a Bíblia em uma mão e com a arma na outra, pentecostais, neopentecostais, narcopentecostais e traficantes de Jesus investem contra essas comunidades tradicionais para lhes impedir de exercer sua liberdade de culto e de religião.
Mas não apenas os religiosos de matriz africana, também os indígenas estão sendo vítimas dessa saga fundamentalista e sectária que atenta contra suas vidas, tradição, cultura, religiosidade e saberes ancestrais.
Também aqui a Bíblia, armas de fogo e armas brancas, muitas vezes agregadas com práticas de tortura, são utilizadas para ameaçar e converter pela força aqueles que resistem a essas investidas, como ocorre com os povos guaranis-kaiowás, no Mato Grosso do Sul, para citar apenas um caso.
Centros de rituais indígenas estão sendo incendiados, como ocorreu antes do simpósio com os guaranis-kaiowás, e imediatamente após a sua realização, na Aldeia Barra Velha, considerada aldeia mãe do povo pataxó, em Coroa Vermelha, Porto Seguro, na Bahia. Circulam nas redes vídeos nos quais senhoras indígenas, em Mato Grosso do Sul, são acusadas de feitiçaria por grupo de "crentes" constituído por seus próprios parentes. E porque feiticeiras, com facões são coagidas a renegarem sua fé, sua religiosidade, sua cultura.
Assim, aldeias indígenas, quilombos e comunidades tradicionais de terreiro de norte a sul do País, estão sendo perseguidos por crentes terrivelmente cristãos, como são os narcopentecostais e os traficantes de Cristo, para abandonarem suas culturas, tradições, saberes e religiosidades ancestrais, cuja preservação está intrinsecamente vinculada à guarda e preservação de seus territórios de ocupação imemorial.
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A terra e seus corpos são seus territórios de identidade e de luta. A conversão destes povos os encapsula em igrejas, não em aldeias e, com isso, a questão territorial passa a um plano secundário, o que abre espaço para a especulação de capital por meio do agronegócio, da mineração, para citar apenas os exemplos mais emblemáticos.
Presenciamos todos nós que defendemos a pauta dos direitos humanos, de certa forma, estarrecidos, na véspera do dia no qual se celebra a consciência negra, episódio na Câmara dos Deputados que levantou o véu insano do racismo sob todas as suas formas, inclusive com afirmações racistas que vinculam a criminalidade à população negra, como autora. Trata-se, no caso, da destruição a pontapés, pelo Deputado Federal Coronel Tadeu, de obra de arte que retrata a realidade diuturna da infância e da juventude negra, as maiores vítimas de homicídios no Brasil, mas, também, do trabalho infantil, da moderna escravização, da exploração das piores formas de trabalho, do desemprego, do subemprego, e da discriminação no acesso e na permanência em um posto de trabalho, de modo que não é demais afirmar que, no Brasil, a cor da pele, a etnia, a religiosidade, determinam a possibilidade de se existir e de ser titular de direitos e garantias fundamentais para garantia de uma vida digna.
Por esta luta, Paulo Paulino Guajajara, o lobo guardião da floresta, perdeu sua vida em uma emboscada de madeireiros sem que, até o momento, tenha sido veiculada qualquer notícia sobre a apuração deste crime hediondo, porque o é!
Referidos fatos mostram a oportunidade do evento realizado pelo Ministério Público do Trabalho e desta sessão especial, o que demonstra que as instituições ministeriais e do Poder Legislativo estão em compasso com o tempo no qual delas se exige atuação proativa na defesa intransigente dos direitos humanos, do meio ambiente e no combate a todas as formas de corrupção e de vulneração de direitos.
Tempos difíceis e de muitos desafios porque, no sistema posto, o exercício das atribuições constitucionais do Ministério Público e da Magistratura, em regime de independência funcional e com imparcialidade, não atende aos fins ora postos no contexto da instrumentalização da democracia para a concretização de valores que ela não alberga: o racismo, o preconceito, a intolerância e a discriminação.
O simpósio, esta sessão especial e os fatos que lhes antecederam e sucederam evidenciam os riscos que podem afetar nossa incipiente República, o Estado democrático de direito e os direitos e garantias fundamentais de povos historicamente vulnerabilizados: a população indígena, negra, quilombola e religiosa de matriz africana, mas também os riscos para a laicidade do Estado, para a preservação dos direitos territoriais dos povos originários e comunidades tradicionais, bem assim para a efetividade dos acordos e convenções internacionais e da Constituição que os legitima e garante. É fato!
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - Nas redes circulam notícias; é fato. Na imprensa falada e escrita são noticiados fatos. É fato. Análises políticas e econômicas permeiam o noticiário nacional. É fato. Existem fatos que são invisibilizados, mas precisam ser analisados de forma sistêmica, coordenada, articulada porque, a um só tempo, são causas e efeitos que refletem o Brasil real, e não o País das maravilhas de Alice, ou um admirável mundo novo de igualdade e equidade, de uma democracia étnico-racial e religiosa, o que não somos em absoluto.
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Vejamos os fatos recentemente noticiados e outros que não foram noticiados, mas que são causas dos primeiros: "Os chineses serão os principais parceiros comerciais do Brasil, tendo adquirido a maior parte das concessões para a exploração de petróleo"; "O porte de armas foi liberado em toda a extensão das propriedades rurais"; "O Brasil é judaico-cristão"; "Será escolhido para Ministro do Supremo alguém que seja terrivelmente cristão"; "O Ministro da Economia diz que pretende aumentar a área de livre comércio com a China sob o argumento da necessidade de integração do País às cadeias globais. 'Tem-se pressa porque se perdeu muito tempo. Esse seria o caminho para sair da pobreza, como ocorreu, por exemplo, na Finlândia', afirma ele".
Fala-se em aumentar as trocas tecnológicas. Nada contra! Mas aqui, deste lado do Atlântico, retira-se, gradualmente e de forma ostensiva, investimentos nas áreas de educação, ciência e tecnologia. Quimeras...
A imprensa noticia - e muitos celebram - o aumento do número de pretos e pardos nas universidades. Segundo dados do IBGE, 50,3% dos alunos da rede pública do ensino superior são pretos e pardos. Maravilha! Não obstante, segundo o IBGE, essa população está sub-representada, considerando que essas pessoas representam 55,8% da população brasileira. Dos 2,6 milhões de estudantes do ensino fundamental e do nível médio que reprovaram no ano de 2018, 48,41% são pretos e pardos, dado corroborado pelo Unicef, que, segundo seus estudos, afirma que o número de reprovados nesse grupo é o dobro de brancos, somando, em 2018, 1,2 milhão de alunos reprovados. Os fatores que podem levar à reprovação são raça, cor, gênero, idade, pessoa com deficiência e - pasmem! - local da escola. Também o abandono escolar aflige fundamentalmente jovens pretos e pardos na Região Norte do País.
Os indicadores comprovam também que os negros se encontram em situação de desvantagem em condições de moradia, em escolaridade e em acesso a bens e serviços e que estão mais sujeitos à violência. O Brasil possui cerca de 59,7 milhões de crianças e adolescentes. Aproximadamente metade desses é afrodescendente. Além disso, dos 821 mil indígenas que vivem no País, pelo menos um terço são crianças ou adolescentes.
As crianças e adolescentes que são submetidas a situações de violência frequentemente, estão sujeitas a uma série de outras violações de direito, uma vez que se encontram em um contexto de extrema vulnerabilidade e risco.
Dados do Atlas da Violência registram mais de 65 mil homicídios em 2017. O perfil das vítimas é o de homem jovem, solteiro, negro, com até 7 anos de estudo. Esse é o perfil dos jovens com maior probabilidade de morte violenta intencional no Brasil. Os homicídios respondem por 59,1% dos óbitos de homens entre 15 e 19 anos.
Os dados do Atlas da Violência também trazem evidências de outra tendência preocupante: o aumento, nos últimos anos, da violência letal contra os grupos vulnerabilizados. A desigualdade de raça/cor nas mortes violentas acentuou-se no Brasil. A taxa de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1%, e a de não negros, apenas 3,3%.
Houve aumento dos casos de violência. Esses dados foram todos postos aqui pelos diversos estudos.
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Estes são fatos que a imprensa e as redes noticiam e que nada dizem para uma pequena e numericamente insignificante parcela da sociedade, que se encontra deitada em berço esplêndido ao som do mar e à luz do céu profundo de uma suposta nação que pretende fulgurar como florão da América e iluminar o sol de um novo mundo dentro do qual não cabem...
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - ... os grupos vulnerabilizados: indígenas, pretos, pardos, quilombolas, religiosos de matriz africana, LGBT, ciganos, mulheres, idosos, pessoas com deficiência. Para estes, a possibilidade de existir é posta em tela de juízo, como é questionado o seu direito à liberdade, notadamente quando se trata do direito ao território para preservação de suas culturas, tradições, religiosidade e saberes ancestrais.
Portanto, não causa estranheza o retrato deste "novo" país inaugurado há pouco mais de dois anos, cujos levantamentos realizados pelo IBGE reforçam a histórica desigualdade de oportunidades e de condições de vida da população de acordo com a raça, a etnia ou a cor da pele.
Ocorre que 56% da população e 55% da força de trabalho no Brasil é preta e parda, mas 60% são desocupados, subutilizados, desalentados. No Brasil, a questão salarial... Tudo isso já foi colocado, ou seja, o quadro de vulnerabilidade em que está situada a população negra no Brasil é público e notório; todos aqui tiveram acesso.
Assim, a maioria da população brasileira - porque os negros e pardos são a maioria - não tem acesso a condições de vida digna porque não tem acesso a bens e serviços públicos de qualidade, o que repercute no mundo do trabalho e explica as distorções noticiadas. Se somarmos a esse quadro a situação das minorias étnicas, representada pela população indígena, a situação ganha contornos do inferno de Dante. Somos um País de excluídos, eis a verdade nua e crua.
Novidade nenhuma há em relação aos fatos que permeiam as redes e as notícias que ocupam lugar na imprensa falada e escrita nacional, inclusive quanto ao debilitamento do controle da corrupção protagonizado por decisão do atual Presidente do STF, pela recém aprovada Lei de Abuso de Autoridade, em que se propõe migrar a tarja dos olhos da Justiça para a mordaça em sua boca, ou pela Medida Provisória 905, que institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e altera a legislação trabalhista, para precarizar as relações de trabalho de primeiro emprego para pessoas entre 18 e 29 anos de idade, com meio salário mínimo para qualquer atividade da empresa, transitória. Quem é o público alvo? Pretos e pardos, marginalizados das favelas.
Considerando que a maioria dos desempregados ou desalentados são trabalhadores pretos e pardos, a precarização tem endereço certo e em nada contribui para a diminuição das desigualdades sociais que afligem este segmento populacional. Ao revés, agrava, na medida em que desonera as empresas de obrigações que lhes permite o cumprimento da sua função social, tal e como exigida pela Constituição da nossa incipiente República.
Este é apenas um parêntese, porque a referida medida provisória, ao arrepio das exigências constitucionais para sua expedição, evidencia em suas entrelinhas o propósito de inviabilizar o exercício da independência funcional do Ministério Público do Trabalho para prevenir...
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - ... e fazer cessar lesão - já estou concluindo - ou ameaça de lesão à ordem jurídica, ao regime democrático, aos interesses sociais e individuais indisponíveis, à dignidade da pessoa humana, à valorização social do trabalho e à justiça social.
Em síntese: mordaça ao Ministério Público, como agente promotor dos princípios republicanos e democráticos postos em cheque por ação de tantos quantos pretendem fazer da coisa pública bem de gestão privada a serviço de interesses que não aqueles entregues à sua tutela por imperativo constitucional.
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A referida medida provisória, a exemplo da Lei de Abuso de Autoridade e das reformas trabalhistas pretendem, em verdade, criar ambiente propicio para integrar o País nas cadeias globais produtivas, ao custo do sacrifício de direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores e da proteção ao meio ambiente, esta desembocando nos direitos de territorialidade dos povos originários e comunidades tradicionais, que, a teor da Convenção 169 da OIT, para serem utilizadas para a execução de grandes obras, exigem consulta prévia, o que, obviamente, o Estado brasileiro não pretende observar, por entender que este seria um obstáculo para a atração de capital estrangeiro.
Tudo se encaixa se visto desde fora. Liberação de porte de armas em toda extensão das propriedades rurais, que tem se constituído em um cheque em branco para a matança da população indígena, para liberação de seus territórios para exploração comercial. Aldeias incendiadas com pessoas dentro de seus habitat, prática de tortura, como aconteceu nesses últimos dias com os Kaioás Guarani, em Dourados. Assassinatos, como foi o caso recente de Paulo Paulino Guajajara, morto covardemente em emboscada. E o toque de requinte: territórios quilombolas, como o dos Kalunga, em Cavalcante, deve estar livre para implantação de grandes obras. Obstáculo para concretização da ação: Convenção 169. Implantação da base de Alcântara. Obstáculo: Convenção 169. Utilização das terras indígenas para agronegócio e mineração.
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - Obstáculo: Convenção 169. Caminho a ser adotado para retirar o obstáculo: denunciar a convenção 169 sob o argumento de soberania, deslocando a questão para o gabinete de segurança institucional da Presidência da República.
Detalhe: Consequência da implantação de grandes obras nestes territórios: violência gerada pelo desmensurado crescimento da população, em razão da exploração das piores formas de trabalho, como é o tráfico. Recente matéria na imprensa mostrou o que está acontecendo lá em Altamira. É o que se quer levar.
Abertura de mercado a parceiros comerciais do Brics, que, salvo engano, à exceção do Brasil, não são signatários dos acordos e convenções internacionais que visam a garantia do trabalho decente. Então, para haver nivelamento por baixo - menos direitos e mais trabalho, ainda que precário, conforme discurso presidencial -, impõe-se a remoção de obstáculo: as Convenções da OIT relativas ao trabalho decente subscritas e ratificadas pelo Brasil e supressão da legislação nacional...
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - ... protetiva dos direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores.
Caminho a ser seguido mais uma vez: alegação de invasão de soberania para subsidiar a não aplicação das normas internacionais, e reforma trabalhista que precariza as relações de trabalho, aumenta o número de desalentados, de subempregados, de desempregados, e de trabalhadores informais, mas comemora-se um imaginário êxito da reforma, agora aparelhada com uma reforma previdenciária que não dá horizonte para o trabalhador, que, também, agora, se beneficiário de seguro-desemprego, será credor do estado de contribuição previdenciária.
Ainda, como o Brasil não é um Estado laico, mas um Estado judaico-cristão presidido por uma pessoa terrivelmente cristã, abriram-se as portas do País para o fundamentalismo e sectarismo religioso, inclusive no mundo do crime. Isso porque hoje temos os narcopentecostais, os traficantes de Cristo, e toda uma ode de pessoas terrivelmente cristãs que, com uma Bíblia na mão e o coração e a cabeça repletos de ódio, transformam este ódio em crime para investir contra...
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - ... todos aqueles que não são terrivelmente cristãos. Quem são esses anticristos? Os praticantes das religiões de matriz africana e indígenas, que são expulsos de seus templos, ameaçados de morte e impedidos de praticar a sua religião, de forma que a liberdade de credo e de culto que a Constituição assegura é algo para inglês ver. Vidas estão sendo ceifadas, templos estão sendo destruídos, literalmente a bala, ferro e fogo.
A reação do Estado instituído é de condescendência com o estado paralelo que os terrivelmente cristãos instauraram no País, seja por ocupação do espaço legislativo com uma bancada fundamentalista e terrivelmente evangélica cristã neopentecostal. Tanto assim, que não se pode dar voz, na Casa do povo, à minoria, que não professa desse credo, que vai de encontro a um pensamento judaico-cristão e que não converge com a violência, com a exclusão e com a barbárie, porque professa o maior de todos os mandamentos: "Ama ao próximo como a ti mesmo".
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Aqui uma pergunta: como estará...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - Muito mais poderia ser dito e será, a tempo e modo...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se V. Sa. Puder concluir...
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - Já acabou...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foi em torno de 40 minutos, mas foi, percebi, um discurso muito bem elaborado, e não seria eu que iria, aqui, não permitir que V. Sa. usasse o tempo necessário...
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - E eu agradeço, por questão dessa questão de honra.
Muito mais poderia ser dito e será, a tempo e modo, dentro do exercício da minha atuação institucional, porque ninguém vai me fazer curvar e a nenhum membro do Ministério Público.
Porque, se as redes de imprensa nos trazem informações, o certo é que elas não constroem resistência às denúncias e tragédias que noticiam. Geram cliques e audiências, mas não geram reação. Quando muito, uma indignação pontual, que não altera o estado das coisas que estamos vivendo, em um silêncio eloquente, nunca antes experimentado no Brasil.
Daí porque a conclusão razoável deste editorial é aquela a que George Orwell chegou no seu livro A Revolução dos Bichos: "As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco...
(Soa a campainha.)
A SRA. EDELAMARE BARBOSA MELO - ... e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco".
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Subprocuradora-Geral do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, com a qual fui bem tolerante: eram dez, ficaram 40, porque percebi que foi todo um estudo que V. Sa. fez... E explicou antes: faria por escrito, porque entendia que queria realmente mostrar o quadro que acontece no nosso País hoje, mediante a sua análise.
Eu vou... Bom, primeiro quero cumprimentar os alunos do colégio público militar Centro Educacional NR-7 de Ceilândia, Brasília: sejam bem-vindos! Uma salva de palmas a vocês. (Palmas.)
Vou convidar agora o Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Sorbonne, em Paris, e Consultor aposentado do Senado Federal, Sr. Mário Lisboa Theodoro.
Enquanto ele vai à tribuna, eu faço dois registros: esse livro que recebi, com o título Discurso Antirracista no Brasil: da Abolição à Ação Afirmativa. Enfim, agradeço aqui a homenagem feita pelo Prof. Teun van Dijk, da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, Espanha, em seu livro Discurso Antirracista no Brasil: da Abolição à Ação Afirmativa.
O autor dedicou um capítulo inteiro para relatar e explicar a importância da luta que travamos, no Congresso, em relação à política de cotas e ao Estatuto da Igualdade Racial, inclusive no Supremo.
Quando digo "travamos", não sou eu não: somos nós todos, o movimento articulado de todos aqueles que combatem o racismo e o preconceito.
Meus cumprimentos pelo trabalho e meu sincero agradecimento pela dedicatória e reconhecimento do trabalho que nós todos realizamos no Congresso, na sociedade civil e nos embates que tivemos no Supremo Tribunal Federal.
Não só eu. A gente pode sempre se referir a você, porque eu estive lá naquele debate, entre mim e o Demóstenes, sobre a política de cotas. Felizmente - não graças somente àquele embate, mas aos nossos advogados -, ganhamos por nove a zero.
Então, uma salva de palmas a todos aqueles que trabalharam por essa causa. (Palmas.)
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Por favor, o Sr. Mário Lisboa Theodoro.
Já fiz as considerações, e a palavra é sua.
O SR. MÁRIO LISBOA THEODORO (Para discursar.) - Boa tarde a todos e a todas.
Eu queria inicialmente agradecer o convite, saudar a Mesa, em nome do Senador Paim, com quem eu tive o privilégio de trabalhar em muitas circunstâncias aqui neste Congresso, neste Senado, e falar da minha satisfação muito grande por ter tido a honra de trabalharmos juntos por causas sempre muito bem-vindas e muito significativas.
Queria também saudar todos os colegas da Mesa, alguns de longa data, como o Hédio, enfim, e também saudar o público, falando da satisfação de estar aqui neste dia 20 de novembro.
Eu estava pensando um pouco... Eu preparei uma fala, mas essa fala vai mudando de acordo com o que nós vamos ouvindo, incorporando e às vezes até percebendo que aquilo já foi falado etc... Eu pensei nesse 20 de novembro e de quantos 20 de novembro nós já participamos aqui, de quantas vezes nós já viemos falar aqui da questão do Zumbi, da questão da consciência negra, e me veio à cabeça quantos mais nós vamos ter que fazer para que este País entenda que a questão racial não é uma questão de negros, mas é uma questão do Brasil.
A minha grande colega Márcia, que falou há pouco aqui, fez um relato muito interessante do ponto de vista psicológico e do ponto de vista da questão racial no indivíduo: como isso se retrata no indivíduo negro, como é difícil e como, na percepção das pessoas brancas, elas não conseguem atingir esse peso que é o racismo vivenciado pelas pessoas a partir do quinto, sexto ano, enfim... Quando as pessoas começam a se ver como pessoas, esse peso já está colocado. E foi muito importante você falar da questão do racismo do ponto de vista individual.
Mas eu queria aproveitar para fazer outra fala - e serei breve, Senador - sobre uma questão específica. Eu fico pensando que ela talvez seja a questão mais importante para se entender - eu digo entender para as pessoas que não ainda não estão muito a par - a questão do racismo no Brasil. Eu resumiria essa questão em uma palavra que é a palavra igualdade. Talvez o movimento negro seja o movimento mais republicano que eu conheça, porque ele nunca pediu supremacia, ele nunca pediu para ter um apelo elitista; ele pediu sempre, sempre, igualdade: igualdade de oportunidades e igualdade de linha de partida e linha de chegada. Essa igualdade é que é essencial. Numa sociedade que não é igual, todas os outros atributos ficam prejudicados. Por exemplo: uma sociedade diversa como a nossa... O Brasil talvez seja a sociedade mais diversa que existe no mundo. O passaporte brasileiro vale para qualquer cidadão de qualquer país, do finlandês ao chinês. Essa diversidade talvez tenha sido ou seja a nossa maior riqueza, mas, pela lupa da desigualdade, essa diversidade se torna preconceito, racismo... Essa lupa faz com que alguma coisa que era muito importante e muito rica passe a ser uma mazela social.
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Da mesma forma, pela falta de igualdade, a própria liberdade está comprometida. Uma liberdade entre pessoas que não são iguais significa autoritarismo, porque uns são mais livres do que outros pela falta de igualdade. E, da mesma forma, sem guardar a igualdade, a fraternidade se transforma em caridade, em coisa de alguém superior que concede para outro. E uma sociedade, em que você tem autoritarismo, caridade e benevolência, é uma sociedade que está fadada ao fracasso.
Essa é a questão que eu queria trazer para vocês aqui como uma forma... E eu digo que, há algumas décadas, a gente trabalha com a questão racial, que reflete sobre essa questão, e há a percepção de que, se não conseguirmos ultrapassar essa questão, nossa sociedade vai continuar sendo essencialmente uma sociedade desigual. Por quê? Porque a essência da nossa desigualdade é o racismo; a essência da desigualdade que faz com que as pessoas não se importem com o fato de que 1,5 milhão pessoas viviam no lixão é porque a maioria dessas pessoas, 99,9% dessas pessoas são negras, e a sociedade não se importa com isso. Desse 1 milhão de pessoas no lixão, 55 mil crianças estão nesse lixão, são negras, e isso se naturaliza numa lente do racismo que não consegue ver na desigualdade o pior, o pior da nossa sociedade hoje.
A desigualdade, que, em última essência, é racismo, é prejudicial para todos os brasileiros, primeiro, porque nós não conseguimos uma sociedade em que as pessoas tenham fraternidade, uma sociedade fraterna, uma sociedade em que todos se indignem pelo fato de alguns não estarem bem. Essa sociedade, em que se naturaliza em que alguns podem tudo e outros não podem nada, é a sociedade em que as pessoas não se veem como iguais. E, nessa essência, a problematização da questão racial deixa de ser uma questão negra, deixa de ser uma questão da população negra, deixa de ser uma questão do Dia da Consciência Negra, porque, anos e anos, as TVs vêm conversar com a gente no Dia da Consciência Negra como se fosse esse dia um problema nosso. Não é um problema nosso; é um problema do Brasil.
Enquanto o Brasil não resolver a sua chaga racial - e aí eu parafraseio Joaquim Nabuco, quando, ao escrever O Abolicionismo, ele dizia: "O Brasil ainda vai passar alguns séculos para conseguir superar essa chaga". E, de fato, a gente está passando já quase... Já passamos mais de um século, um século e meio, e nós vamos ainda ter que purgar muito disso para a gente entender que, se nós queremos uma sociedade de iguais, se nós queremos uma sociedade de pessoas, de fato, vivendo numa democracia, nós temos que entender que ultrapassar a questão racial, ou seja, mudando um pouco as palavras, enfrentando o racismo, o preconceito e a discriminação, esse ato é o único ato que vai fazer com que este País seja, de fato, um país igual, um país democrático, em que as pessoa todas vão poder dizer: "Igualdade e oportunidade, sim! Por quê? Porque partimos do mesmo ponto". "Igualdade e oportunidade, sim! Por quê? Porque a minha educação é igual a sua e nós vamos disputar a partir daí os mesmos espaços". Enquanto nós não tivermos isso, enquanto nós tivermos, a cada 23 minutos, jovens morrendo, porque são negros, ou tivermos 3 mil a 4 mil comunidades quilombolas sem a propriedade da terra, ou tivermos mães negras e famílias negras, passando fome, justamente porque as famílias são negras, enquanto nós tivermos isso neste País e - mais - naturalizarmos isso, nós vamos continuar no 20 de novembro fazendo o nosso dever de casa, mas sempre com aquela sensação de que o porvir ainda vai demorar um pouco a chegar do jeito que nós queríamos.
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Era isso, Senador. Eu queria agradecer muito a oportunidade de estar aqui, falar da minha satisfação de trabalhar, de ter trabalhado e de continuar a luta no trabalho sobre a questão racial, e falar que, enfim, o Brasil para mudar vai ter de olhar muito de frente essa questão racial. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Sorbonne, em Paris, e Consultor aposentado do Senado Federal, Dr. Mário Lisboa Theodoro! Meus parabéns mais uma vez.
Enquanto o Prof. de Filosofia e Biótica da UnB, Universidade de Brasília, o Sr. Wanderson Flor Nascimento, vai à tribuna, eu faço mais um registro da Casa.
Informo que a Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho coloca à disposição no Senado Federal a toda a população o Boletim de Bibliografias Selecionadas - Autoras Negras: Protagonismo Feminino. Esse boletim não tem o intuito de ser exaustivo em relação a incluir todas as autoras negras nem todas as publicações e, sim, dar um panorama inicial para incentivar a leitura das obras dessas mulheres. Foram selecionados alguns livros de autoras negras que eram do acervo do Senado Federal.
Resumindo aqui, o boletim está inserido no Plano de Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal edição 2010 a 2021. Essa é uma publicação alinhada com o quinto objetivo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, conforme agenda das Nações Unidas para o desenvolvimento, que orienta a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas. O racismo, estereótipos distribuídos, a cultura negra e outros temas fazem parte da escrita das mulheres que figuram nessa lista. É um pincelamento do protagonismo feminino negro no mercado editorial. É um modo negro e feminino de ver o mundo.
As mulheres negras que foram aqui destacadas: Conceição Evaristo; Roxane Gay, Ana Maria Gonçalves, Linda Heywood, Bell Hooks e Carolina Maria de Jesus.
Meus cumprimentos aos Senado por esta publicação, dando publicidade ao trabalho dessas escritoras.
Queria também, neste momento, cumprimentar o Senado pelo sistema de cotas adotado aqui na Casa tanto nos contratos informais como nos concursos - esse é mais um passo - e pelos cursos que estão dando na linha de se combater todo tipo de preconceito.
Uma salva de palmas ao Senado pelas iniciativas. O que é bom a gente tem que elogiar. (Palmas.)
Professor, antes de passar a palavra a V. Exa., eu já adianto que, com a TV Senado, a Agência Senado e a Rádio Senado, desde as 14h até nós terminarmos este nosso debate, estaremos ao vivo para todo o Brasil.
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Eu sempre digo que eu, quando sento para coordenar os trabalhos, sejam sessões temáticas, aqui no Plenário, ou nas Comissões, eu tenho hora para começar, mas não tenho hora para sair daqui. Neste sentido, passo de imediato a palavra a V. Sa.
Dou mais uma informação positiva: dia 10 de dezembro é o Dia Internacional dos Direitos Humanos; no dia 9 de dezembro teremos aqui uma sessão temática. É debate com o Plenário em relação a direitos humanos e à questão racial. Foi o entendimento que fizemos na Casa. Todos estão convidados para estar aqui presentes. Vai ser muito importante. É a primeira vez que o Senado vai fazer uma sessão temática de debates. Sempre fazemos dia 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Este ano será sobre direitos humanos e a questão racial no Brasil, dia 9 de dezembro.
A palavra é sua, Professor.
O SR. WANDERSON FLOR NASCIMENTO (Para discursar.) - Boa tarde a cada uma e a cada um.
Gostaria de iniciar saudando o Senador Paulo Paim, nosso Presidente, e a cada uma e cada um de vocês da Mesa. E chamo a atenção para o fato curioso e interessante de que a gente esteja saudando ou comemorando o Dia da Consciência Negra depois do Dia da Consciência Negra, o que é algo muito interessante para que a gente não fique com aquela impressão de que apenas o dia 20 de novembro é o dia dedicado a essa discussão. E, como já foi chamada a atenção várias vezes aqui, essa discussão em torno do racismo e da afirmação da população negra no Brasil precisa ser feita no cotidiano, coisa que as pessoas negras e as pessoas, como diz a Elisa Lucinda, brancas abolicionistas têm feito já há algum tempo. Ou seja, não encapsulemos a discussão sobre a população negra e a influência do racismo na vida dessas pessoas apenas no dia 20, mas que nós possamos discutir durante todo o ano, porque, como chamou a atenção o Prof. Mário Theodoro, isso é um problema nosso, da sociedade brasileira, e que não acontece apenas no dia 20 de novembro.
Portanto, o Dia Nacional da Consciência Negra é um dia para lembrar, lembrar daquilo que a gente tem que fazer o ano inteiro. E como já chamaram a atenção aqui tanto a Dra. Edelamare como a Márcia, praticamente em todos os indicadores sociais a população não branca deste País, que é a maioria, está em algum tipo de desvantagem social. E isso não acontece apenas no dia 20 de novembro, isso acontece em todo o ano, persistentemente, há pelo menos 519 anos. Então, nós temos uma história para lembrar, e também fazer alguma coisa com essa lembrança e tentar construir estratégias para modificar aquilo que nós vivemos.
E acho que é importante pensar na persistência do racismo, sobretudo a partir daquilo que é o lugar de onde eu falo. Apesar de ser um professor de Filosofia e Bioética de uma universidade federal, eu também, assim como Edelamare, sou um filho de santo desde criança e passei a vida inteira pertencendo a um povo que carrega na sua história uma história, sim, de resistência. E gostaria de pensar, então, com vocês o impacto do racismo nessa persistência ao longo desses anos sobre os povos de terreiro.
É importante que a gente pense no que são os terreiros.
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Normalmente a gente pensa no terreiro apenas como um espaço religioso, o que também é, mas não só. E me interessa pensar no terreiro como um espaço de resistência. Resistência a quê? Não é resistência apenas a não querer participar ou compartilhar de uma crença ou de uma fé que não é sua. É resistência a um processo que desumanizou um povo inteiro, trouxe-o para cá sequestrado, à força - para aqui veio trabalhar forçadamente, para construir este País. E nesse trabalho desumanizante, essas pessoas foram forçadas também a abandonar parte daquilo que viviam no passado, suas línguas, sua relação com seu território, seus modos de organização, seus saberes, seus valores. Crença a gente não dá conta de tirar da cabeça de ninguém com tanta facilidade, mas se tentou também.
Exatamente com relação a isso, os povos de terreiro se constituíram como desses espaços de resistência, resistir para não esquecer o que nós fomos no passado, quando fomos retirados do continente africano e, chegando aqui, em aliança com povos indígenas, aprendemos novamente a comer, aprendemos a usar as folhas do lugar, de modo que esses povos se constituíram numa resistência fazendo alianças.
É absolutamente fundamental então pensar que essa estratégia de resistência foi uma resistência contra esse processo escravagista colonial que desumanizou um povo inteiro, por isso pensar os terreiros como um espaço ou um território que acolhe povos quando houve um sistema colonial que tentou retirar a humanidade, retirando também a característica de povo, refazer um povo. Talvez esse seja o ponto mais fundamental daquilo que os terreiros fazem. Os terreiros reservam o seu território e a sua experiência para refazer um povo que foi violado na experiência colonial escravagista, preservando, pelo menos naquilo que foi possível, a memória, os saberes, os valores e as práticas.
Lembrando Conceição Evaristo, que foi aqui citada algumas vezes, num dos contos de Olhos d'Água, ela chama a atenção para o fato de que combinamos não morrer. E combinamos não morrer também como tradição, não apenas como religião, embora também.
E esse é um espaço em que se aprendeu a enfrentar o racismo de uma maneira muito particular, acolhendo as pessoas e cuidando das pessoas, independente da sua cor, independente do seu sexo, independente da sua orientação sexual, independente da sua condição econômica. Esse é um espaço de acolhimento. Portanto, esse espaço, esse território, por essa experiência que foi criada exatamente na resistência ao processo escravagista colonial que reformula o povo, hoje, pelo menos nos termos das políticas públicas que vinham sendo feitas nos últimos 15 anos, nós começamos a chamar os povos de terreiro estrategicamente de povos e comunidades tradicionais de matriz africana.
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Isso não é apenas estratégico, mas é feito para lembrar que se refez um povo aqui a partir dessa estratégia de resistência e também para denunciar o modo como o racismo impacta esses povos, como muito bem chamou a atenção a Dra. Edelamare.
O que acontece com os povos de terreiro é intolerância religiosa, mas não só, exatamente porque esse não é um espaço apenas religioso, mas é um espaço em que valores africanos e indígenas estão sendo afirmados numa sociedade que foi construída pela estrutura do racismo. O racismo aqui não é acidente de percurso na história do nosso País. Ele é estrutural, como chamou a atenção o Dr. Mário.
Então, quando a gente pensa na experiência de ataques aos terreiros hoje, o que a gente pensa que se ataca? É a diferença de crença? Nós vivemos em um País, como chamou a atenção a Dra. Edelamare, em que pelo menos há uma prevalência judaico-cristã. Vocês conhecem quantos templos budistas que foram incendiados, apedrejados? "Ah, mas não é só porque é de outra religião!" Nós temos muitas religiões no Brasil e nós não temos o mesmo histórico de ataque para além das religiões não cristãs. Então me parece que não é o caráter meramente religioso. "Ah, mas é que esse povo é meio feiticeiro, faz magia, faz essas coisas estranhas aí! A gente tem medo. Então, a gente ataca porque a gente entende como um mal!" Mas será que é isso mesmo? Nós temos no Brasil também uma grande presença de uma prática de neopaganismo, de Wicca e de muitas dessas experiências...
(Soa a campainha.)
O SR. WANDERSON FLOR NASCIMENTO - ... que têm sido feitas em torno de espiritualidades mágicas. Vocês já viram algum incêndio numa casa de oração Wicca? Parece-me que também não é isso.
Então, o que seria atacado aí? O que se ataca quando se apedreja uma menina como Kailane, como aconteceu no Rio de Janeiro, ou, como aconteceu já em duas experiências recentes em casas de oração indígenas, que não são de matriz africana, mas que não são também dessa hegemonia branca das religiões no Brasil? O que é que se ataca? No caso dos terreiros, o que se ataca é exatamente a sua herança africana, é exatamente a sua herança negra. É exatamente isso que o racismo faz com todas as outras coisas. Por isso, nós podemos falar tranquilamente em uma experiência de racismo religioso que ataca os terreiros e que tem um procedimento muito sofisticado ao reduzir todo esse complexo modo de vida, que tem a ver com gestão de território, com gestão da natureza, com a relação política, com a relação social entre as pessoas, a um rito. E se reduz isso a rito exatamente na forma do negativo do que o cristianismo imaginou, de uma certa forma estereotipada também do que o cristianismo imaginou. Pensa-se que isso é uma religião apenas, uma religião do mal, uma religião do demônio, introduzindo elementos que não fazem parte sequer dessas comunidades dos povos de terreiro.
O racismo religioso não apenas ataca, mas captura todo o modo de viver, todo o modo de vida, e o atrela a uma experiência religiosa fora daquilo que se pratica na realidade desses povos. Então, quando a gente critica, quando a gente ataca um povo, a gente está atacando um povo com todos os complexos que existem no seu interior, como religiões, como o modo de produzir conhecimento - há um monte de coisas, e a religião é uma dessas coisas também, ou pelo menos a espiritualidade, se vocês quiserem.
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Mas me parece que o que a gente ataca aqui é exatamente esse modo de resistência que nós aprendemos com os terreiros e com os quilombos, sobretudo; esse modo de resistência que veio se alastrando ao longo de todos esses anos e que hoje aparece como uma espécie de imagem muito desconfortável de que é possível resistir e de que é possível inventar e de que é possível festejar no meio da resistência. Então, grande parte do que a gente tem experimentado ao termos os ataques aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, aos terreiros, tem a ver exatamente com atacar a resistência, atacar essas estratégias que foram pensadas por esses povos e a sua memória, sobretudo na sua característica africana e afro-brasileira. E aí as suas vestes, a sua maneira de se alimentar, a sua relação com a natureza, o seu modo de produzir conhecimento, o seu modo de instituir um jeito de ter hierarquia que não seja violento e agressivo, ou seja, há uma série de elementos que são atacados aí no meio, muito mais do que meramente a crença, que esses povos também têm.
É muito importante pensar que a gente, portanto, tem que aprender também com o que esses povos fizeram no meio desse processo de resistência e entender que, quando a gente ataca essa resistência, a gente está atacando um jeito de produzir a luta e entregando à violência, entregando à morte a tentativa de preservação da memória, que talvez tenha sido uma das mais potentes contribuições, para além dessa estereotipada presença negra apenas na forma da força de trabalho no nosso País.
Agradeço. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos!
Professor de Filosofia e Bioética da UnB (Universidade de Brasília), Sr. Wanderson Flor Nascimento, que, de forma muito didática, muito tranquila, nos deu uma aula, não só para nós da Mesa, mas para todo o Plenário - meus cumprimentos - e, naturalmente, para todo o Brasil pelo sistema de comunicação da Casa.
Agora, com a mesma alegria com que fiz o convite a todos os convidados, passamos a palavra à Especialista em Políticas Culturais de Base Comunitária, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO-IberCultura Viva), Sra. Jackeline Silva. (Palmas.)
A SRA. JACKELINE SILVA (Para discursar.) - Boa tarde.
Primeiramente, peço licença, a benção aos meus mais velhos, a toda a minha ancestralidade e também aos mais novos; ago aos Orixás.
Cumprimento a Mesa, na pessoa do Senador Paulo Paim, e também as mulheres negras que me antecederam nessa mesma sessão de hoje: a Dra. Márcia Silva, a Dra. Denise Costa, da OAB; cumprimento igualmente a Dra. Edelamare, que tem feito um trabalho brilhante realizando o Simpósio Indígena, Negro/a, Quilombola, trazendo as nossas pautas para dentro desses espaços de poder e de decisão sobre as nossas vidas, sobre os nossos corpos.
Também quero cumprimentar as mulheres negras que estão fazendo política. Aproveitando esse contexto do mês de novembro, o Mês da Consciência Negra, para além do Dia da Consciência Negra, quero lembrar as nossas nobres Parlamentares: Deputadas Leci Brandão, Benedita da Silva, Áurea Carolina, Talíria Petrone e outras mulheres Brasil adentro, e também a Parlamentar indígena Joênia Wapichana.
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As mulheres negras do Distrito Federal, que com seu trabalho de articulação e de mobilização da Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno, também vêm politizando os nossos grupos.
A Coletiva Pretinhas, da qual eu faço parte.
Saúdo também o Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso, do qual eu faço parte. Eu estive aqui, no ano de 2016, representando esse grupo e recebendo a Comenda Senador Abdias Nascimento, também das mãos do Senador Paulo Paim, por indicação do Senador Wellington Fagundes, que já passou por aqui.
Dizer que...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para apartear.) - O Abdias foi Senador desta Casa. Senador negro que realmente aqui pautou a sua vida na defesa do povo negro foi uma Senadora, a Benedita, foi Abdias, e agora não vou dizer quem, para uma salva de palmas ao Abdias! (Palmas.)
A SRA. JACKELINE SILVA - E em memória também da nossa juventude negra, falo pela Ághata e pela Marielle Franco, que nós seguiremos em luta, existindo, resistindo e militando, em todos os espaços que ocuparmos.
Bom, eu venho de Mato Grosso, uma terra com uma população majoritariamente indígena, negra, quilombola, e eu sou fruto desse aprendizado do Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso, que em 2020 vai completar 18 anos de ativismo realizando ações de formação, ações culturais. E o motivo pelo qual fui levada a ingressar justamente no trabalho com a cultura afro-brasileira, buscando conhecer, reconhecer, dar visibilidade e ampliar as ações, as políticas públicas nesse setor, ainda, para esses povos que são extremamente invisibilizados. No caso, recortando para a questão de gênero, das mulheres quilombolas, das mulheres negras, das mulheres de axé, dos nossos terreiros.
Eu cumprimento também, envio, já que estamos em transmissão para todo o Brasil, os meus colegas do Coletivo Audiovisual Negro Quariterê; como eu já disse também, da Coletiva Pretinhas, eu cumprimento a artista Rebeca Realeza, que se apresentou mais cedo também, mulher preta, que está aqui vencendo esses...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E que vai cantar no encerramento.
A SRA. JACKELINE SILVA - Que está vencendo esses desafios da nossa escassez, na verdade, do nosso desmonte sistemático que o Estado brasileiro, que esse Governo conservador e violento vem causando diretamente às nossas vidas, exterminando nosso povo, os indígenas e quilombolas, desterritorializando a nossa gente, disputando as terras indígenas, as terras quilombolas, excluindo nosso povo, retirando os empregos, precarizando o nosso modo de vida e causando uma série de conflitos armados em nossas comunidades.
Então, nós estamos aqui falando para muitos apoiadores, mas também ao mesmo tempo existem muitos inimigos presentes na política. E eu só vejo essa mudança quando nós, mulheres negras e indígenas, estivermos neste Parlamento ocupando não só o auditório, mas também essa mesa, ao lado do Senador Paim e de outros que vão sucedê-lo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me uma questão de justiça. Passou por aqui, foi minha Vice na CDH, e depois eu fui Vice dela, com muito orgulho: Senadora Regina Sousa, que é Vice-Governadora do Piauí. (Palmas.)
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Eu havia aqui esquecido.
A SRA. JACKELINE SILVA - E lembrando também da importância de nós, cidadãos e cidadãs, de nós, pessoas negras, estarmos atentos, atentas, alertas, prestando atenção a tudo que é discutido, seja nas escolas, aqui no DF, especialmente, nesse processo de militarização da educação, que também tem sido muito violento nas comunidades periféricas, a esse corte no investimento, tanto na educação, ciência, pesquisa...
Eu, como mulher negra, sou pesquisadora autônoma e, atualmente, estou concluindo essa especialização, mas procuro também trabalhar como militante, como ativista, promovendo formação, promovendo atividades de autocuidado e de afro-afeto junto com os nossos coletivos, para as pessoas negras elevarem a sua autoestima, buscarem os seus espaços e a sua inserção em todas as esferas, sejam elas econômicas, sociais e, inclusive, na cultura, visto que no Brasil também nós passamos por esse desmantelamento do Ministério da Cultura, que foi rebaixado, assim como outras pastas do Governo...
Houve o desmonte também das instâncias de participação social nos conselhos, a saúde, a economia, enfim, todos os outros dados que já foram trazidos pelas mulheres e homens que aqui me antecederam, como o Prof. Wanderson Flor, a Dra. Edelamare, a Dra. Márcia...
Nós sabemos, estamos enxergando que estamos caminhando para um colapso. Esse genocídio já vem acontecendo, a morte sistemática, o apagamento... A eliminação do povo negro, da cultura negra, está em curso. Então, o que eu quero é chamar a atenção de todas as mulheres negras, para lembrar que nós somos descendentes de reis e de rainhas, de heroínas, de domésticas também, de quilombolas - como é o meu caso, descendente de benzedores quilombolas -, para que nós venhamos a esse lugar disputar o nosso espaço, porque esse lugar foi tomado. Então, nós precisamos retomar.
E o tempo da inclusão e da equidade vem sendo construído por nós, mulheres negras. É por isso que nós precisamos preservar a nossa liberdade de viver, de sentir e de pensar, que é o mais importante.
Eu agradeço o espaço.
Boa tarde. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi a Especialista em Políticas Culturais de Base Comunitária pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso-Ibercultura Viva), Sra. Jackeline Silva.
Meus cumprimentos, Jackeline, pela fala, que me deu a oportunidade, inclusive, de fazer um aparte a V. Sa., porque não é comum o Presidente querer fazer aparte. Mas parabéns.
Eu passo a palavra agora para o último orador da Mesa. Em seguida, eu terei que fazer o meu pronunciamento, por dever de ofício, que é em nome da Casa inclusive.
Eu passo a palavra ao Secretário de Justiça do Estado de São Paulo, no período de 2005 e 2006, o Advogado e Professor Hédio Silva. (Palmas.)
O SR. HÉDIO SILVA (Para discursar.) - Exmo. Sr. Senador Paulo Paim; Sr. Secretário Adjunto da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Esequiel Roque do Espírito Santo; minha querida amiga, Subprocuradora-Geral do Trabalho, Dra. Edelamare Barbosa Melo; Mário Theodoro Barbosa de Melo; o Mário Theodoro, parceiro, amigo de tantas lutas, de tantas batalhas; um dos melhores pensadores, um dos melhores intelectuais negros deste País, o nosso querido Prof. Wanderson Flor Nascimento, também um intelectual de ponta; a querida Jackeline Silva, especialista em políticas culturais de base comunitária; e todas as pessoas que nos ouvem.
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Senador, primeiro, eu quero dizer que vim para essa sessão para carregar a pasta da Dra. Edelamare e para aplaudi-los...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso porque ele é uma liderança do movimento em todo o Brasil, viu?
O SR. HÉDIO SILVA - Mas, como V. Exa., além de ser um ícone do povo preto, do povo brasileiro, além de ser um Parlamentar com uma trajetória exemplar que dignifica o Parlamento, que engrandece o Parlamento, que engrandece a atividade política, a política no seu sentido mais transformador, mais democrático, mais civilizatório, V. Exa. também é um fidalgo. E eu então credito essa fidalguia à oportunidade de ocupar essa tribuna para dirigir algumas palavras aos que nos ouvem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - V. Exa. é que é um diplomata, eu diria.
Eu o convoquei, e ele disse: "Está bem, está bem, estou indo".
O SR. HÉDIO SILVA - Eu me lembro de que V. Exa., então Deputado Constituinte, teve um papel destacado para que a Constituição de 88, ao contrário de todas as Constituições anteriores, reconhecesse que o Brasil é um país plural. O Brasil é um país formado por indígenas, o Brasil é um país formado por 4 milhões de africanos escravizados que vieram para cá, e o Brasil também é formado pelo seu matiz europeu.
Eu quero fazer dois registros aqui: primeiro, a Constituição da República reconhece a diversidade e a pluralidade étnico, racial e religiosa, que é uma característica do País. Não vai ser, portanto, um governante de plantão que vai querer decretar que são cidadãos apenas aqueles que se filiam à chamada tradição judaico-cristã. (Palmas.)
Não será um governante de plantão. Acima dos governantes, pelo menos por ora, nós temos uma Constituição, uma Constituição que custou o sangue de muitos brasileiros, que custou luta, que foi produto de trabalho, de dedicação, de entrega e de dores de muitos brasileiros e brasileiras para que nós tivéssemos a Constituição que nós temos.
E, também nessa Constituição, está consignado que a gestão pública não se confunde com gestão privada. No período em que eu atuei no magistério do ensino jurídico, qualquer aluno meu de segundo semestre de Direito Constitucional aprendia que o gestor privado pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe; já o gestor público só pode fazer aquilo que a lei determina. E ao que nós assistimos hoje? Nós assistimos à privatização
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E ao que nós assistimos hoje? Nós assistimos à privatização da coisa pública. A palavra República, que consta no art. 1º da Constituição de 1988, vem do latim res publica, que significa coisa de todos; coisa de todos não pode ser privatizada por alguns. Nós vivemos num país em que, apesar de todos os avanços que o protagonismo do povo preto, com a solidariedade de brancos democráticos, obteve nos últimos anos, e V. Exa. teve um papel destacado nas cotas, na mudança da imagem do povo preto na publicidade, na mídia, no orgulho, na dignidade com que eu vejo as jovens negras hoje curtindo a sua beleza, reconhecendo o seu corpo, o seu padrão africano de raiz africana da beleza de ser preto, da beleza de ser preta no Brasil, apesar disso tudo, nós passamos por um processo, a meu juízo, temeroso de privatização do espaço público por facções religiosas. Professores tendem a fazer de escola pública um puxadinho de templo religioso para submeter crianças ateias, ou vinculadas às religiões afro-brasileiras a toda sorte de humilhação, de constrangimento, de tortura psíquica, porque não professam a tradição judaico-cristã.
Eu tenho defendido que, já que o gestor público insiste em tocar a coisa pública como se fosse gestão de circo mambembe, o povo preto deveria atravessar a rua e pedir o impeachment do atual Presidente da República, porque é uma vergonha internacional uma mulher assumir um ministério e dizer: "Estou assumindo o Ministério, mas sou terrivelmente cristã". Isso é um problema de S. Exa. na gestão da sua casa, na gestão do circo mambembe de onde a senhora vem. Quando a senhora assume a gestão pública, há um princípio constitucional que rege a gestão pública que é o princípio da impessoalidade. (Palmas.)
A impessoalidade quer significar que as minhas convicções, as minhas crenças, as minhas preferências não podem sobrepujar o interesse público. E o que é o interesse público, qual é a definição jurídica de interesse público? É o que determina a lei, e não o que determinam as minhas preferências ou as minhas vontades pessoais.
Portanto, eu quero finalizar dizendo que é um motivo de orgulho... Primeiro, lembro que eu gostaria de fazer parte da mesma tribo de V. Exa., porque V. Exa., passados tantos anos, continua com essa expressão jovial, e eu estou cada vez mais, daqui a dois anos, serei tecnicamente idoso, e V. Exa. continua com essa expressão jovial de tantos anos atrás. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Posso dizer quantos aninhos eu tenho, já que você me elogiou?
O SR. HÉDIO SILVA - Diga!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Faço 70 agora em março. (Risos.)
O SR. HÉDIO SILVA - É por isso que eu disse que eu gostaria de pertencer...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas você está jovem também.
O SR. HÉDIO SILVA - ... a essa tribo de V. Exa., porque V. Exa. tem uma aparência muito mais jovial do que a idade. Eu já, ao contrário, pareço ser bem mais velho do que a idade. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É porque ele é meu amigo também, é muito meu amigo. Então, eu o trato com carinho.
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O SR. HÉDIO SILVA - Mas quero dizer que é uma honra e uma alegria participar desta sessão solene, é uma honra contabilizar todas as vitórias que o protagonismo negro imprimiu, com muita luta e com muita dedicação, à sociedade brasileira. É uma alegria imensa nós vermos hoje os jovens negros que ingressaram pelo sistema de cotas, demonstrando para os racistas que o que eles chamavam de instituição republicana, o vestibular como medidor de meritocracia, na verdade era a antessala da universidade...
(Soa a campainha.)
O SR. HÉDIO SILVA - E V. Exa. sabe que a maioria dos alunos cotistas têm o mesmo desempenho, quando não desempenho superior, aos que entram pelo chamado sistema universal.
O povo preto, a militância do povo preto mudou a história do Brasil, mas nós estamos chamados agora a manter as conquistas, que não são conquistas de Governo A, B ou C. Nós temos de reconhecer que houve Governos que efetivamente dialogaram, respeitaram a interlocução social negra, abriram espaço, foram sensíveis às demandas do povo preto, mas as conquistas que nós temos hoje são conquistas que decorrem do protagonismo negro.
E, para isso, se for o caso - e entendo que é o caso -, nós temos de começar essa discussão pedindo o impeachment do atual Presidente da República, para lembrá-lo que, ao assumir aqui nesta mesa o compromisso de defender a Constituição da República, ali naquele instante, as preferências, os credos, as inclinações pessoais dele têm de estar subordinadas ao que prescreve a Constituição da República.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar - Presidente.) - Esse foi o Hédio da Silva, advogado e conselheiro, eu diria, do movimento negro brasileiro. Ele foi Secretário da Justiça do Estado de São Paulo no período - cumprimente-me aqui. Não vai passar sem me cumprimentar não! - de 2005 a 2006. Ele é advogado e professor de universidade. Meus cumprimentos!
Sei que muitos estão cansados, mas eu quero registrar ainda a presença, aqui entre nós... Disseram-me que havia um amplo roteiro, mas faziam questão de vir aqui prestigiar este evento: os alunos da Turma Fidel Castro, dos beneficiários da reforma agrária da Universidade Federal de Goiás, a Profa. Dra. Érika Moreira, Coordenadora Pedagógica, e o educando Weber Alves, representante da turma.
Uma salva de palmas. (Palmas.)
Ao final, há o acordo de que eles vão receber o último livro que escrevi: Tempos de Distopia. Na verdade, ali eu digo que ninguém vai barrar nossos sonhos. Estaremos juntos aqui. (Pausa.)
Agora, respirem fundo e tomem um copo de água. Vão ter de ter paciência, porque este é o discurso oficial que eu faço em nome da Mesa do Senado.
Vinte de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Dia de Zumbi dos Palmares, dia para pensar o povo negro.
O genocídio do passado e do presente, o racismo e as discriminações... Dia para gritar ao País inteiro: "Sim, somos negros. Negros, sim, com muito orgulho, sim, senhores!
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Ninguém tem que ter vergonha da sua etnia, da sua raça, da sua origem.
Eu me lembro sempre do colégio, onde os meninos perguntavam um para o outro... Por exemplo, você é branco, eu sou negro, aí perguntavam: "Qual é sua origem?". Um dizia que era da Itália, outro dizia que era da Alemanha, de Portugal. Como meus pais me ensinaram que eu era um príncipe, eu dizia: "Sou da mãe-pátria África, com muito orgulho sim, senhor". (Palmas.)
Isso marcou minha época e meu tempo.
Lembro também com satisfação - e vocês sabem - um dos idealizadores, um dos criadores do dia 20 de novembro, o escritor e poeta gaúcho Oliveira Ferreira da Silveira. Em 2010, tive a satisfação, porque os tempos passam, naturalmente, e ele já faleceu, de visitar seu túmulo, onde deixei flores, na pequena cidade de Rosário do Sul, região da Campanha do meu Estado.
Não morreu Oliveira Silveira, apenas bateu asas como os pássaros cantadores. Ele continua a voar na consciência dos homens e das mulheres, ensinando-nos o caminho, a luz, mostrando-nos que é preciso não só ler e contar a história, é preciso fazer história.
Assim ele escreveu:
Encontrei minhas origens
Em velhos arquivos
Livros
Encontrei
Em malditos objetos
Troncos e grilhetas.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) -
Encontrei em doces palavras
[...]
Em furiosos tambores
Ritos
Encontrei minhas origens
Na cor de minha pele
Nos lanhos de minha alma
[...]
Em minha gente escura
Em meus heróis altivos
[...]
Encontrei-as enfim
Me encontrei
Encontrei a minha história.
Palmas para ele, eu estou lendo aqui o poema dele! É um poema dele. (Palmas.)
Fiquei um pouquinho emocionado, mas o mérito é todo dele.
O Brasil abraçou a escravidão por 400 anos. Nesse período foram trazidos à força, tirados da terra onde nasceram, do continente africano, mais de 6 milhões de negros.
Vinham amontoados em navios, chamados navios negreiros, jogados nos porões, mulheres violentadas, famílias desfeitas; muitos se jogavam ao mar para alívio da própria morte, outros morriam por doença. Jogavam-se ao mar porque queriam voltar, nadando, vendo a sua terra desaparecer no horizonte.
A escravidão passada, os ferros marcados nos corpos, o fogo queimando na pele, a chibata fazendo geografias de sangue, a farsa da abolição...
Hoje, tudo isso tem sua herança e seus reflexos nas condições de vida do nosso povo negro.
Na criança, no jovem, no idoso, no trabalhador, na mulher, no homem, que são assassinados por serem negros, mortos, dizem, por balas perdidas.
Eis a pergunta: 20 de novembro para quê?
Respondemos: para que pessoas em situação de rua não sejam cruelmente mortas, como foi agora, por pedirem um real a outro ser humano.
Vinte de novembro para quê?
Para que as crianças não sejam alvejadas em peruas escolares, para que pais de família não sejam exterminados com mais de 200 tiros de fuzis.
Vinte de novembro para quê?
Inaceitável. Em plena véspera, e já foi comentado aqui, em plena véspera do Dia da Consciência Negra, em que discutimos o combate ao racismo, às discriminações e à violência, um Parlamentar, com o apoio de outros, no Congresso, destruiu parte de uma exposição sobre o genocídio do povo negro. O País está perdendo os princípios da democracia, da liberdade e da tolerância? O Conselho de Ética da Câmara tem que tomar atitude. É isso que nós esperamos. (Palmas.)
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É isso que nós esperamos!
Eu tenho aqui os dados do IBGE, que vão ficar marcados. Não vou repetir, porque vocês todos já falaram exaustivamente sobre isso. Vou pular os dados e vou à frente. São três páginas só de dados. Poderia avançar aqui.
A taxa de homicídios de pretos ou pardos de 15 a 29 anos chegou a 98,5 em 2017 - de assassinatos de negros -, contra 34 dos não negros. Para os jovens pretos ou pardos do sexo masculino, foi de 185 o número de assassinatos. Cerca de 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros. Eles vivem em favelas e periferias. Essas mortes terminam sendo banalizadas e naturalizadas: "Ah, é mais um número". Isso é inaceitável.
Também não há igualdade de cor ou raça na representação política. Aqui foi lembrado, mas eu repito: por que somente 24,4% dos Deputados Federais, 28,9% dos Deputados Estaduais e 42,1% dos Vereadores eleitos eram pretos ou pardos? Aqui mesmo no Senado, quantos negros existem? Não vou dizer. Imaginem vocês.
A escravidão de ontem se faz presente na falta de saúde, no desemprego, no analfabetismo, na habitação precária, no aumento da violência, na perseguição ideológica, religiosa, na desigualdade, na concentração de renda. Mortes por bala perdida no Rio, principalmente, isso é muito comentado, aumentam 40% em relação a 2018. De janeiro até agora, foram 50 óbitos.
No Brasil, são cerca de 180 homicídios por dia. Desses 180, 75% de negros. Se com a lei atual esses números aterrorizam, assustam, nos deixam indignados, agora vou ter que falar, com o tal excludente de ilicitude, será uma licença para matar. É isso que tem que ser dito. É o início do caos, é o absurdo. (Palmas.)
Espero que este Congresso não aprove isso. Ninguém tem licença para matar. Ninguém. Ninguém pode ter. E me digam qual é o país do mundo... Avança cada vez mais na contramão o Brasil. Dizer que tem licença para matar, não!
Uma sociedade não é governada à bala. E preciso investir em políticas públicas, voltar o olhar para a alma das nossas periferias, não só para números.
É óbvio que são tempos difíceis. Mas eu sempre digo que só o ato de pensar que estamos derrotados nos torna um derrotado. E nós não somos derrotados. Tentam passar a imagem de que nós somos derrotados.
É preciso acreditar que as coisas podem acontecer, podem ser mudadas.
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É necessário encarar os fatos, seguir adiante e fazer o bom combate. Nós não estamos derrotados.
O povo negro tem história, o povo negro tem raiz, o povo negro já demonstrou que tem muita, muita coragem, que tem virtudes, que tem som, que tem palavras, que tem verbo, que tem sonhos, que tem heróis. Sim, temos heróis: Zumbi; Ganga Zumba; André Rebouças; Machado de Assis; Cruz e Sousa; João Cândido Felisberto, nosso querido Almirante Negro; Lanceiros Negros; Cartola; Grande Otelo; Elza Soares; Paulinho da Viola; Martinho da Vila; Lázaro Ramos; Mano Brown; Margareth Menezes; Negra Li; Zezé Motta; Evaristo de Moraes; Milton Gonçalves; Milton Santos; Iza; GOG; Rebeca Realleza e muitos outros. Aqui não vou ler o nome de todos.
Tenho de lembrar que foi com a perseverança do povo negro que hoje temos a Lei Caó, que definiu que crimes de preconceito de raça ou cor são inafiançáveis.
Foi com Caó, com Benedita, com Edmilson... Era uma bancada de quatro: Caó, Edmilson, Paim e Benedita. Éramos quatro Parlamentares negros no processo da Constituinte. (Palmas.)
Rendo uma homenagem a eles. Esta é uma homenagem a eles.
Se me permitissem falar por mais um minuto, eu diria... Eu daria uma salva de palmas àquele que já faleceu, que é o Caó. (Palmas.)
Construímos juntos o Estatuto da Igualdade Racial e Social, construímos juntos, todos nós, a Lei de Cotas.
A luz de um novo tempo está nas nossas próprias mãos. A luz de um novo tempo está em nossas mãos, está no verbo "esperançar". É preciso ter esperança, mas lutar para fazer acontecer. Somos sujeitos, sim, da história. Temos orgulho de sermos negros, como aqueles que não são negros têm de ter orgulho também de sua etnia, de sua raça, de sua origem, porque assim é a identidade de cada um.
O caminho nos pertence. Temos de ocupar os espaços que nós temos por direito na sociedade.
Pela primeira vez, o número de negros nas universidades públicas ultrapassou o de brancos, passando a barreira de 50%, chegando ao patamar de 50,3%. Apesar desse marco para a área no País, a democratização do acesso não foi uniforme quando consideramos todos os cursos. Lembro que, no total, nós temos 50%, e, em outros aspectos, aqueles que não são negros têm 78,8%.
Eu quero que todos tenham acesso à universidade, todos os brancos, todos os negros, todos os índios, todos os imigrantes. Assim, poderemos chegar ao Brasil, entrar numa universidade e ver que o cenário dos estudantes vai ser como este aqui. É bom olhar aqui! Olhe para as galerias, onde a gente vê brancos e negros aqui e acolá. Assim é que vamos formando o País dos nossos sonhos.
Quero aqui dar um destaque especial: recentemente, ocorreu a formatura da primeira turma de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo, na Bahia. Foram 12 negros nessa turma.
Tayana Barbosa disse o seguinte: "Eu, negra, de família pobre, que recebeu Bolsa Família e vendeu cachorro-quente, me tornei médica". Ela prossegue: "Quando estava na 5ª série da escola, uma menina, negra como eu, disse que era impossível este nosso sonho, nós negros nos tornarmos médicos". Ela disse: "Quero que outras crianças vejam [saibam e contem em verso e prosa] que, na cidade delas, [o sonho se tornou realidade] há, sim [naquela pequena cidade], uma médica negra".
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Uma salva de palmas a ela! Palavras lindas da Tayana! (Palmas.)
Letícia Almeida, outra negra formada em Medicina, disse - abro aspas: "A gente passou a ter uma noção coletiva de como éramos tratados. Depois, passamos a nos ajudar. Falávamos [uma para a outra, um para o outro] de vagas de emprego e indicávamos [um para o outro] cursos. [Nós nos ajudávamos]". (Palmas.)
Enfim, dados do IBGE apontam que, entre 2012 e 2018, o número de autodeclarados pretos e pardos cresceu em quase 12 milhões de pessoas no Brasil. Isso é bom, é a nossa autoestima crescendo! (Palmas.)
A nossa autoestima é muito boa. E isso é muito bom para mostrar ao nosso povo que está nos assistindo agora das suas casas que é preciso ter esperança e, repito, caminhar, lutar para fazer acontecer. Eu sei que é difícil, mas há condição. Vocês estão vendo aqui na Mesa e viram na primeira Mesa e no Plenário intelectuais negros; professores, doutores, formados no Brasil e no mundo, eu diria. E também teremos outros aqui no dia 9 - aproveitando a possibilidade do sistema de comunicação da Casa.
Mais uma informação e vou para o final.
Para a pesquisadora do Ipea Fernanda Lira Goes, ocorre um "aumento de identificação, informação, o aumento de consciência [do nosso povo]".
O poeta - e agora eu termino; é coisa do Rio Grande, e eu não tenho como não voltar às minhas origens -, cantor e tradicionalista gaúcho Pedro Ortaça assim escreveu... Eu o estive visitando, e ele foi fundamental na minha campanha. Falo isso com satisfação e tranquilidade. E essa foi a minha última campanha. Está na hora de dar espaço para os mais novos. Disse Pedro Ortaça: "Negro de sorriso aberto como clarão de alvorada. Abre essa gaita aporreada, e canta [e canta] a mais não poder. Canta negro até morrer, com força de mil gargantas. Pois cantando [cantando] como cantas ninguém te iguala [e mostra todo o teu] [...] saber". Na verdade, ele mostra o caminho do saber, da inteligência do povo negro, que está no canto, mas vai muito além do canto. Grande Pedro! (Palmas.)
O Pedro Ortaça é de descendência indígena, e no seu compromisso ele dá a vida à causa dos povos discriminados.
Neste Dia Nacional da Consciência Negra, temos que refletir muito sobre o passado e o presente do povo negro, dos miseráveis e pobres. Que futuro queremos para a nossa gente? É claro que queremos um futuro promissor.
Gostaria de parabenizar também algumas iniciativas, como o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do Senado, que já registrei, com a adesão inclusive ao Programa Pró-Equidade criado pela então Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2005, no Governo anterior a esses dois que estão aí.
O objetivo desse programa é estimular a adesão e fornecer ferramentas para que as empresas e instituições participem e possam detectar possíveis desigualdades internas e promover ações de correção.
Termino. O Senado Federal obteve dois selos de compromisso com a equidade, inclusiva, uma das ações que buscava atualizar cadastros dos terceirizados com a inclusão do quesito cor/raça foi contemplado como boa prática, em publicação própria da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres. Enfim, esses aqui são os dados mais oficiais da Casa.
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Quero, neste momento... Vocês podem até estranhar. Eu fiz questão de colocar no fim do meu pronunciamento.
Aproveito também para parabenizar grande parte da imprensa brasileira e vou dizer por quê. Porque eu estou na vida pública há 33 anos e não vi tanto debate sobre a questão racial no Brasil como estou vendo este ano. Fiquei apaixonado por ver aquela juventude, por duas vezes, ontem e anteontem, no programa de televisão, falando da luta deles para conquistar o seu espaço na sociedade.
Claro que ninguém vai dizer que a imprensa agora mudou radicalmente, mas é importante que a gente ocupe cada vez mais espaços na imprensa, seja na rede social, seja na internet, seja na mídia oficial assim chamada. Espaços são para ser ocupados. Se a gente não os ocupa, podem crer que outros os ocupam.
Eu quero dar uma salva de palmas para aquela juventude... (Palmas.) ... porque os vi em programas de televisão falando com muita convicção sobre porque estão avançando no dia a dia, melhorando a qualidade de vida! Onde se encontram a igualdade de oportunidades e direitos? Eu diria, para concluir, que estão ali, do outro lado do rio, através das montanhas. Basta querer transpor as barreiras das desilusões, seguir o desejo sagrado para que a vida nos aponta.
A você, que está em casa, e muitos que estão aqui no Plenário, eu deixo essa mensagem. A você jovem negro ou negra, acredite! Acredite na sua negritude, tenha orgulho dos seus ancestrais que vieram da África. Tenha sonhos, vá atrás dos seus sonhos, dos seus desejos, estude, estude! Sei lá se você será médico, advogado, psicólogo, filósofo, professor, engenheiro! Vá em frente! Escolha a sua profissão e chegue lá. Não permita que ninguém barre o seu sonho. Não desista jamais!
Saiba você que existe luz para todos esses desencontros do País, para esse peso que está hoje nas suas costas, nas nossas costas. Isso vai passar. Nós vamos avançar.
Acredite em você, acredite na sua cor, na sua pele, na sua alma, no seu coração, na sua inteligência, no amor! E diga sempre não ao ódio, mas no seu poder de construir caminhos.
Já disse o poeta que o caminho você só constrói se você caminhar. O caminho a gente faz caminhando.
Termino com O Negro de 35, eternizado na voz do cantor gaúcho, já falecido, negro, César Passarinho. Ele vencia todos os festivais. Eu não sei se todos, mas quase todos ele vencia! E tem uma passagem muito bonita que um parceiro dele me contou e eu nunca mais esqueci. Eles foram numa cidade do Rio Grande do Sul fazer uma apresentação. Só ele era negro. Quando foram subir no palco, disseram: "Olha, aqui não dá. César Passarinho não sobe porque é negro". Todos os cantores brancos disseram: "Então, tudo bem; ninguém sobe". "Ninguém sobe. Pode-se virar." Havia milhares de pessoas assistindo àquele espetáculo. "Aqui ninguém vai subir." O que é a resistência, não é? Em cinco minutos, mudou tudo, e todos subiram. E eles me contaram quem foi o cantor mais aplaudido daquele espetáculo, por milhares de pessoas: César Passarinho. E gritavam: "César Passarinho, César Passarinho!". Uma homenagem ao já falecido César Passarinho. Era um valente - era um valente! (Palmas.)
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E ele, numa das canções, dizia que:
A negritude trazia a marca da escravidão
[...]
Castrado de seus direitos não tinha casta nem grei
[...]
E o branco determinava, fazia e ditava a lei
Apesar de racional, vivia o negro na encerra
E adagas furavam palas, ensanguentando esta terra
Da solidão das senzalas tiraram o negro pra guerra [...]
[mas o negro peleou... E ele termina dizendo:]
(Peleia, negro, peleia com as armas da inteligência
Semeia, negro, semeia teus direitos na querência).
Qual é a mensagem que ele queria dizer? Estude, estude e se prepare, fortaleça a tua inteligência.
E repito - e aqui termino -:
(Peleia, negro, peleia com as armas da inteligência
Semeia, negro, semeia teus direitos na querência).
Vida longa a negros, brancos, índios, migrantes, homens, mulheres, a quem tem orientação sexual diferente um do outro, o que é também natural, às religiões, enfim esse é o povo brasileiro! Este País será um dia um país de primeiro mundo quando nós soubermos - porque aqui é Governo também - governar para todos - governar para todos! - sem discriminar por motivo nenhum brasileiro, independentemente da origem, da cor da pele! Vida longa ao povo negro! Vida longa ao povo brasileiro! (Palmas.)
Obrigado.
Agora, neste momento eu agradeço ao Hédio, que faz um sinal. Eu agradeço, Hédio. Agora nós temos que terminar, ainda. Não vão embora já, não.
Agora, com uma enorme alegria, eu passo a palavra para ouvirmos a música, na canção da cantora Rebeca Realleza, Escolhas. (Palmas.)
A SRA. REBECA REALLEZA (Para discursar.) - Eu vou me atrever a fazer uma falazinha muito rápida.
Primeiramente, quero me apresentar. Eu sou a Rebeca Elen, conhecida como Realleza. Sou filha de uma mulher que lutou para me criar sozinha, sendo empregada doméstica; virou professora e sempre me incentivou a estudar. Hoje, eu sou bolsista do Programa ProUni, 100%. (Palmas.)
Daqui a exatamente um ano serei a primeira advogada da família, até onde tenho ciência. Gostaria muito de agradecer a luta dos meus antepassados - a luta de vocês, a inspiração é em vocês -, para que hoje eu pudesse estar aqui ocupando este lugar. Durante muito tempo o mercado de trabalho fechou as portas para mim: eu fiz da minha arte, da minha resistência e da minha cultura o meu negócio, a minha fonte de renda. E eu vou contar um pouco da minha história para vocês.
(Procede-se à execução da música Escolhas.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi Rebeca Realleza...
A SRA. REBECA REALLEZA - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... que recebe palmas, de pé, de todo o Plenário e da Mesa.
Parabéns, Rebeca, por toda a sua história, por ser cotista e agora se formar a primeira advogada da família. Você é um exemplo para todos, para toda a juventude, para todo o nosso povo e para toda a nossa gente!
Essa foi Rebeca Realleza.
Assim, esta sessão atingiu todo o seu objetivo. Eu vou encerrar, mas eu quero vocês todos pertinho da gente aqui porque, em toda a grande sessão que a gente faz, a gente tira uma foto coletiva.
Então, convido todos vocês a subirem aqui. Vamos fazer uma grande foto neste momento.
Vamos lá?
Está encerrada a sessão.
(Levanta-se a sessão às 17 horas e 27 minutos.)