1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 9 de dezembro de 2019
(segunda-feira)
Às 15 horas
244ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão de debates temáticos é destinada a celebrar o Dia Internacional dos Direitos Humanos e a população negra - claro que aproveitaremos e falaremos também de outros preconceitos, tanto que está presente aqui o Toni, por exemplo, que esteve pela manhã conosco -, nos termos do Requerimento nº 929, de 2019, de minha autoria e de outros Senadores.
Nós faremos duas Mesas. Para a primeira Mesa, convidamos a Presidente da Associação dos Defensores Públicos do DF, Sra. Mayara Lima Tachy. Por favor. Seja bem-vinda! (Palmas.)
Convidamos o Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Sr. Humberto Adami Santos Junior. (Palmas.)
Convidamos a Mestre em Direito e Criminologia da Universidade de Brasília, Sra. Deise Benedito. (Palmas.)
Convidamos a Coordenadora Nacional do Centro Nacional da Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, Sra. Makota Celinha. (Palmas.)
Também nesta Mesa a Sra. Viviane Ceolin Dallasta Del Grossi, Defensora Pública Federal, que falou hoje pela manhã na reunião da CDH. (Palmas.)
Sejam todos bem-vindos!
Neste momento, vamos ouvir o Hino Nacional.
Convido a todos para, em posição de respeito, acompanharmos a execução do Hino Nacional.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sejam todos bem-vindos!
Alguns estão chegando ainda, alguns convidados que são painelistas também.
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Nós só lembramos que esta sessão se refere ao Dia Internacional de Direitos Humanos, que será amanhã. Como amanhã nós teremos sessão de votação, nós antecipamos para hoje. E teremos duas Mesas, em que todos poderão expressar seu ponto de vista em relação aos direitos humanos. É claro que o foco, neste momento - e este foi o objetivo daqueles setores que me procuraram -, é o preconceito no Brasil, principalmente o preconceito racial, mas, claro, poderemos livremente aqui falar do preconceito contra as mulheres, de todo tipo de preconceito, como o preconceito à comunidade LGBTI, que está aqui também presente. Todos terão liberdade plena para expressar o seu ponto de vista. E, amanhã, pela manhã, lembro também que teremos um outro debate sobre direitos humanos lá na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que eu presido.
Não sei se há preferência de algum dos senhores para iniciar. Pela experiência e pelos nossos cabelos brancos, vamos começar aqui com o nosso querido Humberto Adami Santos Junior.
Então, neste momento, eu passo a palavra - se quiserem falar daqui, podem falar, mas, de preferência, da tribuna - ao Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Sr. Humberto Adami Santos Junior.
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR (Para discursar.) - Sr. Senador Paulo Paim, boa tarde. Agradecido pelo convite.
Parabenizo-o por esta sessão. Lembro há quanto tempo V. Exa. está aí nessa mesma temática.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Desde a Constituinte, pelo menos.
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Por aí nós começamos, também saudando os parceiros e parceiras de Mesas, as pessoas que estão aqui presentes hoje e também aquelas que nos assistem pelo meio de transmissão televisiva do Senado Federal.
Eu venho falar, obviamente, da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Brasil do Conselho Federal da OAB, ao mesmo tempo em que saúdo a minha colega e Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade, Dra. Silvia Cerqueira, que também está aqui presente e esteve comigo hoje na sessão do Conselho Federal, que, pela unanimidade de seus membros, deliberou pela representação criminal contra o nomeado Presidente da Fundação Palmares. O Conselho Federal da OAB vai representar criminalmente contra a pessoa que foi nomeada e que praticou crime de injúria racial, racismo. Na verdade, foi uma nomeação que se desvia da função da Fundação Palmares, se desvia do objetivo da Fundação Palmares, que é preservar a cultura negra, fazendo demarcações de terras quilombolas, fazendo reconhecimento de todas os quilombos do Brasil, que já se vão para mais de 5 mil quilombos, mas não há, desde 1988, 300 quilombos demarcados.
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Então, ao mesmo tempo em que se gasta essa energia para retirar o que eu chamei hoje, no Conselho Federal, de um fantoche, de um câncer dentro do organismo que é de promover toda a cultura negra, que tem que ser extirpado e que já obteve uma liminar de um juiz federal do Ceará, outras ações populares estão sendo ajuizadas, mas é preciso também, além de combater esse fantoche, verificar que, enquanto a gente perde essa energia, outras coisas estão passando ao largo, outras coisas ruins. Então, vamos fazer dessa união a catalização dessa energia, como fez o Conselho Federal hoje, que delegou à sua diretoria um mandato em branco para, toda vez que houver necessidade, fazer representações. O que aparecer, a diretoria do Conselho Federal já está autorizada a fazer nota, a ingressar com ações. Fazer isso uma luta permanente e não ficar apenas na expectativa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Meus cumprimentos pela iniciativa. (Palmas.)
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Vamos fazer disso... Acho que é um momento histórico. E o Conselho Federal da OAB faz essa presença sempre permanente na história do Brasil.
Saúdo também a presença do meu querido amigo, o Reitor dessa universidade histórica que é a Zumbi dos Palmares - já são 17 edições do Troféu Raça -, que vem promovendo lá de São Paulo, espalhando a cultura negra, o reconhecimento de pessoas negras no Troféu Raça. Muitas das pessoas que foram lá presenteadas e homenageadas jamais tinham ganhado qualquer prêmio. Nós tivemos artistas como Tony Tornado e Canarinho, que disseram lá: "Eu nunca ganhei um prêmio em lugar nenhum". E foram, então, presenteados lá no Troféu Raça.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sabe que até eu ganhei.
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Eu também ganhei.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quero dar uma salva de palmas. É uma bela iniciativa. É bom ver que o Reitor já chegou. (Palmas.)
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Aliás, tem que lembrá-lo de que ele é o Vice-Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal. Muitas vezes, dentro das suas atribuições, ele acaba se esquecendo.
A Comissão Nacional da Verdade está hoje, Sr. Senador, em 17 seccionais da OAB. A última, que tem cerca de 15 dias, nós instalamos no Maranhão, no glorioso Estado do Maranhão. Eu estou pela terceira gestão na Presidência da Comissão Nacional, acumulando com a Comissão Estadual da Verdade, e só agora o Maranhão, em boa hora, levou essa comissão para lá. Mas, se são 27 Estados, a pergunta que fizemos hoje ao Conselho Federal da OAB e às suas seccionais é por que ainda estão faltando dez. E o caminho é procurar o convencimento para que todas elas estejam lá.
A Comissão da Verdade está em várias subseções. E um dos primeiros resultados eu chamo de ressuscitar a história de Luiz Gama. Através de uma placa, transformou o Luiz Gama, que era advogado provisionado... Chamavam-no de rábula, mas a Profa. Ligia Ferreira corrigiu, dizendo que ele tinha uma provisão. Então, ele era advogado provisionado, mas não conseguiu ter o diploma na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Por quê? Porque ele tinha o problema de ser preto desde aquela época, como muitos que estão aqui hoje ou que assistem a esta sessão continuam tendo esse problema.
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É um problema que não dá para fazer desaparecer. Há até um livro da Profa. Ana Maria Gonçalves que traz a legislação da época, que é o defeito de cor que precisava ser dispensado para que pessoas pretas e pardas assumissem os cargos do Império, de eclesiásticos, militares e administrativos.
Então, Luiz Gama ressuscita sua história depois de 140 de morto, e eu tive o prazer de, juntamente com o Reitor Zé Vicente, estar presente quando ele, que não conseguiu entrar no Largo de São Francisco, deu seu nome a uma sala lá na Faculdade de Direito, que, muito envergonhada, veio reconhecer o papel do Luiz Gama. Eu me lembro de alguém lá dizendo o seguinte: "Olha, na verdade, Luiz Gama é que faz um favor, porque a história dele e as palavras dele são muito maiores do que a própria Faculdade de Direito do Largo de São Francisco". E hoje ele é herói da Pátria, é patrono da abolição da escravidão.
A Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da OAB do Piauí propôs ao Conselho Estadual e proclamou que Esperança Garcia, uma africana escravizada que viveu lá nos idos de 1700, 1800, escreveu uma carta reclamando da tortura que ela e seus familiares sofriam. E essa carta, depois, pelo historiador baiano Luiz Mott, que fotografou essa carta, então, traz toda a história de Esperança Garcia, e a Profa. Maria Sueli Rodrigues, na Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB do Piauí, submete essa carta às Ordenações Filipinas e conclui que essa carta preenchia os requisitos de uma petição. Então, o Conselho da OAB do Piauí proclama Esperança Garcia primeira advogada do Piauí. Olha que viagem, que recuperação da história que estava afastada.
Na Conferência Nacional da OAB de 2020, nós, agora, vamos trazer, pela Seccional da OAB do Rio, o caso da Mariana Crioula...
(Soa a campainha.)
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Isso é para mim? (Risos.)
O caso da Mariana Crioula...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quando toca, você tem mais cinco minutos ainda. Vai dar um total de quinze para cada um.
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Tá.
O caso da Mariana Crioula virá para a Conferência Nacional da OAB, juntamente com o caso do Manoel Congo, que, como descobrimos - todo dia a gente começa a descobrir coisas - era o segundo herói negro do Rio de Janeiro, o primeiro foi Zumbi dos Palmares, e havia um trabalho do Centro de Pesquisa e Documentação, em Mendes, no Município de Mendes, um pequeno Município do sul fluminense, e ele, Manoel Congo, virou feriado em Mendes.
Amanhã a gente vai passar o filme Menino 23 e vai instalar o consórcio de subseções para trazer também a história do Manoel Congo para a Conferência Nacional da OAB. Do Ceará vem o Dragão dos Mares e do Maranhão está vindo o Negro Cosme.
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A pergunta é: de quantos heróis e heroínas da escravidão estamos precisando? Aguardamos um resgate... Cada Município da Bahia e do Brasil tem uma história precisando ser resgatada; prédios, lendas e personagens que foram esquecidos e que precisam vir contar essa história. E é isso que a Comissão da Verdade da Escravidão Negra vem fazendo.
E, no ano que vem, a gente se dedica à questão da reparação da escravidão. Aproveito o cenário do Senado Federal para chamar a atenção para isso, porque é um debate internacional. Discute-se esse tema da reparação da escravidão hoje na campanha eleitoral dos Estados Unidos, com as Deputadas do Partido Democrata; discute-se na Austrália; discute-se no Caribe e em todo lugar se pleiteia e se postula a reparação na escravidão, que pode ser memória, pode ser símbolo, mas que também tem que enfrentar um debate econômico além das políticas públicas que vêm sendo feitas através das ações afirmativas.
Eu penso que ações afirmativas são muito importantes, têm tido, inclusive, um grande desenvolvimento, embora sempre ameaçadas. A OAB inclusive participou da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 186, que julgou cotas no sistema universitário, depois propôs a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 41, que organizou a constitucionalidade de cotas no sistema de empregos. Muitos dissídios individuais acabaram quando o Supremo Tribunal Federal, por conta de a OAB ter usado a sua legitimidade para propor o controle concentrado de constitucionalidade, na ADC 41, de relatoria do Ministro Barroso. A ADPF 186 foi de relatoria do Ministro Lewandowski.
Então, nós vamos continuar fazendo isso. Hoje o juiz não pode declarar que o sistema de cotas é inconstitucional, porque o Supremo Tribunal Federal já proclamou a constitucionalidade - e proclamou num prazo de dois anos.
É preciso avançar. A questão quilombola agora está com ADPF 632 para impor dano moral à demora da demarcação de terras quilombolas. Ela foi proposta pela Federação Nacional de Associações Quilombolas, que é minoritária - a majoritária é a Conaq. A Fenaq propôs a ação depois de realizar um seminário nacional quilombola, no Tribunal Regional Federal, no ano passado. Foi feito um livro com a pergunta: o que vem depois da ADI 3239? Ação que discutia, há 15 anos, se o Decreto nº 4887 era constitucional ou não.
Tudo bem, é constitucional. E aí? O que é que mudou na questão das 5 mil comunidades quilombolas que aguardam a demarcação de terras quilombolas? É preciso dizer que, se há 5 mil, não é só do atual Governo Federal essa conta, porque está desde 1988 para ser feita a demarcação de terras quilombolas. Essa é uma obrigação que não é do governo A, do governo B, do partido C ou D; é uma obrigação do Estado brasileiro. A questão é: quanto tempo vai demorar para que essas comunidades quilombolas, que aguardam, tenham a sua terra reconhecida e demarcada? E, para isso, como em qualquer outro litígio...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais um minuto.
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O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - ... nós estamos propondo dano moral para a demora na demarcação de terras quilombolas, que, mais do que a ação ser vitoriosa, leva esse tema ao Supremo Tribunal Federal.
Depois de 15, 20 anos, como disse o Senador, nós estamos com cabelos brancos - alguns até sem cabelo -, mas vemos aquela outra questão, que diz o seguinte: "Bom, mas eu não quero entrar no Judiciário, não quero judicialização", e hoje, lamento informar, as coisas são praticamente quase todas discutidas no Judiciário ou com grande participação do Supremo Tribunal Federal.
Então, quando o Senado da República se dedica a esse tema... Eu acabei de falar hoje de manhã sobre essa questão da reparação da escravidão. Eu milito há muito tempo como advogado na questão de ações afirmativas; na questão da juventude, do genocídio da juventude negra; na questão da intolerância religiosa e de vários outros temas que são temas-pauta permanentes do movimento negro; mas a reparação da escravidão, no horror dos anos da reparação da escravidão, é uma questão central para o Brasil de hoje e de sempre.
O Brasil jamais será uma nação de primeiro mundo enquanto não enfrentar a questão da reparação da escravidão negra, porque os anos de holocausto negro no Brasil não podem ser só enfrentados com políticas públicas; eles têm que ir mais a fundo. É preciso trazer essas pessoas como o Manuel Congo, que fez uma revolta de 400 escravos e foi enforcado em Paty do Alferes, em Miguel Pereira. E nós não sabíamos disso. Como deve haver milhões de heróis da Cabanagem, Balaiada, o...
(Soa a campainha.)
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - ... Dragão do Mar. Eu já recebi o terceiro aviso.
Eu digo que essa questão da reparação da escravidão é a questão mais importante do Brasil. Enquanto o Brasil não olhar a reparação da escravidão, jamais será uma nação de primeiro mundo. É por isso que, em outras coisas, as outras questões todas, elas são tão importantes, mas elas são sempre colocadas num olhar subjacente, um olhar: "Ah, mas não há esgoto no meio ambiente". Por que só em alguns lugares não há esgoto? Vai ver quem são as pessoas que moram ali: a grande maioria são as pessoas pobres, em sua grande maioria, são as pessoas pretas.
Também a ADPF 635 foi ajuizada agora pelo Dr. Daniel Sarmento contra a política genocida do Governo do Estado do Rio de Janeiro. É preciso fazer uma outra contra a política genocida do Estado de São Paulo. Daí porque a parceria com a Defensoria Pública da União será inevitável - e que seja feita em todos os Estados. A gente tem parceria com o Ministério Público do Trabalho. Há muito tempo que a gente tem parcerias. E é preciso avançar mais e mais. E o ano que vem com certeza será um ano de enfrentar a reparação da escravidão e ver como ela está sendo tratada não só no Brasil, como também no resto do mundo.
E como eu sempre acabo dizendo: nós vamos fazer tremer o chão desta terra!
Muito obrigado. (Palmas.)
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode voltar. Você tem um tempinho ainda.
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Desculpa: se eu não fizer isso, eu vou ser absolutamente esquartejado pela Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, minha querida amiga Rita Cortez, que criou uma comissão especial, mais uma, e eu acabei na Presidência dela. Ano que vem é tão importante...
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O Instituto dos Advogados Brasileiros é mais antigo do que a OAB. Ele tem 163 anos e agora está sendo presidido pela segunda vez por uma mulher, que é a advogada Rita Cortez. Ela criou lá a Comissão da Igualdade Racial. E o que a comissão vai fazer? Vai se dedicar unicamente a um parecer jurídico feito a várias mãos sobre aspectos jurídicos da reparação da escravidão. A promessa é para o ano que vem, em abril.
Se eu não fizesse esse registro aqui, seria um ex-Presidente muito rápido no Instituto dos Advogados.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Foi o Presidente da Comissão Nacional da Verdade e da Escravidão Negra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, um grande militante, companheiro e amigo, Sr. Humberto Adami Santos Junior, que advoga há muito tempo sobre essa causa.
De imediato, eu passo a palavra - já combinamos aqui na mesa - para a Presidenta da Associação dos Defensores Públicos do DF, Sra. Mayara Lima Tachy.
A SRA. MAYARA LIMA TACHY (Para discursar.) - Boa tarde a todas e a todos.
Gostaria de, inicialmente, aqui parabenizar o Presidente da Comissão Nacional da Verdade, Sr. Humberto Adami Santos Junior pelo belíssimo resgate da nossa história da escravidão, que realmente traz aqui um ponto de partida para a minha fala.
Queria cumprimentar os demais componentes da Mesa, na pessoa do Senador Paulo Paim, agradecendo o convite para a nossa instituição ter voz neste debate, que é tão importante.
Eu queria começar falando sobre esse comentário que foi trazido de que nós temos várias minorias e vários direitos humanos a serem protegidos. Realmente isso é extremamente relevante. A gente tem que fazer não um recorte individualizado do que a gente tem de preconceito e discriminações nossas na sociedade, mas eles são intersetoriais. Hoje eu estou aqui diante de V. Exas. e de V. Sas. junto com várias mulheres negras para falar sobre minorias. Então, duas minorias aqui que se interconectam.
É muito importante a gente fazer esse resgate porque a gente vive, Senador, um momento em que a gente ouve um mito no nosso País de que o racismo não existe. A gente ouve as pessoas falando que o nosso País é um país da diversidade, que não há racismo no Brasil e que nós não devemos nos preocupar com isso e procurar outros caminhos que devem realmente ser objeto de atenção. Mas é este mesmo País onde nós temos uma advogada que enche o peito para falar que é racista, que não gosta de negro e acredita que tudo vai ficar bem. É neste mesmo País onde nós temos juiz que concede fiança, a despeito da posição contrária do Supremo Tribunal Federal, a essa mesma advogada branca, que cometeu um crime de injúria racial, conforme consta nas acusações aí que a gente vem percebendo.
A gente já sabe que o conceito de raça não se sustenta mais. Nós não temos mais aquele conceito científico de raça que naturalmente nos segregava como negros. Nós temos agora, depois do caso Ellwanger, que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, que o Projeto Genoma identificou que todas as pessoas têm algum tipo de origem negra. Nós temos o mesmo genoma. Criou-se um conceito de racismo social para a gente poder entender o que realmente acontece, porque nós somos todas pessoas da mesma raça.
Não temos mais nenhum elemento biológico que justifique esse tipo de segregação ou qualquer tipo de discriminação contra as pessoas, mas nós temos que perceber que não só aquele racismo individual daquela moça que saiu no noticiário é relevante, enquanto nós temos 77% dos jovens negros sendo mortos todos os dias no nosso País; enquanto eu acabei de passar a manhã nas audiências de custódia, fazendo o meu trabalho ordinário de defensora pública, e, de 23 audiências de custódia na minha sala, pelo menos 16 jovens eram visivelmente negros. Nós não podemos dizer, no Brasil, que o racismo não existe. O racismo é evidente. Quantas pessoas nós temos ali, representando a nossa raça, no poder?
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E a gente tem de tomar muito cuidado com essa ideia de representatividade, porque, às vezes, ela exatamente camufla. Na minha instituição, eu sou a Presidente da Associação, mulher e negra. A Defensora Pública-Geral da minha instituição também é mulher e negra. E, aí, nós tendemos a olhar para isso e achar que está tudo bem, achar que não há racismo no Brasil. Mas o racismo no Brasil é uma questão estrutural. É uma questão que está dentro das nossas instituições e que precisa ser mudada, e as ações afirmativas são um dos caminhos para conseguirmos esse caminho, para conseguirmos chegar nesse objetivo.
Mas nós temos de pensar também no racismo individual, quando nós temos agressões a pessoas ainda simplesmente pelo fato de serem negras; quando temos um rapaz que é abordado por agentes no metrô e é praticamente torturado - um rapaz de 14 anos, sem que houvesse qualquer suspeita concreta em relação a ele -; e quando a violência contra a mulheres brancas, de 2003 a 2013, diminuiu 10%, mas a violência contra mulheres negras aumentou mais de 50%.
Alguma coisa está errada no nosso País, e nós temos que realmente problematizar essa questão e não podemos fechar os olhos para isso.
Nós temos exemplos diários disso. A capa da revista IstoÉ Dinheiro recentemente mostrou os principais empreendedores do País. Nós vimos lá somente homens brancos. A capa da revista Exame também trouxe aquelas pessoas que mais venceram financeiramente: homens brancos.
Então, Senador, nós não podemos fugir da ideia de que há uma interseccionalidade entre isso e nós temos de discutir, sim, raça junto com gênero. A gente tem de entender, sim, que mulheres negras sofrem mais, muito mais, porque elas estão ali na parte mais baixa da cadeia alimentar. Elas recebem menos, elas são mais penalizadas pela nossa cadeia tributária simplesmente porque são mulheres e negras.
Então, isto que está acontecendo aqui hoje, este momento de debate, é muito importante. Ele tem de ser replicado não só no Dia Internacional dos Direitos Humanos. Nós temos de problematizar esta questão de forma diária. Nós temos de levar isto para a mídia, nós temos de mostrar que o nosso País está doente. Nós temos de entrar nas nossas instituições e começar a trabalhar a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho.
Senador, curiosamente, o nosso Distrito Federal agora está discutindo cotas para negros no nosso sistema de acesso a concurso público - nosso Distrito Federal, a capital do nosso País.
Então, enquanto nós não pensarmos em incluir essas pessoas e tentar reverter os anos de prejuízo pela escravidão, que não podem ser esquecidos por nós, porque eles estão no passado, mas eles não acabaram - ainda temos reflexos até hoje sobre isso -, nós não vamos conseguir resolver o problema do racismo.
Então, é uma iniciativa extremamente louvável que nós tenhamos isso. Nosso poder não pode discriminar de forma ativa, mas, muito pelo contrário, ele tem de incluir de forma ativa essas pessoas.
Nós estamos vendo aqui um Plenário com muitas pessoas de origem negra, posso dizer que a grande maioria, mas ainda assim não temos um Plenário cheio, porque, infelizmente, este não é um assunto de principal interesse da população, que tende a querer cada vez mais normalizar o racismo e entender que isso é normal. Isso não é normal.
Nós temos, então, de trabalhar o racismo institucional por forma de ações afirmativas. Nós temos de problematizar a questão. Nós temos de trazer isto para os meios de divulgação. Nós temos de levar isto para os jornais. Isto tem de aparecer na nossa novela. A novela tem de mostrar pessoas negras em posições em que elas deveriam estar e não simplesmente relegá-las à condição de empregada doméstica, à condição de bandido ou bandido clássico, porque reproduzimos, então, o imaginário popular quando trazemos essas posições para as pessoas que estão ali apreendendo essa informação.
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Eu gostaria de entrar num detalhe que para mim é o detalhe que me é mais caro, como Defensora Pública. Eu sou Defensora Pública da área criminal, então isso, para mim, é bastante evidente. A gente percebe que o novo encarceramento em massa é uma nova escravidão. Nós estamos segregando pessoas de uma nova forma, porque a escravidão já não é mais aceita. Então, nós encontramos formas de tirar aqueles indesejáveis do nosso convívio. Nós não queremos o criminoso, nós não queremos o negro. Então, nós vamos colocar o negro nessa figura. E a gente tem um encarceramento em massa de jovens negros.
Eu visito semanalmente os nossos presídios aqui no Distrito Federal - eu posso dizer que ainda são os melhores do País - e ali realmente a situação é de desumanidade. É de afastamento da dignidade daquelas pessoas que deixaram de ser humanas e deixaram de ser humanas muito tempo atrás, quando nós falávamos que não queríamos os negros convivendo conosco.
Em 1951, nós tivemos a primeira legislação que tratou sobre a discriminação, a Lei Afonso Arinos. Mas nós ainda precisamos evoluir muito.
Hoje os noticiários divulgaram a nova Miss Universo, uma mulher negra. Novamente nós temos mulheres negras nessa posição. Nós temos a ideia que começa a surgir de que o negro é bonito, mas nós temos que tomar muito cuidado para que isso não nos cale e não nos faça invisibilizar a luta que acontece há muito mais tempo. Hoje nós temos uma mulher negra sendo Misso Universo no nosso mundo. E isso aí é um motivo de muita vitória, de muitos aplausos. (Palmas.)
E o discurso dessa mulher trouxe uma fala que nós não podemos esquecer nunca. Nós precisamos empoderar não só essas mulheres, mas essas pessoas, para que elas possam buscar aquilo que lhes foi tirado há muito tempo.
Meu discurso aqui é eminentemente de reflexão. Nosso encarceramento traz muitos negros, traz negros nos crimes em que eles são mais penalizados. Então, nós temos uma penalidade muito alta para os crimes de tráfico e os crimes contra o patrimônio, que naturalmente são atribuídos aos negros, mas não percebemos que o nosso sistema é feito para encarcerar negros...
(Soa a campainha.)
A SRA. MAYARA LIMA TACHY - .... e que isso demanda uma estrutura de poder e que a nossa estrutura de poder é naturalmente uma estrutura racista. Nós não percebemos que com isso tiramos direitos dessas pessoas. Elas têm o status delas alterado para sempre, porque elas vão ser sempre ex-presidiárias. E a gente sabe o quanto já é difícil para um negro conseguir se inserir no mercado de trabalho sem nenhuma pecha de ex-presidiário. Nós tiramos a dignidade dessa pessoa.
Eu queria deixar, para finalizar, uma reflexão, uma frase de um grande filósofo do Direito, Silvio de Almeida, que é um dos maiores defensores dessa ideia de racismo estrutural, de que o racismo não é meu, não é seu, não é unicamente das instituições, mas é da nossa sociedade como um todo. Esta frase tem que pautar todos os dias a nossa luta pelos direitos de igualdade racial: "Não existe e nunca existirá respeito às diferenças em um mundo em que as pessoas morrem de fome ou são assassinadas pela cor da sua pele".
Muito obrigada a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nossos cumprimentos à Presidente da Associação dos Defensores Públicos do DF, Sra. Mayara Lima Tachy. Parabéns pela fala e pela exposição com o brilhantismo que esperávamos. Meus cumprimentos, Doutora. Parabéns!
Passamos a palavra agora à Mestre em Direito e Criminologia da Universidade de Brasília, a Sra. Deise Benedito.
(Palmas.)
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A SRA. DEISE BENEDITO (Para discursar.) - Boa tarde a todos e todas. Eu quero agradecer mais uma vez ao Senador Paulo Paim o convite que foi feito para estar aqui nesta sessão solene alusiva ao Dia dos Direitos Humanos e a população negra.
Para a gente começar a falar de direitos humanos, a gente tem que lembrar os conceitos humanísticos que dão direitos a seres humanos. E nós sabemos que, ao longo da história da humanidade, sempre houve aqueles que eram considerados menos humanos. E quando eu trago essa humanidade para o Brasil, os menos humanos foram os povos indígenas, que foram largamente exterminados e mortos. Os primeiros a serem torturados, os primeiros a serem aprisionados, os primeiros jovens a serem presos foram jovens indígenas.
Quando a gente fala dessa violência contra a mulher, as primeiras mulheres violentamente ultrajadas na sua dignidade foram as mulheres indígenas, não é? Então a gente não pode deixar de falar dos povos indígenas quando a gente vai falar de direitos humanos da população negra, até porque essa população foi protagonista da dor, do preconceito e da discriminação neste País.
E aí, quando eu falo também dos menos humanos, o que foi feito da população africana no Brasil? Jovens africanos que aqui ficaram na condição de serem escravizados. Porque eram jovens que vieram para cá. Eram jovens que vieram para desenvolver este País, para fazer este País crescer e se desenvolver durante o processo da escravidão.
E eu sempre digo que a escravidão que durou mais de 300 anos neste País foi uma execução penal sem crime. As pessoas, por serem africanas, automaticamente foram condenadas a cumprir uma pena neste País, serem açoitadas, sendo humilhadas, sendo despersonalizadas na sua essência de pessoa.
E aí, quando a gente fala desse processo da crueldade da escravidão, há dois períodos muito interessantes: 1789, que abre a grande revolução, os grandes comentários sobre a questão dos direitos humanos no mundo; e a França tem a guilhotina, tem a Revolução Francesa, em 1789. Então, enquanto a França proclama egalité, fraternité, socialité, cada um interpreta como quiser o resto, a população africana aqui estava sendo escravizada. E a França escravizava largamente outros africanos, falando de igualdade, fraternidade e solidariedade. E pregando o início de toda a história dos direitos humanos. Olhem a incoerência da Declaração dos Direitos Humanos.
O que foi a Revolução Francesa? Muito semelhante à Inconfidência Mineira. Vamos libertar, vamos nos livrar de Portugal; mas nenhum parágrafo diz: "vamos acabar com a escravidão".
Então, quando a gente fala da luta por direitos, a luta pela existência e plenitude de negros e indígenas sempre foi um grande desafio no nosso País, porque somos inadequados dentro dum padrão civilizatório branco e europeu. Somos inadequados. Indígenas, tratados... Até poucos dias, um procurador chamou os povos indígenas de vagabundos. E também ofendeu os quilombolas. Quer dizer, essa população é inadequada a acessar direitos; é despersonalizada na sua essência de sujeito de direitos.
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E, aí, quando falamos dessa questão dos direitos humanos, temos de perguntar: o que são direitos humanos? O pleno direito a existir, o pleno direito a ter direitos. E, aí, quando a gente passa por essa história que foi a escravidão no Brasil, um dos piores crimes contra a humanidade desde o seu nascedouro é transformar as pessoas em não pessoas. A gente tem um grande caso hoje na nossa sociedade, que são os efeitos dessa execução penal sem crime que foi imposta. As sequelas do fim da execução dessa pena ainda perduram: o racismo, a discriminação, o racismo institucional, a violência racial.
E, aí, quando a gente fala dessa violência racial, a gente vê como ela se dá e como ela se propõe. Assim, hoje, aqueles jovens de 18 a 25 anos, que vinha largamente para o Brasil para trabalhar, da condição de traficados, hoje encontram-se presos na condição de traficantes. De traficados a traficantes. Eram objetos, eram licitamente trazidos para o Brasil e, hoje, estão presos por portarem objetos ilícitos. Olhem a ironia: terem os seus antepassados traficados, principalmente após o fim do tráfico - a lei que pôs fim ao tráfico é de 1850, e o tráfico perdurou ainda clandestinamente por mais de 50 anos neste País... E, aí, os mesmos processos que hoje a gente ouve falar do tráfico de drogas no Brasil... Era tráfico de drogas... Hoje, fala-se em tráfico de drogas, mas antes se traficava pessoas, jovens. Estes eram altamente comercializados junto com armas, o que não é diferente do processo de tráfico de drogas como a gente vê hoje.
Então, eu sempre falo: um país que durante 300 anos traficou carne humana não poderia deixar de ter um grande know-how no tráfico de drogas. A experiência é que fez com que isso se alastrasse até os dias de hoje. De traficados a traficantes. E presos como traficantes, mas não como grandes traficantes. Eu sempre digo e afirmo que esses jovens que se encontram presos, que trabalham no tráfico, na grande empresa das facções, são explorados nessa ótica capitalista da droga. Eles têm hora para pegar no fuzil, mas não têm hora para largar o fuzil. Essa é que é a grande verdade! O tráfico de drogas é uma grande empresa que gera lucros e dividendos para outras empresas e financia alguns políticos que frequentam esta Casa.
Ao mesmo tempo, quando a gente coloca essa situação, a gente coloca uma situação mais grave, que é a questão das mulheres que se encontram nas prisões, também uma grande maioria de mulheres condenadas pelo crime de tráfico de drogas. Mais uma vez: de traficadas a traficantes.
E, aí, quando nós vemos a história de vida dessas mulheres, nós nos perguntamos: quem são essas mulheres? De onde vêm essas mulheres? De onde vêm esses jovens que estão ocupando os lugares nas prisões? Eles vêm de uma política excludente, tão criminosa ou muito mais criminosa que qualquer delito praticado por eles, Senador. (Palmas.)
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É o descaso das políticas públicas neste País, a ausência de compromisso no pós-abolição com escola, com moradia, com saúde, o que nunca foi assegurado para a população negra, nunca foi garantido a essa população negra, que só passa a frequentar a escola depois de 1930. E, quando nós falamos da educação, nós estamos falando de um direito que foi assegurado aos imigrantes: os imigrantes italianos tiveram assegurado terra, trabalho e educação; e a população negra, não. E, na situação que nós estamos vivendo no nosso País atualmente, estamos beirando as mesmas condições do dia 14 de maio de 1888: sem trabalho, sem educação e sem moradia, porque, com as novas políticas que se avizinham aí no que se referem ao acesso ao trabalho, ao acesso à saúde e à nova metodologia que está sendo aplicada para a empregabilidade de pessoas, veremos que a maioria da população negra vai continuar desempregada. Hoje ela é a maioria no trabalho informal, e vai aumentar essa informalidade. E aí, nós teremos uma população negra revivendo...
(Soa a campainha.)
A SRA. DEISE BENEDITO - ... a mesma saga de dor e sofrimento, descaso e discriminação que viveram seus antepassados.
E aí, quando a gente fala dessas mulheres negras, essas mulheres negras que estão lá são as mulheres que estão na base da pirâmide, são mulheres que são vítimas da violência doméstica, são mulheres que foram vítimas da violência obstétrica, da violência institucional dentro dos espaços públicos, dentro, principalmente, dos hospitais públicos deste País, em que médicos não colocam a mão em mulheres negras, onde as mulheres negras, durante o momento em que vão dar à luz, ficam mais tempo aguardando atendimento médico, porque dizem: "Mulher negra pode esperar. Elas são mais fortes" - uma visão racista e escravagista da dor e do sofrimento impostos a essas mulheres.
E aí, quando a gente vê essa situação da discriminação, a gente está vivenciando outros processos. A cor da nossa pele define os lugares em que temos que ficar e os não lugares, os que não devemos frequentar.
A gente está vendo, Senador, principalmente nos aeroportos, um novo método de abordagem em que, quando a gente passa, a luzinha apita, mas apita para preto. E aí a gente, na frente de várias pessoas, é obrigado a retornar, porque dizem: "Existe alguma coisa de suspeita com você". Eu ontem respondi, no aeroporto, a essa afirmação de que existia alguma coisa de suspeita: "Existe, a cor da minha pele. A cor da minha pele é a suspeição". Voltei e falei: "Você achou uma FAL? Você achou uma AR-15 ou uma AK-45 junto comigo?".
Quer dizer, você vê que as empresas estão atuando no sentido de coibir esse ir e vir - e são terceirizadas, as mesmas empresas terceirizadas que permitiram que um jovem negro fosse chicoteado no interior do supermercado este ano. Essas empresas ainda permitem que jovens sejam chicoteados no interior de supermercados, vítimas de tortura e maus-tratos! E aí, quando a gente fala isso, a gente ainda enfrenta não só essa questão da discriminação racial, como essa perseguição constante: "Aonde você vai? Quem é você?".
E aí, quando a gente fala disso, a gente também tem que ver um outro lado, que é esse lado da questão do extermínio. A gente, neste ano, foi brindado com os 80: "Oi, tenta ser negro; oi, tenta sair com a sua família num carro; oi, tenta entrar numa joalheria; oi, tenta ser bem tratado num hospital público; oi, tenta fazer uma denúncia numa delegacia". Foram 80 tiros que mataram uma família, 80 tiros por tentarem se divertir num final de semana. A bala que mata Ágatha, a bala que mata Marielle, a bala que mata vários jovens no fim de semana, a cada 23 minutos, porque, neste momento em que eu estou falando aqui, há um jovem negro sendo alvejado por bala em qualquer parte deste País...
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E, aí, quando a gente fala disso, a gente também fala de um extermínio lento, gradual, seguro e eficaz para a política pública de extermínio de uma população neste País, porque, quando eu perco, no País, 60 mil jovens por ano, sendo que mais de 60% são jovens negros, na faixa de 18 a 25 anos, eu não estou só perdendo jovens; eu estou perdendo médicos, advogados, cientistas, engenheiros, analistas, políticos, Senadores. Eu estou também deixando de ter a contribuição desses jovens vivos no INSS (Palmas.) porque, se esses jovens estivessem vivos, por quantos anos de vida esses jovens poderiam trabalhar e contribuir? Então, é um País que dá tiro no pé. Esse fuzil - saia de onde sair - sempre tem o gatilho do Estado apontado. É o Estado que está matando. Há várias formas de se matar hoje em dia: com a ausência da saúde, da educação, da moradia, do meio ambiente, com a questão quilombola, a questão indígena. Olhem as formas de se tirar aquilo que a gente considera inadequado neste País, varrendo para debaixo do tapete da extinção.
Quando a gente - já estou indo para o término da minha fala... Eu acho que há uma outra questão, que são os esforços empreendidos. Neste ano, nós somos brindados...
(Soa a campainha.)
A SRA. DEISE BENEDITO - ... com o pacote Moro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais dois ainda.
A SRA. DEISE BENEDITO - Fomos brindados com o pacote Moro, e foi criado, constituído na Câmara, o GT penal que realmente tinha o objetivo de atuar e reduzir os danos desse pacote Moro antes de ele vir para o Plenário da Câmara. Pela primeira vez, foram realizadas mais de 15 audiências, e, nessas audiências, a gente teve a presença de jovens advogados e juristas negros, como Marivaldo Pereira, Gabriel Sampaio e Silvia Souza, a primeira mulher negra a fazer uma defesa no STF, uma jovem negra que fez uma defesa contra a prisão em segunda instância. Pela primeira vez na história do STF no Brasil, uma mulher negra faz uma sustentação no STF. (Palmas.) Na nossa história!
Nós tivemos a participação de Lívia Casseres, Defensora Pública do Rio de Janeiro; Samuel Vida; Luciano Góes...
(Soa a campainha.)
A SRA. DEISE BENEDITO - E ainda temos brilhantes defensores negros. Eu falo da defensoria, de todo o meu xodó pela defensoria, porque a defensoria trabalha com aquilo que ninguém quer trabalhar: pobre, preto, gay, lésbica, sem-terra, sem-teto, indígena. É colocar a mão no barro, é sentir a vida pulsando em busca de Justiça,
Eu queria que tivéssemos o mesmo número de promotores públicos - defensores da lei - e de defensores públicos, a mesma estrutura que há no Ministério Público. (Palmas.)
Eu queria ver isso nas defensorias públicas. Eu queria ter todo aquele conforto do ar-condicionado do Ministério Público nas defensorias públicas. Aí eu poderia falar do art. 5º, que fala do princípio da igualdade, do acesso à Justiça.
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E, terminando, eu gostaria também, Sr. Senador, de aproveitar a oportunidade, já que a gente está...
(Interrupção do som.)
A SRA. DEISE BENEDITO (Fora do microfone.) - Acabou o som?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, não acabou não.
(Soa a campainha.)
A SRA. DEISE BENEDITO - Ah, tá. Já estou no fim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A senhora reclamou e ganhou mais dois minutos.
A SRA. DEISE BENEDITO - Eu queria aproveitar a oportunidade para agradecer não só ao Senado, na sua pessoa, mas a todos os companheiros que lutam neste momento, e dizer que Paraisópolis somos nós. Quando matam, quando exterminam, quando massacram, um pedaço de nós também é massacrado. É parte da nossa vida e da nossa história. Sabemos que os interesses são outros. Quando se fala da discriminação do funk, é uma discriminação bairrista de São Paulo, porque eu sou paulista e digo: é o preconceito contra os cariocas, é o preconceito contra o funk do Rio de Janeiro, é o preconceito contra uma juventude que não tem lazer e não tem aonde ir, porque, lamentavelmente, com respeito a todas as religiões, os locais de lazer de São Paulo foram transformados em igrejas evangélicas, em busca da compra de almas perdidas aos reinos dos Céus. Aí essa população não tem onde se divertir.
(Soa a campainha.)
A SRA. DEISE BENEDITO - Então, eles vão para as ruas, porque a rua nos acolhe, a rua nos recebe.
E aproveito para mandar solidariedade aos familiares de Paraisópolis e de todas as comunidades do nosso País, lembrando também que, quando se fala da Defensoria... E você falou brilhantemente. E o Humberto falou de Esperança Garcia e Luiz Gama. Que sejam Esperança Garcia e Luiz Gama os patronos da Defensoria Pública do Brasil!
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nossos cumprimentos à Sra. Deise Benedito, Mestre em Direito e Criminologia da Universidade de Brasília (UnB), de longa jornada no movimento e sempre com a mesma fibra, a mesma raça. Parabéns!
Agora eu passo a palavra à Defensora Pública Federal Viviane Ceolin Dallasta Del Grossi, que convidamos hoje pela manhã para fazer uma exposição baseada no trabalho da Defensoria lá de São Paulo e naquele massacre da juventude negra. Fiz o apelo para que ela viesse aqui à tarde. De pronto, como boa defensora... Todos são bons. Todos os defensores, homens e mulheres, são bons.
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI (Para discursar.) - Estou aqui.
Boa tarde a todas e a todos. Tomei um fôlego agora com essa fala maravilhosa da Profa. Deise. Cumprimento os colegas da Mesa, na pessoa do Senador Paulo Paim, a quem eu agradeço muito pelo convite - é uma honra e uma alegria estar aqui hoje, falando no Plenário o que eu já comentei pela manhã -, e também cumprimento os colegas, que eu já conheço de outros espaços, enfim.
Eu começo a minha fala hoje trazendo um caso. Profa. Deise, vou aproveitar que a senhora concluiu a sua exposição anterior com Paraisópolis e vou interagir com a senhora aqui para a gente conversar, fazer um bate-papo.
Paraisópolis. Direito de reunião na periferia.
Outro evento histórico que comprova a frustração do direito de reunião e a atuação inadequada da Polícia Militar do Estado de São Paulo ocorreu agora, longe dos holofotes do grande público, em Paraisópolis. Cansados da situação de violência, os moradores organizaram-se e levaram ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo diversas declarações manuscritas, dando conta das inúmeras arbitrariedades dos policiais militares.
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Segundo os moradores, é comum reunirem-se nas ruas para concretizarem seu direito ao lazer, já que o bairro, assim como ocorre, via de regra, nas periferias da capital, não proporciona oportunidades de entretenimento a eles. Assim, os habitantes da localidade reúnem-se na via pública, defronte a bares e restaurantes, para reverem os amigos e se divertirem, concretizando, assim, ainda que minimamente, o direito constitucional que todo cidadão tem ao lazer.
Contudo, vêm encontrando resistência da Polícia Militar, a qual, de maneira violenta, surge todas as noites e dispersa os moradores, violando-se o direito de reunião. Além de violarem o direito de reunião pacífica dos moradores, a Polícia Militar utiliza-se de métodos violentos, completamente desnecessários e desproporcionais.
O modus operandi que a Polícia Militar utiliza no bairro de Paraisópolis é o mesmo narrado nas outras manifestações que estamos descrevendo. Não permitem que haja aglomeração de pessoas, desrespeitando o direito constitucional de reunião, agindo de forma violenta e truculenta, com bombas de gás, spray de pimenta, armas de fogo com balas de elastômero, vulgarmente conhecidas como balas de borracha.
Profa. Deise, quando a senhora acha que aconteceram esses fatos que eu narrei agora?
A Sra. Deise Benedito - Não estão acontecendo de hoje. Já há muito tempo que Paraisópolis está sofrendo, como outras comunidades em São Paulo, e as pessoas temem denunciar pelas represálias que podem vir da polícia.
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI - Exatamente! Esses trechos que acabei de ler são de uma ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizada em 2014. Essas denúncias começaram em novembro de 2012, e em janeiro de 2013 Daiane ficou cega de um olho em razão de uma bala de borracha que perfurou seu globo ocular.
Então, o que eu quero trazer aqui hoje é que essa violência não é pontual. Essa violência é sistemática, é estrutural. Ela é uma violência que remonta há muito tempo e que já é de amplo conhecimento.
E também, para dar sentido à minha presença aqui hoje, eu quero dar voz e trazer outro relatório que foi feito, que foi o relatório Circuito Favelas por Direitos. Esse relatório foi feito pela Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e a Defensoria Pública da União durante a intervenção federal ocorrida em 2018, em que o colega Thales Arcoverde Treiger, que, com seu trabalho de excelência, participou desse circuito, desse relatório, cujo maior legado, eu acredito, são os direitos, o respeito e a empatia, em que houve o recorrido por 30 favelas, em que houve uma aproximação e uma escuta da comunidade. E eu vou trazer aqui alguns relatos que constam nesse relatório cuja leitura eu recomendo fortemente. Vale a pena procurar o relatório Circuito Favelas por Direitos:
Tem sempre três ou quatro mais nervosos e mais abusados, e a gente, mulher, sofre mais com isso. Minha filha estava tomando banho, e dois policiais saíram entrando na minha casa e olhando tudo. Um foi ao banheiro e abriu a cortina com ela pelada dentro. Ela gritou e ele disse: "Cala a boca, sua piranha!".
[...]
O caveirão sempre vem também. O pior é que ele chega na parte que nem tem saneamento. Vem na área mais crítica, mais pobre. Arrebentam com os nossos barracos. Os policiais chamam a gente que é mulher de piranha. Dão tiro para o alto para a gente sair da rua. Mas qual a diferença de estar na rua e em casa se eu moro no barraco? Não tenho nenhuma proteção, não. Eles entram nas nossas casas, mexem na panela, abrem a geladeira. Acham que tudo que a gente tem é roubado, pedem nota de tudo, tem que ter nota de tudo?
[...]
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Fui tirado da minha cama 5h30 da manhã, estava dormindo, fui jogado no beco praticamente sem roupa e começaram a me agredir mesmo eu falando que era trabalhador e minha mãe mostrando a [...] [carteira de trabalho]. A minha sorte foi que os vizinhos todos saíram de casa e impediram que fizessem o pior comigo.
[...]
Eu estava com a minha filha, amarrando o cabelo dela, aí veio uma fumaça, era gás. Minha filha disse: "Mamãe, não estou conseguindo respirar". Acho que era represália porque colocamos um papel para avisar que tinha criança em casa e evitar os tiros. Minha filha fica apavorada, ela tem 7 anos, ela chora, não quer ir para a escola, diz que não quer me deixar aqui sozinha porque tem medo de me perder. Já pediram para entrar e revistar, veio com cachorro. A gente não sabe o horário que vai começar a dar tiro. Quando começa, eu boto a minha filha no chão e deito em cima dela.
Uma liderança local relatou a seguinte situação:
Trinta homens nessa favela que é pequena. Vários deles atirando pro alto. Pedi a documentação das ações que eles estavam fazendo e o policial respondeu: "Fala com o Braga Neto". Liguei pro batalhão e eles disseram que não estava tendo operação. A vida da favela toda alterada, as pessoas acuadas e impedidas de circular, sem que exista nada oficial, sem que a gente tenha a quem recorrer e saber o que está acontecendo, o porquê está acontecendo. A gente não é nada, a gente é lixo.
[...]
O camburão aqui trabalha como uma máquina de matar por dentro e por fora, porque acontece muito de a pessoa ser colocada lá viva e depois aparecer morta jogada em algum lugar.
Esses relatos dão conta de uma perspectiva de que a letalidade policial, que também consta nesse relatório, assume vários formatos, que são o impedimento de prestação de socorro, alteração de cena, execução, chacina. O relatório todo é permeado desses relatos das pessoas que participaram, dos colegas que participaram, dos colegas que foram até a comunidade.
Profa. Deise, acho que a gente não precisa de ar-condicionado, porque a gente tem mais é que estar na rua indo até onde as pessoas estão. É essa nossa missão. (Palmas.)
No final, o relatório conclui com muitas recomendações, mas uma que mais me chamou a atenção foi a recomendação de que não se faça revista nas mochilas de crianças, não se faça revista em crianças e que as revistas às mulheres sejam feitas por mulheres e não por homens. É tão óbvio e tão básico, mas precisa estar escrito isso. Onde faltam os direitos mais básicos, de dignidade, onde falta saneamento, onde falta comida, faltam também os direitos procedimentais mais básicos. Então, é algo que redunda, é uma coisa que leva a outra nessas regiões periféricas.
Mas eu volto aqui para a minha exposição para dar sentido...
(Soa a campainha.)
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI - ... para comprovar que é algo muito de longa data. É imprescindível lembrar o caso Cosme Rosa Genoveva e outros versus Brasil, conhecido como Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Foi a primeira condenação, foi o primeiro caso brasileiro, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tratou da impunidade em casos de violência policial, em que a Defensoria Pública da União também atuou como amicus curiae e que tratou da impunidade da violência policial para casos que ocorreram em 1994 e 1995.
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A corte assentou que a violência policial é problema de direitos humanos no Brasil. A condenação foi publicada em 2017, sendo que uma das condenações expressas da sentença da corte é a redução da letalidade policial no Rio de Janeiro. E, hoje, em 2019, após o prazo de cumprimento das determinações da corte, a letalidade policial no Rio de Janeiro só aumenta. Segundo dados oficiais do Observatório de Segurança Pública em 2019 sobre letalidade, 40% das mortes violentas cometidas no Rio de Janeiro são homicídios e decorrentes da abordagem policial. Então, a letalidade chegou a 40% no Rio de Janeiro. É um dado chocante.
Há falhas comuns nas investigações associadas à letalidade policial que são mencionadas também na ação da Defensoria Pública do Estado - que não sei se são falhas intencionais ou não. A gente sabe que há falta de exame médico legal nos policiais também, quando há esse enfrentamento para saber se houve ou não confronto; há retirada dos corpos do local do crime por pessoas não autorizadas conforme os protocolos estaduais; há ausência de exame de corpo de delito nas vítimas. Então, eu não vou agora me prolongar lendo todas essas falhas, mas elas são muitas, muitas mesmo.
Segundo a Anistia Internacional, o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. E essa letalidade é muito direcionada, como já foi dito aqui. Essa violência produz reflexos diretos e nocivos nas camadas da população vulnerável, periférica, jovem e negra. E nesse sentido, para comprovar o que eu estou falando, é interessante trazer os dados, as informações da pesquisadora Flávia Medeiros, que trabalhou no IML do Rio de Janeiro por nove meses nas ações policiais, vendo os cadáveres das abordagens policiais. Ela fala: "Eu nunca acompanhei uma necropsia, tampouco vi nos registros produzidos pelos policiais o cadáver de uma pessoa branca morta por projétil de arma de fogo".
Em 2016, o Relatório Especial da ONU para Questões Relativas a Minorias já havia pedido a abolição dos autos de resistência, abolição do que se chamava de resistência seguida de morte; o auto de resistência como classificação oficial, realmente foi abolido, mas as execuções extrajudiciais e sumárias continuam ocorrendo. E a Profa. Deise também lembrou o pacote anticrime, que a gente espera que as excludentes de ilicitude permaneçam fora desse pacote, porque, caso elas passem, elas vão ser a autorização que não estava faltando - infelizmente.
Norberto Bobbio, na obra A era dos direitos, afirma que uma das poucas lições certas e constantes que podemos retirar da história é que a violência chama a violência não só de fato, mas também com todas as suas justificações éticas, jurídicas e sociológicas - o que é considerado mais grave.
Em relação aos fatos recentes ocorridos em Paraisópolis - os fatos recentes, porque a gente sabe que os fatos ocorrem há muito tempo -, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou a chacina e pediu a apuração dos fatos. A violência no nosso País é grave, sistêmica, estrutural e permeada de condutas desproporcionais.
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A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, segundo informações gentilmente repassadas pela colega Daniela Trettel, comenta que há mais de 100 apurações sem conduta sendo apuradas. Nessas peças, eles exemplificam essas condutas desproporcionais com casos concretos.
Quanto a algumas teorias e teóricos cuja fundamentação...
É importante, neste momento, a gente tentar buscar alguma explicação teórica...
(Soa a campainha.)
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI - ... alguma fundamentação, algo que possa nos dar pistas do que está acontecendo.
Neste contexto, eu acho muito pertinente lembrar a Teoria do Estado de Exceção Permanente, do teórico Giorgio Agamben, para quem o Estado de exceção permanente configura um Estado esvaziado, um espaço vazio de direitos. Não implica que isso aconteça dentro de uma ditadura, de um Estado totalitário.
E o que eu quero trazer aqui, com esse raciocínio, é que justamente Paraisópolis é o maior exemplo desse Estado esvaziado, em que não há políticas públicas e em que o Estado só chega para matar. Então, o Estado não chega lá, o Estado não fornece educação, o Estado não trabalha com posturas e condutas preventivas. O Estado só chega, o Estado falido só chega quando, na verdade, as pessoas estão se divertindo, né?
Ainda que oficialmente a gente também precisa reconhecer que a gente ainda não vive num Estado de exceção, afinal as polícias militares ao redor do Brasil e ao longo do nosso País não atuam só ilegalmente, elas não atuam na ilegalidade. A gente não pode dizer que a gente vive num Estado de exceção, mas a gente tem de prestar muita atenção porque há indícios de que, se a gente não tomar cuidado, a gente pode chegar, sim, nesse ponto.
Quando o Giorgio Agamben fala, ele fala de um Estado de exceção para um cumprimento de determinados objetivos. Sobre esses objetivos, eu também não posso deixar de mencionar o filósofo camaronês Achille Mbembe, cuja obra temos à disposição, a Necropolítica. Ele não fala em Estado de exceção. Ele trata como soberania. Para ele, a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa...
(Soa a campainha.)
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI - ... quem é descartável e quem não é.
O necropoder consiste na decisão soberana de quem vive e de quem deve morrer. Exercer controle sobre a mortalidade e a relação com o Estado de exceção são a base normativa do direito de matar.
E aqui, também, eu volto a refletir sobre as questões do pacote anticrime para que a gente não esqueça.
Para além da chacina de Paraisópolis, em que Bruno, Dênis, outro Dênis, Eduardo, Gabriel, Gustavo, Luara, Marcos e Mateus morreram, também temos o Lucas, de 14 anos, de Santo André, que apareceu morto numa represa recentemente, o Miguel, de 12 anos, de São José dos Campos. São inúmeros casos, e eu acho importante nominá-los porque, nessa perspectiva de mudança de mentalidade, a gente vai ter de passar por uma questão de justiça de transição de verdade, de memória...
(Soa a campainha.)
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI - ... e essas pessoas precisam ser lembradas.
O Condepe, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em São Paulo - estou concluindo -, está tendo uma atuação e já criou um comitê interinstitucional com várias organizações de defesa para apuração das mortes e das circunstâncias das mortes, já que recentemente saíram os laudos preliminares em que não há marcas nos corpos, em que as mortes ocorreram por asfixia, enfim.
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Então, hoje, conforme informações do Presidente do Condepe, Dr. Dimitri Sales, deve ser formalizada a Comissão Externa com uma reunião agora com o Governador às 18h, cujo papel - dessa Comissão - será técnico, não substituindo o Poder Público.
Nesta semana, dia 11, às 15h, nós teremos também uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado para apurar as circunstâncias das mortes e também as preocupações que a gente deve ter no sentido de fornecer apoio, amparo psicológico...
(Soa a campainha.)
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI - ... e material às famílias.
Eu queria concluir falando que neste País, realmente, a gente tem um crime muito grave. Nós temos um crime de extrema gravidade que é punido com pena máxima e para o qual nós não precisamos atingir a maioridade penal para ser punidos: é o crime de nascer pobre e, mais ainda, mais qualificado ainda, se formos negros, jovens e periféricos.
Eu trago isso para reflexão - as colegas já trouxeram a questão da escravidão -, e eu espero também que, nesta data de comemoração, em 2030, graças à agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a gente possa dizer que isso não exista mais, ainda que seja uma utopia, que em 2030 algo tenha melhorado, porque hoje, realmente...
(Soa a campainha.)
A SRA. VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSI - ... a gente tem essa política sistemática do Estado institucionalizada, esse racismo institucional.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Defensora Pública Federal, Sra. Viviane Ceolin Dallasta Del Grossi, meus cumprimentos.
Por isso que há duas Defensoras na Mesa, pelo trabalho de vocês.
Concluindo os trabalhos desta Mesa, convido agora a Coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, Sra. Makota Celinha.
A SRA. MAKOTA CÉLIA GONÇALVES (Para discursar.) - Boa tarde a todos e todas.
Eu gostaria de, na pessoa do meu companheiro Senador Paulo Paim, cumprimentar toda a Mesa, dizer que é um grande prazer estar aqui e trazer um pouco...
Eu gostaria um pouco de pegar essa data, Senador, e perguntar: por que há o 10 de dezembro? Por que a ONU criou essa data? Foi uma tentativa de mostrar para a humanidade que vidas importam, isso, em 1948, quando o mundo saía da Segunda Guerra Mundial, de um processo perverso de colonialismo. Infelizmente o homem não aprendeu com a lição.
Em 2019, nós estamos aqui no Senado do Brasil ainda discutindo o direito à vida, ainda discutindo o direito à prática religiosa. Então, acho que a gente tem que trazer esse resgate porque quando você espera...
A criação do dia 10 de dezembro, como o Dia Internacional dos Direitos Humanos, era para marcar o mundo sobre a importância da vida. Quantos anos se passaram e nós ainda não aprendemos isso? Então, o homem não aprendeu ainda a lidar com isso, e, nesse sentido, eu acho muito triste estar aqui.
Eu queria estar fazendo poesia, sabe, Paim? (Palmas.)
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Eu queria estar fazendo poesia. Eu queria neste momento estar descansando, estar relaxando, contando piada, mas não! Eu tenho que discutir que eu tenho direito de viver, que eu tenho que ter direito de rezar. É um retrocesso do ponto de vista da humanidade. Isso porque as lições não foram aprendidas. Nós somos um País construído e consolidado com base no trabalho escravo, onde milhões de africanos foram escravizados e submetidos à mais vil forma de se tratar um ser humano.
Mas o nosso Brasil é um País que sonha em ser um País branco, mesmo que todos nós saibamos que ele foi construído por pretos e pretas. E é esse sonho de ser um País branco que leva este País a nos negar, que leva este País a fazer o que faz com sua população negra. E aí eu quero trazer uma discussão. Eu não sei matemática - sabe, Senador? -, mas eu nunca ouvi falar que 54% é minoria. (Palmas.)
Se nós somos 54% da população, por mais que eu não saiba fazer conta, eu não consigo entender que 54 é minoria.
Então, eu acho que o que acontece é que talvez o Estado não reconheça esses 54% como legítimos e aptos, cidadãos aptos a receberem os mesmos direitos, que são garantidos à minoria de 46%, que são os não negros. É isso. A minoria para mim são os não negros, 46%, porque 54% é a maioria da população, e é nossa, é de negros e negras.
Mas, infelizmente, há inversão de valores nesse sentido. E para nós, negras e negros, que há séculos vivemos uma história de negação de nossa importância política, social e econômica neste País, os poderosos deste País, meus queridos, não honram a ideia de ser esta Pátria uma Pátria, mãe gentil, como agora há pouco nós cantamos no Hino Nacional.
Na verdade, esta é uma Pátria que não tem nada de gentil para com a maioria de sua população.
E aí, quando eu venho trazer isso, do ponto de vista da minha prática religiosa, a situação é muito pior, porque este País, que foi forjado com grandes diferenças sociais, com grandes diferenças econômicas, onde cada vez mais uns poucos têm muito e os muitos não têm nada, é um País que, inclusive, me nega o meu direito à minha prática religiosa. E, por isso, eu estou aqui debatendo este direito à nossa prática religiosa, e numa conjuntura em que nós não temos tempo para poder descansar, fazer poesia, rezar, cantar, ler um bom livro. Os caras nos ocupam 24 horas por dia há um ano. Se a gente bobear, a gente não dorme, não come, porque a todo segundo é um ataque, a todo segundo o ódio aparenta, e isso nos adoece. E isso nos adoece!
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E é exatamente essa conjuntura que faz com que essa onda de racismo religioso cresça, essa onda de racismo em que as pessoas não nos entendem como seres de iguais direitos. É essa conjuntura que nós vivemos hoje em nosso País, porque infelizmente a prepotência, a banalização da fé, da minha subjetividade, da subjetividade do meu povo têm sido recorrentes em tempos modernos.
Que modernidade é essa? Que civilidade é essa? Que civilização é essa que me nega como ser, como pessoa que pensa? Porque é isso, é isso que o racismo religioso faz conosco.
E há infelizmente uma certeza tão grande de impunidade correndo a passos largos em nosso País, que as pessoas hoje se sentem no direito de depredar, de desrespeitar, de vilipendiar o que não lhes pertence, porque elas sabem que não vão ser punidas, porque elas sabem que há no País hoje uma corrente que incentiva isso, que incentiva esse ódio.
Caminhos racistas, meus senhores e senhoras, na contramão do real significado do que seja ter fé. Eles não praticam o que realmente deveriam praticar e nos ensinam o que é ser religião. Pelo menos a minha religião me ensina a acolher, a cuidar, a preservar a integridade e a vida do outro. Eu aprendo isso no meu terreiro. E, por isso, nós somos vida. Na porta de terreiro vocês não vão encontrar mendigos nem pessoas sofrendo ou pedindo porque eles vão estar lá dentro comendo, sendo cuidados e acolhidos. (Palmas.)
E é exatamente essa forma de ser da minha religião que incomoda os racistas. Eles têm inveja, têm inveja porque eu rezo dançando, porque eu rezo cantando, eu bato palma. Eu sou feliz na minha forma de rezar. E eu não tenho culpa se a religião dos outros não é uma religião de felicidade. Eu não tenho, porque eu sou feliz e adoro ser feliz na minha prática religiosa. E é isso que alimenta o racismo religioso, uma inveja profunda. Porque nós acolhemos, nós não recolhemos. Porque nós tratamos, nós alimentamos. (Palmas.)
E é exatamente dessa incapacidade de se ver no outro, dessa inveja à minha fé, daí, para dar um pulo para a prática da intolerância religiosa, é assim ó! Porque eu banalizo: o acarajé do terreiro é do diabo; na igreja é bolinho de Jesus.
(Soa a campainha.)
A SRA. MAKOTA CÉLIA GONÇALVES - O banho de descarrego no terreiro é do diabo; na igreja é abençoado. E, aí, eu sinto muito, meus senhores, se as pessoas não dão conta de perceber que ter fé, rezar, ser feliz é pessoal. Ninguém precisa se preocupar se a gente vai para o inferno ou para o céu. Se cada um cuidar da sua vida, nós já estamos com meio caminho andado quanto à intolerância. (Palmas.)
Mas, infelizmente, não é isso que acontece. As pessoas têm usado o nome de Deus, de Jesus para oprimir, para matar, para depredar. E isso, a meu ver, vem de encontro a uma não profissão de fé. Até porque fazem todos esses atos em nome de uma pessoa que foi a única pessoa que não criou nenhuma religião e que se chama Jesus Cristo. As pessoas matam em nome de alguém que pregou o amor. As pessoas depredam em nome de alguém que veio atrás dos doentes e não dos sãos. Pelo menos é isso que deviam aprender nas igrejas quem lê e quem conhece a história. Mas, não! As pessoas não dão conta disso.
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Portanto, eu não consigo compreender que, em 2019, ainda haja pessoas que, em nome do que acreditam terem recebido como exemplo e ensinamento, caminhem pelo caminho do ódio, da banalização; preguem a morte através do armamento civil; defendam a família, mas aceitem a homofobia e preguem a morte dos gays, em nome de Deus.
Mas nós precisamos, Senador Paulo Paim, responsabilizar o Estado brasileiro. Nós precisamos responsabilizar, pelo descaso, pela omissão, pela incapacidade de fazer valer suas próprias leis, o Governo brasileiro. Porque, para mim, não adianta você ser signatário dos melhores tratados, ter as melhores leis, se você não dá conta de cumprir a básica: proteger seu cidadão. (Palmas.)
Porque não adianta nós falarmos que o nosso País é democrático, que o nosso País tem as melhores leis, se eu nunca vou ver um racista na cadeia, porque eu nunca sei o que vai sair da cabeça de um juiz, como não sei o que sai de um monte de lugares.
É isto: estou na mão da subjetividade de um interpretador de leis, e esse não é, para mim, um princípio de justiça. Então, essa é a grande questão. Para mim, o Estado brasileiro tem que ser responsabilizado. Estou vendo aqui a Dra. Débora Druprat - a nossa solidariedade à senhora (Palmas.) o nosso carinho.
E aí eu queria dizer que o nosso Estado não cumpre com aquilo que lhe é básico, que é proteger seus filhos e suas filhas, pelo menos em relação aos pretos e às pretas. Nós sabemos que ele não nos protege, não nos cuida, não é uma Pátria, mãe gentil; foi uma Pátria, mãe exploradora, e que ainda hoje não nos reconhece.
Mas tudo isso se soma a um sistema político que não nos representa, a um sistema político que é reflexo e propulsor de desigualdades, a um sistema político em que nós não nos vemos, em que não nos encontramos, em que não há negros, mulheres, pobres, trabalhadores e trabalhadoras, a um sistema político falido, que reforça a posição de um Estado que não cuida de seus cidadãos.
Para mudar esse estado de coisas é preciso urgentemente a criação de um novo sistema político que nos inclua e em que caibam todos e todas as brasileiras; um sistema político que seja para todos, em que tenhamos um Parlamento real, que seja, de fato, a Casa do Povo, em que os Parlamentares eleitos democraticamente sejam os defensores da democracia, da liberdade e do direito.
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Precisamos ainda pensar um Estado laico, que, de fato, assim o seja; um Estado que compreenda a sua diversidade e...
(Soa a campainha.)
A SRA. MAKOTA CÉLIA GONÇALVES - ... pluralidade; onde rezar seja um direito para quem o quiser fazer e da forma como o quiser fazer; e onde também quem não quiser rezar tenha esse direito assegurado. Nós não queremos que o Estado brasileiro reze, mas nós queremos que o Estado brasileiro respeite a nossa forma de rezar.
Aí, sim, nós conseguiremos avançar para vencer o ódio, que, diga-se de passagem, não é nosso. O racismo também não é um problema dos pretos e das pretas, é um problema do racista. Isso não é um problema nosso. A intolerância religiosa não é um problema meu; é um problema do intolerante, que não dá conta de me entender como sujeito de direito. Portanto, quem está perdendo a humanidade não sou eu, é ele, assim como os homens que fazem violência contra as mulheres. Quem perde a humanidade são eles, que, daqui a pouco, precisam ir para a jaula. Do contrário, nós continuaremos a ver a prepotência dos que se acham melhores que os outros a reinar absoluta, na contramão do real significado do que seja fé, do que seja viver em coletividade.
É preciso que o Estado brasileiro seja responsável e puna os criminosos racistas religiosos, dando uma demonstração de que se importa com o bem-estar de todos e todas, mas nós não podemos ter ilusão, pois a roupa institucional não cobre os corpos negros. Nunca cobriu! A roupagem institucional não nos cobre! Nós temos que ter essa certeza, mas nós não podemos deixar de denunciar que nós precisamos fazer parte dessa roupagem.
Quebrar terreiros não pode ser considerado...
(Soa a campainha.)
A SRA. MAKOTA CÉLIA GONÇALVES - ... uma banalidade. Proibir-nos de usar roupas e contas tradicionais não pode ser considerado normal. É preciso uma atitude objetiva e concreta, um recado de nossas autoridades contundente de que este é, de fato, um país de todas e todos os brasileiros, com sua subjetividade. Não podemos entender como normal uma guerra santa - se é guerra, já não é santa!
Estou terminando, Senador.
E nós povos de terreiros já vimos, há séculos, demonstrando a generosidade e a sabedoria dos africanos e aquilo que nós aprendemos em nossas casas: que nossa tradição e nossa fé é muito maior que a prepotência e o ódio que os racistas têm de nossa felicidade em ser tradição. (Palmas.)
Porque o que, de fato, incomoda esses senhores é a nossa felicidade, é a nossa tradição ser viva, é a nossa fé ser uma fé viva que se readapta a todo processo de opressão deste País.
Eles não nos calarão! Eles ainda não aprenderam isso? Não calaram em 519 anos, vão calar agora?! Não, eles não calarão, porque o nosso Deus é um Deus de amor, que nos faz completos, complexos, firmes, resilientes e resistentes.
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Quebrar nossos templos não nos fará desistir de nosso sagrado; ao contrário, alimentará a nossa fé, pois temos como princípio a defesa intransigente de nossa ancestralidade. Nós não viemos parar aqui a bordo de navios de turismo, e nem como imigrantes.
(Soa a campainha.)
A SRA. MAKOTA CÉLIA GONÇALVES - Chegamos aqui escravizados, resistimos, construímos nossa diáspora. E não é uma onda fascista e racista que nos fará desistir de ser quem somos, oriundos do útero do mundo. Nós somos africanos na diáspora. Porém, exigimos que nos respeitem.
Doeu muito ver o STF, com um monte de juiz branco, cristão, julgar o meu direito à minha prática religiosa. Como doeu! Mas não importa, eles não conseguirão nos calar porque nós somos mais fortes do que eles. Nós queremos que esse Estado reconheça isso e nós queremos dizer, alto e bom som, que, apesar de não se viver do passado, o passado - principalmente o nosso passado, de negras e negros brasileiros - é a nossa vida.
(Soa a campainha.)
A SRA. MAKOTA CÉLIA GONÇALVES - Nós sabemos que, para desmontar a casa grande, nós precisaremos de ferramentas que não sejam as ferramentas da casa grande. E estamos construindo essas ferramentas, como há séculos nossos ancestrais as construíram, resistiram e nos deixaram como legado a tradição, a cultura, a resiliência, a resistência e principalmente a fé, a religião e a religiosidade praticada e exercida em terreiros de todo o País.
O que nos une, senhoras e senhores - e terminando -, jamais será a luta contra o racismo, como pensam aqueles que não nos conhecem. O que nos une são os princípios africanos, a plasticidade de nossas tradições, o jeito ubuntu de ser, que antecede a nossa luta, até porque o racismo é um problema dos racistas, e ele é muito mais do que uma mera reação; é uma mentalidade que alimenta a prepotência.
Um grande axé! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nossos cumprimentos, de forma muito carinhosa, à Coordenadora Nacional do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileira, Sra. Makota Celinha. Parabéns!
A SRA. MAKOTA CÉLIA GONÇALVES (Fora do microfone.) - Obrigada!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Seu improviso fez com que eu guardasse o escrito do Presidente da Casa, que está aqui, porque eu vou falar em nome da Presidência.
Vou convidar os senhores e as senhoras para que retornem ao Plenário e vamos para a segunda Mesa, de imediato.
Muito obrigado a todos e uma salva de palmas para esta Mesa. Meus cumprimentos! Valeu!
Convido, de imediato, o Sr. José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. Já estive lá visitando, é muito bom.
Convido a Sra. Rita Cristina de Oliveira, Defensora Pública Federal e Coordenadora do Grupo de Trabalho Nacional de Políticas Étnico-Raciais da DPU. (Palmas.)
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Sra. Maria Aparecida de Laia, Presidente do Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Social (Ipedes). (Palmas.)
Sr. Toni Reis, Diretor-Presidente da Aliança Nacional LGBTI+. (Palmas.)
Sra. Ana Claudia Pereira, Gerente de Projetos da ONU Mulheres. (Palmas.)
Sr. Antônio Crioulo, Coordenador das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). (Palmas.)
Por fim, com enorme carinho e respeito, pela história de todos, mas ela ultimamente está sendo, eu diria, atacada... Permitam-me que eu use esse termo, é por minha responsabilidade. Convidamos com muita satisfação a Sra. Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão. (Palmas.)
E o Sr. Tom Farias, jornalista, escritor, biógrafo e crítico literário, com especialização em literatura do final do século XIX e autor de diversos livros. (Palmas.)
Queria ainda fazer um registro rapidamente, registro de presença: 1ª Secretária da Embaixada da República Francesa, Sra. Stéphanie Carpentier; representante da Embaixada da República do Malawi, Sra. Janaína Dantas; representante do Governador de Santa Catarina e Assessora da Secretaria Executiva de Articulação Nacional, Sra. Márcia Regina Sbeghn; Presidente da Confederação Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Sra. Sílvia Siqueira; e Assessora Especial da Secretaria de Estado de Educação do DF, Sra. Janaína Andréa Almeida; e ainda o Procurador-Geral da Câmara Municipal de São João de Meriti, Rio de Janeiro, Sr. Wellington Luiz Messias da Silva; e representantes da Frente das Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno, Sra. Maria Andrade, Sra. Jovina Teodoro e Sra. Margareth Rose Santos Alves.
Por um problema de voo, eu passo a palavra, de imediato, ao Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Sr. Toni Reis.
Estou dando dez minutos para cada um e mais cinco, se necessário.
O SR. TONI REIS (Para discursar.) - Boa tarde a todos, a todas e todes. É um prazer muito grande estar aqui. Gostaria inicialmente de colocar nossa bandeira da diversidade aqui neste momento tão solene. Nós estamos comemorando 71 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vou deixar aqui bem bonitinho, bem fora do armário. Está certo?
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Quero saudar o nosso querido Senador Paulo Paim. Hoje pela manhã, Senador Paulo Paim, fiquei triste com a notícia de que o senhor não quer ser candidato mais. Não, o senhor tem que continuar! Então, eu vou fazer um apelo aqui: esse homem tem que continuar essa luta como Senador, como Governador, como Presidente (Palmas.) e não desista, nós precisamos do senhor. É fundamental a sua garra e a determinação que o senhor tem aqui no Senado Federal.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Posso dizer rapidamente? Com esse mandato, são 40 anos de Congresso: quatro de Federal e três de Senador. Eu queria muito semear, semear, para que uma juventude começasse a tocar as bandeiras que nós todos tocamos ao longo das nossas vidas. Esse é o objetivo. E começar a avisar sete anos antes.
O SR. TONI REIS - Muito bem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A palavra é tua.
O SR. TONI REIS - Mas, Senador, então a gente continua fazendo um apelo: continua! E o senhor tem muito a nos ensinar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sete mandatos.
O SR. TONI REIS - Também quero saudar a nossa querida amiga, maravilhosa, essa senhora, Deborah Duprat. (Palmas.)
Hoje, numa sessão do Conselho Nacional de Direitos Humanos, nós da Aliança Nacional LGBTI+ concedemos-lhe o prêmio, juntamente com a Rede GayLatino, em 22 países, pelo reconhecimento que a senhora tem sobre direitos humanos no Brasil. Se uma pessoa tiver que nominar cinco pessoas dos direitos humanos neste País, o seu nome com certeza estará. E olhe que eu estou há 35 anos nessa luta. Os seus 15 dias lá na Procuradoria-Geral da República foram os melhores 15 dias que nós já tivemos neste País. A senhora defendeu todos e todas: a senhora defendeu índio, a senhora defendeu LGBT, a senhora defendeu mulheres, a senhora defendeu negros e negras. A senhora defendeu todos. A senhora representa os direitos humanos. Nós não poderíamos deixar de prestar essa homenagem à senhora nesse dia tão significativo que é o dia de hoje.
Sr. Senador Paulo Paim, eu quero começar com um depoimento pessoal: eu vim aqui, eu fiquei emocionado, eu chorei umas duas vezes, fui procurar meu WhatsApp... Eu quero falar uma questão: eu estou há 30 anos casado com o meu companheiro, um inglês maravilhoso, e nós adotamos três filhos. Nossos três filhos são negros. E eu quero contar três fatos que aconteceram de racismo: primeiro, meu filho foi estudar numa escola pública, porque eu sou um defensor da escola pública, e ele falou: "Pai, eu estou muito triste com o senhor". Eu disse: "Por que, meu filho?" "Porque eu não pude resolver um problema na escola. Eles estão me chamando de feijoada, nariz de batata e cabeça de caixa-d'água". Eu fui rápido lá falar no colégio. A equipe pedagógica falou assim: "O senhor tem que mandar o seu filho para um psicólogo. Ele precisa de um psicólogo. Ele não tem autoestima". Falei: "Meu amigo, como pedagogo, como pós-doutor em educação, eu acho que quem tem que ir para o divã é essa escola racista. Vocês têm que fazer um trabalho. Uma escola tem que ensinar a respeitar todos. Isto não pode acontecer". (Palmas.)
E o meu filho falou: "O senhor é culpado, meu pai, porque o senhor ensinou que violência não se combate com violência, e eu sou forte, podia bater nos meus amigos. Mas você não permite!" Eu disse: "Não se pode bater nas pessoas! Violência não se combate com violência. Escuridão não se combate com escuridão, se combate com luz".
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Outro dia fui convidado VIP, very important person no Rock in Rio. Eu e meu companheiro passamos. Muito bem, meu filho negro parou. Aí, você já fica... A gente querendo ver os artistas lá dançando e cantando e tal, e o meu filho... E aí eu fui pedir para o senhor. Perguntei porque eu havia passado e o nosso filho foi parado para ser revistado. Ele disse: "É padrão, é padrão".
Então, infelizmente o racismo existe, pessoal, existe.
Minha filha, em um shopping center em Curitiba, numa livraria que eu gosto muito de frequentar com eles... A primeira coisa que chega é o assédio moral. Aí eu bati no senhor e falei assim: "O senhor está assediando a minha filha. Isso não pode. "Então, é sua filha, Sr. Toni Reis?" Eu disse: não, qualquer pessoa. Não é a cor dela que vai dizer se ela está roubando ou não.
Então, minha solidariedade ao povo de negros e negras no nosso País. Isso eu estou sentindo na pele, porque falou do filho da gente, mesmo sendo adotado, mesmo sendo adotado, fala da gente.
E o número, Senador Paulo Paim - isso não estava no improviso aqui -, hoje nós temos 60 casais preparados para adoção, e temos 5 mil crianças e adolescentes para serem adotados. Sabe quais são as que estão lá e não são adotadas? As crianças negras e as crianças acima de 5 anos.
Estão existe, sim, o racismo, e os nossos racistas têm que rever, pessoal... Nós não podemos continuar com esse tipo de situação. Olha que eu luto pela comunidade LGBTI+ há 35 anos e sempre fui muito solidário, mas agora estou sentindo na pele essa questão do racismo.
Muito bem, hoje nós estamos aqui comemorando o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Hitler, com a sua fama e seu posicionamento ideológico de racista, nazista e fascista, queria eliminar todas as pessoas que não fossem arianas. Aí ele eliminou 6 milhões de pessoas judias, eliminou 19 milhões de pessoas chamadas "indesejáveis", entre eles idosos, Testemunhas de Jeová, pessoas LGBTI - naquele tempo chamavam de homossexuais, pessoas com deficiências físicas e mentais, comunistas, opositores ao regime nazista, ciganos, mulheres estéreis, presidiários e pessoas que não se encaixavam no protótipo ariano.
E aí a Liga das Nações, em 1948 - não era a ONU naquele tempo -, fez o documento chamado Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que todos nós nascemos livres e iguais em direito e dignidade. E nós temos que comemorar ou reclamar essa dignidade humana, porque ainda infelizmente o povo negro não a tem, as mulheres ainda não a têm, a comunidade LGBTI ainda não a tem e muitas outras que eu poderia ficar enumerando. Por isso, é importante a gente rever isso.
E eu quero aproveitar este momento para a gente perceber essa onda de ódio em nosso País e rememorar essa declaração dos direitos humanos, porque, em 1933, na Alemanha, começou a questão da exclusão do povo judeu, começou a discriminação, começou a retirada de direitos, a segregação das pessoas, a criminalização, o encarceramento, o trabalho forçado, a aniquilação e o extermínio. Eu espero que a gente relembre: nós temos que estudar história para não repetir.
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(Soa a campainha.)
O SR. TONI REIS - Então, nesse sentido, nós precisamos de audiências como esta para a gente reclamar.
Infelizmente, a cada 19 horas uma pessoa LGBTI+ é assassinada no Brasil e uma pessoa LGBTI é agredida a cada 2 horas. A vida das pessoas trans dura apenas 35 anos. A taxa de suicídio, na nossa comunidade, é 8 vezes a da comunidade heterossexual.
Ainda temos, em nosso País, essa questão de fake news que hoje pela manhã eu detalhei. As pessoas tentam dizer que nós queremos destruir a família. Nós não queremos destruir a família de ninguém, nós queremos construir a nossa, do nosso jeito e da nossa forma. Nós não queremos legalizar a pedofilia, nós somos contra a pedofilia. Nós não queremos explorar as crianças sexualmente. Nós não queremos transformar ninguém em LGBTI, nós não queremos ensinar ninguém a ser, as pessoas são. Nós não queremos legalizar o incesto. E também, infelizmente, o senhor filho do Presidente comparou a relação entre pessoas do mesmo sexo a uma relação com cães, com cachorros. Nós não queremos legalizar a zoofilia no Brasil. Isso é importante que se diga.
Acho que nós temos que ter mais amor, mais carinho, mais afeto. Nós temos que levar luz a essas pessoas, nós temos que levar racionalidade. Acho que, com tudo o que ouvi aqui, Senador Paim, com tudo o que ouvi das pessoas que nos antecederam na mesa - e com certeza nós vamos ter muito para ouvir nesta segunda mesa.
É como No Caminho, com Maiakóvski, do poeta Eduardo Alves da Costa. E aí eu vou fazer algumas adaptações. "Na primeira noite eles se aproximaram e roubaram uma flor do nosso jardim. E nós não dissemos nada". É o que aconteceu lá em Paraisópolis. Nós temos que dizer, nós temos que denunciar isso. "Na segunda noite, já não se escondiam: pisaram as flores, mataram nosso cachorro e nós continuamos a dizer nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossas casas, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta e já não podemos dizer mais nada".
Então, esta é uma mensagem com a qual eu acho que temos que nos solidarizar. Todas esses milhões de pessoas que se dizem minoria têm que estar unidos. Nós não podemos largar a mão de ninguém e nós temos que lutar pelos direitos humanos de todas e todos.
Por último, quero dizer que a questão dos direitos humanos não é partidária, não é do pessoal de esquerda, de direita ou do centro, é de todos. Nós precisamos defender a Constituição Federal.
Também lembrei, hoje pela manhã, o Ayres Britto falando em nome dos homenageados no nosso congresso internacional, lá em Curitiba. Ele falou: "Nós temos a solução para todos os nossos problemas". Aí ele fez um suspense e pediu ao seu assessor para tirar da sua maleta um livro. Mostrou para a gente: "Está aqui a Constituição Federal. Se a gente cumprisse a Constituição Federal, estaria tudo de bom para nós, porque lá diz que ninguém será discriminado, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".
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Então, nesse sentido, vamos cumprir a Constituição, vamos nos respeitar, vamos colocar a cara no Sol e defender todos e todas, independente de raça, credo, religião, orientação sexual e identidade de gênero.
Mais uma vez, parabéns, Paulo Paim, por todo o seu trabalho como defensor dos direitos humanos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Antônio Reis é Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e é chamado por todo o País para fazer palestras com o brilhantismo de sempre.
Queria só registrar a presença do coordenador do Centro Social Marista de Porto Alegre (Cesmar), Sr. Miguel Antônio Orlandi, grande frei, e do diretor do jornal Brasil Popular, Sr. Nilo Barros. Embora não tenha colocado o nome aqui, eu o conheço de longe, militante dos direitos humanos, faz um trabalho belíssimo nas periferias, está lá de cabelo branco o Leonel. Bem-vindo também, Leonel.
Passamos de imediato a palavra ao Sr. José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. (Palmas.)
O SR. JOSÉ VICENTE (Para discursar.) - Boa tarde a todas. Boa tarde a todos.
Querido Senador e amigo Paulo Paim, primeiramente, eu quero dizer da minha grande satisfação de novamente ter sido convidado para poder participar dos trabalhos desta Casa e quero, por conta disso, dizer, então, da grande alegria, da grande satisfação e mesmo da gratidão, primeiro, de poder novamente estar nesta tribuna, mas, segundo, por saber que desta tribuna ainda posso vê-lo como vi todas as outras vezes e, ao vê-lo, a satisfação de que não estou sozinho do lado de lá e de que nesta Casa nós temos uma representação à altura das nossas necessidades, à altura da luta que está e que precisa ser lutada. De modo que, fazendo coro com o nosso articulista que me antecedeu, eu também quero que, nos próximos sete anos, nós outros o convençamos de que o seu lugar é aí, preferencialmente como Presidente desta Casa. Então, aí é o seu lugar e aí é que nós precisamos de você por mais 40 anos. (Palmas.)
Quero, na pessoa de V. Exa., cumprimentar a queridíssima amiga Procuradora Deborah Duprat. E aqui peço licença para falar também como membro da Comissão Arns para dizer que nós somos solidários, que nós a reconhecemos como baluarte na defesa dos direitos, dos direitos humanos, dos direitos do negro e que isso será só uma pequena ventania, logo as coisas voltarão ao normal e tudo haverá de prevalecer. Conte conosco. Conte com a nossa solidariedade.
Quero transmitir também um abraço à Defensora Pública Federal Rita Cristina de Oliveira, prazer em revê-la; à Presidente do Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Social, a minha estimada amiga Maria Aparecida de Laia, colega de voo e de táxi - viemos juntos - e uma grande amiga que, em São Paulo, me auxiliou a fazer essa longa travessia da trajetória do jovem negro.
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Quero transmitir um abraço ao Diretor Presidente Toni Reis, que falou e está aqui ainda - não foi embora. Toni Reis, é uma alegria poder ouvi-lo e revê-lo!
Quero também transmitir um abraço muito afetuoso à nossa Gerente de Projetos da ONU Mulheres, Sra. Ana Claudia Pereira; ao Coordenador Executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras, Sr. Antônio Crioulo; ao jornalista, escritor, biógrafo, crítico literário e meu amigo dileto e pessoal, Tom Farias, de quem tenho grande orgulho de ser amigo e com quem tenho a grande satisfação de compartilhar tantas lutas, tantos debates, tantas realizações nesse tema de interesse de todos nós.
Quero transmitir um abraço à Deise, que estava aqui, uma amiga querida que faz tempo que não via; e também transmitir um grande abraço... Deise está aqui?! Deise querida, prazer em revê-la!
Ao final, quero transmitir um abraço ao meu Presidente, Dr. Humberto Adami. O senhor viu que ele chegou aqui e me puxou a orelha, porque eu estou em falta, porque eu sou isso, porque eu sou aquilo. Mas, em verdade, quero dizer da gratidão e da grande alegria de privar da sua amizade, de participar de todas essas lutas, de tê-lo como Conselheiro da nossa querida Universidade Zumbi dos Palmares e de, juntos, poder ter visto tantos progressos importantes nesse tema que nos apaixona e que toma o nosso tempo. Obrigado pelas gentis palavras.
Sr. Presidente, eu estava aqui refletindo sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos e não pude deixar de reconhecer que os direitos humanos não começaram em 1948, com a Declaração Universal da ONU. Eu poderia afirmar que tudo começou no exato dia em que o negro escravizado pisou neste País. Eu acho que foi nesse dia que o mundo - pelo menos o mundo dos trópicos - começou o aprendizado do que é defender a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana. Seguramente, foi com os negros que o Brasil aprendeu o pouco que pôde construir, porque, nos dias que se seguiram - o Dr. Humberto Adami trouxe isto aqui com precisão -, seguramente alguns desses 5 mil quilombos inauguraram o projeto de uma nação que estivesse estruturada sobre o Estado democrático de direito. Foi seguramente um desses quilombos que inaugurou a genealogia dos direitos humanos, que hoje a gente está a discutir, porque foi lá que negros, brancos, índios, mouros, indígenas se juntaram para construir um projeto de nação alternativo onde o ser humano fosse o centro, onde todos pudessem ser respeitados na sua dignidade. Então, sob essa perspectiva, eu acho que, neste momento, pensar direitos humanos é de novo celebrar o que foi a luta, o que tem sido a resistência do povo negro neste País. Não tenho dúvidas quanto a isso!
O segundo aspecto muito importante é que, se a Declaração Universal dos Direitos Humanos estruturou um Estado em que tornava essa subjetividade um bem humano inegociável, inquestionável do ponto de vista de efetividade da condição humana, conseguiu alcançar voos significativos, pelo menos no que diz respeito aos Estados Unidos, que acabaram - em seguida, nós tivemos a Lei dos Direitos Civis - com aquele estado de apartheid americano.
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Ele conseguiu repercutir para dentro da África do Sul, trazendo à África do Sul a liberdade, conseguiu constituir, depois de quase cinco diplomas, determinando, garantindo e defendendo essa liberdade e o combate a toda forma de discriminação, e replicou para dentro do nosso País, produzindo algumas intervenções importantes. Nós saímos, por exemplo, de uma lei que punia a discriminação e o racismo com uma pena de detenção, uma contravenção penal, e conseguimos galgar até torná-la, na Constituição, como um crime inafiançável e imprescritível, um crime hediondo. Construímos, inclusive, um diploma legal, que foi a lei do nosso falecido e guerreiro, nosso queridíssimo Caó, que, regulamentando a Constituição, estruturou talvez o mais draconiano documento de combate ao racismo e à discriminação no mundo. (Palmas.)
E, como foi bem dito aqui, nós não tivemos a capacidade de torná-lo efetivo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quero registrar, não para mim, mas com muito orgulho, que foi o Caó que pediu para eu ser Relator de uma lei de sua autoria, já que fomos Constituintes juntos.
Eu disse: "Eu aceito, Caó, só de um jeito. Nós não vamos mexer uma vírgula. Só vou assinar embaixo o seu projeto".
E assim foi feito.
O SR. JOSÉ VICENTE - E foi a primeira vez que o nosso País conheceu uma ferramenta dessa natureza, que, ao final, não conseguiu ainda cumprir os seus fundamentos, tendo em conta que, apesar de Caó, apesar de a Constituição grafar o crime de racismo como um crime hediondo, apesar de a Lei 7.716 determinar que as instituições deveriam fazer com que isso se cumprisse, até hoje nós não conseguimos dar um passo significativo nessa direção.
Mas foi a luta de todos nós que, primeiro, trouxe esse direito para dentro da sede constitucional, depois estruturou numa lei federal e, depois, então, permitiu que o pouco que se avançasse fosse esse pouco que minimamente fosse uma ação iniciada para estruturar isso como um direito substantivo.
Um aspecto que vem a seguir, dentro ainda dessa reflexão desses direitos humanos e dos motivos da sua comemoração, pois, a meu ver, temos motivos, sim, para comemorar, apesar dos pesares, é o fato de que ele acabou sendo ressignificado e agora internalizado para dentro dessa luta...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ VICENTE - ... do negro como uma ferramenta adicional para fazer o que foi a trajetória dos que o antecederam e para se instituir como um lugar a partir do qual nós conseguíssemos fazer com que aquela luta querida, sonhada e desejada cumprisse o seu objetivo de permitir que fôssemos, afinal, um País de todos, um País em que todos os brasileiros estivessem contidos de forma igualitária para dentro deste País, que nós denominamos como a nossa Pátria e como a nossa casa.
Talvez o aspecto decisivo, a meu ver, em que nós temos ainda um trabalho importantíssimo para caminhar é justamente na construção das ferramentas que permitam que nós possamos ter o acesso ao conhecimento.
Foi o conhecimento que nos faltou, que nos foi negado, que nos foi negligenciado e que hoje, para qualquer uma dessas situações e para cada um desses desafios que foram aqui elencados, será a arma crucial, será a ferramenta extraordinária para que possamos dar um salto civilizatório nisso que tem sido essa permanente luta de todos nós negros brasileiros.
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E, neste momento, então, o desafio que pode ser repensado como uma dimensão desses direitos humanos que precisam ser consolidados, que precisam ser apropriados e que precisam ser fortalecidos para cumprirem os seus fundamentos, é aquele direito humano da possibilidade do acesso à educação.
Nós precisamos ainda mais de escolas, precisamos ainda mais de conhecimento. Nós não precisamos, Senador, de sneakers, nós não precisamos de uma polícia que nos distinga simplesmente pelo ritmo de música que nós possamos escolher. (Palmas.)
Nós precisamos de um Estado que esteja mais além da sua autonomia, mas principalmente um Estado que esteja mais além da sua escolha, da sua objetividade. Nós precisamos de um Estado que, menos do que neutralidade, tenha lado, e o lado tenha que ser justamente daqueles que, mais do que precisar, sempre foram os injustiçados.
Então, para este momento que se coloca, talvez das três dimensões da educação que mais chamam a atenção e que podem ser ferramentas importantes para auxiliar que, nas outras oportunidades, nós tenhamos informações significativas, seja aquela que permita que o ambiente escolar seja um ambiente plural, diverso e que permita o acesso ao aprendizado igualitário para todos.
A escola pública precisa ser uma escola que permita que todos tenham um conhecimento linear e por igual. Deve ser uma escola que permita que todos tenham a oportunidade de ter um aprendizado que seja plural, que privilegie a diversidade e que estimule o respeito entre os cidadãos.
É uma escola que precisa ter a presença dessa parte dos brasileiros. Precisamos de gestores negros, precisamos de professores negros. Nós precisamos que todos estejam dentro dessa corrente de permitir que esse acesso e essa permanência se dê.
Um outro espaço que nós precisamos....
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, Senador, reitores como V. Exa. (Palmas.)
O SR. JOSÉ VICENTE - Muito obrigado, Senador.
Um outro desafio que se coloca e a que nós precisamos ter uma atenção é o acesso à permanência do jovem no ensino médio.
Todos os desafios que se colocam para dentro da educação é para a inclusão e a manutenção de todos no ensino médio, mas sobretudo do jovem negro.
Nós estamos perdendo 50% dos jovens no ensino médio e, desses 50% que se perdem, 70% são jovens negros. Então, nós precisamos de uma escola que, mais do que acolhedora, mais que respeitadora dessa diversidade, seja uma escola que tenha ferramentas e mecanismos para permitir a manutenção e a qualificação adequada desses jovens e precipuamente desse jovem negro.
Nós construímos ferramentas importantes, construímos nesta Casa a lei que estabelece a história do negro e a história da África, a lei que permite que a história de todos seja internalizada, conhecida, respeitada e sirva como ferramenta para melhorar o pertencimento e a autoestima, mas nós não conseguimos, nem com a Marinha, nem com a Aeronáutica, fazer com que ela seja cumprida.
Então, o desafio que se coloca para todos nós é que façamos prevalecer o simples, que a lei possa ser cumprida. (Palmas.)
E, por fim, nós chegamos, então, a esse momento importante da nossa luta e da nossa trajetória que é a chegada do jovem negro na universidade.
Nós estamos aqui completando alguma coisa próxima de 17 anos das ações afirmativas, da inclusão do negro na universidade e estamos chegando também perto de um momento bastante definitivo, porque em 2022 nós vamos ter que discutir as ações afirmativas.
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E, daí, coloca-se, além da responsabilidade de conhecer o que se fez, o que se produziu, o que de fato se transformou na vida do ambiente educacional e na vida dessas pessoas e também da grande luta que terá que ser lutada num momento e num cenário bastante tormentoso, que é como fazer com que as ações afirmativas possam ser prorrogadas para que continuem cumprindo os objetivos que elas precisam cumprir.
Mas, ainda que não chegue nesse momento, o desafio que já se coloca neste momento é o que teremos capacidade de fazer com quase 1 milhão de jovens negros que neste exato momento estão nos bancos escolares do nosso País. Nós não podemos correr o risco de cometer os equívocos e os erros do passado. Nós não podemos cometer o crime de lesa-humanidade de deixar esses jovens no caminho. Nós vamos precisar retirar os obstáculos, os muros. Nós vamos ter que construir as pontes que possam levar esses jovens do ambiente escolar para o mercado de trabalho, para a vida social, para a possibilidade de implementação do aprendizado pelo qual eles duramente lutaram ao longo de todo esse tempo. E, para que isso aconteça, nós precisaremos combater o racismo e a discriminação no ambiente de trabalho público e privado deste País. Nós precisamos fazer com que as leis que determinam a cota nos concursos públicos sejam efetivamente cumpridas. (Palmas.)
E nós precisamos que todas as instituições, a Defensoria Pública, o Ministério Público, o TCU, a CGU, enfim, todas as instituições deste País ajudem a fazer cumprir a lei. Não estamos pedindo favor. Só queremos que seja cumprida a lei para que definitivamente esses 1 milhão de Neymares, de Robinhos, de Joaquins Barbosas, de Dras. Duprat, possam ter a grande capacidade de, de uma forma igualitária, disputar todos os espaços públicos e privados que estão colocados para todos no nosso País.
E, por fim, eu queria trazer uma mensagem de bastante agouro do nosso trabalho, da nossa instituição. No ano que vem, nós completamos 15 anos de vida. E, se alguém pudesse ter dúvidas da capacidade do trabalho para superar os obstáculos, ainda da envergadura daqueles sobre os quais nós estamos nos debruçando, eu trago a história da minha instituição.
Éramos simplesmente cinco jovens com um sonho na cabeça e um vale-transporte nas mãos, mas nós acreditávamos que era possível fazer a mudança. E, por conta disso, mantivemos a crença no nosso compromisso, colocamos tenacidade nas nossas energias e colocamos trabalho, trabalho e muito trabalho, para tornar realidade a história da primeira universidade negra deste País.
Então, por conta disso, em nome de toda a comunidade acadêmica da Universidade Zumbi dos Palmares, nós queremos dizer muito obrigado a todos, mas sobretudo ao seu gabinete, que pôde nos acolher, que pôde nos auxiliar, que pôde nos transportar de uma situação de um início muito dificultoso para uma situação hoje de muito sucesso.
Nós lembramos até hoje a primeira vez em que V. Exa. pisou os pés na Zumbi dos Palmares...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ VICENTE - ... e lembramos até hoje qual foi a sua reação. Naquele dia, o senhor chorou junto conosco, porque foi a primeira vez que o senhor viu na sua vida, tanto quanto nós, mil jovens negros com o Código Penal debaixo dos braços. (Palmas.)
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Se nós pudemos fazer, não temos dúvidas de que a sociedade brasileira poderá fazer muito mais. Se nós pudemos tornar este sonho realidade, não temos dúvidas de que o povo brasileiro poderá fazer muito mais.
Em nome de toda a nossa comunidade Zumbi dos Palmares, eu quero dizer a todos muitíssimo obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, Sr. José Vicente.
Não vai querer fazer a gente chorar lá e aqui também, não é? Aí não vale. Parabéns! É um orgulho estar do seu lado aqui.
Passamos a palavra agora à Sra. Rita Cristina de Oliveira, Defensora Pública Federal e coordenadora do Grupo de Trabalho Nacional de Políticas Etnorraciais, da DPU.
Não é coincidência, mas é a terceira defensora a falar hoje aqui. Não é coincidência, é honra ao mérito, permita-me que eu diga.
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA (Para discursar.) - É verdade. Na verdade, é uma honra singular ser convidada por V. Exa. para estar aqui hoje. Estou muito, muito, muito agradecida mesmo, especialmente representando o Grupo de Políticas Etnorraciais, da Defensoria Pública da União, um grupo de uma história muito recente, mas muito potente também nesses quase dois anos de trabalho.
Então, eu queria inicialmente agradecer a V. Exa. pelo convite, parabenizá-lo pela sessão, que já trouxe tantas falas enriquecedoras aqui para a nossa reflexão e para o nosso debate.
Eu queria, na sua pessoa, cumprimentar todos os componentes da Mesa, os parceiros que já falaram e os que falaram na Mesa anterior. Eu me sinto assim bastante contemplada em várias falas que já foram feitas aqui e queria só fazer um parêntesis para me solidarizar com a Dra. Débora Duprat. (Palmas.)
Toda vez que uma mulher comprometida eticamente com a pauta dos direitos humanos tomba institucionalmente, nós tombamos junto e temos que parar para refletir efetivamente sobre a gravidade do processo que estamos vivendo. A fala que eu preparei aqui hoje pode não parecer muito otimista, mas eu espero que ela nos leve a uma reflexão que nos inspire potência de agir nesse cenário difícil.
Paradoxalmente, hoje é o dia em que a gente vai promover uma reflexão sobre os direitos humanos, marcado pela assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é amanhã. Mas, quando a gente olha para a população negra no Brasil, especialmente no nosso País, nós vemos que o saldo dessa obra civilizatória, expressão cunhada por Sueli Carneiro, é a vã promessa de uma humanidade que não é partilhada por todos.
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Acreditou-se que a existência de um documento positivando um programa indicativo de todas as democracias do mundo, seria suficiente para afirmar nos indivíduos de cada sociedade e nos Estados, as condições da cidadania em condizente patamar de dignidade universal.
Esqueceram-se, porém, de que, mesmo sob as bandeiras da liberdade, da igualdade e da soberania popular, a simples idealização de direitos seria inviabilizada pelo poder político e pela manutenção do poder econômico contra as mesmas pessoas desprovidas de condições mínimas de cidadania historicamente pelo colonialismo, pelo imperialismo e pelo racismo. Um pacto internacional movido pelo saldo genocida avassalador do racismo antissemita, no pós-Segunda Guerra Mundial, mas no qual os conflitos raciais decorrentes da escala industrial da escravização dos povos africanos passaram ao largo por conta de uma idealização centrada na intelectualidade branca, europeia e das Américas.
A idealização dos direitos termina por invisibilizar as questões reais da vida dos indivíduos que nunca experimentaram esse ideal de humanidade. E, como diria a Profa. Dora Bertulio, da Universidade Federal do Paraná, na sua clássica obra Direitos e Relações Raciais, esses intelectuais, em seus trabalhos e sistematizações, apegadas nesses pactos, reforçam, no dia a dia, no inconsciente coletivo social, a naturalidade da discriminação e do preconceito, na mesma medida em que induzem a apreensão dos conceitos ideais de direitos como reais.
Há, entretanto, um pacto racista não escrito, mas cuja eficácia se sobrepõe à idealização de todo o direito que se propõe universal, que, na igualdade formal para todos, inclui apenas alguns.
Sueli Carneiro denunciou a batalha de Durban, em que a intransigência ocidental aflorou para não reconhecer o tráfico negreiro, a escravização e a exploração econômica africana como crimes de lesa-humanidade.
Senhores, o chamado que temos aqui hoje é o de tratar da realidade, com o desafio de sermos propositivos, cientes de que o Estado, do qual muitos de nós fazemos parte, opera, na verdade, uma máquina opressora e, muitas vezes, hipócrita, contra a afirmação da humanidade da população negra, de maneira a garantir poder político e econômico para grupos minoritários deste País.
Mais uma vez, valendo-me das palavras da Profa. Dora, é por meio do direito e suas idealizações vazias, que estabelecemos a legitimação da nossa irresponsabilidade em face dessa negação da humanidade.
Nesse sentido, o racismo institucional, como desdobramento necessário do estrutural, que nos forma como Nação e como projeto de Nação, é o grande desafio a ser fissurado para que as declarações humanitárias de direito saiam do círculo vicioso da ineficácia que enreda, historicamente, a população negra deste País. Retirar a máscara humanitária das instituições do sistema de Justiça é uma tarefa inicial minimamente honesta a ser enfrentada. Expor e constranger seus mecanismos de filtragem racial, de segregação seletiva em massa e de necropolítica, é inegociável nessa luta para quem deseja, de fato, encampá-la. (Palmas.)
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Não há vitória possível se o chicote, os tiros e as celas não puderem ser atribuídos aos que assinam essas políticas, e não apenas aos seus executores imediatos, pois é no interior do sistema jurídico que os silêncios escamoteiam os questionamentos raciais e assim tornam possível que o pacto racista opere no melhor dos mundos em que a segregação funciona sob novas dinâmicas legitimadas continuamente. Se não tocarmos essas dinâmicas, as lutas intelectuais, ativistas, políticas serão inócuas, apenas suscetíveis a ondulações, sem produzirem efeitos substanciais na realidade, senão somente para fazer ressurgir novas dinâmicas.
O recrudescimento que nós vivemos hoje é uma oportunidade para encarar de frente o pacto racista, sem a ilusão de que a obra civilizatória segue válida para todos, porquanto cientes de que esses são apenas aqueles que não foram racializados política e historicamente. Precisamos, então, nos encarar no espelho dos conflitos raciais, de modo a entender qual o nosso papel no âmbito das instituições e de seu funcionamento no palco desses tensionamentos. Sabemos que há institucionalidades praticamente perdidas na disputa popular e política contra o racismo estrutural e institucional.
Eu acredito, Senador Paim, que a Defensoria Pública, o lugar de onde eu falo, embora reproduza as mesmas lógicas meritocráticas dos que se beneficiam de riquezas que não produziram e que, portanto, não é imune ao racismo - muito ao contrário -, tem sido posta...
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... como estratégia de concessão controlada para legitimação do controle hegemônico exercido por grupos dominantes. É, apesar disso, uma instituição, um locus de disputa popular importante para promover as fissuras nas engrenagens estatais racistas. É preciso que aqueles que estão na luta antirracista se apropriem dessa disputa com muita tenacidade.
É uma luta, antes de tudo, ética, pela coerência do discurso de defesa dos direitos humanos com a prática cotidiana das instituições, e é preciso resgatar o rubor da ética nos atores institucionais, de modo que passem ao constrangimento de que suas ações não podem mais se sustentar na linha hipócrita e estratégica de negação do racismo, enquanto práticas cotidianas se traduzem em resultados discriminatórios evidentes. É preciso e urgente pensar em racismo institucional sob um olhar mais ampliado dos espaços de poder, em que ele realmente se matricula na estrutura das instituições, encarar a branquitude institucional como responsável por séculos e séculos de humanismo branco, mantenedor de privilégios para grupos minoritários, em absoluto cinismo com a agenda universalista dos direitos humanos. Os dados sociais estão todos aí para comprovar a matriz de opressão racial que sustenta esses privilégios.
A socióloga Denise Carreira define a branquitude como um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros e a si mesmo em uma posição de poder, um lugar confortável, no qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo.
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Então, é preciso desnaturalizar esses espaços institucionais, lugares onde a branquitude se vê como uma definidora absoluta dos projetos políticos da Nação e em que a subalternização dos sujeitos racializados é evidente. E, mesmo quando se confere um lugar de exceção, o negro torna-se ali a exceção para confirmar a regra. O que transforma a sociedade são estratégias que permitam a ocupação dos espaços de poder a partir de alianças éticas, fortes, capazes de promover fissuras nesses espaços institucionais, de modo a incidir de fato em um funcionamento contra os influxos autoritários que são naturais e estruturais das tensões sociais.
Dessa forma, Senador Paim, eu acredito que o grande passo a ser dado no âmbito das instituições jurídicas por aqueles de quem se pode cobrar essa coerência ética é a centralidade da pauta racial e sua articulação jurídica com o direito da antidiscriminação. Já amplamente debatida e até em certa medida incorporada em sistemas jurídicos europeus e americanos, sabemos que essa perspectiva foi concebida pelo diálogo com diversas formas de intolerância, até mais palatáveis em termos de aplicabilidade. Mas trazê-la para o cenário do enfrentamento jurídico da questão racial me parece estratégico, para que as fissuras importantes sejam promovidas, a partir de uma linguagem jurídica em que a negação do racismo é a estratégia de manutenção dos espaços de dominação.
Nesse patamar, nós temos que cobrar a efetivação de políticas para forçar o cumprimento do art. 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que prevê a inclusão do estudo de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas matrizes curriculares do ensino escolar. Temos que cobrar a observância rigorosa das políticas afirmativas consolidadas na legislação.
Recentemente, eu fiz um monitoramento do funcionamento das políticas de cotas nas universidades do Paraná e me surpreendi com várias universidades que ainda não aplicam a política e que são resistentes em aplicá-la.
É necessário cobrar a observância das cotas nos concursos públicos, que ainda se encontram obstruídas por políticas institucionais, como, por exemplo, imposição de cláusulas de barreira, manipulação dos currículos, ausência de políticas de formação e capacitação acessíveis aos candidatos cotistas. E é, sobretudo, como já foi falado aqui, se cobrar uma política de reparação histórica, histórico-cultural da população negra, por meio de uma iniciativa de reconhecimento...
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... internacional da preponderante contribuição africana e afrodescendente, para a formação nacional e como forma de reconhecimento do processo de justiça de transição em débito.
A implementação de políticas de monitoramento de saúde com recorte racial, como forma de permitir o enfrentamento dos gargalos que estrangulam o acesso da população negra aos serviços de saúde e que acentuam o processo de genocídio. Enfrentar os processos de filtragem racial, como os desvios da atividade policial e judicial, por meio de práticas que repercutam efetivamente na redução desse processo perverso.
E, para isso, Senador Paim, são necessárias posições radicais e de intransigência contra políticas genocidas travestidas de segurança pública. E essa é uma tarefa, sobretudo, política, porque o direito entra para jogar a pá de cal do silenciamento na operacionalidade dessas políticas, e essa Casa tem muito a fazer nessa tarefa.
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É também de disputar a representatividade com o poder dos negros nos diversos espaços políticos da sociedade: do futebol, cujo poder político é subestimado, mas deve ser realçado, ao Congresso Nacional, às esferas da cúpula do Poder Judiciário, do Ministério Público, das defensorias e do setor econômico e financeiro. E as pessoas brancas que tiverem de fato compromisso com a luta antirracista terão de dar a prova dos noves por meio da saída do palco hegemônico do qual desfrutam secularmente.
Mas sabemos que não basta ser negro para ocupar esses espaços. É necessário o compromisso ético forte, com a centralidade da pauta racial na agenda dos direitos humanos, de modo a investir em políticas institucionais que de fato promovam a diversidade nas relações internas e com o público destinatário dos serviços públicos. Que se desmontem as políticas que obstruem a ascensão dos negros e de outras minorias políticas aos espaços de gestão. Que se mantenham espaços de reflexão e debate contínuo das práticas antirracistas e que não se desviem dos conflitos raciais por meio de subterfúgios jurídicos e políticos de silenciamento das tensões. É preciso rasgar simbolicamente esse pacto racial que se mantém, a partir dos silêncios e dos apagamentos dos conflitos raciais, no âmbito das instituições deste Estado.
Eu vou repetir aqui uma fala que eu fiz no Seminário de Direitos Humanos do Ministério Público do Paraná: Senador Paim, os escravistas no Brasil contemporâneo têm nome, sobrenome e rede social, e eles não temem a ninguém, porque eles têm certeza de que as instituições serão complacentes com eles como não são em relação a quem eles escravizam, subjugam, humilham, e, quando nada disso dá certo, eles prendem e matam.
Audre Lorde, que já foi citado aqui, tem uma frase clássica que diz que a ferramenta do opressor não destrói a casa-grande. É verdade. Mas a estratégia de negar o racismo tem sido eficiente na dominação, por meio do mito da democracia racial brasileira, para barrar as pessoas negras dos espaços de decisão dos projetos desta Nação. É passada a hora de se apoderar dessa ferramenta do opressor, para ocupar os espaços vazios que legitimam a manutenção da casa-grande, pois, se não podemos e não vamos destruí-la, vamos então tomá-la, para construir um projeto de nação que não mais permita a nossa completa exclusão dos pactos dos direitos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi a Sra. Rita Cristina de Oliveira, Defensora Pública Federal e coordenadora do Grupo de Trabalho Nacional de Políticas Étnico-raciais da DPU.
Meus cumprimentos pela firmeza, pela coragem e pela grandeza do pronunciamento.
Convidamos agora a Sra. Maria Aparecida de Laia, Presidente do Instituto de Pesquisas e Ensino para o Desenvolvimento Social (Ipedes).
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A SRA. MARIA APARECIDA DE LAIA (Para discursar.) - Boa tarde a todos e a todas. Quero agradecer o convite do Senador Paulo Paim para esta sessão temática em celebração ao Dia Internacional dos Direitos Humanos e a População Negra.
Quero também cumprimentar o meu amigo Reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, e também nos solidarizar com a Procuradora Federal Deborah Duprat.
Este tema é muito importante, muito importante para todos nós da sociedade. Mas quando este tema é complementado com "e a população negra" a gente começa a pensar: será que nós da população negra temos muito o que celebrar em relação aos direitos humanos?
E eu quero aqui, na verdade, levantar algumas questões mais para a reflexão do que fazer um discurso tão belo quanto as pessoas que aqui me antecederam.
Por que é importante celebrar essa data? Seria mais importante se fosse uma data que tivesse focado bastante na população negra. O que a gente percebe é que os dados oficiais sobre a população negra têm mostrado que grande parcela desta população tem sido afetada pelos altos índices de violência e de violação dos direitos: violência nas religiões de matriz africana, os negros são maioria nos presídios, são a maioria entre as vítimas de homicídios, principalmente os jovens negros, têm menos acesso à saúde e, quando têm acesso à saúde, são discriminados, têm menos acesso à educação, principalmente como disse o professor José Vicente, a inclusão dos jovens no ensino médio.
Na questão do acesso ao trabalho, o que a gente percebe é que já é difícil para os negros terem trabalho e com essa grande demissão de trabalhadores os negros são sempre os primeiros.
Também eles têm menos acesso à moradia, cada vez mais a população negra é sempre empurrada para a periferia, para a periferia da periferia.
E, sem dúvida, é o segmento mais pobre da população. O inacreditável é que tudo isso faz violar o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos onde se diz: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos" e o Artigo III da declaração: "Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal".
Mas que direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, se parece que é regra a violação dos direitos humanos para a população negra, principalmente frente à negativa de direitos e à violência?
É o mais alto desrespeito na condição humana dessa população. Ignoram o protagonismo dos negros, a mídia explora a violência contra os negros de forma a naturalizar o genocídio da população negra, principalmente em relação aos jovens. Quantos jovens morrem todos os dias? Também precisamos lembrar a intransigência da postura dos governos que aplicam políticas públicas longe da realidade da população negra, que não respeitam os mecanismos instituídos, como conselhos, coordenadorias, secretarias, que são instâncias simplesmente simbólicas. Não respeitam as leis. Vários Estados e Municípios têm leis para implementar ações afirmativas, o combate à discriminação, a Lei das Cotas. Essas leis não são implementadas e, quando o são, são de forma muito ruim e pouco monitoradas. Não há programas relacionados que possam, realmente, dizer: nós temos uma política pública para os negros. O que nós temos e vemos são sempre projetos, projetos, projetos e projetos que não mudam efetivamente a situação do negro neste País.
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Também temos que falar do sistema prisional, que aqui já foi falado. É um sistema perverso, pois naturaliza a situação precária e indigna do jovem negro. Outra face do racismo, desse racismo institucional, é a ausência do respeito e do reconhecimento dos cotistas nas universidades, inviabilizando as políticas de ações afirmativas.
Há também que se lembrar que apagam a nossa história, as nossas manifestações culturais, principalmente as originárias do continente africano. Além disso, também as religiões de matrizes africanas, que tão bem foram faladas pela Makota, têm sofrido um processo perverso de agressões e de grupos religiosos que querem o fim da diversidade religiosa.
Entendo que, frente a todas essas questões, há algo em que devemos nos centrar, que é o trabalho. Nós precisamos nos centrar nessa questão do trabalho, porque é aqui que há o maior obstáculo para combater as desigualdades sociais no Brasil.
Para terminar, quero dizer que o central das violações de direitos humanos são as relações raciais em nosso País. Isso é possível perceber porque estruturalmente o negro permanece desvalorizado e inferiorizado. Precisamos continuar lutando para que criemos mais estratégias para transformar a vida da nossa população negra, para termos mais dignidade, mais reconhecimento. Precisamos, principalmente, estar, de fato, na pauta dos direitos humanos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sra. Maria Aparecida de Laia, Presidente do Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Social (Ipedes)! Meus cumprimentos pela fala.
Primeiro, vou fazer uma leitura rápida do e-Cidadania, de algumas posições que eles tiveram que resumir e mandaram para nós aqui.
Marcos Ribeiro, de Goiás. "Que bom que a população negra tenha ganhado cada vez mais espaço. Grande conquista em uma sociedade tão racista. Parabéns ao Senado Federal."
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Eu já agradeço à TV Senado, à Rádio Senado e à Agência Senado. Nós estamos ao vivo para todo o Brasil desde as 15h.
Larissa Barbosa, do Ceará: "Negros até hoje sofrem com resquícios da escravidão. Políticas de educação de base de qualidade e de amplo acesso são a solução efetiva".
GJT, de São Paulo: "Reparação ao povo negro já! Sim às cotas e ações afirmativas. Por mais políticas de reparação e justiça social!
E, por fim, Ricardo Cerqueira, do Acre, dizendo: "Acho que não devemos segmentar a sociedade". E ele afirma: "[Direitos humanos para todos]. Dia dos Direitos Humanos [que é amanhã] para todos!".
De imediato, eu passo a palavra à Sra. Ana Claudia Pereira, Gerente de Projetos da ONU Mulheres. (Palmas.)
A SRA. ANA CLAUDIA PEREIRA (Para discursar.) - Boa tarde a todas e a todos.
Eu gostaria de saudar o Senador Paulo Paim e agradecer o convite à ONU Mulheres para que fizéssemos parte desta sessão de debates temáticos sobre um tema que nos é muito caro e que, além disso, também é objeto dos nossos esforços cotidianos.
Nós somos a entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero e empoderamento da mulher e nós entendemos que, num país como o Brasil, a partir de dados oficiais com os quais trabalhamos, discutir os direitos das mulheres e os direitos humanos sem falar da população negra é impossível - é simplesmente impossível!
O nosso trabalho passa pelo reconhecimento das populações que estão sujeitas à discriminação e em situação de vulnerabilidade, decorrente dessas dinâmicas. Então, muito do nosso trabalho, hoje, se centra na promoção dos direitos das mulheres negras.
Bom, quando falamos da celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, que será amanhã, dia 10 de dezembro, nós temos aí uma agenda muito rica, promovida pela sociedade civil e também por diversos governos, que vão enfocar na população como um todo, na humanidade, e trazer essa pauta dos direitos humanos como uma pauta universal. Acredito que seja muito saudável a gente também juntar a essa pauta uma mobilização em prol da população negra, pensando que as pessoas experimentam a violação dos seus direitos, muitas vezes, como grupos específicos, como mulheres, como pessoas LGBTI, como pessoas negras também.
Ao falar sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos, a gente está falando de uma pauta que, com certeza, começa em alguns contextos nacionais, mas que hoje é uma agenda internacional em que se discute, a partir de padrões, normativas, regulações e difusão de boas práticas dentro de uma comunidade internacional. Isso também é importante.
Eu vou centrar... As pessoas, as exposições que me antecederam focaram no contexto nacional, que é fundamental, porque é aí que os sujeitos experimentam a violação ou o gozo desse direito, mas eu vou trazer um pouco uma dimensão do debate internacional focado no tema da igualdade racial.
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Quando a gente fala do Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando a gente fala de direitos humanos, estamos falando de padrões normativos, de consensos mínimos civilizatórios que os países em determinadas instâncias estabelecem, seja ali no contexto da Assembleia Geral das Nações Unidas ou no contexto também de sistemas regionais de direitos humanos.
A gente também está falando dos esforços de movimentos sociais e de grupos, outros grupos que compõem a sociedade civil, que têm trazido, têm destacado que os direitos humanos como abstração são uma abstração, mas que têm destacado a necessidade de que os seus próprios direitos sejam contemplados, trazendo, a partir de evidências sobre a sua própria vivência, um reforço, uma ressignificação desse arcabouço universalista.
No dia 10 de dezembro, a gente celebra a adoção da Assembleia Geral da ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, como já foi dito aqui, inclusive pela Sra. Maria Aparecida de Laia, eu acho que sempre se cita muito o Artigo I da Declaração Universal porque é um enunciado ético e civilizatório em si mesmo. Então, vou trazê-lo porque eu acho que é sempre relevante relembrarmos: "[...] [Todas as pessoas] nascem livres e iguais em dignidade e em direitos".
Esse é um enunciado que os países ali, no âmbito da Assembleia Geral da ONU, acordaram, já em 1948, um enunciado que, por si, seria capaz, como valor adotado, de transformar a vida de milhares de pessoas em todo mundo, mas que, no entanto, se entendeu, a própria comunidade internacional entende, ao longo dessa trajetória, que há uma necessidade de afirmar direitos específicos, enunciar e detalhar melhor o compromisso dos Estados para a materialização desses princípios.
Nós temos, então, junto com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Relembro aqui esses conjuntos de direitos, lembrando que a população negra também é beneficiária, enquadra-se como sujeito de direitos desses conjuntos.
Juntos, esses três instrumentos, formam a Carta Internacional dos Direitos Humanos que nós também observamos aqui e celebramos na data do dia 10, mas exatamente por entender que a afirmação dos direitos universais não foi por si só capaz de assegurar que esses direitos se tornassem realidade na vida das pessoas. Em todo mundo a comunidade internacional também adotou, em 1965, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Icerd, como a gente chama pela sigla.
Portanto, ela foi proposta em 1965 e a gente celebra, no ano de 2020, os 55 anos desse mecanismo tão importante. A Icerd é um dos tratados internacionais de direitos humanos com o maior número de adesões. Ela também é um adesivo vinculante, ou seja, uma vez adotado e ratificado dentro dos diferentes contextos nacionais, passa a ter um poder vinculante à legislação nacional, como é o caso do Brasil.
Ele entrou em vigor em 1969, conta com 25 artigos e está dividida em três partes. A primeira parte, que anuncia o compromisso com a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Uma segunda parte, que detalha os mecanismos de monitoramento da sua implementação. E uma terceira parte, que versa sobre os procedimentos de ratificação, entrada em vigor e emenda do tratado.
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E dessas três partes que a gente fala, uma versa exatamente sobre o monitoramento, e, para executar esse monitoramento, existe um comitê da sede que recebe denúncias e também os relatórios de país, os quais já foram apresentados pelo Brasil em anos anteriores, mas que foram apresentados pelo Brasil pela última vez no ano de 2004.
A sede traz, define como discriminação racial qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência com base em razões de raça, cor, linhagem, ou origem nacional e étnica, desde que essa distinção, exclusão ou restrição, tenha por objetivo ou por resultado anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em igualdade de condições dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Então, a gente nota aqui que ela não se refere à discriminação positiva, que é exatamente a forma de discriminação voltada a remediar os efeitos da discriminação negativa que está em contradição com os direitos humanos.
Ela também estabelece obrigações...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só me permita uma rápida interrupção, para registrar - fazemos sempre isto aqui, é praxe - que estão nas galerias, já estão descendo, porque tem que mudar toda hora, os alunos do ensino médio do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro, Campus de Ituiutaba, Minas Gerais.
Sejam bem-vindos! Esta é uma sessão em homenagem aos Direitos Humanos, com foco principalmente no preconceito racial.
Um abraço a todos! Bom retorno. (Palmas.)
A SRA. ANA CLAUDIA PEREIRA - Uma bem-vinda interrupção, considerando a relevância de a gente ter a juventude seguindo nessas agendas.
Enfim, a sede também estabelece as obrigações, ações, que os Estados devem cumprir no combate à discriminação racial. A gente lembra que, dentro de um marco de direitos humanos, os Estados são responsáveis por promover, garantir e respeitar os direitos. Não basta apenas que não violem, ou somente que promovam, mas também precisam respeitar. Enfim é um conjunto, essa tríade aí tão significativa de ações dos Estados, entendendo - a sede já enuncia - os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todas e todos, inclusive de grupos sujeitos à discriminação racial.
A sede, portanto, segue sendo um mecanismo, um instrumento muito relevante para se trabalhar direitos humanos. O seu conteúdo tem sido reafirmado ao longo da história nos debates da Comunidade Internacional, tanto na Conferência quanto no plano de ação de Durban, que inclusive vai aprofundar alguns entendimentos. A sede tem essa peculiaridade de ser um mecanismo vinculante.
(Soa a campainha.)
A SRA. ANA CLAUDIA PEREIRA - O plano de ação de Durban vai abordar especificamente a situação das populações afrodescendentes e também vai trazer para a gente um conceito de discriminação múltipla ou agravada. Vai traduzir esse conceito para um documento reconhecido pela Comunidade Internacional, fazendo menção aí às diversas formas de discriminação, ou de vulnerabilidade, ou de marginalização, que se sobrepõem ou se somam, ou se combinam de alguma forma à discriminação racial. E aí a gente está falando também de discriminações de gênero, de origem, de renda, de acesso à terra e de tantas outras.
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Bom, além do plano de ação de Durban, tivemos um olhar renovado para esses instrumentos no momento da declaração da década internacional de afrodescendentes. É uma década que está em vigor a partir do ano de 2015, que segue sendo celebrada pela Comunidade Internacional até 2024, também reafirmando o grande papel da sede e do plano de ação de Durban.
Nós estamos, além de todas essas datas, que fazem uma menção explícita à situação de discriminação racial em alguns casos da população afrodescendente, nós também, como já foi falado na Mesa anterior, os países-membros da ONU adotaram em 2015 a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, uma agenda ambiciosa que traz planos para as pessoas, planetas e prosperidade e que contém para isso 17 objetivos, 169 metas. São ambições bastante grandiosas, mas que não poderão ser alcançadas se a gente tiver metade da população brasileira ainda sujeita a condições de desigualdade e de vulnerabilidade.
Então, um desafio para o cumprimento dessa agenda, um dos desafios, é exatamente que se adote um olhar que seja atento à condição da população negra, que seja atento às diferenciações e às discriminações também de gênero, seja no interior, seja fora dessa população. E nós temos trabalhado nesse sentido, apoiando o Governo brasileiro na produção de dados desagregados por sexo e por raça, cor. Esse é um desafio ainda grande. Quando a gente olha a Agenda 2030 em todo o mundo, a agenda nos convida a uma revolução nos dados, e boa parte dos dados que nós ainda não temos são dados que dizem respeito à vida das mulheres, e aí da população negra também incluída.
Nós temos trabalhado nesse sentido e também temos dialogado com a sociedade civil nesse sentido, exatamente porque essa agenda tem como lema, internacionalmente, não deixar ninguém para trás. Nós entendemos que o trabalho de desenvolvimento, a paz e a prosperidade só podem ser alcançadas...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANA CLAUDIA PEREIRA - ... se a população toda estiver sendo contemplada pelas políticas públicas e esforços de inclusão.
Eu agradeço esta oportunidade, então. Agradeço também a nossas parceiras e parceiros que nos têm ajudado e com quem temos somado forças no avanço para que o que está ali colocado, tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também na sede e em tantos outros instrumentos internacionais, se torne realidade.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sra. Ana Claudia Pereira, Gerente de Projetos da ONU Mulheres, que deu um panorama em nível global sobre a questão do preconceito e do racismo.
Passo a palavra neste momento ao Sr. Antônio Crioulo, Coordenador das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
O SR. ANTÔNIO CRIOULO (Para discursar.) - Primeiramente, saudações quilombolas aos companheiros e às companheiras, mas em especial a três pessoas que se fazem presentes aqui nesta Mesa: Senador Paulo Paim, que é uma pessoa que tem sido referência para a população negra, especialmente para os jovens quilombolas e estudantes, aos quais durante toda a sua existência foi negado o direito de sonhar. Aqueles que sonham em ocupar algum espaço parlamentar, têm como referência os mandatos do Sr. Paulo Paim, uma representatividade muito significativa em defesa da população negra, em especial da população quilombola; a companheira Débora Duprat, que tem se somado, junto com as comunidades quilombolas e à Conaq, na defesa dos direitos adquiridos; e o companheiro Humberto Adami, que tem sido uma referência para os nossos jovens advogados negros, advogados quilombolas, e que também tem sido um companheiro na luta em defesa dos direitos adquiridos.
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Eu gostaria de vir aqui a esta tribuna festejar, porque nós estamos, há vários anos, com sequentes leis e direitos adquiridos: começando lá em 1988; depois recentemente, nas conquistas do Decreto nº 4.887, da Lei das Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Quilombola; recentemente na reconquista do Decreto nº 4.887, por meio do Supremo Tribunal Federal.
Mas infelizmente eu não estou vindo aqui para festejar. Estou vindo aqui para colocar esse espaço também como um espaço de denúncia, como um espaço em que nós precisamos ter mais força, principalmente pelo momento político que estamos vivendo.
Estou fazendo esta fala e vou fazê-la como se faz nas nossas comunidades: falamos de nós por meio de história.
Na história do meu povo, na história do povo quilombola, na história do povo negro no Brasil, na história da grande maioria do povo negro deste País, se for fazer a árvore genealógica, veremos que seus ancestrais passaram por um quilombo. A grande maioria dos negros deste País tiveram na sua história uma passagem por um quilombo. Mas também é verdade que, desde a época dos quilombos, nem todos os negros honraram a cor da pele. Desde aquele período, nós também temos negros que se propuseram a estar a serviço do escravizador, a exemplo do nosso ex-Presidente da Fundação Cultural Palmares, que recentemente foi destituído do cargo.
Nossa história também está marcada por traidores. A nossa história também está marcada por pessoas negras que ocupam espaços que deveriam defender o direito adquirido, que não foi direito dado, direito adquirido a custo de muito sangue, de muita morte, mas que se propõem a fazer o papel do capataz, o papel do escravizador.
Na história das comunidades quilombolas - e talvez eu seja repetitivo aqui, com as excelentes apresentações anteriores - nós não podemos deixar de registrar que foram 4,5 milhões de africanos, tirados de um país para vir formar uma Nação chamada Brasil. Esses 4,5 milhões foram trazidos para este País, mas não foram trazidos de boa vontade. Eles foram forçados a vir e, chegando aqui, muitas vezes, até ludibriados, fora as situações forçadas na África do investimento do poderia branco em cima de uma população que, como toda população internacional, tinha também os seus conflitos.
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No caso do povo africano, houve um investimento internacional, em especial dos portugueses, que foram os responsáveis pela trazida dos nossos ancestrais aqui para o Brasil.
Nós temos que analisar... Eu fico muito sensibilizado hoje quando se criam leis que praticamente dão cadeia a quem, por exemplo, faz maus-tratos a animal. Hoje, se a gente matar um cachorro, uma caça, isso dá cadeia. Se fizermos comparação com os nossos ancestrais, os que foram escravizados, eles foram tratados pior do que hoje nós tratamos os nossos animais de estimação. Por exemplo, na roça, há um jeguinho que trabalha na roça, que ajuda a carregar a colheita, mas nós cuidamos dele, nós o alimentamos, nós damos água, coisa que não acontecia com meus ancestrais. Meus ancestrais foram forçados a trabalhar sem alimentação adequada, foram chicoteados até a morte.
Vamos fazer mais uma comparação.
Hoje, nós temos uma sociedade majoritariamente machista. Imaginem alguém invadir sua casa, usar sua esposa de várias maneiras, seja sexual, seja ela qual for, e você não ter direito nem a reclamar - se reclamasse, era morto! Imaginem seu filho morrer de fome, porque o leite que amamentava a criança não poderia ser usado, pois ele ia servir de alimento para o filho da senhorinha ou do senhorzinho lá! Imaginem, pessoal, você levar 500 chicotadas em um tronco, porque você se pôs simplesmente a fazer a sua expressão cultural, seja ela religiosa, seja ela da capoeira, como nossos ancestrais tinham.
Aí veio a bendita Lei Áurea, que as escolas colocam como um marco referencial de libertação dos escravos - e não falam em libertação de negros; falam em libertação dos escravos -, mas o nosso sistema educacional não contextualiza com o que realmente acontecia naquela época. Não falam da participação dos negros na Guerra do Paraguai, que foi um dos principais fundantes para a Lei Áurea. Dizia-se, naquela época, que os militares não iam mais perseguir os negros, e, então, se não havia quem perseguisse os negros, automaticamente, os negros estavam conquistando sua liberdade. A maioria dos negros contribuiu com aquela guerra, em que morreram mais de 20 mil brasileiros, e quem morreu foi o povo negro. E se tornaram irmãos naquele momento dos militares, porque a dor era conjunta.
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Também não se levou em consideração que os quilombos produziam. Eu sou de uma comunidade quilombola chamada Conceição das Crioulas, lá em Pernambuco. E minha comunidade quilombola foi...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CRIOULO - Eita!
... adquirida por meio do comércio. Nós produzíamos algodão naquele período, e foram adquiridos 17 mil hectares em terras compradas à Torre, de Portugal, que lá em Pernambuco era representada em uma cidadezinha pequena chamada Flores.
Eu vou tentar ser um pouco mais rápido, desculpem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem sete minutos.
O SR. ANTÔNIO CRIOULO - As comunidades quilombolas no Brasil se organizam da seguinte maneira: elas se organizam, territorialmente, por comunidades. Essas comunidades são, algumas, aglomerados que nós chamamos de territórios quilombolas. Nós estamos participando, atualmente, da construção do censo quilombola 2020. Para nossa felicidade, companheiro Humberto Adami, não é extraoficial. Oficialmente, foram identificadas no Brasil 6,3 mil comunidades quilombolas, que correspondem ao nosso discurso, como comunidades quilombolas - porque nós tínhamos esse número, mas só são certificadas pela Fundação Palmares 3.460, em torno disso. Hoje, oficialmente, nós temos reconhecidos no Brasil 6,3 mil comunidades quilombolas, dentro dos nossos territórios. Nós sabemos que os territórios quilombolas são subdivididos. Se a gente pega, por exemplo, aqui, o Kalunga, o território quilombola de Kalunga tem mais de 60 comunidades quilombolas.
Nós queremos também registrar aqui o momento difícil por que nós estamos passando, com fortes ataques aos nossos territórios, mas principalmente às lideranças. Nós temos enfrentado inimigos bem diferentes, mas o pior deles é o Estado. Eu trago aqui, por exemplo, o que está acontecendo lá no território de Alcântara. Não por coincidência, o Município de Alcântara é o Município onde nós temos mais comunidades quilombolas no Brasil - em torno de 210. Uma só cidade tem 210 aglomerações de povo negro, de povo quilombola. Não é só um ataque à soberania do País, como é dito; é um ataque também étnico, é um ataque a um povo, é um ataque à principal referência de espaço de comunidades quilombolas neste País, o território quilombola de Alcântara.
Nós também tivemos agora, recentemente - na semana passada - o assassinato do Sr. Vermelho, uma liderança quilombola lá na Bahia, no território Rio dos Macacos, que vem sofrendo há mais de 20 anos conflitos com a Marinha. Há cinco dias, nós fomos acordados de madrugada com uma ligação da principal liderança da comunidade, a Rosimeire, porque a casa dela estava cercada. Após o assassinato do Vermelho, que era uma das principais lideranças, a outra liderança da comunidade liga para a gente de madrugada, atordoada, porque a sua casa estava cercada, e não estava cercada de qualquer coisa; estava cercada do que nós entendemos que, independentemente de qual militar fosse, tem a obrigação de proteger, porque ele existe porque nós pagamos imposto. Então, automaticamente, do nosso ponto de vista, eles seriam nossos funcionários. Eles estariam a serviço da nossa proteção, e não o inverso.
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Também é importante registrar aqui situações como, por exemplo, a que nós passamos lá em Pernambuco, com o Porto de Suape, que acabou com a Comunidade Quilombola de Mercês. Também não podemos esquecer de registrar aqui a situação do Matopiba, que pega a grande maioria das comunidades quilombolas do Nordeste - Piauí, Maranhão e Ceará.
Então, este espaço estou tentando colocar como um espaço de denúncia, mas também quero parabenizar pela iniciativa...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CRIOULO - ... porque nós entendemos que, mesmo o público aqui sendo um público pequeno, o espaço de mídia da TV Senado está em abrangência nacional, e às pessoas que não estão vendo agora essa denúncia vai ficar à disposição, para quem depois tiver a curiosidade de entender o que é isso.
Só para fechar, quero trazer como recado, um recado para o meu povo quilombola, e dizer que nunca foi fácil, que, mesmo nas situações mais complicadas, nós resistimos e que nós vamos continuar resistindo, porque, mesmo não tendo acesso a esse espaço de letras, que muitos dos nossos companheiros negros tiveram, infelizmente as comunidades quilombolas... Foram colocados dados há alguns meses em que a população que acessa a universidade já está metade/metade - metade negra, com a outra metade da população -, mas não trouxe alguns recortes que são muito caros para a gente. Primeiro, quais são os cursos a que essas pessoas estão tendo acesso? Nos cursos de elite, o povo negro está? (Palmas.)
Medicina, Direito, Engenharia... O povo negro realmente está tendo acesso a esse espaço? Não estou citando o meu recorte. A população rural, a população quilombola, como estão tendo acesso a esse espaço? Existe realmente o acesso a esse espaço? Eu sou de uma comunidade quilombola privilegiada, porque a minha comunidade quilombola priorizou a educação como fonte de informação. Não é a realidade da grande maioria das comunidades quilombolas. Eu digo isso porque tenho andado muito nas comunidades quilombolas.
O índice de analfabetismo nas nossas comunidades é grande, é enorme, por vários motivos.
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Primeiro, porque a grande maioria das nossas comunidades não têm o mínimo acesso à comunicação, o que nos torna alvo com mais facilidade de verdades absolutas de igrejas evangélicas, de igrejas católicas e do sistema de comunicação majoritário público - público não, mas principalmente Band, SBT e Rede Globo, que são os canais que entram nas nossas comunidades. Nós não temos outras verdades.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CRIOULO - A única verdade que nós temos, que é a verdade absoluta, é a verdade transmitida de um ancestral da nossa história, de pai para filho. Mas é importante nós salientarmos que estamos sendo alvos, com muita incidência, desses meios de comunicação, porque, enquanto nós temos esse momento de estar nos nossos terreiros, nas nossas roças, conversando com nossos filhos, nossos filhos estão diariamente ouvindo o que a Globo diz, diariamente ouvindo o que o SBT diz, diariamente ouvindo o que a Band diz.
O SBT que ontem, pelo seu diretor majoritário, tomou uma decisão contra o público que elegia uma negra como ganhadora do público, mas ele não aceitou que a negra ganhasse e deu o prêmio a uma branca, dizendo que a negra não merecia ganhar aquilo ali, porque ele decidia quem deveria ganhar esse prêmio.
Então, meus companheiros e minhas companheiras, é agradecer pelo espaço dado à Conaq, às comunidades quilombolas, para também estar aqui representado, e dizer que o momento é complicado, mas nunca foi fácil para nós, e nós vamos resistir, porque o atual passa, e nós precisamos contar com quem vai continuar dando sua contribuição na história.
Queremos deixar nosso nome na história, mas como alguém que está contribuindo com aquilo, por que os nossos ancestrais lutaram para que nós estivéssemos aqui defendendo. Aqueles que não querem estar deste lado da história respeitamos, aqueles que querem se comportar como capatazes respeitamos, mas nós queremos, como comunidade quilombola, deixar a nossa referência de que temos uma obrigação aqui que é continuar a história dos nossos ancestrais.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Sr. Antônio Crioulo, Coordenador das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, representando aqui a Conaq, que fez todo um histórico - na verdade, deu aula para nós outros e para todos aqueles que estão assistindo à TV Senado. Vai ficar na internet, vai ficar no YouTube, fica circulando toda esta audiência de hoje.
De imediato agora, o Sr. Tom Farias, jornalista, escritor, biógrafo, crítico literário, com especialização em literatura do final do século XIX. É autor de diversos livros e artigos, inicialmente publicados com o seu próprio nome, Uelinton Farias Alves. Mais tarde adotou o nome literário Tom Farias.
O SR. TOM FARIAS (Para discursar.) - Boa noite a todas e todos aqui presentes.
Muito obrigado. Eu queria agradecer também ao Senador Paulo Paim, um grande amigo, por este convite e, na pessoa da Procuradora Federal Deborah Duprat, cumprimentar toda a Mesa presente e os amigos que já saíram em função de horários de voo, enfim.
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Bom, é um grande desafio, depois de passar por duas grandes intervenções da primeira Mesa e agora da segunda Mesa, poder falar alguma coisa sobre o Dia Nacional dos Direitos Humanos com foco, com abordagem sobre a questão da população negra.
Eu acho que vou até usar aqui uma máxima do Sócrates: "Eu sei que nada sei", depois de tudo isso que foi falado aqui. E, puxando a brasa para a minha sardinha, eu falo um pouco dessa relação que nós hoje temos com a questão da literatura negra no Brasil, porque, de alguma maneira, todas essas informações que nos chegam, seja das comunidades rurais quilombolas, seja da questão dos direitos humanos com afetação na população indígena, na população negra, LGBT, na questão das mulheres, tem que passar pela literatura.
A literatura é o instrumento moderno da comunicação, e eu acho que nada vai substituir, eu diria, até o papel, a folha escrita. Então me preocupa muito que nós tenhamos uma série de autores e autoras no Brasil, desde que o Brasil é Brasil, desde o seu descobrimento, que são basicamente embranquecidos ou apagados da história de uma maneira violenta, de uma maneira criminosa, de uma maneira que procura trazer à luz, não os valores de uma população que chegou aqui escravizada... São basicamente 5 milhões de seres humanos, homens, mulheres e crianças que vieram escravizados para cá. Foram 38 mil viagens feitas em mais de três séculos, eu diria, da forma mais criminosa que se tem para se justificar o ganho do capital, que é a subjugação de seres humanos.
Ao Brasil, vieram pouco mais de cinco milhões, e boa parte deles nem chegou às terras brasileiras, porque, de cada dez, morriam três ou quatro no processo da viagem e eram lançados no mar como comida para peixe. Já foi falado que até os tubarões mudaram as suas rotas, dada a facilidade de alimentação que havia nesse processo.
E quando eu comecei a pensar nessa questão da literatura como instrumento de valor, de valorização, sobretudo no século XIX, quando, a cada cem pessoas no Brasil, dez apenas eram alfabetizadas, e eu digo "alfabetizadas" não na língua pátria - na verdade, na língua portuguesa, que é a brasileira -, mas alfabetizadas na língua francesa. A língua francesa foi um instrumento de comunicação muito forte no Brasil no século XIX, não só a língua francesa mas os costumes franceses. Quando a família real chegou ao Brasil, em 1808, ruas como a Primeiro de Março chegaram a vender casacos de pele e patins para patinar no gelo, num país tão tropical como o nosso.
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Nesse contexto do letramento dessa população, a gente já tem, desde o século XVII, de 1600, grandes negros letrados produzindo saberes, produzindo conhecimento e fazendo comunicações, inclusive com grandes autoridades. Nesse aspecto do letramento, nesse aspecto desse processo da formação de uma nacionalidade através da literatura, a gente vai buscando essas referências e não vai encontrando, porque elas estão embranquecidas, como foram embranquecidos uma série de escritores até modernos, no período do século passado e no século retrasado.
Há pouco tempo, o Reitor José Vicente, que já esteve aqui nesta tribuna, fez a campanha "Machado de Assis Real", restaurando a verdadeira face de Machado de Assis para o Brasil, para o Brasil que não conhecia um escritor que nasceu no morro do Rio de Janeiro e que teve um processo de autodidatismo tão poderoso, que se tornou um dos principais escritores da nossa literatura. Talvez por esse fato, ele não era aceito como um homem negro no século XIX, nem no início do século XX, quando morreu, em 1908. Algumas campanhas públicas veiculadas na televisão traziam a imagem de um Machado embranquecido. Isso foi motivo de protesto não só do movimento negro mas, enfim, da sociedade. E essa campanha teve que ser mudada.
Acho que partimos desse pressuposto para dizer que só a nossa mobilização, esse poder de vigília, esse poder de denúncia que esta tribuna, que este evento de hoje acaba tendo... Acho que Antônio Crioulo foi muito feliz em algumas falas no sentido de que este espaço tem que ser usado também para essa finalidade, porque a comunicação do Brasil ainda está na mão de poderosos. Não só a comunicação mas os meios de produção do saber estão na mão dos poderosos. Até hoje nós temos uma universidade negra no Brasil, que é a Zumbi dos Palmares, a única, enquanto nos Estados Unidos você tem centenas de universidades, desde o século XIX, funcionando perfeitamente até hoje.
Mas no Brasil essas questões do racismo, eu digo até que são uma questão de Estado. O racismo, no Brasil, é uma questão de Estado. O Estado decidiu por isso. Há dados de que, ainda no século XIX, Roquette-Pinto fez uma estatística, em 1874, que foi usada em 1912, por um diretor do Museu Nacional, numa conferência dos Direitos Humanos, inclusive na ONU, em que ele dizia que, na população brasileira, no ano de 2012, não haveria mais a presença de negros, porque a miscigenação, a migração de europeus iria gradativamente eliminar essa população...
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(Soa a campainha.)
O SR. TOM FARIAS - ... esse sangue ruim da sociedade brasileira. E se, no ano de 2012, encontrássemos alguém ainda com estes fenótipos - nariz chato, beiço largo -, não era preciso se importar, porque seria só um resquício ainda desse sangue na sociedade.
Acho que essa camarada deve estar se virando no túmulo até hoje, o Roquette-Pinto, porque nós somos 54% da população e, daqui a 80 anos, vamos ser 80% da população. Eu estou prevendo um Brasil completamente negro, porque a velocidade com que nós nos miscigenamos, a velocidade com que nos tornamos mais negros do que brancos, vai fazer com que o Brasil seja um país negro, autenticamente negro.
Mas eu queria, Senador, falar aqui de algumas personalidades que acho importantes nesse aspecto. O século XX eu acho que foi o pior século para a população negra no Brasil. Embora a gente tenha o século XIX como o final da escravidão, em 13 de maio de 1888, havia negros proeminentes no século XIX, e não vejo negro proeminente no século XX nem no XXI.
Às vezes, eu brincava com meus alunos - sou professor de literatura brasileira também - e pedia dez nomes de grandes personalidades do século XIX na área da música, na área da política, na área da medicina, na área do empresariado ou como escritores, como jornalistas, e eles não sabiam dar nomes de nenhum deles. Muitos ainda não sabem que aquele túnel que há no Rio de Janeiro, o Rebouças, e a Avenida Rebouças, em São Paulo, têm a ver com homens negros, que foram Antônio e André Rebouças. Toda aquela família Rebouças foi muito importante para nossa história.
Então, eu sempre falo sobre isso. Se pegarmos, na música, Pe. José Maurício, considerado o Mozart brasileiro; se pegarmos Teixeira e Sousa, considerado o pai do romance no Brasil, com o primeiro romance publicado em 1843; Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista, em 1859, com o livro Úrsula - não só a primeiro romance, mas também o primeiro texto de ficção que combate a questão do racismo e faz uma propaganda maciça contra a escravidão no Brasil; e Luiz Gama, que, no mesmo ano de Maria Firmina, em São Paulo - jovem nascido livre na Bahia, mas escravizado por mais de dez anos -, se tornou um grande advogado da história deste País, com mais de 500 libertações só na defesa pelos direitos humanos daquelas pessoas. E também Luiz Gama, em 1859, publica as suas trovas, que foram um marco também daquele período.
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Pegando outros aspectos do negro como intelectual, que eu diria como intelectual, um aspecto negado na sociedade, o saber do negro como intelectual, nós temos o Paula Brito, um dos grandes editores brasileiros. Graças a ele nós conhecemos Machado de Assis, porque Machado de Assis foi o seu primeiro funcionário, como também foi a pessoa que publicou o primeiro texto de Machado de Assis, além de outros escritores do período romântico, fundadores do romantismo brasileiro, que também passaram, como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, todos passaram pela loja e pela editora do Paula Brito.
Falo também de Cruz e Sousa, um poeta catarinense, fundador e criador de uma escola literária no Brasil que foi a escola simbolista. Foi o primeiro negro, o único negro brasileiro que criou uma escola literária no Brasil.
Falo também de José do Patrocínio...
Eu até vou fazer aqui uma propaganda, Senador, me permita falar sobre o meu último livro lançado agora, já chegou às livrarias na semana passada, a biografia de José do Patrocínio.
(Soa a campainha.)
O SR. TOM FARIAS - José do Patrocínio, a pena da Abolição.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
O SR. TOM FARIAS - Patrocínio, Senador...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O livro é recente? De agora?
O SR. TOM FARIAS - Sim, chegou às livrarias agora, na semana passada. Editora Kapulana.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós sempre abrimos espaço na CDH para o lançamento de livros, nas quintas-feiras, com o horário de toda...
O SR. TOM FARIAS - Terei muita honra.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É nosso convidado já no dia que quiser lançar.
O SR. TOM FARIAS - Patrocínio, para a gente ter uma ideia, é filho de um padre com uma negra de 13 anos. A gente já falou aqui um pouco que o Brasil é fundado no estupro, na violência, sobretudo da mulher. Imaginem uma jovem de 13 anos parir um filho!
Então, são essas mentalidades tão naturalizadas no Brasil, da violência - a cada 23 minutos um jovem negro morre no Brasil -, isso está muito naturalizado, a gente não se importa com isso, as pessoas não se importam que em seu departamento não tenham negros no mesmo status que eles.
Ao entrar no elevador, o ascensorista é negro, a pessoa que vai catar o lixo é negra, mas ela não se importa que não tenha um negro na administração, na direção, ela não se importa com isso. Enquanto o Brasil viver essa falta de se importar, o Brasil não vai mudar.
Mas voltando aqui ao Patrocínio. Patrocínio foi um camarada que modernizou a imprensa no Brasil no século XIX. O que nós conhecemos de imprensa no Brasil vem do Patrocínio, a partir de 1887, com o jornal que ele fez.
Ele só não voou antes de Santos Dumont porque o seu balão pegou fogo. Santos Dumont reconheceu esses feitos do Patrocínio como balonista.
Todo automóvel no Brasil... O primeiro automóvel no Brasil, o primeiro acidente também, no Brasil, de automóvel, deve-se a Patrocínio, ao ensinar o amigo Olavo Bilac a dirigir. Enfim, coisas de poetas e escritores. O proclamador civil da República.
Além de Patrocínio, nós temos uma infinidade de personalidades do século XIX, de engenheiros, eu diria aqui, de Parlamentares, de empresários, de Senadores, muitos que representaram esta Casa, tanto no século XIX como no início do século XX, cinco Presidentes da República com sangue negro no Brasil até 1910; na verdade, até 1916, com Rodrigues Alves, eleito duas vezes Presidente da República, o reformulador do Estado brasileiro. A configuração...
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(Soa a campainha.)
O SR. TOM FARIAS - ... que se tem hoje do Rio de Janeiro cabe a Rodrigues Alves.
Médicos. Há um dado de que pelo menos um terço da população médica do século XIX era negra, dada a Escola de Medicina da Bahia e dada a Escola de Medicina de Ouro Preto formando esses médicos. Um dos maiores médicos do período foi exatamente Juliano Moreira, que entrou na faculdade de Medicina aos 13 anos de idade.
Então, esses são aspectos que, quando a gente olha as imagens dessas pessoas - eu os chamaria de intelectuais, de escritores -, estão embranquecidos numa referência, por exemplo, da sua ancestralidade, não se sabe quem é a mãe. Isso está tudo encoberto pela história.
Eu tenho muita preocupação de quando vou escrever meu livro, primeiro, escrevo-o de uma maneira que qualquer pessoa possa ler, qualquer pessoa possa entender. A linguagem precisa ser facilitada para as pessoas, porque os níveis de conhecimento são diferenciados. Então, no mundo acadêmico, a gente tem muito essa sofreguidão de querer escrever para o povo acadêmico, esquecendo que o povo acadêmico é uma parcela muito pequena da população ainda representando o Brasil nessas instituições de nível superior.
Assim, fechando o que eu gostaria de deixar de mensagem aqui nesse aspecto que eu chamaria de um preconceito pedagógico, um preconceito linguístico que o Brasil carrega até hoje e muito forte, sobretudo quando se trata de um negro, nós precisamos sempre provar mais do que é necessário.
(Soa a campainha.)
O SR. TOM FARIAS - As pessoas dizem: "Você faz o quê?". Eu sou escritor. "Mas você trabalha com quê?". Então, a minha opção de escritor não é uma profissão.
Na universidade, quando eu era professor, também havia esse confronto muito grande porque as pessoas acham que o professor tem que ter Lattes. Eu não preciso ter Lattes para poder ser professor. A minha formação não vem do Lattes, vem do banco da universidade onde eu enverguei a minha espinha, estudei para poder me tornar o profissional que eu sou.
E aí, quer dizer, num dos meus livros, que é sobre a Carolina Maria de Jesus, eu tive a felicidade de ser agora finalista do Prêmio Jabuti com esse livro - o resultado saiu na semana passada. Ela foi uma dessas pessoas que o preconceito linguístico basicamente eliminou da sociedade brasileira como intelectual. Ela escreveu, em 1960, um livro chamado Quarto de Despejo: diário de uma favelada, que foi um dos livros mais vendidos, durante quase dois anos na lista dos mais vendidos no Brasil. São 16 idiomas hoje traduzidos, 46 países e cerca de 6 a 7 milhões de livros vendidos no mundo, da Carolina, que era uma pessoa que tinha dois anos de escolaridade, pobre.
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Ela dizia que era soldo da escravidão, a mineira, nascida em Sacramento, soldo da escravidão, como ela mesma dizia, moradora da favela do Canindé, uma favela que foi extinta a partir do movimento do livro da Carolina, e uma pessoa que mudou a vida dela pelo amor à literatura e pelo amor aos livros. A literatura que ela produzida de papéis que ela encontrava na rua, cadernos velhos que ela encontrava na rua, que ela reaproveitava para escrever a sua história.
(Soa a campainha.)
O SR. TOM FARIAS - E, com os livros que ela encontrava no lixo, ela formava a sua biblioteca em casa.
Então, são essas pessoas que a gente procura numa data de hoje, há 31 anos desta comemoração, que eu diria do Dia Internacional dos Direitos Humanos, com foco na população negra brasileira, e são esses personagens que precisam ser lembrados.
O advogado Humberto Adami lembrou muito bem aqui o escravo de Paty do Alferes, e existe até livro sobre ele muito importante do processo que ele sofreu, mas, além de tudo isso, a crueldade na leitura desses processos do que foi feito com o Manuel Congo. É tão cruel o crime, como se fosse um exemplo para toda a população de negros do Brasil, como se essa reação, esse tipo de atitude de querer a liberdade, lutar pela liberdade, não só sua, mas a liberdade de toda uma população, fosse um crime.
Então, o Manuel Congo sofreu um crime, como eu diria, de morte natural na forca, esse processo de violência que negros e negras sofrem até hoje no Brasil.
Então, Senador, eu gostaria, encerrando realmente agora, mais uma vez, de agradecer este espaço. Eu acho que eu vou fazer das palavras aqui do nosso amigo Toni as minhas, eu acho que o senhor tem um papel importante a cumprir nesta Casa Legislativa.
(Soa a campainha.)
O SR. TOM FARIAS - E eu faço votos de que o senhor continue trazendo essa bandeira dos direitos humanos, trazendo a bandeira da população negra, porque, quando o senhor está sentado nessa mesa aí, nós sabemos que há um negro sentado nessa mesa, não temos dúvida disso. Além do mais, nós sabemos que somos representados através da sua pessoa.
Muito obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu que agradeço. Muito obrigado pelas palavras, Sr. Tom Farias, professor, jornalista, escritor, biógrafo e crítico literário, com especialização em literatura do final do século XIX, autor de livros e artigos, inicialmente publicados com seu próprio nome, Wellington Faria Alves, mais tarde adotou o nome literário de Tom Farias.
Muito obrigado. V. Exa. deu uma aula para todos nós aqui. O senhor usou o dobro de tempo dos outros, mas não parecia. Quando eu notei aqui, V. Exa. conversou conosco, conosco e com o povo brasileiro.
Muito obrigado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nada disso. Isso é didática de quem é professor, articulador.
Meus cumprimentos.
Passamos a palavra agora, como última oradora, à nossa convidada. Quero dizer que a convidamos na corrida e ela disse: "Não, diga para o Paim que eu vou lá sim". E está aqui. Uma salva de palmas à Sra. Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão. (Palmas.)
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A SRA. DEBORAH DUPRAT (Para discursar.) - Boa noite a todas e todos. Eu gostaria de agradecer inicialmente ao Senador Paim, sempre tão generoso comigo, e a todas as pessoas dessa mesa que manifestaram solidariedade a minha gratidão.
Eu começo fazendo uma provocação com essa celebração da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Há um pensamento decolonial que vai incomodar essas grandes invenções do Ocidente com a América. Então, vai perguntar por exemplo... Há um filósofo africano, o Achille Mbembe, que tem o livro Crítica da Razão Negra. E ele vai interrogar exatamente Kant. Onde estava Kant, esse sujeito tão genial, que cria essa teoria dos sujeitos que nascem livres e iguais em direitos, quando ele escreveu isso tudo na época da escravidão? Lembro que a Declaração Americana de Direitos Humanos - todos nascem livres e iguais em direitos -, a Declaração Francesa de 1789 - todos nascem livres e iguais - foram na época da escravidão.
Enfim, e por que o holocausto dos judeus é que dá início a essa preocupação com os direitos humanos, quando o episódio de conquista da América e da escravidão provocou holocausto em termos de tamanho e em termos de impacto similar ou talvez pior.
Então, o que há é que nós produzimos o chamado processo civilizatório, que é um artefato do Ocidente, com um olhar totalmente embranquecedor. Então, vamos ter cuidado quando falamos do tal processo civilizatório, porque ele tem cor, ele tem gênero, ele tem raça. Mas vamos celebrar, de qualquer maneira, a declaração, porque não deixa de ser um documento internacional que afirma direitos universais.
No entanto, quanto tempo a declaração demorou para chegar no Brasil? A declaração é de 1948. A primeira vez que no Brasil há um documento que prevê direitos para todas as pessoas é a Constituição de 1988, ou seja, 40 anos depois. Mas mesmo a Constituição de 1988 nasce com uma fissurazinha. Apesar de ela ser um documento de tantas lutas, ela não é um documento de um legislador iluminado. Tentaram que fosse assim, uma comissão de notáveis. As lutas entraram nessa Constituição, mas ela nasce com uma fissura: o empregado doméstico, que nasce com menos direitos que os empregados de uma maneira geral.
Mas quem é o empregado doméstico? É uma mulher, é negra. Ela ocupa um espaço da casa sem ventilação, que reproduz as mesmas condições da casa grande e da senzala, em termos de arquitetura, e ela está absolutamente disponível, sua força de trabalho absolutamente disponível ao empregador. Precisou uma emenda à Constituição de 1988 para que houvesse essa alteração. Então, é de imaginar que todo o nosso processo de direitos é sempre muito difícil e muito tardio.
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Mas vamos celebrar também a Constituição de 1988 e aí vamos celebrar que é uma Constituição que entende que há um racismo estrutural, tanto que ela é tão econômica no Direito Penal. O Direito Penal da Constituição está todo no art. 5º, Dos Direitos Fundamentais. Ela vai prever o racismo como crime inafiançável, como uma das condutas mais abjetas que pode haver numa sociedade que distribui direitos e convive de forma civilizada.
E vai haver uma política extremamente interessante que vai ser, não sei por que razão, lá no finzinho da Constituição, no capítulo das Disposições Constitucionais Transitórias, um artigo que vai falar da demarcação das terras quilombolas. Lembro que esse artigo, em termos reais e simbólicos, é de uma potência enorme, primeiro porque ele vai revelar aquilo que foi a farsa do final da escravidão sem indenizações e uma lei de terras que impedia os negros e negras de adquirirem terras, porque afinal terras só podiam ser compradas mediante dinheiro, que era alguma coisa, pois quem havia acabado de sair de um regime sem direitos não poderia ter acumulado fortunas.
É tão curioso esse dispositivo que eu entrei no Ministério Público Federal para trabalhar com a questão indígena e fui surpreendida, muitos anos depois da Constituição, em meados da década de 90, com alguém chegando e falando assim: "Há 700 comunidades quilombolas no Brasil". Eu falei: "Como?". Inclusive vizinhas, como Kalunga, Mesquita. Eu falei: "Como? O que é isso? Não é Palmares? Não aconteceu só Palmares?".
Estou falando de um processo de invisibilização tamanho que nós do Direito, que trabalhávamos essa categoria direitos humanos, não conhecíamos as comunidades quilombolas no Brasil. Enfim, na hora em que você se abre, você começa a descobrir que elas não são 700; elas são 2 mil, depois 4 mil e hoje 6 mil.
Mas esse dispositivo, que era tão importante para mostrar que é uma Constituição que mudava o seu rumo, ao transferir a responsabilidade dos grandes latifúndios brancos pelas grandes mazelas no campo, conseguiu ter uma tradução de que: "Não, na verdade, esses latifundiários não poderiam ser responsabilizados pela escravidão e muito menos pela concentração de terras no meio rural. Então, vamos inventar que nós temos que ter um processo de desapropriação". E nós temos, passados 31 anos da Constituição, um número de terras tituladas que não cabe aqui. Lembro que, quando saiu o primeiro decreto, no Governo Fernando Henrique Cardoso, exigiam-se cem anos de permanência na terra. Era o usucapião negro, porque, em qualquer outra circunstância, quem estivesse no campo, ocupando uma terra por mais de 25 anos, tinha direito à propriedade da terra. Mas, para os negros, tinha que ser cem anos.
Quando veio o Decreto 4.887, no Governo Lula, no dia seguinte à edição do decreto, houve uma ação direta de inconstitucionalidade que, mais uma vez, foi o motivo de paralisação de todo esse processo de demarcação das áreas quilombolas.
No SUS, quando surge, não há padrões para os médicos e médicas em relação à anemia falciforme. Até hoje nós não tratamos o aborto, quando se aborta muito no Brasil, mas quem morre por abortamento inseguro são as mulheres negras, jovens, das periferias brasileiras. Se nós pensarmos o que foi a epidemia zika vírus e quais foram as crianças e as mães afetadas, nós vamos chegar ao mesmo público de mulheres negras e jovens.
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A educação é tão importante, que a Constituição pensa para o exercício da cidadania, da diversidade, a educação como resgate das histórias não contadas. Até recentemente, um dos autores mais festejados para as crianças era Monteiro Lobato. E há um livro de Monteiro Lobato, Caçadas de Pedrinho, que já vinha, até uns cinco anos atrás, com uma introdução dizendo que caçar é crime. Nós todos, hoje em dia, gostamos muito do meio ambiente, nós...
(Soa a campainha.)
A SRA. DEBORAH DUPRAT - ... festejamos o meio ambiente. E, no entanto, não havia nenhuma nota introdutória, que o professor tivesse obrigação de explicar em sala de aula, dizendo que, quando chamam a Tia Anastácia de macaca, aquilo é racismo. Não havia! Não sei se recentemente houve alguma alteração nesse livro didático.
Enfim, lembro, mais uma vez, que nada surge por acaso. As cotas raciais nas universidades e o ensino da história da África, da cultura africana no Brasil surgem quando Abdias Nascimento, na década de 70, foi convidado a participar de um congresso na África. Abdias já era conhecido no Brasil por um discurso que denunciava a democracia racial. Abdias foi proibido pelo Ministério das Relações Exteriores de sair do Brasil e ir para África participar desse seminário, mas conseguiu fazer chegar lá um documento que ele tinha produzido denunciando a farsa da democracia racial brasileira e mostrando que muitas atitudes tinham que ser adotadas para se superar esse passivo de desigualdade racial no Brasil, de dominação branca. E duas políticas, ao ver de Abdias Nascimento, eram essenciais. A primeira eram as cotas raciais, como imperativo democrático. Instituições públicas têm que refletir o perfil demográfico da população brasileira. Cotas começando por onde? Ministério das Relações Exteriores e depois universidades. E o estudo da África e da cultura africana no Brasil também é uma ideia de Abdias Nascimento, que depois vai sendo incorporada ao Direito brasileiro.
Terminando, porque já estamos muito tarde, nós estamos num momento em que esses poucos ganhos constitucionais estão sob ameaça. Tudo isso, o investimento que foi feito corre risco. Nós temos a Emenda 95, que criou o teto de gastos, e, com isso, as políticas de promoção da igualdade racial praticamente acabaram. Nós não temos mais demarcação de áreas quilombolas, que o Presidente disse que não vai fazer mesmo, ele disse claramente que não vai nenhum centímetro de terra. E, se pegarmos o Orçamento previsto para 2020, eu acredito que nós não vamos ter mais nenhuma política de igualdade racial com um orçamento minimamente adequado, porque, de uma maneira geral, o investimento público sofreu uma redução de 40%.
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E eu quero aqui lembrar uma conversa que eu tive recentemente com o filósofo, negro, professor em São Paulo na universidade, Sílvio de Almeida. Ele me falou: "Deborah, a gente esquece que as revoluções não podem ser jurídicas, se elas não são acompanhadas se revoluções éticas e estéticas". O que nós temos que fazer é, enfim, mudar completamente a percepção do que é belo, do que é poder, do que são os espaços simbólicos, como é que os museus retratam, como é que as escolas ensinam, quais são os livros que nós lemos, quais são os atores de justiça nos tribunais, quais são os Parlamentares que decidem o que é bom e o que é ruim.
É isso. Muito obrigada!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi a nossa querida Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão.
Vou falar para vocês - o pessoal da minha assessoria vai ficar bravo comigo, mas descontraidamente -: está aqui um belo pronunciamento feito em equipe - Isabel, Paulo André, Ivanete, enfim, todo mundo trabalhou. Mas tudo que eu falar no pronunciamento vocês já disseram aqui, e eu me sinto contemplado pelo que está também neste pronunciamento. Por isso, não há necessidade. Eu vou dar por lido o discurso do Presidente, mas vou fazer só um gesto.
Eu confesso que, até o momento, ainda está na minha garganta o que aconteceu em Paraisópolis, São Paulo, quando eu vi aquela moçada - negros e negras, 95% - tratada quase como gado, que botavam no gueto, espancavam, e eles não tinham saída. Eu vi na TV isso, não tinham para onde sair. Isso é inaceitável.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E dá a impressão de que é algo natural, algo natural, que aconteceu. Não, não é natural! Eu vi, em uma outra cena, a moçada tendo que sair por um único local e, quando saía, ganhava uma paulada. Onde estamos? Era o Estado, era o Estado batendo.
Por isso, resolvi que a melhor forma da minha fala aqui hoje é falar duas coisas, só duas, que são a síntese do pronunciamento. Primeira delas - não sei se há algum jurista aqui - é que hoje quase ninguém é enquadrado na lei de racismo, que é imprescritível, que não prescreve, que é prisão, e tudo é considerado injúria. Fica como injúria e pronto, o cara pega e vai embora. A gente pensa em rever essa questão simplesmente da injúria, que virou um instrumento para não punir aqueles que cometem crime de racismo. E segundo, que para mim é mais grave, mas alguém tem que falar, e eu vou falar: nós temos que dar uma boa discutida com todos os partidos políticos neste País, todos, porque hoje você não precisa ser bem de vida ou rico ou ter financiamento de um grande empresário para ser candidato a alguma coisa. Na minha última campanha, eu não gastei um centavo do meu bolso. Eu vou dizer o porquê. Nas outras todas, eu tive que mendigar para lá e para cá, campanhas baratas, mas na última eu não gastei, porque existe hoje fundo eleitoral e fundo partidário. Ora, por que nós não vamos ter... Estou apontando para amanhã já; amanhã é o ano que vem. Por que nós não vamos ter mais candidatos negros e negras para Vereadores ganhando a mesma ajuda que os que não são negros ganham? Por quê? Vamos ter ali em 2022 campanha para Deputado Estadual, Federal, Senador, Governador e Presidente da República. O fundo partidário e eleitoral pode tranquilamente financiar a campanha dos candidatos, independentemente da cor da pele.
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Eu queria muito, porque essa é uma provocação positiva. Não estou aqui acusando ninguém, mas é fundamental que os partidos políticos comecem a pensar em realmente financiar campanha de brancos e negros na mesma proporção, já que nós somos 54% da população. Não vejo problema nenhum. Qual era a desculpa no passado? Não, a pobreza tem cor neste País: é preta. Consequentemente, ninguém tinha dinheiro para fazer campanha. Hoje, com o fundo eleitoral e partidário, esse problema não existe. Então, nós vamos ter que ter uma boa conversa com todos os partidos políticos para que possam ser financiadas as campanhas dos candidatos a Vereadores e Prefeitos que se aproximam aí.
Acho que é possível. Esse diálogo é possível. É só nós olharmos... Eu sei que isso aqui não é coisa nova, mas quantos Vereadores negros e negras nós temos eleitos neste País? Na minha cidade, não há nenhum, só para dar um exemplo. Minha cidade não tem, e não é uma cidade pequena. Quantos Deputados Estaduais negros e negras nós temos eleitos neste País? Leonel pode me ajudar, mas parece que o meu Estado não tem nenhum. Não é que é só o meu Estado, é geral. Quantos Deputados Federais? Quantos Senadores? Quantos Senadores nós temos negros e negras?
Não é só dizer que eu tenho a pele mais clarinha ou mais escurinha, mas assumir a sua negritude e defender o interesse desse povo, que são 54% da população. Nós temos que discutir um pouco mais isso, e dá para fazer uma boa discussão. E dá para fazer uma boa discussão. Quantos Governadores nós temos? Eu não sei. Dos 27 Estado da Federação, não sei. Eu, sinceramente, não sei. Quantos reitores nós temos? Um? Não sei. Vou dizer que aqui eu vi um.
Esse é um debate que, se nós quisermos de fato mudar este País, nós vamos ter que aprofundar. Quantos executivos nós temos? Nas Forças Armadas, quantos nós temos? É algo para que, eu acho, tem que fazer um observatório, começar a debater, discutir e fazer acontecer, porque senão nós vamos só ficar lamentando o que aconteceu em Paraisópolis, por exemplo, porque a saída para mim é pela questão política, é pelas instituições, é pela democracia, é pelos espaços maiores dos quilombolas.
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Esse Governo parece que não quer investir mais na questão quilombola, você disse muito bem. Mas que movimento nós estamos fazendo - agora as emendas são automáticas, a liberação - em cima dos Parlamentares? Há emenda de bancada, há emenda individual, há emenda de Comissão, de forma tal que a gente consiga mandar verba para as comunidades que são mais vulneráveis.
E por fim, pessoal, como eu estou muito indignado, porque eu vi, acompanhei, não dormi de noite vendo aquilo, o que fizeram lá em Paraisópolis - e, como muitos já me disseram, a esse se deu visibilidade, mas muitos como esse já aconteceram -, eu queria, no encerramento aqui, simbolicamente, fazer o seguinte gesto: eu vou dizer o nome de cada um desses meninos e menina que faleceram lá... Que faleceram! Foram assassinados, que morreram, foram assassinados; e eu queria só que vocês dissessem "presente". E nós vamos fazer aqui depois o primeiro minuto de silêncio, que já fizemos aqui para muita gente, mas, em nenhum momento, foi feito para esses meninos e meninas. Eu queria que todos vocês só dissessem "presente".
Gustavo Cruz Xavier, tinha 14 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Repito: Gustavo Cruz Xavier, 14 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Luara Victoria Oliveira, 18 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eduardo da Silva, 21 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mateus dos Santos Costa, 23 anos.
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Todos assassinados lá, na favela de Paraisópolis, cidade de São Paulo. Qual o crime deles? Ser negro, pobre, adolescente, gostar do baile funk e não ter nenhum tipo de diversão. Calculem os senhores que estão me assistindo nas suas casas se fossem os meus filhos, os seus filhos, os nossos filhos. São filhos do povo brasileiro. Morrer sufocado? Espancado? Não tendo para onde correr? Calcule! Eu me ponho no lugar deles, todos correndo, e no fundo uma grade, não tinha por onde sair...
Pode completar.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Corredor polonês. Isso não pode passar assim!
Eu fiz uma audiência pública hoje pela manhã, vou fazer outra amanhã de manhã, e vamos continuar esse debate. Essa história não pode se repetir! Porque, afinal, que Congresso é este? Que liberdade é essa? Que Justiça é essa? Vai mais uma vez ficar o dito pelo não dito? Não vai. Não pode ficar.
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Eu entro com um voto de pesar, para encaminhar à favela, aos familiares, a todos os segmentos, mas quero aqui, agora, junto com vocês, a gente vai fazer um minuto de silêncio em homenagem a essa juventude massacrada. Em cada dez... Eu tinha todos os dados no meu pronunciamento, mas todos sabem que a cada dez jovens assassinados, oito são negros.
Eu não quero oito negros nem quero dois brancos. Eu não quero ninguém assassinado na nossa juventude.
Por isso eu peço a todos que se ponham de pé para um minuto de silêncio, homenageando os familiares e em protesto contra que isso que vem acontecendo em nosso País.
Eu controlo lá. Depois, a gente termina com uma salva de palmas a eles, que lá no alto chegue a nossa energia, em oração, a eles. (Pausa.)
(Faz-se um minuto de silêncio.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado a todos.
Está encerrada a nossa sessão temática de direitos humanos, com foco no preconceito racial.
Amanhã de manhã, às 9h, começa outra na CDH.
Um abraço a todos. Vão com Deus, de retorno aos seus lares.
Que as palmas sejam de homenagem a eles que estão lá no alto, injustamente assassinados.
O.k., encerrada. Até a amanhã.
Eu convido a todos para tirarmos uma foto aqui em cima em homenagem aos direitos humanos - para os que puderem subir, há um acesso lateral. Vamos tirar uma foto coletiva aqui em cima.
(Levanta-se a sessão às 19 horas e 26 minutos.)