1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 22 de novembro de 2019
(sexta-feira)
Às 10 horas
226ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A presente sessão especial é destinada a celebrar o 170º aniversário de nascimento de Ruy Barbosa, nos termos de requerimento de autoria deste Senador e de outras Sras. e Srs. Senadores.
É com enorme satisfação que gostaria inicialmente de convidar para integrar esta Mesa o meu querido colega Senador Paulo Paim, que também é um dos signatários desta sessão especial. (Palmas.)
Convido para integrar esta Mesa com muita satisfação - e é uma honra para nós do Senado recebê-la - a Sra. Marta Olkowska, Encarregada de Negócios da Embaixada da República da Polônia. Seja bem-vinda. (Palmas.)
Convido a Sra. Esther Bemerguy de Albuquerque, Vice-Presidente do Conselho Editorial do Senado Federal. (Palmas.)
Convido o Sr. Dario Alberto de Andrade Filho, historiador e Consultor Legislativo deste Senado Federal. Dario, seja bem-vindo. (Palmas.)
Destaco a presença aqui no Plenário - e agradeço a participação nesta sessão especial - do nosso caríssimo amigo Lourival Freitas, Deputado Federal pelo meu querido Estado do Amapá entre 1991 e 1995; e dos representantes da Prefeitura Municipal de Macapá aqui presentes, as Sras. Jamily Lau Menez, Marcela Moraes e Taynara de Oliveira Dantas.
Convido todos para, em posição de respeito, ouvirmos o Hino Nacional brasileiro.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Assistiremos, agora, a um breve vídeo institucional produzido pela TV Senado sobre Ruy Barbosa, patrono deste Senado e patrono deste Plenário.
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(Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Quero agradecer à TV Senado por essa contribuição, esse documentário, cuja produção é da TV Senado. Ele passa, sinteticamente, um pouco da vida do nosso homenageado, o Senador Ruy Barbosa.
Ato contínuo, eu gostaria de escutar, com muito prazer, a Sra. Marta Olkowska, Encarregada de Negócios da Embaixada da República da Polônia, ao mesmo tempo em que agradeço à República polonesa pela presença nesta cerimônia. A senhora fique à vontade. Pode falar da mesa, se quiser, ou pode fazer uso da tribuna, se assim quiser.
A SRA. MARTA OLKOWSKA (Para discursar.) - Bom dia a todas e a todos.
Em primeiro lugar, sendo representante do Governo polonês no Brasil, quero agradecer o amável convite de participar desta sessão solene, especial, que celebra o aniversário de nascimento de Ruy Barbosa.
Alguns de vocês podem perguntar por que eu estou aqui, sendo uma polonesa. E a resposta é muito fácil, mas pouco conhecida ainda no Brasil. Para nós poloneses, Ruy Barbosa é uma pessoa muito especial. E por quê? Porque ele, sendo um liberal na época em que ser liberal não era nada fácil, ao contrário de hoje, lutava pelas liberdades, e, por isso, na vida política dele, não podia faltar um assunto nosso polonês. Naquela altura, Polônia foi obrigada a desaparecer do mapa do mundo. Fomos, infelizmente, divididos. O nosso território foi dividido entre os nossos poderosos vizinhos - amigos agora, mas, na altura, nem tanto. E Ruy Barbosa, sendo quem ele foi, nunca esqueceu a nossa causa, sempre levantava essa causa. Para vocês, ele é conhecido como Águia de Haia, mas, na nossa memória, o discurso dele em Haia nunca vai desaparecer, porque, naquela altura, ele falou que a Polônia tinha todo o direito de voltar ao mapa do mundo. Eram muitas ocasiões em que ele se encontrava com representantes da comunidade polonesa no Rio de Janeiro. Ele os convidava para sua casa e surpreendia todo mundo com o conhecimento dele sobre o nosso país. Mesmo sendo ele brasileiro e, naquela época, sem internet, sem WhatsApp, ele sabia tudo sobre nossa vida, nossa luta pela liberdade, nossa luta pelo direito de ser um país, que já teve oito séculos de independência, mas que, infelizmente, pela força da circunstância - a Europa, naquela época -, por 123 anos foi tirado do mapa do mundo. Por isso, a nossa gratidão a Ruy Barbosa para sempre.
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E não só apenas as minhas palavras, mas eu acho que nem todo mundo sabe que, em Varsóvia, existe um liceu, uma escola secundária que, desde 1959, carrega o nome de Ruy Barbosa. É um liceu muito especial para mim, é o único liceu na Polônia que ensina a Língua Portuguesa e é nosso monumento a Ruy Barbosa, mas, ao contrário dos outros monumentos apenas em pedra, é um monumento vivo, porque serve como um intercâmbio maravilhoso entre os jovens da Polônia e o Brasil. No ano passado, por exemplo, alunos daquele liceu de Varsóvia chegaram a Santo André, no ABC paulista, porque é uma escola com a qual o liceu tem um acordo de intercâmbio. Eu acho maravilhoso que já se passaram 170 anos do aniversário dele e mais de 90 anos da morte de Ruy Barbosa, mas a memória dele na Polônia continua viva e vai continuar viva, porque temos camadas jovens, o nosso futuro, a juventude, que trabalham para que esse intercâmbio, hoje muito mais fácil com WhatsApp, internet e tudo, seja mantido.
Por isso, quero agradecer ao Senado Federal, ao Senador Randolfe Rodrigues por esta oportunidade de trazer para vocês essa história provavelmente pouco conhecida. Ele, para nós, significa muito. Não tanto como para vocês, porque já sabemos que sem ele o Brasil seria hoje diferente, pois ele colocou aquelas pedras para que instituições brasileiras sejam fortes, mas, para nós poloneses, ele também é um personagem muito querido. Por isso, estou aqui e agradeço mais uma vez esta oportunidade. Eu trabalhei um pouquinho para aproximar os nossos dois países, que, apesar da distância geográfica, são muito mais próximos do que nos parece. Mais uma vez, obrigado, Senado Federal. É um prazer.
E, se estiverem, porventura, um dia em Varsóvia, visitem esse liceu, que é um exemplo de muitas atividades que trazem muita cultura brasileira para a Polônia e para nós é aquele monumento que vai sempre lembrar o papel do Ruy Barbosa para nós poloneses.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Dra. Marta, queríamos agradecer. Tenho certeza de que seu depoimento e seu testemunho aqui, representando a República polonesa, nos honram e nos orgulham muito mais ainda por termos tido, como homem público, um quadro da altura do mestre Ruy Barbosa. V. Exa. traz informações que, de fato, muitos de nós brasileiros não tínhamos sobre as contribuições de Ruy.
Ruy é um patrono, reitero, deste Senado, da República brasileira desde que foi fundada. Sabemos do protagonismo dele na esfera internacional. Cada vez mais, com depoimentos como esse seu, nós ressaltamos e destacamos, ao mesmo tempo em que ficamos orgulhosos, como brasileiros, termos tido entre nós um compatriota da altura de Ruy Barbosa. Passamos a compreender mais o que significa, o que representou a imagem dele para o mundo.
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Ato contínuo, passo a palavra à Sra. Esther Bemerguy, Vice-Presidente do Conselho Editorial do Senado.
A SRA. ESTHER BEMERGUY DE ALBUQUERQUE (Para discursar.) - Bom dia a todos e a todas.
Quero cumprimentar, inicialmente, o Presidente e requerente desta sessão, o nosso Senador Randolfe Rodrigues, que é Presidente do Conselho Editorial do Senado; o Senador Paulo Paim; a Encarregada de Negócios da Polônia, Sra. Marta Olkowska; e o nosso historiador Sr. Dario Alberto de Andrade Filho, que vai também contribuir com esta sessão.
Para o conselho, é um enorme prazer estar envolvido nesse processo de homenagem a Ruy Barbosa. Nós estamos reeditando hoje duas obras importantes de Ruy Barbosa: Oração aos Moços e também A Imprensa e o Dever da Verdade. São duas obras atualíssimas.
Muitas vezes, a gente fala que a nossa juventude hoje talvez não tenha ainda insumos e propostas para pensar o Brasil, para se encontrar neste momento histórico. Então, eu acho que Ruy Barbosa traz, nessa primeira obra, uma mensagem muito importante para a juventude, uma juventude que está precisando, hoje, pensar o Brasil na sua perspectiva, pensar a sociedade; nos traz também ensinamentos sobre o momento atual, que é realmente muito complexo; e nos estimula a pensar o futuro do Brasil e também a nos preocupar com a conjuntura que vivemos.
A outra obra é A Imprensa e o Dever da Verdade. Vivemos também um momento muito especial, em que se fala muito em fake news, em que a imprensa perdeu a importância que tinha na sociedade e a credibilidade que tinha da sociedade, não só pela intervenção que nós temos hoje e que ainda é uma novidade histórica que é a internet, os meios de comunicação a que todos têm acesso, em que todos podem falar. Ao mesmo tempo, não há hoje como ter capacidade para receber tanta informação e triar essas informações na direção não necessariamente do que é a verdade, que é um conceito muito subjetivo, mas daquilo que nos interessa como Nação, daquilo que nós efetivamente podemos aproveitar para o futuro do País. Isso nos traz esta indagação: como conviver com tanta informação? Como realmente trazer de volta o sentido da verdade para nos informarmos e convivermos com os fatos que nós temos hoje? Então, esse livro traz isso. Ele sinaliza, já naquele momento, que a imprensa tinha que ter essa fidelidade com a verdade, tinha que ter essa busca da verdade, tinha que estar empenhada nisso. Portanto, nós precisamos retomar isso, retomar o papel da imprensa, efetivamente o papel da imprensa escrita, o papel dos profissionais de imprensa, para que nós possamos ter luzes para compreender os fatos, compreender a realidade do que nós estamos vivendo.
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Nós temos também um compromisso, que o Senador já assumiu, de publicar todos os discursos que ainda são inéditos do Ruy Barbosa no Senado, também será uma obra muito importante. E nós pretendemos também, ao longo deste mandato, publicar todas as obras do Ruy Barbosa. Há muitas obras importantes que estão esgotadas e há muitas obras inéditas ainda. Então, é fundamental para isso a parceria que estamos fazendo com a Biblioteca do Senado, com o Arquivo do Senado. Inclusive há uma exposição na entrada do Plenário em que estamos apresentando alguns documentos do arquivo, alguns documentos da biblioteca que são superimportantes, inclusive a primeira edição de Oração aos Moços, a edição comemorativa dos cem anos desse livro. É muito importante também visitar essa breve exposição que está aí na entrada do Plenário.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Obrigado, Esther. Queria agradecer sua contribuição e seu empenho e, em seu nome, a todos os membros do Conselho Editorial para as produções que estamos lançando no dia de hoje.
Queria reiterar que um dos objetivos desta sessão solene é o lançamento das duas obras que Esther aqui ressaltou, duas obras clássicas de Ruy, atualíssimas. A célebre Oração aos Moços, e quero reiterar que o seu original está exposto na entrada do Plenário do Senado Federal, e A Imprensa e o Dever da Verdade.
Ato contínuo, quero convidar o Sr. Dario Alberto de Andrade Filho, colega historiador, muito mais competente do que eu e muito mais atuante na historiografia do que eu, consultor legislativo deste Senado. Com prazer o ouvimos, Dario.
O SR. DARIO ALBERTO DE ANDRADE FILHO (Para discursar.) - Senador, obrigado pela apresentação.
Bom dia a todos; bom dia, Senador Randolfe, Senador Paim; bom dia, Esther; bom dia, Sra. Marta, da Embaixada da Polônia.
Em primeiro lugar, fico muito feliz nesta ocasião, a gente vê a celebração, a gente vê a lembrança da memória do Ruy, já que ele foi um personagem muito relevante da história brasileira durante um período de mais de meio século, na verdade. Ele próprio dava como início da sua carreira política, ainda como estudante de Direito em São Paulo, o ano de 1868, e aí ele vai continuar sua vida pública até sua morte, em 1923. Sempre, nesse período todo, principalmente após o período em que ele vai, primeiro, para a Câmara dos Deputados, aliás, antes ainda da Câmara dos Deputados, para a Assembleia Provincial na Bahia, depois para a Câmara dos Deputados e para o Senado, ele sempre teve um papel de importância, um papel de destaque na vida pública. Isso a gente percebe desde o início, porque ele sempre teve essa ânsia, essa vontade, esse interesse de participar das grandes causas públicas do País. Isso é relevante no momento em que ele é muito jovem, como Deputado Geral, e vai participar da primeira campanha relevante da sociedade brasileira, que é a abolição. Ele tem um papel atuante na campanha da abolição e vai ser inclusive o redator da primeira versão - evidentemente depois houve mudanças para pior, mas ele foi a pessoa que fez a primeira redação da Lei dos Sexagenários, que foi mais um passo naquela lenta transição do Brasil até o fim da abolição.
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Mas acho que há dois momentos muito importantes para a gente ver a importância do Ruy, como ele era percebido pelas pessoas naquela época. O primeiro fato em que a gente vê essa relevância é exatamente o velório dele; o velório e o sepultamento dele em 1923. A gente vai olhar as imagens da época - a gente vai olhar, inclusive, uma revista que está ali exposta, ali na frente, que o pessoal da Biblioteca deixou exposta -, fotografias em que a gente vê multidões acompanhando o sepultamento do Ruy. E o mais impressionante não é só a quantidade de pessoas. Eu acho que o mais impressionante é que a gente vê todo tipo de pessoa: a gente vê homem, a gente vê mulher, a gente vê jovem, a gente vê velho, a gente vê brancos, a gente vê negros, quer dizer, a morte dele comoveu o País. Eu acho que ele comoveu o País porque, apesar de nunca ter conseguido chegar à Presidência da República, que era uma missão legítima dele, que era a missão legítima dele, apesar de ele nunca ter conseguido chegar à Presidência da República, ele deixou não uma marca na história do Brasil, ele deixou diversas marcas na história do Brasil. E deixou diversas marcas desde muito cedo, desde essa participação na campanha da abolição. Eu falei que ele foi o redator da primeira versão da Lei dos Sexagenários, mas, antes disso, ainda em 1868, ele participa ainda como estudante, quer dizer, muito jovem ainda, antes da Lei do Ventre Livre, ele já faz discursos em prol da libertação dos escravos. Então, desde muito cedo, ele está envolvido com essa campanha pública e depois ele vai estar envolvido em outras campanhas públicas.
Eu acho que o momento em que ele adere à República é exatamente o momento em que ele percebe que a Monarquia não é mais capaz de dar conta dessa ânsia pela modernidade que ele tinha, dessa ânsia pelo progresso que ele via que o País precisava. Eu acho que isso estava muito claro para ele nesse momento em que ele adere à República. E eu acho que isso, inclusive, é um dos momentos mais polêmicos da vida dele, da vida pública dele. Eu acho que os dois momentos mais polêmicos da vida pública dele, de homem público, são os momentos: o primeiro, em que ele era Ministro da Fazenda, e ele vai ficar responsável pelo famoso Encilhamento - e muita gente o critica por isso, mas a gente tem que ver que ele tinha essa percepção de que era preciso modernizar o País, de que era preciso colocar o País no caminho de uma modernidade econômica para que este País pudesse também absorver aquela massa de libertos e essas pessoas pudessem também fazer parte desse novo Brasil, que era o Brasil da República; e o segundo momento muito polêmico é a queima dos documentos da escravidão. Ele, como Ministro da Fazenda, ordena a queima dos documentos que a gente tinha lá no Ministério da Fazenda relativos à escravidão. E muita gente pensa hoje, Senador Randolfe, como historiador - eu, como historiador -, hoje, como historiadores, nós pensamos: "Nossa, mas perdemos uma imensidão de documentos ali, de documentação", mas temos que olhar um pouco isso no contexto daquela época. A gente vai ver que, pós-abolição, a gente tinha uma mobilização dos antigos proprietários de escravos pela indenização, e o Ruy já dizia: "Olha, se alguém merece ser indenizado são os ex-escravos, não os ex-proprietários". E, aí, a solução. E, inclusive, ele foi aplaudido naquele momento pelas sociedades abolicionistas que ainda atuavam. Essa queima de documentos foi aplaudida justamente para impedir que aqueles que tinham se beneficiados com a escravidão também, de uma maneira perversa, se beneficiassem com o fim da escravidão. Eu acho que, nesse ponto, apesar dessa perda documental terrível - Senador, como historiadores sabemos que essa perda documental dá uma dor no coração -, a gente sabe que isso foi uma coisa que teve um contexto. Mas esses são os momentos polêmicos do Ruy.
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Uma coisa que eu acho impressionante no Ruy e que é até difícil a gente selecionar alguma coisa específica dele. Ele foi um advogado brilhante, tanto que conseguiu um patrimônio bastante razoável em razão da sua atividade como advogado; ele foi político durante mais 50 anos; ele foi diplomata, atuando, como a gente pôde ver nos vídeos, não só em Haia, mas também na delimitação das fronteiras brasileiras no Acre, junto com Rio Branco; ele foi também foi jornalista - muitas vezes ele se dizia jornalista, porque escrevia muito jornal; ele foi empresário também, foi proprietário de jornal durante algum tempo. Então, o Ruy teve uma gama de temas, uma gama de assuntos de modo que é até difícil a gente tentar definir o Ruy por uma coisa por outra. O Ruy foi tudo quase, e ele foi tudo e relevante durante mais de 50 anos, como a gente já falou.
E eu acho que ele vai também, ao longo da carreira, se sofisticando intelectualmente, e eu explico o que eu quero dizer com isso. O Ruy começa a sua carreira em fins da década de 1860 como um liberal clássico e, nesse momento, ele era muito influenciado pelo liberalismo inglês, mas, ao longo da vida, ao longo da sua carreira, a percepção que ele vai tendo a respeito do País vai se modificando. Ele continua sendo um liberal até o final da vida, mas vai incorporando outras pautas à sua agenda política.
Eu acho que isso fica muito evidente nas duas campanhas que ele teve à Presidência da República. A primeira campanha, aquela de 1909 a 1910, contra o Marechal Hermes da Fonseca, recebe o nome de civilista justamente para se contrapor não aos militares, mas para se contrapor ao militarismo, a uma determinada ação. Ele dizia: "Não, agora é República, agora é uma coisa dos civis".
E essa campanha civilista, depois de 20 anos de República, é a primeira vez em que a gente tem realmente uma campanha eleitoral para Presidente da República, e, mesmo assim, ele perde. Ele perde porque o sistema já estava viciado, tanto é assim que, em alguns Estados, ele não vai ter nenhum voto, para a gente ver como o sistema estava podre. E ele percebe isso, porque as campanhas que ele tem, por exemplo, são coisas que depois, no futuro, vão ser absorvidas na agenda política brasileira, como, por exemplo, o fim do voto aberto, como, por exemplo, mais autonomia para o Judiciário, como, por exemplo, o fim do Congresso como uma instância legitimadora das eleições - hoje, por exemplo, nós temos os tribunais eleitorais. Então, várias pautas que ele tinha, naquele momento, vão ser depois, no futuro, absorvidas pelas próximas gerações.
E eu acho que há dois temas ainda que são importantes e relevantes nessas duas campanhas eleitorais. Na campanha eleitoral de 1909 a 1910, ele relembra o papel da educação, o que acho que ainda é um drama do Brasil, e ele, há mais de um século, já tinha essa percepção de que a educação é um tema fundamental para a gente. Quanto ao segundo tema que ele traz, já na segunda campanha eleitoral, de 1919, ele é o primeiro a incluir a questão social, que também depois vai ser uma questão absorvida, depois da morte dele, na década de 30, como um tema fundamental do País.
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Uma das coisas que impressionam em relação ao Ruy é como ele estava à frente em termos de agenda política. Eu acho que esse é um elemento muito grande, muito forte e muito importante para a gente ver. Ele sempre foi fiel a essas matrizes de pensamento que ele tinha, o liberalismo, depois agregou essas causas sociais ao longo da vida.
Mas eu acho que ele ainda tem muito a dizer para a gente, não é? Eu acho que o Ruy, a obra dele ainda tem algumas coisas a dizer, e uma das coisas eu acho que é exatamente essa pauta da modernidade do País. Eu acho que essa modernidade a que ele ambicionava, essa modernidade com que ele sonhava desde a juventude ainda é uma pauta que a gente está buscando. E essa modernidade significa não só mais estradas, melhores aeroportos, mais infraestrutura para o País, um ambiente econômico melhor, mas significa também algo que, na época dele, já se percebia, que é exatamente essa percepção de que também a modernidade passa pelo homem, passa fundamentalmente pelo homem. Passa por um brasileiro que seja mais educado, passa por um brasileiro que tenha mais saúde, passa por um brasileiro que possa se desenvolver como ser humano.
Eu acho que isso são lições que o Ruy deixa ainda para a gente, e eu fico muito feliz aqui em ouvir o Senador e ouvir a Esther comentando que a obra dele vai ser publicada. Eu tinha até pensado aqui - não sabia dessa informação - em sugerir, por exemplo, a publicação das Cartas de Inglaterra, que têm uma coisa interessante sobre o Ruy, e eu acho que é uma coisa importante a respeito dele: como ele estava preocupado com as questões internacionais, porque ele vai ser um dos primeiros a se manifestar em relação ao caso Dreyfus, que é famoso. É uma coisa impressionante ele ter já essa preocupação com um assunto com o qual não era diretamente ligado. Mas a gente vê no Ruy exatamente isto, essa preocupação com as liberdades individuais e com as liberdades sociais.
Enfim, eu acho que é exatamente isso. Eu fico muito feliz em ouvir essa notícia. Parabenizo a Esther, parabenizo o Senador, parabenizo toda a equipe técnica do conselho, porque realmente isso me parece uma iniciativa muito positiva.
Eu acho que é isto: acho que o Ruy ainda tem muito a dizer para a gente e acho que é merecedor da nossa atenção, talvez mais até do que nunca.
É isso. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Dario, nós que agradecemos suas informações, sua presença como historiador e suas contribuições a esta sessão solene.
Eu estava comentando ainda há pouco, no Plenário, que, daqui a cem anos, Dario, os historiadores do futuro - daqui a cem anos, quando nós estivermos um pouquinho mais velhinhos, com certeza, otimismo de minha parte...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Gostei, viu? Eu gostei. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - ... além de mais uma vez recordarem, lembrarão que o Ruy, patrono deste Senado, pelas diversas contribuições - Dario aqui destacou -, pelo testemunho que a Embaixadora aqui nos trouxe, de todos nós, foi quem mais tempo teve sobre estes assentos destes tapetes azuis. Foi Senador reeleito pela Bahia por cinco vezes. Esteve no primeiro Senado da República, em 1891, e, como foi dito aqui no documentário, redigiu o texto da nossa primeira Constituição republicana - da nossa segunda Constituição, da primeira republicana -, de 1891. Mas eu espero e acredito que, daqui a cem anos, outros historiadores também escrevam sobre as contribuições ao Senado atual. Eu creio que haverá alguém, e com certeza teremos vários que escreverão. Já que de Ruy houve a obra célebre Oração aos Moços - que, eu repito, estamos lançando hoje aqui pelo Senado -, daqui a algum tempo teremos alguém que escreverá a oração aos trabalhadores, dita pelo Senador Paulo Paim. Nenhum outro na história também desses tapetes azuis defendeu tanto a causa dos trabalhadores, o direito dos trabalhadores, dos operários, quanto Paim defendeu. Eu fico muito honrado e muito orgulhoso de aqui conviver com ele nesse período no Senado.
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Então, fiquei muito feliz em ver a sua presença nesta sessão aqui do Senado Federal e tenho certeza de que, nas publicações do futuro, constarão o empenho e as orações de Paim pelos direitos dos trabalhadores brasileiros.
Eu passo a palavra ao meu querido amigo e companheiro, Senador Paulo Paim, por favor.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) - Permita-me que assim eu me dirija, meu querido amigo, Senador Randolfe Rodrigues, esses elogios ao meu humilde trabalho aqui na Casa são porque ele, de fato, é o meu amigo e amigos sempre falam bem dos amigos, senão não teríamos amigos.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Não apoiado, é testemunho.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senador, V. Exa., quando eu aqui cheguei... Estou aqui desde a Constituinte - eu fui Constituinte - e aprendi no convívio com V. Exa., o Senador mais jovem que eu vim a conhecer - poderão haver outros e virão outros, mas, na época, V. Exa. era o Senador mais jovem. Eu resumo isso dizendo que, em tempos tão difíceis, V. Exa. é o mais jovem e o Líder da oposição. Sinto-me muito bem representado.
Posso dizer que V. Exa. me representa e digo isso com a maior tranquilidade, porque o seu trabalho nesta Casa é um trabalho - estamos falando de Ruy - com diplomacia, com firmeza, com coerência, como um defensor intransigente da democracia. Eu olho para Ruy e me lembro de políticas humanitárias, olho para você e me lembro de políticas humanitárias. Ruy foi um abolicionista, V. Exa. é um abolicionista. E, nesse campo de atuação, eu tomo a liberdade de dizer que, quando fui comunicado de que havia um convite de V. Exa., eu aqui me apresento como um discípulo de V. Exa. Rascunhei algumas coisas que apresento neste momento e, ao final - e vou dizer o por quê -, eu entregarei um documento a V. Exa.
Viajei um pouco no tempo, e isso eu ouvi de alguns professores - de professores. Ruy Barbosa, num momento, ao se dirigir à tribuna da Segunda Conferência da Paz em Haia, Holanda, 1907, quando ele se dirigia à tribuna, foi ironizado. Olharam aquele homem miúdo, brasileiro e riram dele. Ao que ele respondeu se utilizando do idioma francês: "Os senhores do mundo querem que eu faça a minha explanação na língua portuguesa, na língua inglesa, no alemão, no italiano ou posso continuar no francês?".
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Ao final, a história se encarregou de homenagear. Ao final do discurso, Ruy foi aplaudido de pé. Esse era o Ruy que nós aprendemos a amar. Ele foi um grande defensor, foi um abolicionista. Foi um defensor da República, do federalismo, da igualdade entre os Estados, da promoção de direitos e garantias individuais. Ajudou, como aqui foi dito, a escrever a primeira Constituição republicana. Aí eu paro para dizer: Constituição essa - e eu fui Constituinte - tão atacada nos dias de hoje.
Por isso, Senador Randolfe, a iniciativa desta sessão tem tudo a ver com democracia, com liberdade, com direitos, com combate aos preconceitos e com a defesa da nossa Constituição Cidadã. Vida longa, sim, a todos aqueles que defendem a Constituição. Lembro aqui - não vou falar na íntegra, embora eu estava lá no dia em que ele falou - Ulysses Guimarães e resumo nisto: quem ataca a Constituição... Como é que ele disse? Discordar, divergir é natural, mas quem ataca a Constituição é traidor da pátria, Ulysses Guimarães.
Lembro-me de Ulysses e ligo à história do nosso querido Ruy.
Aqui já foi dito: foi Ministro da Fazenda, tinha uma posição de modernidade, uma visão da economia de outros tempos. Sempre foi legalista, mas havia uma frase dele que eu busquei e leio aqui, que tem que valer também para esses tempos de agora, momentos tão difíceis aqui no nosso País, ele dizia: "Com a lei, pela lei e dentro da lei, porque, fora da lei, não há salvação". Grande Ruy, frase dele.
Muitos dizem que, se ele tivesse chegado à Presidência da República - foi candidato duas vezes -, o Brasil teria dado um enorme salto rumo ao futuro. O seu pensamento para o crescimento era o desenvolvimento nacional. Ele era um homem de vanguarda. Árduo defensor - e aqui que eu falo a vanguarda - da educação como raiz profunda para toda a construção do País.
Ele disse em um dos seus célebres textos: "Educação é preparação para a vida completa e vida completa exige educação integral". Hoje nós estamos perseguindo a educação integral que ele já defendia há tantos tempos. E por que não lembrar que Brizola também defendeu e também perseguiu a Presidência da República? Infelizmente não aconteceu.
Ruy... Permita-me que eu use o termo Ruy, que eu vi os senhores usarem e gostei.
Esses dias eu fazia uma homenagem ao Papa e, no meio da fala, cheguei e disse: "E o meu amigo Chico...". Aí as pessoas me perguntaram: "Mas quem é o seu amigo Chico?". "É o Papa Francisco". Eu gostaria de me dirigir ao Ruy neste momento.
Ruy não acreditava no ódio. Olhem a história! O ódio, tão pregado nos dias de hoje. Não acreditava na violência. Essas duas faces da ignorância humana só levam ao caos da sociedade e à desconstrução da liberdade e do sonho de uma nação soberana que todos nós queremos.
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Uns podem concordar com os pensamentos de Ruy Barbosa. Outros podem não concordar. É legítimo! Ele era um democrata. Mas isso está na liberdade de pensamento e de expressão, na liberdade de imprensa, que ele tanto defendeu e aqui já foi comentado. O Brasil vive uma democracia e há de seguir em frente com essa democracia sendo aprimorada, acarinhada, amada todos os dias, porque é um dever de cada um de nós. Penso que o legado é justamente a defesa intransigente da liberdade, da justiça, do Estado democrático de direito. Penso também e reafirmo: Ruy Barbosa foi um humanista nos princípios e nas ações.
Assim, eu remeto, trago ao nosso tempo a triste realidade que nos cerca nesta semana em que nós lembramos a caminhada do povo negro neste País. E por que não lembrar? Não tem como não se indignar. Mortes por bala perdida no Rio aumentam 40% em relação a 2018. De janeiro até agora, foram 50 óbitos. No Brasil, cerca de 180 homicídios por dia, 75% são negros. Falo aqui neste momento - hoje à tarde, vamos ter aqui uma sessão que vai lembrar 20 de novembro, Dia da Consciência Negra -, porque Ruy era um abolicionista. Se, com a lei atual, esses números assustam, aterrorizam barbaramente, calculem os senhores com o tal excludente de ilicitude. Se Ruy estivesse aqui, tenho certeza de que ele seria contra. Será uma licença para matar, o início do caos. Uma sociedade pode ser governada na base da bala, porque vai se dar licença para matar? É preciso investir em políticas públicas, voltar o olhar para a alma das nossas periferias e não só para números.
Senhores, eu quero concluir. Tenho muitas citações aqui de Ruy Barbosa, mas vou concluir. Lembro-me de que Ruy Barbosa, sempre nas suas falas em relação à disputa à Presidência da República, comenta que, no dia 15 de dezembro de 1909, formulou o programa de governo - e aqui vou terminar, Sr. Presidente -, um programa que tinha início, meio e fim - coisa que eu não vejo no atual Governo -, que tem consagrado toda sua vida à causa do direito, da justiça, pela verdade, pela liberdade e pela cidadania. Termina com um apelo aos homens de bem e sérios deste País nesse seu programa de Governo.
Eu aqui digo: Ruy, o seu programa de governo tinha início, meio e fim. Liberdade, democracia, direitos para todos, combatia todos os tipos de preconceito e apontava a linha da soberania.
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Sr. Presidente, termino agora. Permita-me um gesto que quero fazer, muito mais que só lembrar que a história de Ruy. Eu caminhava aqui pelo Senado, há mais de dez anos - é o terceiro mandato, não é? -, e um senhor me encontrou, caminhando aqui pelo túnel: "Senador Paim, a minha família tinha esse documento em mão e pediu que eu viesse a Brasília e o procurasse em seu gabinete". Vejam como é a coincidência: eu o encontro aqui nos corredores. "E quero lhe entregar em mãos uma carta: é a peça original que recebi de Ruy Barbosa".
É uma bela carta, é uma bela carta!
Então, Senador Randolfe, por tudo que V. Exa. representa para esta Casa, por tudo que Ruy representa para o mundo, como aqui foi muito bem colocado, eu queria entregar, junto com V. Exa., ao Museu do Senado da República. E sabe o que ele me disse ali? Essa frase eu me lembro aqui - vou terminar: "Senador Paim, um dia o senhor vai precisar dessa carta." Está aqui: Ruy Barbosa, rua Araguaiana, Rio de Janeiro, 1910. "Um dia, o senhor vai precisar desta carta." E sabe o que eu pensei ontem à noite, olhando lá nos meus alfarrábios? "Esse dia é amanhã!" E o dia é hoje.
Essa carta que entrego a você e ao Senado, homenageando Ruy, homenageando a democracia, a Constituição, a liberdade e o combate a todos os preconceitos.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas termino dizendo que ditadura nunca mais.
Pode entregar a carta. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Que duplo cumprimento, Senador Paim! (Pausa.)
Querido, Senador Paim, queria duplamente agradecer a V. Exa., nessa condição agora de Presidente em exercício desta sessão, por este belo presente ao Senado: a carta daquele mais longevo entre nós Senadores, inspirador e patrono deste Plenário.
Só reiterando para todos e todas que estão nos assistindo, estamos dando boas-vindas àqueles que estão nesta sessão do Senado. É uma carta da lavra do próprio Ruy Barbosa, em papel timbrado de sua autoria, datado de 31 de janeiro de 1910, Rio de Janeiro. Na carta, ele responde a um cidadão que havia escrito para ele como Senador da República.
Vou pedir para chamar a nossa...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Enaltecendo a candidatura dele à Presidência. Foi o sonho dele de que Ruy seria Presidente, que agora estou passando para V. Exa. Quem sabe o sonho vai ser com V. Exa.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Não apoiado.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vocês ouviram o que eu falei baixinho aqui porque o som estava aberto, né? É um jovem Senador que poderá um dia - por que não? - chegar à Presidência da República. Nós temos que apostar na juventude. Nessa carta, ele disse que um dia eu saberia fazer o bom uso dela, e eu o fiz neste momento, entregando em mão a V. Exa., como uma homenagem ao grande Senador Randolfe. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Essa carta eu pedi, Senador Paim... V. Exa. surpreendeu esta sessão toda ao entregar um documento de mais alto valor, uma carta, um documento raro de mais de um século, de um eleitor de Ruy Barbosa, conclamando a necessidade de ele ser Presidente da República e destacando que 1910 é o ano da campanha civilista de Ruy, quando ele disputa a Presidência da República contra Hermes da Fonseca. Lamentavelmente, naquele ano, o Brasil não elegeu Ruy Barbosa e elegeu Hermes da Fonseca, que, com todo respeito à história, tinha muito menos, para ser generoso, das qualidades que Ruy tinha.
Ao término desta sessão, eu vou chamar aqui a Dra. Daliane Silverio, Diretora da Secretaria de Informação e Documentação do Senado, para que nós façamos a entrega desta carta aos arquivos do Senado da República, para atender ao seu pedido...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - ... aos nossos pedidos de que esta carta integre os documentos, entre tantos documentos, do Senado da República. Nós ficamos muito honrados. Será célebre esta sessão, Senador Paim, principalmente por esse presente e por essa sua surpresa ao Senado Federal, especialmente pela importância.
Reitero aqui: é uma carta de um cidadão que, nos termos que vimos rapidamente aqui da carta, destaca o engajamento cívico de Ruy e diz o quanto importante seria que ele assumisse o governo, que ele saísse vitorioso naquela eleição ao governo republicano.
Muitíssimo obrigado.
Vamos, ao final, Senador Paim, fazer a entrega desse documento ao Senado. A Dra. Daliane já está aqui entre nós? Por favor, Dra. Daliane.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu recebi a carta há muitos anos e guardei. Com muito carinho, eu queria entregá-la num dia especial. E o dia especial é hoje, homenageando esta sessão, homenageando o nosso Senado da República e homenageando V. Exa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - As homenagens são suas, essa contribuição é sua, Senador Paim.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele me coloca até na foto. Por isso, ele é o meu Líder. (Palmas.)
A SRA. DALIANE APARECIDA SILVERIO DE SOUSA - Em nome da Secretaria de Gestão de Informação e Documentação do Senado Federal, que tem como uma das suas grandes missões preservar a memória institucional e a memória do Poder Legislativo, agradeço a doação dessa carta, que certamente vai enriquecer ainda mais o nosso acervo.
Muito obrigada, Senador Randolfe, muito obrigada, Senador Paim.
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O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) - Dra. Daliane, os agradecimentos todos ao Senador Paim. Ele surpreendeu a todos nós e traz um documento belíssimo, tão importante quanto tantos outros documentos que temos aqui no Senado sobre a vasta obra de Ruy. Quero destacar e agradecer mais uma vez, Senador Paim, porque é um documento de um cidadão do começo do século passado, uma carta que tem quase 120 anos de idade, em que esse cidadão faz um depoimento de como a campanha civilista de Ruy do ano anterior, de 1909, o mobilizou e de quanto seria importante a eleição de Ruy para a Presidência da República.
Nós nos sentimos honrados e por isso tenho dito que é uma contribuição de Paim para o Senado. Por isso muito me honra ser contemporâneo de Paim no Plenário do Senado, pelos seus compromissos de defesa dos mais vulneráveis - eu não gosto do termo "minoria" -, de defesa dos direitos dos mais vulneráveis, da juventude. O Paim é um abolicionista do século XXI. O Paim é autor do Estatuto do Idoso, é organizador do Estatuto do Idoso. Se hoje muitos brasileiros têm direito a ter uma vaga de estacionamento por terem mais de 60 anos, devem ao trabalho que Paim tem feito no Congresso Nacional. Ninguém, ao longo dos últimos anos, no Congresso Nacional, defendeu com tanta convicção a causa dos operários, dos trabalhadores, e os direitos dos mais despossuídos, como Paulo Paim. Por isso, para mim, é uma honra imerecida até, para este simples mortal, estar convivendo aqui no Senado ao seu lado.
Eu queria lhe agradecer e ao mesmo tempo fazer um rápido registro aqui também do quanto nós devemos, nestes tapetes azuis, como já foi dito, honrar a memória de Ruy Barbosa. Vários aqui se sucederam nessa tribuna: um historiador; uma representante de uma nação amiga; um abolicionista do século XXI, meu amigo Senador Paulo Paim; uma querida companheira intelectual que, junto comigo, me dá a honra de dirigir o Conselho Editorial do Senado.
Fiz questão, ao assumir, Paim, o Conselho Editorial do Senado, em uma das minhas primeiras iniciativas, de visitar o que eu considero o maior acervo historiográfico do Brasil, meu caríssimo historiador, que é o arquivo daqui do Senado. Acredito, afirmo isto sem medo de errar: não existe outro acervo historiográfico no Brasil como o acervo que temos aqui no Senado da República. E eu quero sempre homenagear com muito destaque as colegas do Arquivo do Senado, todas elas, que trabalham com muita ênfase pela manutenção desse arquivo. (Palmas.)
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Queiram as senhoras e os senhores que assistem a esta sessão, ao terminar, apreciar as obras que estão expostas na entrada deste Plenário. São documentos vivos da nossa história: o original da Oração aos Moços, o original do primeiro projeto do Código Civil de 1916, da lavra de Ruy Barbosa. Peças de Ruy que só temos aqui, mantidas por essa equipe formidável do Arquivo do Senado, a quem eu não canso sempre de prestar todas as homenagens.
Ao visitar o Arquivo do Senado e ao saber que nós temos aqui o maior acervo da obra de Ruy Barbosa, eu tomei uma decisão e determinei à Esther... Nós estamos cumprindo essa decisão, dando inauguração a essa decisão no dia de hoje, que é procurar... Não sei se - como tudo na vida é passageiro, e assim deve ser, principalmente em uma democracia - estarei no Conselho Editorial sob mandato, então tenho um mandato a cumprir, mas, enquanto estiver no cumprimento desse mandato no Conselho Editorial, eu quero cumprir uma tarefa externa - e Deus assim nos ajudará a cumpri-la: publicar de toda a obra de Ruy Barbosa pelo Conselho Editorial do Senado. As obras de Ruy Barbosa que estão no nosso Arquivo não podem ficar somente no nosso Arquivo. Oração aos Moços, de 1922, pouco tempo antes da morte de Ruy, tem que ser uma oração a todos os moços, de todos os tempos do Brasil. A todos os moços. (Palmas.)
É por isso que nós a estamos relançando-a no dia de hoje, para os moços do presente - para os jovens há mais tempo e também para os moços do presente. É por isso que, em tempos em que existe ameaça à liberdade da imprensa, em tempos de fake news, nós estamos lançando o célebre discurso de Ruy: A Imprensa e o Dever da Verdade. Nesta sessão solene são as primeiras obras de Ruy que nós vamos relançar. São as primeiras, mas nós procuraremos lançar todas elas.
A obra de Ruy - já foi dito aqui pelo nosso historiador - representou Ruy ao longo da história. Um homem do século XIX, mas com ideias do século XXI e do século XXII. Alguns podem qualificar Ruy como um liberal-democrata. Ruy era mais do que isso. Alguém que teve a genialidade, aliás alguém que teve a vanguarda no século XIX em uma sociedade escravocrata. E é sempre importante, meu caríssimo Paim, Senador negro deste Senado da República, na semana da Consciência Negra, lembrar o que representou a escravidão como chaga indelével na nossa história.
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A escravidão não é uma marca qualquer. A escravidão foi um crime cometido durante quatro séculos e meio. Nós temos que lembrar que, durante quatro séculos e meio, povos inteiros foram trazidos da África e escravizados, em navios negreiros. Para a América, 12,5 milhões de negros africanos foram trazidos, Paim, e só dez milhões chegaram à América, porque 1,5 milhão ficou pelo Oceano Atlântico, em uma desgraça da história humana que chegou ao ponto - na obra Escravidão, de Laurentino Gomes, que eu recomendo a todos vocês - de mudar o hábito alimentar dos tubarões no Oceano Atlântico, que passaram a acompanhar os navios negreiros, tão normal era os negros que não concluíam a viagem até América serem jogados dos navios para servir de alimentos a eles.
Muitos dos negros, ao ver a despedida do seu continente, se jogavam dos navios por causa de uma doença denominada de banzo. Jogavam-se dos navios e, por conta disso, os navios eram cercados por redes protetoras - não para proteção dos negros, porque eram tratados como objetos.
Na verdade, a concepção da, abro aspas, "Europa cristã ", fecho aspas - é inclusive um acinte denominar Europa cristã, mas é a concepção histórica a ser dita - é de que, para aquele povo - aqueles que objetos eram, pagãos, não cristãos -, a escravidão deveria ser um mérito. Eles deveriam ser tratados como objetos.
Esta Nação foi a última a abolir o abominável tráfico de navios negreiros, somente em 1850; foi a última a libertar os seus escravos, somente em 1888. Dos 12 milhões que para a América foram trazidos - 10 milhões aqui chegaram -, 5 milhões vieram para o Brasil. Isso nos tornou, Paim, a maior Nação negra do mundo, somente atrás da Nigéria, que é uma nação africana.
A escravidão tem marcas na nossa formação política, social, cultural. A escravidão deixou marcas indeléveis no segregacionismo e no racismo. É por isso que isso não pode ser deixado de lado e esquecido.
Celebrar, quando equiparamos a quantidade de jovens negros com os jovens brancos na universidade, não é uma dádiva dos tempos. Políticas de igualdade, políticas de cotas não são um favor, são um princípio para reparar tudo isso que aconteceu.
Aliás, são um princípio proclamado por Ruy Barbosa, Oração aos Moços. Leiamos Ruy e vejamos o que ele dizia.
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos os equivalessem.
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É na Oração aos Moços que Ruy Barbosa fala do princípio da igualdade, proclamado por você, Paim, no caput do art. 5º da Constituição de 1988. Fazer igualar o número de negros nas universidades é, na verdade, dar cabo a um trecho da Oração aos Moços, de 1922, de Ruy Barbosa.
Ruy Barbosa foi abolicionista; Ruy Barbosa, reitero o dito já aqui, foi, dentre nós, o Senador que mais tempo frequentou estes tapetes azuis, cinco mandatos; Ruy Barbosa foi republicano; como já dito, foi chamado para escrever a primeira Carta Republicana nossa, de 1891; mas também, ao mesmo tempo, foi radicalmente democrata: ele se desiludiu com a República e a denunciou.
Logo depois do fim do Governo de Deodoro, com a ditadura de Floriano Peixoto, Ruy se levantou e se insurgiu contra a ditadura. E, como advogado, passou a atuar, entrando com habeas corpus, com base na Constituição que ele tinha escrito, para assegurar o direito daqueles que foram detidos e presos pelo Governo autoritário de Floriano. Mais confortável para o então Senador republicano, mais confortável para aquele patrono da República, o qual foi chamado para escrever o Texto Republicano, mais confortável para ele talvez fosse não se insurgir contra o Governo autoritário que o seguia. Ele estava bem abraçado e ele, como da elite republicana, não seria atingido, mas, ao contrário, denunciou o Governo de Floriano Peixoto. Mais do que denunciou, como menestrel do final do século XIX, defendeu as liberdades individuais dos cidadãos contra o arbítrio. Sempre é bom lembrar isso nos tempos atuais. E, por conta disso, ele foi obrigado a se exilar na Argentina. Ao contrário de se conformar e ficar junto das elites da República Velha oligárquica que se seguiu, Ruy continuou no Senado denunciando o voto de cabresto, denunciando as desigualdades, e, mais que isso, lançando-se como uma espécie de anticandidatura, porque todos sabiam que as eleições da República Velha estavam combinadas, tanto é que, nas duas vezes em que Ruy concorre à Presidência da República, em 1909, e dez anos depois, em 1919, na primeira, contra Hermes da Fonseca, e na segunda, contra Epitácio Pessoa, ele só perde a eleição, porque os votos eram de cabresto, e as eleições eram fraudadas.
Em 1909, Ruy diz, em alto e bom som, ao denunciar e se apresentar como candidato, quais eram suas divergências contra a candidatura do Mar. Hermes da Fonseca. Num dos trechos de um dos pronunciamentos de Ruy, diz ele: "As nações, senhores, não armam os seus exércitos para serem escravizadas por eles. As nações não fazem os seus marechais para que eles venham a ser na paz os caudilhos de facções ambiciosas". Repito Ruy Barbosa: as nações não fazem os seus marechais, as nações não fazem os seus generais, as nações não fazem os seus capitães, as nações não fazem os seus militares para que eles venham a ser na paz os caudilhos de facções criminosas. Ecoa no tempo o discurso de Ruy na Campanha Civilista de 1909 como atual, como atual para inspirar-nos como República.
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Derrotado na eleição, ele não deixou na sua anticandidatura de denunciar o arbítrio, de denunciar as facções que se apossavam do poder republicano que ele tanto sonhou como República livre, democrática e igual.
Tempos depois, lançou-se contra Epitácio Pessoa. E veja, meu caro Paim, a atualidade de Ruy: no seu programa apresentado em 1919, um dos pontos centrais era a incorporação dos direitos trabalhistas à legislação brasileira. A incorporação dos direitos trabalhistas! Ele perdeu a eleição para Epitácio Pessoa, um candidato à Presidência da República das elites oligárquicas que foi definido como candidato quando estava em Paris e que ganha a eleição sem nem estar em Território brasileiro, tomando posse só depois devido aos sistemas fraudulentos da República Velha.
O conjunto dos discursos de Ruy são obras para a atualidade. Eu citei o princípio da igualdade trazido para a nossa Constituição. Eu citei, agora, um trecho sobre como ele compreendia que deveria ser o papel dos militares na política e por que ele se insurgia contra a candidatura de Hermes da Fonseca.
É importante lembrar - está aqui em Orações aos Moços, e eu recomendo a todos vocês que o leiam - o que Ruy dizia sobre a justiça, tão atual quanto:
Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.
Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça! Que fique isso como alerta, como um sino, ao tempo, a bater nas mãos dos colegas e dos membros do Judiciário atual.
Mais adiante, fala o próprio Ruy também sobre o direito dos mais pobres. Ele fala isso no século XIX, em uma sociedade recém-saída da escravidão, mas com as marcas do segregacionismo e do racismo:
Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais maldefendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos.
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Por fim, no mesmo tempo, o mesmo Ruy faz um pronunciamento que está no outro livro que estamos lançando no dia de hoje: A imprensa e o dever da verdade. O pronunciamento nessa obra poderia ser escrito... É atual ela ser relançada agora, Esther.
A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que a ameaça.
É uma proclamação à liberdade de imprensa e à verdade! Nada mais atual.
Eu queria, ao fazer essas rápidas citações de Ruy, só destacar em quantos campos distintos, meu caro Paim, ele foi importante para a nossa formação. Ele foi importante para o Brasil que queremos construir.
Minha caríssima representante da Embaixada da Polônia, nós ficamos reiteradamente orgulhosos em saber que nações amigas também têm, várias vezes, depoimentos a prestar sobre o que Ruy representou não somente para nós brasileiros, mas para a história humana.
Que esses textos de Ruy, que nós, repito, trabalharemos para republicá-los todinhos, ecoem como orações aos moços para os moços do presente; ecoem como a imprensa e o dever da verdade para as autoridades do presente, para que elas não ameacem a liberdade de imprensa e para aqueles que propagandeiam mentiras ao nome pomposo da atualidade, as fake news. Que as proclamações de Ruy à Justiça ecoem para o Judiciário atual. Que Ruy inspire a todos nós homens públicos sobre o dever que é o servir ao público.
Eu quero agradecer a todos pela presença nesta sessão.
Eu quero agradecer ao Conselho Editorial pelo lançamento dessas duas primeiras obras e, mais uma vez, ao serviço de editoração e ao arquivo do Senado pelas contribuições e pela parceria. Nós iremos, com certeza, publicar todas as obras de Ruy Barbosa para que elas sejam principalmente sementes ao tempo e que, se não servirem para inspirar os homens públicos atuais, sirvam para construir um modelo de País mais generoso, republicano e democrático, como Ruy sonhava e como Ruy idealizou para todos nós.
E que o quanto antes este Plenário... Nós temos um projeto de resolução que dá o nome a este Plenário, Senador Paim, de Ruy Barbosa. O busto dele está aqui já há muito tempo a nos inspirar. Eu acho que nada é mais adequado. E que não seja somente a denominação do nome de Ruy, que seja para todos nós a inspiração da passagem de Ruy sobre nós, da sua passagem sobre todos nós. Há um adágio que diz que palavras somente convencem; são exemplos, como o legado e a passagem de Ruy, que devem servir para nos inspirar e devem servir para que nós façamos.
Eu quero agradecer a todos.
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Cumprido o objetivo desta sessão, eu a declaro encerrada e, ao mesmo tempo, agradeço pelo lançamento das obras de Ruy Barbosa. (Palmas.)
(Levanta-se a sessão às 12 horas e 32 minutos.)