3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 11 de junho de 2021
(sexta-feira)
Às 9 horas
63ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão remota de debates temáticos foi convocada, nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 7, de 2020, que regulamenta o funcionamento remoto do Senado Federal; e em atendimento ao Requerimento nº 1.636, de 2021, do Senador Carlos Fávaro e outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A sessão é destinada a discutir os impactos do Projeto de Lei 827, de 2020, que estabelece medidas excepcionais em razão da emergência decorrente da Covid-19, para suspender o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, urbano ou rural, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, e para estimular a celebração de acordos nas relações locatícias.
Para tanto, foram convidados os seguintes representantes: Sr. Nabhan Garcia, Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); Sr. Darci Frigo, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH); Sr. Paulo Sergio Aguiar, Diretor Presidente da Associação Matogrossense dos Produtores de Algodão (Ampa); Sr. Julio José Araujo Junior, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão; Sr. Andrey Vilas Boas de Freitas, Subsecretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia; Sra. Moira Regina de Toledo Bossolani, advogada e Diretora Executiva da Vice-Presidência do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais (Secovi-SP); Sra. Julia Bittencourt Afflalo, consultora Jurídica e advogada especialista em agronegócio;
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Sr. Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, Bispo da Prelazia de Itacoatiara, no Estado do Amazonas; Sr. Muni Lourenço Silva Júnior, Vice-Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Amazonas (Faea); e Sr. Jaques Bushatsky, advogado especialista em temas fundiários, possessórios e de locação.
A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento da sessão, nos termos do art. 398 do Regimento Interno do Senado Federal, combinado com o Ato da Comissão Diretora nº 7, de 2020: será inicialmente dada a palavra aos convidados, por dez minutos; após, será aberta a fase de interpelação pelos Senadores inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de cinco minutos para suas perguntas; os convidados disporão de cinco minutos para responder à totalidade das questões do bloco; e os Senadores terão dois minutos para a sua réplica; as inscrições dos Senadores presentes remotamente serão feitas através do sistema remoto.
As mãos serão abaixadas no sistema remoto, e neste momento estão abertas as inscrições. (Pausa.)
Estamos vivendo um momento de desafios e não está sendo nada fácil para ninguém. Há quase um ano e meio o nosso País e o mundo lutam contra uma pandemia do Covid-19, e isso vem provocando muita dor e sofrimento para todos, mas não podemos perder a fé e a esperança.
É grande a nossa expectativa de que a vacina chegue logo para todos, porque precisamos seguir caminhando no caminho do desenvolvimento e a vida não pode parar: a economia, as escolas, o trabalho, enfim, o País não pode parar.
Por ocasião da pandemia provocada pelo coronavírus, muitas empresas fecharam suas portas e outras reduziram as suas equipes. Já sem emprego e sem renda, as dívidas começaram a se acumular e o pagamento das contas foi deixado para trás. Um exemplo disso é o não pagamento do aluguel, da moradia e do financiamento dos seus imóveis. Junto com isso, vieram as ordens de despejo.
Para ampliar o discurso em torno do tema, que vem afligindo a população do nosso País, estamos realizando esta sessão remota de debates do PL 827, de 2020, em tramitação aqui no Senado Federal, que estabelece medidas excepcionais em razão da emergência em saúde pública de importância nacional decorrentes da infecção humana pelo coronavírus, para suspender o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado, público, urbano ou rural e a concessão de liminar em ação de despejo.
O nosso objetivo é ouvir as partes interessadas, porque, de acordo com a Campanha Despejo Zero, no período de 1º de março de 2020 a 6 de junho de 2020, tivemos cerca de 14,3 mil famílias retiradas de suas casas por despejo e outras 84 mil famílias que estão ameaçadas por esse motivo.
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Temos um projeto de lei que poderá trazer insegurança jurídica para o Brasil e nós sabemos que o direito de propriedade não pode ser abalado. Por isso, precisamos ouvir as partes interessadas, para que se possa criar um conceito e que colabore com o Relator no sentido de que ele possa aprimorar o texto sem precarizar, em hipótese alguma, o direito à propriedade, que no Brasil é muito relevante.
O Judiciário já vem se manifestando nesse sentido. O Ministro Luís Roberto Barroso determinou a suspensão de desocupação de áreas já habitadas, antes do início do estado de calamidade pública, em função do Covid-19 no último ano.
Esta semana, de ordem do Ministro Luiz Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal, foi convocada a sessão extraordinária no plenário virtual para apreciar a liminar do Ministro Barroso. A sessão começou ontem, dia 10/6, e se encerra hoje, dia 11/6. A medida cautelar foi deferida na última semana e suspendeu, por seis meses, todas as medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejo, desocupação, remoção forçada ou reintegração de posse de natureza coletiva nos imóveis que servem de moradia ou representam área produtiva individual ou familiar de populações vulneráveis.
Na ocasião, também foi suspenso o despejo de locatários de imóveis em condições de vulnerabilidade por decisão liminar. Temos que ter cautela na decisão do Ministro, porque, fora da pandemia, teremos que assumir o risco de precarizar a segurança jurídica brasileira, e o nosso objetivo hoje aqui é justamente ampliar esse debate em torno da matéria para que haja uma melhor construção de emendas ao texto e, aí sim, o projeto possa seguir para apreciação e votação no Plenário.
Coloco à disposição dos debatedores o Projeto de Lei 827, de 2020, para análise e discussão, e, por isso, já passo a palavra ao Relator do projeto, o amigo Senador Jean Paul Prates.
O SR. JEAN PAUL PRATES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para discursar.) - Presidente, muito obrigado, eu vou fazer uma fala breve, porque nós estamos evidentemente agradecendo aqui a presença de todas as pessoas: especialistas, técnicos, pessoas que vivem a realidade desse projeto em ambos os lados ou em seus múltiplos lados, na verdade, e, portanto, quero agradecer aos convidados aqui, aos Senadores presentes também, principalmente pelo tempo de vocês que, para nós - e eu sempre digo isso nas audiências, Presidente Carlos Fávaro -, é o trabalho de vocês, o precioso tempo de vocês contribuindo com o Senado Federal, contribuindo com o nosso trabalho. Portanto, quero agradecer, acima de tudo, essa colaboração de vocês.
Quero dizer também da urgência que esse projeto adquire, especialmente diante do adiamento da resolução da ADPF que está em curso. Sabemos a situação grave que nós temos. Na terça-feira, no dia em que nós acabamos decidindo por esta audiência pública, à noite, tivemos uma reportagem muito forte na Rede Globo, do Conexão Repórter, que eu até estimulo a todos que se interessam por esse assunto que resgatem no streaming. É muito importante que a gente saiba a realidade que nós estamos vivendo diante dessa pandemia.
Essa é uma situação excepcional, Carlos, muito excepcional, que requer, portanto, soluções excepcionais. Ninguém quer precarizar a segurança jurídica, mas esse conceito também não pode estar acima do conceito de solidariedade, justiça social, que nós temos que ter. Segurança jurídica vai até o momento em que o Estado brasileiro precisa exercer o seu papel de equilibrador das diferenças e amenizador das situações excepcionais como as que estamos vivendo.
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O dado que eu passei naquele dia refere-se a essa Campanha Despejo Zero, que contabiliza de março de 2020 a 6 de junho de 2021 - portanto, praticamente de março de 2020 até maio de 2021, começo de junho -, quando mais de 14 mil famílias, mais precisamente, cada uma dessas é importante, então, 14.301, foram despejadas: em São Paulo, 3.970; Amazonas, 3.004; Pernambuco, 1.325; Rio de Janeiro, 1.042; Ceará, 778; Paraná, 731; Roraima, 551; Rondônia, 500 famílias; Minas Gerais, 450; Espírito Santo, 415; meu Rio Grande do Norte, 374; Sergipe, 280 famílias; Goiás, 175; Distrito Federal, 168 famílias; Piauí, 150 famílias; Santa Catarina, Senador Esperidião está por aí, 145; Maranhão, 92; Bahia, 87; Tocantins, 30; Rio Grande do Sul, Senador Heinze, 6.
Foram 14.301 famílias naquele período. Mais 84.082 famílias estão no momento ameaçadas de remoção, qualquer tipo de remoção no Brasil, principalmente, o que chama mais atenção, São Paulo, mais uma vez, com 34.454 famílias; Amazonas, 19.173; Pernambuco, 9.399 famílias.
Tivemos projetos de lei, Senador Carlos Fávaro, a respeito, Senador Anastasia: Projeto de Lei 1.179, aprovado por nós, que prevê no seu art. 9º, a não concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano, nas ações de despejo até 30 de outubro de 2020, à época da pandemia com o estado de calamidade.
Em todos, apenas dois Senadores votaram contra, aliás, pela manutenção do Veto 20, e apenas seis Deputados foram favoráveis à manutenção do veto que foi aplicado a esse projeto. Depois, tivemos o projeto do Senador Jaques Wagner, PL 872, de 2020; este projeto 827, de 2020, de autoria do Deputado André Janones, com as Deputadas Natália Bonavides, do PT do Rio Grande do Norte, e a Profa. Rosa Neide, do PT do Mato Grosso - o Deputado Janones é do Avante, Minas Gerais -; o PL 1.684, do Deputado Alencar Santana Braga; e o PL 1.975, da Deputada Natália Bonavides, do Rio Grande do Norte. O mais avançado é este: 827, ao qual foram apensados, na Câmara dos Deputados, justamente os outros PLs. 1.684, 1.975 e outras 18 matérias de autoria dos Parlamentares de diversos partidos. Eu fiz as ressalvas todas no dia em que nós nos apresentamos aqui, em relação a este projeto, que a suspensão só poderá ocorrer nos seguintes casos: execuções de decisões liminares e de sentença de natureza possessória e petitória, inclusive quanto a mandados pendentes de cumprimento; despejos coletivos promovidos pelo Poder Judiciário; desocupações e remoções promovidas pelo Poder Público; medidas extrajudiciais; despejos administrativos em locação e arrendamento em assentamentos; autotutela da posse.
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O texto ainda determina que as medidas decorrentes de atos ou decisões proferidos anteriormente ao prazo estipulado não serão efetivadas - prazo estipulado é tudo que tiver acontecido até dia 31 de março deste ano, e fica garantido até 31 de dezembro deste ano. O ponto mais importante desta lei é o seu marco temporal. Não é permanente; é apenas uma situação provisória emergencial.
Fica impedida também a adoção de qualquer medida preparatória de negociação para efetivar remoção, é claro, pois, se, no dia seguinte, estiver tudo pronto para fazer a remoção, não faz sentido o projeto, tem que continuar o processo de onde parou. O processo tem que ser suspenso, senão não faz sentido. No dia 1º de janeiro começa tudo de novo.
Os processos em curso deverão ser sobrestados até o encerramento de suspensão. Ao final do prazo de suspensão, o Poder Judiciário deverá realizar audiência de mediação entre as partes, com a participação - porque as situações mudam; essa audiência é porque as situações mudam ao longo desse período de emergência; então, faz-se um saneamento de todo esse processo, recomeçam-se as negociações e há uma esperança sempre de que a mediação resolva as coisas - do Ministério Público, Defensoria Pública, nos processos de despejo, remoção forçada, reintegração de posse coletivos que estão em tramitação e a realização de inspeção judicial das áreas em litígio.
Fica proibida a concessão de liminar para a desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo desde que o locatário demonstre a ocorrência de alteração da situação econômico-financeira decorrente da pandemia. Portanto, não é calote. É quando a pessoa, de fato, comprova a ocorrência de alteração da sua situação econômico-financeira. Só vale nos contratos com valor mensal do aluguel que não seja superior a R$600 - portanto, não é o aluguel da mansão ou o do superapartamento ou mesmo o de classe média -, no caso de locação de imóvel residencial, e R$1,2 mil, no caso de locação do imóvel não residencial - nesse caso também tem que comprovar que houve a suspensão da atividade econômica.
Enfim, nós clamamos aqui pela urgência do processo. Estamos abertos a sugestões. Queremos ouvir a todos. Acho que é muito importante esta audiência pública. É um projeto, de fato, rápido, emergencial, mas que requer todo o cuidado. Mas, de novo, quero salientar que a segurança jurídica não está sendo afetada. Estamos apenas exercendo um papel que devemos exercer, como exercemos em outros casos, no ano passado, diante da calamidade pública, diante da situação de emergência, quando criamos vários dispositivos excepcionais, especiais para atender situações também excepcionais, especiais e, nesse caso, urgentes.
Obrigado a todos, mais uma vez. Obrigado, Presidente. Talvez eu tenha que sair rapidamente e ficar no remoto, porque nós estamos tendo a reunião de Líderes, e eu tenho que levar minha pauta lá pela Liderança da Minoria, mas vou ficar ouvindo e comentarei aqui, se for necessário, ao final ou entre as falas, os pontos que V. Sas. trouxerem para nós. Mais uma vez, obrigado pelo trabalho e pelo tempo. Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Senador Jean Paul Prates.
Vamos ouvir todos os debatedores e, ao final, remeteremos, então, a palavra a V. Exa. para as suas considerações finais desta sessão de debates.
Eu queria agradecer já aos Senadores que estão conectados a esta sessão: Senadores Paulo Paim, Nilda Gondim, Rose de Freitas, Luis Carlos Heinze, Esperidião Amin e Izalci Lucas.
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Concedo a palavra ao Sr. Nabhan Garcia, Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, aqui, neste ato, representando o Ministério da Agricultura e a Presidência da República.
Com a palavra.
O SR. NABHAN GARCIA (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador.
Bom dia a todos!
Bom dia, Sr. Presidente da Mesa, Senador Fávaro!
Aproveitando, aqui, na pessoa do senhor, cumprimento o Relator, Senador Jean Paul, o Senador Luis Carlos Heinze e todos os Senadores e Senadoras aqui presentes e cumprimento também todos que estão participando deste debate temático.
Bom, em primeiro lugar, uma posição clara, transparente, não só do Governo Federal como também do próprio Senhor Presidente da República Jair Bolsonaro: direito de propriedade é coisa sagrada. Direito de propriedade está na Constituição e é cláusula pétrea.
Eu gostaria, Sr. Presidente, de pedir uma autorização para passar um vídeo, uma breve demonstração, curtinha, de dois ou três minutos, para eu mostrar os efeitos, os resultados das invasões. Esse vídeo vai tratar das invasões rurais. Está sendo passado.
As invasões ocasionam destruição de benfeitorias, casas, currais, cercas, barracões, etc., incêndio em áreas de agricultura, de pastagens e até mesmo de reserva legal, destruição de reserva legal, extração ilegal de madeira, venda, comércio ilegal de madeira durante o período em que o imóvel está invadido, agressões, ameaças, matança de animais, furtos e tantos outros delitos, desmatamento criminoso, como já citei aqui, e em áreas de reserva legal, tudo isso devidamente comprovado em autos. Nós temos também a destruição de pontes, de estradas, logísticas em praticamente todos os imóveis rurais que são invadidos. Nós temos até situações de cárcere privado de funcionários, cárcere privado até de proprietários, nós temos venda e comércio ilegal de lotes, porque essas propriedades são invadidas e os invasores promovem um ato criminoso, porque invasão é crime, matança de animais, destruição de casas e loteamento ilegal dessas áreas invadidas. Há o cerceamento dos proprietários de poderem exercer sua atividade. Nós temos exemplos recentes de proprietários que estão com seus imóveis invadidos...
Aliás, quero deixar registrado aqui um número. Nos últimos dez anos, de todas as propriedades invadidas no Brasil, 99% ocorreram antes de março de 2020 - isto é para deixar bem claro: 99%, para não dizer 100%, porque o número de invasões que ocorreram no Governo Bolsonaro foi irrisório. Grande parte dessas invasões ocorreu antes de março de 2020. Portanto, essa situação de insegurança jurídica não fica só na insegurança jurídica dos imóveis invadidos, sejam rurais ou urbanos. Olha aí: matança de animais, agressões... Então, essa insegurança jurídica se estende não só para uma insegurança econômica, que é fundamental também, mas para uma insegurança social.
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Então, nós não podemos usar da pandemia, da qual eu fui vítima, eu fui vítima do coronavírus, mas eu não posso aceitar que uma situação vá expor o direito de propriedade, que é cláusula pétrea da nossa Constituição Federal. Quem conheceu, quem viu - está às ordens para os senhores que quiserem ver, eu estou aqui à disposição, o Ministério da Agricultura, para passar uma relação das propriedades invadidas - pode verificar o estrago que foi feito. São situações extremamente constrangedoras.
Invasão é crime, ponto. Nenhuma lei, principalmente lei - há aqui uma decisão do Ministro Barroso que está sendo submetida ao Plenário -, nenhuma lei pode beneficiar invasor de propriedade, porque isso é crime. É claro na Constituição brasileira, no Código Civil brasileiro. E essas invasões são seguidas de inúmeros atos criminosos gravíssimos. Então, nós não podemos concordar, em hipótese alguma, porque seria uma afronta à própria Constituição na sua cláusula pétrea.
Nós queremos, sim - nós entendemos que a situação é difícil, que é uma situação complexa -, mas não em situações que foram fruto de atos criminosos e que até hoje refletem gravemente em todos os sentidos, não só na insegurança jurídica, mas também na insegurança social, na insegurança econômica. Pessoas que sofreram invasão até hoje estão inviabilizadas de manter produção. Aliás, é bom frisar aqui que o Brasil só não foi à bancarrota graças ao produtor rural, seja ele pequeno, médio ou grande. É o setor produtivo que é a âncora de sustentação econômica e social deste País. Então, nós não podemos aviltar o sagrado direito de propriedade em hipótese alguma. Propriedade é coisa sagrada, está na Constituição.
Eventualmente, Senador Presidente, Senador Relator e demais Senadores que estão aqui presentes, nós não podemos... A Casa legislativa, uma das Casas mais respeitadas da República é o Senado Federal, com o respeito a todas as outras Casas, mas o Senado Federal, em hipótese alguma, poderá ser o protagonista de uma lei que venha aviltar o direito de propriedade, que venha ferir a Constituição brasileira em sua cláusula pétrea. Esse é um apelo que eu faço a V. Exas., aqui reiterando o nosso respeito, a nossa solidariedade a todos que foram vítimas, estão sendo vítimas e continuarão sendo vítimas desse vírus que veio aqui para trazer tragédia, não só no Brasil, mas em todo o mundo. É o Planeta que sofre com isso. Às vezes, as pessoas dizem: "Olha o Brasil"... Sempre citam o Brasil, mas esquecem o que está acontecendo lá fora, em todo o mundo.
Então, nós estamos aqui para colaborar sim, de forma harmônica, estamos abertos a qualquer diálogo, a qualquer debate, mas criar uma legislação que vai ferir direitos sagrados da nossa Constituição, que vai dar respaldo a ações criminosas, não! Respaldar ação criminosa buscando como álibi ali a invasão de propriedade, o crime da invasão de propriedade e todos os seus resultados é inaceitável.
Esse é o recado que o Governo Federal passa, que o nosso Presidente da República passa a todos os cidadãos, eleitores, que votaram para eleger os Parlamentares que estão aqui hoje fazendo lei. E esse é o recado de milhares de produtores rurais de todo o Brasil. Nós somos 5,6 milhões de proprietários rurais no Brasil - esse dado é até um pouco antigo, hoje deve passar muito mais disso -, e nós não podemos aceitar que essas pessoas não consigam dormir, não consigam ter paz, porque não vão conseguir ter o seu direito de propriedade.
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Olha, cito uma situação recente: hoje cedo me ligou um proprietário lá do sul do Amazonas, ali da boca do Acre, dizendo, relatando: "Os invasores da minha propriedade, que já estão aqui há seis, sete anos, estão comemorando, já fizeram uma banca de recepção ontem com essa decisão do Ministro Barroso, com essa eventual decisão". Eu tenho certeza de que os Srs. Senadores vão se debruçar com muita sensatez nessa eventual aprovação da lei, do Projeto de Lei 827. Eles já estão comemorando, já estão até vendendo lotes, Senador, já estão comercializando lote ilegal de uma propriedade que eu sei que tem proprietário que tem sua matrícula há mais de 30 anos, produzindo, na agricultura, pecuária. Eles estão comemorando. E nós não podemos aceitar, em hipótese alguma, que uma lei venha corroborar com atos criminosos. Invasão é crime.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Sr. Nabhan Garcia, pelo seu posicionamento.
O SR. JEAN PAUL PRATES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Pela ordem.) - Presidente, rapidamente, pela ordem, eu queria só trazer uma palavra aqui, porque fiz uma introdução relativamente neutra, mas não queria deixar pairar no ar essa dúvida, com todo o respeito ao Secretário Nabhan, e saudando a presença dele e agradecendo também.
Para quem está nos assistindo, nós estamos falando, mais uma vez, de um projeto que tem um marco temporal: 31 de março, de tudo o que aconteceu. E o processo histórico do Brasil, esses litígios, fotos, eventuais registros de situações de litígio, de exceções, situações de violência que ocorrem nesse litígio eterno que nós temos na ocupação do Território brasileiro, ocorrem e ocorreram ao longo da história de muitos países de grande extensão territorial que foram sendo ocupados com o tempo. Evidentemente que a gente pode aqui citar também processos de grilagem, processo de gente graúda, com arma, que entrou em terra, durante décadas, historicamente, fez fraudes em cartórios e tomou posse de terras públicas. Isso também é invasão, isso também é crime. Nós não estamos discutindo esse histórico, e nós não vamos resolvê-lo. É a mesma coisa de a gente querer agora resolver o conflito árabe-israelense em uma semana. Nós não vamos fazer isso. E não se trata disso.
O projeto não trata disso; o projeto trata de suspender processos enquanto durar a pandemia, porque as pessoas, independente da razão por que elas entraram ali - se ocuparam uma terra improdutiva, se ocuparam uma área que estava numa empresa pública ou numa propriedade privada completamente descuidada, se há num processo judicial ou não e até, eventualmente, se houve algum tipo de violência ou choque quando essa ocupação ocorreu -, falam assim: "Olha, está acontecendo uma coisa maior do que tudo isso, todo mundo está de 'altos', como a gente dizia quando era criança, estamos de 'altos'". Paremos um pouquinho toda a questão e vamos esperar até 31 de dezembro. E tudo o que está em jogo aqui é apenas quanto aos processos que ocorreram até 31 de março.
Portanto, essa pessoa que lhe reportou, Nabhan, que a turma está comemorando, que vão invadir mais coisa ou vão ocupar o que for está errada. Está todo mundo errado. Ou é fake news para eles ou é fake news para nós, porque não vai haver proteção a esse processo. Se aconteceu uma ocupação hoje, ontem, anteontem, ela não está protegida por essa lei. O que está garantido: o congelamento das situações até 31 de março de 2020. A partir dali, o que ocorrer é oportunismo e, obviamente, será tratado com a lei normal, não vai ser afetado por esta lei.
Então, é esse esclarecimento que eu queria fazer no início, porque, claro, todos nós temos as nossas posições quanto a isso e há interesses altamente antagônicos que a gente já conhece. A história do Brasil é essa, como a história dos Estados Unidos teve esse tipo de conflito, tem massacre, tem bala, tem quebra-quebra. Essa é a história dessa ocupação territorial, mas não é isso que está aqui em jogo, isso a gente não vai resolver agora. O que a gente está tentando resolver é uma situação excepcional de para tudo, cessa alguma coisa, num período específico: 31 de março a 31 de dezembro de 2020.
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Desculpe-me, assim, só para fazer este esclarecimento: para a gente não trazer para cá - também para os nossos convidados -, não trazer para cá questões históricas que a gente não vai resolver; a gente tem que pontualmente atacar coisas em que a lei eventualmente possa ser aprimorada, enfim, tudo bem, mas não vamos agora entrar num debate aqui sobre reforma agrária, sobre ocupação de terra, sobre o que é invasão, ocupação, e quem faz mais mal, ou invadir, porque a gente não vai sair daqui com a solução disso. Não adianta. Vamos trabalhar aqui neste período e nesta situação excepcional.
Obrigado, pessoal.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Senador Jean Prates, nosso Relator.
É importante esta sessão exatamente para isto: para nós debatermos e esclarecermos a finalidade do projeto de lei e os aperfeiçoamentos que ele precisa ter para trazer segurança e estabilidade ao nosso País.
Como o nosso debatedor, o Sr. Nabhan Garcia, secretário, não usou a totalidade do seu tempo, ele pediu mais alguns segundos para fazer um complemento da sua fala.
O SR. NABHAN GARCIA (Para exposição de convidado.) - Senador Jean Paul, tenho um profundo respeito por V. Exa. É como o senhor bem disse: temos posições antagônicas, mas a nossa Constituição Federal está acima de tudo, principalmente nas suas cláusulas pétreas.
Eu gostaria de fazer um esclarecimento aqui, esclarecimento inclusive que está em todos os órgãos jurídicos: não se ocupa o que está ocupado. Quando se ocupa o que está ocupado, é realmente uma invasão, e 99% dessas invasões, Senadores, ocorreram antes de março de 2020. Então, é para isso que nós temos aqui um debate. Nós não podemos beneficiar nenhum tipo de ato criminoso, em qualquer circunstância de urgência, de emergência ou de calamidade. Nós não podemos aqui beneficiar atos criminosos.
Com relação ao que V. Exa. disse aqui da grilagem, nós repudiamos a grilagem, sempre repudiamos. É uma coisa terrível a tal da grilagem. Eu já passei, já fui vítima de grilagem. Eu sei o que é o grileiro. É por isso que nós estamos também com um programa de regularização fundiária, para efetivamente acabar com a grilagem. Agora, todas essas propriedades que foram invadidas e praticamente todas elas estão com decisão de cumprimento de reintegração de posse, de despejo, está agora sendo cerceado esse direito de quem foi invadido. Então, nós precisamos...
O debate é para isso, é transparente, é a nossa democracia. Vamos aprofundar nesse debate? Vamos, sim, ajudar, colaborar com as vítimas, com essa situação de calamidade, de pandemia, mas não afrontando o direito de propriedade e fazendo uma exceção aqui para todos os imóveis que foram objeto de invasão de estarem fora deste projeto de lei. Imóvel que foi invadido, objeto de ação criminosa, porque invasão é crime, e com todas essas circunstâncias, não pode estar aí durante seis meses ou durante um ano... Nós não sabemos quando é que vai acabar essa pandemia, então, nós não podemos estar aí agora beneficiando uma situação, dando um alvará de impunidade para quem cometeu o crime para ser beneficiado.
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Olhem os milhares de propriedades que estão aí esperando para ser cumprida a reintegração de posse, em muitas delas está sendo até cerceado o seu direito de produção, não conseguem produzir, não conseguem plantar, não conseguem colher, não conseguem fazer a vaca parir, não conseguem fazer o boi engordar para o brasileiro comer carne todo dia na mesa dele, entendeu? Então, essa é uma situação gravíssima. Então, o debate é para isso.
Muito obrigado, Senador, pela oportunidade.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Secretário Nabhan Garcia.
Eu já concedo a palavra, então, ao Sr. Darci Frigo, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
O senhor está com a palavra por dez minutos.
O SR. DARCI FRIGO (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Carlos Fávaro. Agradeço a oportunidade e queria também cumprimentar o Senador Relator Jean Paul Prates, todos e todas as participantes, neste momento em que o País está pedindo de nós um gesto de humanidade, um gesto de solidariedade.
Estou aqui falando pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, um conselho criado pela Lei 12.986, de 2014, que tem a finalidade da promoção e defesa dos direitos humanos, mediante ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação de direitos humanos.
Mais uma vez, agradeço a oportunidade de me manifestar neste momento.
É importante que o Senado também, justamente, abra o debate de questões que importam ao conjunto da sociedade brasileira e que estão ancoradas em direitos constitucionais, como, no caso aqui especificamente, nós estamos, vamos dizer assim, debatendo algo que, vamos dizer assim, potencialmente, coloca uma questão para as pessoas que podem ser vítimas eventualmente de algum tipo de despejo, forçado de escolher entre a vida e a morte.
O relator da ONU falou que os despejos são uma sentença de morte em potencial, porque essas pessoas podem ser colocadas em situação de risco. Em seguida, eu coloco, inclusive, alguns aspectos sobre o envolvimento de todos os agentes públicos e as pessoas que se envolvem nessas situações de aglomerações de pessoas.
O conselho nacional fez uma manifestação diretamente ao Presidente do Senado justamente fazendo referência à excepcionalidade dessa medida, dizendo que essa medida é em razão justamente da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, decorrente, obviamente, da Covid-19.
Então, o conselho reforçou ao Presidente do Senado que é importante suspender o cumprimento neste momento de medida judiciais, extrajudiciais ou administrativas que resultem em desocupação ou remoção forçada coletiva, em imóvel privado ou público, urbano ou rural, em concessão de liminar em ação de despejo, de que trata a Lei 8.245, de outubro de 1991, e para celebrar, estimular a celebração de acordos nas relações locatícias.
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O conselho entendeu que a manutenção dos despejos na atual conjuntura de grave crise sanitária em que vive o País, já com 480 mil vidas de brasileiras e brasileiros perdidas, torna a situação ainda mais dramática, principalmente para as famílias que já se encontram em situação de vulnerabilidade social. Os despejos normalmente colocam em risco a vida de milhares de famílias, ao deixá-las sem moradia em momento no qual as recomendações sanitárias são manter o distanciamento social e as medidas de higiene, preferencialmente permanecendo em seu domicílio. Além disso, deve-se ainda levar em conta o risco aumentado pelo agravamento da situação, devido ao ritmo lento de imunização e ao surgimento de novas variantes do vírus mais contagiosas e letais.
E assim segue o ofício, fazendo referência, posteriormente, nessa mesma comunicação, à Resolução 10, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que foi aprovada em 2018. Essa resolução justamente trata de medidas que o Poder Público, o sistema de Justiça, deve adotar sempre que vá realizar despejos, seja neste período de pandemia, seja em outros momentos. Mas, neste momento da pandemia, o conselho está dizendo que não é razoável, em hipótese alguma, não é razoável realizar qualquer tipo de medida que leve risco à vida dessas pessoas que vivem, vamos dizer assim, nessas habitações precárias.
E o Conselho Nacional de Justiça, na sua Recomendação nº 90, de 2 de março agora, de 2021, recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautela quanto à solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, durante o período da pandemia do coronavírus. Então, ele recomenda aos órgãos do Poder Judiciário que, antes de decidir pela expedição de mandato de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, verifique se estão atendidas as diretrizes estabelecidas nessa Resolução 10 do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Bom, ante esse período - e houve também essa decisão do CNJ -, o Ministro Luiz Edson Fachin, na ADPF Quilombola, determinou também a suspensão dos despejos em áreas de quilombos; e agora a última medida, outra ADPF, do Ministro Barroso, que está, enfim, em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Nós estamos aqui, no Parlamento, na Casa do povo, no Senado Federal, fazendo um pedido e um reforço no sentido de que o Poder Legislativo, neste momento, em caráter de urgência, aprove essa medida excepcional, que é temporária - não é uma medida, vamos dizer assim, que vai perdurar por tempo indeterminado.
Então, nesse sentido, eu gostaria de dizer primeiro que, em razão do caráter emergencial, é fundamental que esse projeto seja aprovado, vamos dizer assim, se possível, sem que haja novas emendas, já que o seu objetivo é, com a sua aplicação imediata, evitar que haja essas situações de despejo no País.
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Queria dizer que o Decreto Judiciário nº 244, de 2020, do Tribunal de Justiça do Paraná, já estabeleceu um marco sobre as situações de despejos no Estado do Paraná e considera o seguinte: "[...] que o cumprimento das ordens de reintegração de posse decorrentes de ocupação coletiva implica mobilização de grande contingente de profissionais e pode gerar aglomeração em espaços públicos, deixando inúmeras pessoas desassistidas e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo [...] [vírus]". Então, o próprio Tribunal de Justiça do Paraná adotou essa medida e a renovou posteriormente, tendo em vista que o quadro da pandemia ainda se estende e é considerado um quadro muito grave.
E nós estamos também adotando essa medida num momento em que 8 milhões de famílias brasileiras, 24 milhões de pessoas, um contingente de 12% da nossa população não têm casa adequada para morar. Então, independentemente da pandemia, nós temos uma grave situação social, que implica, inclusive, realizações de políticas públicas de habitação. Se a gente for para o campo, então implica a realização de políticas públicas de regularização fundiária ou de reforma agrária, ou de demarcação de terras indígenas, quilombolas, para enfrentar essa situação.
Neste momento, 100 milhões de brasileiros não têm uma coleta regular de esgoto; 35 milhões não têm abastecimento regular de água tratada; 19 milhões de pessoas estão passando fome; e 50% da população, segundo a Oxfam, está vivendo em insegurança alimentar.
O apelo que o Conselho Nacional de Direitos Humanos faz... O Conselho Nacional de Direitos Humanos é um órgão composto por 22 integrantes, sendo 11 do Poder Público e 11 da sociedade civil - dois do Senado, dois da Câmara, três do Poder Executivo e três do sistema de Justiça compõem o Conselho Nacional de Direitos Humanos. E ele faz este apelo no sentido de que o Parlamento brasileiro, de forma urgente, atenda a essa medida humanitária, a essa medida que é uma medida de solidariedade social com essas famílias que vivem em situação de vulnerabilidade. E, com a suspensão dos despejos, como disse o Comandante da Polícia Militar de Tocantins num dos seus pedidos, que sua tropa também não fosse colocada em risco ao ter que realizar despejos coletivos. Então, nós temos que proteger tanto as pessoas que estão envolvidas em cumprir as determinações judiciais como aquelas que estão nessa situação de vulnerabilidade e que são destinatárias também dos direitos constitucionais, que são destinatárias do direito à vida, do direito à moradia, do direito (Falha no áudio.) ... do direito à alimentação, já que os direitos humanos são indivisíveis, interdependentes e são destinados a todas as pessoas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu que agradeço, Sr. Darci Frigo, pelo seu pronunciamento.
E eu, de imediato, concedo a palavra ao Sr. Paulo Sergio Aguiar, Diretor Presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa).
Seu tempo é de dez minutos, Sr. Paulo.
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O SR. PAULO SERGIO AGUIAR (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos.
Em nome do Senador Carlos Fávaro e do Senador Jean Paul, cumprimento todos os Senadores e outros presentes.
Senhoras e senhores, estamos aqui para discutir o PL nº 827, de 2020, e verificar as suas aplicabilidade e fragilidades e a necessidade da sua aprovação.
Primeiramente, eu gostaria de deixar claro que, em nosso ordenamento jurídico, já temos vários dispositivos que resguardam a segurança, os procedimentos para que as ações de reintegração de posse coletiva sejam cumpridas, seguindo todos os requisitos de controle. O Judiciário já tem um arcabouço de leis à sua disposição e pode aplicá-las da forma mais justa, em especial do art. 554 ao art. 568 do CPC, além de outros dispositivos e leis.
Como exemplo, temos a audiência de mediação, onde temos a presença das partes, do juiz, do Ministério Público e, em determinados casos, da Defensoria Pública, para fazer a representação e a mediação entre as partes.
Nesses momentos de pandemia, com certeza, o juiz vai usar dessa ferramenta para poder verificar os possíveis desdobramentos de um cumprimento de sentença de despejo.
Segundo, a matéria já foi tema de decisão no STF, que, conforme decisão do Ministro Barroso, determinou a suspensão do cumprimento de sentenças de reintegração de posse por seis meses.
Assim, acredito que esta Casa, o Senado, não precisaria aprovar uma lei nesse sentido, sendo que o Judiciário já se posicionou nesta matéria.
Devemos entender que, no Judiciário, serão interpretados caso a caso, evitando problemas que possam advir de pessoas mal-intencionadas ou até mesmo criminosos, que podem se aproveitar de uma legislação para terem benefícios próprios.
A insegurança jurídica provocada por esta lei pode ter consequências desastrosas. Por exemplo, dar um ano após o final do estado de calamidade é inaceitável. Isso é constranger o proprietário, que, muitas vezes, depende dos aluguéis, da propriedade e dos arrendamentos, pois não temos a data em que esta pandemia será encerrada.
Podemos ter bandos de baderneiros invadindo propriedades rurais, destruindo as plantações. E, como está proposto no projeto de lei, o proprietário não poderá nem mesmo proteger sua propriedade. Ou seja, não pode usar a autotutela da posse, ele mesmo fazer a defesa da sua propriedade. Podemos ter barracões de empresa sendo invadidas nas cidades por pessoas de má índole, e esses empresários serem tolhidos no seu direito de comércio, porque o local de sua empresa está invadido, e eles não poderão nem mesmo contar com a Justiça para estabelecer seu negócio.
Isso poderá, a curto prazo, gerar desemprego e, a longo prazo, desestabilizar negócios, o que, no final, gerará mais desemprego. Ou seja, em vez de protegermos pessoas vulneráveis, poderemos estar criando mais vulneráveis para o Estado tutelar.
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Entendemos que pessoas vulneráveis neste momento têm que ser tuteladas pelo Estado, para que não sofram mais do que já estão sofrendo, mas isso tem que ser visto caso a caso, protegendo os que realmente estão em situação de vulnerabilidade, mas defendendo bem o Estado de Direito e protegendo também o cidadão de bem que está desenvolvendo seu trabalho honestamente e pode ser atacado por desordeiros e criminosos, usando-se desta lei, se ela for aprovada como está.
O homem do campo já tem pouco ou quase nada de segurança pública, tendo sempre que se defender por conta própria de pessoas mal intencionadas. Agora, imagine se nem isso ele pode fazer, se não, transgredirá esta lei. Pergunto aos senhores: o que restará?
Assim, entendo que cabe ao Judiciário analisar caso a caso, como já o fez o Ministro Barroso, olhando os fatos e as provas e determinando a medida mais certa para proteger os cidadãos brasileiros.
Lembremos que as medidas de reintegração de posse têm prazo para serem propostas e, se esses prazos extrapolarem, há consequências graves para os proprietários. E mais, se as pessoas têm direito a moradia adequada, como o termo que podemos observar na Constituição, isso é uma obrigação do Estado, que tem que fazer o seu papel, mas não pode transferir essa obrigação ao cidadão que também tem seu direito de propriedade protegido pela Constituição.
Não estamos aqui querendo, neste momento difícil, deixar pessoas à mercê da própria sorte, mas sim posicionar que a obrigação por moradia adequada é do Estado. E se ele, até o momento, não o fez, não pode simplesmente jogar essa obrigação nas costas do cidadão brasileiro.
Muitas pessoas aposentadas têm seu sustento alicerçado em aluguéis ou arrendamentos; depois de uma vida toda de trabalho conseguiu comprar um imóvel para manter seu poder aquisitivo e fazer frente a todos os tratamentos e medicamentos de que necessita, além de uma vida confortável, e pode ser jogado numa situação de fragilidade.
Por isso, entendo que uma interpretação caso a caso é muito mais justa do que a generalização. E isso o Judiciário tem, no arcabouço legal, a possibilidade de fazer.
Por esse motivo, não acreditamos que essa lei venha para ajudar, neste momento, mas sim para criar insegurança jurídica a todos os cidadãos de bem, que lutaram para construir alguma coisa e podem ver seus bens invadidos por pessoas mal-intencionadas, que irão olhar as brechas desta lei e se valer delas para fazer o mal.
Acreditamos que a matéria já foi tratada pelo Judiciário e o mesmo irá analisar caso a caso, vendo onde realmente as pessoas estão vulneráveis, e precisarão ser tuteladas, e onde há pessoas que querem se aproveitar neste momento da pandemia para colher benefícios a si próprias, transgredindo a lei.
Esse é o meu posicionamento.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Sr. Paulo Sergio Aguiar, Diretor da Associação dos Produtores, Diretor Presidente da Associação dos Produtores de Algodão do Estado de Mato Grosso (Ampa).
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Eu já, de imediato, concedo a palavra para ao Sr. Julio José Araujo Junior, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.
Sua palavra é por dez minutos.
O SR. JULIO JOSÉ ARAUJO JUNIOR (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Carlos Fávaro, Senador Relator Jean Paul. Cumprimento todos os Senadores e Senadoras.
Falo aqui em nome da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, mais especificamente do grupo de trabalho que eu coordeno e em que acompanho os conflitos fundiários pelo Brasil inteiro. Agradeço pela oportunidade de a gente discutir um tema tão importante nesse contexto de pandemia, em que a gente tem a oportunidade de o Senado reafirmar o seu papel tão importante na mitigação e no combate aos efeitos da pandemia. Embora seja um tema tão relevante, o projeto de lei em si trata de aspectos muitos específicos, de questões muito pontuais, de caráter transitório.
Nós, na PFDC, temos acompanhado a realidade dos conflitos, os impactos da pandemia e na esteira de iniciativas no mundo todo, de vários países, temos provocado os órgãos jurisdicionais, o Conselho Nacional de Justiça, os tribunais, para que olhem com atenção esse tema, enfrentem com tranquilidade, com serenidade uma realidade muito específica e momentânea. Eu acho que a gente tem que ter em mente aqui, ao discutir esse projeto de lei, o fato de que a realidade que a gente está discutindo é um recorte muito específico e muito momentâneo. É fundamental que a gente descontamine esse debate, que a gente não entre em discussões, em grandes discussões, em grandes debates, em reflexões sobre a realidade fundiária do País ou sobre temas que muitas vezes opõem diversos interesses. O que está em jogo aqui são questões procedimentais. Nós não vamos revogar a Constituição, não vamos revocar o Código de Processo Civil, não vamos revogar o Código Civil. O projeto de lei aprovado na Câmara não afasta o caráter fundamental do direito de propriedade, assim como ele também não afasta a importância de a gente ter em mente o direito à vida na análise de certas realidades e principalmente no caráter humanitário que a gente deve conferir a esse debate. O que está em jogo aqui é a gente olhar para procedimentos, situações dadas, situações que se referem a um período anterior a março de 2020 e garantir uma suspensão que tenha um recorte muito delimitado até o final do ano.
Eu acho que a gente tem que discutir esse tema nesses termos. É fundamental que a gente olhe para essa especificidade. É o debate que vem sendo realizado no Judiciário, no Supremo, mas também nos tribunais, nos diversos órgãos administrativos. Ninguém vai revogar a decisão judicial, ninguém vai afastar direito de propriedade, ninguém vai afastar, inclusive, a persecução e a necessidade de combate a crimes. A lei não combate crimes, ela não afasta a punição e a responsabilidade penal por diversos ilícitos que venham a ser praticados. A lei não afasta a autotutela, o desforço imediato, porque ela está tratando de uma realidade que já está consolidada desde antes de março de 2020. Essa observação é fundamental para a gente ter a tranquilidade de baixar a temperatura e olhar para esse tema juridicamente, com muita serenidade.
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O projeto que a Câmara aprovou já tem essa carga de serenidade, de um olhar tranquilo para uma situação, uma fotografia muito específica, que não vai perdurar. Ela tem esse olhar, e isso garante a segurança jurídica. Ao contrário do que se pode imaginar, o que se está garantindo é uma estabilidade dentro da lógica humanitária de proteção ao direito à vida em que se adiam, momentaneamente, situações e decisões que já foram proferidas, medidas que já são indicadas, mas que, por um determinado período, deixam de ser cumpridas porque estamos num esforço muito importante de combate à pandemia. É um tema extremamente relevante.
O direito à saúde vem sendo objeto de várias decisões do Legislativo e de intervenções do Judiciário. E é este olhar que a gente está colocando: um olhar que não é uma garantia apenas para as pessoas que, eventualmente, estão ocupando determinadas terras e imóveis, é um olhar que garante a proteção a todo o entorno, a todas as pessoas que são impactadas: forças de segurança, pessoas que vão cumprir determinadas decisões, oficiais de justiça. Existe todo um cenário, todo um aparato que é protegido dentro da lógica do direito sagrado à vida. É um direito que é importante também, assim como o direito à propriedade.
Então, dentro de uma lógica de interpretação da Constituição, o que nós estamos fazendo é uma compatibilização de direitos em que se protege o direito à propriedade, mas se olha com carinho para a vida das pessoas, não apenas aquelas que estão ocupando determinado espaço, mas também para todas aquelas que vão ter que agir para, eventualmente, retirar essas pessoas desses lugares. Temos vários exemplos, no Brasil inteiro, de órgãos e de forças de segurança que se preocupam com o seu efetivo, com a realidade e com as condições de saúde a que eles estarão submetidos diante de intervenções desse tipo.
Então, descontaminando o debate, a gente tem a tranquilidade de olhar para os efeitos singelos e bem delimitados que esse projeto de lei, aprovado na Câmara, aponta.
Existe um outro aspecto fundamental: a necessidade de interpretação desse projeto de lei e da lei, eventualmente aprovada, à luz do Código de Processo Civil, que já prevê mecanismos de diálogo institucional, de mediação, de participação do Ministério Público e da Defensoria, de atuação do Judiciário para analisar os conflitos. Não existe nenhuma novidade em relação a isso. A lei dialoga, o projeto de lei dialoga com aquilo que está já no Código de Processo Civil e que pode tranquilamente favorecer a análise de caso a caso no momento em que as condições que ensejaram essa suspensão, no caso, a pandemia, cessarem.
Eu gostaria também de falar um pouco de um tema, que muitas vezes gera discussão, que é a questão das locações. O Senado também já enfrentou essa questão em outro momento, no ano passado, e o projeto de lei aqui discute uma realidade muito específica: o despejo liminar de pessoas em situação de vulnerabilidade.
É um diálogo que se promove com a realidade de pessoas em determinadas condições. Não se trata do rito normal do despejo, mas o despejo liminar sem contraditório relacionado a imóveis residenciais, cujo aluguel vai até R$600, ou não residenciais, até R$1,2 mil. A gente percebe que o que está em jogo ali é o direito à vida, e há a necessidade de a gente, num contexto de pandemia, reafirmar esse papel e esse debate. Não está em questão favorecer, estimular determinados comportamentos. Tudo aquilo que se deu após março de 2020, por exemplo, deve ser coibido, e o Judiciário pode tranquilamente intervir. Experiências em outros Estados: o Rio de Janeiro, o Pará e o Amazonas aprovaram leis nesse sentido. Isso tem gerado bons efeitos na realidade dos procedimentos, na suspensão de procedimentos, para a gente pensar que não se trata, não existe essa lógica de prêmio, de premiação, e, sim, um olhar sereno, tranquilo para esses conflitos para dizer que nós devemos aguardar o momento certo para cumprir certas decisões.
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O Supremo Tribunal Federal vem analisando várias questões à luz do direito à saúde. Inclusive, ao apreciar a legislação do Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 9.020, o Supremo Tribunal Federal referendou essa lógica de que o direito à saúde, no caso, com a sua ligação intrínseca ao direito à vida das pessoas, orienta que nós possamos olhar o adiamento, a postergação de cumprimento de determinadas decisões com fim legítimo. E é isso que faz com que nós tenhamos a esperança de que o Senado reafirme esse papel, porque, na linha do que já foi aprovado pela Câmara e olhando para a urgência dessa realidade, é um tema urgente, um tema que impacta diretamente a vida das pessoas a todo instante, que, integralmente, chancele e corrobore a lógica desse projeto de lei para que a gente consiga enfrentar essas realidades e superar a pandemia, evitar contaminações, evitar aglomeração, tanto para aqueles que estão nos imóveis como para todos aqueles que se envolvem no cumprimento dessas decisões.
É essa a perspectiva que nós, pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, pelo grupo de trabalho que cuida dos conflitos fundiários, gostaríamos de trazer aqui para o Senado Federal, tirando qualquer carga ideológica que possa contaminar esse debate para que a gente possa, finalmente, avançar mais uma vez, como o Senado já avançou quando analisou a Lei nº 14.010.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu que agradeço ao nosso Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Julio José Araujo Junior, pelo seu posicionamento.
E já concedo a palavra ao Sr. Andrey Vilas Boas de Freitas, Subsecretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia.
O senhor tem a palavra por dez minutos.
O SR. ANDREY VILAS BOAS DE FREITAS (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador Carlos Fávaro. Meus cumprimentos ao senhor e, na pessoa do senhor, a todos os Senadores e Senadoras que participam desta audiência. Eu queria agradecer o convite para participar desse debate. Acho que é um debate extremamente importante para o momento que nós estamos vivendo.
Eu vou tentar ser bem objetivo e tentar não repetir argumentos que já foram apresentados aqui anteriormente. Nós, do Ministério da Economia, analisamos o projeto de lei que está sendo debatido. Nós entendemos que existem algumas questões que podem conduzir a efeitos contrários do que o projeto, originalmente, propõe. Vou tratar desses pontos especificamente.
Primeiramente, eu acho que é importante lembrar que, no contrato de locação, você tem dois lados: ainda que seja muito meritória a ideia de você tentar criar mecanismos de proteção para o lado que está sofrendo com a pandemia e que é incapaz de honrar com o compromisso assumido no contrato, de pagar o aluguel, do outro lado, ainda mais em imóveis que são recortados no âmbito do projeto, de um valor de aluguel mais baixo, existe uma série de famílias que colocaram suas economias nesse tipo de ativo para gerar uma renda que as ajuda a manter todas as suas despesas. São famílias que provavelmente já vêm enfrentando muitas dificuldades, porque também estão sujeitas à perda de outras rendas decorrentes de empregos e de inadimplência anterior que possam possuir.
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Então, existe, sim, uma necessidade de se criar mecanismos de proteção em função da pandemia, mas não se pode esquecer que do outro lado desses contratos também existem famílias que dependem dessa renda. A suspensão proposta pelo projeto pode colocar em risco um fluxo de recursos para essas famílias, que pode levar a duas consequências: primeiro, elas realmente se colocarem numa situação de também precisarem de maior auxílio; segundo, elas serem obrigadas a se desfazer dos imóveis para poder honrar seus compromissos. Elas vão ter que se desfazer dos imóveis numa situação, se o projeto for aprovado, em que o imóvel vai estar claramente desvalorizado, ele vai ser um imóvel com inadimplente ocupando e que não pode ser retirado, pelo menos, até o final do ano. Então, esse é um grave risco. Então, esse é o primeiro problema.
O segundo problema que eu acho que me parece bastante evidente é que existe um grave risco de esse projeto reduzir o número de imóveis disponíveis para locação. A aprovação do projeto pode fazer com que proprietários que hoje têm imóveis, entre uma locação e outra, simplesmente decidam não locar seus imóveis porque eles não querem sujeitar os seus imóveis ao risco de ficarem inadimplentes e não poderem retirar o ocupante inadimplente. Então, isso pode, de verdade, reduzir o número de imóveis possíveis de locação.
E é um comportamento normal de qualquer pessoa, quando ela se vê frente a uma situação de risco, colocar um bem que ela possui à disposição de uma comercialização, elevar o valor desse bem em função do risco. Então, além de você correr o risco de reduzir o número de imóveis disponíveis para locação, você corre um sério risco de, numa próxima locação, o valor dos aluguéis ser maior, justamente para tentar de alguma maneira compensar o risco de, em caso de inadimplência e de não ser possível retirar o inadimplente, poder já fazer frente a uma certa compensação antecipada. Então, pode ser que, justamente em decorrência do projeto, você estimule uma situação, ainda durante a pandemia e no momento logo posterior à pandemia, mais difícil para as famílias que precisam locar imóveis justamente nessa faixa de valor.
Para além disso, parece-me que, quando a gente está discutindo questões de princípios constitucionais, para além dos princípios já mencionados aqui de direito à propriedade e de direito à vida, o projeto suspende um direito fundamental, que também é garantido na Constituição, que é o acesso à Justiça. Na verdade, ao suspender o direito de um proprietário de um imóvel de recorrer à Justiça para sanar o litígio, você está criando aí uma barreira ao acesso desse proprietário a um direito constitucional que lhe é devido.
Mas a ideia toda de funcionamento do Judiciário é justamente pacificação de conflitos. O operador que me precedeu mencionou isso muito bem. O Judiciário já dispõe de uma série de mecanismos de mediação que podem servir de mecanismos para tentar a construção de vários acordos. Se você retira esse elemento da equação, se você simplesmente suspende e o Judiciário deixa de ser a solução, você pode estar estimulando a solução por outros mecanismos que não são os mais adequados e que podem levar a situações que foram mencionadas pelo Secretário Nabhan na fala dele.
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Preocupa-me muito que a gente deixe contar com o Judiciário, e o período não é pequeno. Parece próximo 31 de dezembro, mas o dia a dia das famílias, de pagar contas, de trazer comida para casa, faz com que sete meses sejam uma situação bem grave.
E, vejam, até 31 de dezembro é suspensão. Se você considerar que entre o final do ano e o começo do ano você tem um recesso do Judiciário, essa suspensão vai se estender naturalmente até fevereiro. O que faz com que só a partir daí você volte a ter uma negociação sobre esses casos. Não é desprezível o período, principalmente para quem está deixando de receber recursos e para quem está se vendo numa situação de ver seu imóvel ocupado indevidamente.
Por último, eu acho muito importante, de verdade muito importante, que a gente pense em questões que possam tratar das situações difíceis que a gente vem enfrentando nesse um ano e meio. O Ministério da Economia tem participado de inúmeras discussões nos mais diferentes setores de modo a tentar contribuir com esse debate, mas eu acho que a solução proposta pelo projeto não vai ao cerne da questão.
Se nós temos questões de natureza... E desculpa, mas não dá para tratar desse tema como sugerido anteriormente por algumas falas, desconectando-o de todo um contexto em que ele está inserido. A discussão desse tema está inserida num contexto maior, em questões de regularização fundiária, em questões de reforma agrária, em questões de respeito à propriedade privada, seja ela urbana ou rural.
Não dá para tratar como se estivesse tendo uma bolha separada de toda essa discussão e de todo esse histórico presente no Brasil. A gente deve tratar dessas questões de fundo e deve tratar com a devida urgência que elas merecem, mas não me parece que o projeto endereça essa discussão da maneira adequada.
Parece-me que ele cria um paliativo e cria um paliativo com efeitos ruins, com efeitos negativos, com efeitos que vão agravar a situação posteriormente em vez de tentar solucionar. A gente não pode precipitar uma solução de curto prazo e esquecer que o efeito dela a longo prazo pode ser uma pior a da situação em geral.
Então, eu acho que é isso que eu tenho a dizer no momento, Senador. E me coloco à disposição para quaisquer outras perguntas ou comentários que se façam necessários.
Muito obrigado novamente pela possibilidade de participar do debate e bom dia a todos.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu que agradeço, Sr. Andrey Vilas Boas de Freitas, Subsecretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia.
Já passo a palavra à Sra. Moira Regina de Toledo Bossolani, advogada e diretora executiva da Vice-Presidência do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais (Secovi-SP).
A senhora tem a palavra por dez minutos.
A SRA. MOIRA REGINA DE TOLEDO BOSSOLANI (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senador.
Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer ao Presidente do Senado, Senador Rodrigo Pacheco, primeiro, por retirar o PL 827 da pauta na terça-feira e nos permitir este momento tão oportuno, inclusive por sua iniciativa, Senador Carlos Fávaro, que propôs em conjunto com outros Senadores a realização deste debate.
Momentos como este, em que a sociedade é instada para discutir ativamente, com uma escuta aberta, do jeito que a gente tem feito aqui nesta manhã de hoje, são importantíssimos para a construção de soluções para problemas tão complexos como aqueles que estão sendo discutidos aqui hoje.
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Também queria parabenizar o Senador Jean Paul Prates pelo trabalho como Relator do projeto, pela preocupação que está sendo colocada.
E de fato aí eu queria fazer uma introdução à minha fala, para dizer que nós estamos extremamente alinhados em termos de preocupações e propósitos. O Secovi está mais do que nunca extremamente compromissado com a questão da habitação, do morar e engajado a viabilizar uma cidade cada vez mais inclusiva e que não afaste para suas franjas as pessoas mais vulneráveis. A diversidade tem que estar presente, a questão da cidade está na nossa pauta, e a qualidade de vida de quem mais precisa também está. E os SECOVIs do Brasil também.
Falando pelos SECOVIs do Brasil - a gente tem uma série de situações que são delicadas e distintas. O Brasil é um grande País, que tem situações específicas em cada Estado -, olha-se para isso, conhecem-se as especificidades dessas questões estaduais e trata-se do déficit habitacional há bastante tempo, inclusive no sentido de fomentar o mercado de locações.
Então, na questão da justificativa em relação ao elemento com a preocupação da moradia, dos mais vulneráveis, em tempos de pandemia, do fique em casa - e agora, mais do que nunca, a moradia ganhou uma outra dimensão -, nós certamente temos esse mesmo olhar, a gente tem essa preocupação. O nosso ponto é que a gente tem que fazer isso da forma certa, da forma correta, para não impactar negativamente um mercado pujante, que é o mercado de locação, e que está resolvendo o problema do déficit habitacional.
Foi muito interessante a fala do Sr. Andrey Vilas Boas, que me antecedeu, porque ele teve esse olhar para problemas que de fato existem no mercado. Quem conhece o mercado de locação com profundidade sabe que 75% - esse é o número de São Paulo, mas a gente fez uma pesquisa também em nível nacional - dos locadores que investem nessas pequenas locações dependem da renda desse imóvel para garantir a sua própria subsistência. Então, quando a gente retira dessas pessoas o direito de propriedade, porque esses imóveis foram invadidos - o que ainda é pior, porque imagina uma invasão coletiva dentro dum centro urbano, onde a pessoa não consiga nem colocar isso à locação -, ou quando a gente tira também a questão de poder exercer a situação do despejo diante da falta de pagamento, a suspensão das ações de despejo, a gente está comprometendo essa renda da qual eles dependem.
E, note-se, é um trabalho de formiguinha. Foram essas pessoas que acreditaram no investimento nesse setor e que estão ajudando o País a resolver o grave problema do déficit de moradia. Então essas pessoas têm que ser incentivadas a continuar com esse tipo de investimento, porque há de fato um problema sistêmico aí.
Aliás, essa questão do problema sistêmico é interessante, porque ela consta inclusive da decisão da medida cautelar, que foi aqui falada inúmeras vezes, a ADPF 828, pelo Ministro Barroso, em que ele diz lá que nas locações nós não devemos intervir, não devemos suspender os despejos decorrentes das locações, porque ali nós traríamos um problema sistêmico para esse mercado, que é um mercado importante. Ele influencia não só diretamente na locação, que é nesse ponto da solução do déficit de moradia, mas ele influencia também na empregabilidade, porque muitas outras unidades são construídas para essa finalidade, e a gente precisa incentivar isso cada vez mais.
A gente sabe que a moradia não depende da propriedade; a moradia depende de haver um bom imóvel para se morar. E é nessa construção que a gente pretende caminhar, auxiliar e sempre ajudar naquilo que for possível e necessário. É um compromisso nosso trabalhar com isso.
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A gente tem 12 milhões de moradias alugadas, e elas resolvem, certamente, uma grande parte desse problema que a gente precisa atacar. Nesse sentido, a gente precisa pensar em soluções que não estejam só nessa bolha. É como foi colocado: uma solução desconexa da realidade, do contexto todo, não está dentro de uma bolha; ela acaba impactando as soluções de futuro, aquilo que a gente pode construir para o futuro, porque a gente desincentiva o investimento nesse setor específico tão importante e o investimento nesse particular exato.
O que protege o locatário de verdade é a oferta. A gente viu, inclusive, isso acontecendo no mercado nos últimos meses, nos últimos meses, nos últimos anos, quando o mercado ofertado fez com que os locatários pudessem escolher os imóveis que queriam ocupar, quando os locadores fizeram investimentos para que esses locatários viessem a ocupar esses imóveis. No ano passado, pós-pandemia, houve muitos locadores. Nós fizemos um sem-número de acordos. O volume de acordos que foram celebrados durante a pandemia para a redução de aluguel, para a não desocupação de imóveis, para que não fossem feitos despejos foi enorme.
Quando a gente olha o número de despejos, de ações de despejo distribuídas, que é um número que apareceu e que aparece aqui logo na justificativa do PL, a gente tem que pensar que aquilo também é um meio para se estimular a celebração de acordos. Aliás, o mercado de locação é extremamente maduro, ele trabalha muito na celebração de acordos, tanto na fase extrajudicial, pré-processual, quanto depois do processo. São poucas as ações de despejo decorrentes da falta de pagamento, aquelas decorrentes da locação, que chegam ao seu final com um despejo coercitivo. Na grande maioria, na grande e esmagadora maioria, são feitos acordos ali naquele momento também. Então, a gente tem que ter esse olhar.
O mecanismo de despejo incentiva essa ação, esse processo todo da realização dos acordos. Quando a gente tira o despejo, muito provavelmente a gente incentiva a inadimplência. Aliás, isso aconteceu. A gente trouxe aqui - isso também foi lembrado - o trabalho maravilhoso que esta Casa fez em relação ao PL do Antonio Anastasia, o 1.179, que depois se transformou na RJET, que a gente a apelidou de RJET, mas é o regime jurídico temporário, para atuar nas relações privadas. Eu não sei se os senhores se lembram, mas o texto original daquele projeto também pretendia suspender os despejos como um todo e impactar nos aluguéis, inclusive concedendo uma espécie de moratória que seria deliberada e que, depois, o locatário teria 30 meses para pagar, sem olhar para o caso concreto e sem olhar para a realidade desse locador. Aquilo, naquele primeiro momento, fez com que a inadimplência desse um salto. Nós vimos a inadimplência quase dobrando ali naquele primeiro momento. Depois, quando se fez a necessária correção e esta Casa apenas interveio nas limitares, mantendo todo o curso do restante, a inadimplência voltou a patamares baixos, mais do que isso, nós vimos - isso está na imprensa - o volume de acordos monstruoso que se fez nesse período, que está sendo feito nesse período, para atacar esse determinado tema. Porque o que o locador mais quer é um imóvel bem ocupado, um locatário que pague direito. Ele não quer, agora, ficar sem a renda. Ele está disposto a dar o desconto para manter essa renda. Então, a gente tem que olhar isso nessa situação um pouco mais estruturante.
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E queria lembrar também aqui um exemplo: às vezes, as soluções que são feitas em outros países, a importação de soluções jurídicas de outros países, não são boas para nós, porque nós temos as nossas próprias realidades, mas aprender com o que aconteceu lá fora também cabe.
E a gente tem o exemplo de Berlim. Lá, o Estado interveio especificamente no mercado de locação, que é extremamente sensível, e a gente viu uma redução bruta da oferta em termos de 77% dos imóveis disponíveis, o que causou um caos social, filas de mais de 200 pessoas pretendentes, locatários pretendentes, a um único imóvel.
Assim, foi, de fato, um momento bem difícil, e agora a Corte alemã decretou a inconstitucionalidade daquela medida, porque, de fato, aquilo impactou muito negativamente o mercado, enfim, e há uma série de questões lá que precisam ser pensadas.
O que a gente tem é um mercado de locação maduro, que sabe se comportar, que tem trabalhado arduamente nesses acordos. Uma relação de locação é feita para durar, e relações que são feitas para durar não podem ter injustiças e impactos externos que possam trazer questões de desestabilidade, assim, nesse sentido.
E, aí, pequenas correções necessárias no texto a gente precisa fazer, porque o Senador Jean Paul Prates, por exemplo, fala, "olha, na questão do comercial, além da limitação dos 600 e dos 1,2 mil, a gente também tem a questão da suspensão da atividade", só que a suspensão da atividade está relacionada só ao art. 5º, e não ao art. 4º. Então, ali também precisa de uma série de correções.
E a limitação temporal também se faz muito necessária. Embora em várias partes do texto se fala até 31 de dezembro, há partes que tratam de um ano após a cessação da pandemia, e a gente sabe que a gente não sabe precisar essa data de um ano após a pandemia, o que pode trazer confusões interpretativas.
O que a gente não pode é trazer insegurança jurídica por confusões interpretativas. A gente precisa clarear este texto, trabalhar na técnica dele e talvez para isso emendas se façam necessárias. Esse é o nosso ponto.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado. Muito esclarecedores os seus posicionamentos, Sra. Moira Regina, do Secovi-SP
E eu já concedo a palavra à Sra. Julia Bittencourt Afflalo, consultora jurídica e advogada especialista em agronegócio.
Por dez minutos, Julia.
A SRA. JULIA BITTENCOURT AFFLALO (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Sr. Presidente. É difícil mesmo o meu sobrenome, é comum que as pessoas tenham certa dificuldade.
Eu gostaria de cumprimentar o Senador Relator Jean Paul Prates, as demais Senadoras, os demais Senadores que estão presentes, os demais debatedores.
Bom, eu vou trazer aqui alguns pontos, principalmente em relação ao setor produtivo, que é onde eu atuo.
Primeiro, eu queria agradecer a oportunidade do debate nesta Casa, que, inclusive, é a Casa adequada para a gente debater esse assunto, e legítima, no caso, assim como a Câmara dos Deputados, que a gente espera que faça esse debate após algumas alterações feitas pelo Senado nesse projeto. Debate esse, inclusive, que não é feito, não é possível de ser feito no âmbito do Poder Judiciário, especificamente na ADPF 828, tão mencionada hoje, na decisão liminar proferida na 828. É de se destacar que a ação saiu ontem no Plenário virtual.
Nesse sentido, faz-se importante o debate desse assunto, que se tem mostrado bastante grave principalmente no âmbito rural.
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Foi trazida aqui a preocupação da mitigação dos efeitos da pandemia. E realmente o Congresso Nacional, desde o ano passado, tem editado normas nesse sentido, a fim de mitigar esses efeitos. Mas a gente deve se atentar e evitar que se aprovem projetos que tragam efeitos negativos preocupantes e que, nesse caso, chega a tolerar a invasão de propriedade e o esbulho possessório.
Nesse sentido, acho que um ponto bastante polêmico é a própria suspensão da autotutela da posse, que retira um direito básico de legítima defesa da sua propriedade, da sua posse, e chega a ser, a meu ver, desarrazoado.
Dito isso, eu gostaria de esclarecer que a gente tem que entender, principalmente sob a ótica aqui que eu trago, que a dinâmica rural é bem diferente da dinâmica urbana, e assim ela não é tratada no projeto; ambas são trazidas da mesma forma, as suspensões incidem da mesma forma, em qualquer hipótese.
O próprio risco de aglomeração, como foi dito anteriormente por alguns debatedores, o risco de não se ter acesso a condições sanitárias de higiene, em razão de retirada forçada de imóveis, esse risco, de igual maneira, não é igual no urbano e no rural. No rural, a gente não tem efetivamente esse perigo tão acentuado.
Eu queria trazer alguns pontos específicos do projeto e também alguns pontos já falados anteriormente.
É importante a gente entender que o projeto, apesar da preocupação que se colocou de proteção das pessoas que seriam desalojadas, se o projeto não fosse aprovado, não distingue qualquer situação. Então, a suspensão de qualquer medida judicial ou extrajudicial - a meu ver, a suspensão judicial se mostra um pouco mais grave -, em qualquer imóvel, em qualquer situação. O próprio Senador Jean Paul Prates mencionou, em sua fala, que é independentemente do motivo da ocupação.
Com todo o devido respeito ao Senador Relator, não me parece muito efetivo ou razoável que um projeto se aplique dessa forma, de forma irrestrita, abarcando, inclusive, situações, como trouxe o Secretário Nabhan, de invasão de propriedade, de ação de grupos criminosos, grupos armados.
A gente sabe que existem Estados da Federação em que essa situação é gravíssima. Rondônia... Tem sido noticiada amplamente a situação crítica de Rondônia, generalizada, de invasão de propriedade. Então, acho que são medidas que devem ser consideradas.
Ponto específico também do projeto é que há suspensão de liminar ou sentença. Eu não sei se os senhores já tiveram o infortúnio de enfrentar um processo possessório no Poder Judiciário, uma ação possessória, mas aqueles que já tiveram ou que têm alguma familiaridade com a matéria sabem a demora dessas ações. São ações que, às vezes, tramitam por décadas e que têm uma produção probatória absurda de testemunha, de documento, de elaboração de perícia. E há, além da suspensão de qualquer medida nesses processos, a suspensão do próprio processo, o que me parece incongruente, já que, se não há, pela suspensão imposta, nenhum risco de retirada, não há lógica ou justificativa para a suspensão desses processos que já perduram por décadas, por anos, por muito tempo. Essa suspensão, inclusive...
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Tem-se falado muito sobre o marco temporal e tem-se mitigado a gravidade do efeito no projeto em razão desse marco temporal, mas a gente tem observado que o fim efetivo da pandemia não se tem mostrado muito próximo ou muito fácil de se identificar. Para a pandemia, talvez a gente consiga identificar um fim. E seus efeitos? Talvez isso perdure por muito tempo. A renovação das medidas pelo próprio Congresso Nacional é uma prova disto: de que as medidas excepcionais, apesar de terem marco temporal e data para começarem e para terminarem, têm sido renovadas, porque as questões têm-se perpetuado, os efeitos da pandemia têm-se perpetuado. Mas, novamente, não se podem utilizar os efeitos da pandemia para a aprovação de coisas que efetivamente não se mostram razoáveis e que, a meu ver, se mostram, na realidade, perigosas, especialmente no âmbito rural.
Dito isso, em relação ainda ao processo judicial em si e aos efeitos do projeto nesse ponto, mencionou-se também que o projeto não inova, que essas medidas que o projeto traz já são medidas trazidas no CPC e que não há nenhum prejuízo nesse sentido.
Eu queria dizer em relação, primeiro, à obrigatoriedade que o projeto impõe de realização de audiência de mediação entre as partes. Após todo o período de suspensão do processo judicial, que, em tese, será até 31 de dezembro se não houver, na visão do Congresso, uma necessidade de renovação, após toda essa suspensão, será obrigatória uma designação de audiência de mediação entre as partes. Vejam, é importante destacar que, nesses processos... Quem já participou de processos ou já atuou nesse sentido sabe que os conflitos são bem acalorados, os conflitos possessórios. Então, vai haver obrigatoriedade de uma designação de audiência de mediação entre as partes. Vale destacar que a mediação, ao contrário da conciliação, exige um terceiro, exige um mediador, cadastrado no juízo, que, muitas vezes, as comarcas não possuem - elas não possuem estrutura organizacional para a realização de tal audiência, especialmente as comarcas mais longes e, particularmente, em se tratando de conflitos rurais.
Pior parte desse dispositivo: o mesmo dispositivo que traz a obrigatoriedade de mediação prevê também a obrigatoriedade de inspeção judicial nas áreas de conflito.
O CPC traz, efetivamente, a possibilidade de inspeção judicial, isto é, para fazer essa inspeção judicial, o juiz vai pessoalmente à área que está em conflito, àquele imóvel. No caso, estou falando de imóvel rural. O juiz vai pessoalmente ao imóvel rural verificar a área em conflito. Qual é a viabilidade de isso ser feito no Brasil inteiro, em comarcas que não têm ou que, às vezes, têm um juiz que trata de todos os temas, de juízo único? Qual é a viabilidade nesse ponto? Acredito que nenhuma.
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Bom, já estou me encaminhando para o final, Sr. Presidente.
Sobre a questão que foi trazida a respeito da autotutela da posse, que não haveria, na prática, um efeito concreto, em razão novamente do marco temporal, eu acho que é importante a gente mencionar que um projeto de lei e, eventualmente, a sua aprovação e transformação em lei, além de seus efetivos efeitos aferíveis pelo texto, tem também efeitos políticos e efeitos sociais.
O que causa a expressa previsão da suspensão da autotutela da posse? O que causa isso no campo? A gente sabe, eu já trouxe aqui: a realidade do campo não é igual à realidade da cidade. Não há efetivamente...
Acho importante também - o Senador Jean Paul Prates mencionou - dizer que não vamos resolver um problema de anos, de décadas aqui neste projeto. Realmente, não vamos. Mas o que a gente tem que evitar é o agravamento sério desses conflitos, conflitos agrários generalizados e, em alguns Estados, muito mais graves que em outros. O que a gente tem que evitar, efetivamente, é o agravamento dessa situação e a tolerância da lei para com grupos criminosos que invadem terra, invadem propriedade e causam caos social e fundiário no campo, prejudicando, assim, a meu ver, o País inteiro, já que o campo não parou, em nenhum minuto, nesta pandemia, apesar de o Senador Jean Paul Prates mencionar que está todo mundo, abrem-se aspas, "de altos". O campo não teve "altos". As pessoas não pararam de trabalhar, e a atividade produtiva não parou.
Então, nesse sentido, Sr. Presidente, são essas as preocupações que eu venho trazer aqui, principalmente no âmbito rural. A gente acredita que é importante o debate no Senado, a adequação de alguns pontos, para retornar à Câmara para um adequado debate lá também.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - O.k. Sou eu quem agradeço à Dra. Julia Afflalo. Espero ter acertado agora seu sobrenome. O meu também é de difícil pronúncia, é uma proparoxítona.
Eu agradeço a sua participação e já concedo a palavra também a Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, Bispo da Prelazia de Itacoatiara, no Estado do Amazonas, que, nesta sessão, também se manifesta e debate em nome da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
Dom José, o senhor dispõe de dez minutos.
O SR. DOM JOSÉ IONILTON LISBOA DE OLIVEIRA (Para exposição de convidado.) - O.k. Obrigado, Senador Carlos Fávaro - não sei também se eu acertei.
Saúdo também o Senador Jean Prates e, na pessoa desses dois Senadores, aos demais Senadores e Senadoras e aos que compõem aqui esta sala.
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Eu represento aqui, de fato, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, dos bispos católicos, e falo em nome do Presidente Dom Walmor, que é quem deveria estar aqui, mas, por uma questão de agenda, não foi possível. Então me foi solicitada essa fala em nome da nossa Conferência.
A nossa posição, como Igreja Católica e como CNBB, é favorável à aprovação imediata desse Projeto de Lei 827, de 2020, porque nós estamos vivendo uma situação de pandemia que tem-se mantido. Várias pessoas aqui falaram, inclusive, isto: que ninguém sabe quando termina, e isso é verdade. Portanto, o projeto se faz necessário e deve ser aprovado, na nossa avaliação, como CNBB, de imediato, pelo Senado, para não ter essa necessidade de voltar à Câmara para depois voltar de novo para o Senado.
Acho que o projeto é muito claro nos seus artigos, e não preciso aqui elencá-los, porque os senhores e as senhoras, Senadores e Senadoras, são conhecedores, mas quero só dizer que, no art. 2º, fica bem claro que ficam suspensos até 31 de dezembro de 2021 esses atos e decisões judiciais ou extrajudiciais e depois fala que não se impõe a desocupação ou a remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, que sirva de moradia ou que represente área produtiva, pelo trabalho individual ou familiar. Alguém falou aí da produção no campo. Continua, sim, inclusive a dessas famílias que podem sofrer uma ameaça.
Todo ponto de vista é a vista a partir de um ponto, normalmente se diz isso. O ponto de onde a gente parte, como CNBB, para tomar essa posição favorável à aprovação imediata desse projeto de lei, primeiro, é a partir do âmbito da fé. O nosso Deus é o Deus da vida. Jesus Cristo, que, para nós cristãos, de todas as religiões e igrejas cristãs, é o nosso Mestre e Senhor, ele defende a vida: "Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância".
Então, nós vivemos uma situação sanitária grave, e a falta de vacina agrava ainda mais a pandemia. O fato de nós estarmos, depois de quatro meses de vacinação, só com 22% com a primeira dose e 11% com a segunda dose é preocupante sim. Por isso, não há, neste momento, condições de se realizar qualquer despejo de quem está na sua terra, ali na sua casa, ali na sua atividade, como foi dito aqui pelo projeto, de trabalho no campo, individual ou familiar.
Nós, como CNBB, também nos posicionamos a partir da Constituição Federal, aqui também muito citada por alguns que justificam a questão da propriedade privada a partir da Constituição. A gente pode lembrar que a nossa própria Constituição Federal defende também a vida como um dom que a Constituição Federativa do Brasil e os Poderes devem defender. Só para lembrar, o art. 1º diz que o Estado democrático de direito tem como fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Então, despejar alguém nesta época de crise da pandemia seria um atentado à cidadania e um atentado à dignidade das pessoas que serão afetadas.
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No artigo 3º, quando fala dos objetivos da República Federativa do Brasil, no primeiro ponto, diz: "Construir uma sociedade livre, justa e solidária". E depois, no item III desse mesmo art. 3º, fala em "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais". Então, se numa crise dessas a gente joga pessoas e famílias na rua, nós estaremos não erradicando a pobreza, mas fazendo-a crescer e não construindo uma sociedade livre e justa e solidária, como pede a nossa Constituição, mas provocando injustiça e faltando com a solidariedade.
Depois, o art. 5º da nossa Constituição fala que todos são iguais perante a lei. Em seguida, diz que se garante a inviolabilidade do direito à vida. Olha aqui! Então, é cláusula pétrea, como foi falado quanto à questão da propriedade privada, o direito à vida, a inviolabilidade do direito à vida. E a Igreja entende que os despejos, neste momento, ferem essa questão do art. 5º, da inviolabilidade do direito à vida.
No art. 23 da nossa Constituição, falando das competências dos três Poderes Executivos - federal, estadual e municipal -, no inciso X, se diz que os três Poderes "devem combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização". Então, jogar pessoas na rua, por um despejo, é favorecer o aumento da pobreza e favorecer a marginalização.
E no art. 196, para concluir a lembrança aqui da nossa Constituição, esta grande ordem, diria determinação da Constituição: "A saúde é direito de todos e dever do Estado". E depois diz que o Estado deve agir mediante políticas sociais que visem à redução do risco de doenças.
Então, acho que o Projeto de Lei 827, de 2020, o que quer fazer é exatamente isto aqui: ajudar a reduzir o risco de doença e, nesse caso, da pandemia da Covid-19. E para V. Exas., Senadores e Senadoras que irão votar...
(Interrupção do som.)
O SR. DOM JOSÉ IONILTON LISBOA DE OLIVEIRA - ... da nossa Constituição. E o parágrafo único do art. 1º diz: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". E aqui, focando: "por meio de representantes eleitos". V. Exas., Senadores e Senadoras, foram eleitos pelo povo, para representar o povo. É importante que se considere isto na hora dessa votação: pensar no povo, especialmente naquela parcela do povo mais sofrida. E o nosso irmão Darci Frigo, quando falou, representando o Conselho Nacional de Direitos Humanos, lembrou um elenco de situações do nosso povo mais sofrido no Brasil, que vai ser de alguma maneira... E, aí, a questão do despejo afeta e faz crescer ainda mais aqueles dados estatísticos que ele já apresentou.
Por isso eu acho que V. Exas., Senadores e Senadoras, deveriam considerar isso. Fala-se muito de bancadas no Congresso - bancada rural, bancada da Bíblia, essa bancada, aquela bancada, bancada das armas -, e eu acho que a única bancada que tem que existir no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados e no Senado, é a bancada do povo, porque os eleitos e eleitas para a Câmara Federal e para o Senado vão lá para representar os interesses do povo.
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A propriedade privada, bastante lembrada aqui... A gente tem na nossa doutrina social da Igreja a defesa da propriedade privada, porém é dito que a propriedade privada tem uma consequência social. Não pode ser só a propriedade privada em si, ela precisa ter uma dimensão social. É necessário, portanto, que isso seja levado em conta neste contexto sanitário. E foi bem lembrado - e aqui a nossa Igreja e a CNBB também focam bem isso - que o que se está discutindo, neste momento, é a questão da pandemia, é para não se ter agravamento de situações de casos pelos despejos.
No mês de maio, só para dar aqui também um exemplo, enquanto os bispos da Amazônia estávamos reunidos numa assembleia virtual, nós recebíamos naquele momento a notícia de que famílias no assentamento Jacutinga, em Porto Nacional, no Tocantins, estavam sendo despejadas, 30 famílias que estavam há 30 anos naquelas terras. Não era uma invasão, como foi dito aqui, já eram pessoas que viviam ali na terra e foram jogadas na rua.
Temos a situação, no Pará, dos povos indígenas mundurucus, que também sofreram expulsão, que passam por momentos muito difíceis e que precisam, inclusive, de uma atenção especial da Comissão de Direitos Humanos do Senado.
E a nossa posição foi referendada por Dom Walmor no Conselho Nacional de Justiça, no dia 8 de novembro, quando, na reunião do Observatório dos Direitos Humanos no Poder Judiciário, encaminhou, em nome da CNBB, um pedido para que o Conselho Nacional de Justiça propusesse aos órgãos do Poder Judiciário a suspensão de todo mandado de despejo enquanto perdurasse a pandemia. Essa é a posição da nossa Igreja, porque nós queremos vida e respeito para todos os brasileiros e brasileiras.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Dom José. Eu que agradeço. Todos, com toda a certeza, queremos preservar o que há de mais primordial, que é a vida, e sua participação é muito relevante.
Eu já concedo a palavra, então, ao próximo debatedor, Sr. Muni Lourenço Silva Júnior, Vice-Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Amazonas.
O senhor dispõe de dez minutos.
O SR. MUNI LOURENÇO SILVA JÚNIOR (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Exmo. Sr. Senador Carlos Fávaro e Senador Jean Paul, Relator deste projeto de lei.
Saúdo os demais Senadores e Senadoras da República que estão participando desta importante audiência pública virtual. Saúdo igualmente os demais debatedores desta audiência pública e cumprimento todos que estão acompanhando este evento pela internet e pelas redes sociais.
Primeiramente, Senador Fávaro, gostaria aqui de manifestar os nossos agradecimentos, em nome do nosso Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, pelo honroso convite para a nossa participação nesta audiência pública, que oportuniza um debate amplo, profundo e necessário acerca desse Projeto de Lei 827, de 2020, que propõe a suspensão das ordens judiciais, extrajudiciais e administrativas de desocupação e/ou de reintegração de posse até 31 de dezembro de 2021 em decorrência da pandemia de Covid-19. Gostaríamos de, em nome da CNA e, por extensão, dos produtores rurais brasileiros, externar nossa profunda preocupação com esse projeto de lei, que, ao nosso entender, caso aprovado, instalará contexto de enorme insegurança jurídica no campo, vindo, muito certamente, a servir de intensificação de situações de atentado à posse e à propriedade na área rural, promovendo, portanto, um quadro de ampliação de conflitos fundiários.
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Objetivamente, a nosso ver, a eventual aprovação desse projeto de lei pelo Senado da República poderá incentivar a prática intolerável do crime de invasão de propriedade e esbulho. Aliás, tal projeto de lei se mostra ainda mais preocupante diante do recente recrudescimento de invasões de propriedades rurais em algumas unidades da Federação, a partir de atuação de movimentos, grupos e verdadeiras milícias à margem da lei, que, muitas vezes, estão utilizando de grave violência contra o patrimônio e a integridade de produtores e trabalhadores rurais, impondo, inaceitavelmente, um clima de tensão e intranquilidade junto às famílias rurais. Nosso País já dispõe de um sólido arcabouço legal, estabelecendo um sistema jurídico de proteção à propriedade e à posse, sobretudo as previsões constitucionais, que, sem dúvida, são fundamentais no Estado democrático de direito.
A ação de reintegração de posse é uma das ações possessórias previstas nos arts. 560 a 566, presentes no Capítulo III, Seção II, do Código de Processo Civil. Destina-se a quem desejar ser reintegrado na posse, mediante decisão judicial, desde que preenchidos os requisitos legais, entre os direitos fundamentais prescritos pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXII, garantindo o direito de propriedade. Assim, a proteção possessória é o remédio jurídico contra as invasões de imóveis rurais, que atingem o direito constitucional de propriedade e ferem diretamente a posse.
O projeto em questão proíbe até mesmo o produtor rural de defender-se de um esbulho, quando uma situação de ameaça de invasões de propriedade se consuma e/ou turbação, quando indica apenas ameaça de invasão de propriedade, sem ocorrer, todavia, a perda da posse pelo proprietário do imóvel rural.
É importante destacar que este projeto de lei está tramitando sob o argumento da pandemia. E, nessa questão, é relevante mencionar que a realidade das invasões no meio rural é completamente diferente da realidade urbana. Cite-se a justificativa do projeto de lei de cogitação de ocorrência de aglomeração, contrária às recomendações sanitárias da pandemia, em caso de cumprimento de ordem de reintegração, o que não se confirma no contexto da área rural, onde prevalece a baixa densidade populacional, ou seja, os argumentos do projeto de lei, a nosso ver, para o setor urbano como justificativa para a proposição não se aplicam para o campo.
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Portanto, no entender da CNA e dos produtores rurais brasileiros, deve ser retirada a área rural do projeto de lei, se é que será mantido o que se propõe no projeto de lei para a área urbana.
É importante destacar nesse debate que praticamente a totalidade das invasões no campo remonta a datas anteriores a 20 de março de 2020, prevista no projeto de lei.
Outra grande preocupação que temos com esse projeto de lei é em relação à autotutela possessória, pois o projeto de lei está suspendendo esse direito, e isso é um perigo enorme para o produtor rural e instala no setor rural uma situação de enorme insegurança jurídica, colocando em risco um setor determinante para a economia nacional e na geração de alimentos para a população e na geração de emprego e renda.
Precisamos também salientar, no que diz respeito ao projeto de lei, a previsão contida que, na prática, restringe a autonomia do juiz quanto ao seu poder de decisão e análise da urgência da situação e concessão de medidas judiciais. E, nesse particular, igualmente verificamos, em nosso entender, com o projeto de lei, o cerceamento ao direito constitucionalmente assegurado a qualquer cidadão de buscar seu direito perante o Poder Judiciário ao haver a restrição do acionamento judicial e a busca da tutela jurisdicional. E aí, inclusive - é bom que se diga -, merece a análise de uma potencial inconstitucionalidade flagrante nesse projeto de lei. Todos sabemos, principalmente nas civilizações ocidentais, que, quando existem interesses antagônicos gerando conflito entre duas ou mais pessoas, no intuito de solucionar o referido conflito, o Estado juiz tem o papel principal na determinação de indicar qual a vontade do ordenamento jurídico para o caso em contento. Resolver conflitos e decidir controvérsias são dos fins primordiais do Estado.
Portanto, finalizando nossa participação, Senador Fávaro, reiteramos, no entender da CNA e dos produtores rurais brasileiros, a posição contrária à aprovação desse projeto de lei ou, no mínimo, ocorrendo eventualmente essa aprovação, que seja retirada a área rural do PL 827, de 2020, pelas razões aqui mencionadas.
Muito obrigado ao Senador Fávaro e a todos.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu que agradeço, Sr. Muni Lourenço Silva Júnior, Vice-Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Já finalizando, então, esta primeira fase, como último debatedor, concedo a palavra ao Sr. Jaques Bushatsky - espero ter conseguido dizer a pronúncia correta -, advogado especialista em temas fundiários, possessórios e de locação.
O senhor dispõe da palavra por dez minutos.
O SR. JAQUES BUSHATSKY (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Carlos Fávaro!
Permita-me cumprimentá-lo pela iniciativa, brilhante, parabenizar o Relator, Senador Prates, com um estudo maravilhoso, e, obviamente, o Senador Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal, que permitiu esta postergação da análise do 827 para podermos conversar. E não posso deixar, de coração, de cumprimentar o Senador Paulo Paim, com quem sempre conversei bastante quando consegui. Lamento não conversar mais ainda. Sempre aprendi muito com o Senador Paulo.
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Eu, a essas alturas, sendo o décimo a falar, não tenho novidade nenhuma a dizer, mas, justamente por não ter novidades, eu gostaria de trazer antiguidades, eu gostaria de trazer um bocadinho da história que cerca toda essa relação.
Então, vamos lá. Se eu quiser falar de crise - e é inegável que nós estamos vivendo uma crise, ninguém precisa se aprofundar nisso -, eu vou buscar nas palavras de um dos grandes juristas que norteou todo o Direito Civil brasileiro atual, que foi o Caio Mário da Silva Pereira. Ele, às tantas, falando especificamente de locação, e é aí que eu queria me focar, ele disse que a crise não é transitória. O equacionamento em termos temporários, ao invés de lograr a sua cessação, tem muitas vezes agravado um estado de fato, que já se prolonga por tempo extenso e que se prolongará ainda por muitos anos. Então, enfrentar a crise a gente tem que ver como é que é.
Logo em 1986, tivemos a Lei 7.538 suspendendo despejos em geral por um ano. O que deu nessa lei? Estava enfrentando um problema também. Eu jamais diria que não estava enfrentando algum problema, estava enfrentando problema também. E o que deu? Tanta confusão social, que foi inaugurado um movimento natural, que era o Movimento dos Inquilinos Intranquilos, que atuou fortemente no Congresso. Isso aí a gente vê na história. Eu gostaria de ter feito parte daquilo tudo, só leio na história. O que eles fizeram? Eles provocaram, atuaram fortemente na elaboração de outra lei, que é essa atual Lei das Locações, que vem desde 1991.
Aquela lei foi muito estudada. Todos os magistrados brasileiros colaboraram para aquela lei. Um jovem advogado trabalhou muito naquilo e aquele jovem advogado hoje é o Ministro Fux. Então, foi uma coisa bem elaborada. Eu gostaria de dizer também que, muitos anos depois, foram necessárias algumas alterações.
Em 2009, o mesmo Senado, também com uma profundidade que é exatamente essa profundidade, essa ponderação que nós estamos vendo neste nosso encontro, analisou toda a pretensão de alteração da lei e pontualmente fez algumas alterações. Detalhe: aprovação unânime na Comissão de Constituição e Justiça. Naquela época, obviamente, como sempre, agrupava todos os pensamentos, todas as boas cabeças do Senado. Unânime a aprovação. E qual o detalhe que foi colocado lá? A liminar. É aí que eu queria chegar.
O que faz essa liminar? Essa liminar foi... Está me fugindo o termo, eu não quero falar que foi um presente para a população, mas foi uma honra à população que, desde então, descobriu que, para alugar um imóvel, não precisa pagar seguro fiança, não precisa comprar título de capitalização, não precisa depositar aluguel algum, não precisa correr atrás daquele tio para ser fiador. Não precisa de nada disso. Alugar um imóvel, desde aquela alteração, graças à possibilidade de liminar, o que aconteceu é que é simples alugar. Se as pessoas usam pouco ou usam muito, o tempo tem nos dito que está crescendo esse uso. Ainda bem, porque isso barateou a locação. Isso tem permitido casa mais barata para as pessoas morarem.
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Só que isso depende de uma segurança jurídica. Quando a gente fala de segurança jurídica, a gente não está sendo etéreo e imaginativo, não é nada disso, não é nada disso. O que a gente gosta da segurança jurídica é a tranquilidade de poder operar naturalmente. E quem é que está operando naturalmente? Já foi dito por outros comentaristas de hoje. Quem está operando naturalmente é o pequeno locador. Eu sinceramente não estou tão preocupado, nesta fala, com o grande locador. Estou preocupado com o pequeno locador. O pequeno locador é aquele que nós pequenos conhecemos. É, sim, a viúva que depende do aluguel para pagar suas contas. Ela escapa do enquadramento do projeto inclusive. O projeto enquadra essa situação como sendo a renda total. Não, não existe renda total de um aluguel. O que existe, pesquisado pela Faculdade de Economia da USP, é o seguinte: é que cerca de 70% da renda venha de um aluguel; o resto vem de algum emprego, que hoje está difícil, vem duma aposentadoria, etc. É sim, aquela pessoa.
Então, para casar uma previsão que retira o despejo liminar, significa dizer que essa pessoa não vai poder receber o aluguel. Se ela não puder receber o aluguel e não despejar para alugar de novo para alguém que pague, significa também dizer que ela não vai pagar o plano de saúde. É essa a minha preocupação. Como é que eu preservo a vida de alguém que não paga plano de saúde? Tudo bem, temos o SUS, ótimo. Ela não vai pagar o cartão de crédito, no qual ela vai pagar 400% de juros ao ano, se não pagar o cartão de crédito. Quem vai pagar isso? Ela não vai pagar a farmácia. Como é que eu faço para enfrentar uma situação dessa?
E de quem é que eu estou falando? Daqueles mesmos 12 milhões de pessoas que não são os locatários, são os locadores. E detalhe, segundo aquela pesquisa, que certamente tem que ser revista, é USP, mas tem que ser revista, porque passaram alguns anos, os locatários basicamente têm um poder econômico muito semelhante ao dos locadores. O que significa o seguinte: se eu quiser manter um sistema de locação que propicia casa para todos morarem, para muitos morarem, não é para todos, nunca, para muitos morarem, se eu quiser uma interferência do Estado funcionando nesse setor imenso da vida, que é a moradia, é o teto, é o teto essencial para vivermos, eu preciso manter a tranquilidade de respeito à legislação. Todas as experiências, brasileiras e externas, mas brasileiras, que vedaram, que impediram o exercício disso deram errado.
Eu me permito dizer, o último filme a que eu assisti trancado em casa foi O Escavador, em que ele escava, escava, escava até encontrar aquela celebração de milhares de anos anterior. Recomendo.
É isso que nós temos que fazer. Vamos estudar, esse é o meu pleito. Vamos estudar a nossa história.
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Nós construímos muitas discussões, muitos debates, muita história boa para isso.
Será que eu estou falando a verdade? Estou. E como é que eu provo? Com estatística. É interessante dizer que, mesmo na pandemia, mesmo com a crise, que é inegável, a quantidade de despejos por falta de pagamento, no primeiro trimestre de 2021, foi inferior ao primeiro trimestre de 2020, que, por sua vez, foi inferior ao primeiro trimestre de 2019. Estou falando da cidade de São Paulo, estou falando de dados publicados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O que significa o seguinte: as coisas estão razoavelmente equilibradas.
Também devo dizer o seguinte: é prevista a conciliação nesse projeto. Bem lembradas as conciliações, muito bem lembradas. Só que eu tenho um recado horrível para dar, horrível. Antecederam-me falando da dificuldade das conciliações, das mediações, no campo. Posso falar da capital do Estado de São Paulo. Desde 2015, se tentam as conciliações, graças ao CPC, desde 2016; desde 2016, quase 100% dos juízos dizem "não tenho condições de fazer a audiência de mediação ou de conciliação. Toca o processo. O Judiciário não está habilitado".
Enfim, eu gostaria de trazer um estudo da história das locações, de lembrar por que existem as liminares, lembrar quem são os nossos locadores residenciais para dizer: vamos tirar a história dos despejos desse nosso projeto. Eles não se misturam com as situações de reintegração de posse, mas os despejos, se tirados do projeto, vão preservar essa locação que vem melhorando, que vem crescendo ao longo dos últimos anos.
Muito obrigado pela oportunidade. Quero, novamente, saudar os senhores Senadores e os comentaristas todos.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu que agradeço, Dr. Jaques. Foi importante a sua participação trazendo um relato histórico de crises que já foram superadas. Engrandeceu, com toda a certeza, este debate.
Passo agora, então, aos nossos colegas Senadores. Agradeço a paciência, especialmente da Senadora Nilda Gondim, para quem passo a palavra para suas considerações, colega e amiga, e também para os questionamentos, se forem necessários, de qualquer um dos debatedores.
A SRA. NILDA GONDIM (Para interpelar convidado.) - Sr. Presidente, Senador Carlos Fávaro, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, senhores palestrantes, ouvi atentamente todos.
Isso é muito bom, esse período, esse tema, esse espaço que nos foi dado para discutir - um espaço democrático -, ouvir todos, democraticamente, e tirar dúvidas. Posso dizer-lhe, Sr. Senador Fávaro, que foi altamente propício este momento para a gente ouvir.
Também quero dizer o que eu acho. O meu voto é favorável a esse projeto. Por que? Porque eu estou olhando o lado das pessoas mais vulneráveis, o lado daquelas pessoas que mal estão sobrevivendo com essa pandemia, desempregados, arrimos de família, pessoas que não têm outra forma de ganhar dinheiro, de renda. Então, eu estou olhando esse projeto com o olhar social.
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E outra: esse projeto é temporário, existe o tempo de acabar essa suspensão. Nós estamos em junho. Dezembro representa o final dessa medida. Então, é uma medida provisória.
Por isso é que eu fico muito à vontade de dizer a todos os ouvintes que respeito a opinião de todos, mas eu penso no lado daqueles mais vulneráveis, que pagam R$600 e que não têm nem condições de viver, de sobreviver.
Eu voto pela aprovação desse projeto, Senador Carlos Fávaro.
Muito obrigada pelo espaço tão democrático que nós estamos usando, representando o povo brasileiro.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Obrigado, amiga Senadora Nilda Gondim, obrigado pela sua participação, por seu olhar sempre tão voltado ao social, trazendo essa sensibilidade à nossa Casa.
Eu queria perguntar aos nossos nobres Senadores que estão conectados se alguém deseja fazer uso da palavra, já encaminhando... (Pausa.)
Senador Paulo Paim, o senhor dispõe do tempo regimental à sua disposição, se precisar exceder, para o seu posicionamento e questionamento aos debatedores.
Muito obrigado pela sua participação.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para interpelar convidado.) - Eu que agradeço, querido Senador Carlos Fávaro. Agradeço, além de você, querido Senador, também ao querido Senador Jean Paul, que é o Relator.
Vocês devem até ver que eu estou com ... Não estou ferido, não, viu? Eu não pude assistir todo o debate porque eu tive que colocar aquele mapa da pressão, porque ontem eu tive um pico de 17, fui para 17, e a minha pressão é 12 por 8. Mas quero cumprimentar também - estou vendo na tela - a nossa querida Senadora Nilda.
Mas, do pouco que eu ouvi, permitam que eu faça algumas considerações. Com todo o respeito que todos merecem, todos, todos os nossos convidados, percebi, nesse pouco tempo, um certo desequilíbrio no número de convidados pró e contra. Até podem me corrigir se entenderem que é diferente, mas entendi, pelo pouco que vi aqui, que há quase que o dobro, digamos, contra o projeto ou exigindo modificação no projeto, e dois ou três a favor, pelo pouco que eu vi. E o Presidente e o Relator podem me corrigir, se for o caso, que eu não fico chateado, não, porque eu não consegui ouvir todo o debate.
Mas eu vi algumas coisas que eu confesso que eu não gostei, e, veja, não é nem o mérito do projeto. Não acho legal dizer que o projeto é de interesse de criminosos, de baderneiros, de invasores. Foi por aí algum linguajar... Eu, que sou um operário de fábrica, mas já estou há quase 40 anos no Congresso - cheguei aqui na Constituinte, nunca escondo isso - e falo com a minha maior tranquilidade, é o meu último mandato, que vai terminar daqui a seis anos.
Eu faço essas ponderações, que, sinceramente, se perguntarem para mim se eu conheço o Deputado Federal André Janones, vou falar a verdade, não conheço. Se perguntarem para mim o partido dele, sinceramente, eu não conheço. Até acho que a minha assessoria falhou, porque devia ter posto aqui o nome do partido. Surgiu agora: Avante, Minas Gerais.
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Eu não acredito que ele vai fazer um projeto para defender criminoso, baderneiro, invasores e vagabundos, e muito menos, ou na mesma proporção, porque ninguém é melhor do que ninguém... O Relator é um Senador respeitadíssimo, que chegou aqui há pouco tempo e tem conquistado um espaço, como V. Exa., meu querido Presidente, Carlos Fávaro, um espaço enorme na Casa, ambos.
Por isso, eu queria também lembrar que, queiramos ou não, esse projeto veio da Câmara, com 263 votos "sim"; 81, "não" e cinco abstenções, num quórum muito bom - eu já fui Deputado Federal por quatro mandatos -, um quórum de 449 presentes entre os 513.
Faço essas ponderações para fazer alguns pequenos comentários.
Primeiro, cumprimento o Rodrigo Pacheco. Sou totalmente favorável ao encaminhamento que o Senado fez para que ouvíssemos, pois muitas vezes eu sou um dos primeiros a pedir sessão de debates, quer seja na Comissão de Direitos Humanos, que presidi durante muito tempo, no Senado, quer na Comissão do Trabalho, na Câmara.
Então, eu não vi problema nenhum quando, assim, uma série de Senadores, como V. Exa., Presidente, pediu uma sessão de debates. É muito bom ouvir os dois lados. E aí, ouvindo os dois lados, você vai formando o juízo, para fazer o melhor encaminhamento possível no momento da votação.
Eu sou daqueles - e já tenho protestado no Plenário do Senado - que eu não gosto que cheguem a se meter lá e digam: "olha, tem que votar sim, porque amanhã ele vai vencer e, depois de amanhã..." Já fiz uma série de protestos e farei uma questão de ordem, inclusive, na semana que vem.
Eu acho que o projeto bom não é o projeto dos meus sonhos, mas é o projeto bem debatido e que, se aprovado, represente, no mínimo, a média de pensamento da sociedade. E esse projeto é um momento de exceção. E, no momento de exceção, você tem que ter encaminhamentos também que são de exceções, ou seja, somente para aquele fato ou aquele período que nós estamos vivendo, de uma pandemia, que já chegamos, queiramos ou não - podem escrever, se quiser -, e vai dar mais que meio milhão de pessoas. Vamos ultrapassar 500 mil mortos.
E o momento, na minha avaliação, é de solidariedade. O momento é de olhar para o todo, o momento é de olhar... calculem os senhores o que é, mais ou menos aí, um país em que estamos nos aproximando de 20 milhões de desempregados, 60 milhões vivendo na pobreza e na miséria. Os números são assustadores. Pessoas que não têm água, grande parte não tem água, e aí falam em álcool gel. Sim, álcool gel, mas e cadê o sabão, pelo menos? É esta a realidade do nosso País: um país onde a renda fica concentrada - segundo dados, é a segunda maior concentração de renda no mundo - em 1%.
Segundo esse momento, poderíamos também lembrar que, no Brasil, nós temos 19 milhões de pessoas que passam fome. Essa é a realidade do nosso País.
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E as políticas habitacionais? Nossos governos têm que responder. O déficit, hoje, de moradia no Brasil é em torno de 8 milhões - 8 milhões de déficit de moradia -, sendo que, se considerarmos, em média, quatro pessoas por imóvel, isso representa 31 milhões de brasileiros.
É muito cruel, num momento desses, o desemprego não só do trabalhador formal, mas também do informal. O emprego está desaparecendo. O Senado da República, o Congresso Nacional e a nossa sociedade, que os senhores todos representam muito bem, mantêm o olhar na busca desse período, que vai ser, no máximo, de seis meses, para resolver a situação desses 84 mil que estão sendo já ameaçados de despejo - 14 mil já foram despejados. O Estado brasileiro, entendo eu, mais do que nunca, tem que estender a mão num momento como esse.
Olhem, nós aprovamos projetos para todos os setores, para os bancos. E não estou dizendo que não, porque eu entendo como gira a máquina.
O Pronampe, que começou com uma proposta provisória, já virou uma proposta permanente, ajudando quem? E votamos por unanimidade em favor dos pequenos e médios produtores. Procuramos olhar, neste momento, para todos os setores da economia que são fundamentais, que geram emprego e renda. Ora, é bobagem não querer entender isso, e que o setor empreendedor é fundamental para o nosso País. Nós queremos, claro, fortalecer o setor empreendedor, mas também fortalecer aqueles que têm emprego, nem que seja informal. E querer que haja uma certa tolerância com eles, se necessário for - se necessário for -, na questão da moradia, para não acontecer o despejo, eu entendo que é fundamental neste momento, mais do que nunca.
Eu poderia aqui lembrar que o Governo tem responsabilidade. Nós deveríamos apostar, cada vez mais, no Minha Casa, Minha Vida, para que as pessoas... Aí, sim, o Governo pode dizer que, por seis meses - vou dar um exemplo -, a prestação, mesmo do consignado, que ainda está enrolado - o Senado aprovou, mas a Câmara não aprovou -, a prestação da casa própria... Como é que você dá uma segurada, vendo que esse pessoal ficou desempregado por uma questão da pandemia? Eu sei que nenhum empregador... Eu gosto de falar também para mostrar que a gente não vê só o lado do empregado. O empregador, é claro, tem que ter lucro, mas é fundamental também que um salário digno seja assegurado ao seu colaborador. É nessa ótica que eu vejo o conjunto da obra, tanto no campo como também na cidade. Nós temos que ter esse olhar.
Por isso, meu querido Presidente, eu entendo que esta sessão é muito positiva. É importante ouvirmos a todos e caminharmos para uma linha de entendimento possível num momento como esse.
Por isso, eu queria concluir e só deixar - eu tinha aqui muitas perguntas - umas duas, três perguntas, pelo menos, para a reflexão dos nossos convidados.
Com a persistência e o agravamento da crise sanitária provocada pela Covid-19, sabemos que houve, até pelo relato que fiz, um aumento enorme do desemprego e a perda de renda da nossa gente. A inflação está indo para números assustadores. Os senhores veem que, nas negociações coletivas, os trabalhadores estão tendo dificuldade até para segurar a inflação do período. Não estou falando de aumento real, não.
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Neste momento, poderíamos dizer também que o que impõe mais dificuldades para os locatários é que os informais são os que mais estão com dificuldade para manter em dia o valor do aluguel.
Vejam que o auxílio emergencial, que combate os efeitos da pandemia - seria isso, pela área econômica -, teve o valor reduzido para R$150 - R$150! -, no máximo R$375, mas a maioria ficou com R$150. Calculem alguém, com R$150 por mês, pagar aluguel, pagar o pão, a água e a luz, eu diria. Não estou botando nem manteiga aqui - pão, água, luz. Vamos botar o gás, então. Eu apresentei um projeto para isto: para que aquelas pessoas que não tiveram direito a nada, pelo menos de dois em dois meses, tivessem um botijão de gás.
Essa é a realidade do nosso povo!
Aí, claro, a pergunta que está aqui é uma pergunta simbólica. Com esses dados que eu dei aqui, será que um cidadão desses, com quatro filhos, tem condição, uma vez que esteja sujeito ao despejo, de pagar esse aluguel? Claro que não.
Então, é o momento em que a palavra de ordem é solidariedade de todos, de todos!
Pergunto também: há sistema de acolhimento com capacidade de atender - aí claro, é o Governo que tem que responder - às famílias que já foram e que poderão ser despejadas durante os dois, três, próximos meses? O Governo tem algum projeto nesse sentido?
Pergunto também: neste momento de pandemia, em que há necessidade de as famílias se manterem em casa, para controlar, inclusive, o vírus - leia-se banho, água, luz, enfim -, o despejo de famílias, especialmente mediante decisão liminar, que tem caráter precário, contribui para as medidas de controle... Estou resumindo: isso contribui para o controle sanitário? Claro que não.
As propriedades devem atender à função social a elas inerentes. Pergunto: esse princípio, também constitucional... Eu fui Constituinte, pessoal! É claro que o princípio do direito da propriedade está lá. E não sou só eu que não vai reconhecer. Reconheço, porque ajudei a escrever e assinei a Constituição. Muitos dizem que nós não assinamos. Não é verdade. Reconhecemos, tanto que assinamos. Está lá a assinatura de todos nós.
Mas o que nós temos aqui, com este projeto, que não é nosso - foi a sociedade quem apresentou -, é, com o Deputado e o nosso Relator, tentar construir, como nós tivemos no setor da cultura... É muito bom, não é? Que bom! Eu defendi, aprovei. Nós procuramos atender a todos os setores.
Agora, nós estamos fazendo um apelo para os senhores, com todo o respeito, que vocês sabem que eu tenho por todos os senhores que estão aqui, independentemente da posição: que a gente caminhe para um entendimento possível - possível! -, com o Presidente Carlos Fávaro, que me conhece muito bem já, mesmo com o pouco tempo que convivemos, como o Jean Paul, um entendimento possível para que a gente possa...
Como eu diria, se eu pudesse, eu sairia por aí distribuindo cesta básica. Muitos falam que isso é paternalismo. Quem diz isso não sabe o que é a vida, como uma família fica contente de receber uma cesta básica de R$70, que vai a matar fome do filho.
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Desculpa, Presidente, mas dei uma paradinha, porque me obriguei aqui na minha...
Mas eu estou concluindo. É isso, Presidente. Eu não vou nem encaminhar, porque perguntas poderíamos fazer milhares, mas são considerações que mostram que eu entendo a posição de cada um que falou, mas, neste momento de exceção, de combate à fome, para salvar vidas, todos nós temos que ser solidários.
Obrigado, Presidente. Parabéns pela iniciativa deste debate.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Senador Paulo Paim, suas colocações emocionantes, tenho certeza, sensibilizam a todos nós.
Primeiramente, gostaria de desejar que nosso Deus, Pai, Todo-Poderoso o mantenha com a saúde plena, porque foi só um pico de pressão momentâneo, talvez pela tensão que vivemos nesses dias todos, de ver tanto sofrimento no nosso País e no mundo. A sensibilidade às vezes aflora, e o corpo reage, mas Deus vai lhe conceder sempre a saúde plena.
Com relação aos inscritos, Senador Paim, todos aqueles debatedores favoráveis ao projeto que se inscreveram para esta sessão de debates foram acolhidos com muita dedicação e com muito valor por esta Presidência. Todos! Então, se houve um número divergente - sim, e eu concordo que um pouco divergente entre favoráveis e desfavoráveis ao projeto de lei -, mas a todos os que se inscreveram eu acatei, favoráveis ao projeto de lei, sem nenhuma restrição.
Também percebi, nesta sessão de debates, a sensibilidade de todos com este momento que aflige os mais vulneráveis.
Nós vemos lá, por exemplo, na nossa capital, Cuiabá, no nosso Estado de Mato Grosso, que é um Estado de produção de alimentos, de riqueza, de prosperidade no campo, e na geração de alimentos, fome. Nós vemos muita fome. É triste andar pelas ruas de Cuiabá e até pelo interior do Estado. Minha esposa, na medida do possível, a nossa família, na medida do possível, procura arrecadar e distribuir uma pequena cesta de alimentos, para poder minimizar, ao mínimo, os impactos.
A nossa Primeira-Dama do Estado de Mato Grosso já está na segunda campanha, com mais de 330 mil cestas básicas sendo distribuídas, mas isso é o mínimo. Há tanta dignidade sendo deixada de lado que nós não podemos fechar os olhos para isso neste momento de pandemia.
Mas eu entendo também que o debate permite ao nosso amigo, ao querido Jean Paul, Relator deste projeto, sensível ao debate, ouvir, aperfeiçoar o texto, se possível, para que nós possamos, sim, ter a sensibilidade de cuidar dos vulneráveis, mas não ferir as regras e a segurança jurídica dos investidores, do patrimônio, da propriedade rural, da propriedade urbana. Inclusive, como foi bastante debatido aqui hoje nas explanações feitas pelos debatedores, 75% - eu não sabia esse número - dos locadores de imóveis são pequenos investidores que dependem desse aluguel para a sobrevivência e, caso se tornarem vulneráveis às regras, eles passam também a incorporar esse grupo dos que vão sofrer.
É difícil a matéria, mas é importante o debate. A democracia é isso. E eu quis, com essa sessão de debates, aprimorar, para que possamos fazer o melhor e minimizar o impacto a todos os brasileiros.
Eu concedo a palavra aos debatedores, àqueles que o quiserem, pelo tempo regimental de dois minutos, para esclarecerem os pontos levantados pelo Senador Paim, também pelos demais membros desta sessão.
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E, depois de ouvir aqueles que quiserem falar, se pronunciar, vou conceder a palavra ao Relator da matéria, o querido Senador Jean Paul Prates, para que possamos, depois dele, finalizar esta sessão.
O primeiro debatedor, o Sr. Nabhan Garcia, saiu. Falou que talvez voltasse remotamente e não está conectado.
Darci Frigo, se desejar fazer uso da palavra por dois minutos, está franqueada a palavra.
O SR. DARCI FRIGO (Para exposição de convidado.) - Senador Carlos Fávaro, muito obrigado.
Agradeço as palavras de todas as pessoas aqui e as considerações da Senadora Nilda e do Senador Paulo Paim, também com sensibilidade com essa situação que estamos vivendo. Essa foi pelo menos a mensagem que o Conselho Nacional de Direitos Humanos tentou transmitir nesta sessão. O nosso pedido é que o projeto de lei seja debatido, enfim, mas que, dada a urgência da matéria, ele seja mantido na sua redação original dado ao caráter emergencial, dada a situação grave da pandemia no nosso País e o agravamento, com a pandemia, da situação social. Vamos dizer assim, aqui houve um debate em que diferentes direitos, como o direito à vida, o direito à saúde, o direito à moradia digna, o direito ao acesso à alimentação, através da terra, se confrontaram com o direito de propriedade. E, numa lógica em que o direito à vida é superior a muitos direitos, num sentido mais amplo, há que se sacrificar, nesse momento, um direito, temporariamente, para que os demais direitos da maioria possam ser resguardados.
Eu queria dizer também que nós não estamos aqui neste momento discutindo sobre uma guerra entre brasileiros, mas, sim, a possibilidade de o Senado brasileiro e o Congresso Nacional acolherem, vamos dizer, de forma solidária, o pleito daqueles que mais precisam, que são aqueles que estão na base social e estão neste momento sofrendo as maiores agruras da pandemia. É esse o pedido. Nós não vamos entrar aqui, obviamente, num confronto de debates e tudo mais, porque é uma questão de brasileiros e brasileiras que têm direitos que neste momento precisam ser resguardados. E essa é uma possibilidade de as pessoas não serem neste momento colocadas numa situação em que possam receber uma sentença de morte em potencial, tendo que sofrer, por exemplo, um despejo forçado.
Agradeço muito o respeito e o debate que aconteceu aqui hoje e espero e acredito que o Senado vai dar uma resposta muito, vamos dizer assim, alta em relação às expectativas da população brasileira.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu é que agradeço, Sr. Darci Frigo.
E já concedo, para as suas considerações finais, o tempo de dois minutos ao Sr. Paulo Sergio Aguiar, Presidente da Ampa, Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão.
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O SR. PAULO SERGIO AGUIAR (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Paulo Paim.
Não quero polemizar a coisa, mas, quando eu falei em baderneiros invadindo e até, às vezes, criminosos, eu falo que não é dissociável. Nós temos pessoas com fragilidade que precisam ser tuteladas, mas que também nós temos pessoas que invadem propriedades para tirar benefício próprio. Então, é nesse sentido. Não generalizei para todos, mas é que temos que tratar... Quando eu falo isso, eu falo por isto: eu queria deixar a cargo do Judiciário, que pode olhar caso a caso, quem é realmente frágil e precisa da tutela do Estado e quem realmente está com más intenções. Foi nesse sentido que nós falamos em baderneiros e criminosos. Então, esse é o sentido, não tirando o posicionamento das pessoas fragilizadas que hoje precisam ser tuteladas.
No meu posicionamento, eu coloco que o Judiciário já está olhando para este problema da pandemia e está aplicando a legislação que já existe, uma larga e vasta legislação que trata dessas questões, aplicando-a da melhor maneira possível, inclusive com as audiências de mediação, verificando e não jogando qualquer pessoa à rua a bel-prazer.
Então, eu falo que, às vezes, essa legislação, essa lei poderia deixar para o Judiciário. Por quê? Porque a lei é sempre genérica. Então, ela não olha bem caso a caso, e no Judiciário vai ser olhado caso a caso, com as provas, com todo um arcabouço em que o juiz poderá tomar a decisão que melhor verificar naquele momento. Então, é nesse sentido.
Mas, se esta lei tiver que ser aprovada, ela precisa ser melhorada em alguns pontos, em alguns aspectos - lógico, ela está boa, mas ela precisa de ser melhorada -, para que nós possamos deixá-la de uma forma em que essas pessoas mal-intencionadas ou criminosos não se beneficiem dela em detrimento das pessoas de boa índole.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Paulo Sergio Aguiar, pelas suas considerações.
E já concedo a palavra, se desejar, por dois minutos, ao Sr. Julio José Araujo Junior, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, para as suas considerações finais.
O SR. JULIO JOSÉ ARAUJO JUNIOR (Para exposição de convidado.) - Senador Carlos Fávaro, mais uma vez, agradeço. Foi um debate importante. Creio que há temas bem relevantes sendo discutidos nesse projeto.
Como eu disse antes, existem dois fatores fundamentais para a gente pensar essa questão: um deles está ligado à urgência e à necessidade de que o Congresso Nacional, como já vem fazendo em várias outras oportunidades, dê respostas a um contexto muito específico, que é um contexto único que vivemos na pandemia; e, no campo das reintegrações de posse e da realidade dos despejos, olhe para a excepcionalidade dessas medidas e a possibilidade de, num exercício de ponderação muito clara e de respeito ao direito à vida, que ele consiga oferecer a suspensão de procedimentos muito específicos que ocorrem nesses casos.
Eu creio que, do ponto de vista jurídico, essa questão é bem singela, bem específica e muito respaldada pela nossa Constituição, pela legislação. Não se trata de subverter a ordem, não se trata de afastar direitos, não se trata de estimular práticas, não se trata de estimular crimes. Trata-se de olhar para essa realidade com atenção, se preocupar com a vida das pessoas que estão nessa situação e também com todo aparato, com todas as pessoas que se mobilizam nos casos de reintegração. Eu creio que esse exercício e essa ponderação em favor da urgência nos levam à necessidade de, na linha do que a Câmara já decidiu, que o Senado encampe essa proposta e leve adiante.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Obrigado, Dr. Julio José Araujo, pelas suas considerações.
Eu vi que, na ordem dos debatedores, já voltou a se conectar o Sr. Nabhan Garcia, Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura.
Eu concedo a palavra, por dois minutos, para as suas considerações finais.
O SR. NABHAN GARCIA (Para exposição de convidado.) - Senador, está me ouvindo? (Pausa.)
Senador Fávaro, em nome do Governo Federal e também em nome de, praticamente, 6 milhões de proprietários rurais, inclusive assentados... Há uma situação, no sul da Bahia, onde assentados, assentados que nós, o Incra, precisamos regularizar, para os quais precisamos outorgar títulos estão sendo invadidos por integrantes do MST e expulsos com atos de violência, com emissões pela Justiça de reintegração de posse e despejo daqueles que, ilegalmente, invadiram. E essas pessoas estão ao relento, estão desamparadas, Senador, desamparadas. O próprio sem-terra, o próprio assentado sendo invadido por integrantes de facções do MST, com violências desmedidas, com atrocidades. E como nós vamos ficar nessa situação? Essas pessoas estão ao relento. Esses proprietários rurais de todo o Brasil, que estão com decisão de reintegração de posse a ser cumprida há anos - lembrando que mais de 95%, para não dizer 100%, mas mais de 99% de áreas invadidas do Brasil foram anteriores a março de 2020, e muitas delas já com sentença de reintegração de posse a ser cumprida pelas respectivas autoridades de segurança pública dos Estados...
Agora, uma situação é uma coisa, a outra é outra. Vamos falar de pandemia, vamos tratar da pandemia. Esta Casa tem toda a legitimidade para tratar de pandemia, de segurança, de saúde para todos os cidadãos brasileiros. Agora, nós não podemos aceitar que o direito de propriedade seja aviltado e que pessoas que precisam trabalhar, plantar, colher, produzir, que vivem disso, sejam cerceadas no direito básico da Constituição Federal, que é o direito sagrado da propriedade, o respeito à propriedade, cláusula pétrea da Constituição. Nada, ninguém pode aviltar o que está estabelecido na Constituição Federal Brasileira.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu que agradeço, Secretário Nabhan Garcia.
E já passo a palavra, caso desejar, ao Sr. Andrey Vilas Boas de Freitas, do Ministério da Economia, para as suas considerações finais.
O SR. ANDREY VILAS BOAS DE FREITAS (Para exposição de convidado.) - Senador Carlos Fávaro, eu queria começar agradecendo, realmente, pelo debate. Acho que foi um debate produtivo. É muito importante poder ouvir os vários argumentos e poder ponderar os vários argumentos. Só assim a gente constrói de fato uma ação do Poder Público que atenda às necessidades dos problemas colocados e atenda às necessidades da população.
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Nesta minha fala final, eu só queria retomar um ponto. É muito importante, e é o que separa o veneno do remédio, a dosagem das medidas. Parece-me que o projeto que a gente está debatendo precisa de um ajuste em relação a isso. É muito importante pensar não só sobre as inúmeras famílias que estão aí ocupando imóveis e que têm a sua condição fragilizada em função da pandemia, mas também no outro lado dessa equação. A gente não pode esquecer o outro lado da equação.
Foi dito pela Moira, na sua fala inicial, que a enorme quantidade de proprietários de imóveis que dinamizam esse mercado de locação no Brasil não são grandes proprietários, mas pessoas que colocaram suas economias nessa alternativa e que dependem essencialmente dessa economia. Elas estão na maior boa-fé tentando construir uma alternativa de renda para elas e oferecer o melhor possível para as pessoas que estão do outro lado do contrato. Tem sido uma constante, desde o início da pandemia, a possibilidade de acordos e de renegociação de aluguéis. Então, eu acho que isso tem que ser levado em conta. A gente não pode retirar a alternativa da via judicial uma possibilidade de construção desse debate. Acho que é um risco que a gente corre de fragilizar esse mercado e de criar uma situação posterior à pandemia mais séria, mais difícil justamente para as pessoas que a gente está tentando proteger com o projeto.
Obrigado a todos.
Parabéns pelo esforço! Parabéns pelo debate!
Parabéns, Relator, pela forma como tem conduzido também a construção desse debate.
Muito obrigado a todos e bom final de semana.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós é que agradecemos a sua disponibilidade, Andrey Vilas Boas.
E já passo a palavra, caso queira, à Sra. Moira Regina, do Secovi-SP, para suas considerações finais, pelo tempo de dois minutos.
A SRA. MOIRA REGINA DE TOLEDO BOSSOLANI (Para exposição de convidado.) - Bom, eu gostaria, antes de tudo, de agradecer a oportunidade. De fato, esses debates foram enriquecedores, eu acredito, para todos nós que temos a oportunidade de estar aqui, assim como para quem está nos ouvindo.
Então, quero agradecer aos Senadores, aos debatedores que estiveram aqui conosco hoje e também aos ouvintes de tudo isso que se interessam por esse tema tão importante, tão complexo e que tem, de fato, a ver com morar, que é uma das coisas principais no exercício da própria cidadania, e é uma pauta nossa, sem dúvida nenhuma.
Nesse ponto, o que eu queria pegar é o seguinte: embora a questão seja urgente, a melhoria no texto proposto é muito necessária. Não dá para a gente tentar evoluir com um texto como esse que pode levar à insegurança jurídica. Por mais que ele tenha sido construído, há coisas ali em relação a contradições, até em termos temporais, porque em muitos momentos fala de suspensão até o dia 31 de dezembro, mas em outros trechos do texto, por exemplo, fala que as medidas que aconteçam e que estejam suspensas até um ano após a cessação do período da pandemia, a gente não sabe que momento é esse, não sei nem se esse momento vai ser precisado em algum momento histórico. A gente não sabe como isso vai evoluir. Então, esse tipo de contradição precisa ser sanado.
A questão dos cortes também precisa virar texto de lei. Na ADPF 828 houve cortes feitos pelo Ministro Barroso que são importantes e que precisam vir para o texto de lei.
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A questão, por exemplo, do tratamento da unidade urbana, do imóvel urbano que é destinado à locação e foi invadido em determinado momento, precisa ser tratada de uma maneira diferente de um lugar que já esteja com aquele assentamento mais concretizado, mais pacificado há muitos mais anos. São coisas distintas. A gente precisa fazer esses cortes.
Então, o que eu tenho a dizer e me proponho já a trabalhar são essas questões técnicas, que precisam acontecer para que a gente evite insegurança jurídica e para que esse texto legal depois não vá aos tribunais e fique ali por 20 anos ou sei lá quantos anos aguardando um posicionamento final. E que pode acontecer de maneira dissonante em vários tribunais, em vários Estados, enfim, até que enfim seja pacificado. A nossa sociedade não merece conviver com esse tipo de insegurança.
Então, eu acho que a evolução do momento como esse é para o aprimoramento. Aliás, na linha do que o próprio Senador Paulo Paim colocou. A gente tem que trabalhar com aquilo que é possível, considerando o momento, mas sem trazer consequências gravíssimas que possam vir e instabilidades jurídicas que possam permanecer na convivência conosco por mais de 20 anos porque a gente sabe como é que funciona depois nos tribunais.
Então, eu me coloco à inteira disposição. Acho que a gente tem ainda um trabalho ainda a realizar sobre isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Dra. Moira, por sua contribuição. E já passo então a palavra, caso desejar, à Dra. Julia Afflalo para as suas considerações finais. A senhora dispõe de dois minutos.
A SRA. JULIA BITTENCOURT AFFLALO (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Presidente. Eu queria agradecer aos Senadores que se manifestaram. Agradecer o debate, que é de grande importância, a meu ver. Agradecer também a abertura que o Senador Jean Paul Prates tem dado ao debate e a ouvir as partes que têm proposto aí alterações ou adequações ao texto. Isso tudo é muito importante.
Queria pontuar que de forma alguma, pelo menos na minha fala, há alguma menção ou referência de que haveria interesse, que esse projeto atenderia a algum interesse criminoso. De forma alguma eu entenderia que tal intenção saiu do Congresso Nacional. O que acontece é que alguns pontos do projeto efetivamente causam efeitos danosos, principalmente no campo aqui, como eu trouxe.
Eu entendo que esses projetos têm sido tratados com urgência. Esse projeto mesmo tramitou com urgência na Câmara, foi apresentado relatório e parecer do Relator e aprovado na mesma sessão na Câmara. Então, a gente vê que, assim, não foi tão possível um debate tão aprofundado quanto a gente gostaria, e que está sendo possibilitado agora. Por isso, eu queria agradecer aos senhores.
Queria pontuar que algumas adequações que eu trouxe já estão contempladas em algumas emendas já apresentadas. Então, nesse sentido, quero colocar esse ponto.
E quero destacar novamente que, como foi dito, a importância do direito à propriedade só existe se existem meios de proteção. E como eu trouxe, a meu ver, esse projeto retira alguns meios de proteção desse direito tão importante.
São essas as considerações finais que eu queria trazer e agradecer novamente a todos pela disponibilidade de tempo e atenção. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Dra. Julia.
E já passo a palavra a Dom José para suas considerações finais.
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O SR. DOM JOSÉ IONILTON LISBOA DE OLIVEIRA (Para exposição de convidado.) - Obrigado. Em nome da CNBB, a gente agradece o convite para nos dar a oportunidade aqui de apresentar o nosso ponto de vista, que permanece aquele que eu falei inicialmente: nós queremos a aprovação imediata desse projeto de lei e com o texto que veio da Câmara, sem nenhuma modificação, porque é de caráter de urgência.
Depois, quero me somar ao que questionou o Senador Paulo Paim, quando ele disse da discrepância entre favoráveis e contrários ao projeto de lei aqui nesta bancada, nesta Mesa. Acho que teríamos que pensar isso, acho que o Senado tem que pensar um pouco isso para poder garantir que haja sempre uma paridade entre favoráveis e contrários. Tantos outros organismos poderiam estar aqui também manifestando o seu parecer favorável. A própria Ordem dos Advogados do Brasil, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, a CPT, o Conselho Indigenista Missionário, o Conselho Pastoral de Pescadores. E talvez pudessem ajudar a aumentar o conhecimento dessa realidade.
Quero também me somar ao que disse o Senador Paulo Paim sobre a questão da solidariedade. A nossa Igreja tem feito isso, através da campanha É Tempo de Cuidar, CNBB Cáritas, com as pastorais sociais, as pastorais do campo, levando cestas básicas, material de higienização, material de higiene, para que as pessoas mais vulneráveis sejam assistidas. Então o caminho é solidariedade.
E aprovar esse projeto de lei, em vista de suspensão dos despejos, é, com certeza, por parte do Senado, um grande gesto de solidariedade com os mais sofridos, os mais excluídos, os mais pobres, os que mais precisam do apoio de quem legisla neste País para beneficiar o povo, como disse lá a Constituição Federal, que já lembrei aqui, que quem está na legislação, quem legisla, Senado, Câmara, legisla a favor do povo.
E convido os Srs. Senadores e as Sras. Senadoras a acessar o Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2020, publicado dia 31 pela CPT, e ali encontrarão dados importantes para a análise dessa questão do conflito no campo, principalmente por causa da terra.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Dom José. Muito obrigado. Nós que agradecemos a sua participação.
E já concedo a palavra ao Sr. Muni Lourenço da Silva Júnior, da CNA e da Federação da Agricultura do Estado do Amazonas, para suas considerações finais, caso queira, por dois minutos.
O SR. MUNI LOURENÇO SILVA JÚNIOR (Para exposição de convidado.) - Senador Fávaro, saúdo mais uma vez V. Exa. e os demais Senadores e Senadoras presentes na audiência virtual.
E renovo aqui os nossos agradecimentos, da CNA, pelo convite, para que nós pudéssemos aqui, de forma respeitosa, expressar os nossos pontos de vista, as nossas opiniões a respeito desse projeto de lei, confiantes em mais uma importante atuação do Senado Federal, o Senado da República, sobretudo no sentido da preservação de princípios e garantias constitucionais tão fundamentais, não só para o setor rural, mas para todo o conjunto da sociedade brasileira.
Refiro-me à questão da segurança jurídica, do direito à propriedade, do direito inalienável de acesso do cidadão ao Poder Judiciário em qualquer instante, para eventualmente buscar o reconhecimento de direitos.
Então, queremos, mais uma vez, agradecer, Senador Fávaro, colocando a CNA sempre à disposição naquilo que for conveniente para colaborar com o Senado da República nos grandes debates nacionais. Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Dr. Muni.
Já passo a palavra, para as considerações finais, ao Dr. Jaques Bushatsky. É isso doutor?
O SR. JAQUES BUSHATSKY - É isso. Bushatsky. E se eu disser que esse nome veio de Pernambuco o senhor não vai acreditar.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Olha só. É da Holanda. Tem um pé na Holanda.
O SR. JAQUES BUSHATSKY (Para exposição de convidado.) - Imagine lá como é que é! Mas tudo bem.
Eu faço questão de cumprimentar o senhor e de cumprimentar o nosso Relator, o Senador Jean Paul.
A promoção é magnífica. Eu estou muito orgulhoso, muito honrado de poder participar, sinto-me privilegiado de poder aprender com cada um dos senhores, com os Senadores, com os comentaristas.
Gostaria somente de anotar uma coisinha, que é a diferença entre a situação do campo e da cidade, a diferença de despejo. Todos nós falamos muito de despejo como um gênero. Não é um gênero, é uma espécie. O despejo é voltado somente para as questões de locação imobiliária urbana, o resto é reintegração. Quando a gente se manifesta em questão de despejo, nós estamos diretamente falando, aí sim, daquelas liminares, estamos falando da impossibilidade prática, física, de realização de audiências, de tentativas de mediação e conciliação, infelizmente - infelizmente! Mas é impossível; na prática, o aparelho judiciário não funciona nesse nível. E estamos falando também da cidade. A cidade, disse o recentemente falecido Prefeito Jaime Lerner, não é problema, é solução. A cidade tem que ser solução. É isso que a gente busca ao solucionar a moradia na cidade, ao solucionar a permissão, a possibilidade de pequenos investimentos em locação. Precisa de locadores. Basicamente, estamos todos solidários, acho que ninguém vai negar isso. A solidariedade está presente. A boa vontade de todos nós, que estamos aqui, é evidente, só não podemos jogar na rua mais essa imensa massa de pessoas que são os locadores. É isso.
Muito obrigado novamente.
É sempre uma satisfação estar com os senhores.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Dr. Jaques.
Quero comunicar a todos os debatedores e também aos nossos Senadores e Senadoras que já está disponibilizado pela Secretaria-Geral desta Mesa o e-mail. No chat, aqui, já está o e-mail da assessoria do Senador Jean Paul Prates, que fica aberto para receber sugestões, críticas, para que ele possa aperfeiçoar o seu trabalho.
Para finalizar a nossa sessão de trabalhos, de debates, passo a palavra ao querido amigo, muito dedicado, que, vi ontem na sessão, até de futebol entende e tentou, com muito êxito, mostrar que é possível até tocarmos um time de futebol com respeito, segurança e legitimidade, para que nós não possamos, nem no futebol, ter coisa errada neste País. Parabéns! Segue a palavra à sua disposição, Senador Jean Paul Prates.
O SR. JEAN PAUL PRATES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para discursar.) - Presidente Carlos Fávaro, parabéns pela condução.
Até agora, de fato, tenho tentado ser um Parlamentar compreensivo, mediador, conciliador, mesmo com todas as questões que temos passado no Brasil, com a polarização grande que ocorre na política. Eu estou num Partido diametralmente oposto ao Governo, todos aqui sabem, mas, obviamente, compreendendo que todas as questões importantes que passam aqui pelo nosso Senado merecem o debate, e o debate de alto nível, o debate técnico, o debate com argumentos reais, por isso, às vezes, me preocupa um pouco quando se trazem situações que não necessariamente estão cobertas no projeto. Mas até essa ignorância sobre o projeto, a dúvida na interpretação de alguma redação é justamente o objeto desse tipo de discussão.
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Então, eu quero, de novo, aproveitar para assegurar: não há nenhuma tentativa aqui, nesse projeto especificamente, de revisar direitos fundiários, de atacar direito de propriedade, absolutamente. Não há como fazer isso através de um projeto de lei que tem um marco temporal muito definido e que tem, claramente, não só no seu caput, como nos seus artigos todos, presente a realidade que nós estamos vivendo agora, excepcional, como eu disse na abertura, e não de discutir a realidade histórica, os conflitos agrários, a questão de ocupações ou de grilagens. Tudo isso aí é outra discussão.
Então vamos dar certeza às pessoas que estão nos assistindo, para que não pairem dúvidas sobre isso: o marco temporal desse projeto está claramente definido e ele não altera, em nenhum momento, nenhuma das ações judiciais, nenhum dos direitos, muito menos a punição a quem comete crime, seja ao ocupar uma terra, seja ao retirar pessoas dela, seja até ao arguir propriedade sobre o que não é seu. Não se está entrando nesse mérito, não se está aprofundando nesse tema. Isso está a latere do processo. Estamos apenas e tão somente introduzindo uma suspensão dos despejos sumários, das remoções sumárias até o final deste ano. É muito claro, não há dúvida em relação a isso.
Nós também não estamos consolidando nenhum tipo de perdão, anulação, anistia, tolerância, alteração dos processos de reintegração, fundiários ou qualquer outro. Não estamos propondo revisão e alteração de direito de propriedade. Este é um alívio temporário nos processos em curso para que não ocorram ações ou situações diferentes do que... Discordando um pouco de algumas colocações aqui, o Judiciário pode não cuidar, pode estar sujeito a pressões locais, pode estar sujeito aos prazos judiciais que, sem uma lei dessa, terão que ser cumpridos. É disso que está se falando. Então, a lei ajuda a que se tenha a possibilidade, com segurança jurídica, de fazer a suspensão desses despejos liminares.
Em relação à parte do direito imobiliário, também - o próprio Presidente se referiu a isso, e eu quis corrigir aqui na hora, Carlos -, não há nenhuma ameaça a locadores ou locadoras que dependam de um único imóvel de aluguel. Não há. Isso está excepcionalizado especificamente no projeto. Então, a pessoa que vive daquele aluguel, que não tem como se sustentar, porque comprou aquele imóvel e aquele imóvel é a fonte de receita - lembrando que a lei só se aplica a até R$600 de aluguel, mas, mesmo que sejam aqueles R$600 fundamentais para aquela pessoa viver -, a lei já exclui esse imóvel, mesmo aquele que tem aluguel de R$600 ou menos.
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Além disso, como essa faixa está claramente definida, não está aplicando isso às pessoas que também eventualmente tenham dificuldade de pagar um aluguel de R$2 mil, R$3 mil, mas que vão negociar as suas reduções, as suas suspensões de aluguel. Não há nada nessa lei também que invada a seara, que obrigue negociações, obrigue a mudar contratos - absolutamente nada! Ela não altera sequer as ações judiciais a respeito disso. Então, é limitado aos R$600 de aluguel. Têm que ser esgotadas todas as tentativas de mediação para desconto, para suspensão, enfim, todas as tentativas.
Agora, isso se refere a quê? Imagine a pessoa que tem um prédio, que tem várias unidades pequenas - e aí entra aluguel de R$300, porque tem gente que investiu nisso, realmente, que tem apartamentinhos de R$300, R$400, R$500, todos nesta faixa entre zero e R$600, dez unidades -, a pessoa passa uma dificuldade, pois não pode pagar aquele aluguel, cinco desses inquilinos não paguem aluguel, vão ao proprietário, ao administrador e dizem: "Nós não podemos. Podemos suspender?". Vejam que também é suspensão. O crédito continua existindo. Ninguém está dando anistia de aluguel. Não se trata disso. E aí imaginem esta situação: a pessoa vai lá e diz: "Não, não tem tolerância; ou você paga ou você sai. Vamos entrar na Justiça aqui e você sairá, mesmo sem ter condição de pagar". É disso que está se falando. E a Justiça vai dar, porque ela não tem uma saída honrosa, uma saída legal para não dar o despejo. Ela vai acabar dando. E são ações sistemáticas. Imagine um imóvel - no Rio de Janeiro e em São Paulo, quantos desses tem? - de um mesmo proprietário que tem várias unidades minúsculas de aluguéis abaixo de R$600. Você vai ter aí, sei lá, um contingente de x percentual deles que não vai conseguir pagar, e vai tentar negociar a redução. Se o proprietário for completamente intransigente, é para esse que está dirigida esta lei, para esse intransigente que não conseguiu reduzir, que não teve a compreensão de suspender para aquelas pessoas que provaram, porque a lei também obriga que elas provem que tiveram afetação, provem que ficaram desempregadas, provem que diminuiu o salário ao ponto de não poderem se sustentar; tudo isso está lá.
Então, a lei é muito específica, é muito pinpoint mesmo. Ela é muito precisa para uma situação de total indigência. Enfim, é disso que está se falando.
E, no campo, a mesma coisa. Não se está falando em mudar e em reverter processos. Está-se falando de ocupações ou realidades que ocorram até 31 de março deste ano. Portanto, não há que se falar em provocar novas ocupações ou movimentos, sublevações, comemorações, saudações, porque agora liberou geral. Não! Não liberou geral, porque não vai ser afetado pela lei. Ou estava até 31 de março lá, e a lei então protege até 31 de dezembro, ou não vai ser afetado pela lei. Quem quiser fazer o que quiser agora não vai estar embaixo dessa lei, não vai estar protegido, não vai estar abarcado por ela. Isso é muito importante que fique claro. Mas evidentemente...
Eu estou justamente disponibilizando esse e-mail porque houve algumas referências a, por exemplo: "Ah, em algum lugar, não está muito claro que vai até o final do ano". O.k. Mostre onde é e a gente vai verificar isso, sem problema nenhum. É por isso que eu quero ouvir, trazendo exatamente por escrito ou de alguma forma para que a gente corrija e altere, se for o caso. O ideal não é alterar. O ideal é a gente seguir em frente, pela urgência que esse assunto requer, mas, se tiver que ser feito, vamos considerar. O.k., pessoal?
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Obrigado, Presidente. Obrigado a todos que estão nos ajudando a trabalhar, mais uma vez. Obrigado pela contribuição.
Quero só fazer menção ao Secretário Nabhan, que mencionou um processo do sul da Bahia. Há duas versões desse processo. Quem quiser olhar no Google, dê uma olhada no processo do sul da Bahia, porque parece que há divergências sobre quem invadiu quem. Mas, enfim, não vamos entrar, como eu disse, nessa situação, nesse debate, porque aqui a questão é a das pessoas que podem ser despejadas liminarmente durante a pandemia e não têm para onde ir.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, querido Senador Jean Paul Prates.
Eu agradeço também a todos os debatedores.
Que Nosso Senhor Jesus Cristo abençoe o final de semana de todos!
Cumprida a finalidade desta sessão remota de debates temáticos, a Presidência declara o seu encerramento.
(Levanta-se a sessão às 12 horas e 33 minutos.)