3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 25 de junho de 2021
(sexta-feira)
Às 10 horas
69ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão remota de debates temáticos foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 7, de 2020, que regulamenta o funcionamento remoto do Senado Federal, e em atendimento ao Requerimento nº 1.640, de 2021, do Senador Randolfe Rodrigues e outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A Presidência informa que as apresentações e os arquivos exibidos durante esta sessão remota de debates temáticos ficarão disponibilizados na página do Senado Federal referente à tramitação do requerimento que originou esta sessão.
A sessão é destinada a receber os seguintes convidados a fim de debaterem o Projeto de Lei nº 2.108, de 2021 (nº 2.462, de 1991, na Câmara dos Deputados), que trata dos crimes contra o Estado democrático de direito e revoga a Lei de Segurança Nacional: Sra. Camila Asano, Coordenadora Jurídica da ONG Conectas Direitos Humanos; Sr. Alaor Leite, Docente-Assistente junto à cátedra de Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Penal Estrangeiro e Teoria do Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Humboldt, de Berlim; Sr. Alexandre Wunderlich, Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs); Sr. Maurício de Oliveira Campos Júnior, professor da Faculdade de Direito Milton Campos, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e advogado; Sra. Virginia Dirami Berriel, Conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos e representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT); Sra. Raísa Ortiz, Coordenadora da Área de Espaço Cívico da ONG Artigo 19; Sra. Juliana Vieira dos Santos, advogada na Rede Liberdade; e Sr. Pedro Estevam Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional.
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A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento da sessão: será inicialmente dada a palavra aos convidados por oito minutos e, em seguida, para conclusão, se necessário, por mais dois minutos; após, será aberta a fase de interpelação pelos Senadores inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de cinco minutos para suas perguntas, ou seja, nós vamos organizar em blocos de Senadores, e cada Senador terá cinco minutos para suas perguntas; os convidados disporão de cinco minutos para responder à totalidade das questões do bloco de Senadores que se manifestarem; os Senadores terão dois minutos para a réplica, caso necessário.
As inscrições dos Senadores presentes remotamente serão feitas através do sistema remoto.
As mãos serão abaixadas no sistema remoto, e neste momento estão abertas as inscrições.
A sessão de debates temáticos do Senado Federal trata de crimes contra o Estado democrático de direito.
Abertura da sessão de debates temáticos do Senado Federal destinada a discutir o PL 2.108, de 2021, que altera o Código Penal e revoga a Lei de Segurança Nacional, entre outras providências.
Estamos aqui hoje para debater o projeto de lei mencionado, o PL 2.108, de 2021, iniciado e aprovado na Câmara dos Deputados como PL nº 2.462, de 1991. É uma antiga discussão. Em síntese, o projeto revoga a Lei de Segurança Nacional bem como o dispositivo da Lei de Contravenções Penais e propõe a substituição dessas disposições no ordenamento jurídico pelo acréscimo do Título XII na Parte Especial do Código Penal. Naturalmente, não se trata de mera transposição de dispositivos, mas de uma tentativa de modernizar a legislação. Precisamos estar juridicamente equipados para enfrentar os desafios da atualidade nessa matéria tão sensível à defesa da ordem democrática.
A Lei de Segurança Nacional, apesar de trazer os resquícios autoritários da época em que foi editada, em 1983, no final da ditadura, nunca foi revogada, mas, com a promulgação da Constituição de 1988, caiu em certo esquecimento. Poucas vezes, serviu como fundamento para ações judiciais. Porém, quando serviu, geralmente, foi no intuito de apontar para supostos crimes de manifestação de pensamento. De alguns anos para cá, com a polarização no cenário político nacional, houve um notável crescimento de inquéritos policiais instaurados com fundamento na Lei de Segurança Nacional. Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo publicado em 21 de janeiro de 2021, de apenas sete inquéritos em 2016, saltamos para 51 inquéritos em 2020. Ora, não se pode nem se deve calar ninguém por supostos delitos de opinião. Essa é uma regra fundamental dos regimes democráticos. Mas os números que acabei de mencionar são preocupantes e mostram claramente que a questão não foi devidamente superada e precisa voltar à agenda de debates do País.
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A Lei de Segurança Nacional também trata de temas como crimes de espionagem, crimes contra a soberania e a integridade nacional, contra as instituições democráticas, contra o funcionamento de serviços essenciais e contra a cidadania. Tudo isso, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, poderemos debater aqui, nesta sessão. O momento político é oportuno e favorável a essa discussão. A opinião pública está atenta, está mobilizada, e nós Senadores da República temos o dever de atender a esse clamor popular. O Senado Federal não pude fugir à sua missão.
Eu gostaria, então, de agradecer ao ilustre Senador Randolfe Rodrigues por ter proposto o Requerimento nº 1.640, de 2021, que deu origem a esta sessão de debates temáticos.
Quero lembrar às Sras. Senadoras e aos Srs. Senadores sobre a importância de fortalecer o papel desta Casa como fórum de debate dos grandes temas nacionais. Estamos aqui pelo voto popular. Temos a necessária legitimação da sociedade, mas isso exige uma contrapartida: temos que honrar a confiança que nos foi depositada nas urnas. Legislar é importante, mas legislar bem é ainda mais decisivo para a vida de brasileiros e brasileiras. E isso só é possível mediante um diálogo de alto nível, franco e respeitoso, em que nós realmente estejamos dispostos a ouvir o outro, em que nós realmente estejamos dispostos a construir consensos em prol da coletividade.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado. (Pausa.)
Vou anunciar que já estão conectados o Senador Tasso Jereissati, a Senadora Zenaide Maia, o Senador Izalci Lucas e o Senador Fabiano Contarato. Espero que eles possam continuar na sessão, porque contribuirão bastante com o debate com os nossos ilustres convidados.
O Senador Randolfe Rodrigues vai falar daqui a pouco, mas, antes de ele falar - ele está dando uma entrevista -, eu queria começar já a passar a palavra aos nossos debatedores, aos nossos convidados.
Eu queria conceder a palavra à Sra. Camila Asano, Coordenadora Jurídica da ONG Conectas Direitos Humanos, por oito minutos, com uma tolerância de dois. Quando se completarem oito minutos, a senhora vai ouvir "faltam 15 segundos"; aí haverá uma tolerância de mais dois minutos.
Obrigado.
Por favor, Dra. Camila...
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A SRA. CAMILA ASANO (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senador.
Bom dia, Sr. Presidente da sessão, Senador Rogério Carvalho!
Cumprimento também as Senadoras e os Senadores presentes, as expositoras e os expositores e todas e todos que nos acompanham nesta transmissão.
Antes de mais nada, gostaria de me apresentar. Sou Camila Asano, Diretora de Programas da ONG Conectas Direitos Humanos, entidade dedicada à proteção dos direitos humanos e dos direitos socioambientais.
É uma grande honra poder estar aqui, porque parte do nosso trabalho tem sido acompanhar as políticas públicas que tocam o tema de direitos humanos e direitos socioambientais, e esta Casa, o Senado Federal, exerce um papel importantíssimo em promover ações que possam vir a ampliar os direitos das pessoas, mas também um papel que cada vez mais tem se mostrado mais importante ainda devido ao cenário em que vivemos hoje, que é o de barrar retrocessos. Então, é uma honra poder estar aqui, hoje, numa Casa em que depositamos tanta confiança e esperança. Que sirva como uma casa de proteção aos direitos humanos e às garantias constitucionais!
Eu gostaria também, Sr. Presidente, de saudá-lo pela iniciativa e o próprio Senador Randolfe Rodrigues por convocar esta sessão remota de debates temáticos do Senado Federal.
E, novamente, quero agradecer imensamente a oportunidade, em nome da Conectas, entidade que represento, de participar de tão prestigiosa e relevante sessão, junto com os colegas e as colegas - muitos já são companheiros e companheiras de várias outras batalhas em várias questões de direitos humanos.
A convocatória desta sessão, Sr. Presidente, na sua própria justificação, já indicava que esse projeto de lei de defesa do Estado democrático de direito, que estamos hoje debatendo, constitui uma das matérias mais importantes que o Congresso Nacional aprecia no ano de 2021. Eu não poderia concordar mais com isso, porque estamos falando da possibilidade de revogação da Lei de Segurança Nacional.
O PL que nos reúne hoje acrescenta um novo título à Parte Especial do Código Penal, relativa aos crimes contra o Estado democrático de direito. E, tão mais importante, ele revoga a Lei 7.170, da ditadura militar, a Lei de Segurança Nacional. A LSN, como já é popularmente conhecida - que triste que ela precisa ser popularmente conhecida por ainda existir! -, é um verdadeiro resquício autoritário da ditadura militar, incompatível, de todas as formas, com a democracia restabelecida a partir da Constituição de 1988. E, como o senhor mesmo destacou, a intensificação de sua utilização para respaldar ameaças e intimidações contra vozes críticas ao Governo reforça a inadequação do paradigma de segurança nacional, que já é anacrônico e incompatível com a ordem constitucional. É anacrônico também se formos pensar o cenário internacional, porque essa Lei de Segurança Nacional veio numa lógica de Guerra Fria, que já foi superada há muitas décadas.
Destaco o relatório recente do Laut, o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, que realizou um diagnóstico recente da aplicação atual da Lei de Segurança Nacional. Esse estudo faz referência a um levantamento do jornal O Estado de S.Paulo que constatou um aumento no número de inquéritos policiais abertos, com base na Lei de Segurança Nacional, de cerca de 285% entre 2019 e 2020, nos primeiros anos da Presidência de Jair Bolsonaro, comparados em relação aos primeiros anos de mandato de seus predecessores: Presidenta Dilma Rousseff e Presidente Michel Temer. Então, esse aumento de cerca de 285%, nesse período que foi utilizado pelo Centro de Análise para fazer a comparação, mostra uma explosão - acho que eu posso dizer assim -, uma explosão do número de inquéritos abertos com base nessa Lei de Segurança Nacional.
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Um dos achados centrais do estudo realizado pelo Laut é o de que a abertura dos inquéritos com base na Lei de Segurança Nacional se insere em uma estratégia de intimidação judicial, estratégia essa promovida pelo Governo Federal com o objetivo de amedrontar e calar qualquer tipo de oposição.
Portanto, sendo a Lei de Segurança Nacional, esse entulho da ditadura, um instrumento usado para nos intimidar e nos calar no passado e agora no presente, está mais do que na hora de nos livrarmos desse entulho autoritário da Lei de Segurança Nacional.
Sem dúvida nenhuma, esse processo de revogação deve ser feito com todas as cautelas e preocupações necessárias, para que as garantias justamente de pluralidade e de existência do contraditório e de atuação de uma sociedade civil vibrante e ativa não sejam colocadas em risco nesse processo de substituição de uma lei que não deveria mais existir por algo que deverá ocupar o seu espaço com o objetivo de um Estado democrático de direito, e não mais de um Estado pautado pela lógica, que foi a lógica da segurança nacional, da ditadura militar.
Para isso, Sr. Presidente, permita-me retomar o posicionamento contido em documento do Pacto pela Democracia, que foi assinado por mais de 60 entidades da sociedade civil brasileira, incluindo a minha entidade, a qual represento, a Conectas Direitos Humanos.
Reforçarei, na sequência, elementos que, no nosso entendimento, são centrais para que o novo marco que revogue a Lei de Segurança Nacional persiga a proteção do Estado democrático de direito e não incorra em riscos à ação de organizações da sociedade civil, aos movimentos sociais e ao próprio pluralismo político, que são a base da democracia brasileira.
Em primeiro lugar, destaco a importância de que a revogação da LSN seja realizada por meio de um texto cujas condutas previstas devem ser aquelas motivadas pela intenção inequívoca de expor o perigo concreto de grave lesão à ordem constitucional e ao Estado democrático de direito.
Em segundo lugar, infelizmente, vemos uma proliferação de projetos de lei em diferentes matérias no Congresso Nacional que buscam criminalizar os movimentos sociais. Para isso, fazem uso de termos propositalmente amplos e ambíguos para dar margem à perseguição.
Para isso, Senador Rogério Carvalho, peço licença para me afastar, por alguns instantes, da discussão do projeto que nos reúne hoje, que é o projeto de lei de defesa do Estado democrático, e chamar a atenção para outro projeto: o Projeto de Lei 1.595, de 2019, que visa a criar um sistema antiterrorismo de cunho autoritário e que tramita, no momento, na Câmara dos Deputados, cuja Comissão Especial inicia seus trabalhos na semana que vem. Faço só este momento de pausa e me afasto um pouco do tema que nos reúne, porque essa preocupação de legislações que possam vir a criminalizar movimentos sociais é algo que está presente nesta matéria, no PL 1.595, de 2019. Esperamos que, caso o projeto saia da Câmara dos Deputados na forma tão violadora de direitos humanos em que se encontra, o Senado Federal possa cumprir, mais uma vez, o seu papel de guardião das garantias constitucionais diante de tão abusiva matéria.
Então, fiz apenas esses parênteses para já fazer esse apelo, porque essa é uma matéria que tem tramitado - temos acompanhado com várias instituições, inclusive algumas que estão aqui presentes nesta sessão temática -, que nos preocupa, que está ganhando muito fôlego e avançando.
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Então, o uso de tipos penais abertos, amplos e/ou imprecisos faz parte de toda essa leva de projetos que atentam contra a sociedade civil. E, nesses projetos também, há o uso de terminologias de condutas que acabam por mirar atividades próprias da ação social em defesa da democracia, dos direitos humanos e do meio ambiente. É relevante que, voltando agora ao PL da defesa do Estado democrático de direito, se reforce a importância de que tais termos não estejam presentes. Durante os trabalhos na Câmara dos Deputados, os quais o Conectas acompanhou intensamente, foi relevante que determinados tipos e termos, como atos preparatórios que estavam presentes nas primeiras versões dos textos, tenham sido superados.
Faço aqui também um registro de reconhecimento à forma como a Relatora, a Deputada Margarete Coelho, conduziu os trabalhos na Câmara dos Deputados, sempre muito aberta a contribuições, mas também faço o registro de lamento com relação à imposição do regime de urgência, algo que temos visto cada vez mais sendo utilizado nos trabalhos da Câmara dos Deputados.
Falando sobre esses tipos ou termos que foram afastados e superados durante a tramitação na Câmara, uso, só como exemplo, já caminhando para o final, Senador, a retirada do tipo penal que criminalizava a atividade aerofotográfica e o sensoriamento remoto em qualquer parte do Território nacional. Os índices crescentes de desmatamento mostram o quão necessário é o monitoramento do desmatamento feito por organizações ambientais. E temos visto também a intimidação e o discurso criminalizando justamente essas ONGs, proferidos por integrantes do Governo Federal.
Concluo, Sr. Presidente, fazendo um apelo para que os Srs. Senadores e as Sras. Senadoras, durante os trabalhos a serem conduzidos nesta Casa em torno da matéria do projeto de lei de defesa do Estado democrático de direito, tenham como prioridade o espírito contido no atual art. 359-T do capítulo das "Disposições Comuns", que determina que "não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais". Que esta casa, o Senado Federal, siga nesse espírito, para que a revogação tão necessária e tardia da Lei de Segurança Nacional seja acompanhada também da tão necessária proteção da sociedade civil e dos movimentos sociais!
Muito obrigada pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Dra. Camila.
Quero agradecer à senhora pela sua contribuição e convidar o Dr. Professor Alaor Leite, para poder fazer suas considerações e dar a sua contribuição.
O SR. ALAOR LEITE (Para exposição de convidado.) - Muito obrigado, Senador Rogério Carvalho, na pessoa de quem eu cumprimento todos os Senadores e Senadoras e os colegas que me acompanham.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Alaor, desculpe a brincadeira, mas hoje você está parecendo um pouco mais velho do que no dia em que a gente conversou. Vou descontar do seu tempo a minha brincadeira.
O SR. ALAOR LEITE - Deve ser o terno, Senador. Há de ser o terno que me deixou com essa aparência mais respeitável.
Bem, esta sessão plenária trata de relevante matéria, afinal a Lei de Segurança Nacional é uma morta insepulta, e todos sabem disso. O que nos reúne hoje, em primeiro lugar, é a necessária revogação dessa lei, para formalizar o sepultamento, enfim. Em segundo lugar, é forjar o futuro, forjar o regime jurídico de proteção do Estado de direito para o porvir. Não pode haver vácuo nesse setor. Quero crer que reinam dois consensos a esse respeito: a necessária revogação e a necessária substituição por algo melhor.
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O Projeto 2.492, de 1991, que vem da Câmara para esta Casa, para o Senado, amealha várias tentativas de revogar a Lei de Segurança Nacional ao longo dos últimos quase 40 anos e teve ótimo andamento na Câmara aos cuidados da Deputada Margarete Coelho. Diligentemente apoiada nos projetos anteriores, a Câmara soube ser parcimoniosa ao devolver essa matéria, que vagava pela legislação especial desde 1935, ao Código Penal, promovendo segurança jurídica.
Das alterações, eu destacaria apenas a nova redação do crime de abolição violenta do Estado de direito.
Neste momento, em razão do tempo, quero me concentrar no novo delito de comunicação enganosa em massa, o art. 359-O, a grande novidade do projeto, se assim me for permitido dizer. A tentativa aqui é a de proteger o Estado de direito, mais especificamente o processo eleitoral, contra a desinformação deliberada, orquestrada, meticulosa e industrialmente. Nessa matéria, não teremos, lamentavelmente, como observar o Direito estrangeiro. O tipo mais próximo que existe no Direito comparado é o da Áustria, mas, ainda assim, com outro escopo. Na Alemanha, de onde participo desta honrosa sessão, não há tal delito, embora haja discussão a esse respeito.
Meus objetivos bastante modestos, neste tempo de que disponho, são, portanto: elevar a precisão redacional do tipo - um tipo novo tem que ser claro, para que cumpra seu objetivo - e sugerir parâmetros interpretativos a serem contemplados, Senador Rogério Carvalho, já na exposição de motivos. Um tipo novo merece um detalhado esclarecimento na exposição de motivos para orientar o intérprete no futuro.
Esse tipo de comunicação enganosa em massa está no Capítulo III, que tutela o processo eleitoral - é a grande novidade dessa lei -, e, embora possua pena menor do que os outros dois delitos que desfilam nesse capítulo, aparentemente, será o delito que tem maior relevância prática. Daí a minha escolha. E isso se soma ao fato de que há o reconhecimento de uma possibilidade inédita de ação penal privada de titularidade de partidos políticos, subsidiária à ação pública. Esse tema, certamente, virá à baila aqui no nosso encontro.
A redação deste tipo, do art. 359-O, é "promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de comprometer o processo eleitoral". A pena é de um a cinco anos.
Sugiro aqui duas cautelas redacionais e alguns parâmetros interpretativos, tema que também foi objeto de uma discussão com vários colegas, ilustres juristas, dois dos quais estão aqui nesta audiência: Alexandre Wunderlich e Maurício Campos.
As cautelas redacionais, Senador, seriam, em primeiro lugar, adicionar um elemento que balize o sentido do termo "comprometer o processo eleitoral", isso porque esse termo é desconhecido da legislação codificada. Ele ingressou no Código apenas nos recentes e novos crimes licitatórios, em que se fala em comprometer a credibilidade do certame. Mas veja que não se fala em comprometer o certame, mas, sim, a sua credibilidade.
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Comprometer o processo eleitoral pode dar a impressão à intérprete de que essa divulgação massiva de fatos falsos vem aqui comprometer o processo eleitoral como um todo, com o que esse tipo não terá praticamente aplicação. Nesse sentido, para que se balize o sentido dessa expressão e para que ela ingresse de forma mais aconchegante no Código Penal, para onde essa matéria vem, que se fale em comprometer a higidez do processo eleitoral. A mera adição dessa palavra pode auxiliar o intérprete.
A segunda cautela redacional decorre de uma ambiguidade gerada pela própria construção gramatical. O legislador fala em "fatos que sabe inverídicos capazes de comprometer o processo eleitoral". Quando o legislador menciona esta expressão "que sabe", ele quer excluir as hipóteses de dolo eventual e dolo direto de segundo grau. Ele quer dizer, entre outras coisas, para ser bastante claro, que o agente tem que ter certeza, aqui, no caso, da falsidade da afirmação. Ocorre que a construção gramatical sugere que o autor tem de ter certeza também da capacidade dessa divulgação para comprometer o processo eleitoral. E, se isso for verdade, novamente esse tipo não terá aplicação prática, eu diria, quase nenhuma, na medida em que é praticamente impossível realizar um juízo de certeza em relação àquilo que é apenas uma aptidão para comprometer o processo eleitoral. Certeza o agente pode ter apenas dos fatos e de sua falsidade, e não do resultado que se produz com essa disseminação industrial. Para esse resultado, bastam as outras formas de dolo.
Em razão disso, nós sugerimos, muito modestamente, que a redação seja a seguinte, apenas com a adição de uma vírgula e de uma palavra: "[...] campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer o processo eleitoral". Com isso, deixa claro que aquele que divulga tende a conhecer a falsidade do fato que divulga. Tem que ter certeza dela, na medida em que, por vezes, é difícil distinguir fatos e valoração sobre fatos. Mas essa certeza não se refere à aptidão para abalar a higidez do processo eleitoral; aqui, basta o dolo.
Por fim, Senador, sugeriria um detalhamento mais explícito na exposição de motivos do âmbito de aplicação desse tipo. Não basta, nessa lei, pela sua relevância, pela sua importância histórica e pela sua importância para o futuro, uma exposição de motivos declamatória. A exposição de motivos tem de determinar o âmbito de aplicação do tipo. Nesse sentido, eu diria que há, no mínimo, três esclarecimentos imprescindíveis. O primeiro deles seria o de que as ações típicas, promover ou financiar, sugerem uma orquestração, um concerto, uma atitude organizada, não um mero encaminhamento episódico de mensagem. É esta a conduta que o tipo quer proibir: essa forma quase industrial e orquestrada de divulgação de fatos falsos.
O segundo esclarecimento, uma espécie de filtro, é o de que essas condutas estão vinculadas a uma espécie de utilização de expedientes clandestinos, os tais robôs, os disparos em massa, o que escapa ao controle do provedor de aplicação de mensagem privado. Esse esclarecimento é também importante.
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O terceiro esclarecimento é o de que o fato inverídico, divulgado industrialmente, deve possuir um peso tal que possa atingir a higidez do processo eleitoral, não bastando alguma informação falsa marginal, sobretudo porque o tipo é construído para tutelar a higidez do processo eleitoral, e não para tutelar esse ou aquele candidato. Nesse sentido, o tipo protege um bem jurídico coletivo. A divulgação da informação falsa deve, então, poder abalar a higidez desse processo eleitoral. O prejuízo a um candidato específico, sobretudo em eleições majoritárias, pode ser um resultado acompanhante desse fenômeno, mas não é o que o tipo quer precipuamente proteger.
Nesse sentido, sugeriria as duas alterações redacionais que foram encaminhadas já ao gabinete do Relator, Senador Rogério Carvalho, e esse esclarecimento mais explícito na exposição de motivos, para que a exposição de motivos possa cumprir essa função de ser fonte do intérprete, sobretudo num tipo novo que não existe no Direito estrangeiro.
Eram basicamente essas as minhas considerações.
Senador, eu atentaria apenas, por fim, para dois fatos. O primeiro é a necessidade de que haja o período de vacatio legis de 90 dias, na medida em que essa matéria é bastante polêmica e pode haver vetos parciais que precisarão ser debatidos nas Casas. Então, essa medida de prever a vacatio é necessária. E eu também atentaria ao fato de que a reforma em curso do Código Eleitoral, na qual também se prevê um delito de divulgação de fatos inverídicos, é também missão do nosso Parlamento para identificar se não há sobreposições entre esses delitos.
Eram essas as minhas considerações, Senador Rogério Carvalho.
É um prazer estar com V. Exa. novamente. Foi um prazer ter essa oportunidade. Alegra-me saber que teremos agora a oportunidade de debater com os demais Senadores e Senadoras e com os colegas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Professor Alaor Leite.
Eu quero agora passar a palavra para o Professor Dr. Alexandre Wunderlich, que é Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, tchê.
O SR. ALEXANDRE WUNDERLICH (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos.
Quero inicialmente agradecer ao Senador Rogério Carvalho pela oportunidade, por essa possibilidade ampla de diálogo com a sociedade. Reencontrá-lo com saúde nesses tempos difíceis, Senador, é um prazer, é uma alegria.
Eu quero saudar também a todos os Senadores presentes, à assistência e aos meus colegas de bancada, apresentando-me como um professor daqui do Sul, na minha Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e como representante do Itec, que é um instituto de estudos transdisciplinares criminais daqui, também do Rio Grande do Sul, que já tem mais de 20 anos, com uma publicação chamada Revista de Estudos Criminais, em que esse tema foi debatido.
O que me possibilita estar com todos os colegas hoje, aqui, talvez tenha sido um grupo de professores formado pelo Alaor Leite e pelo Maurício Campos, aqui presentes, mas também pelo Professor Miguel Reale Júnior, Oscar Vilhena, Theo Dias e Adriano Teixeira, que vêm discutindo essa temática da Lei de Segurança Nacional.
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Alguns meses atrás, em oportunidade com o Professor Reale, fiz um parecer, um longo parecer sobre a Lei de Segurança Nacional, encaminhado, Senador Rogério, à Ordem dos Advogados do Brasil, em convite do Presidente Felipe Santa Cruz. A esse material também foi adicionado um parecer brilhante do Professor Alaor Leite e do Adriano Teixeira sobre a matéria no âmbito internacional, no direito comparado. Então, essas pesquisas realizadas por esse grupo de colegas interessados pela defesa do interesse público já vêm trabalhando nessa matéria com alta capacidade de diálogo, sobretudo com a Deputada Margarete e o Deputado Paulo Teixeira. Ambos foram parceiros numa união de propósitos para que esse texto chegasse muito mais bem desenhado ao Senado Federal.
E, de igual maneira, eu quero registrar também um agradecimento especial ao Senador Anastasia, que nos recebeu para discutir muitos desses pontos. E eu elegi apenas um ponto para uma contribuição que também já foi encaminhada por escrito ao Senador Rogério Carvalho, porque acho que a questão fundamental de superação do paradigma da Lei de Segurança Nacional, de defesa da segurança nacional por um paradigma de proteção e defesa das instituições democráticas, já é uma unanimidade, já é um consenso. Nós temos que superar esse modelo autoritário de essência autoritária da Lei de Segurança Nacional, de 1983 e, de uma vez por todas, adotar um modelo garantista de defesa do Estado de direito e das instituições democráticas. E esse conceito é um conceito muito caro, um conceito de tutela das instituições democráticas.
Desde 1988, os penalistas aqui e quem acompanha a questão da racionalização da lei penal no Brasil hão de concordar comigo que, desde a Constituição, nós viemos, ao longo do tempo, criminalizando uma série de condutas, muitas delas quiçá desnecessárias sob um ângulo de um direito penal, racional, necessário e minimalista. Por outro lado, nós não criminalizamos aquilo que há de mais importante para o Estado democrático de direito, que são justamente essas violações de Estado, praticadas contra os Poderes Públicos e as instituições democráticas. Então, nós criminalizamos condutas que afetam valores ou bens jurídicos de menor importância e não nos deparamos com a dignidade penal da intervenção necessária que se dá no âmbito das instituições democráticas.
No que tange a isso, a proposta que trago aos colegas para o debate é justamente fruto desse trabalho dos colegas que se debruçaram sobre o projeto que veio da relatoria da Deputada Margot e que fala do art. 286 do Código Penal.
O art. 286 do Código Penal, o caput dele, a cabeça do artigo diz o seguinte: "Incitar, publicamente, a prática de crime [...]". E a proposta redacional veio da seguinte forma da Câmara - a inclusão de um parágrafo no art. 286: "§1º Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".
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É evidente que aqui há uma melhoria substancial no antigo art. 23, inciso II, da Lei de Segurança Nacional. Ele é transportado, numa figura de reserva de codificação, que é bastante interessante, para dentro do Código Penal brasileiro e superando expressões da antiga Lei de Segurança Nacional, como as classes sociais ou as instituições civis. Então, acho que o passo é muito fundamental e importante, mas a sugestão é de uma melhoria redacional aqui.
Penso também que podemos evoluir sobre dois aspectos, dois passos podem ser dados, a fim de melhorar ainda mais o figurino penal. O espírito aqui desse texto é justamente tratar de evitar a animosidade entre as Forças Armadas e destas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade, e não o sentido contrário, por exemplo, a sociedade contra as Forças Armadas. E aí é que se sugere uma redação para que se possa deixar mais claro, com menos juízo de interpretação ou até de eventual recurso à malversação.
Propomos igualmente incluir, ao lado de Forças Armadas, as suas forças auxiliares, Professor Serrano: Polícia Militar, os da Reserva... Para evitar essa dúvida interpretativa do texto, esta Brigada Militar dos Estados, que é - vamos dizer assim - a base de uma eventual insurgência, deve estar mais expressa no tipo, e esta é a sugestão para que se evite um risco interpretativo.
A nova proposta de redação seria, portanto:
"Parágrafo Único. Incorre na mesma pena quem incita publicamente [evidentemente se mantém a questão] a animosidade nas Forças Armadas ou qualquer destas e de suas forças auxiliares e reservas contra os Poderes Constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".
E, alternativamente, se porventura o Senado acolher apenas a emenda redacional, ficaria assim:
"Parágrafo Único. Incorre na mesma pena quem incita publicamente a animosidade das Forças Armadas ou de qualquer destas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".
Nós entendemos que aqui há um trabalho específico do nosso colega que vai participar do debate, Professor Maurício Campos, nessa redação aqui, juntamente com esses colegas do grupo em que eu tive a oportunidade de ser apenas o porta-voz. Nós entendemos que é preciso deixar claro que nesse crime de incitação, também participam as Forças Militares auxiliares e os agentes que estão na reserva.
Seriam essas as minhas considerações, fazendo eco ao que disse meu amigo Alaor Leite sobre a questão da vacatio. Fazendo eco ao que disse a Camila, da Conectas, sobre o perigo da legislação antiterrorismo que vem pela frente, e agradecendo mais uma vez, Senador Rogério Carvalho, o espaço democrático e de amplo debate com a sociedade civil que V. Exa. tem oportunizado.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Professor Alexandre Wunderlich.
Eu queria, agora, conceder a palavra ao Professor-Doutor Maurício de Oliveira Campos Júnior, Professor da Universidade Católica de Minas Gerais.
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O SR. MAURÍCIO DE OLIVEIRA CAMPOS JÚNIOR (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Rogério Carvalho. Na sua pessoa, cumprimento a todos os demais participantes desta sessão em que se debate a substituição ou o sepultamento da Lei de Segurança Nacional. Eu agradeço essa oportunidade. Penso que fui muito estimulado por esse grupo de professores que recentemente me convidou para fazer parte desse debate que já acontecia antes mesmo de o projeto ganhar a velocidade que lhe deu a Deputada Margarete Coelho, lá na Câmara Federal. E, nessa etapa, uma contribuição complementar parece-nos algo extremamente gratificante. Por isso, eu quero agradecer muito, na sua pessoa, esta oportunidade.
Indo diretamente a um ponto - e acho que foi isso que nos inspirou, sobretudo Alaor, Alexandre e eu -, nesta manhã, como forma de reflexão e contribuição, elegi o art. 359-Q, que trata da ação penal privada subsidiária. Se é verdade que a comunicação enganosa em massa constitui uma novidade importante nesse projeto, penso eu que o art. 359-Q, com a ação penal privada subsidiária legitimando partidos políticos para uma ação supletiva à do Ministério Público, nos crimes definidos no Capítulo III, que trata exatamente do processo eleitoral, constitui igualmente uma novidade realmente relevante. Isso por quê? Se estamos tratando de uma lei que traz institutos para o Código Penal, é preciso compreender que ela está se ajustando aos institutos já consagrados no mesmo Código Penal. E entre os institutos consagrados no Código Penal, a ação penal privada subsidiária é admissível na hipótese do ofendido, ou seja, o ofendido que, porventura, esteja legitimado poderá fazer uma ação penal privada subsidiária em caso de inércia do Ministério Público.
Nós temos assistido, no nosso sistema processual, alguma crítica, sobretudo em face do grande poder que muitas vezes o Ministério Público tem e a impossibilidade de controles ou fiscalizações relativamente a essa ação supletiva. E penso eu, até, que o que o projeto quis fazer foi inaugurar uma perspectiva de que partidos políticos, no âmbito de crimes que atentem contra o processo eleitoral, tenham essa legitimidade. Mas essa legitimidade me parece uma legitimidade bastante anormal do ponto de vista da sistemática do Código Penal. Os partidos políticos não são nem ofendidos nem também são órgãos oficiais aos quais a Constituição tem atribuído a legitimidade para persecução penal. Então, eles acabam se colocando entre o Ministério Público e o ofendido e ganham uma legitimidade a partir da previsão da lei, do projeto, que até então era completamente desconhecida para toda e qualquer entidade privada. Ou seja, ele não é o órgão oficial encarregado de persecução penal e também não é, a rigor, um ofendido segundo o Código Penal e o Código de Processo Penal.
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Então, essa iniciativa de trazer a legitimidade ativa aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional é absolutamente inovadora. Daí, é preciso, em primeiro lugar, advertir para aspectos constitucionais. Provavelmente, esse tema não escapará de um amplo debate constitucional, se não agora, no futuro, até mesmo por se discutir se a ação penal pública privativa do Ministério Público pode, eventualmente, ser supletivamente intentada como ação privada subsidiária por um partido político, que não é, na sistemática do Código Penal, propriamente um ofendido, à luz do que todo o sistema processual e penal brasileiro conhece. Por isso, a sugestão, em princípio, é: ou bem se suprime esse dispositivo, ou, então, se promove, eventualmente, uma redução do seu alcance. Explico: é que os crimes a que se refere a perspectiva da ação penal privada subsidiária por partidos políticos são apenas os crimes previstos no Capítulo III, que tratam do processo eleitoral. Seriam, portanto, os crimes de interrupção do processo eleitoral, comunicação enganosa em massa e violência política. Qual a proposta ou sugestão? A prevalecer a ideia que a Câmara traz, como já incluída neste projeto, de legitimação dos partidos políticos, excluir, eventualmente, essa legitimação decorre do crime de violência política. Por quê? Porque, no crime de violência política, diferentemente dos outros dois crimes - de comunicação enganosa em massa e interrupção do processo eleitoral -, há vítimas determinadas sempre. Sempre. Vale dizer: o que falar ou o que dizer da legitimidade ativa do ofendido aquele que tenha sofrido, ele próprio, a violência física, a violência sexual, a violência psicológica? Que tenha, portanto, ele próprio, de alguma maneira, restringidos os seus direitos, impedido o seu direito ou dificultado o seu direito no exercício do direito político, em razão de seu sexo, sua raça, sua cor, sua etnia, religião ou procedência nacional?
A rigor, pode ser que a legitimação de partidos políticos, em relação a tal delito, traga uma perplexidade enorme, porque os partidos políticos se substituiriam, substituiriam tais ofendidos e, nisso, trariam uma situação relativamente complexa. Por quê? Porque ele sim, na sistemática do Código Penal, possui legitimidade ativa subsidiária, e, agora, os partidos políticos estariam entrando, vamos dizer assim, ou de maneira concorrente, ou usurpando tal legitimidade ativa. Ou seja: a ideia, a par de toda a discussão constitucional, e não se pode também desconhecer, e creio eu que o projeto leva em conta a própria estatura constitucional que têm os partidos políticos, inclusive legitimados para ações de cunho constitucional já conhecidas - ações diretas de constitucionalidade, ações de descumprimento de preceito fundamental, enfim... Mas, dotar os partidos políticos dessa legitimidade ativa é, de fato, uma grande inovação.
Então, eventualmente seria prudente, penso eu, talvez reduzir o impacto dessa novidade, excluindo da violência política tal legitimidade. A hipótese seria, então, que o art. 359-Q previsse que, para os crimes previstos nos arts. 359-N e 359-O, admite-se ação privada subsidiária de partido político com representação no Congresso, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito.
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Sr. Senador, nessa primeira etapa, penso eu que era essa a contribuição que escolhi para oferecer ao debate, entendendo e acreditando que será um grande passo, de certo modo, essa legitimação ativa de partidos políticos em crimes com o processo eleitoral. Mas, talvez, a prudência, considerando que ela está incluindo dispositivos no sistema, na forma sistemática, como o Código Penal compreende o sistema de titularidade de ações, que se restrinja àquelas hipóteses em que as vítimas determinadas não se encontram ou não se identificam como regra principal.
Obrigado pela oportunidade dessa contribuição.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Professor Dr. Maurício de Oliveira Campos Júnior.
Eu concedo a palavra agora à Conselheira Sra. Virginia Dirami Berriel, Conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos e representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
A SRA. VIRGINIA DIRAMI BERRIEL (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Rogério Carvalho; bom dia, todos os Senadores, todos os integrantes desta importante audiência pública, debatedores, todos os colegas que estão aqui presentes. Bom dia a todos, todas e todes!
É uma honra poder participar desta audiência.
Além de Conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos, como o Senador disse, eu sou da direção da Central Única dos Trabalhadores, da direção de dois sindicatos - o Sinttel-Rio e o Sindjor (Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro) - e também integro o Movimento Humanos Direitos.
Bem, a Lei de Segurança Nacional, esse entulho que está aí há muito tempo, é uma grande ameaça. Evidentemente, o Conselho Nacional de Direitos Humanos é totalmente a favor de sua revogação. Inclusive, nós, no mês de março, nos manifestamos em nota pública, por conta de todos os ataques à liberdade de expressão, por meio da aplicação dessa indevida Lei de Segurança Nacional, e nós emitimos nota. Nós já falamos em outras audiências do nosso desejo do sepultamento dessa lei tão prejudicial às liberdades.
Evidentemente, quero reforçar aqui, em nome do conselho, em nome da Central Única dos Trabalhadores, que nós precisamos sepultar, sim, essa lei, que é um entulho, mas também precisamos ter muita cautela, precisamos fazer muitos debates, não evidentemente de forma açodada, para trabalhar uma outra lei que possa apresentar qualquer tipo ou qualquer forma de inibição de perseguição, de censura, de ataques aos movimentos sociais, ao movimento sindical, movimentos esses que já estão sendo atacados. Quero dizer aqui que, lamentavelmente, os trabalhadores deste País estão sendo atacados todos os dias. A precarização é extrema e intensa, mas não só os trabalhadores, as mulheres, os negros e os pobres deste País estão sendo atacados e massacrados no seu dia a dia. Então, nós não podemos indicar ou defender um projeto que vá agredir as liberdades dessas pessoas; e mais: nem a liberdade de imprensa.
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Como jornalista, quero destacar aqui também que essa categoria vem sendo massacrada por este Governo desde o momento em que ele entrou. Todos os dias nós vemos aí na mídia um ataque. É uma barbárie vergonhosa que tem acontecido diuturnamente aqui, no nosso País. E, evidentemente, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos não pode compactuar nem com essa atitude deste Governo, que não nos representa, como também não representa os trabalhadores; nem as mulheres; nem os pobres; nem os pretos deste País; nem os índios deste País, que estão sendo massacrados; nem o meio ambiente.
Então, que fique aqui o nosso repúdio e o maior repúdio pelas 510 mil vítimas da Covid-19. Grande parte da morte dessas pessoas que se foram poderia ter sido evitada se este Governo agisse com sensibilidade e se ele aplicasse exatamente as normas definidas pela OMS: as normas de distanciamento social, as normas de utilização de máscara e tudo mais. Então, o que está acontecendo no Brasil hoje é um crime.
Mas, voltando à questão do projeto, evidentemente que os esforços são importantes para que se tenha um projeto que não restrinja as liberdades, mas que garanta os direitos humanos para todas essas categorias de que aqui eu falei.
Quero deixar, inclusive, destacado que nós temos pessoas presas por conta da perseguição, por conta da Lei de Segurança Nacional. Evidentemente nós temos aí um companheiro, um militante, o Rodrigo Pilha; nós temos outros trabalhadores, o Deyvid Bacelar; nós temos também, mais recentemente, o Alessandro Trindade, este último funcionário concursado da Petrobras, que foi demitido por justa causa simplesmente por levar alimentos a um acampamento aqui, no Rio de Janeiro.
É a barbárie que está acontecendo em nosso País. Então, todo e qualquer outro projeto tem que levar em conta o que nós estamos sofrendo hoje, e aí não fazê-lo de forma açodada. Nós precisamos fazê-lo com muito debate com a sociedade civil para que não se interfiram nas nossas liberdades, para que a população não pague o preço que estamos pagando hoje. Não podemos permitir mais que haja tanto sofrimento quanto o sofrimento que trabalhadores, mulheres, pobres deste País gritam - gritam pela fome e gritam pela morte pela Covid-19.
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Então, quero parabenizar o esforço do Senador pelo projeto em questão. É necessário debater, é necessário avançar, e que este projeto não restrinja nenhuma liberdade, que esse projeto não restrinja nenhuma greve, nenhuma manifestação, nenhum ato político. Que não seja um projeto que persiga seus opositores, como o que está acontecendo com este Governo; que permita a perseguição, seja por parte policial, seja por parte federal, a seus opositores por questões políticas, por questões ideológicas, por questões de gênero. Isso não podemos permitir.
Então, quero parabenizar o Deputado. E precisamos avançar. A ideia é avançar para que sejam garantidas todas as liberdades e que os direitos humanos, que nós tanto queremos para todos, sejam vividos e vivenciados de forma plena e estabelecidos conforme a Constituição deste País. Não podemos permitir que a Constituição deste País continue sendo rasgada como este Governo está fazendo.
Quero agradecer aqui a participação, o convite ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos, e dizer muito obrigada. Vamos à luta para que não haja nenhum obstáculo a esse novo projeto e para que os projetos que estão tramitando aí e que colocam em risco a população, como aqueles de que falou a Camila - o 272, de 2016, o 1.959, de 2019 -, que esses projetos não avancem, sob pena de mais um ataque à população.
Muito obrigada, Senador Rogério Carvalho.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Conselheira Virginia Dirami Berriel.
E agora eu concedo a palavra à Sra. Raísa Ortiz, Coordenadora da Área de Espaço Cívico da ONG Artigo 19.
A SRA. RAÍSA ORTIZ CETRA (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador, muito obrigada; bom dia a todas e todos. Agradeço o convite, a oportunidade de estar aqui com todos hoje, conversando um pouco mais sobre esse tema, que é tão caro a todos que trabalhamos para a defesa da democracia e dos direitos humanos.
Eu aproveito e me apresento brevemente. Sou Coordenadora da Área de Espaço Cívico da Artigo 19. A Artigo 19 é uma organização internacional fundada em 1987, e com trabalho no Brasil desde 2007. A gente acompanha sistematicamente, pelo menos desde 2013, todas as violações e riscos à liberdade de expressão no Brasil e na América do Sul, em particular, os riscos ao direito de manifestação, ao direito de protesto e à segurança e proteção de defensores e defensoras de direitos humanos. É com este aprendizado, é com essa bagagem que eu venho aqui hoje falar para os senhores que precisamos resgatar esse histórico para poder analisar esta lei. Não é só com base no contexto atual que a gente tem que analisar o texto que está hoje em debate.
Então, com base nesse histórico, que muitos dos meus companheiros e companheiras aqui também têm, eu chamo a atenção porque realmente é urgente a revogação da Lei de Segurança Nacional. É um entulho da ditadura, é um grande resquício e uma grande dívida da democracia.
Agora, Senadores e Senadoras, eu chamo a atenção dos senhores para que não há consenso é há uma grande necessidade de um debate extremamente profundo sobre a necessidade de substituir esta Lei de Segurança Nacional. E, justamente porque não há consenso e porque é muito delicado qualquer debate ao redor desse tema, que é muito grave que a gente tenha feito esse debate na rapidez com que se fez. Senadores e Senadoras, eu não sei se os senhores fizeram as contas, mas o debate formal na Câmara não durou nem 15 dias. Nós tivemos 30 dias de debate se formos generosos e contarmos a parte informal do debate. Algo tão sério para a democracia brasileira não pode ser debatido dessa forma, e a gente espera que, no Senado, o processo se dê de outro lugar.
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Dito isso, eu queria chamar, primeiramente, a atenção dos senhores para dois grandes desafios - para não dizer dois grandes riscos - do processo político de debate desse projeto e com relação, se a gente puder categorizar assim, ao risco político pensado em relação ao Legislativo e ao Executivo e a essa vida política, porque todo o resto também é político, mas esses dois detalhes é importante que a gente leve em consideração.
O primeiro deles é com relação às negociações na Câmara, o que alguns dos meus colegas já trouxeram aqui. As negociações na Câmara se deram com a intenção de que este texto fosse um contraponto a todos os textos e projetos que estão se debatendo na Câmara em relação à Lei Antiterrorismo, à ampliação da Lei Antiterrorismo, e o 1.595, como mencionado pela Camila, é a nossa grande preocupação. Esse contraponto, que era a grande questão da negociação, parece ter caído por terra. E eu chamo a atenção dos senhores para que a gente faça esse exercício coletivo de checar se é assim, porque a instalação da Comissão Especial do 1.595, na semana que vem, me parece ou nos parece - há um grande número de organizações que, inclusive, se reuniu ontem - um indicativo de que este contraponto não está mais vigente. E a aprovação do texto da lei de proteção do Estado democrático de direito pareceria já não estar mais vinculada a uma garantia de não aprovação de uma nova lei, de uma reforma da Lei Antiterrorismo. Isso é muito importante que a gente tenha presente em termos de processo político.
O segundo ponto, em termos de processo político, são os riscos de veto. Temos um risco de veto grande da Presidência da República. Isso significa que, se fizermos as contas de quanto tempo mais ou menos leva entre os vetos e as negativas do Congresso em relação a esses vetos, nós vamos ter vigente uma nova lei de proteção de Estado democrático, nos moldes do Governo Federal, durante o processo eleitoral. Isso é um risco enorme à nossa democracia, porque todos sabemos aqui - os senhores sabem muito melhor que eu - que o processo eleitoral já começou, já estamos em andamento, já está toda a negociação em andamento. Ter vigente esta lei dessa forma, da forma como vai ficar depois dos vetos, por um tempo mínimo que seja, de três, quatro meses, durante o processo eleitoral, é um risco grave à democracia.
Dito isso - esses dois temas grandes políticos, que eu acho que é importante que a gente pense junto -, eu queria entrar no texto. E a nossa análise do texto foi feita de maneira muito coletiva, com muitos movimentos sociais e organizações - posso citar alguns: Justiça Global, Terra de Direitos, Movimento dos Sem Terra e Grupo Tortura Nunca Mais. E também fizemos, dentro do Artigo 19, com toda a trajetória que temos, uma análise de direito internacional do texto. Então, os meus comentários vão sair justamente desses dois processos de análise técnica muito profunda.
Então, eu chamaria a atenção dos senhores para quatro pontos do texto, os quais são um risco à democracia.
O primeiro deles é justamente em relação aos crimes de opinião, porque parecia ser um grande consenso, do ponto de vista social e jurídico, que era necessária a revogação dos arts. 22, 23 e 26 da atual LSN. Bom, não foi isso que aconteceu.
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No fim das discussões na negociação da Câmara, esses textos foram revividos pelo art. 3º, lá no final do texto, nas Disposições Gerais, que ampliam o rol dos beneficiários, dos funcionários públicos e políticos beneficiados pela proteção dos crimes contra a honra - difamação, calúnia... Os senhores devem saber que, no direito internacional, a grande recomendação dos especialistas e da própria jurisprudência é a descriminalização de crimes relacionados a funcionários públicos. A lei está indo na contramão, ela está aumentando o rol de funcionários públicos beneficiados por esse tipo de criminalização. E esse é um risco enorme à liberdade de expressão, pois sabemos os riscos de autocensura e o fator inibidor desse tipo de crime. Isso está lá no art. 3º.
O outro crime relacionado também com crimes contra a honra e crimes de opinião é o que já o meu colega Alexandre mencionou, que é o crime de incitação à animosidade das Forças Armadas. Ele é uma cópia, é texto literal da atual LSN, e é um risco enorme que ele esteja sendo reeditado. Vejam: eu estou chamando a atenção para artigos que estão sendo reeditados da LSN, então, a gente está revogando mais ou menos a atual LSN. Esse texto é um risco enorme, porque protege as Forças Armadas, a depender da interpretação, e não os outros Poderes da República, sendo que a gente sabe historicamente qual é o papel das Forças Armadas nesse jogo todo.
Um segundo ponto que eu queria trazer diz respeito aos riscos de criminalização da própria atuação política. Esses riscos estão estritamente relacionados... E devemos pensar no processo eleitoral de agora e em todos os desafios que temos daqui para a frente. Esses riscos estão, sobretudo, nos artigos de sabotagem e de abolição violenta do Estado democrático de direito. Eles são reedições, apesar de chamarem de outra forma, dos arts. 17 e 18 da atual LSN e criminalizam ferramentas históricas dos movimentos sociais, como estamos vendo agora, por exemplo, nos últimos dias, toda a luta dos povos indígenas em Brasília, tentando se fazer ouvir, ocupando prédios públicos, fazendo protestos... Essas ferramentas não podem ser criminalizadas, e esses dois artigos colocam em risco essas ferramentas. Quando a gente pensa em liberdade de expressão e liberdade de associação, o direito internacional é muito claro: as ameaças têm que ser evidentes, e nunca podem ser maiores os riscos à democracia quando a gente criminaliza qualquer tipo de conduta relacionada à liberdade de expressão. Nesse caso, as ameaças são claríssimas aos movimentos sociais, às lideranças, às organizações sociais. Então, esses dois artigos são de extrema preocupação.
E, para terminar, a outra grande preocupação é o artigo de espionagem, que reedita o art. 13 da atual LSN e coloca em risco a criminalização de difusão de informações de interesse público. Esse artigo é realmente muito preocupante, e nós deveríamos suprimi-lo, porque esse tipo de debate deveria ser feito em legislação específica.
Para terminar, com relação aos direitos digitais, privacidade, realmente, o artigo de comunicação enganosa em massa é uma grande preocupação da sociedade civil, porque também mereceria legislação específica, debate específico. E o direito internacional é muito claro ao dizer que termos genéricos como "enganoso", "falso" não deveriam jamais ser alvo de uma legislação penal.
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Acho que eram estes os temas que a gente queria trazer: esses dois temas políticos e esses quatro temas mais de texto. E queríamos pedir justamente a supressão do art. 3º, do artigo de sabotagem, do artigo de abolição, do artigo de espionagem e do artigo de comunicação enganosa. Com isso, a gente pode começar a conversar sobre realmente haver uma lei de proteção no Estado democrático de direito, e não uma reedição da atual LSN.
Agradeço e fico à disposição para qualquer dúvida que possa surgir da minha fala.
Muito obrigada, Sr. Senador.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigada, Raísa Ortiz, que é Coordenadora da Área de Espaço Cívico da ONG Artigo 19.
Eu quero conceder a palavra agora à Sr. Juliana Vieira dos Santos, advogada na Rede Liberdade.
A SRA. JULIANA VIEIRA DOS SANTOS (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Srs. Senadores, Sras. Senadoras. É uma honra fazer parte desta audiência pública sobre um assunto que é tão caro para o País.
Eu sou a Coordenadora Jurídica da Rede Liberdade, que é uma rede de advogados e advogadas que atua em casos de violações de direitos e garantias constitucionais. Temos acompanhado de perto a aplicação da Lei de Segurança Nacional na ponta, e é essa contribuição que eu gostaria de trazer aqui para este debate.
A velha Lei de Segurança Nacional, em vigor desde 1983, quando o País ainda vivia o regime da ditadura militar, sobreviveu mesmo após a restauração democrática nessa condição de entulho autoritário, de que tantos já falaram antes, de pouquíssima relevância - e pouquíssima relevância porque, uma lei em que voltou o aparato repressivo do Estado contra seus próprios cidadãos e cidadãs, ela não era aplicada de forma significativa desde a redemocratização. A partir de 2019, porém, Excelências, o aparato do Governo Federal e das forças policiais do País passaram a adotar o uso sistemático de alguns dos seus dispositivos.
E o estudo do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut), que já foi mencionado aqui, encomendado pela Rede Liberdade e pela Comissão Arns para apresentar ao Supremo Tribunal Federal, aponta exatamente o crescimento em 285% na instauração de inquéritos policiais com base na Lei de Segurança Nacional durante o atual Governo, o que traz de volta esse ultrapassado conceito de inimigo interno, próprio da doutrina de segurança nacional absolutamente incompatível com o Estado democrático de direito esculpido na Constituição de 1988. A velha Lei de Segurança Nacional, então, volta a ser assunto nos jornais dos tribunais, para enquadrar desde cartunista que faz charge crítica ao Presidente até servidores que divulgam informações discutidas no Ministério da Saúde, cumprindo a sua função institucional.
Esse estudo do Laut aponta que o Poder Executivo foi quem mais mobilizou o uso da Lei de Segurança Nacional contra cidadãos e cidadãs. E nós advogados e advogadas da Rede Liberdade temos acompanhado esse uso a serviço de medidas autoritárias que se sobrepõem a direitos fundamentais, principalmente a liberdade de expressão. E a Lei de Segurança Nacional tem sido usada, sim - muito usada! - para reprimir aqueles que criticam representantes do Governo e tem funcionado, portanto, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, como uma espada de Dâmocles sobre a sociedade civil, como uma tentativa de repressão. E, por isso, não há momento mais crítico, mais oportuno e mais urgente para sua revogação. E ela é urgente exatamente porque a lei está servindo ao propósito para o qual foi promulgada, que é asfixiar as críticas e os opositores de um governo.
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E aí é fundamental entender que a lei que veio da Câmara, com seus erros e acertos, significa, sim, uma mudança de paradigma: comete crime quem atenta contra a Constituição e não quem atenta contra quem ocupa a cadeira presidencial. Essa nova lei está tratando de proteger instituições e não os políticos da vez, estão sendo protegidos direitos e valores e não os projetos do Governo e quem os representa.
A velha Lei de Segurança Nacional falava em motivação política, em subversão da ordem social, em facilitação culposa, em punição da tentativa. O novo texto contém tipos muito mais específicos, tão específicos que até a lei foi criticada por ser de aparente difícil aplicação, como deve ser realmente uma lei penal que visa proteger o Estado democrático de direito e não a criminalização da sociedade.
A lei que veio da Câmara, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, incluiu elementos subjetivos e a exigência de uma lesividade concreta, em maior ou menor grau, em cada um desses tipos, como uma ferramenta de proteção da cidadania para quem se opuser a eventual mau uso do Direito Penal, um problema que é recorrente no nosso sistema, que é punitivista e é gerador de desigualdades, independentemente da nova lei. Essa é uma questão que a lei não vai conseguir solucionar, mas o novo texto cria uma excludente da lei, infelizmente necessária neste momento, que prevê que os artigos não se aplicam a manifestações críticas aos Poderes constitucionais, nem a atividades jornalísticas ou à reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações; enfim é o que está previsto, salvo engano, no art. 359-T. Essa excludente seria uma pá de cal no uso do art. 26 da atual Lei de Segurança Nacional, já que preservado o direito de crítica aos Poderes constituídos.
E concluo, portanto, reiterando tudo o que já foi dito anteriormente, principalmente pela Camila, pelo Professor Alexandre, pelo Professor Maurício e pelo Professor Alaor, mas concluo fazendo um apelo para que esta Casa mantenha os avanços conseguidos na Câmara, com as correções de redação que já foram sugeridas aqui e que eventualmente sejam necessárias; que este Senado Federal preserve essas garantias e aprimore eventualmente o texto nos pontos em que ainda há dúvidas, mas que faça isso rapidamente, porque o mau uso da velha Lei de Segurança Nacional já está prejudicando a cidadania, já está oprimindo quem ouse criticar o Governo ou denunciar os desmandos ou o genocídio em curso no País.
Eu agradeço muito a oportunidade.
Fico à disposição para qualquer esclarecimento.
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O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Muito obrigado, Dra. Juliana Vieira dos Santos, que representa aqui a Rede Liberdade.
Concedo a palavra agora ao Professor Pedro Estevam Serrano, que é professor de Direito Constitucional.
O SR. PEDRO ESTEVAM SERRANO (Para exposição de convidado.) - Muito obrigado, Senador Rogério. É uma honra poder estar aqui com V. Exa. refletindo a respeito desse projeto. É uma honra também estar presente com gente tão qualificada da sociedade civil e do meio jurídico.
Fui uma das pessoas que compôs um grupo de juristas: eu junto com o Professor Lenio Streck, Professor Juarez Tavares, Professora Carol Proner, Professor Marcelo Cattoni, da UFMG, Professor Martonio Mont'Alverne, Professor Eugênio Aragão, Professores Fernando Hideo, Juliana Serrano e Anderson Bonfim. E fizemos uma ampla da pesquisa da legislação então vigente do mundo, em países da Europa, basicamente, e aqui da América Latina, e, a partir dessa pesquisa, produzimos uma proposta de projeto de lei que foi apresentada pelo Deputado Paulo Teixeira, na Câmara.
Esse projeto tinha fundamentalmente a preocupação - foi apresentado já há algum tempo - de revogar a Lei de Segurança Nacional, que é uma herança nefasta do regime militar que temos na nossa ordem jurídica e se produz com uma lógica, como bem falado, do inimigo interno, schmidtiano, e a sua substituição por uma lei de defesa da democracia, o que nós propúnhamos como um lei à parte, não integrando o Código Penal, pela natureza, vamos dizer, transversal que ela tem na estrutura de Estado; ela não é apenas uma norma que tem função penal.
E também tivemos duas preocupações essenciais, que é a não possibilidade do uso dessa lei ou mitigar ao máximo possível a possibilidade do uso indevido dessa lei contra movimentos sociais ou contra a livre expressão, razão pela qual nós preferimos sempre não punir, às vezes, uma conduta que fosse desejável punir para evitar que fosse mal-usada a lei para punir uma conduta que fosse desejável não punir. Este é o grande problema da Lei de Segurança Nacional: ela pode ser usada para punir condutas desejáveis na democracia, de livre expressão do pensamento, manifestação de movimentos sociais e sindicais.
Fomos ao debate na Câmara, Sr. Senador, e lá debatemos com outro grupo de juristas, com os movimentos sociais... A Relatora teve uma postura muito democrática - é importante ressaltar aqui -, ouviu todo mundo, ouviu a nós também, levou em conta o nosso projeto, e se chegou a esse projeto que está aí, feito com base numa proposta inicial do Professor Miguel Reale, que é um projeto melhorado a partir desse debate, a partir desse diálogo.
Eu diria, Excelência, que, na minha opinião, não é um projeto Brastemp, mas é um projeto Consul, quer dizer, é um projeto bom. Ele atende certas demandas, melhora muito a legislação vigente, retira-a do âmbito do autoritarismo, estabelece um novo marco, um novo paradigma de sanção de condutas que devem ser sancionadas. Então, eu creio que é importante que essa tessitura que houve no debate com os movimentos sociais e com os juristas na Câmara seja mantida.
Nessa atual conjuntura, é importante que seja mantida porque é importante, como falou a colega que me antecedeu, revogar logo essa Lei de Segurança Nacional. Nós precisamos retirá-la. São mais de centenas - já estamos no plural: centenas! - de casos no Brasil de mau uso da Lei de Segurança Nacional contra advogados, contra jornalistas, contra cartunistas, até contra o Ministro do Supremo - é uma das investigações. Portanto, nós temos que paralisar esse tipo de uso indevido da legislação, e acho que essa lei pode ser a solução para isso, pelo menos neste momento.
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Então, eu creio, Excelência, que o ideal seria aprovar essa lei sem emendas que alterassem o seu conteúdo. Gostei de algumas sugestões do Professor Wunderlich, dos professores que me antecederam, mas eu creio que temos que ter o cuidado para que, a título de realizar uma emenda de redação, não se acabe alterando o conteúdo e provocando a volta do projeto para a Câmara, ou levantando-se depois dúvidas quanto à constitucionalidade do processo legislativo. Então, eu tomaria muito sentidamente essa cautela.
É esse meu ponto de vista, sinteticamente.
Agradeço muito a oportunidade de estar aqui com V. Exa. e seus pares.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Professor Estevam Serrano.
Eu quero agora passar a palavra para a Senadora Zenaide Maia. Como eu disse aqui no começo, os nossos Senadores terão cinco minutos para fazerem seus questionamentos. (Pausa.)
Eu vou chamar o Senador Izalci Lucas, enquanto a Senadora se desocupa.
Senador Izalci Lucas, está nos ouvindo? (Pausa.)
Senadora Zenaide, com a palavra. (Pausa.)
Pronto, Senadora.
Senadora Zenaide Maia? (Pausa.)
Izalci já está aqui.
Vamos lá, Izalci! Cinco minutos.
O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PSDB - DF. Pela ordem.) - Presidente, eu estou aqui exatamente num debate com o Ministro Paulo Guedes, na reunião da Covid. Então, pode passar para outro, porque eu estou discutindo com ele agora aqui. Mas estou acompanhando.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Senadora Zenaide Maia. (Pausa.)
Ela deve estar na reunião do Covid também.
Então, já que os nossos Senadores estão em outras atividades, eu queria passar para todos os nossos convidados que quiserem fazer algum comentário complementar, começando pela Sra. Camila Asano, por dois minutos, e depois, na sequência, eu vou chamando aqui cada um por dois minutos para considerações finais.
A SRA. CAMILA ASANO (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senador. Acho que usarei só esse tempo final para agradecer novamente a oportunidade, a possibilidade de estar aqui me dirigindo a esta Casa tão honrosa, o Senado Federal, mas também de poder ouvir a contribuição dos colegas e das colegas com relação ao texto. Acho que foi colocado aqui que há formas de aprimoramento, há preocupações ainda. Então, essa sessão foi importante para que esses pontos fossem colocados.
É isso mesmo, só agradecer a oportunidade e colocar a Conectas também à disposição para participação nesses debates em torno dessa matéria e também de tantas outras.
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Eu, na minha fala, no meu momento, pedi licença para poder falar de uma outra matéria que tem relação, no sentido de que há preocupação de perseguição à sociedade civil, que é algo que precisa ser afastado desse projeto de defesa do Estado democrático de direito. É uma preocupação que está muito evidenciada no Projeto de Lei nº 1.595, que está atualmente na Câmara, mas no ritmo que as coisas estão andando, ela muito em breve deve chegar a esta Casa. Então, também, aproveito esse momento final para fazer esse pedido especial em favor dessa outra matéria também, para que a gente possa ter momentos de discussão, mas sobretudo que Senado também faça esse papel de olhar com seu olhar de garantias constitucionais para essas outras matérias: esta e tantas outras que estão caminhando no sentido de perseguir preceitos da democracia.
Muito obrigada pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Camila Asano.
Agora, quero conceder a palavra ao Professor Alaor Leite para suas considerações finais.
O SR. ALAOR LEITE (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador.
Gostaria de concluir apenas dizendo que em verdade esse momento atual corporifica um debate que se iniciou em 1986, antes da Constituição, com o projeto apresentado pelos Professores Evandro Lins e Silva e René Dotti - saudoso Professor René Dotti -, Professor Nilo Batista e outros professores, e após esse projeto se seguiram outros projetos.
Então, um debate sobre a revogação da Lei de Segurança Nacional não é um debate que ocorreu no presente ano, é um debate que ocorre há praticamente 40 anos. Esse momento histórico consolida esse debate e deve ser utilizado para realizar um feito histórico que é o sepultamento da Lei de Segurança Nacional. Ocorre que esse feito histórico precisa ser acompanhado de uma substituição imediata justamente porque nesse setor não se admite vácuos legislativos. Estamos falando de segurança externa, do Estado, estamos falando de outros delitos como o de abolição violenta do Estado de direito e é necessário, então, que esse momento, Senador, seja duplamente histórico: assistamos à revogação da Lei de Segurança Nacional e à sua substituição por uma lei que protege o Estado de direito dentro do Estado de direito, respeitando as balizas do Estado de direito, sem abandonar essas regras e sem garrotear a liberdade de expressão.
Agradeço novamente o convite para esse momento que reputo da mais alta relevância e agradeço a oportunidade de debater com todos os colegas.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Professor Alaor.
Eu quero convidar, conceder a palavra ao Professor Alexandre Wunderlich.
O SR. ALEXANDRE WUNDERLICH (Para exposição de convidado.) - Quero agradecer, Senador Rogério Carvalho, a oportunidade e colocar não só o grupo de juristas que tem acompanhado essas discussões de que eu tenho a oportunidade de fazer parte, mas também o Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais aqui da PUC do Rio Grande do Sul e o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais ao dispor de V. Exa. e do Senado Federal, para continuar debatendo o tema, que é de fato um dos mais importantes do processo legislativo em matéria criminal.
De tudo o que foi colocado hoje pelos meus colegas, aqui, de debate, eu concordo integralmente com as manifestações, mas faço coro com que disse o Professor Alaor Leite. E aí peço licença para discordar respeitosamente da Raísa Ortiz no que tange à preocupação de continuar com o debate sobre esse tema.
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Isso é, de fato, desconhecer um pouco o processo legislativo nacional. Isso vem sendo discutido há muitos anos, desde 1986. E a minha preocupação, Raísa, se nós deixarmos passar essa oportunidade para ampliar o debate, é: vai acontecer o que tem acontecido historicamente nos últimos 30 anos. Nós criminalizamos uma série de condutas desnecessárias, sem dignidade penal e nós não vamos criminalizar algo tão relevante hoje e nós vamos demorar mais algumas décadas... E a minha geração, que é a geração de 88, hoje, olhando para trás, lançando um olhar retrospectivo pela história, a universidade que me recebeu em 1988, como graduando em Direito... Eu esperava chegar aqui no Senado para dizer que nesses 30 anos de Constituição nós havíamos já tipificado questões importantes como essa e superado muitos outros dilemas do Direito Penal, como o encarceramento em massa, a necessidade de um minimalismo e a proteção dos direitos fundamentais. Nós não podemos deixar o trem passar ou, como diz o gaúcho, Senador Rogério, o cavalo passar encilhado. Nós temos que revogar esse entulho autoritário. Mesmo que não seja uma legislação extremamente coerente e correta, pelo menos é a superação de um modelo autoritário por um modelo democrático.
Muito obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Professor Wunderlich.
Concedo a palavra ao Professor Maurício de Oliveira Campos.
O SR. MAURÍCIO DE OLIVEIRA CAMPOS JÚNIOR (Para exposição de convidado.) - Senador Rogério Carvalho, eu também utilizo esses dois minutos apenas para agradecer a oportunidade de participar de algo que reputo verdadeiramente histórico. Sou da mesma geração do colega Alexandre Wunderlich, aqui pela Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 1988, o ano da Constituição da República, da nossa Constituição Federal. E é inusitado que a essa altura, quando eu já me encaminhava para o encerramento da minha contribuição como professor universitário, depois de 30 anos na Universidade Católica de Minas Gerais, tanto quanto já há alguns anos me desliguei da Faculdade de Direito Milton Campos... Para mim é motivo de muita inusitada satisfação, porque volto como uma tentativa de contribuição tardia, mas ainda em tempo, para algo que já deveria ter sido feito há muito tempo. Eu considero, a essa altura, que somos todos sensíveis à necessidade de um processo de elaboração legislativa atento, sobretudo para que não haja percalços, ou seja, as contribuições neste momento têm que ter a consciência de que elas têm limitações, mas creio eu que tudo que esse grupo, que é uma verdadeira academia, Ademir da Guia, como temos brincado com o nosso grupo, é um grupo que tenta contribuir apenas com questões relacionadas a uma melhor redação.
Não, não estamos aqui a discutir aspectos políticos da própria opção legislativa. Quando propomos alguma alteração pontual, é com o melhor espírito de que a lei tenha precisão, o melhor espírito de que a lei tenha a menor controvérsia do ponto de vista constitucional, do ponto de vista penal, do ponto de vista jurídico, enfim.
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Então, Sr. Senador, a essa altura, 30 anos, desde que comecei a dar aulas, é que tenho que agradecer a esse grupo que me resgatou para o que considero um momento histórico, pelo que parabenizo a V. Exa., enquanto Relator, que procede ao debate no limite da possibilidade do debate, na importância e gravidade do momento.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Professor Maurício Leite.
Antes de passar a palavra à nossa Conselheira, a Sra. Virginia Dirami Berriel, eu quero conceder a palavra à nossa querida, combativa, representante das mulheres no Senado Federal, uma pessoa que orgulha o Senado Federal, que honra esta Casa, uma querida amiga, a Senadora Zenaide Maia, que é um exemplo de Parlamentar. É uma honra ouvir a senhora e estar aqui diante da senhora.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para discursar.) - Obrigada, Sr. Presidente.
Eu ouvi parte... Queria pedir desculpa para pedir a fala, só porque eu estou na Comissão provisória que avalia a Covid-19, e quem está é o Ministro Paulo Guedes. Então, eu não poderia deixar de questioná-lo diante de tanto... Mas eu quero aqui cumprimentá-lo de parte dos palestrantes. Mas eu, como médica, e não como jurista, quero cumprimentar Rogério para esse debate. Eu costumo dizer que quem tem um governante máximo num país, em que um dos maiores ídolos dele é justamente um torturador, nós temos que ter um olhar diferenciado para essa lei. Não há como não ter. Então, eu quero dizer que, pelo que eu ouvi, acho que é um projeto de lei que revoga isso aí, mas que precisa de debate.
Eu estou sempre dizendo que nós, do Congresso Nacional - eu sei que estamos em plena pandemia -, parabenizando a todos os palestrantes aqui, nós precisamos ter as Comissões funcionando. Esse é um típico projeto de lei, Rogério, e graças a Deus você é o Relator, que está dando visibilidade à sociedade da importância de revogar a Lei 7.170, como foi mostrado aí por nossa primeira palestrante, o lixo da ditadura do Governo antidemocrata.
Então, eu não sei se já está para pautar de forma remota, é, Rogério?
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Senadora, existe uma intenção nossa de pautar ou de pedir para que seja pautado antes do recesso - se houver recesso -, antes do dia 17 de julho, mas eu queria tranquilizar a senhora que nós já fizemos reuniões, pelo menos umas cinco reuniões, com diversos setores da sociedade, e dizer que a Deputada Margarete Coelho, na Câmara, fez várias reuniões com juristas, com setores da sociedade organizada, ela fez dez versões deste projeto, incorporando as sugestões dos diversos setores e dos diversos juristas que já vêm fazendo esse debate há pelo menos três décadas. Portanto, eu diria que essa é uma matéria - é oportuno este momento para a gente colocá-la em votação - que está bastante sedimentada entre aqueles que operam o Direito no nosso País.
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Então, se puder pedir ao Presidente para pautar o mais rápido possível, para que a gente possa ter uma lei que substitua, ou seja, que enterre de vez a Lei de Segurança Nacional, uma lei que pode não ser aquilo que se deseja, do ponto de vista da sua precisão, mas a gente dá o primeiro passo. E, no dia seguinte, depois da sua sanção e - se houver vetos - derrubada dos vetos, que os nossos Parlamentares possam iniciar uma nova etapa nesse processo de discussão legislativa, que é o aperfeiçoamento dessa lei que, agora, não mais a Lei de Segurança Nacional, mas uma lei que garanta o Estado democrático de direito.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Eu entendi.
Eu já tinha... Pelo que eu vi, não foi só revogar. Além de revogar, eu vi que já tinha tido cuidado de não deixar essa vacância - só revogar -, foi criada uma nova lei. Eu quero parabenizá-lo por isso e eu quero dizer a todos os palestrantes que eu vou votar, como o Rogério disse. Não sou essa excelência toda, mas eu vou estar no debate. E é muitíssimo importante que a população tenha noção da importância de uma lei dessa, porque a gente sabe que muita gente não tem esse conhecimento, não tem. E este debate aqui hoje mostrou a que nível chegou. Eu vi que havia várias instituições aí. E eu não tenho dúvida de que Rogério, com esse espírito democrático... Então, na próxima reunião de Líderes, vamos pedir para pautar. Mas vamos trabalhar para ter a certeza de que nós vamos aprovar. Está certo?
Eu quero aqui, mais uma vez, agradecer o convite e parabenizar por esta... Deu visibilidade a um assunto importantíssimo que, com a Constituição, a gente achou que nunca ninguém ia ameaçar o nosso Estado democrático de direito, e agora já se vêm pensando nisso. Realmente, desde 2001 eu acho que já se debate desse projeto de lei, mais ou menos isso...
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Desde 1991.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Está na hora, porque ainda não tinha tido todo esse amadurecimento. Rogério, você já estava em consonância com a Câmara; sendo assim, não temos tempo a perder. Vamos pautar e vamos passar o nosso recesso já com uma certa tranquilidade.
Obrigada pelo convite. Parabéns a todos! E obrigada a todos os convidados por terem essa preocupação de mostrar este lado para o povo brasileiro: a importância do Estado democrático de direito.
Obrigada, Rogério.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Senadora Zenaide, por suas palavras, pela sua participação.
Eu concedo a palavra agora à Conselheira Virginia Dirami Berriel.
A SRA. VIRGINIA DIRAMI BERRIEL (Para exposição de convidado.) - Quero agradecer ao Senador Rogério Carvalho, agradecer a todos os debatedores, a todos os colegas aqui presentes e dizer que é importante avançar no debate, no aprimoramento deste projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional.
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Quero deixar aqui também registrada uma denúncia importante, uma denúncia dos ataques sofridos e do assédio que ronda os trabalhadores, principalmente os trabalhadores jornalistas e radialistas da Empresa Brasil de Comunicação, única empresa de comunicação pública deste País. E os jornalistas e radialistas vêm sendo massacrados por este Governo em razão da sua luta contra a privatização.
Então, nós precisamos também garantir a esses trabalhadores o verdadeiro Estado democrático de direito, porque eles têm, sim, e nós, que somos do movimento sindical, temos o direito e o dever de lutar contra a privatização da EBC. Os seus empregados, empregados de uma estatal, empregados públicos não podem sofrer o nível de ataques e perseguições e transferências e assédio moral de gestores e nem do Governo.
Deixo aqui essa denúncia e agradeço imensamente a participação através do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e também da Central Única dos Trabalhadores.
Muitíssimo obrigada, Senador Rogério Carvalho.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Conselheira Virginia Dirami.
Concedo a palavra agora à Sra. Raísa Ortiz, Coordenadora da Área de Espaço Cívico da ONG Artigo 19.
A SRA. RAÍSA ORTIZ CETRA (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senador.
Somente para concluir, acho que o ponto aqui não é a necessidade de revogação da LSN. Como eu disse na minha fala e como os meus colegas estão reafirmando, por toda a luta histórica, é urgente essa revogação. Quais são as preocupações? São relativas ao texto que está sendo proposto, que tem determinados dispositivos que claramente são uma reedição da Lei de Segurança Nacional. E é para isso que estamos chamando atenção. A revogação da LSN é urgente - quero que isso fique claro, para não haver nenhuma confusão com relação à nossa posição e à posição de todos os movimentos sociais.
O que a gente pede é especial atenção para duas questões: uma, para os dispositivos que já claramente violam o direito internacional e os compromissos assumidos inclusive por esta Casa quando da ratificação dos tratados internacionais assumidos pelo Brasil; e segundo ponto tem relação com o uso histórico desse tipo de legislação penal.
Nós também estamos falando a partir de uma grande luta histórica que é a criminalização dos movimentos sociais por leis similares: a lei antiterrorismo, a lei de organizações criminosas... Nós estamos chamando atenção para o risco à democracia que um projeto novamente de cunho punitivista coloca em relação aos movimentos sociais e à luta social da sociedade brasileira, que é tão necessária para a gente conseguir começar a resgatar, nesse contexto, os aspectos de desmonte da democracia brasileira que estamos vivendo nos últimos anos. Eu acho que essa é uma grande... E o direito internacional é muito claro nesse sentido ao dizer que, sim, o Estado pode legislar em defesa própria; sim, é necessário, mas existem limites. E um desses limites é justamente quando essas legislações, especialmente aditivo penal, colocam em risco o exercício da democracia pelos povos historicamente marginalizados que lutam pela expansão de seus direitos.
Eu acho que esta é uma grande mensagem que a gente gostaria de deixar aqui hoje: vamos nos atentar aos compromissos internacionais do Brasil e ao uso histórico desse tipo de legislação penal quando avaliarmos esse texto que está em debate. Não é a revogação da LSN que está em questão. Acho que era isso que eu gostaria de deixar claro, e me coloco totalmente à disposição para que a gente converse sobre esses dispositivos. E não avaliamos que é a maneira de corrigir seja em termos de redação, eles precisam ser suprimidos.
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Eu agradeço, Senador, muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Raísa Ortiz.
Antes de passar para a Sra. Juliana Vieira dos Santos, que é mestre em Direito pela Harvard, é doutora em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e advogada da Rede Liberdade, eu queria dizer que a luta de todos os que fazem o movimento, os movimentos sociais, a luta de uma sociedade, ela tem, primeiro, algumas bases que eu acho que, não nessa lei, mas é uma luta que precisa recolocar um marco ou uma nova síntese civilizatória no nosso horizonte: a defesa da vida, a inclusão pelo direito, e isso só se dá com a conquista de direitos, transformação de políticas de governo em políticas de Estado para atender e garantir que a nossa cidadania vá se materializando de forma objetiva através dos direitos, a inclusão pela renda, a defesa da democracia, a garantia das liberdades individuais de todas as naturezas. Há uma série de questões que são e devem ser objeto de todos aqueles que lutam por um processo ou por uma sociedade, ou por um contínuo processo civilizatório que a sociedade precisa encarar.
Portanto, essa é uma luta muito mais abrangente e que requer a participação de todos nós. Este é um momento em que estamos tendo a oportunidade de trazer para o debate aquilo que estava adormecido e devemos pegar essa oportunidade e transformar num passo para continuarmos avançando conforme se dão, infelizmente, os avanços legislativos no Brasil.
Então, de qualquer forma, está sendo muito bem aproveitado por todos os segmentos da sociedade e pelo Parlamento, que tem acolhido e tem encaminhado essa discussão.
Eu queria, para finalizar, conceder a palavra à Dra. Juliana Vieira dos Santos.
A SRA. JULIANA VIEIRA DOS SANTOS (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senador. Eu queria encerrar fazendo coro com o Prof. Alexandre, reiterar que é urgente a revogação da Lei de Segurança Nacional, e é fundamental a sua substituição por uma lei que contenha ferramentas de proteção da cidadania para o mau uso do Direito Penal. O mau uso do Direito Penal é um problema recorrente de um sistema punitivista gerador de desigualdades que nós temos hoje. Essa lei ou qualquer outra não vai resolver a truculência com que a polícia, com que este Governo, ou com que a polícia legislativa vem tratando os movimentos indígenas, a população negra, os ativistas de direitos humanos. Mas se pode criminalizar essa truculência, como faz nessa lei que veio da Câmara.
Eu, como advogada militante de direitos humanos, reitero isso porque é fundamental: a lei que veio da Câmara tem elementos, tem ferramentas que permitem a defesa dos movimentos sociais no mau uso da lei penal. Esse não é um assunto que surgiu da noite para o dia, os projetos de revogação tramitam há décadas na Câmara, não são novidade nem no mundo jurídico nem para quem milita na área de direitos humanos desde a redemocratização.
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Este é um momento histórico. Eu agradeço a oportunidade de ter participado desta audiência e reitero o pedido a esta Casa para que faça a revogação da lei com a substituição por esta, que não é a melhor, mas que é a que temos neste momento.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Muito obrigado, Professora Juliana.
Eu queria, cumprida a finalidade desta sessão remota de debates temáticos, a Presidência declara o seu encerramento, em tempo agradecendo a todos e a todas que deram as suas contribuições para que possamos, ao cabo e ao fim deste debate, apresentar um relatório que possa assegurar todas as preocupações aqui declaradas pelos participantes desta sessão temática.
Muito obrigado a todos e declaro encerrada a sessão.
(Levanta-se a sessão às 12 horas e 01 minuto.)