3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 5 de julho de 2021
(segunda-feira)
Às 10 horas
75ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A presente sessão remota de debates temáticos foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 7, de 2020, que regulamenta o funcionamento remoto do Senado Federal, e em atendimento ao Requerimento nº 1.722, de 2021, do Senador Nelsinho Trad e outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A Presidência informa que as apresentações e os arquivos exibidos durante esta sessão remota de debates temáticos ficarão disponibilizados na página do Senado Federal referente à tramitação do requerimento que originou esta sessão.
A sessão é destinada a receber os seguintes convidados, a fim de debater ajustes na legislação eleitoral: o Sr. Thiago Boverio, Presidente do Instituto de Direito Político e Partidário (Pluris) e membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o Sr. Felipe Santa Cruz, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o Sr. Cristian Silva, Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), advogado e analista político; o Sr. Eugênio Aragão, Jurista e Ministro da Justiça no ano de 2016; e também o Sr. Ministro Luís Roberto Barroso, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento da sessão: será inicialmente dada a palavra aos convidados por dez minutos - e aqui já deixo claro a todos os participantes que, se precisarem se estender, fiquem à vontade; após, será aberta a fase de interpelação pelos Senadores inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de cinco minutos para suas perguntas; os convidados disporão de cinco minutos para responder à totalidade das questões do bloco; os Senadores terão dois minutos para sua réplica.
As inscrições dos Senadores presentes remotamente serão feitas através do sistema remoto.
As mãos serão abaixadas no sistema remoto e, neste momento, estão abertas as inscrições.
Sras. e Srs. Senadores, convidados, amigos da imprensa, telespectadores e ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado e pela TV Senado, bom dia.
Estamos realizando hoje esta sessão de debates temáticos no Senado Federal com a finalidade de ampliar a discussão em torno de temas relevantes que tratam da definição e de ajustes necessários na legislação eleitoral do Brasil.
A pandemia do novo coronavírus fez com que o mundo se reinventasse em várias áreas e não foi diferente na questão eleitoral. Tivemos em 2020 uma eleição municipal conduzida com muita segurança e total sucesso.
O desafio de aperfeiçoamento é contínuo. O fortalecimento da democracia, respeito aos recursos públicos, aperfeiçoamento do sistema partidário e, principalmente, a inclusão de mulheres na representação da população são os principais pontos, dentre outros.
Hoje, para debater conosco, nós ficamos muito honrados com todos esses convidados que aceitaram o nosso convite e também os nossos Senadores.
Bom dia a todos.
Eu concedo a palavra ao Senador Nelsinho Trad, requerente desta sessão.
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O SR. NELSINHO TRAD (PSD - MS. Para discursar.) - Bom dia, Senador Fávaro, autor e idealizador desta manhã temática destinada a debater ajustes na legislação eleitoral; na sua pessoa, quero saudar todos os colegas que vi, passando a vista aqui pela tela, o Senador Paulo Rocha, o Senador Marcelo Castro, a Senadora Rose de Freitas.
Cumprimento também, na pessoa do Cristian Silva, todos os ilustres convidados que irão abrilhantar esta sessão temática e quero dizer a todos o quão desafiadora é a tarefa de promover eleições periódicas é um país tão complexo e heterogêneo quanto o Brasil.
De um modo geral, nossa legislação tem conseguido amparar essa grandiosa empreitada, apesar de todas as dificuldades e divergências que naturalmente permeiam o tema.
Com mais de 50 anos, o Código Eleitoral, acompanhado de todo o arcabouço de leis e dispositivos constitucionais que regem nossas eleições, mostra-se robusto e aderente às necessidades dos eleitores e dos candidatos brasileiros. Entretanto, mesmo uma ótima lei precisa de ajustes com o passar do tempo. A sociedade brasileira evoluiu, assimilando ou abandonando ideias, posturas e formas de comportamento, como é normal acontecer com qualquer sociedade. Surgem novas gerações de votantes e de votados, e esse avançar rumo ao futuro exige que a lei também se atualize.
A sessão de debates é uma excelente oportunidade para o Parlamento sinalizar à população quais são os rumos possíveis dessa necessária modernização. Abro aqui um parêntese para saudar o Senador Fávaro pela persistência e a capacidade que teve de organizar esta sessão temática e de fazer montar esta seleta manhã de trabalho via remota.
Discutiremos várias propostas entre as quais...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Senador Nelsinho, se o senhor puder...
O SR. NELSINHO TRAD (PSD - MS) - ... a obrigatoriedade do registro de promessas de campanha, a possibilidade de o brasileiro residente no exterior escolher também Deputados Federais, visto que atualmente só é possível votar para Presidente da República, a obrigatoriedade da paridade de gênero na composição das chapas...
Oi?
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Senador Nelsinho, nós vimos que o senhor está em deslocamento. Se conseguir parar o carro, talvez melhore, porque há hora em que oscila o seu sinal. (Pausa.)
O.k., agora voltou.
O SR. NELSINHO TRAD (PSD - MS) - Ótimo! Está me ouvindo bem?
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Perfeito. Se o senhor puder parar o veículo... A conexão ficou perfeita agora, nesse local.
O SR. NELSINHO TRAD (PSD - MS) - É que eu estou chegando ao aeroporto.
Discutiremos várias propostas, entre as quais destaco a obrigatoriedade do registro de promessas de campanha, a possibilidade de o brasileiro residente no exterior escolher outros cargos alternativos (Falha no áudio.) ... só lhe é possível votar (Falha no áudio.) ... composição de Governador e Prefeito e a obrigatoriedade de residência mínima de um ano para o candidato no local da vaga do cargo eletivo pretendido.
Todas essas matérias são importantes e foram cuidadosamente redigidas por Senadores (Falha no áudio.) ... nos projetos de lei apresentados. (Falha no áudio.)
É muito salutar este debate (Falha no áudio.) ... de nós colocarmos isso para a discussão do Colegiado, nós vamos ter uma base de conhecimento através dos especialistas. (Falha no áudio.)
Mais uma vez, quero parabenizar o esforço insistente, como eu já disse (Falha no áudio.)
Que Deus possa nos abençoar! E que seja (Falha no áudio.) ... de todos os participantes. (Falha no áudio.)
Vou pegar o avião.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, nosso Senador, meu Líder, Nelsinho Trad, requerente desta sessão de debates temáticos.
Passo, imediatamente, antes de começarmos o debate, a palavra ao Senador e amigo Paulo Rocha, que está aqui no bunker, também participando desta sessão, para as suas considerações iniciais.
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para discursar.) - Presidente Carlos Fávaro e Nelsinho Trad, é muito oportuna esta sessão de debates, principalmente no momento que nós estamos vivendo no nosso País.
Eu acho que este fórum... Parto do princípio de que o Senado Federal, hoje, pela sua composição, é o grande bastião e vigilante do processo que está acontecendo no nosso País. Por que eu estou dizendo isso? Porque, ao longo do tempo, quem brigou pela democracia... E nós consolidamos isso. Eu sou produto desse processo da democracia. Um simples operário virou Senador da República. É a condição que a democracia dá, como a pluralidade que está no Congresso Nacional. Temos aqui no Senado Federal, que me perdoem os outros, mas, pelo que eu estou visualizando, a Senadora Rose de Freitas, o Senador Marcelo Castro, Nelsinho Trad e o Carlos Fávaro, que é novinho em folha, mas que já demonstrou seu compromisso com nosso País. Portanto, considero que o Senado Federal é hoje a instância principal e mais importante no processo de recompor a democracia no nosso País.
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Eu acho que os resultados eleitorais últimos sofreram algumas distorções. O resultado, inclusive, do Presidente da República considero uma dessas distorções, influenciado, talvez, pelas novas tecnologias, pelas chamadas redes sociais e por todo o direito de usar fake news, os computadores etc.
Eu acho que a nossa legislação tem que se adaptar a este novo momento, para assegurar exatamente que chegue às urnas a vontade do povo, que expressa os interesses de todos os setores da sociedade. Então, é com essa fé, com essa esperança que eu ladeio aqui grandes companheiros, Senadores e Senadoras, na perspectiva de a gente retomar o curso normal que a democracia já tinha conquistado no nosso País, quer seja na economia, quer seja na questão social, para nós construirmos um Brasil para todos. Este Brasil, tão rico como ele é, tem condições de dar dignidade e cidadania para todos.
É com essa esperança, sinceramente, que eu saúdo os nossos convidados, para poder contribuir com uma legislação capaz de dar resposta a este momento muito importante, em que a nossa democracia está ameaçada. É fundamental que nós nos preparemos para que, em 2022, retomemos o curso normal que nós já tínhamos construído no nosso País.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Senador Paulo Rocha. O senhor tem razão. É um momento importante para debatermos a nossa democracia e a legislação eleitoral.
Eu passo a palavra também, antes de começarmos a ouvir os nossos convidados, ao Senador Marcelo Castro, para fazer as suas considerações iniciais.
O SR. MARCELO CASTRO (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - PI. Para discursar.) - Eu quero cumprimentar todos, parabenizar o Carlos Fávaro e o Nelsinho Trad pela iniciativa e dizer que é um assunto muito importante de que nós vamos tratar hoje.
Eu gostaria só de fazer uma observação inicial. Eu fui o Relator da reforma política em 2015, andei estudando muito o assunto e gostaria de levantar uma questão aqui para ficar na mente de todos. É o seguinte: o Brasil cometeu um erro essencial na formulação do seu sistema eleitoral já no início. No mundo inteiro, quando você vota no candidato, você vota no distrito, num lugar restrito. Quando você vota no Estado inteiro, como é no Brasil, você vota, por exemplo, no Pará, no Estado do Pará inteiro, ou no Piauí, no Estado inteiro, e você não vota no candidato. Por quê? Porque, como você não tem intimidade com o candidato, você vota no partido. O mundo inteiro é assim. O Brasil é exceção. Então, no meu entendimento, enquanto nós não resolvermos esse problema, nós não resolveremos a disfuncionalidade do sistema.
Em nenhum país do mundo, o seu companheiro de partido é o seu maior adversário em uma campanha eleitoral. Por quê? Se o sistema é distrital, como nos Estados Unidos, cada partido lança um candidato. Lançou o candidato, todo mundo vai trabalhar por aquele candidato. Se o sistema não é distrital e é proporcional, como na Espanha, como em Portugal, você vota na lista fechada. Então, todos estão trabalhando pelo partido, para o partido ter o maior número de votos. No Brasil, não: quando você vai para eleição, o momento mais sublime da democracia e o momento mais importante dos partidos, o maior adversário que você tem na campanha é o seu próprio colega de partido. Isso é de uma falta de lógica!
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Enquanto nós não resolvermos essa questão, nós vamos ficar rodeando, fazendo reforminha e tal, e não vamos atacar o problema principal do Brasil, que é esta disfuncionalidade de ser o único país do mundo em que você vota no Estado inteiro e não vota no partido; você vota no candidato. Se nós queremos votar no candidato, nós temos que restringir o local. Nós não podemos pegar um Estado como São Paulo, que tem 33 milhões de eleitores, 40 e tantos milhões de habitantes, e o sujeito ser candidato para o Estado inteiro. Nem o eleitor vai conhecer o candidato, nem o candidato vai conhecer o eleitor. Então, nós temos que restringir essa circunscrição para poder dar uma proximidade maior.
Então, quero só fazer esta entrada aqui, para a gente ficar na ideia de que nós temos um problema central para resolver. Se nós não resolvermos isso aí, nós não vamos resolver nada em profundidade.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Senador Marcelo Castro. O senhor é conhecedor da matéria. Confesso aqui que concordo com seus posicionamentos. Nós temos que, para fortalecer a democracia, sem sombra de dúvida, passar pelo fortalecimento partidário.
Antes, de novo, de passar a palavra aos convidados, eu queria agradecer aos Senadores que já estão conectados, à Senadora Mailza Gomes, à Senadora Rose de Freitas, aos Senadores Izalci Lucas e Zenaide Maia.
Pergunto a eles se algum deles quer fazer as considerações iniciais, antes dos convidados. (Pausa.)
Então, neste momento, eu concedo a palavra ao Sr. Thiago Boverio, Presidente do Instituto de Direito Político e Partidário (Pluris) e membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O senhor dispõe de dez minutos.
O SR. THIAGO BOVERIO - Muito bom-dia, Sr. Presidente! O senhor me ouve bem?
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Perfeito. Estamos ouvindo bem.
O SR. THIAGO BOVERIO (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Sr. Presidente!
Bom dia, Sras. Senadoras, Srs. Senadores!
Muito obrigado pelo convite, Senador Carlos Fávaro. Fico muito honroso com esse convite formulado para participar deste debate, neste momento histórico que o País vem enfrentando.
Uma saudação especial aqui ao meu dileto amigo e Professor Eugênio Aragão, que muito dignifica o nosso debate, aumenta o valor deste debate!
Quanto ao Presidente Felipe Santa Cruz, deve ter ocorrido algum imprevisto. Falei com ele há pouco, e ele disse que estava ingressando, mas pode ser que, logo mais, ele entre no nosso chat.
Um bom-dia, senhoras servidoras, senhores servidores!
A todos aqueles que nos assistem, obrigado por esta participação.
De início, Sr. Presidente, eu vejo aí o Senador Marcelo Castro, com as suas inquietações, e, de fato, todo ano pré-eleitoral, há este frisson, esta inquietação sobre os novos rumos do País.
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O grande problema, Senador, é que sempre essas inquietações, essas preocupações consideram uma circunstância de época, de momento, para aquela eleição, e não se tem um pensamento organizado, sistematizado, pensando a longo prazo. Essa é uma crítica que nós temos, que nós, operadores do direito eleitoral e político, fazemos em geral, porque sempre são ocasionais, pontuais os debates, as questões, diferentemente do que acontece aqui nestas proposições do Senado. E destacamos aqui cinco proposições. Essas, sim, são necessárias, eficazes, e fazem parte desse fortalecimento do sistema democrático, do sistema político. Eu vou adentrar cada um desses projetos, dessas propostas, numa passagem rápida.
Como o Senador Marcelo Castro comentou sobre a forma do sistema eleitoral, que seria necessário o aperfeiçoamento por meio de uma fórmula, de uma eleição distrital, o que nós estamos vendo no debate agora que está havendo na Câmara, com todo o respeito, é que o "distritão" desvirtua ainda mais o sistema brasileiro.
Então, nesse ponto de crítica, nós teremos, caso aprovado, 513 Deputados, partidos, Senador Marcelo Castro, da forma como está sendo colocado. O "distritão" desvirtua ainda mais. Como nós podemos pensar em um sistema, lá na frente, semipresidencialista, parlamentarista, almejado por muitos e, inclusive, pelo Ministro Barroso? Logo mais, ele vai se apresentar e, com certeza, tocará nesse tema, que eu acho que é uma saída, lá na frente, que é um sistema parlamentarista, semipresidencialista. Mas isso fica cada vez mais longe com um sistema "distritão". Teremos 513 partidos. Como se distribui TV para esses 513, recursos? Como administrar isso, sem contar a probabilidade do ingresso do crime organizado, de caixa dois, abuso do poder econômico? Isso desvirtua totalmente o sistema.
Então, nós temos que ter em mente, Presidente, que a reforma política no Brasil foi feita. Nós temos o Professor Cristian na narrativa. Ele é cientista político e pode também ilustrar um pouco mais isso. Mas a reforma política, eleitoral, desculpem, já foi feita na Emenda 97, com o fim das coligações e com a cláusula de desempenho, porque o futuro do sistema presidencialista, a governabilidade se dá com o diálogo entre o Executivo e o Parlamento. E, com isso, é necessário a diminuição dos partidos. Não é afetar o pluripartidarismo, mas potencializar, deixar mais claros aqueles que existem, diminuir o número de partidos. Esse é o rumo. E é o rumo que o Brasil está traçando depois dessa reforma.
Mas, diferente desse debate, eu acredito que as federações de partidos, que estão sendo debatidas também - já foram debatidas no Senado, estão sendo debatidas na Câmara -, desvirtuam esse avanço que o Brasil deu para equalizar o sistema político, com a diminuição dos partidos. Isso vai na contramão, com todo o respeito a quem pensa o contrário.
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Então, a reforma eleitoral já foi feita. Agora é o aperfeiçoamento do sistema partidário, o fortalecimento dos partidos.
Essas proposições do Senado... Eu inicio, Senador Carlos Fávaro, com a PEC 18, de 2021, de autoria de V. Exa., que vai ao encontro desse fortalecimento dos partidos. Por quê? Porque ela acaba com esta insegurança que os partidos têm em relação aos recursos de campanha destinados à ação afirmativa das mulheres, à inserção das mulheres na política. A proposta do senhor visa a facilitar essa inserção das mulheres na política e a dar status constitucional a essa matéria, definindo já os 5% que o partido precisa aplicar para essa inserção das mulheres ou jogando esse recurso na eleição para poder viabilizar o ingresso das mulheres. Os 30% também do recurso eleitoral, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, destinados às mulheres põem uma pá de cal nos questionamentos, na insegurança que os partidos vêm sofrendo ao longo desses anos, porque essa matéria é regulada por resolução do TSE. Isso causa uma insegurança, porque não se sabe para onde vão e de onde vêm esses recursos, qual é a fórmula de estabelecer, quem administra esses 30%. E, agora, nessa proposta de emenda à Constituição, define-se que esses valores devem ser transferidos para campanhas proporcionais das mulheres.
Junto a esse tema, o Projeto de Lei 4.572, ou melhor - desculpa! -, o PL 1.951, do Senador Angelo Coronel, é como se fosse uma amarração dessa emenda constitucional no momento em que determina o preenchimento de 15% das vagas com mulheres. Também é um avanço. Trata-se de um tema que tem a simpatia, acredito, de todos, principalmente do Ministro Barroso, que aqui representa o Tribunal Superior Eleitoral. Então, nessa proposta, além de outros temas debatidos ali, o que se destaca mais é a definição dessas cadeiras, Sras. Senadoras. Talvez possa haver um debate sobre esta percentagem de 15% chegar, escalonadamente, a 20% ou mais, mas esse é um debate lá para frente, quando estiver colocado em Plenário. Mas o fato é que já se vê que o Senado Federal se preocupou com esse tema de definir, assegurar essas cadeiras mínimas para as mulheres.
Também o Projeto de Lei 4.572, do Senador Jorginho Mello, que permite a volta da propaganda partidária, é de tamanha importância, senhores, porque houve um descolamento dos partidos e de V. Exas., os representantes, homens públicos e mulheres públicas, de seus partidos. Essa identificação com a sociedade está fragilizada. A propaganda partidária visa a mostrar os rostos dos representantes dos partidos, a dar uma cara para os partidos, e, com essa tendência de diminuição de partidos, fica mais evidenciada a bandeira de determinada legenda. Os partidos ficarão mais transparentes, mais nítidos com a propaganda partidária quando houver esse enxugamento, que é a tendência após a reforma, a Emenda Constitucional 97. Essa é a tendência do Brasil a médio prazo. Então, é de enorme importância essa volta da propaganda para mostrar à sociedade qual bandeira determinada legenda tem.
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Há também o Projeto de Lei 783, de iniciativa do Senado, que também está sendo debatido aqui nesse chamado pacote que estamos colocando em debate, sobre o critério das sobras eleitorais. Ele é de muita importância porque vai ao encontro dessa tendência da diminuição de partidos, porque hoje qualquer partido que participa da eleição pode ter seu representante eleito. Ainda que tenha poucos votos, ainda que não tenha representatividade mínima, ele pode, sim, alçar um representante seu ao Parlamento, e isso continua mantendo uma infinidade de partidos com representação no Congresso Nacional. Há pouco tempo, tínhamos 30 partidos. O sistema presidencialista não dá conta de dialogar com inúmeros partidos. Há que haver esse caminho, essa proposta para redefinição do pluripartidarismo, diminuição de partidos, e essa proposta visa apenas à participação nas sobras dos partidos que tiveram quociente. Por que o quociente eleitoral? Porque esse é o símbolo de uma representatividade partidária. Aquele partido que não atinge o quociente não tem representatividade mínima. Esse projeto, sim, é necessário e assegura essa representação.
Por fim, Excelência, há também a proposta do Senador Ciro sobre a redistribuição do número de cadeiras nas candidaturas. Hoje até 150% do número de vagas pode-se lançar de candidatos. Ora, agora, com o fim das coligações, com recursos públicos de campanha, nada mais plausível que a diminuição do número de candidaturas. Por que isso? Porque isso dá aos candidatos mais chance de êxito para preencher essas vagas nos partidos, e não se preocupar... Como são poucas vagas, os partidos vão se preocupar com o lançamento daquelas chamadas candidaturas de chegada, com qualidade, com representantes com maior afinidade com os partidos. Também vejo essa proposta como fundamental ao aperfeiçoamento do nosso sistema político-partidário.
Então, para encerrar - eu não estou com relógio aqui, mas estou quase no tempo da minha fala -, eu queria deixar aqui muito clara a necessidade do apoio a esses cinco projetos, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, porque eles são salutares, são necessários ao aperfeiçoamento do sistema democrático nacional, principalmente a PEC de autoria de V. Exa., Sr. Senador Carlos Fávaro, que visa à inserção das mulheres na política, que confere status constitucional a essa temática. Que se deixe aqui esses temas que tornam palpitantes e que visam à próxima eleição. Temos que pensar em projetos como esses que visam ao aperfeiçoamento do sistema.
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Então, mais uma vez, friso aqui, destaco que a reforma política foi feita com a Emenda Constitucional 97. E o sistema do "distritão", caso venha a esta Casa, que seja um debate democrático, republicano, mas que se pense que esse tipo de projeto vai enfraquecer todos esses sistemas que o Senado Federal tem lutado para aperfeiçoar.
Obrigado, Sr. Presidente.
Mais uma vez agradeço esse honroso convite para participar desse debate histórico, mais uma vez agradecendo a todos os que aqui nos assistem e estão presentes.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Dr. Thiago Boverio, pela sua participação, a consideração sobre os cinco temas relevantes que estão tramitando nesta Casa. Tenho certeza de que foi de grande relevância para os Senadores e os outros debatedores para que possamos pautar os debates de hoje.
Eu passo a palavra imediatamente ao Sr. Cristian Silva, mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília (UnB), advogado e analista político.
Dr. Cristian, o senhor dispõe de dez minutos. Caso necessário, pode prolongar este prazo.
O SR. CRISTIAN SILVA (Para exposição de convidado.) - Muito bom dia, Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, colegas de Mesa, Dr. Eugênio, Dr. Thiago, é um prazer estar aqui e poder contribuir de alguma forma.
Se for possível, Sr. Presidente, se eu puder compartilhar a tela, eu tenho só um uma apresentação inicial.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Perfeitamente.
O SR. CRISTIAN SILVA - É só para fazer uma introdução.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Já está disponível para o senhor compartilhar.
O SR. CRISTIAN SILVA - Está o.k.
Eu queria, antes, só corrigir uma informação: eu ainda sou mestrando, desejando me tornar mestre, muito em breve, de um dos principais centros de estudos políticos do Brasil, que é o Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Eu queria, antes de tudo, parabenizar a forma muito precisa como o Senador Nelsinho Trad e os demais Senadores colocaram o problema e como o Senador Marcelo Castro brilhantemente colocou justamente o embate que está colocado há muito tempo em termos de reforma política. Precisamos de grandes reformas ou de pequenos ajustes? Essa é uma pergunta que não tem solução, não é? Precisamos pensar, sim, nos grandes problemas e começar a resolver pelas coisas mais imediatas, mais consensuais, que muitas vezes são olhadas de forma pequena, mas não são.
Um grande problema que está colocado é que a gente tem uma grande crise no mundo ocidental, uma crise de confiança entre governantes e governados, entre cidadãos e partidos políticos, uma crise da própria política, digamos assim. Qual a solução? Pesquisas que são feitas em nível mundial detectam um aumento da insatisfação das pessoas com a democracia. Mas, quando perguntados "o que vocês querem?", muitos respondem "mais democracia". Então, é um problema paradoxal e que atinge todos os continentes, atinge países diversos: países pobres, países ricos, desenvolvidos, em desenvolvimento. E todos eles adotam um sistema político com um sistema de governo, um sistema partidário, um sistema eleitoral. E posso dizer que todos eles estão acometidos do mesmo problema.
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Nós temos países que são presidencialista, parlamentarista, distrital, proporcional, bipartidário, pluripartidário. Todos eles sofrem do mesmo mal, o que talvez gere uma pergunta na cabeça da gente. Será que a gente não está colocando muita pressão, muita expectativa sobre as regras do jogo? Será que a crise maior que acaba fomentando toda essa discussão de reforma política também não está em outros aspectos da vida das pessoas, aspectos materiais ou mesmo imateriais?
Então, como o Senador Marcelo Castro colocou, devemos fazer uma grande reforma ou ajustar o que nós temos e estamos usando há tanto tempo? Essa é uma pergunta importante e acho que o Senado, através desta sessão de debates temáticos, coloca a bola no chão. A Câmara está discutindo sob uma ótica de uma grande mudança, uma grande reforma, e o Senado vem e coloca um pouco a bola no chão e fala assim: bom, vamos ver o que nós temos e o que é possível melhorar.
Uma outra ideia que eu queria trazer aqui é que os sistemas são totalmente conectados. Há inúmeras peças para se construir uma engrenagem política, e nós juntamos essas peças e criamos um sistema, o sistema eleitoral, que é proporcional, o distrital ou distrital misto, de lista fechada ou lista aberta.
Agora, quando a gente muda uma pecinha no sistema eleitoral, uma pequena peça, ela já gera efeitos no sistema partidário. E, quando a gente mexe uma pecinha no sistema partidário, ela já gera efeitos no sistema de governo, que é onde está o Parlamento, onde está o Executivo. E, quando o sistema de governo muda uma regra porque é ele que controla as regras, então essa engrenagem está sempre funcionando. Quando a gente mexe uma pecinha, a gente tem que pensar bem qual o efeito que eu desejo e, principalmente, tentar dimensionar esse efeito, porque, às vezes, você muda uma peça buscando um efeito e ocorre o inverso.
Eu sempre trago como exemplo a regra da fidelidade partidária, que foi criada inicialmente dentro do Judiciário e que tinha como um objetivo fortalecer os partidos. Mas, por conta da forma como foi dimensionada, como foi escrita, ela incentivou uma maior fragmentação do sistema partidário. Então, acabou, de certa forma, enfraquecendo os partidos e o sistema como um todo. Então, essa outra ideia é que eu queria trazer de que, se nós queremos fortalecer os partidos, talvez a gente tenha que mexer um pouco no sistema eleitoral. Mas, se a gente muda o sistema eleitoral, isso pode refletir em vários outros aspectos.
Então, acho que entrando na proposta da audiência, quais os temas precisam ser ajustados? O que precisamos ajustar na... Vou encerrar aqui o compartilhamento. Quais os temas devemos colocar no jogo, no centro do jogo, para poder avançar, ainda que de forma pequena, em pequenos passos?
Eu acho que há dois grandes temas aí: um é a eficiência do sistema partidário, que eu acho que está colocado para esse 2021; e o outro é a eficiência da Justiça Eleitoral, do processo eleitoral, que também é um assunto que está colocado no debate.
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Com relação ao sistema partidário, a gente tem inúmeros pesquisadores, pesquisas e, digamos assim, um diagnóstico já de muito tempo, que é colocado não só por brasileiros, mas por brasileiristas, de que nós temos um sistema partidário extremamente fragmentado, um dos mais fragmentados do mundo, se não o mais fragmentado. Isso enfraquece os partidos. Uma outra característica é que nosso sistema está muito voltado aos indivíduos, ao personalismo, e pouco ao jogo coletivo, ao jogo partidário. E um terceiro grande problema é que os partidos não estão enraizados, os partidos precisariam ter mais raízes na sociedade.
Eu creio que, como o Dr. Thiago falou, nós estamos fazendo já um grande processo de reforma política, às vezes com pequenos ajustes, as mudanças na regra de financiamento, as mudanças na regra de fidelidade partidária, de desempenho eleitoral. As mudanças mais recentes de desempenho eleitoral, de coligação e de cotas mudaram o perfil do nosso sistema partidário. Já mudou, já houve uma mudança da curva. É claro que se optou por uma transição gradual. Então, isso daqui ainda leva, até 2030, algum tempo, mas já é perceptível uma mudança na curva.
E essa mudança foi no sentido de aumentar a eficiência do sistema, porque aumentou a competitividade dos atores. Tanto indivíduos, tanto políticos, lideranças, quanto partidos estão tendo que buscar uma maior eficiência, estão tendo que disputar, porque quem não conseguir chegar a um certo patamar pode perder dinheiro, pode perder tempo, pode perder instrumentos que são basilares da competição política. Então, esse é um aspecto importante, porque esse aumento da competitividade leva a um aumento da eficiência como um todo. Espera-se que leve a um aumento da eficiência como um todo.
Um partido, ao receber o fundo partidário, se ele tem que disputar, na próxima eleição já, condições de sobrevivência ou de avanço, ao receber esse fundo partidário, ele vai querer aplicar na disputa política, na formação, nas reuniões, no engajamento, enfim. Então, essas mudanças que vêm acontecendo de forma paulatina ao longo desses últimos anos jogam uma pressão para o aumento da competição e da eficiência do sistema.
É claro que o Senador Marcelo Castro coloca um dilema, um grande dilema. Se nós evoluíssemos de uma lista aberta, como está colocado hoje, para uma lista fechada, talvez esse aumento de eficiência fosse mais rápido. Mas aí realmente depende de um debate político, de se obter um consenso político. Às vezes, um passinho a mais pode ser importante nessa trajetória. Por exemplo, uma lista semiflexível ou flexível, em que os partidos já apresentem uma nominata, em que pode haver uma distribuição de cotas, que também foi um outro elemento que, na última eleição, colocou pressão por essa competitividade, por esse aumento de eficiência no sistema. Então, se você der um pequeno passo, às vezes você consegue dimensionar melhor o efeito na prática, para dar um segundo passo, um terceiro passo, porque de fato, grandes reformas, muitas vezes, geram efeitos indesejados. E é difícil dimensionar o efeito de uma grande reforma.
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E também há um outro aspecto, que é a reação de quem se sente ameaçado por esse novo ambiente de competição. A minha avaliação muito pessoal sobre o que está colocado na Câmara é que há uma reação sobre essas regras de desempenho e coligação e mesmo de quotas em que há Parlamentares ou lideranças que se veem ameaçadas para a eleição, para a próxima competição, e buscam alguma amenização das regras do jogo, seja a federação ou diminuir a cláusula de desempenho, e, talvez, na inviabilidade disso, colocam todas as fichas na mudança do sistema. Vamos para um "distritão", porque o efeito do "distritão" é acabar com tudo isso que foi construído ao longo dos anos - e não só acabar, como jogar com uma maior fragmentação, com maior personalismo. E isso, na minha humilde opinião, vai tender a gerar um sistema menos competitivo e menos eficiente. E aí a gente começa a colocar mais pressão sobre o mundo político. Será que o mundo político, então, não é o grande responsável, o grande vilão, pela crise da democracia? Então, nós temos que refletir bem sobre essas mudanças muito impactantes e sobre onde a gente não tem dimensão dos efeitos concretos, mas que já se imagina que sejam negativos.
Eu acho que o Dr. Thiago colocou pontualmente matérias muito boas para discussão, para aperfeiçoamento. De uma forma geral, o que eu acho? Acho que é preciso se debruçar em aperfeiçoar esses últimos instrumentos que foram criados. A questão da fidelidade acho que está bem encaminhada, mas talvez tenha algum ajuste; a cláusula de desempenho também; a questão das quotas. Então, acho que essas propostas têm esse intuito de melhorar o que foi feito nos últimos anos, inclusive no nível constitucional.
Acho que há dois assuntos que realmente estão fora da ordem do dia e que mereciam entrar na ordem do dia. Os projetos acho que abordam isso. Um é a questão das sobras, porque as sobras... Havia uma cláusula de barreira, quando nós praticávamos a coligação. Com o fim da coligação, essa cláusula de barreira caiu. Talvez seja o caso, sim, de restabelecer essa cláusula ou de estabelecer uma cláusula de desempenho - se não for o quociente inteiro, o quociente eleitoral, metade dele ou um percentual em torno dele -, principalmente nos grandes colégios eleitorais, isso é importante. Então, acho que esse assunto das sobras é um assunto que vale a pena. O outro também que o Dr. Thiago colocou é o do programa partidário. Talvez não retornar como ele era antes, mas em um outro formato. Mas é um instrumento extremamente relevante para que os partidos busquem criar mais raízes, raízes mais profundas na sociedade. É impossível a gente pensar que, no mundo atual, na complexidade atual, num País com as nossas dimensões, os partidos consigam fazer isso apenas com os instrumentos analógicos ou com os instrumentos que não são tão potentes quanto rádio e televisão. Nós temos um País extremamente complexo e que precisa ser abordado dessa forma. Então, do ponto de vista da eficiência do sistema partidário, acho que é isso o que eu queria colocar.
Acho que tem um outro aspecto que é a eficiência da Justiça Eleitoral, que também está colocado no debate mais sobre o ponto de vista do voto impresso ou da urna eletrônica. Eu queria chamar a atenção para talvez de novo como o Senado está tentando colocar. Vamos colocar a bola no chão e ver o que está pegando efetivamente.
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A gente tem uma característica sui generis aí da Justiça Eleitoral - eu digo da Justiça, mas é do processo eleitoral -, uma característica sui generis da Justiça Eleitoral e do próprio TSE, que é uma concentração das funções. O TSE exerce a função executiva, normativa e jurisdicional sobre o mesmo objeto. É uma coisa sui generis por quê? Porque toda teoria democrática dos últimos 200 anos é no sentido de você dividir as funções para evitar abusos, e aqui a gente tem justamente um caso que destoa.
Acho que essa característica foi muito importante para a evolução do nosso processo eleitoral, muito importante - muito importante. A Justiça Eleitoral foi criada para combater fraudes, inicialmente, e ela, pode-se dizer, obteve um grande sucesso em, realmente, evitar fraudes ou diminuir o risco de fraudes. Você não tem grandes problemas no alistamento eleitoral, você não tem grandes problemas hoje com eleitores fantasmas, com o processo de votação você não tem problemas. O problema, pelo menos dos últimos 15 anos para cá, não tem sido dentro da sessão eleitoral; tem sido fora da sessão eleitoral. Não tem sido com o voto em si, o processamento do voto, mas, sim, com o que acontece fora, fora da escola, do lugar de votação. O problema tem sido, basicamente, abusos de poder, abusos de poder econômico, abusos de poder político, compra de voto, enfim.
E, mais recentemente, o que tem sido colocado? O grande efeito da desinformação e da manipulação como uma fraude eleitoral. Então, esse é o problema real que nós precisamos estar pensando cotidianamente em como melhorar. Esse é o grande... Digamos que, na função executiva do TSE, esse é o grande problema. O voto impresso não é um problema, não é um problema real. Pelo menos não tem aparecido em denúncias, pesquisas, simulações; não tem aparecido. Pode ser um problema hipotético, político, que está dentro de uma lógica política, de uma campanha política, mas, para o sistema em si, não é.
O que a gente deveria estar se perguntando agora é se o TSE reúne condições para garantir a integridade da eleição de 2022, porque a eleição de 2022 vai ocorrer sob um ambiente pressionado, um ambiente que os jornais, os articulistas, os formadores de opinião estão colocando como um ambiente crítico. Então, a grande questão, para mim, pelo menos, não é a urna eletrônica. Para mim, a grande questão é: o TSE é capaz de garantir a integridade das eleições de 2022 com o cenário que se está desenhando? Ou ele precisa de outros instrumentos e o Legislativo precisa conceder esses instrumentos?
Eu acho que, na função normativa, há duas coisas aí que estão colocadas, que são: como tratar os excessos normativos do TSE; e como dar previsibilidade e segurança jurídica para os atores. Porque, de fato, há reclamações, e essas reclamações são cada vez mais crescentes. Isso daí vai gerando um conflito cada vez maior dentro do sistema - um conflito que, talvez, não precisasse estar presente - que é: o TSE, muitas vezes, cria normas, normas que estão fora dos limites da lei, e a gente não tem um procedimento, uma forma de tratar isso de maneira rápida. O Congresso já tentou sustar normas, e isso daí teve de ser judicializado.
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De outro lado, nós temos, por exemplo, as cotas, que foram um avanço grande, muito importante dentro do sistema, como eu coloquei, que aumenta a competitividade e a eficiência do sistema, mas foram estabelecidas quando todo mundo já tinha programado suas campanhas, seus recursos. Isso gera uma insegurança para os atores. Então, é um problema que está colocado e que, talvez, seja um problema que possa, nessa lógica de fazer ajustes pequenos, ser solucionado de uma forma mais rápida, e você vai tirando conflitos indesejados de dentro do sistema.
Eu vi que o projeto da Câmara que trata da reforma do Código Eleitoral aborda isso. Então, talvez seja possível haver um diálogo ali, se houver algum nível de consenso. Eu acho que é um elemento que talvez possa ser colocado aí para debate, e poderemos avançar sem maiores traumas. É claro que, na função normativa aqui, eu não estou falando apenas das resoluções, mas da capacidade do próprio TSE, através dos seus acórdãos, dos seus julgados, criar ou mudar padrões normativos, digamos assim. E, dentro da função jurisdicional, eu não vejo maiores problemas. Acho que é um debate natural, no campo de direito, de tentar melhorar o Código, o Código de Processo, enfim, as ações.
Porém, há um problema, que eu também não sei se é possível ter uma solução tão imediata, que é: nós temos processos importantes, como o abuso de poder. E, nisso daí, não estou falando nada em específico, de Presidente ou... Isso daí é um pouco generalizado, acontece em todas as eleições. Esses processos importantes, que deveriam ser o centro de uma discussão mais rápida, mais célere, têm sido julgados tardiamente muitas vezes, e isso faz com que a gente, simplesmente, não consiga encerrar o processo eleitoral. Então, a gente fica com um processo eleitoral de dois, três anos atrás ainda pingando dentro do cenário político. E isso daí também vai gerando um certo nível de insatisfação ou conflito dos atores em relação ao órgão que organiza, que normatiza e que julga as eleições no Brasil.
Sr. Presidente, eu fico por aqui, fico à disposição para o debate. Se for o caso, eu posso... Eu olhei os projetos também que estão tramitando no Senado, e podemos discutir de forma mais específica algum ponto.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Dr. Cristian Silva. Excelente participação, muito colaborativa. Certamente teremos oportunidades, no debate com os Senadores, de ainda recebermos melhores e maiores colaborações suas.
Eu concedo a palavra, com muita honra, neste momento, ao nosso jurista e Ministro da Justiça, no ano de 2016, Dr. Eugênio Aragão, para as suas considerações.
O senhor dispõe de dez minutos. Caso necessário, use o tempo que precisar.
O SR. EUGÊNIO ARAGÃO (Para exposição de convidado.) - Muito grato, Presidente.
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Primeiro, quero saudar aqui os Senadores aqui presentes, em especial o nosso querido Líder também do Partido, mas quero aqui, sobretudo, agradecer o convite que me foi feito, que me foi trazido através Dr. Thiago Boverio, um querido amigo que eu muito respeito como jurista e a quem muito prezo pela capacidade de diálogo que ele tem entre os advogados eleitoralistas.
O Professor Cristian - também achei a exposição dele muito boa, muito esclarecedora -, também o cumprimento, como colega da Universidade de Brasília que sou, apesar de estar licenciado ali.
O grande calcanhar de Aquiles do nosso sistema político - e me parece que isso foi aqui já reprisado pelos dois colegas que me antecederam - é o nosso sistema partidário. Para nós podermos pensar em sistemas de governos reformados, quaisquer que sejam, nós temos que, necessariamente, passar por um aprimoramento do nosso sistema partidário.
Fico assim a pensar a proposta - que certamente aqui vai ser defendida pelo Ministro Roberto Barroso - de introdução do parlamentarismo. Um parlamentarismo com essa dispersão partidária é um grande risco para a governabilidade, um enorme risco para a governabilidade. Basta simplesmente a gente se lembrar do precedente da República de Weimar, que se tornou completamente disfuncional pela fragmentação da paisagem partidária. Então, isso é algo que precisa ser tratado e com máxima urgência.
Acredito até que o Tribunal Superior Eleitoral tem algum tipo também de culpa nisso, porque tem tratado o registro partidário com uma enorme generosidade. Eu sempre costumava dizer, quando era Vice-Procurador-Geral Eleitoral, que a gente não tem que facilitar a criação de partidos. Na criação de partido a gente tem que ser muito rigoroso, porque o partido é uma instituição nacional que vai representar uma corrente da sociedade. Então, isso não pode ser algo que seja bagatelizado.
E nós sabemos que o sistema, por exemplo, de arrecadação dos apoiamentos para criação de partido é extremamente frágil. Seria muito mais adequado se esses apoiamentos tivessem que ser declarados no cartório eleitoral em que o eleitor está registrado como eleitor; que ele tivesse que ir lá dar o seu apoiamento. Por quê? Porque aí a Justiça Eleitoral poderia criar, inclusive, um sistema informatizado, em que todos esses apoiamentos já fossem imediatamente computorizados e já verificados quanto a sua autenticidade. Claro, vão dizer: "Ah, mas quem é que vai querer sair da rotina da sua vida para ir para o cartório eleitoral dar um apoiamento?". Eu respondo o seguinte: se a pessoa não é capaz de gastar 10, 20 minutos do seu dia a dia para ir ao cartório eleitoral dar um apoiamento a um partido que ele apoia que seja criado, esse apoiamento não é honesto. Esse apoiamento feito na fila do supermercado, no parque enquanto você está andando de patins e coisa do gênero, isso muitas vezes é apenas um gesto de se livrar de um chato que está ali, com sua prancheta, pedindo o seu apoio.
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Então, eu acho que, sim, há que se dar um trabalhozinho para o eleitor, para ele ir lá ao cartório eleitoral. E lá se verificará de imediato se ele já é parte de outro partido, se ele já deu apoiamento a outro partido; isso pode ser imediatamente verificado. E isso facilita depois o trabalho de gestão desses dados, porque os dados todos já terão sido colhidos pelo cartório eleitoral e serão consolidados pelo sistema computacional. Então, por um lado, isso dificulta a coleta desses apoiamentos, mas, por outro lado, nós teremos, vamos dizer, o sistema de gestão facilitado. Eu acredito que uma coisa dessas seria muito interessante para a gente criar, realmente, partidos que reflitam o apoio das pessoas que, vamos dizer, oferecem seus nomes para essa criação.
No entanto, nós sabemos que a criação de partidos hoje, infelizmente, é algo relativamente simples. É claro, a dificuldade está nesses apoiamentos, mas é relativamente simples, e isso faz com que muitos políticos e muitos grupos criem um partido apenas para ter um partido para chamar de seu, mas que, na verdade, muitas vezes é uma redundância em termos programáticos, em termos ideológicos, com outros partidos que já existem. Então, por que criar um partido para uma corrente da sociedade que já está relativamente bem representada em outro partido que já foi criado e que tem um programa que atende?
É claro que a Constituição diz que a criação de partidos é livre - e é bom que assim seja -, mas nós temos que também pensar que redundâncias geram muitas vezes conflitos. E criar um novo partido tem que realmente significar, vamos dizer, o atendimento a uma corrente da sociedade que não está representada nos outros partidos, porque senão não faz sentido
Partidos políticos são o quê? São canais que auxiliam a formação da vontade nacional. Eles canalizam as demandas da sociedade e as levam para os centros de decisão nacional, que é o Congresso Nacional, é o Governo. É para isso que existem partidos. Se os canais estão atendidos, mesmo que eventualmente possam até estar entupidos, mas estão atendidos, a questão é de gerir esses canais que já são existentes.
Então, partidos em excesso criam uma enorme dificuldade de governabilidade. E isso será mais fortemente sentido se a gente quiser introduzir neste País um sistema parlamentar. O que vai haver de governo caindo por falta de apoio parlamentar não vai ser brincadeira. E nós vamos ter o risco, que nem Israel agora, há pouco tempo, mostrou, nesses últimos dois anos, de ter um governo a cada três, quatro meses - e isso não faz sentido -, porque os arranjos partidários não oferecem uma maioria sólida no Parlamento para aquele governo. Então, a primeira coisa que nós temos que fazer, realmente, é mexer no sistema partidário.
Nós temos um grande problema que é, como o professor Cristian mostrou, universal. O problema é que as possibilidades, hoje, de comunicação, de ser visto por um público grande, mudaram. A linguagem da comunicação mudou através das redes sociais. As pessoas são vistas de outra forma. Partidos políticos são fragilizados em troca do protagonismo pessoal de certos atores, que conseguem ser ouvidos graças à sua presença em redes sociais. E isso poderia tornar atrativa uma fulanização maior da política, através, por exemplo, do distritão.
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Ao mesmo tempo, isso fragilizaria a democracia como sistema, como nós conhecemos. Uma sociedade de alta complexidade, como as sociedades modernas, não pode ter uma dispersão de micro-opiniões para dar base à governança. Nós precisamos fortalecer os partidos. Aliás, a declaração, a Carta Democrática Interamericana diz isto claramente: a democracia demanda a presença de partidos fortes. Então, os partidos têm que, às vezes, se reinventar dentro desse sistema de comunicação e se tornar mais presentes, mas isso não significa que nós temos que desmanchar os partidos, para, vamos dizer, fragmentar as correntes sociais dentro de uma fulanização da política.
Por isso mesmo, acredito que o distritão é um desserviço à democracia, como nós a conhecemos modernamente, como representação de grandes correntes da sociedade. Nós precisamos realmente ter um sistema em que os partidos tenham mais força de moldar as eleições. E isso se dá, me parece, sim, com o sistema de lista fechada. Mas, eventualmente, se pode até pensar num sistema misto, como o sistema alemão, em que nós temos um sistema de lista fechada, mas você também tem um candidato por distrito, ou seja, a pessoa acaba votando em dois: acaba votando na lista e acaba votando no nome. Na Alemanha, acontece desse jeito. E esse sistema misto dá, vamos dizer, um espaço também para lideranças locais. Talvez fosse uma solução de se pensar. Não é um sistema eleitoral fácil. Na própria Alemanha, há muitas críticas a esse sistema misto, pois ele torna, vamos dizer, as representatividades muitas vezes pouco transparentes, mas é uma hipótese, pelo menos, de se pensar.
Outro assunto que eu gostaria de trazer aqui é a questão do voto no exterior. Os brasileiros que estão no exterior têm demandas específicas, têm demandas, principalmente, naquilo que diz respeito à sua assistência consular, à sua embaixada, ao atendimento que lhes é conferido pela embaixada, ao apoio que eles recebem do Governo brasileiro diante de demandas com o Governo do país que os hospeda. Essas demandas precisam ser trazidas para o Congresso. Nós precisamos democratizar a nossa política externa, que, já há muito tempo, precisa de maior interação com a sociedade e, principalmente, com aqueles que, vamos dizer, dependem do seu serviço direto, que são os brasileiros no exterior. Então, eu quero lembrar aqui que a França tem um conselho permanente dos franceses no exterior, que é ligado ao Parlamento. Talvez fosse algo a se pensar a criar: que houvesse eleições para representante dos franceses no exterior - e essa representação é por país - e que, a partir daí, sim, também houvesse candidaturas, como é na França, desses franceses no exterior para o Parlamento, uma representação direta deles, porque eles têm demandas próprias. São demandas diferentes, por exemplo, de um morador, de alguém que vive no Rio de Janeiro, que vive em São Paulo, que vive no Distrito Federal. São pessoas que têm suas demandas. Seria interessante talvez haver um ou dois representantes dos brasileiros no exterior dentro do Congresso Nacional. Seria mais interessante do que eles colocarem seu voto para um representante do seu Estado de origem, com o qual muitas vezes eles não têm mais qualquer tipo de relação. Muitos brasileiros moram no exterior há 10, 20 anos e não têm mais essa ligação com sua terra de origem no sentido de compartilhar as demandas políticas locais. Talvez fosse algo a se refletir. É o sistema que a França adota e acho que é um sistema bastante eficiente, que tem uma dinâmica muito interessante.
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Eu também, como o Dr. Thiago Boverio, apoio integralmente as cinco propostas que ele pinçou. Acho são realmente todas elas importantes para fortalecer essas reformas que já foram feitas. Elas realmente contribuem para melhorar.
E eu vou ficar por aqui também, colocando-me à disposição dos senhores para eventuais perguntas.
Muito grato.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Ministro Eugênio Aragão. Sua participação abrilhantou este debate. Ainda terá oportunidades de debater com os nossos Senadores.
Eu vejo, até agora, nos pontos que nós debatemos, uma conexão entre os debatedores do fortalecimento partidário e da representatividade. Temas como esse trazido pelo Ministro Eugênio, da representatividade de brasileiros que moram no exterior, poucas vezes eu vi ser debatido com tanta eficiência, com legitimidade de representatividade.
Trago, para exemplificar, lá no meu território, no meu espaço doméstico, no Estado de Mato Grosso, algumas distorções que precisam ser aperfeiçoadas. E tenho certeza, conversando como Senador Nelsinho Trad, que é o requerente desta sessão de debates, com a Senadora Simone Tebet, que é a Líder da Bancada Feminina, de que o aperfeiçoamento das siglas partidárias, o fortalecimento da democracia não se faz em criar mais siglas partidárias e, sim, com o número de representantes e com a forma dessa representação.
Veja que a nossa capital do Estado de Mato Grosso, Cuiabá, hoje tem 25 cadeiras na Câmara de Vereadores e 19 partidos representados. Não tem lógica a administração, o Prefeito fazer uma coalizão, em termos de projeto de administração, com 19 partidos sendo representados. Algum erro há nisso.
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A correção inicial que queremos fazer - e que estamos propondo - se inicia com as sobras eleitorais; aquela chapa que o partido apresenta só participe das sobras ao atingir o coeficiente eleitoral. Mas, certamente, com a proposta feita pelo Senador Marcelo Castro, aí, sim, nós garantiríamos a lista fechada, a representatividade partidária, o fortalecimento ideológico dos partidos para que a democracia se consolidasse.
É também da mesma forma vista a baixíssima representatividade feminina. Claro que tivemos avanço garantindo a participação de 30% das mulheres nas chapas para poderem concorrer, mas isso ainda não se efetivou na representatividade e na cadeira. Veja as assembleias legislativas ou a própria Câmara de Vereadores de Cuiabá: dos 25, somente duas mulheres. Na nossa Assembleia Legislativa de Mato Grosso, 24 Deputados Estaduais e somente uma mulher, representando 52% do eleitorado. Em praticamente mil Municípios - se eu não me engano, em 948 Municípios brasileiros -, não há nenhuma mulher como representante, nenhuma Vereadora.
Nós precisamos pensar nessa mudança. Não se trata de fazer... Eu acho que o Brasil, o Parlamento brasileiro não pode correr o risco de propor, neste momento, uma reforma eleitoral. Claro que não! Nós temos que pensar em aperfeiçoamento de tudo que já construímos nesses últimos 30 anos para o fortalecimento da democracia.
Por isso, eu fiquei muito feliz com os debates até agora. Tenho certeza de que nós vamos caminhar com esses projetos e com algum outro que possa vir nesse sentido do aperfeiçoamento das siglas partidárias, da inclusão de brasileiros e as suas representatividades, para que nós possamos, de fato, fortalecer a democracia, fortalecer a representatividade, fortalecer os partidos políticos e respeitar o dinheiro público. Afinal de contas, quando tomamos a decisão de que a forma de financiamento das campanhas seria feita com recurso público, diante de problemas que tivemos com o financiamento empresarial, nós temos que também pensar em como investir esses recursos para garantir lisura, transparência e efetividade e, além de tudo, baratear ainda mais as campanhas, que é o que vejo que vem acontecendo.
Nós estamos no aguardo da conexão do Ministro Barroso. Ele já comunicou com a nossa assessoria, com o secretariado da Mesa que está se conectando.
Eu queria perguntar aos Senadores presentes se há algumas questões para os nossos debatedores, para os nossos convidados, para que nós possamos adiantar a parte de debates até que o Ministro Barroso possa se conectar. (Pausa.)
Estão conectados - todos estão aqui - a Senadora Mailza Gomes; o Senador Marcelo Castro, que já fez uma pequena participação inicial; a Senadora Rose de Freitas; o Senador Nelsinho Trad, que está no avião e nós já o ouvimos; a Senadora Zenaide Maia; o Senador Izalci Lucas, a Senadora Soraya Thronicke; e o Senador Irajá, que acaba de se conectar também.
Se algum tiver algum questionamento para os debatedores, sugestões ou alguma participação, nós ficaríamos muito honrados. (Pausa.)
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Também, se os debatedores, o Dr. Thiago, o Dr. Cristian e o próprio Ministro Eugênio, agora, se puderem complementar, depois das três participações, seria relevante para a gente já caminhar para um debate entre os participantes.
Senador Marcelo Castro.
O SR. MARCELO CASTRO (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - PI. Para interpelar convidado.) - Senado Carlos Fávaro, aproveito aqui que V. Exa. é autor do Projeto de Lei nº 783, de 2021, que trata das sobras eleitorais.
Em princípio, nós estamos de acordo com a proposta de V. Exa. Eu queria até que os debatedores também se manifestassem sobre isso. Agora, eu acho que o projeto que V. Exa. apresentou faz muitas modificações que já constam, que, vamos dizer, não são necessárias.
Por exemplo, aqui, no art. 1º do projeto, que modifica o art. 106, V. Exa. diz assim: "Determina-se o quociente eleitoral..." Ora, o quociente eleitoral já é definido na nossa legislação. Não tem por que a gente mexer nisso aí. Inclusive, comete aqui uma impropriedade ao dizer:
Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos de cada partido [não é de cada partido; é da soma total dos votos válidos] apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral [correto], desprezada a fração [...].
Aqui não tem que desprezar a fração, porque é o quociente eleitoral. Se, em Mato Grosso, se apurou um milhão de votos, e lá são oito candidatos, oito vagas, divide-se um milhão por oito, e esse é o quociente eleitoral. Não tem fração de voto. Continuando: "... desprezada a fração igual ou inferior a meio...". Então, isso aqui não está correto.
Depois, no art. 108, na modificação, diz: "Estarão eleitos, entre os candidatos registrados [...] que tenham [...] 10% [...]". Isso aqui já está, já consta na legislação.
O princípio do seu projeto é correto, mas nós ficaríamos só com o §2º do art. 109 e o art. 111:
§ 2º Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos que tiverem obtido quociente eleitoral.
Ponto final. O seu projeto poderia ser só isso aqui. E o art. 111, que diz: "se nenhum partido...". Isso já consta da legislação nossa. Não haveria necessidade.
Então, nós estamos de acordo com o espírito, mas não precisava entrar nessa outra parte, não. Poderia ficar o seu projeto, quer dizer, o substitutivo... Se eu fosse o Relator - o Relator vai ser o Vanderlan Cardoso -, ficaria o seu projeto reduzido a isto, olhe: "Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos que tiverem obtido o quociente eleitoral", uma vez que toda a outra parte da legislação já é contemplada e eu acho que todos nós estamos de acordo.
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Eu gostaria de parabenizar aí os palestrantes. Eu e o Eugênio Aragão já somos velhos conhecidos, desde o tempo da reforma política, porque ele era Vice-Procurador da República na questão eleitoral.
E nós somos partidários do sistema distrital misto, que os cientistas políticos, na sua quase totalidade, entendem como sendo o melhor, porque, no mundo inteiro, nós temos basicamente dois sistemas eleitorais: o distrital e o proporcional de lista fechada. Todos eles têm vantagens e têm desvantagens e são bons sistemas eleitorais, eles cumprem aquilo a que se propõem; mas têm suas falhas também, nem um sistema é completo. Então, o sistema distrital misto, que é o alemão, conjuga os dois sistemas tradicionais: o proporcional de lista fechada e o distrital, com o voto majoritário. Então, ameniza esses defeitos, melhora. Eu acho que há um consenso entre os analistas de que seria o melhor.
Agora, qual é a dificuldade? Eu acho que aqui no Brasil, Senador Carlos Fávaro, nós temos o diagnóstico correto: nosso sistema eleitoral é o pior do mundo, é único, não há em canto nenhum do mundo um sistema tão disfuncional quanto o nosso - nós estamos de acordo quanto a isso. Nós sabemos qual é o remédio: o remédio é aplicar qualquer sistema eleitoral de qualquer país do mundo - qualquer um é bom, todos são bons; o que não presta é o nosso. Então, quais são os sistemas que há no mundo? O voto distrital, que é o dos Estados Unidos, Inglaterra e França e suas colônias; o voto proporcional de lista, que é basicamente o das democracias europeias e o distrital misto, que é o da Alemanha. Qualquer um que nós aplicarmos aqui, nós estaremos no lucro, estaremos bem.
Então, nós temos o diagnóstico e nós temos a terapêutica. Por que nós não aplicamos a terapêutica? É porque nós não conseguimos, já tentamos inúmeras vezes e não passa. Então, nós temos que pensar num sistema de redução de perdas; vamos dizer, um sistema que despiore o que nós temos. O que está ganhando corpo hoje no Congresso Nacional, como todos os debatedores de hoje foram unânimes? O "distritão". O "distritão" simplesmente pega todos os defeitos que nós temos no sistema atual, todos, e piora todos eles. Então, nosso sistema é hiperfragmentado; o "distritão" aumenta a hiperfragmentação. Os nossos partidos são fracos, não são programáticos, não são ideológicos, não são doutrinários; o "distritão" piora isso daí. Nós temos um número excessivo de campanha; continua do mesmo jeito. Nós temos um personalismo muito grande no nosso sistema; o "distritão" piora. Nós temos influência do poder econômico, das celebridades, de jogador de futebol; o "distritão" piora esse sistema. Então, o "distritão" só tem desvantagens, nós só vamos piorar o nosso sistema.
Então nós temos que encontrar aí um meio termo para a gente poder salvar o nosso Brasil da pior anomalia - V. Exa. disse, e disse muito bem, e os debatedores também falaram sobre isto -: o número excessivo de partidos que nós temos no Brasil. É inconcebível, assim como o número da representação feminina. Como é que, em Cuiabá, que tem 25 Vereadores, 19... Isso não existe em Parlamento nenhum do mundo!
Quando eu fui Relator da reforma política, eu fiz um estudo de todos os Parlamentos do mundo. Todos os Parlamentos do mundo funcionam da seguinte maneira: dois, três, nó máximo quatro partidos têm 80%, 90% dos votos. Mandam, tomam as decisões, e o resto é periférico. No Brasil, o partido mais forte do Brasil, já há algumas Legislaturas, só tem 10% dos votos - 10% não vale de nada. Nós não temos partido do Brasil que dite as regras no Parlamento. E essa hiperfragmentação leva à ingovernabilidade.
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Bom, eu só queria fazer essa breve intervenção.
Muito obrigado aí. Vamos tocar para frente.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Senador Marcelo Castro. Perfeitas suas colocações.
O projeto de lei de minha autoria pode, sim, sofrer modificações. E tenho certeza de que isso será feito pelo nosso Relator, Senador Vanderlan Cardoso, para que possamos simplificar, mas dar efetividade.
Eu já vejo aqui conectado, com muita honra, para abrilhantar a nossa sessão de debates temáticos, o Sr. Ministro Luís Roberto Barroso, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Ministro, o senhor abrilhanta nosso dia, nosso debate. O Senador Nelsinho Trad, o Líder do PSD, do meu partido, que convocou esta sessão. Por conta dos ajustes diários, do esforço concentrado que esta Casa tem a partir de hoje - no período da tarde, teremos sabatina de autoridades -, foi remanejado o horário agora para de manhã, e ele está em voo de Campo Grande para cá, mas deixou os agradecimentos ao senhor, como o de todos nós, Senadores, e convidados.
O intuito, Sr. Ministro, deste debate não é fazer nenhum tipo de reforma eleitoral, como disse muito bem agora o Senador Marcelo Castro, e sim aperfeiçoar tudo aquilo que já fizemos nos últimos 30 anos no fortalecimento da Justiça Eleitoral, da democracia e do modelo de escolha dos representantes brasileiros. Precisamos avançar com responsabilidade.
Nós, como já disse - de novo, gostaria talvez de ser repetitivo, mas para sua consciência -, temos que ampliar a representatividade feminina. Não é possível - e eu trouxe o exemplo lá do meu Estado de Mato Grosso - na Assembleia Legislativa, depois de já termos incluído a obrigatoriedade de participação de 30% das mulheres nas chapas, de 24 Deputados Estaduais, nós termos apenas uma mulher. Não é possível nós termos, na Câmara de Vereadores de Cuiabá, de 25 cadeiras de Vereadores, somente duas mulheres. Como também não é possível o esfacelamento da força partidária, como foi dito agora pelo Senador Marcelo Castro: de 25 cadeiras de Vereadores em Cuiabá, nós termos representatividade de 19 partidos políticos.
Por isso, nós estamos aqui para aperfeiçoar o debate, melhorar a legislação, para que nós possamos fortalecer a nossa democracia, lembrando que agora caminhamos com recursos públicos financiando a campanha, por isso precisamos diminuir custo. Isso tem sido feito com muita eficiência e gerenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral, hoje presidido por V. Sa.
Então, com elação a toda essa questão de arcabouço de legislações, o Senado está cumprindo o seu papel de debater, melhorar para que nós possamos, efetivamente, dar à democracia brasileira transparência e efetividade.
Por isso, com a palavra o Ministro Luís Roberto Barroso, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, por dez minutos. E, caso necessite, pode se prolongar.
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O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Carlos Fávaro! É um prazer e uma honra estar aqui.
Cumprimento também o Senador Marcelo Castro.
Aqui vejo, na tela, o advogado e ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão.
Cumprimento todos muito cordialmente.
Senador Carlos Fávaro, o Senador Nelson Trad havia me pedido, em uma mensagem específica, que falasse sobre a questão do voto impresso, sobre o quê estou disponível para falar, mas também posso falar sobre qualquer um desses temas que o senhor acaba de mencionar.
Eu vou fazer o seguinte: vou falar muito brevemente, vou fazer um brevíssimo comentário sobre os três temas que o senhor pontuou e também falarei muito brevemente sobre a questão do voto impresso, se lhe parecer bem. Está bem assim, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Olha, perfeito. O senhor tem autonomia e autoridade para falar de toda a conjuntura eleitoral brasileira. É claro que o voto impresso é um debate que tramita hoje na sociedade, e nós queremos ter a responsabilidade de cuidar desse assunto aqui no Congresso Nacional.
Então citei alguns exemplos de matérias que estão tramitando no Senado Federal, e, certamente, o senhor pode dar uma pincelada em um pouco de cada uma delas e focar a questão do voto impresso, para esclarecer os colegas Senadores que nos estão ouvindo.
Só lembro que nós estamos agora, neste momento, com a Senadora Mailza Gomes também conectada; com o Marcelo Castro, que está com o vídeo aberto; com Paulo Rocha, Rose de Freitas, Zenaide Maia, Izalci Lucas, Soraya Thronicke e Senador Irajá.
Com a palavra o Ministro Luís Roberto Barroso.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Muitíssimo obrigado, Senador. Vou só anotar meu tempo aqui.
Cumprimento os eminentes Senadores.
Ouvi agora a fala... Eu estava em outro evento e, portanto, só pude ouvir o finalzinho da fala do Senador Marcelo Castro. Eu gostaria de dizer que eu assino embaixo. Estou de acordo com tudo que eu ouvi o eminente Senador falar relativamente ao voto distrital misto, como o Senador veio discorrer. Eu tenho conforto, Senador Carlos Fávaro, de falar isso, porque o TSE tem uma posição oficial sobre essa matéria, inclusive encaminhada à Câmara dos Deputados.
Como o Senador Marcelo Castro observou, existem dois grandes modelos eleitorais para Casas representativas, como a Câmara dos Deputados: o modelo majoritário e o modelo proporcional. Nós adotamos o sistema proporcional em lista aberta, que tem problemas, a meu ver, como entende o TSE, de custo, tem problemas de baixa representatividade e problemas no incentivo à formação atomizada de partidos políticos. E, portanto, o sistema proporcional em lista aberta, eu concordo com o Senador, não tem sido um bom sistema, porque, no fundo, com o custo, a campanha é feita no Estado inteiro. Mas o problema da representatividade, como os senhores bem sabem... O eleitor, no sistema proporcional em lista aberta, vota no candidato que ele quer - essa parece ser a parte boa do sistema -; porém, ele elege quem ele não sabe, porque o voto dele vai para o partido, e são os mais votados do partido que entram. Menos de 10% dos candidatos à Câmara são eleitos com votação própria, e, portanto, mais de 90% dos Deputados são eleitos por transferência interna do voto, de modo que se tem um sistema em que o eleitor não sabe quem o representa e em que o candidato não sabe por quem ele foi colocado lá. Um não tem de quem cobrar, e o outro não tem a quem prestar contas. É um sistema que não funciona bem.
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As alternativas no mercado, o Senador Marcelo Castro também observou. Tem se o majoritário puro, que é o distrital, que se pratica na França, nos Estados Unidos, no Reino Unido, e se tem o sistema alemão, que é o sistema distrital misto, que é o que nós entendemos - para falar em um parágrafo - e em que metade da Câmara é eleita pelo voto no distrito e a outra metade é eleita pelo voto no partido. Vou dar um exemplo que eu acho que é ilustrativo, que corresponde às ideias que, inclusive, já foram aprovadas no Senado. São Paulo, por exemplo, tem 70 Deputados e 35 milhões de eleitores, em números redondos. Como funcionaria? Trinta e cinco vagas na Câmara iriam pelo voto no distrito, e 35 vagas, pelo voto no partido. Então, o Estado de São Paulo seria dividido em 35 distritos, cada um com mais ou menos um milhão de votos. Cada partido lançaria o seu candidato em cada distrito, e o mais votado teria a vaga. O eleitor, portanto, teria dois votos, um no distrito e outro no partido. O voto no partido seria um voto em lista. Como existe muito preconceito contra a lista fechada, o TSE propôs uma fórmula que é a seguinte: se o eleitor quiser, ele vota na legenda, e segue-se a lista partidária, mas, se o eleitor preferir, ele pode votar no seu candidato. Se o candidato tiver quociente eleitoral próprio, ele fura a lista.
Portanto, nós defendemos no TSE, Senador Carlos Fávaro, o voto distrital misto, nos moldes que o Senador Marcelo Castro acaba de descrever, porque nós acreditamos que baratearia o custo das eleições, aumentaria a representatividade e facilitaria a formação de maiorias políticas, porque eu também concordo com o Senador Marcelo Castro com que a excessiva dissolução das forças partidárias dificulta a governabilidade e obriga, muitas vezes, a um relacionamento fisiológico com o Congresso. Portanto, assinalo aqui embaixo a ideia do distrital misto, que é a posição que eu defendo, desde 2006, no trabalho, mas que agora é a posição oficial do TSE.
Quanto à representatividade feminina, Senador Carlos Fávaro, eu também concordo plenamente com o que V. Exa. acaba de dizer. Nós temos tentado empurrar essa história na direção certa - digo nós aqui, agora falando do Judiciário. Primeiro, há a lei do Congresso prevendo 30% de candidaturas femininas, depois uma decisão do Supremo determinando que 30% do fundo partidário também fossem para as mulheres e a decisão do TSE de que 30% do fundo eleitoral também fossem para candidaturas femininas. Houve aumento relevante, mas ainda insuficiente. Eu acho, Senador Carlos Fávaro, que nós deveríamos partir para uma ideia de reserva de vagas, não apenas de candidaturas, uma reserva progressiva. Hoje em dia, há 15% de mulheres no Congresso. Talvez, possamos começar com uma reserva de 20% e, depois, ir aumentando.
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Eu observaria que o mundo caminha para sistemas paritários. Eu estive, agora, como observador, na eleição do México. As listas de candidaturas no México são paritárias. Os partidos têm de apresentar metade de candidatos homens e metade de candidatos mulheres. E, na eleição para a Constituinte do Chile recém-realizada, eles reservaram metade das vagas para mulheres e metade das vagas para homens. E aconteceu uma coisa extraordinária: eles tiveram que tirar mulheres, porque houve 11 mulheres a mais para além da metade.
Portanto, o mundo caminha para um sistema de paridade. Eu sei que, muitas vezes, os partidos têm dificuldade de recrutar mulheres. Nós estamos lançando no TSE - nós a fizemos no ano passado, depois da eleição municipal, e agora, de novo - uma campanha estimulando a participação feminina na política, liderada pela atriz Camila Pitanga, que, graciosamente, atendeu ao nosso chamado, para que mais mulheres se interessem pela política. Acho que não é só uma questão de justiça de gênero, mas é uma questão de agregar valor à vida pública brasileira. As mulheres têm características, atributos diferenciados, que agregam valor. A criação é masculina e feminina para que haja um equilíbrio de virtudes e características de cada um, e acho que nós temos que caminhar nessa direção, Senador Carlos Fávaro.
Quanto ao número de partidos, que também foi enfatizado, eu acho que o Congresso tomou duas medidas muito importantes - e tenho fé de que não volte atrás -, que foi a proibição de coligações em eleições proporcionais e a reintrodução da cláusula de barreira, que, infelizmente, o próprio Supremo havia derrubado em 2006, sem - quero me absolver aqui - a minha participação na ocasião. Eu já defendia... Vejo na tela a Senadora Rose de Freitas também - bom dia - e vejo a Senadora Zenaide Maia - bom dia - também. Eu acho que não foi uma decisão feliz, embora a vida seja mais fácil quando a gente está comentando o videoteipe. As circunstâncias do momento levaram à queda disso no Supremo, mas eu acho que não foi uma decisão que tenha feito bem ao sistema partidário brasileiro.
Pessoalmente, se me permite, Senador, já que estamos aqui em um debate público, eu acho que uma reforma política no Brasil precisa diminuir o custo das eleições, aumentar a representatividade e fortalecer os partidos, e, pessoalmente, acho que o "distritão" não realiza adequadamente nenhuma dessas três finalidades. Ele não barateia, talvez encareça, ele enfraquecerá os partidos e vai ser dramático para a representação das minorias.
Portanto, já que estamos... A democracia é feita de voto e é feita de debate público também. Votos são os senhores que têm, mas, do debate público, todos podem participar, e, portanto, compartilho aqui essa minha opinião. E estou aberto para qualquer outra questão sobre que os senhores tenham interesse.
Falo, muito brevemente, Senador, da questão do voto impresso, que é uma preocupação imensa que eu tenho pessoalmente e que nós todos da Justiça Eleitoral temos, que é quanto à implantação desse sistema. Quero dizer, Senador, que eu e nenhum dos Ministros não somos candidatos a coisa alguma. Portanto, é apenas uma preocupação com o sistema democrático e com o que seja melhor para o Brasil. Desde 1996, os senhores sabem bem, nós adotamos o voto eletrônico e conseguimos acabar com as fraudes eleitorais que advinham da intervenção humana em momentos críticos no processo eleitoral. E, ao longo desses 25 anos, nunca se documentou uma fraude. O sistema é seguro, as urnas não entram em rede. Portanto, podem atacar o sistema... As pessoas dizem: "Não, mas atacam a Nasa, atacam o FBI, atacam o Pentágono. Por que não vão atacar o TSE?". Até atacam, mas, mesmo que ataquem o TSE, mesmo que derrubem o sistema do TSE, o que nunca aconteceu, as urnas não entram em rede, e, portanto, não há como fraudar o resultado eleitoral.
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O sistema é totalmente transparente. Os partidos são convidados para participar das dez etapas de auditoria, inclusive do momento de elaboração do programa, da assinatura digital e da lacração. O problema que acontece é que os partidos não comparecem porque eles confiam no sistema. Mas nós convidamos e reiteramos o convite ao Congresso Nacional e aos partidos para mandarem seus técnicos, porque o único momento de manipulação humana é a elaboração do programa. No mais, é imune ao risco de fraude. O sistema tem dez etapas de auditoria. Eu não vou aborrecer todo mundo aqui listando-as todas, mas lembro que, ao final da eleição, às 17h, imprime-se o boletim de urna com a votação de cada candidato. A partir dali, acabou a eleição.
Mas, Senador Fávaro, me permita enfatizar um momento de auditoria que, no geral, as pessoas desconhecem e que eu queria insistir aqui, que é o que nós chamamos de "teste de integridade". As urnas são todas distribuídas nas sessões eleitorais. Na véspera da eleição, com as urnas já distribuídas, são sorteadas cem urnas, nos diferentes Estados da Federação, para uma auditoria independente. Elas são levadas ao TRE, e, na frente dos partidos políticos, do Ministério Público e da Polícia Federal, faz-se o que se chama de "votação paralela", vota-se com uma célula. Perante uma auditoria independente, vota-se com uma cédula, canta-se o voto para ser inserido na urna eletrônica, imprime-se na ponta final, e a auditoria independente certifica que o que saiu é igual ao que entrou. Tudo isso é filmado, em um ambiente controlado, para demonstrar que a urna não tem nenhum problema. São urnas escolhidas aleatoriamente por sorteio, ou, se quiserem, podem ser indicadas pelos partidos, mas tem que ser controlado, tem que ser filmado, porque o grande problema do voto impresso é a contagem manual.
Qual é a razão pela qual o TSE tem se empenhado contrariamente ao voto impresso? É que nós vamos ter que transportar 150 milhões de votos no País do roubo de cargas, da milícia, do Comando Vermelho, do PCC, da Família do Norte. Já há aí um primeiro problema. O segundo é que temos que montar guarda em um país em que a tradição é que as urnas aparecessem engravidadas ou as urnas desaparecessem. E, depois, o voto impresso só se presta para recontagem manual. Então, se o candidato a Presidente da República pedir recontagem, nós vamos ter 150 milhões de votos contados manualmente naquelas mesas apuradoras que faziam o terror da vida brasileira antes das urnas eletrônicas.
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Portanto, o voto impresso não é um mecanismo a mais de auditoria, ele é um risco para o processo eleitoral. Nós abolimos o contato manual. A única forma de o voto impresso poder ser algo palatável - e já nem daria mais tempo - é que a contagem do voto impresso não pode ser manual. Portanto, tem que se conceber um mecanismo de contagem automática daqueles votos - aí não há risco de dar erro.
E há um paradoxo, Senador Fávaro: é que o voto seria impresso pela mesma urna eletrônica que estaria sob suspeita. Portanto, se fraudar o eletrônico, frauda-se o impresso. Desse modo nós vamos gastar R$2 bilhões, criar um inferno administrativo para essa licitação, com um risco imenso de fraude e, pior, com quebra de sigilo, tão ruim quanto.
No voto eletrônico, o eleitor vota, e aquilo vai para um arquivo na urna, que é o registro digital do voto, e você sabe quantos votos foram para Presidente, para Governador, para Deputado Federal, para Senador e Deputado Estadual. No voto impresso, depois de votar no eletrônico, aparece na tela - essa é a proposta - toda a composição do voto para Presidente, para Senador, para Governador, para Deputado Federal, para Deputado Estadual, de modo que, na recontagem, é possível ver toda a composição do voto. Neste País, em que se compra voto, quem comprou vai poder conferir se o voto entrou inteiro e ainda pode combinar de anular o voto de Deputado Estadual para saber se o que foi comprado foi entregue mesmo. Portanto, nós temos um sistema que é caro, vai criar dificuldade administrativa, oferece risco para o sigilo, risco grande de fraude e risco de judicialização, porque a contagem manual vai dar diferença em relação à contagem eletrônica. Até em caixa de banco ou em caixa de empresa, no final do dia, você tem que fazer uma reconciliação. E aí, vão pedir a anulação de urna, vão dizer que deu defasagem, que deu desencontro. Neste País, onde se judicializa tudo, vai-se judicializar também a eleição.
Com a brevidade possível, Senador, essas são as razões pelas quais nós temos, no TSE, nos oposto ao sistema de voto impresso, por achar que ele vai oferecer um risco para o País.
A proposta... A Deputada que fez a proposta diz que quer que a contagem seja feita no local e em público. É impossível, porque o local são escolas, e não se pode ficar um mês com a escola parada, e a contagem em público manual é a volta àquele filme de terror que os mais antigos conhecemos, em que aparecia voto, sumia voto, comia-se voto, aparecia urna, sumia urna. Podem dizer: "Não, mas na Alemanha não é assim". Só que, na deles, não tiveram nem voto de cabresto, nem mapismo, nem eleição a bico de pena, nem voto formiguinha.
Portanto, nós encontramos uma solução original, criativa e segura para um problema que nós tínhamos. E agora vamos ficar piores para imitar os outros? É um complexo de inferioridade que não se justifica.
Muito grato ao senhor pelo convite, ao Senador Nelsinho Trad e aos demais Parlamentares aqui presentes, pela oportunidade de compartilhar essas ideias e reflexões.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Sr. Ministro, Sr. Presidente do TSE, a gratidão é nossa em poder ouvi-lo e trazer esclarecimentos, suscitar dúvidas dos Parlamentares, também compartilhar as suas ideias com os nossos debatedores, para que nós possamos fazer o melhor nível de juízo e tomar as medidas que o povo brasileiro merece. Muito obrigado mesmo. É uma honra recebê-lo!
Eu queria agora, então, aproveitar e iniciar a sessão de debates, passando a palavra, de imediato, à Senadora Soraya Thronicke, inscrita.
A senhora dispõe de cinco minutos e, caso necessário, pode se estender.
Muito obrigado, Senadora Soraya.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PSL - MS. Para interpelar convidado.) - Boa tarde, Sr. Presidente desta sessão, Senador Carlos Fávaro. Bom dia ainda, não é, Senador? Nosso dia ainda está começando. Temos uma agenda muito extensa para o dia de hoje.
Quero agradecer a presença dos nossos debatedores.
Eu não me recordo se foi ou não o Ministro Barroso que falou sobre a questão de eleger brasileiros que estariam fora do País. Eu gostaria de saber dele - é um sistema que ele disse que existe na França - se esta pessoa eleita teria que se mudar de volta para o País, mudar de vida, e aí passaria por um bom tempo da sua vida, não mais tendo os mesmos problemas, enfrentando as mesmas questões que um brasileiro enfrenta lá fora. Eu gostaria de saber como é que isso funcionaria na prática. Hoje nós temos essa questão aí, avançando cada vez mais, de sessões virtuais. Então, isso propiciaria que ele representasse realmente essa comunidade e estivesse perto dessa comunidade, como é o caso de Boston, que a gente vê que é uma das maiores comunidades brasileiras que existem lá fora.
E ao Ministro Barroso também quero agradecer a presença, agradecer tudo o que ele disse a respeito das mulheres. Entendo que caminhamos realmente para uma representatividade paritária. Eu gostaria de destacar, Ministro Barroso, que, de uma forma impressionante, as mulheres, pelo menos ali na CPI, o que eu tenho visto é que elas expressam menos emoção do que os homens. Os homens são mais emotivos e as mulheres estão mais racionais, por incrível que pareça! É muito interessante isso.
Eu gostaria, neste momento, também de colocar aqui a forma louvável como a Bancada Feminina tem se portado, porque tem respeitado as questões ideológicas, tem deixado de lado tudo isso e tem trabalhado de forma unida, porque o que nós temos visto no dia a dia, realmente, é que existem mais motivos que nos unem do que nos desunem.
E sobre o voto auditável eu gostaria de saber do Ministro Barroso - porque as pessoas têm dito muitas coisas, levantado muitas questões em torno disso e têm dito também que, nessa espécie de voto, nessa forma, há a proposta de acoplar uma impressora junto à urna eletrônica, que estaria protegida, e a pessoa apenas analisa se o voto impresso está de acordo com o digitado, enfim - em que países esse sistema existe realmente.
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Eu já ouvi dizer que isso existe em Israel, não sei mais onde, mas, de fato, me provar, me mostrar que isso existe, realmente, e funciona em algum país, para que possamos, pelo menos, fazer uma análise mais fática dessa questão, ou eu gostaria de saber se esse sistema proposto aqui é algo absolutamente inédito no mundo.
Muito obrigada, Sr. Presidente. E parabéns por esta sessão de debates temáticos, no dia de hoje.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Eu que agradeço, Senadora Soraya, pela sua participação, brilhante como sempre.
Eu passo a palavra agora, então, à Senadora Zenaide Maia, para as suas considerações.
Ao fechar a participação dos Senadores no bloco, peço, então, a resposta aos questionamentos, para que sejam debatidos, primeiramente, pelo Ministro Barroso e, depois, pelos demais debatedores
Senadora Zenaide Maia, a senhora dispõe de cinco minutos, e caso necessário, pode estender o prazo.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para interpelar convidado.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador Carlos Fávaro, quero já cumprimentar por esta sessão temática. Trata-se de um tema interessante, cuja visibilidade a gente tem que dar ao País todo.
Como minha colega Soraya Thronicke falou, a população está querendo ter informações sobre essas reformas eleitorais.
Quero aqui cumprimentar os nossos convidados debatedores em nome do Ministro Luís Roberto Barroso e do Sr. Cristian Silva, já agradecendo a presença deles, mostrando ambos os lados.
Eu queria dizer o seguinte: quando veio à tona a questão de que a gente tem PEC e mais seis projetos de lei da reforma eleitoral, eu achei que havia pouco tempo, diante de uma pandemia desta, em que o olhar diferenciado da gente teria que estar para essa quantidade de óbitos, e ainda a gente engatinhando nas medidas protetivas e também na vacinação, e que não seria o momento ideal.
Mas eu queria dizer aqui o seguinte: nós temos duas coisas palpáveis em eleições neste País. Uma é a baixa representatividade feminina. Isso é chamativo para o mundo todo. A gente é mais de 52% da população, e temos uma representatividade feliz com o que a gente já conquistou, com esses 30% de candidatura. Pode não ter sido tão efetiva, mas sem ela, sem esses 30%, nós não teríamos tido 30% do fundo eleitoral de financiamento.
Agora, como o Ministro Luís Roberto Barroso falou, nós temos que ter, além dessa cota mínima de candidaturas, reserva progressiva de vagas - a gente vê isso no México -, nem que seja por determinadas legislaturas, para a gente se fortalecer, se empoderar e ir em frente.
O que eu vejo é o seguinte: eu, sinceramente, Ministro, se fosse homem, não tenha dúvida de que eu lutaria para aumentar essa representatividade feminina, porque é dividir a responsabilidade do País. Por exemplo, no Senado, a gente tem 12 Senadoras dos 81 Senadores. Não tenha dúvida de que o que está sendo votado, com aquela digital que está votando, na verdade, a responsabilidade maior está ficando com os homens, o que for aprovado errado ou certo. Eu não tenho dúvida disso.
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Agora, o que eu ouço muito também é sobre o que a minha colega Soraya Thronicke falou, sobre essa questão do voto impresso. Eu, particularmente, tenho uma opinião sobre isso. Eu acho que esse voto impresso não vai somar nada. Quando eu era já adolescente e participava... Muitas vezes essa história do voto impresso, quando abriam as urnas, somava um; quando saía o resultado, no cartório eleitoral, porque era assim, saía diferente. E eu acho que... Eu sou contra. Por isso é que eu quero ouvir a opinião do senhor e, como Soraya falou, a pergunta é a mesma, lembrando, Senador Carlos Fávaro e todos os colegas Senadores, que o que é palpável neste País é a baixa representatividade feminina nos Parlamentos brasileiros.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Senadora Zenaide Maia.
Fazendo as considerações, eu concordo com a senhora. Em momento de pandemia como este e também do amadurecimento do sistema eleitoral brasileiro, não se deve tratar como uma reforma eleitoral. Nós estamos trabalhando alguns aperfeiçoamentos. Veja bem, nós já garantimos 30% de representação, nas disputas eleitorais, para as mulheres e devemos... E é isso que estamos aqui debatendo, a composição das cadeiras, a garantia das cadeiras progressivamente, como o mundo todo faz. Também estamos debatendo o fortalecimento partidário, o uso eficiente de agora, sim, o financiamento das campanhas ser público. Então, tem que ser eficiente, barateando o custo das eleições. São pequenas alterações que se propõem, através desse projeto de lei. Inclusive, Ministro Barroso, uma PEC para trazer à Constituição aquilo que o Tribunal Superior Eleitoral fez com relação à distribuição dos recursos, hoje recursos públicos, para que definitivamente nós tragamos segurança jurídica a esses recursos e para o barateamento e efetividade das campanhas.
Eu passo a palavra, então, para os seus questionamentos, ao Senador Marcelo Castro.
O senhor dispõe de cinco minutos e, caso necessário, pode se alongar.
O SR. MARCELO CASTRO (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - PI. Para interpelar convidado.) - Eu lhe agradeço, Senador Carlos Fávaro, e cumprimento o expositor, o nosso Ministro Barroso, Presidente do TSE, que tem se havido à frente do TSE com tanto brilhantismo, com tanta dedicação e com tanto empenho no sentido de melhorar o nosso sistema eleitoral.
Essa questão do voto impresso, Ministro, quando eu fui Relator da reforma política... Esse é um problema mais do Rio de Janeiro. Eu acho que isso é um trauma ainda do tempo da Proconsult, em 1982, aquela questão de quando o Brizola era candidato e que a apuração desvirtuava o percentual de votos. Foram os Deputados do Rio de Janeiro, o Garotinho, o Bolsonaro, na época, que sugeriram isso daí. E eu promovi um debate entre os técnicos indicados por eles e os técnicos do TSE. Os técnicos do TSE deram um banho, deixaram todos sem nenhum argumento. Não tem o menor fundamento. Isso é uma regressão.
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O sistema de votação e de apuração do Brasil é o melhor que existe no mundo, o mais seguro. Não há nenhum sistema no mundo igual ao nosso. O mundo todo deveria nos copiar. Trazendo o voto impresso, nós só traríamos insegurança, intranquilidade. Imagine um papelzinho que está dentro de uma urna, impresso aquele voto ali, e você ter que apurar no Brasil inteiro 150 milhões de votos. Isso é impraticável! Nós vamos montar bancas apuradoras com essas cedulazinhas, e vai escapar para um lado, vai escapar para o outro, vai trazer uma intranquilidade geral. Isso não tem pé nem cabeça. Com todo respeito a quem pensa diferente, eu não vejo fundamento nenhum nisso.
Agora, Ministro, eu gostaria de me aprofundar com V. Exa. no seguinte aspecto: eu tenho uma concepção de que nós, quando fomos criar o nosso sistema eleitoral, cometemos um erro capital e de que, se não corrigirmos esse erro, nunca vamos corrigir a disfuncionalidade que há no nosso sistema. Qual foi o erro fundamental que nós cometemos? Nós adotamos um sistema proporcional. No mundo inteiro, sobretudo nos países europeus onde há o sistema proporcional, você vota no Estado inteiro. Por quê? Porque você vota numa ideia. Eu sou do norte de São Paulo, eu sou do sul, eu sou do leste, eu sou do oeste, eu sou do centro, mas tenho a mesma ideia; nós, então, comungamos de um mesmo programa político, e aí votamos naquele programa, naquela ideia, naquele partido. É assim no mundo inteiro. Qual foi o nosso erro aqui? Nós adotamos o sistema proporcional e, em vez de fazermos como o mundo inteiro faz de votar no programa, na ideia do partido, votamos no candidato. Ora, o mundo não faz isso, em canto nenhum do mundo se faz isso! Quando você quer votar no candidato, como é nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália, na Índia, na França, no Reino Unido, você vota no distrito. Olha, isso é elementar! Se eu vou votar na pessoa, qual é a condição essencial para eu escolher um candidato, eu votar em fulano, em João, em Marcelo ou em Maria? É que eu o conheça. Ora, eu só posso conhecê-lo se for no distrito. Então, quando você vota no candidato, você vota numa região circunscrita, num distrito. Se você quer votar no Estado todo, você não pode votar no candidato.
Eu gosto de citar o exemplo de São Paulo. Numa eleição passada dessas, em São Paulo, houve mil seiscentos e tantos candidatos a Deputado Estadual, mil quatrocentos e tantos candidatos a Deputado Federal - portanto, 3 mil candidatos - e de 33 mil a 35 mil eleitores para votar. Olha que maldade! Isso não existe em canto nenhum do mundo! Como é que os eleitores vão escolher no meio de 3 mil candidatos? E por que as nossas campanhas... V. Exa. citou aí que um dos defeitos, uma das coisas que a gente deve buscar no Brasil é diminuir os custos das campanhas. Como é que nós podemos diminuir os custos das campanhas? As campanhas no Brasil são as mais caras do mundo por quê? Porque são campanhas individualizadas no Estado inteiro. Então, imagine uma pessoa que é candidata a Deputado em São Paulo, ela pode ter voto em todo o Estado. Quanto custa para propagar a sua campanha? Isso é uma anomalia, não existe em nenhum país no mundo. Ou você vota no candidato num local restrito, ou você vota no partido, porque você está votando num programa partidário. Então, a minha compreensão é de que, enquanto a gente não resolver isso aí, nós não temos saída.
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Bom, qual seria o tratamento? O tratamento... Eu, uma vez, debatendo com o Presidente Lula, representando o MDB, disse: "Olha, Presidente, bota uma venda aqui nos meus olhos. Bota o mapa-múndi democrático. E eu vou com o dedo. No lugar em que meu dedo bater, pega aquele país, qualquer que seja o país". "Ah, caiu em Israel". Pega o sistema de Israel e traz para o Brasil que funciona. Os sistemas eleitorais do mundo inteiro não têm reclamação. Eles funcionam relativamente bem. Qualquer sistema que você trouxer para o Brasil vai funcionar.
Agora, por que nós não fazemos isso? Porque nós fomos eleitos no Congresso Nacional por um sistema. É um sistema errado, um sistema disfuncional, um sistema caríssimo, um sistema que faz, Ministro, como V. Exa. falou, com que você vote em A e eleja B. É um sistema maluco. Eu gosto de dar um exemplo. Eu era candidato a Deputado Federal no Piauí. Nós éramos quatro: um empresário, eu, médico, um agropecuarista e um pastor evangélico. Dois fomos eleitos e dois perderam. Um dos que perderam foi o pastor evangélico. Quem votou nesse pastor evangélico votou com que motivação? Votou, certamente, com motivação religiosa. Ele é evangélico. E foram eleitos dois outros que não o religioso, ou seja, um dos que foram eleitos poderia muito bem ser ateu, o voto do religioso elegendo o ateu dentro do mesmo partido.
E a outra coisa gravíssima que existe no nosso sistema é a luta fratricida que existe dentro do mesmo partido. Ora, como é que nós pertencemos ao mesmo partido, comungamos das mesmas ideias, lutamos pelo mesmo ideal e, quando chega uma eleição, o maior adversário, o maior inimigo que você tem é o seu candidato. Então, é um sistema completamente disfuncional, que traz essa hiperfragmentação que nós temos e traz a dificuldade da governabilidade.
Bom, eu gostaria, Ministro, de discutir com V. Exa. o seguinte aspecto... O tratamento é simples: é só nós botarmos aqui o voto distrital puro, que resolve, botarmos um sistema proporcional puro de lista fechada, que resolve também, e, se quisermos botar o melhor dos melhores, vamos botar o sistema distrital misto, que resolve melhor ainda. Mas nós já tentamos isso "n" vezes, e nunca conseguimos. Hoje eu busco uma alternativa que seria uma redução de danos. Seria trabalhar para "despiorar", usando esse neologismo esquisito. É uma proposta que não é minha, mas do nosso Deputado Mendes Thame. Como é a proposta dele? Mantém o sistema proporcional, de lista aberta, como é hoje, como os Deputados estão acostumados, como eles se elegeram mais de uma vez, porque essa é que é a lógica que está na cabeça do Deputado: "Ah, esse sistema não faz bem ao Brasil! É, mas, nesse sistema, eu já me elegi cinco vezes. Será que, em outro sistema, eu me elegeria a sexta vez, ou eu só me elejo se for nesse sistema?".
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Então, toda reforma política de que eu já participei, e participei de todas, sempre começa com muito entusiasmo, com muita euforia, com muita alegria, com "vamos resolver". E aí, quando chega na hora mesmo, para valer, as pessoas começam: "Não, nesse sistema aí, será que eu vou eleito? Será que eu não vou? Como é que vai ser essa lista?". E terminam esfriando, e termina o sistema não sendo aprovado.
O Mendes Thame - e eu chego aqui à conclusão do que eu estou querendo - propôs o seguinte: não se modifica o sistema, continua como está, só que você reduz a circunscrição eleitoral. Então, São Paulo tem 35 mil eleitores, 70 Deputados. Hoje, o Deputado é eleito no Estado inteiro; fazem-se as listas partidárias abertas, e cada eleitor vota no candidato que quer. Qual seria a ideia? Nós formaríamos em São Paulo dez circunscrições eleitorais. Então, você faria um sistema distrital a meio caminho. Nem é o distritão, que é uma anomalia, não existe em canto nenhum, a não ser no Afeganistão, e não acho que deva servir de exemplo, e nem é o distrital puro, porque o distrital puro traria muita ansiedade e insegurança aos políticos. Você ficaria a meio caminho de um, a meio caminho de outro. O sistema continuaria proporcional, de lista aberta, como é hoje, não modificaria, mas a circunscrição se reduziria. Então, em São Paulo, por hipótese, poderiam ser dez, ou onze, ou doze distritos, e você votaria naquela região. Se você é de Santos, distrito de Santos; distrito de Ribeirão Preto, distrito de Pindamonhangaba, distrito de Campinas, e assim sucessivamente.
Por quê, Ministro? De tudo o que eu estudei desse sistema eleitoral, a coisa que eu mais valorizo é o link, é o vínculo que é estabelecido no sistema distrital entre o representante e o representado. E o nosso sistema hoje traz um divórcio, uma dissociação completa do Parlamento com a sociedade. Quantas passeatas nós já vimos no Brasil, e as pessoas com cartaz lá na frente: "Srs. Congressistas, vocês não nos representam". E nós não os representamos mesmo, não! Nós temos que reconhecer isso aí. A sociedade está pensando uma coisa, e o Parlamento está pensando outra. E não há como o eleitor modificar a posição do Parlamentar porque ninguém sabe quem está com quem. Basta dizer que as pesquisas demonstram que, dois anos depois da eleição, 70% dos eleitores não sabem em quem votaram para Deputado Federal. Então, há uma dissociação completa! E isso é uma coisa que não existe em canto nenhum do mundo. Se você chega à Espanha, a pessoa sabe que votou naquele partido. Se você chega à Inglaterra, a pessoa sabe que votou naquele candidato. No Brasil ninguém sabe.
Então, nós precisamos corrigir essa anomalia, e eu acho que essa ideia do Mendes Thame é uma ideia, digamos assim, possível. O nosso Mato Grosso, do nosso querido Carlos Fávaro, seria dividido em dois distritos: um elegeria quatro, e o outro elegeria quatro. Traz uma certa ligação, uma certa aproximação. Primeiro: todas as regiões do Brasil seriam representadas no Congresso Nacional na mesma proporção; não ficaria nenhuma região vazia. Essa é uma grande riqueza do voto distrital puro. Todas as regiões dos Estados Unidos estão lá representadas no Congresso Nacional porque cada uma tem um distrito que a está representando.
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Aqui seria um distrito médio: nem o distrital e nem o voto proporcional no Estado inteiro; seria a meio caminho. Eu acho que seria uma evolução. Nós reduziríamos os custos das campanhas, nós traríamos uma aproximação maior. O Deputado eleito pelo norte, vamos dizer, lá do Mato Grosso, ia trabalhar pelo norte, pelos problemas da região. Ele seria um morador do norte. E, no fim de semana, ao pegar o avião, ele não vai para Cuiabá, vai para a casa dele lá no norte, porque ele mora lá, é um filho daquela região. Os eleitores foram colegas dele de ginásio, jogaram bola com ele. Então, há uma proximidade, há uma identidade. É claro que não tão forte quanto o sistema distrital, mas nós já estamos há quantos anos? O Marco Maciel morreu outro dia. Eu me recordo que eu era Deputado Estadual no Piauí, isso faz muito tempo, e o Marco Maciel já fazia artigo defendendo a reforma política no Brasil, dizendo que era a mãe de todas as reformas. E nós nunca conseguimos atacar o essencial. Qual é o essencial? Se nós queremos votar em candidato, nós temos que votar no distrito. Se nós queremos votar no Estado todo, nós temos que votar em partido.
É inconcebível você fazer uma campanha no Estado inteiro, ser reconhecido. Como é que você vai pregar uma ideia no Estado de São Paulo? Ninguém vai ouvir suas ideias. Como é que você vai pregar uma ideia no meio de 3 mil candidatos? Não há espaço físico para você pregar uma ideia, para você fazer um debate. Ao passo que, se fosse o sistema proporcional, não. Eu defendo essa ideia - eu sou comunista, defendo o comunismo; não, eu sou de direita, eu sou liberal, defendo o liberalismo -, aí voto naquela ideia, no Estado, mas as candidaturas individuais, como nós temos, são um despropósito.
Então, eu gostaria de trazer isso à reflexão de todos, do nosso ministro, que é um estudioso do assunto. Talvez, no momento, não seja o sistema ideal - o sistema ideal, todos nós sabemos, é o distrital misto, porque tem as vantagens dos dois sistemas -, mas seria uma maneira de a gente avançar um pouco para diminuir os defeitos que nós temos, aprimorar um pouco o nosso sistema. E isso traria uma certa identidade, um certo regionalismo do representante com o representado, que é uma coisa essencial que existe no sistema eleitoral, e o accountability, que é o acompanhamento que o eleitor faz do que o Deputado está fazendo.
Ora, se eu sou da região do Piauí, do sul do Estado, eu voto uma coisa aqui. Quando eu chegar lá no final de semana, estiver lá no sul do Estado, vou encontrar as pessoas: "Deputado, você votou isso por quê? Isso aí é contra o nosso interesse, é contra o nosso País"; "Ah, Deputado, muito bem, você votou"; "E aí, como é que o senhor vai votar?". E aí, Ministro Barroso, pode haver uma interação.
Você imagina: eu vou votar uma reforma previdenciária. Eu acho que a reforma é importante, mas a população está contrária. Eu não tenho como convencer o meu eleitor de que eu estou certo. Como é que eu vou convencer? Eu não tenho contato com ele. Mas, se eu sou do sistema distrital, não. Nós vamos para a associação para um debate, os eleitores vão dizer uma coisa, e o Deputado vai interagir com eles. Então, dessa interação - eleitor, representante, representado -, você pode ser convencido pelo eleitor ou o eleitor pode ser convencido por você. Hoje, não. Hoje há esse disparate, essa dissociação. Com isso, só ganhariam a democracia, os partidos políticos e a governabilidade. E a questão feminina? Isso é uma questão que eu sempre venho debatendo. Isso é uma vergonha! Nós somos uma vergonha mundial. O Parlamento do Irã, com burca e tudo mais, com fundamentalismo religioso, tem mais mulheres no Parlamento do que o Brasil. Não há como se justificar uma situação dessa daí. Nesse sistema proposto pelo Mendes Thame, de meio caminho, de distrito médio, nós poderíamos estabelecer uma regra: nenhum distrito do Brasil deixará de ter uma representante feminina. Então, num lugar em que há quatro Deputados, pelo menos uma é mulher. Como seria isso? É uma eleição normal. Se a mulher se elegeu, está eleita, acabou-se; se foram eleitas duas dos quatro, tranquilo; se foram eleitas cinco de sete, em São Paulo, por exemplo, em que do distrito sejam sete, está tudo bem; se não se elegeu nenhuma, aí não, obrigatoriamente tem que haver pelo menos uma.
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Só com essa pequena mexida aí, Carlos Fávaro, nós aumentaríamos a representação feminina para mais de 100 no Congresso Nacional. E não haveria nenhum impedimento para que elas fossem além da cota, quer dizer, num determinado local ela não cumpriu a cota, mas aí ela recebe a cadeira; e, no outro lugar, ela poderia ter duas vezes a cota, três vezes, não haveria problema nenhum. Então nós elevaríamos rapidamente a representação feminina de 100 a 200 representantes no Congresso Nacional.
Sei que me estendi um pouco, mas isso é um assunto que me é tão caro, porque eu, honestamente, acho que uma das grandes causas das mazelas do Brasil é o nosso sistema eleitoral. E o custo das campanhas. Nós estamos vendo corrupção hoje, como vimos ontem, anteontem, "tresantonte", está entendendo? Se nós pegarmos a nossa história do Brasil toda, há corrupção. "Ah, mas a corrupção é inerente ao ser humano". É, em todo lugar do mundo existe, mas eu não tenho medo em afirmar: uma das grandes causas da corrupção no Brasil é o custo das campanhas. Os Parlamentares precisam se eleger e, para se elegerem, terminam fazendo muitas coisas, excessos, e termina essa confusão toda. Se nós tivéssemos um sistema mais adequado, eu acredito que isso aí diminuiria.
Além da ingovernabilidade que existe. Qual é o Presidente... Os Presidentes, para governarem, olhe o sacrifício que eles fazem. Os partidos todos fragmentados. Ele tem que negociar com 26 partidos no Congresso Nacional. E o que é pior, Ministro Barroso: quando o Governo negocia com um partido, ainda não está resolvido, não, porque o Deputado se elegeu numa lista aberta, pedindo voto para si. E ele diz: "Não, eu venci. Se não liberar a minha emenda, eu não vou votar, não. O partido vota, mas eu não voto, não". Então termina ficando uma negociação não só de partidos, que já seria excessiva, e ainda há mais negociações sem fim, trazendo todo o desgaste que a gente tem. Eu não tenho a menor dúvida de que o nosso sistema eleitoral é o que causa grande parte dessas mazelas.
Desculpem aí o desabafo, viu?
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Senador Marcelo Castro. O senhor, que é um extremo conhecedor do assunto, contribuiu muito com o nosso debate.
Antes de perguntar à Senadora Rose de Freitas, que está atentamente participando, se ela quer fazer algum questionamento, eu só passo ao Ministro Eugênio Aragão, que foi citado pela Senadora Soraya, com relação a como seria o voto de estrangeiros, se eles pudessem se candidatar, dentro da ideia dele, porque o Ministro Aragão precisa sair, e questionou, no chat, se poderia fazer a sua intervenção antes de se retirar.
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O SR. EUGÊNIO ARAGÃO (Para exposição de convidado.) - Muito grato, Presidente. Vou ser muito breve.
Senadora Soraya, o que acontece é o seguinte: na França temos um voto distrital puro. E as províncias ultramarinas e os franceses no exterior compartilham esses distritos eleitorais. Então, por exemplo, aqui no Brasil os franceses... Eu falo por experiência própria porque eu tenho dupla nacionalidade. Minha mãe era francesa, então eu tenho nacionalidade francesa e brasileira. Os franceses no Brasil votam nos candidatos que são comuns à Guiana Francesa, quer dizer, no candidato do distrito da Guiana Francesa. Parece-me que toda a América do Sul está com a Guiana Francesa também. Então, eles adequam os distritos eleitorais dos franceses no exterior, juntamente com suas províncias ultramarinas mais próximas. E o mandato é desempenhado em Paris mesmo, na Assembleia Nacional, em Paris. Agora, a grande vantagem é que esses representantes têm uma ligação direta com os franceses no exterior - no caso, nós na América do Sul - porque recebem os votos deles também.
De qualquer forma, existe, além disso, o chamado Conselho dos Franceses no Exterior, que é um órgão junto ao Legislativo. É um órgão basicamente cooperativo, mas os conselheiros também são eleitos, e aí é por país. Então, existe um representante, no Conselho dos Franceses no Exterior, do Brasil. Aí é por país. Esse é um conselho que pode ser reunir mais virtualmente, não tem essa necessidade de uma reunião permanente em Paris, na França física.
Basicamente, é isso.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Ministro Eugênio Aragão.
Antes de passar a palavra, para as suas considerações, ao Ministro Luís Roberto Barroso, pergunto à Senadora Rose de Freitas, que está conectada, se ela deseja fazer uso da palavra. (Pausa.)
Então, Ministro Barroso, o senhor com as suas considerações.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO (Para exposição de convidado.) - Senador Fávaro, vou ser muito breve e objetivo.
Quanto a essa questão do voto no exterior, tanto quanto eu saiba, existe um projeto do Deputado Otavio Leite. Pelo menos ele me procurou no TSE - ele é um Parlamentar do Rio de Janeiro - com essa ideia de permitir. Há muitos brasileiros hoje no exterior. E, infelizmente, há um número crescente, inclusive, de brasileiros altamente qualificados deixando o Brasil. Nós precisamos atrair essa gente de volta, na verdade. Mas, essa é uma decisão do Congresso.
Quando o Deputado Otavio Leite me procurou, eu achei interessante a ideia, Senadora Soraya, e eu gravei - vai ao ar agora esta semana - uma campanha de alistamento dos brasileiros no exterior. E eu me reuni com o Cônsul do Brasil em Miami, porque a maior parte dos brasileiros está nos Estados Unidos, e há dois grandes colégios eleitorais, sendo um na Flórida, na região de Miami e de Orlando, parece-me que com cerca de 300 mil. Estive reunido com o Cônsul para organizar essas eleições, o Cônsul João Mendes - na verdade, ele é o Embaixador, mas ocupa o Consulado -, e já tenho, também, uma reunião marcada com o Cônsul do Brasil em Boston, o Embaixador Benedicto Fonseca, porque aqui, na região de Boston, há uma imensa quantidade de brasileiros para participarem. Portanto, no que compete ao TSE, nós estamos estimulando e viabilizando a participação dos estrangeiros.
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Quanto à questão da representação política, aí essa é uma decisão do Congresso Nacional, e, se ela for tomada, nós vamos estruturar isso.
Nós pensamos de forma igual quanto a mulheres na política.
E, quanto à questão do voto auditável, eu tenho o maior respeito pela posição da senhora, como eu tenho respeito e consideração pela posição de todas as pessoas. Eu nunca gosto de desqualificar quem pensa diferente de mim. Eu gosto de expor argumentos. O ponto em que a senhora toca é verdadeiro: poucos países adotam o sistema brasileiro. Isso é um fato. Alguns estados americanos adotam o mesmo sistema brasileiro, mas a maior parte dos países do mundo adota mesmo é o voto em cédula; cédula enfiada na urna.
Eu estive no México agora, como observador das eleições, e o sistema é uma urna plástica, assim. O sujeito vota na cédula e a coloca ali dentro. Embora o López Obrador, quando perdeu - agora ele ganhou, mas, quando perdeu -, tenha acusado de fraude, esse nunca me pareceu um problema no México, a partir do que eu conversei com as pessoas, como tampouco foi um problema nos Estados Unidos, como tampouco um problema na Alemanha. O voto em cédula nunca foi um problema lá. No Brasil sempre foi um problema, desde o Império. Portanto, eu acho que nós concebemos uma solução original para um problema brasileiro, de modo que a afirmação que a senhora faz é correta: poucos lugares adotam o nosso sistema. A contrapartida é que eu acho que poucos países tiveram o tipo de problema que nós tivemos com o voto de papel. Acho que essa é a resposta que eu poderia dar para a senhora, Senadora Zenaide Maia.
Eu só lhe lembraria de que, na pandemia, Senadora - uma observação de como é importante a participação das mulheres -, os países que tiveram a melhor resposta inicial à pandemia - o Senador Marcelo Castro é médico, pode ter acompanhado - foram os países liderados por mulheres. Foi a Nova Zelândia, foi a Dinamarca, foi Alemanha. Portanto, eu sou a favor de mais mulheres na política, como disse, por uma questão de justiça de gênero e por uma questão de capacidade. Eu sou casado, há muitos anos, e divido tarefas com a minha mulher. Ela faz o que ela faz benfeito, e eu faço o que eu faço benfeito. As pessoas têm atributos diferentes, entendeu? E a vida funciona bem, ou tem funcionado bem aqui, há 27 anos - vai fazer -, o que, hoje em dia, já é um marco, Senadora.
Quanto ao Senador Marcelo Castro, eu concordo tanto com o senhor, com todos os pontos, que teria até dificuldade de debatê-los. Eu insisto nessa questão do distrital misto desde 2006. Foi quando eu escrevi o primeiro trabalho. E a nossa posição me lembra de uma passagem que se atribui ao poeta Carlos Drummond de Andrade. Ele foi a um sebo, lá no Rio de Janeiro, e no sebo encontrou um livro dele mesmo, com uma dedicatória para um amigo que ainda estava vivo. Ele ficou indignado que o amigo tinha se livrado do livro dele; ele comprou o livro novamente e escreveu a dedicatória assim: "Para fulano de tal insistentemente". E, portanto, a gente volta a esse assunto insistentemente. E ele é difícil de andar, porque há muitos interesses na mesa. Por isso que eu acho que a proposta não é para a próxima eleição, mas dando um salto, isto é, saltando, pelo menos, uma eleição. Essa ideia que o senhor trouxe do Deputado Mendes Thame, eu vou ser... Todos os outros pontos que o senhor falou eu estou de acordo: custo; o fato de que, no sistema proporcionar em lista aberta, o grande adversário do candidato do MDB é outro candidato do MDB, portanto acaba sendo um debate personalizado, e não um debate programático. O senhor chamou de luta fratricida.
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Eu nunca tinha nem ouvido falar dessa proposta do Deputado Mendes Thame, o que, provavelmente, é uma falha minha de atenção. Eu prometo refletir. Eu não sei se ela seria capaz de conseguir mais adesão do que o distrital misto, que nós preferimos, mas, de ouvir - e antes de refletir -, eu concordo plenamente com o senhor que parece mesmo... Qualquer coisa que possa baratear as eleições tem a minha simpatia.
Eu concordo com o senhor: o financiamento eleitoral esteve por trás de boa parte dos problemas que nós enfrentamos no Brasil de corrupção, inclusive com a criação de uma cultura dual que entendia que feio era se fosse para o bolso; se fosse para a campanha, era legitimado - quando, na minha visão, o grande problema não é para onde o dinheiro vai, se é para o bolso ou se é para a campanha; é de onde ele vem, é o que que você precisa fazer para que aquele dinheiro exista. E, aí, você cai na questão do superfaturamento, nas questões das licitações viciadas...
Portanto, eu concordo plenamente com o senhor que nós precisamos tratar de baratear... Eu acho que uma reforma deve ter como foco baratear o custo da eleição e aumentar a representatividade. Essa ideia que o senhor traz tem o potencial de baratear as eleições e de melhorar um pouquinho a representatividade, mas não muito.
Eu gosto dessa ideia que o senhor veiculou de, se o senhor precisar convencer alguém de que a reforma da previdência, apesar de antipática é necessária, que o senhor possa fazer o que os americanos fazem, que é o town hall, ou seja, eles reúnem as pessoas interessadas daquele distrito e debatem com essas pessoas para tentar demonstrar. É isto que é a vida política: é você colocar argumentos na mesa. A Senadora Soraya dizia que as mulheres têm se mostrado mais racionais do que os homens, mas eu não tenho dúvida disso - viu, Senadora? Mas é o debate racional, e não o debate passional do Fla-Flu. A vida política deve ser de troca de razões - essas são as minhas razões... Então, eu diria que o sistema previdenciário brasileiro era uma transferência de renda de pobres para ricos, porque tudo o que tem déficit significa que tem um pobre pagando. Eu nunca entendi por que o pensamento progressista era contra a reforma previdência. Mas, para isso, você tem que se sentar à mesa e conversar com as pessoas.
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Eu votei recentemente - por isso vou falar - pela autonomia do Banco Central no Supremo. Eu acho que essa é a tese progressista, porque eu acho que responsabilidade fiscal impede inflação e impede juros, e inflação alta e juros penalizam os mais pobres. Portanto, essa é a posição progressista.
E, portanto, você poder sentar numa mesa e conversar - numa mesa ou num auditório - racionalmente faz toda a diferença. No sistema atual, o senhor não saberia nem com quem conversar, porque os votos são dispersos e esparsos. De modo que eu concordo, tanto que não tenho mais nem o que falar além do que o senhor já disse.
Muito obrigado, Senador Carlos Fávaro.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Sr. Ministro. O senhor, sempre brilhante, trazendo seus posicionamentos.
Antes de passar a palavra à Senadora Rose de Freitas, a Senadora Soraya só queria colocar um ponto do seu posicionamento.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PSL - MS. Para interpelar convidado.) - Ministro, quero agradecer e quero dizer também que eu respeito muito a opinião alheia e tenho estudado o tema, porque nós precisamos entender o que nós estamos falando e compreender as verdades. Muitas falácias, hoje em dia, circulam no nosso entorno e é importante que nós possamos debater todos esses assuntos para chegar a um consenso.
Sobre a questão dessa urna auditável também, eu gostaria de saber se o senhor sabe se este modelo proposto da urna com uma impressora existe realmente em algum outro lugar do mundo. Esse nosso sistema, como o senhor disse, não é muito acatado. Foi um brasileirismo: nós desenvolvemos para as nossas peculiaridades um sistema eleitoral próprio. E aí eu gostaria de saber se esta proposta de urna auditável existe realmente em algum lugar do mundo.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Ministro Barroso.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PSL - MS) - Obrigada, Ministro.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO (Para exposição de convidado.) - Deixe-me dizer uma coisa para a senhora que eu considero muito importante: a urna brasileira é auditável dez vezes. É um engano acreditar que o voto impresso seja a única forma de auditoria. Ele não apenas não é a única forma, como, Senadora, com todo respeito, não é a melhor, porque ele é um mecanismo de auditoria menos seguro do que o objeto da auditagem. Esse é um paradoxo.
Nos Estados Unidos, eu fui a dois lugares como observador das eleições, que foi Maryland e Washington D.C. Nesses dois Estados, a votação era em cédula. Votava-se em cédula de papel. Eu, portanto, não vi, pessoalmente, o modelo de urna eletrônica com voto impresso, mas eu sei que existe e, portanto, sei que muitos Estados adotam, assim como outros Estados americanos adotam a urna eletrônica sem o voto impresso. Portanto, como lá a legislação é estadual, em muitos Estados, é cédula; em alguns Estados, é voto puramente eletrônico; e, em outros, é voto eletrônico com urna acoplada.
Eu gosto de argumentar sempre, Senadora, com a verdade. E preciso dizer que, nos Estados Unidos, há mais lugares com voto eletrônico e impresso do que puramente eletrônico, esse é um fato; mas, na maior parte dos Estados - a impressão que eu tenho -, é um voto em cédula. Agora, eles não têm alguns dos problemas que nós temos. Em muitos Estados, o voto é pelo correio.
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Quando eu estive lá, um professor me disse: "Mas, escute, durante a pandemia, por que vocês, no Brasil, não fazem o voto pelo correio?". E eu disse para ele, Senador: "Porque vão assaltar o carteiro e encher o malote dele de voto falso". E aí o sujeito me respondeu, o professor me respondeu: "Não, mas aqui, se fizer isso, é um crime federal. Ele fica preso não sei quantos anos". Eu disse para ele: "Mas, no Brasil, o sujeito desvia 70 milhões, e a gente não consegue prender", quer dizer, as realidades dos países são diferentes.
Por isso que eu acho que nós criamos esse sistema, que tem um toque de originalidade. O Brasil é capaz de fazer algumas coisas originais. Nós somos o País que melhor explora petróleo em águas profundas, nós temos a melhor empresa de aviação regional, de construção de aviões para aviação regional.
Se alguém tivesse... Eu sei que há uma retórica política na vida, que eu entendo e respeito, mas prova mesmo, Senadora, nunca aconteceu. E eu lamento que haja um discurso para tirar a credibilidade de algo que sempre funcionou bem, sem nenhuma prova contrária, como se pudesse haver um grande esquema de fraude conduzido pelo TSE. Eu gosto de brincar: o TSE é presidido por mim agora; antes foi a Ministra Rosa Weber; antes o Ministro Fux; antes o Ministro Gilmar Mendes e antes o Ministro Toffoli; nem que a gente quisesse fraudar, haveria consenso. Nós estamos lidando com pessoas que têm visões completamente diferentes. Não há essa possibilidade. Teria que ser uma conspiração de milhares de pessoas.
Portanto, nós estamos insistindo que os partidos venham para verificar que o voto é auditável. Nós temos teste público de segurança, nós temos a abertura do código fonte para os técnicos dos partidos, nós temos a assinatura digital e existe a lacração. A urna não entra nunca em rede. O programa é inserido nos 27 TREs na presença dos partidos. Nós temos as zerésimas, nós temos o boletim de urna, temos o teste de integridade. O sistema é bem auditável. O voto impresso vai nos criar um problema, que é a manipulação dos votos.
A Deputada que apresentou a proposta disse que queria que a votação fosse no local e em público. A senhora não imagina... Não podemos deixar as escolas fechadas três semanas e contar votos manualmente. Na eleição passada, um engasgo do computador atrasou o resultado em duas horas e as pessoas ficaram fanatizadas. A senhora imagine três semanas de contagem manual, numa votação apertada. É uma volta no túnel do tempo.
E, portanto, eu tenho procurado convencer as pessoas - ou demonstrar - de que a gente vai piorar se fizer isso. Sempre lembrando: eu não tenho interesse - nem eu, nem o Ministro Fachin, nem o Ministro Alexandre. Nós só queremos o melhor para o Brasil.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Muito obrigado, Ministro Barroso, mais uma vez, pela sua participação.
Antes das considerações finais do Dr. Thiago Boverio e Cristian Silva, Senadora Rose de Freitas.
A SRA. ROSE DE FREITAS (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - ES. Para interpelar convidado.) - Presidente, saúdo todos e, especialmente, o Ministro Barroso.
Acredite: esta caminhada é tão difícil que estou no oitavo mandato e me lembro de cada quarteirão, cada rua, cada momento que nós, mulheres, tivemos que percorrer para termos mais mulheres hoje no Congresso Nacional.
Um detalhe apenas: eu me lembrei de que, quando foram proibidas as doações empresariais, eu, na época, Deputada Federal, pulei de 60 votos para 106 votos, porque aí já não havia aquela competição do vil metal incidindo sobre cada eleição, em cada lugar deste País.
Eu queria apenas dizer que nós talvez tenhamos que enfrentar alguma contradita sobre essa questão eleitoral, porque - eu fui Constituinte - este Código Eleitoral é anterior a 1988 e ele foi recepcionado exatamente como uma lei complementar. E, hoje, nós estamos tratando desse processo na lei ordinária. Eu não sei se isso, amanhã, vai servir para que nós tenhamos alguma insegurança jurídica sobre esse momento em que nós estamos fazendo essa reforma eleitoral.
Mas eu gostaria mesmo é de agradecer: agradecer por tê-lo encontrado, Ministro, em nosso caminho, porque nós, mulheres, sabemos... Quando a Zenaide fala que somos 12 dentro do Senado Federal, nós ficamos muito felizes porque somos quase uma bancada do tamanho da do MDB, da do Podemos. Mas eu gostaria muito de votar o projeto paritário, para que nós tenhamos realmente uma metade de mulheres no Senado e na Câmara. E nós sabemos da sua voz, nós sabemos da sua posição, nós sabemos do seu estímulo. E saiba que a gente tem consciência de que este caminho, não sendo construído sozinho, ajuda muito a vida das mulheres.
Quando falou da sua esposa, com quem tem 27 anos de convivência, e do tratamento e do posicionamento de lutas iguais dentro do mesmo lugar social, econômico, familiar, a gente sabe que o homem estimula muito a mulher, Ministro. Pode saber disso. É na companhia do dia a dia que a palavra de alento vem, mas vem a palavra de estímulo.
E nós precisamos muito de legislação eficiente, que estimule as mulheres a participar da vida política deste País mais e mais, em todos os lugares.
No meu Estado, eu fui a primeira Senadora eleita, mas também fui uma pessoa que estimulava, procurava mulheres em todos os lugares para disputar uma eleição. E a gente, sendo maioria, sempre foi tratada como minoria.
Então, Ministro, eu quero dizer que, na quadra desta história da minha vida como Senadora, no oitavo mandato, eu tive o prazer de encontrar uma pessoa que ladeia com as mulheres nas suas lutas e reconhece a importância que ela tem política, social e economicamente no Brasil. Quero lhe agradecer apenas e dizer que não nos esqueceremos - e não nos esquecemos todas as vezes em que estamos reunidas.
Há muitos anos, a primeira palavra de estímulo à luta das mulheres foi o Ministro Marco Aurélio que deu, num jantar, quando ele levantou e disse: "Precisamos ter mais mulheres no Congresso". Todo mundo se assustou com ele. E o senhor não faz isso; o senhor faz uma militância de fé ao lado dessa luta enorme que as mulheres travam neste País.
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Temos a Zenaide hoje, uma médica; a Soraya... Temos várias mulheres. Imagine se tivéssemos a metade dentro do Senado Federal? Já teríamos uma reforma política muito mais adequada e muito mais importante para este País.
É isso, Ministro. Leve aí o nosso carinho pelo tratamento que dá a todas as mulheres deste País.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos, Senadora Rose de Freitas, pela sua luta em prol de todos os brasileiros, em especial das mulheres.
Para as considerações, então, Dr. Thiago Boverio.
O SR. THIAGO BOVERIO (Para exposição de convidado.) - Presidente, uma saudação especial aqui ao Ministro Barroso: boa tarde - já boa tarde.
Mas, apenas resumindo, eu saio desse debate ainda mais satisfeito ao ouvir o Ministro Barroso, porque a percepção que eu tive é que todas essas proposições debatidas no Senado vão ao encontro do que S. Exa. disse. Principalmente, faço destaque aqui, Ministro Barroso, à PEC de autoria do Senador Carlos Fávaro, que confere status constitucional para essa ação afirmativa das mulheres, consignando, na Carta Constitucional, essa reserva de 30% nas eleições; recursos, 30% para as mulheres ou para aplicação nas eleições; 5% do fundo partidário; ou seja, daqui para frente, se tudo der certo, a PEC sendo aprovada, teremos esse vetor constitucional inquestionável. E também a proposição de autoria do Angelo Coronel sobre o que mais foi falado aqui: da reserva de vagas para as mulheres. Eu acredito que haverá o debate para consignar de forma escalonada, mas já é um avanço e tenho certeza de que o projeto será um sucesso.
Agora, para encerrar, esclarecendo ao Senador Marcelo Castro, que falou sobre o Projeto de Lei 783, das sobras: ele disse que haveria três dispositivos com redação igual ao anterior; na verdade - eu estudei o projeto de V. Exa., Senador Fávaro -, apenas retira do texto anterior a menção a coligações, ou seja, o texto adapta a Emenda Constitucional 97. Então, a priori, parece que o texto é igual ao texto antigo, mas não: ele corrige para poder estar em sintonia com a nova regra eleitoral.
Muito obrigado mais uma vez, Presidente, pelo honroso convite, um privilégio para mim. Obrigado a todas as Senadoras, Senadores.
Estaremos sempre à disposição para eventuais debates.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós que agradecemos ao Dr. Thiago Boverio, um estudioso da matéria eleitoral, que trouxe seus conhecimentos para o nosso debate.
Para suas considerações, o Dr. Cristian Silva, que nos honra neste debate de hoje também.
O SR. CRISTIAN SILVA (Para exposição de convidado.) - Sr. Presidente, inicialmente quero agradecer a oportunidade. Não é todo dia que o Congresso debate um tema tão estrutural. E é uma honra poder participar desse debate.
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Eu queria resgatar aqui duas ideias de que eu tratei na minha exposição. Uma delas é que esta dicotomia entre discutir o mundo ideal e discutir os problemas reais e mais imediatos é uma dicotomia que eu vejo como positiva, favorável. Nós precisamos, sim, discutir se os nossos sistemas são adequados, mas precisamos ver, dentro da nossa realidade, o que está gerando conflito e o que, de forma consensual ou majoritária, podemos resolver. O importante é que uma coisa não interdite a outra.
Com relação à outra ideia que eu queria trazer, o sistema eleitoral, o sistema partidário e o sistema de Governo estão conectados como se fossem uma grande máquina. À medida que eu resolvo mexer em uma pequena pecinha do sistema eleitoral, isso repercute nos outros dois sistemas. Quando eu resolvo trocar um sistema por inteiro, do proporcional para o distrital, por exemplo, isso gera muitos efeitos. É importante que a gente sempre tente dimensionar os efeitos antes de tomar uma decisão. São decisões que precisam ser amadurecidas com cautela, com bastante investigação.
Eu trouxe o exemplo da regra de fidelidade partidária, que foi criada algum tempo atrás, inicialmente, para fortalecer os partidos, e, na prática, os efeitos foram o aumento da fragmentação partidária. Eu trago outro exemplo: o Congresso Nacional ficou anos e anos limitando as despesas eleitorais. Não podiam mais fazer showmício, outdoor, muro. Para quê? Para poder limitar o aumento do custo geral da eleição, porque havia esse aumento numa progressão aritmética, quase geométrica. As eleições brasileiras aumentavam quase exponencialmente o seu custo. O Congresso Nacional tentava enfrentar isso pelo lado da despesa, e o aumento continuava acontecendo. Quando o Supremo mudou, na prática, as regras de financiamento, o que aconteceu? Houve uma limitação da receita, e aí o custo das eleições, se não diminuiu, pelo menos não manteve a curva geométrica ou aritmética de crescimento.
Então, sempre que, pelo mundo real ou pelo mundo ideal, a gente pensa em mudar as regras, a gente tem que entender que a mudança institucional gera efeitos e tem que dimensionar esses efeitos com cautela, para poder avaliar se isso é bom ou é ruim.
Eu queria trazer de forma mais específica... O Senador Marcelo Castro pediu que eu comentasse sobre a questão da sobra eleitoral, sobre a proposta de mudança em relação à sobra eleitoral. Eu a vejo como positiva. Eu acho que ela aumenta a pressão por competitividade do sistema, e isso gera uma maior eficiência, inclusive de alocação de recurso, porque partidos que precisam sobreviver ou disputar a sobrevivência vão querer alocar seus recursos materiais, políticos, financeiros em conquistar voto. Então, a regra de sobra pode ser alterada, sim, para se obter essa maior eficiência no sistema partidário, para que os partidos realmente não sejam apenas legendas de ocasião, de aluguel, mas sejam legendas que busquem o voto constantemente.
Acho que o coeficiente eleitoral é um bom indicador para isso, mas acho que há um problema de transição, principalmente nos pequenos colégios eleitorais dos pequenos Estados. Por quê? Porque o voto, hoje em dia, está tão fragmentado na realidade brasileira, que, nos pequenos Estados, esse coeficiente é um índice grande de votos, chega a 12,5% de votos, e, muitas vezes, um único partido consegue alcançar esse coeficiente. E esse único partido iria disputar as sobras, ou seja, ao final das contas, um partido seria dominante, hegemônico, em todas as cadeiras daquele Estado.
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Então, talvez, para os grandes colégios eleitorais, isso aí já não teria um efeito, na realidade de hoje, tão extremo. Seria um efeito que tiraria realmente aquelas pequenas legendas apenas da sobra. Então, talvez, para os pequenos colégios, seria importante pensar em uma regra de transição ou, de repente, em um indicador que seja mais adequado para a realidade.
Há outro debate que foi colocado, mas que eu não abordei, que é a criação dos partidos e uma cláusula de existência dos partidos. Os partidos suprem, inicialmente, essa cláusula de existência - está lá o percentual de votos de apoiamento -, e, depois que eles se criam, isso aí nunca mais é checado. Mas, na história do sistema partidário, há partidos que nascem, há partidos que crescem, e há partidos que morrem. Isso é natural, e, talvez, como uma solução... Eu não vejo isso como um grande problema, mas, se isso incomoda o mundo político, uma solução é tornar essa cláusula de existência dos partidos uma regra perene. Então, a cada eleição, ele tem que renovar, tem que obter um número mínimo de apoiamento eleitoral para continuar existindo. Com isso, você tiraria do jogo aqueles partidos que morreram na prática, mas continuam existindo no mundo jurídico. Como eu disse, eu não acho que seja um grande problema, mas acho que há soluções.
Com relação ao sistema eleitoral que o Brasil utiliza, o proporcional de lista aberta, que realmente gera muitos problemas, creio que também há uma contribuição que seja pontual, mas que, no fim das contas, acrescenta um pedaço de maior qualidade, que é um problema informacional. De fato, os eleitores têm dificuldade de associar o voto ao partido, mas também ninguém tem a preocupação ou tem tido a preocupação de falar sobre isso. Os candidatos não falam sobre isso, os partidos não falam sobre isso, e acho que o TSE fala pouco sobre isso. O fato é que, quando um eleitor aperta o "Confirma", ele está dando dois votos em um só. Os dois primeiros números que ele escolheu são um voto que está indo para o partido, e os três últimos números que ele escolheu são um voto que está indo para o indivíduo. É uma sutileza do sistema de uma informação que não é repassada com clareza aos eleitores, e, a cada eleição, nós temos novos eleitores aptos a votar.
O sistema educacional francês, por exemplo, a partir do 4º ou 5º ano, começa a educar esses futuros cidadãos sobre qual a mecânica do sistema, qual a mecânica do voto. Aqui, nós não temos isso, e isso é feito apenas no momento da eleição. Os candidatos estão interessados em pedir o voto, e não em explicar como o voto funciona, e os partidos também.
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Então, creio que poderia haver um pequeno ganho informacional, mas que acabaria se somando a outras coisas, se o TSE se dedicasse um pouco mais também a fazer esta campanha, mais constantemente, de que o voto é um voto no partido e no candidato. É uma questão que, para o sistema proporcional de lista aberta, é fundamental que seja feito. Agora, é claro, se pudéssemos avançar para uma lista flexível ou semiflexível, mesmo que objetivando uma lista fechada, essas dificuldades, inclusive informacionais, iriam diminuindo.
Mas creio que, ao fim e ao cabo, como o Ministro Barroso colocou, o que nós precisamos praticar é o convencimento; nós precisamos construir consensos políticos. Se é difícil construir consenso político dentro do Congresso Nacional, que dispõe de informações e recursos para escolher o melhor sistema eleitoral e partidário e sistema de governo, imagine obter esse consenso social, na sociedade! Como você vai falar para um cidadão, para um eleitor, que, se nós optarmos por um sistema distrital, o efeito esperado é que isso resulte em dois grandes partidos? Aí a pergunta que tem que ser feita é: os partidos, os Parlamentares, as lideranças estão preparadas para migrarem para dois grandes partidos? Mas também há uma pergunta mais de fundo, que é perguntar aos cidadãos, aos eleitores: "Vocês estão preparados? Vocês querem que a representação seja feita em dois grandes partidos? Ou vocês preferem que haja mais partidos?".
Assim como há essa pergunta, toda mudança muito significativa precede, sim, de você dimensionar quais são os efeitos e dimensionar qual é o consenso social que precisa ser construído para aquilo realmente funcionar. Ao fim ao cabo, o que todos nós queremos é que a nossa mecânica institucional dê vazão à solução dos conflitos e às demandas da sociedade. É isso que os partidos querem? É isso que os julgadores querem? É isso que os Parlamentares querem? Mas é isso que os cidadãos, os eleitores querem. Esse grande mal-estar que existe não só no Brasil, mas também em outros lugares que adotam sistemas diferentes e práticas diferentes precisa ser equacionado, e, para isso, precisamos imaginar qual é o mundo ideal e quais são as soluções imediatas que precisamos dar àquilo que está colocado no mundo real.
Então, Sr. Presidente, eu me despeço aqui, agradecendo a oportunidade. Fico à disposição para qualquer outra contribuição que seja necessária ou oportuna.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Fávaro. PSD - MT) - Nós é que lhe agradecemos, Dr. Cristian Silva.
Eu queria agradecer muito ao Senador Nelsinho Trad, que foi o autor do requerimento desta sessão de debate.
Quero agradecer, em especial, ao Ministro Barroso, pelo seu tempo, pela sua dedicação, pelos seus esclarecimentos.
Tenho a certeza de que o senhor trouxe grandes argumentos no que tange à questão da segurança - que para mim já era inquestionável - das urnas eletrônicas, dez vezes auditadas. Isso é um dos exemplos de que nós temos que ter orgulho. Os brasileiros devem ter orgulho de ter esse sistema. Nós não podemos ter a síndrome de vira-lata de achar que coisas feitas pelos brasileiros não são as melhores do mundo. São, sim, e podem ser, e nós devemos ter orgulho disso e mostrar a forma com que o nosso sistema pode ser um exemplo para o mundo.
Houve consenso, aqui nesta sessão, da inclusão cada vez maior das mulheres. Esse foi um debate expressivo, e tenho a certeza de que o Congresso Nacional fará a sua parte para as próximas eleições, na inclusão delas cada vez maior.
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O fortalecimento partidário, parece-me, também foi uma unanimidade nos nossos debates, e a questão de os recursos públicos terem um destino cada vez mais correto, barateando as campanhas.
Enfim, eu acho que foi uma sessão muito produtiva.
Antes de finalizar, eu vejo que se conectou o nosso Líder, autor do requerimento, Nelsinho Trad.
Nelsinho, se conseguir fazer a última manifestação, antes de terminarmos esta sessão... (Pausa.)
Acho que ele está ainda com problema de conexão.
Portanto, agradeço mais uma vez a todos a participação.
Muito obrigado, Sr. Ministro.
Cumprida a finalidade desta sessão remota de debates temáticos, a Presidência declara o seu encerramento.
Muito obrigado.
Boa tarde a todos!
(Levanta-se a sessão às 13 horas e 12 minutos.)