3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 20 de setembro de 2021
(segunda-feira)
Às 16 horas
116ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A presente Sessão Especial Remota foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota; e em atendimento ao Requerimento nº 1.001, de 2021, deste Senador Jean Paul Prates e outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A Sessão é destinada a comemorar o Centenário do educador Paulo Freire.
A Presidência informa que esta sessão terá a participação dos seguintes convidados:
- Sra. Ana Maria Araújo (Nita Freire), Pedagoga e doutora em Educação, viúva de Paulo Freire;
- Sr. Lutgardes Costa Freire, Sociólogo, Coordenador dos Arquivos Paulo Freire do Instituto Paulo Freire na Cidade de São Paulo (Filho de Paulo Freire);
- Exma. Sra. Governadora Fátima Bezerra, Governadora do Estado do Rio Grande do Norte;
- Senador Marcelo Castro, Senador pelo Estado do Piauí e Presidente da Comissão de Educação do Senado Federal;
- Sr. José Fernandes de Lima, Educador, Reitor da Universidade Federal de Sergipe, pelo período de 1996 a 2004, Secretário da Educação do Estado de Sergipe, de 2007 a 2010, Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), pelo período de 2008 a 2016;
- Sr. Mário Sérgio Cortella, escritor, filósofo, educador e professor universitário;
- Sr. Marcos Guerra, mestre em Direito Internacional do Desenvolvimento;
- Sra. Maria Selma de Moraes Rocha, Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP;
- Sra. Luiza Cortesão, Professora Emérita e Catedrática da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal, e Presidente do Instituto Paulo Freire em Portugal;
- Sr. Douglas de Jesus Gonçalves, representante da Rede Emancipa - Movimento Social de Educação Popular;
- Sr. Heleno Araújo, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Coordenador do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE);
- Sr. Luiz Miguel Martins Garcia, Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime);
- Sra. Andressa Pellanda, Coordenadora-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; e
- Sr. Lucas Fernandes, Líder de Relações Governamentais da Organização “Todos Pela Educação”.
Convido a todos para, em posição de respeito, acompanharmos o Hino Nacional.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Senhoras e senhores que nos assistem remotamente, senhoras e senhores convidados, muito obrigado por estarem conosco aqui, Sra. Governadora, senhores colegas Senadores, Senadoras, Senador Fabiano Contarato, que está aqui presencialmente prestigiando esta sessão especial. Sejam todos e todas muito bem-vindos a esta sessão especial do Senado da República, que celebra os cem anos de nascimento do Patrono da Educação do Brasil.
Nascido em 19 de setembro de 1921, na capital do Estado de Pernambuco, o recifense Paulo Freire completaria seu centenário neste ano.
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Formado bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, desde sempre se interessou pelas áreas da educação, pedagogia e filosofia nas quais desenvolveu uma obra que o tornou uma referência mundial.
O pesquisador e Professor Helliot Green, da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, uma das mais prestigiosas instituições de ensino do planeta, realizou há alguns anos um importante levantamento, que é muito mencionado, acerca das publicações mais relevantes da história das ciências sociais.
A Pedagogia do Oprimido, um livro icônico, que nosso homenageado escreveu, quando estava exilado no Chile, em 1968, ano em que eu nasci, despontou como o terceiro mais citado, em trabalhos acadêmicos, na área de humanidades, em todo o mundo. Este livro está tão gasto, Senador Contarato, da biblioteca do Senado, que já tiveram que reencaderná-lo duas vezes. Está aqui na minha mão.
Na Finlândia, um país considerado um exemplo em termos de sistema educacional, suas obras, seu pensamento são rotineiramente utilizados, como testemunha a pedagoga Eeva Anttila, Professora da Universidade de Artes de Helsink.
Detentor de dezenas de títulos, Dr. Honoris Causa, em universidades espalhadas por quatro continentes, recebedor de honrarias, como o prêmio de educação para pais da Unesco, nome de faculdades, departamentos de ensino, cátedras e bibliotecas, Paulo Freire é hoje um nome cuja relevância não sofre qualquer contestação acadêmica no exterior, contudo em sua Pátria, nos dias que correm, cada vez mais, as vozes da desinformação, do obscurantismo, procuram contestá-lo por suas ideias políticas. Tais vozes, no comando, às vezes sequer conhecem sua obra, mas tentam desmerecê-la atribuindo-lhe mazelas do País.
Na última quinta-feira, dia 16, Senador Fabiano, a partir de uma ação movida pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos, a Justiça Federal do Rio de Janeiro concedeu liminar proibindo a União de praticar atos institucionais que atentassem contra, aspas, "a dignidade do Professor Paulo Freire na condição de patrono da educação brasileira", aspas.
Imaginem vocês, foi preciso recorrer à Justiça para impedir o vilipêndio da memória de Paulo Freire. Creio que só isso já descreve, em linhas, infelizmente, traçadas à navalha, a escuridão do beco para onde o atual Governo insiste em tanger o Brasil.
Mas essas trevas não são o Brasil que nos legou Paulo Freire e também Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e muitos outros, muitas outras.
Essa verdadeira marcha da insensatez precisa ser repelida, e isso será feito, trazendo à luz, a generosidade de sua pedagogia, alicerçada em sólida formação intelectual e também na crença de que se deve, aspas de novo, "educar para transformar", Paulo Freire.
Paulo Freire cujo centenário comemoramos neste domingo 19 é um desses gigantes que o Brasil deu ao mundo. Por isso, em boa hora, o Senado Federal houve por bem homenageá-lo por meio desta sessão especial, originada do Requerimento 1.001, de 2021, já mencionado, iniciativa do Senador Jean Paul Prates e coassinado, agora sim, pelos Senadores e Senadoras Leila Barros, Zenaide Maia, Esperidião Amin, Fabiano Contarato, Flávio Arns, Humberto Costa, Jaques Wagner, Paulo Paim, Randolfe Rodrigues e Veneziano Vital do Rêgo.
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Sras. e Srs. Senadores, público que nos acompanha a distância, Paulo Freire ficou inicialmente conhecido por desenvolver um método de alfabetização para adultos que se mostrou eficaz, rápido e consistente. Mas é preciso dizer que sua obra extrapolou, e muito, os limites contidos num único método por mais brilhante e revolucionário que tenha sido. Na realidade, é mais exato falar de uma pedagogia paulofreiriana, centrada na percepção de que é imprescindível focar dialeticamente em quem aprende. Aspas - "Não há docência sem discência", e na valorização do arcabouço vivencial e imaterial circundante, com consciência crítica, visando a uma educação sinônima de prática de liberdade.
Paulo Freire é por isso tudo também o Patrono da Educação do Brasil, título definido em lei, em 2012, e que as criaturas da sombra querem revogar por meio de iniciativas legislativas que não irão prosperar nesta Casa.
Mas, afinal, qual é o pecado que faz os amantes da escuridão investirem contra esse patrimônio radiante que é o legado de Paulo Freire? O que torna a pedagogia de Paulo Freire tão revolucionária, tão desafiadora, tão necessária? É uma constatação simples: ele costumava afirmar que ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo. Na pedagogia de Paulo Freire, cabe a quem ensina reconhecer, acolher e respeitar o saber de quem aprende. Sim, porque não existe apenas um saber único, absoluto, intocável. Existem, isso sim, os saberes de cada um, de cada povo, de cada comunidade, de cada indivíduo. E é o conjunto de saberes plurais, diversos, contraditórios, inelutavelmente incompletos e tão vocacionados a se complementarem que constituem o sopro que anima essa instigante aventura que é a caminhada humana sobre a Terra.
Mas perceber que um trabalhador rural conseguiria soletrar e reconhecer a representação escrita de "enxada", antes de ler e escrever "colarinho" assustou e ainda assusta a elite e os aspirantes a fidalgos. Promover um aprendizado atento ao conjunto de referências que cada um já carrega consigo empalidece o processo de mera transmissão de conhecimento de cima para baixo.
A pedagogia de Paulo Freire começou a ser formulada no início dos anos 1960. Um exemplo inaugural de sua prática vem de Angicos, no meu Estado do Rio Grande do Norte, onde ele trabalhou na alfabetização de adultos, em 1963, com imenso sucesso. Para quem não conhece, Angicos tem hoje cerca de 12 mil habitantes e sua economia ainda tem como base a produção rural. Foi lá, entre janeiro e abril de 1963, às margens do mesmo Rio Pataxó, nos tempos do algodão mocó, que era o melhor do mundo, que Paulo Freire implementou um projeto de alfabetização para 380 trabalhadores e trabalhadoras. Esse projeto ficou conhecido como "As 40 horas de Angicos", pois foi exatamente essa a carga horária do curso, 40 horas, que sacudiu as velhas estruturas. Foi chamada de revolução pela educação, de alvorecer das reformas de base. Governava João Goulart, que foi a Angicos encerrar esse curso, que deu base para o projeto piloto de alfabetização, o Programa Nacional de Alfabetização, preparado por Paulo Freire, no Governo João Goulart. Seria iniciado esse plano em 1964.
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A caminhada libertadora, como todos sabem, foi abortada pelo golpe militar, e Paulo Freire chegou a ser preso pelo crime de ensinar gente a escrever e a ler criticamente, não só textos, mas o mundo ao seu redor. Passou 72 dias no cárcere antes de seguir para o exílio. O povo de Angicos, assustado, deu fim aos cadernos queimando-os e enterrando-os no muro, como a gente diz. Hoje, novamente, a concepção libertadora e a aposta do empoderamento, contidas na doutrina de Paulo Freire, estão, de novo, na mira do obscurantismo, mas, do lado de cá, há uma renhida, corajosa, generosa resistência.
Cada vez que um professor insiste em dar aulas nesta pandemia, Senador Contarato, com internet precária, que ele mesmo tem que pagar, eu vejo um Brasil prestando um tributo a Paulo Freire. Todas as vezes que um profissional da educação, seja professora, merendeira, vigilante, faxineiro de escola pública, respira fundo e cumpre sua jornada, apesar do desmantelo de suas condições de trabalho, está honrando a luta de Paulo Freire.
Eu vi Paulo Freire em cada um dos secundaristas que ocuparam suas escolas para resistir à reforma do ensino médio, um projeto que quer amestrar nossos adolescentes para apenas apertar parafusos e botões.
Vejo Paulo Freire na luta das universidades e dos institutos federais para preservar a sua capacidade de produzir conhecimento, de fazer ciência, tecnologia e inovação. Nós honramos Paulo Freire em cada ato de resistência aos ataques à liberdade de cátedra.
Os adoradores da escuridão fustigam, agridem, difamam, mas não adianta, a educação maiúscula, que tem Paulo Freire como seu patrono, é um sol que sempre vai vencer a treva e aquecer os corações e mentes vocacionados à liberdade e à felicidade que habitam a maioria do povo brasileiro.
Finalizo citando o homenageado, aspas:
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ter feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível.
Paulo Freire presente hoje e sempre!
Muito obrigado.
Vamos assistir agora a um vídeo de uma entrevista concedida por Paulo Freire à TV Cultura, em que ele fala sobre educação de jovens e adultos e o contexto educacional da época. Acho interessante como contextualização, e, depois, seguiremos com os oradores.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Meus amigos, a presença do meu querido colega Fabiano Contarato aqui me insta a dar a palavra a ele imediatamente - e peço a licença de todos - e, em seguida, começaremos aqui com os oradores convidados.
Querido Senador Fabiano Contarato.
O SR. FABIANO CONTARATO (PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES. Para discursar.) - Obrigado.
Quero parabenizar o Senador Jean Paul Prates e todos os convidados. Eu não poderia deixar de estar aqui, fazer este registro e afirmar a todos o meu comprometimento com a educação.
Nós estamos vivendo um momento muito delicado em que nós já temos quatro Ministros da Educação no Brasil. Nós tivemos o Ministro Ricardo Vélez, que chegou ao ponto de pedir para diretores filmarem os alunos cantando o slogan do Presidente da República, filmarem os professores lecionando, violando a liberdade de cátedra. Depois nós tivemos o Abraham Weintraub, que teve a ousadia de afirmar que tiraria verba dos cursos de Filosofia, Sociologia e Antropologia. Olha, Senador Jean Paul, senhoras e senhores, a minha formação é no Direito, mas eu não seria absolutamente nada se eu não tivesse feito leituras que passam pelos pensadores, por Hobbes, Locke, Foucault, Maquiavel, enfim. Não bastasse isso, tivemos o Decotelli, que teve a nomeação cancelada por irregularidade no seu currículo, e o atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro, que chegou a afirmar que a universidade seria para poucos, que chegou a afirmar que crianças com deficiência são de impossível convivência, que chegou a falar que gays vêm de famílias desajustadas. Afirmou também que professores trans não podem incentivar alunos a andarem por este caminho e teve críticas severas de questão, de cunho ideológico ao Enem. Esse é o retrato dos Ministros da Educação que passaram pelo País.
Mas eu quero aqui afirmar para vocês o meu comprometimento. Eu e o nosso gabinete estamos à disposição na defesa intransigente desse direito humano essencial, desse direito constitucional, desse direito social expresso no art. 6º, que é o primeiro, diga-se de passagem, quando a Constituição fala sobre os direitos sociais: o direito à educação, mas uma educação inclusiva, plural, uma educação que acolhe, não essa educação básica em que 93% das escolas não têm laboratório de ciência, não essa em que 73% não têm biblioteca, não têm acessibilidade, não têm quadra esportiva. Mas é essa educação que estimula todos os atores envolvidos no processo educacional: professor, pedagogo, assistente social, psicólogo, auxiliar de secretaria.
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Eu quero apenas, passando aqui rapidamente, parabenizar a todos vocês e colocar o nosso mandato à disposição na defesa intransigente de uma educação pública de qualidade, porque, como o próprio Paulo Freire disse, é preciso diminuir o abismo entre o que se diz e o que se fala, para, quem sabe, um dia, o que você fala seja o retrato fiel da sua prática.
Eu espero, efetivamente, que nós tenhamos um comprometimento com a educação nesse sentido e coloco-me à disposição de todos vocês.
Aqui, Senador Jean Paul, eu não tenho a procuração dos outros Senadores, mas eu queria tomar a liberdade de pedir perdão a todos os operadores da educação no Brasil pelos ataques sistematizados, porque este Parlamento tem seu comprometimento e sua parcela de responsabilidade com esses ataques quando não tem um comportamento proativo, altivo, que dê efetividade a essa garantia constitucional. Não basta estar expresso no art. 6º, porque tanto o direito social como o direito à educação, infelizmente, estão deitados eternamente em berço esplêndido.
É preciso dar vida para que todos - todos! -, independentemente de raça, cor, etnia, religião, origem, orientação sexual, pessoa com deficiência, tenham direito à educação pública de qualidade.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Senador Contarato. Eu me alio integralmente às suas palavras. Creio que nós também somos avalistas e temos que deixar claro o que podemos fazer em defesa de todos esses princípios que são tão valiosos para nós, para o País, para a Constituição.
Eu gostaria de agradecer também a presença do Senador Flávio Arns e da Senadora Zenaide, que já estão online
Gostaria de registrar a presença da Deputada Rosa Neide, do Partido dos Trabalhadores, de Mato Grosso.
Vou iniciar a lista de oradores convidados, concedendo a palavra, com muita alegria, à Sra. Ana Maria Araújo, Nita Freire, pedagoga. Cada orador terá cinco minutos.
Então, dando início, D. Nita, Professora Nita, por favor, à vontade. A tribuna é sua. A tribuna é virtual, porém há muita audiência do nosso público da TV Senado em todo o Brasil. Professora Nita, por favor.
A SRA. ANA MARIA ARAÚJO FREIRE (Para discursar.) - Boa tarde a todas e a todos.
Foi com uma alegria muito grande que eu recebi a notícia e o convite para estar aqui nesta homenagem, neste tributo que o Senado Federal está fazendo, com justiça, pelos cem anos de nascimento de meu marido, Paulo Freire.
Fica difícil, em cinco minutos, dizer muitas coisas sobre Paulo. Posso dizer que eu o conheci quando eu tinha cinco anos. Ele estudou no colégio do meu pai, e a vida inteira eu o acompanhei, de muito perto ou de muito longe. Durante os 15 anos de exílio, eu o vi uma vez só, em Genebra, com a Elza - e eu, com o Raul. Então, sempre tive em Paulo um modelo de homem probo, de homem lúcido, inteligente, voltado para o outro, trabalhando para que a sociedade seja mais justa, trabalhando para que os seres desprezados desta sociedade e de outras, que não a do Brasil, possam ser inseridos na sociedade como tal. Para isso, ele dizia: "Precisamos transformar a sociedade. É difícil, mas é possível." Ele repetiu muito isso no fim de sua vida.
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Paulo, como homem, foi de uma delicadeza ímpar, de uma dedicação às pessoas, a todo mundo - eu falo em um ambiente restrito -, de uma dedicação incrível, ele dizia: "às minhas mulheres", à primeira, que faleceu, e a mim.
Paulo era um homem que perguntava, aos sábados e domingos: "O que queres que façamos juntos hoje?" Isso demonstra que ele se colocava, totalmente, a serviço, totalmente, à disposição daquela mulher que ele amava, no caso, eu, porque também eu me colocava, sempre, à disposição de Paulo.
Eu o acompanhei durante muitas e muitas viagens. Fiz mais de cem viagens internacionais com Paulo, durante os dez anos de nosso casamento. Quando o convite vinha, ele dizia: "Olha, eu sou um intelectual caro, porque eu só viajo com minha mulher." Todos os convidantes sempre cederam e ficaram felizes, porque Paulo estava feliz, porque Paulo viajava comigo. Ele dizia: "Eu sou carente, eu sou carente do teu amor. Eu não posso ficar uma semana sozinho, jogado no mundo, eu tenho que ir com você, Nita. Nós temos que viver a plenitude, se é possível, desse amor."
Então, eu digo que, para mim, foram tempos de graça que eu recebi de Deus, porque ter um homem como Paulo Freire como seu marido, convivendo 24 horas por dia, juntos... Ele trabalhava na sala grande dele, e eu tinha uma salinha ao lado. Isto é uma coisa que eu não posso esquecer, porque, passando pela sala dele, em direção ao corpo da casa, eu chegava, fazia um carinho, dava um beijo, e ele jamais me disse, jamais: "Estás me importunando. Eu perdi o meu raciocínio." Ele ouvia, sentia o meu carinho, gostava de que eu o tivesse interpelado e, depois, continuava o seu trabalho.
Paulo nunca se deu tempo para ele terminar um trabalho; ele terminava o trabalho quando o trabalho terminava, quando ele ia, passo a passo, dizendo tudo o que ele queria. Ele era um homem que, quando se sentava na sua poltrona, sabia o que ia dizer. Ele sabia o que iria dizer; ele sabia o que queria dizer. Nunca foi um intelectual de sentar-se e ficar procurando inspiração num tema ou noutro. Escrevendo e rasgando papel, ele foi um homem que estava sempre atento às coisas da realidade, sempre voltado para o cotidiano e a realidade. E, quando ele se sentava à sua mesa, ele sabia o que queria escrever, e ele sabia o que deveria escrever para ajudar todos a se conscientizarem da necessidade de uma transformação radical da sociedade brasileira. Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Professora Nita.
O problema dessas audiências digitais é que a gente não pode dar grandes aplausos, aplausos bem sonoros para a Professora Nita, porque é emocionante mesmo seu depoimento.
Concedo a palavra ao Sr. Lutgardes Costa Freire, filho do educador Paulo Freire, sociólogo, coordenador dos Arquivos Paulo Freire do Instituto Paulo Freire, na cidade de São Paulo.
Lutgardes, por favor.
Só não arremata a gente agora, não, pelo amor de Deus! Vai devagar! (Risos.)
Obrigado, querido
O SR. LUTGARDES COSTA FREIRE (Para discursar.) - Boa tarde a todas! Boa tarde a todos!
Eu gostaria de, antes de mais nada, agradecer ao Senador Jean Paul Prates pelo convite e dizer que meu pai era um homem que tinha esperança. Para ele, a esperança era um verbo, era esperançar. Ele queria que nós continuássemos o trabalho dele, mas não imitando o que ele fez, e sim reinventando o que ele praticou.
Ele era um homem do mundo; ele era um homem da realidade do mundo. Todo o seu pensamento vinha dessa relação com o mundo. Ele não era um intelectual de gabinete, como disse a Nita. Ele era um intelectual da realidade, da sociedade como um todo, um pensador, um filósofo, um metodólogo que não se incomodaria se o chamassem simplesmente de metodólogo. Ele achava isso uma coisa maravilhosa. Mas ele tinha uma vontade mais gulosa, como ele costumava dizer. Ele tinha uma vontade de ir além. Então, ele começou a escrever seus livros. Ele começou a dar suas palestras. Ele começou a ser conhecido internacionalmente.
Então, para mim, é uma honra muito grande participar deste evento, desta homenagem, porque o meu pai me dizia sempre: "Olha, Lut, não deixe o meu nome lhe fazer a cabeça, não deixe você ficar besta". Seja você mesmo, seja você mesmo. Faça o seu trabalho você mesmo.
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Quando eu me formei em Ciências Sociais, eu conversava muito com ele e a Nita. Nas quartas-feiras, eu almoçava com eles e conversávamos muito sobre a realidade que estava acontecendo no País. Isso foi nos anos 90.
Infelizmente, meu pai se foi em 1997, no dia 2 de maio de 1997, como foi lembrado aqui, mas ele nos deixou um legado enorme, um legado de vida, um legado de amor, um legado de conscientização, um legado de alfabetização, um legado de um mundo mais justo, um legado de um mundo menos diferente entre os mais ricos e os mais pobres neste mundo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Lut.
Eu quero, ao final da palavra de vocês dois, agradecer a vocês, em nome de todos, tenho certeza, que estão aqui nos assistindo, por nos manter conectados, não só com o legado de Paulo Freire, que nós todos queremos ajudar a manter, mas particularmente a vocês dois, por esses momentos, esses momentos pessoais, por esses depoimentos que nos trazem o comportamento mais autêntico, mais caseiro, pessoal mesmo, que justamente reflete a autenticidade de toda a obra de Paulo Freire dentro dele, nesses atos, nesses pequenos gestos, nessas pequenas palavras que vocês nos trazem do passado para hoje. Obrigado.
Quero chamar aqui, com muita alegria, à distância, minha querida amiga, a pessoa que eu tenho a honra de suceder nesta Casa, não me canso, Fátima, de dizer isso aqui para todos. Vou conceder a palavra à querida e estimada, Exma. Sra. Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, grande educadora, grande entusiasta também e divulgadora da obra de Paulo Freire. Fátima, por favor. Obrigado.
A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Para discursar.) - Bom, eu quero inicialmente dar o meu boa-tarde a todos e todas.
Aqui uma saudação muito especial ao querido companheiro Senador Jean Paul pela importante iniciativa de realização desta importante sessão em homenagem a Paulo Freire.
E estendo aqui meu abraço ao Senador Flávio Arns, à querida companheira também, conterrânea, Senadora Zenaide, ao Senador Fabiano Contarato, enfim, aos demais Senadores que estão participando aqui desta audiência.
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Permitam-me também aqui uma saudação muito especial a você, a Nita - saudades, estou emocionada aqui com a sua mensagem -, bem como também nossa saudação a Lutgardes, filho de Paulo Freire; uma saudação aos movimentos sociais aqui presentes, à CNTE, ao Heleno, ao Todos pela Educação, ao Lucas, enfim; ao Professor Mario Sergio Cortella; à Andressa e à Vanessa a minha saudação, da Campanha pelo Direito à Educação; e uma saudação também ao Professor Marcos Guerra, que compartilhou com Paulo Freire daquele momento tão marcante que foi exatamente As quarenta horas em Angicos. Meu abraço também ao Senador Marcelo Castro. Eu quero, primeiro, rapidamente... E um abraço aos que estão nos acompanhando pelas redes sociais, neste exato momento.
Quero, primeiro, dizer da emoção que toma conta de todos nós. Se, por um lado, ontem, no dia em que Paulo Freire celebraria 100 anos, se estivesse vivo, o Governo Federal, através do MEC, não destinou sequer uma frase para fazer o registro do centenário de Paulo Freire, mais do que isso, é um Governo que tem atacado sistematicamente a memória, o legado de Paulo Freire, ao mesmo tempo, a alegria de ver que Paulo Freire, desde ontem, vive cada vez mais dentro de nós, homenageado não só no Brasil, mas mundo afora.
Eu quero compartilhar com os senhores e com as senhoras a emoção de ontem - eu estou aqui com o Secretário de Educação, Professor Getúlio, e com a Secretária Adjunta, Professora Márcia -, a emoção que nós vivenciamos ontem quando fomos exatamente a Angicos, onde tudo começou. Há 58 anos, na gestão do então Governador Aluízio Alves, Paulo Freire era convidado para iniciar o seu trabalho, a sua experiência, o método de alfabetização popular que ficou nacional e mundialmente conhecido como As quarenta horas em Angicos.
Ontem, na cidade de Angicos, a gente pode conviver ainda com os ex-alunos que estão vivos como, por exemplo, o Sr. Paulo, conhecido como Paulo Carroça. Ele ontem, ainda com a sua lucidez, com a sua sabedoria, falava exatamente daqueles tempos, do quanto tinha sido decisivo para a vida dele tirar a cegueira dos olhos aprendendo a ler, a escrever e a compreender o mundo através de As quarenta horas em Angicos.
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Então, na verdade, é nosso dever zelar pelo legado desse homem. Nós sabemos muito bem da grandiosidade da sua história, da sua trajetória. Nós não estamos falando de uma personalidade qualquer, de uma pessoa qualquer. É um homem que já foi agraciado com mais de 40 títulos de doutor honoris causa pelo mundo afora; um homem que tem sua obra traduzida, como a Pedagogia do Oprimido, para mais de 20 idiomas pelo mundo afora.
O que eu quero colocar aqui para os senhores e senhoras é que eu acho que a maior boniteza - ele gostava muito dessa palavra - do trabalho de Paulo Freire foi exatamente ensinar o povo pobre, o oprimido, não apenas a ler e a escrever, mas a compreender o mundo e a lutar por seus direitos. É essa, exatamente, a essência do trabalho de Paulo Freire.
Eu fico feliz, Senador Jean Paul, quando vejo você, juntamente com os demais Senadores, trazendo a sociedade civil e fazendo essa homenagem. Por quê? Porque, ainda em 2016, na condição exatamente de Senadora, representando o povo do Rio Grande do Norte, eu liderava aí, no Senado, toda uma mobilização para não deixar prosperar uma proposição legislativa desvairada que queria, simplesmente, "desomenagear" Paulo Freire, tirar de Paulo Freire aquilo que lhe é de direito, que é, sim, o título merecido, honroso de Patrono da Educação, proposto pela então Deputada Luiza Erundina e sancionado, à época, pela Presidenta Dilma. Felizmente, essa ideia não prosperou no Senado. E é com muita alegria que eu vejo hoje esse mesmo Senado, repito, homenageando Paulo Freire, preservando cada vez mais a memória e o legado de Paulo Freire para o Brasil e para o mundo.
E quero aqui acrescentar a minha emoção porque ontem, na condição de Senadora, e hoje, na condição de Governadora, lá em Angicos, nesse gesto simples, porém com todo o sentimento de gratidão, nós erguemos, exatamente ontem, a Nita, lá no Município de Angicos, esta escultura. Esta escultura foi idealizada por um artista aqui do Rio Grande do Norte, o Guaraci Gabriel: As 40 horas de Angicos, com as frases "Tudo Começou em Angicos-RN" e "Paulo Freire - Patrono da Educação".
Quero acrescentar algo que eu tenho muito refletido, no sentido de dizer que a melhor forma de a gente homenagear Paulo Freire, hoje, na condição de Governadora, é avançar para realizar os sonhos e as utopias de Paulo Freire, por uma educação de qualidade, por uma ação mais eficaz de enfrentamento ao analfabetismo.
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Por isso que ontem eu dizia da minha alegria de, mesmo tendo encontrado um Estado em condições muito adversas como eu encontrei, além do mais, numa conjuntura nacional tão hostil, mas dizia da alegria de a gente estar realizando aqui um grande investimento na educação básica do Rio Grande do Norte, que vai desde a construção de escolas, os institutos estaduais de educação profissional, tecnologia e inovação, a questão da formação e da capacitação do magistério, a modernização tecnológica tão necessária, principalmente nesses tempos de pandemia, o que escancarou a exclusão digital, que mostrou que a internet não entra nas escolas e, dentro desse investimento, uma ação para nós muito especial, que é, minha querida Professora Selma, o programa de superação do analfabetismo. Nós ainda temos aqui no Rio Grande do Norte 400 mil pessoas privadas do direito de ler e de escrever.
Então, são essas ações que, inspirados exatamente em Paulo Freire, nós queremos intensificar; intensificar, repito, para que a gente possa cumprir com o nosso papel. Nossa geração tem o dever, do ponto de vista ético, do ponto de vista histórico, do ponto de vista político, de avançar para que o sonho de Paulo Freire se realize - se realize -, no sentido de que tenhamos um mundo com democracia, com liberdade, um mundo com inclusão, um mundo com cidadania.
E, como ele bem dizia, como ele muito bem dizia, a educação tem que ser olhada como um direito de cidadania, porque ela é fundamental - fundamental - para a conquista da cidadania, para a conquista de uma vida com dignidade e com direitos.
Então, viva Paulo Freire!
Viva Angicos!
Viva a educação pública!
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Mais uma vez, muito obrigado, Governadora Fátima. Muito obrigado, Secretário Getúlio, Secretária Márcia, pela presença aqui conosco, homenageando o nosso patrono.
Quero reenfatizar que a Governadora foi até modesta quando falou desse investimento, não mencionou o valor desse investimento para o Estado do Rio Grande do Norte. É algo inédito - inédito -, Mario Sergio, José, todos que estão nos ouvindo.
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Quatrocentos milhões de reais serão investidos nessas quatro áreas: reformas de escolas; institutos estaduais técnicos, nos moldes dos IEFs; digitalização dessas escolas, acesso à internet banda larga; e o combate ao analfabetismo, que fica aí justamente como parte importantíssima dessas quatro fases do processo. São R$400 milhões investidos a partir de uma ação de precatórios e com o complemento bastante substancial do próprio Estado do Rio Grande do Norte. Isso mostra como é possível superar dificuldades. A Governadora que herdou quatro folhas de salário atrasadas consegue, na metade do seu mandato, anunciar um investimento em educação que é sem precedentes.
Eu diria, Governadora, que é uma segunda 40 horas, só que agora são 400 milhões no Rio Grande do Norte. Mais uma vez, o Rio Grande do Norte vem trazendo o investimento para a educação, a visão de que a educação está acima de tudo para a frente nacional, para as primeiras páginas que eu tenho certeza de que serão em homenagem a esse trabalho.
Eu queria também saudar a sua menção à questão do Fundeb. Nós, na semana passada... Quero dizer que aqui é o nosso legado - o meu legado é o seu -, o de estar vigilante pelo Fundeb. Na semana passada, nós evitamos mais um ataque. Já no primeiro ano da constitucionalização do Fundeb, imaginem, já estavam com uma PEC, indefectivelmente numerada com o número 13, mas que não passou para esse fim de esbulhar o Fundeb - 70%, 30% o percentual de aplicação. Não foi excepcionalizado graças à nossa ação de resistência aqui, e nós continuaremos com ela.
Não é possível que a gente, no primeiro ano do Fundeb constitucionalizado, já fosse abrir exceções. Enquanto outros tratam como dogma a questão do teto dos chamados gastos, nós consideramos como investimento. Mas, enfim, cada um tem o seu mantra, cada um tem o seu dogma, o nosso é esse: proteger o Fundeb.
Quero também me associar, homenagear a Silvana Pacheco e todos que fizeram lá as grandes festas, os grandes festejos em Angicos; pelo monumento que foi erguido lá, fantástico, aproveitando o céu azul de Angicos, o Monte Cabugi, enfim, uma linda homenagem.
Infelizmente, eu não pude ficar lá à tarde, porque tinha de viajar para cá. Levei falta lá, mas, com certeza, irei proximamente, nos próximos dias, para fazer essa homenagem também.
Enfim, quero inverter aqui a ordem, por conta dos horários do nosso querido Mário Cortella. Eu queria passar a palavra para você, meu querido amigo, eu que acompanho os seus vídeos, volta e meia sou da sua audiência. É muita honra estar com você aqui.
Mário Sérgio Cortella, escritor, filósofo, educador, professor universitário. Mário, é uma pena dar cinco minutos para você, mas, enfim, tem aí um chorinho também.
Um grande abraço.
Você está com a palavra.
O SR. MARIO SERGIO CORTELLA (Para discursar.) - Que bom, que bom, que bom nós nos juntarmos para fazer o bom e o belo, a ética e a estética, as belas homenagens e as decentes homenagens ao Professor Paulo Freire.
Eu agradeço, sem dúvida, a acolhida. E eu falo também na qualidade de aluno que fui do Professor Paulo Freire - fui orientando de doutorado dele. Não só tive com ele aula, como pude privar da companhia dele no sentido mais expressivo durante um bom tempo.
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E quando ele foi Secretário de Educação, na cidade de São Paulo, tendo dito a nós que ficaria um tempo e depois voltaria à sua atividade mundo afora, eu tive a alegre tarefa de coordenar a equipe, ficando como Secretário de Educação até a conclusão do mandato na cidade de São Paulo.
Por isso, mais do que especial, é lembrar o quanto Paulo Freire tem, de fato, de ser celebrado, tornado mais e mais célebre, mesmo que haja pessoas que fiquem absolutamente incomodadas, especialmente aqueles que eu chamo de "democracidas", aqueles e aquelas que, de algum modo, têm uma recusa muito forte e são marcadas e marcados pela demofobia, que é um termo que usamos aí, com frequência, e que Paulo Freire, de modo algum, tinha.
Quando Paulo Freire tinha um ano e pouco de idade, faleceu, no Rio de Janeiro - no ano que vem, fará cem anos -, Lima Barreto, nosso grande escritor Lima Barreto, que faleceu no dia 1º de novembro de 1922. E Lima Barreto, estupendo pensador também da realidade brasileira, um dia cunhou uma expressão, de que, sem dúvida, Paulo Freire foi um dos que se encarregou de enfrentar aquilo que pareceria ser um vaticínio não do especial Lima Barreto, mas de uma parte das pessoas na Nação que acham que assim teria de ser. Um dia, escreveu Lima Barreto que o Brasil não tem povo, tem público. Olha que frase forte, difícil e verdadeira: o Brasil não tem povo, tem público, isto é, têm pessoas que ficam como espectadoras e espectadores, enquanto a vida segue.
E Paulo Freire tomou uma decisão fortíssima, que ele, de maneira alguma, seria conivente com essa concepção do nosso País, em muitos e muitos momentos, mas não para sempre, que ele chamava de inédito viável, o Paulo Freire, de ter muito mais público do que povo, ou seja, pessoas na cidadania, na participação ativa, na ação de solidariedade, na capacidade de dirigir a sua própria história.
E, nesse sentido, todo o trabalho de Paulo Freire, daí, sem dúvida, de novo, a necessidade de nós o lembrarmos é exatamente fazer com que, cada vez mais, aqueles e aquelas que apenas públicos são ficam apenas à margem, buscando ver aquilo que se passa, não sejam apenas e tão somente pessoas que assistem, mas, ao contrário, sejam capazes de ter a sua presença também, como atores e autores, autoras e atrizes, no sentido mais especial do termo, da sua própria trajetória, numa sociedade livre, em que a gente seja assim capaz de juntar o bom e o belo.
E, por isso, quero lembrar Paulo Freire: uma bela pessoa, bela pessoa! Evidentemente que, quando nós estamos falando de bela, não me refiro obviamente à exclusividade da beleza externa. Sabem muito bem a Professora Nita Freire e também Lutgardes o quanto que o Paulo Freire, sim, era uma bela pessoa nos dois sentidos que a expressão carrega, e encantador nos seus momentos, não só como alguém que atuava, mas também pela sua presença.
É claro que, aproveitando esta Sessão Solene, era uma pessoa com um nome senatorial. Eu nunca deixo de lembrar quando alguém o chamava: Paulo Reglus Neves Freire tem um nome também senatorial, que daria, em várias instâncias, a possibilidade da presença do Professor Paulo também na nossa República como um dos seus representantes no campo do Legislativo. Ele não o fez, mas ele o fez na prática, na expressão, na escrita, na inspiração. Daí, é claro, Paulo Freire, bela pessoa.
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Mas a maior beleza - eu concluo - daquilo que ele produziu, no meu entender, foi recusar-se a afastar, a deixar de lado aquilo que seria o vaticínio de nós termos uma população que fosse apenas público, sem que houvesse a condição também, no seu modo, que seria historicamente situado, de ser também povo ativo, essa população decisiva e, claro, livre.
Por isso, educação como prática da liberdade no ponto de partida; pedagogia da autonomia, no ponto de chegada; e, pelo entremeio, tudo aquilo que ele soube e sabe fazer, conosco continuando nesta condição.
Claro, sem dúvida: Paulo Freire, uma bela pessoa.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado.
Belas palavras do nosso querido Mestre Cortella.
Lembro que quando Paulo Freire esteve em Angicos, ele foi um dos primeiros a enfrentar a questão da compra do voto. Marcos Guerra, que vai falar agora, certamente testemunhou momentos em que ele explicou a diferença de ser massa - e eu acrescentaria massa de manobra, mas massa - para ser povo consciente.
Muitos dos alunos de Paulo Freire relataram, posteriormente, esse ensinamento também durante as jornadas das 40 Horas.
Sem mais delongas, eu quero conceder a palavra ao Professor Marcos Guerra, nosso conterrâneo e amigo do Rio Grande do Norte, de Natal, Mestre em Direito Internacional do Desenvolvimento, amigo de Paulo Freire e um não só colaborador, mas um dos coordenadores do Projeto 40 Horas de Angicos.
Marcos Guerra com a palavra.
O SR. MARCOS JOSÉ DE CASTRO GUERRA (Para discursar.) - Obrigado, Senador Jean Paul Prates.
Desejo um abraço, aqui, à Nita, ao Lut, amigos também de Paulo Freire, e à Governadora Fátima, que agora está na administração, mas não deixa de ser educadora.
Vou tentar, primeiro, trazer uma mensagem linda. Como a Governadora esteve no domingo, inaugurando um busto, nós estivemos, sábado passado, há 48 horas, em Angicos, a convite da Prefeitura, da Secretaria Municipal e da Universidade do Semiárido, em um encontro com os ex-alunos sobreviventes. Dos 300, 15 deveriam estar presentes, estavam presentes 12; outros, acamados. Mas, então, é linda a possibilidade desse reencontro.
E o que o Senador acaba de dizer foi repetido por dois alunos durante algumas falas: nós deixamos de ser massa, nós somos povo; e a gente sabe a diferença!
A palavra final de um aluno, representando todos os outros, foi para nós um recado, que eu quero retomar. Nós esperamos que essa atividade seja retomada e seja, de novo, a oportunidade para todos os brasileiros.
É lindo ter podido participar disso. Eu queria dizer que a experiência nossa em Angicos, com as 40 Horas, depois em Natal, nas Quintas, depois em Mossoró, tudo isso comprova, de forma irrefutável, os resultados. Resultados, de um lado, permanentes...
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Houve uma avaliação feita por uma professora da Universidade de Santa Catarina, 40 anos depois, para avaliar exatamente o que é que tinha permanecido com os alunos.
Uma educação comprometida, por que não dizer, uma educação num tempo muito curto, que Paulo Freire dizia que era compatível com o tempo disponível de adultos, que estão na sua vida, no seu cotidiano. Quarenta horas, ao longo de três meses, é possível dedicar esse tempo, cinco noites por semana, menos os feriados e os grandes dias de chuva.
Uma educação também barata. O custo médio nosso foi da ordem de US$37 de então, e uma educação que, para ter o efeito, e isso me parece vital para que seja retomado, era universal naquele universo, ou seja, na cidade, na microrregião ou num bairro grande, porque experiências isoladas não têm aquela força social da motivação permanente.
Então tudo isso para mim fica muito claro, esse tipo de educação nos leva a pensar sobre o legado de Paulo Freire.
Eu vou repetir o que já foi dito, vou retomar o que já foi dito, nós devemos, não a Paulo somente, mas também a ele, por que não? Nós devemos aos brasileiros, a nós mesmos e aos nossos irmãos brasileiros, marginalizados pelo analfabetismo... O analfabetismo é simplesmente o que se vê, um pedaço da desigualdade social, um pedaço da desigualdade política, um pedaço da desigualdade em relação à terra, ao trabalho, ao teto, ao acesso à saúde, ao acesso à educação... Tudo isso hoje está nos questionando. Eu fico feliz de ouvir um Governante dizer: Nós vamos retomar. Eu ouvi isso há algum tempo também, mas a pandemia obrigou quantas mudanças de projetos? O compromisso nosso me parece que deve permanecer. Sou menos otimista, Governadora, quanto à percentagem de analfabetos.
Nós temos que trabalhar para que o IBGE possa modificar os seus métodos de recenseamento. O recenseamento declaratório é falso. Nós temos hoje mais analfabetos, no Brasil inteiro, em número concreto, do que tínhamos em 63. Nós temos estudos do Ravanello, que é estatístico da educação e que é educador, que demonstram que o IBGE, deixando de lado todas as crianças que fizeram apenas dois anos de escolaridade, no primário, e que o IBGE só vai contar depois de quinze anos de idade, dizendo: Não, antes a gente não conta porque eles estão na idade da escolarização obrigatória, que vai resolver o problema... Mas a gente sabe que não é bem assim.
Então parece-me que a memória de Paulo Freire nos obrigaria nos estimula a que a gente descubra caminhos de retomar, de honrar o legado.
As publicações que estão aí estão demonstrando a viabilidade. Eu queria terminar dizendo que o número de manifestações, de festividades, de falas que estão acontecendo, não só no Brasil... a Nita me dizia ontem pelo telefone como está encantada, porque de muitas partes do mundo vêm essas notícias.
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Então, tudo isso demonstra que nós podemos, sim, que existe eco e que são poucos e isolados os que tentam eliminar o Paulo Freire, o seu trabalho. Eu tive o privilégio, então com 22 anos de idade, de começar um convívio com Paulo Freire, de começar a aprender com ele, de começar com o nosso grupo de Angicos a ensinar também, porque, para Paulo, aprender e ensinar vêm juntos. Aliás, o português é uma das raras línguas na qual não é uma só palavra para essa ida e volta. Eu desejo que todos nós aqui renovemos o compromisso de descobrir, de incentivar os caminhos.
Termino com um apelo, Senador, inclusive, da Comissão de Educação: que a gente consiga retomar esses trabalhos, porque Paulo Freire está pedindo, "não que me imitem", dizia ele, mas que reconstruam, recriem com os instrumentos de que nós dispomos hoje.
Parabéns a todos que estão reforçando nesse momento tal legado e que estão prontos a retomar tal legado.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Professor Marcos.
Mais uma vez, quero lamentar realmente que todas essas celebrações estejam acontecendo em inúmeras partes do Brasil, do mundo, exceto no Ministério da Educação do Governo brasileiro.
Quero dizer, avisar a todos que os 15 segundos da voz maviosa, como se refere o Senador Anastasia, não são exercício de vendeta aqui do Presidente da sessão em relação ao que nós sofremos todos os dias no Plenário remoto, não. É simplesmente porque é uma campainha automática. A Fátima está lá, sabe como é. Nós só desligamos quando da primeira pessoa, porque era a Professora Nita. E os outros a gente colocou no automático aqui. Então, desculpem-me, porque às vezes se interrompe o raciocínio.
Mas, Professor Marcos, queria que ainda presente aqui assistisse, juntamente com a nossa querida Governadora e todos os demais, ao segundo vídeo desta sessão que nós preparamos, que é justamente um breve documentário produzido à época pelo Ministério da Educação, mas em 2013, sobre o cinquentenário, à época, da experiência de alfabetização dos jovens e adultos, que foi realizada pelo educador Paulo Freire, na cidade de Angicos, da qual participou o nosso querido participante, aqui, Professor Marcos Guerra. Quero vê-lo aí. Não sei se aparece no filme, mas com certeza aparecem alguns desses alunos que vocês encontraram nesse domingo e antes.
Então, por favor, se puderem colocar o segundo vídeo.
Obrigado.
(Procede-se à exibição de vídeo. )
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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Professor Marcos Guerra, há uma pergunta rápida e muito incidental, mas que é exemplificativa da questão de quem ensina também aprende: quantos de vocês - estudantes, monitores da alfabetização, voluntários -, que fizeram parte dessa experiência, sabiam o significado de belota? (Risos.)
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O SR. MARCOS JOSÉ DE CASTRO GUERRA - Até então, até a pesquisa do universo vocabular, não é da nossa região - a maior parte dos que fomos para lá são daqui da região de Natal ou de outro interior -, não fazia parte do nosso vocabulário, não fazia parte.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, doutor. É exatamente o melhor exemplo. É logo a primeira palavra, não é?
O SR. MARCOS JOSÉ DE CASTRO GUERRA - Na originalidade, na valorização.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - É. E Natal e Angicos são no mesmo Estado, na mesma região, e, mesmo assim, havia um universo ali completamente diferente. E isso para mim é o melhor exemplo da metodologia.
Vamos passar ao Professor José Fernandes de Lima, educador, Reitor da Universidade Federal de Sergipe pelo período de 1996 a 2004, Secretário de Educação daquele Estado também de 2007 a 2010 e hoje Presidente do Conselho Nacional de Educação - perdão -, também Presidente do Conselho Nacional de Educação no período de 2008 a 2016.
Professor José Fernandes de Lima, por favor, com a palavra.
O SR. JOSÉ FERNANDES DE LIMA (Para discursar.) - Muito obrigado, Senador Jean Paul.
Sras. Senadoras e Srs. Senadores, educadoras e educadores presentes nesta sessão, minhas senhoras e meus senhores que acompanham pelas redes sociais, o contato que tive com a obra de Paulo Freire foi semelhante aos contatos que tiveram milhões de professores e gestores espalhados por todo este Brasil - foi através de seus livros, artigos, palestras e, sobretudo, através do seu exemplo de vida.
Eu peço licença para falar aqui neste momento do ponto de vista de um gestor que, a exemplo de tantos secretários de educação, gestores municipais, diretores de escolas, tenta contribuir para fazer funcionar o sistema educacional, as escolas e as redes de ensino, porque eu quero dizer que os ensinamentos de Paulo Freire foram e continuam sendo fundamentais para a nossa orientação, sobretudo aqueles trazidos pelo seu exemplo de vida.
Entre os exemplos dados por Paulo Freire, se eu tivesse de destacar uma característica marcante, eu destacaria o seu desprendimento e a sua generosidade.
Paulo Freire foi um homem que, depois de ter viajado o mundo, depois de ter sido homenageado em inúmeras universidades, depois de fazer parte de uma enorme rede de educadores de todo o planeta, aceitou a tarefa de exercer a função de Secretário Municipal de Educação, ou seja, aceitou a tarefa de colocar a mão na massa e de fazer trabalhos superinstigantes para exemplificar como deveria ser o comportamento dos gestores no nível dos sistemas de ensino. E, nesse período, ele dedicou as suas atividades à resolução de problemas bem concretos, problemas que ocorrem diretamente na ponta do sistema.
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Quando nós dizemos que as orientações de Paulo Freire continuam atuais, nós estamos querendo dizer o seguinte: neste momento, quando as escolas estão enfrentando dificuldades para se reinventar diante dos danos causados pela pandemia; neste momento, quando nós lidamos com um Governo que tem dificuldade de entender a importância da educação para o desenvolvimento do País; neste momento, quando a falta de acesso à escola contribui para o aumento das desigualdades, as escolas necessitam, mais do que nunca, utilizar os ensinamentos de Paulo Freire. Nós temos que nos valer de Paulo Freire, porque ele nos ensina que um dos grandes desafios que nós temos que enfrentar hoje é a confrontação com a ideologia imobilista, fatalista. Ele nos ensina que a prática educativa, mais do que envolver medições e tecnologias, necessita envolver valores, projetos e utopias. Ele nos ensina que a educação e a mudança de cultura são essenciais para a mudança do mundo. E ele nos ensina que é possível mudar esse mundo e construir um mundo mais justo e mais bonito.
Por tudo isso, nós nos juntamos às comemorações do aniversário de cem anos de Paulo Freire e reafirmamos que ele é, sim, o Patrono da Educação Brasileira. Aqui, no Estado de Sergipe, de onde eu estou falando neste instante, a população já disse isso em janeiro de 2012, quando, um pouco antes do Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei que declarou Paulo Freire o Patrono da Educação Sergipana. E é por isso que, mais uma vez, nós estamos aqui para dizer que temos que lutar para que o nome de Paulo Freire e as suas ideias continuem iluminando as ações e a vida das nossas escolas.
Muito obrigado pela atenção.
Viva Paulo Freire!
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Muito obrigado, Professor José Fernandes Lima. Mais um depoimento importante para nós.
Eu queria dizer que alguns Senadores e Senadoras que tiverem interesse já em fazer suas inscrições - alguns já o fizeram pela mãozinha do chat ou pelo chat... Senador Flávio Arns, Senadora Zenaide Maia, Senador Esperidião Amin estão online, atentos à nossa sessão.
Concedo a palavra, agora, à Sra. Luiza Cortesão, Professora emérita e catedrática da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto e Presidente do Instituto Paulo Freire, em Portugal.
Professora, por favor, por cinco minutos, V. Sa. tem a palavra.
A SRA. LUIZA CORTESÃO (Para discursar.) - Eu tenho muita pena de estar tão longe, mas, ao mesmo tempo, isso me permite começar por dizer o quanto eu agradeço não só, pessoalmente, por terem me convidado para esta sessão, como por sentir ser importante que, por um bocadinho, através da minha presença simbólica, Paulo Freire está também presente, ou melhor, Portugal está também presente nas homenagens que temos todos que prestar a Paulo Freire.
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Portanto, eu agradeço imensamente por terem se lembrado de me convidar, porque trago comigo não só o Instituto Paulo Freire, mas também muito da educação em Portugal. Paulo Freire não é só brasileiro, Paulo Freire é do mundo e, especialmente, de Portugal.
Eu gostaria de dizer só duas palavras relativamente ao quanto nós vivemos para Paulo Freire. Evidente que é impossível, em cinco minutos, dizer isso, mas eu tiraria dois ou três aspectos que considero particularmente significativos para nós, professores. Paulo Freire, com seu trabalho, permitiu que nós adquiríssemos uma qualidade profissional diferente daquela que tínhamos anteriormente. Quero com isso dizer que, em Portugal, realmente, os professores muito frequentemente atravessam todo o seu tempo de atividade sendo instrumentos escutantes de um projeto que é um projeto centralmente estabelecido, como se todas as crianças que existem nos diferentes países fossem iguais, e não são. E o que acontece é que Paulo Freire denunciou, de uma maneira extremamente rica, vigorosa, estimulante, o quanto a educação poderia ser, de fato, algo que contribuía para uma sociedade injusta, estratificada, em que coabitam pessoas com qualidades de vida e com formas de vida completamente diferentes.
Mas Paulo Freire não se limitou a denunciar essa cumplicidade da educação. O que Paulo Freire fez foi dizer que, se a educação for diferente, a educação pode, ao contrário, contribuir para um mundo menos discriminatório, um mundo menos injusto, pondo a tônica nisso e vivenciando a politicidade da educação, vivenciando que se pode sonhar, mas, para além da utopia, lutando por algo que a gente acredita que é importante, que é o seu maravilhoso conceito de inédito viável, que é algo que não aconteceu, mas que poderá acontecer se nós formos suficientemente lutadores, criativos, conscientes do nosso problema, das possibilidades que temos. E, de fato, o que nós conseguimos com isso foi que deixamos de ser só instrumentos de algo que escutamos e que nós não somos atores, para sermos atores socioeducativos e políticos atuantes. E, por isso tudo, folgo por esta maravilha de modificação de papel que nós temos consciência de que podemos agradecer a Paulo Freire, e não são só os brasileiros que o fazem, mas os educadores de todo o mundo.
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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Professora Luiza Cortesão. Parabéns pelo se trabalho, que vejo aqui nas fontes de informação e pela internet, no site do Instituto Paulo Freire de Portugal, que também comemora 20 anos de atividade, juntamente com o centenário de Paulo Freire, pela atividade que tem junto às entidades educacionais de Portugal. Nunca foi tão atual a letra de Chico Buarque que pretende que almejemos finalmente ser um imenso Portugal.
Concedo a palavra à Sra. Professora Maria Selma de Moraes Rocha, professora da Faculdade de Educação da USP, por cinco minutos.
Professora Selma, é um prazer. Obrigado.
A SRA. MARIA SELMA DE MORAES ROCHA (Para discursar.) - Boa tarde, Senador Jean Paul, na pessoa de quem cumprimento todos os Senadores presentes.
Cumprimento a Governadora Fátima Bezerra, que, além de merecer nosso respeito como Senadora e como Governadora, merece nosso respeito como uma companheira de luta em defesa da educação pública durantes décadas.
Cumprimento a Nita, o Lut, com muito carinho, e quero dizer a vocês que é uma grande honra poder participar desta atividade.
Eu tive a felicidade de trabalhar na gestão de São Paulo com o Professor Paulo Freire e de partilhar com o Mario Sergio, que estava aqui, mas teve que sair, e com uma equipe que experimentou algo fundamental para a nossa geração, que foi o conceito de práxis, ou seja, como todo o referencial teórico que orientou e que nasceu da experiência do Professor Paulo e da sua produção intelectual e política tomou forma na maior metrópole da América Latina pensando o direito à educação de forma ampla no contexto da Constituinte que tinha acabado de ser aprovada, em 1989, no contexto da elaboração da LDB, das Constituições estaduais e das leis orgânicas.
Eu quero destacar que, da epistemologia do Professor Paulo, da sua produção, algumas ideias são chaves para pensar a educação e a escola hoje, e eu destaco, especialmente no Brasil, por tudo a que temos assistido.
Eu diria que a primeira questão é a superação da pedagogia bancária e da ideia dos currículos como instrumentos de prescrição de conteúdos.
A segunda coisa fundamental é pensar o currículo, portanto, como um movimento de permanente ação, reflexão e ação.
A outra questão fundamental da epistemologia do Professor Paulo, na minha opinião, é a consciência do inacabamento, isto é, a necessidade de que todos nós nos pensemos como seres inconclusos e que, portanto, a relação entre professores e alunos é uma relação de sujeitos que constroem conhecimento e não reproduzem verdades consubstanciadas, eu diria, hoje, no nosso País, na forma de competências, na Base Nacional Comum Curricular.
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Eu diria que um dos conceitos mais importantes e atuais da epistemologia do Professor Paulo Freire é o conceito de dialogicidade, que supõe muito mais do que o diálogo e as práticas democráticas no interior da escola. Supõe que nós sejamos capazes, em todas as escolas, de incorporar os saberes, as experiências culturais dos nossos estudantes - crianças, adultos e jovens -, na experiência curricular, e constituirmos aquilo que foi, também, uma percepção e um conceito essencial no trabalho e na formulação teórica do Professor Paulo Freire, que é o conceito de mediação entre aquilo que as pessoas trazem da sua experiência social e cultural e aquilo que a educação pode associar a essa forma de conhecimento.
Eu quero dizer a vocês que dessa maneira também foi gerida a Secretaria de Educação. Nós tivemos uma experiência de planejamento e gestão das mais competentes que eu conheci. Eu trabalhei em Governos, eu fui Secretária de Educação e digo a vocês que essa experiência, para todos nós, foi extremamente marcante, porque nós tínhamos colegiados. Tínhamos um colegiado central, um colegiado intermediário e colegiados nos Núcleos de Ação Educativa que se reuniam semanalmente.
O Professor Paulo Freire, que falava com universidades e Governos do mundo todo, desligava o telefone e sentava-se conosco, no colegiado central e no colegiado intermediário, para discutir a materialização das diretrizes da política educacional, nova qualidade da educação, gestão democrática, democratização do acesso e educação de jovens e adultos.
Eu tive a felicidade de, por dois anos, registrar essas reuniões, e eu me lembro dessas cenas com uma felicidade enorme, por saber que um homem como ele, reconhecido e respeitado no mundo todo, era capaz de fazer, cotidianamente, um esforço extraordinário de coerência e respeito. Desde a pessoa que servia o café até toda a sua equipe central e a equipe dos NAEs... Ninguém conseguiu desmontar o que o Professor Paulo Freire fez na Secretaria de Educação, e olha que tentaram.
Eu concluo dizendo que um dos maiores desafios que nós temos, hoje, no nosso País, é retomar, no plano curricular, no plano da construção do conhecimento, a ideia de que a escola seja um centro cultural e que a dialogicidade presida o movimento de construção e reconstrução dos currículos como instrumento de transformação e emancipação cultural das gerações que passam pela escola.
Eu só tenho a agradecer esse convite, por compartilhar essa experiência com pessoas tão preocupadas com a educação emancipatória no mundo e com a Bancada do PT, com os companheiros, outros Senadores de outros partidos que admitem e respeitam a obra de Paulo Freire.
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Eu não me incomodo com o MEC, porque o mundo todo faz o oposto neste momento, e é aí que nós temos que colocar o nosso olhar, a nossa energia, a nossa satisfação e elevar essa celebração.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Professora Selma.
Suas palavras me levam a também fazer homenagem a dois outros realizadores da educação emancipadora a que se referiu, que tinham também a escola como centro cultural e centro das ações, que foram Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, com quem eu trabalhei. Tive a oportunidade de trabalhar, ainda antes de vir para o Rio Grande do Norte, ainda como... Talvez na mesma época em que o Professor Marcos Guerra também teve suas experiências com o Paulo Freire, comigo foi com o Darcy Ribeiro. Eu tenho muito em conta, e isso mudou muito a minha forma de ver não só a educação, como o Brasil em geral. Então é outra pessoa a homenagear aqui.
Eu acho que nada é mais paulofreiriano do que o conceito moderno da Pedagogia da Educação Popular, que justamente surgiu como uma reação ao que foi interrompido pelo autoritarismo, como o plano nacional preparado por Paulo Freire para João Goulart.
E é por isso que nós concedemos aqui a palavra agora ao Douglas de Jesus Gonçalves, representante da Rede Emancipa, do Movimento Social de Educação Popular, que vai nos contar um pouco dos cursos sobre a obra de Paulo Freire, que ele está coordenando.
Douglas, por cinco minutos. Obrigado pela sua presença.
O SR. DOUGLAS DE JESUS GONÇALVES (Para discursar.) - Fala, galera! Muito obrigado pelo convite, Senador Jean Paul. Estou muito feliz de estar aqui para compartilhar um pouquinho da experiência da Rede Emancipa, que é um movimento social que vem aí, há quase 15 anos, construindo o poder popular nas periferias de todo o Brasil.
O Paulo Freire, por óbvio, é uma inspiração muito grande para a gente, não só teoricamente, mas na nossa prática. E justamente porque a gente tem uma compreensão muito importante, na hora de a gente atuar, na hora de a gente construir qualquer cursinho, qualquer frente de atuação nossa, em qualquer território do Brasil, o que tem a ver com os princípios da educação popular, da educação libertadora, que nortearam e norteiam muitos dos educadores brasileiros que estão no chão das escolas, não é?
A gente sabe que há um delay muito grande entre a produção científica e a prática, não é? A elaboração acadêmica e como se dá de fato nas escolas, nos territórios do Brasil. A Rede Emancipa está o tempo todo querendo quebrar essa dicotomia, fazer com que esses conhecimentos na verdade andem em conjunto, tanto o conhecimento produzido nas quebradas, pelos movimentos de cultura, pelos movimentos de periferia, de todo o Brasil, mas também o conhecimento produzido nas universidades.
Na verdade, a universidade é onde o povo deveria estar, não é? As políticas de construção de políticas de ações afirmativas nas universidades, tentando promover uma maior inclusão, uma maior democratização dos métodos científicos, para que cada um, cada jovem de periferia possa se ver também no movimento universitário, na atuação acadêmica, na elaboração científica. Isso, para a gente, também é um princípio paulofreiriano, não é? É fazer com que de fato esses espaços se apliquem a uma maior parte da população.
Eu queria ler aqui não um trecho do Paulo Freire, mas uma elaboração que foi feita muito inspirada na pedagogia freiriana, que está no livro Ensinando a Transgredir, da educadora Bell Hooks, que é uma feminista negra estadunidense. Ela tem um capítulo para falar justamente sobre sua inspiração em Paulo Freire. Tem uma citação em que Bell Hooks simula, na verdade, uma entrevista consigo mesma, para que ela conte a sua experiência com Paulo Freire. Eu queria ler um trechinho porque ele simula muito bem, transmite muito bem o que significa a pedagogia da libertação, a educação popular como método de transformação da realidade para nós da Rede Emancipa. É bem curtinho. Ela diz assim:
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Muitas vezes, quando os estudantes e professores universitários leem Freire eles abordam a sua obra a partir de um ponto de vista voyeurístico. Quando leem, veem duas posições na obra: a posição subjetiva do educador Freire, no que muitas vezes estão mais interessados do que nas ideias e temas de que ele fala; e a posição dos grupos oprimidos, marginalizados, de que ele fala. Em relação a essas duas posições, eles próprios se posicionam como observadores, como quem está de fora.
Quando encontrei a obra de Freire, bem no momento da minha vida em que estava começando a questionar profundamente a política de dominação, o impacto do racismo, do sexismo, da exploração de classe e da colonização que ocorre dentro dos próprios Estados Unidos, me senti fortemente identificada com os camponeses marginalizados de que ele fala e com os meus irmãos e irmãs negros, meus camaradas, de Guiné-Bissau.
Eu acho que o principal da educação popular não é exclusivamente, não é apenas, a educação, o ato de fazer educação (Falha no áudio.)
... que é você fazer com que a pessoa aprenda a ler, aprenda a escrever. Tudo isso, na verdade, faz parte de um processo, como já foi dito aqui, cujo fim é fazer com que as pessoas compreendam o seu lugar no mundo.
Para a gente, quando a gente instrumentaliza a educação popular, através dos movimentos de periferia, esse é um ponto central, que é o ponto central de você desnaturalizar a realidade. É você perceber que o fato de a gente não conhecer sequer os processos seletivos das universidades públicas, por exemplo, não é natural que aconteça. Isso é feito assim de forma estratégica, exatamente para que a gente não acesse esses espaços. Perceber, por exemplo, muitas vezes, a naturalização do lugar das mulheres, das comunidades, dento da tarefa do cuidado, não da tarefa de protagonizar os movimentos de transformação, de estar, às vezes, numa universidade, numa mesa de debates, e elas ficarem em silêncio, não se colocarem, deixarem com que os homens naturalmente falem nos espaços, também tem a ver com a educação popular, porque tem a ver com esse senso de naturalização.
Quando a gente desnaturaliza a realidade, para a gente é uma chave fundamental. A gente vê que, de Angicos até 2021, existe um legado de Paulo Freire, uma forma de a gente instrumentalizar todas as suas elaborações teórico-práticas para uma transformação radical da sociedade. Desnaturalizar a realidade, para a gente, é um dos princípios fundamentais da prática da educação popular nas periferias do Brasil. Então, é a gente perceber que existem muitas formas de você atuar, por exemplo, a partir das realidades dos territórios.
Quando você pensa, por exemplo, em educação popular num território (Falha no áudio.)
... Brasil, onde fazer educação popular na periferia de São Paulo é uma coisa, mas fazer educação popular na periferia do Rio Grande do Norte é outra, fazer educação popular na periferia do Distrito Federal é outra completamente diferente, mas existe um sentido muito particular e muito único que une essas experiências que é o de você perceber que nada (Falha no áudio.)
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... enfim, a forma como (Falha no áudio.)
... sofrimentos únicos, seus, individuais, são sofrimentos coletivos, são sofrimentos que fazem parte de um sistema. Então, a educação sempre vai partir de um princípio muitas vezes estrito, como eu falei - queremos aqui fazer com que as pessoas aprendam a ler, queremos aqui fazer com que as pessoas aprendam a escrever -, mas o fundamental do Paulo Freire é perceber como mobilizar essa ferramenta da leitura, a ferramenta da escrita, não para fazer uma leitura do texto, especificamente, das palavras, mas para fazer uma leitura de mundo; fazer uma leitura de mundo, e não só uma leitura para apenas ler o mundo e comentar, apenas ler o mundo e interiorizar as amarras do mundo, mas fazer uma leitura de mundo para a transformação do mundo, para uma transformação radical da sociedade.
Então, para a gente da Rede Emancipa, enquanto movimento de periferias que vem aí já há alguns anos consolidando a sua pedagogia e atualizando os seus métodos, porque nunca é a mesma coisa. O que Paulo Freire fez há 50, há 60 anos, não é o mesmo método que se aplica às realidades das periferias do Brasil hoje. E não há problema algum em rever isso, mas há um fundamento nisso: reivindicar esse legado de Angicos até os dias de hoje é fundamental para nós, educadores de periferia, e deve ser fundamental para todos aqueles e aquelas que não só veem na educação uma ferramenta de educação, mas veem também na educação uma ferramenta de transformação. Isso para a gente é o fundamental.
Agradeço muito o espaço. Fico muito feliz de estar aqui. E espero que a Rede Emancipa, juntamente com todos os movimentos que estão aqui, professores e figuras públicas, também possa fazer parte desse legado de levar à frente toda a tarefa, toda a missão que Paulo Freire colocou para a gente.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nós é que agradecemos, Douglas. Nós é que estamos felizes com a sua fala, que justamente traz para muitos a lição de que nós não somos paulofreirianos ao pé da letra, como se estivéssemos aplicando hoje As Quarenta Horas de Angicos em qualquer lugar do Brasil. Obviamente, isso não faz o menor sentido. O que faz sentido, sim, é o conceito da coisa, aplicado e atualizado para as nossas realidades. E isso é muito desafiador. Eu estava aqui imaginando o que seriam As Quarenta Horas de Angicos na periferia de São Paulo, na periferia do Rio Grande do Norte, na periferia do Distrito Federal, como você colocou aí: quantas diferenças; quantas diferentes formas de atuar - inclusive por conta da torrente de desinformação que chega a essas pessoas hoje pelo telefoninho celular. Quanto esforço, quão hercúleo é tudo isso! Mas o que é válido é o conceito original, a questão do diálogo, da conversa, do aprendizado mútuo.
Heleno Araújo, que é detentor de uma Medalha Paulo Freire, se não me recordo mal, eu queria chamá-lo aqui.
Meu querido amigo, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e também Coordenador do Fórum Nacional Popular de Educação, Heleno Araújo, por favor, com a palavra - Medalha Paulo Freire. Meu querido, cinco minutos aí. Obrigado. (Risos.)
O SR. HELENO MANOEL GOMES ARAÚJO FILHO (Para discursar.) - Obrigado, Senador Jean Paul.
De fato, aqui o Conselho Estadual de Educação fez essa homenagem, que é uma homenagem coletiva a essa luta que nós desenvolvemos em Pernambuco e no Brasil. Foi muito gratificante receber essa homenagem, a Medalha Paulo Freire, pelo Conselho Estadual de Educação.
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Um forte abraço ao Senador Jean Paul, ao Senador Flávio Arns, ao Senador Esperidião Amin, às convidadas que continuam aqui conosco - Luiza Cortesão, Andressa Pellanda, Selma Rocha -, aos companheiros José Fernandes de Lima, Luiz Miguel, Marcos Guerra, Douglas, Lucas, assessores, assessoras e todos que nos acompanham.
A homenagem neste centenário de Paulo Freire dos segmentos e setores que defendem a Escola Libertadora, que estamos organizados dentro do Fórum Nacional Popular de Educação, espaço que a CNTE integra com muito orgulho, é estar fazendo acontecerem as etapas da Conape 2022, etapas municipais, intermunicipais, estaduais, distrital e nacional, nos dias 15, 16 e 17 de julho, lá na terra da Governadora Fátima Bezerra, que esteve aqui conosco.
Esta é a forma de colocar em movimento o debate, a ação, a reflexão que defendemos para a educação em nosso País. O tema central da Conape diz que é reconstruir o País, a retomada do Estado democrático de direito, ameaçada constantemente pelo Governo que aí está, a defesa da educação pública e popular, que está sendo negada pelo Ministério da Educação e pelo desgoverno Bolsonaro. Queremos uma escola pública, com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva, em que as crianças com deficiência têm espaço junto com as demais crianças, e com a qualidade social que historicamente defendemos para todas as pessoas.
O lema da Conape diz que a educação pública e popular se constrói com democracia e participação social. Reafirmamos a luta por nenhum direito a menos em defesa do legado de Paulo Freire. Esse é o lema com que nós trabalhadores, estudantes, conselheiros, gestores, que estamos organizados junto com os demais setores dentro do Fórum Nacional Popular de Educação e realizando a Conape, estamos colocando em debate em cada Município do nosso País, mobilizando, organizando as etapas municipais.
A Conape tem o documento referência com seis eixos e o objetivo é chegar no sexto eixo, que diz o seguinte: queremos construir um projeto de Nação soberana e de Estado democrático em defesa da vida, da democracia, dos direitos sociais, da educação pública e do Plano Nacional de Educação, que conquistamos em 2014 e vigora até 2024. Mas existe uma emenda golpista no caminho, que é a Emenda Constitucional 95.
E ontem, Nita Freire, nas atividades realizadas por diversas entidades em homenagem ao Paulo Freire, na sua fala reafirmava: "Se Paulo Freire vivo estivesse, estava do nosso lado, gritando 'Fora Bolsonaro', porque ele afirmou, e nós acreditamos: nós podemos reinventar o mundo". E nós, do Fórum Nacional Popular da Educação, acreditamos que podemos reinventar o nosso Brasil.
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Sigamos firmes nessa luta, porque essa homenagem do dia de nascimento de Paulo Freire vai se estender nessa nossa organização, mobilização e atuação. Nós nos encontraremos em Natal, de forma presencial, para marcar esse momento e essa construção importante para o nosso País.
Já deixamos o convite aqui para voltarmos a nos encontrar em Recife. O que não foi possível fazer este ano - colocar multidões nas ruas comemorando o aniversário de Paulo Freire - vamos fazer em setembro de 2022, e o convite já está lançado.
Um forte abraço a cada um e a cada uma. Sigamos nesta luta coletiva em defesa da vida e da democracia em nosso País.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, querido Heleno.
Será muito bem-vindo ao Rio Grande do Norte e a Pernambuco. Sempre o acolheremos com todas as honras e com todo o carinho que merece.
Eu acho que ninguém está mais próximo e conectado com as realidades de uma cidade, de um bairro, de uma rua, de uma escola específica, e, portanto, dos seus ocupantes, do que a seara municipal, o ambiente municipal. É por isso que agora vamos ouvir o Luiz Miguel Martins Garcia, que é Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime), por cinco minutos.
Luiz, muito obrigado pela sua presença também.
O SR. LUIZ MIGUEL MARTINS GARCIA (Para discursar.) - Senador Jean Paul, quero cumprimentá-lo e dizer da honra da Undime em se fazer representada nesta Mesa, neste momento histórico do Centenário de Paulo Freire.
Quero cumprimentar a Nita e todos os familiares; na sua figura e do Senador Flávio Arns, quero cumprimentar todos os Parlamentares presentes; na figura do José Fernandes e do Marcos Guerra, quero cumprimentar todos que tiveram a alegria de compartilhar momentos do Paulo Freire - e relatarei muito brevemente os meus momentos com o Paulo Freire. Quero cumprimentar a Andressa e o Lucas, e juntamente com eles as instituições de defesa da educação brasileira, o terceiro setor, toda a sociedade; quero cumprimentar o Heleno e o Douglas, cumprimentando aí o professor, o aluno e os trabalhadores nesse processo da alegria nossa.
Nós comemoramos na semana passada, de 15 a 17, num fórum - com frio na barriga - híbrido, com quase quatrocentas pessoas num espaço para mais de mil, em Brasília, mas com muita responsabilidade e vontade de homenagear o centenário de Paulo Freire.
A nossa temática foi o protagonismo da Undime nos seus 35 anos e o centenário do nosso presidente de honra, que assim foi escolhido ainda no finalzinho da década de 80.
É com muita alegria que eu tive a oportunidade - eu era um jovem, ainda mais jovem do que o Douglas -, e participava de uma sessão do Conselho Universitário da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e coincidiu com o momento da entrega do título de doutor honoris causa a Paulo Freire.
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E aquela imagem, registrada depois de uma foto em que nós, eu e mais dois colegas pedimos para tirar foto... E quem o conheceu melhor do que eu conheci sabe que estar com ele era ser afetado pelo afeto. Eu fui afagado num abraço e tenho esse registro histórico, que levo para a vida toda. Ele abraçou-me, eu tive o prazer de abraçá-lo e eu, com mais dois colegas, fizemos aquele registro.
Não sabia eu que o tempo iria nos fazer encontrar-nos novamente, na função de dirigentes municipais de educação, na função de presidentes da Undime. A Undime é uma entidade que representa os 5.568 Municípios brasileiros. Nós realizamos esse fórum e o nosso fórum... Eu quero trazer aqui à Nita, aos familiares e a todos que comemoram a alegria de termos nascido na mesma Pátria de Paulo Freire. Mas é na mesma Pátria de verdade, não é em uma outra Pátria aí em que tentam roubar-nos tantas coisas, inclusive a nossa bandeira.
Eu quero dizer que recebam, com imenso clamor... Eu aplaudo de pé, porque Paulo Freire recebeu de todas as delegações, de todos os Estados brasileiros. Ele foi aclamado, ele foi ovacionado e nós agradecemos a contribuição.
Eu poderia falar do Paulo Freire do passado, mas todos vocês aí podem falar melhor do que eu. Poderíamos falar do Paulo Freire acadêmico, mas todo mundo aqui também pode trazer melhores contribuições. Eu quero lembrar aqui e falar um pouquinho do Paulo Freire do futuro.
Quando nós olhamos para o desafio, olhando o tempo que ainda vivemos, tempos esses que dispensam comentários e que a mim ficará tragicamente marcado pela perda do meu pai, num momento de irresponsabilidade de um País, na falta de afago, de afeto, de amor ao ser humano, nós podemos dizer que nós dirigentes temos um desafio imenso que é como restabelecermos o ambiente escolar, a alegria da escola, a garantia de aprendizagem. Nesse período todo, a Undime pontuou pelo respeito à vida e o respeito ao direito à educação.
Eu quero falar muito rapidamente sobre o Paulo Freire do futuro, porque, quando alguém pergunta: "Tá bom, mas o que nós precisamos fazer para retornar às aulas? O que nós precisamos fazer para diminuirmos, sanarmos, enfim, os déficits de aprendizagem e garantirmos os direitos de aprendizagem?", eu digo: vamos a Paulo Freire. Quando nós, neste momento, falamos da importância das questões socioemocionais, quando nós falamos a respeito da acolhida aos alunos, aos familiares, aos profissionais da educação, enfim, acolhida da própria comunidade em volta, nós estamos falando de Paulo Freire. Quando nós falamos em educação híbrida, trazer o aluno como protagonismo, promover a interação e o professor atuar como o mais experiente no processo, nós temos um elemento que não é aquele central, que vai estabelecer trocas no que aparenta ser, para muitos, o mais moderno que se tem neste momento, nós estamos, de novo, falando de Paulo Freire.
Dessa forma, o futuro da educação, de novo, está nas mãos e nas ideias daquilo que Paulo Freire provocou-nos a fazer, com a sensação de que ele sistematizou.
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Como o Senador Jean muito bem colocou, é freireano, é paulofreireano dizer que não dá para achar que o que lá foi posto tenha ali petrificado, transformado em letras no papel. É vida, são conhecimentos que fluem, que vão buscando e se transformando.
Dessa forma, não tenho dúvida de que só ignora Paulo Freire quem padece de ignorância humana, quem padece de sensibilidade e de crença na vida e na transformação.
Esse meu pai, que tristemente eu perdi neste ano, era o meu companheiro de viagens, de todas, das físicas, nos Estados, para lá e para cá, depois que minha mãe faleceu, até das viagens mentais, dos sonhos. Ele era o servente da escola, a pessoa que lavava o banheiro, varria o chão e ficava no portão. E Paulo Freire fê-lo acreditar que a educação poderia fazer, pelo menos, com que as mãos do filho dele tivessem menos marcas do trabalho pesado do dia a dia e que pudesse haver uma transformação por meio da educação.
Não tenho dúvida de que é ouvindo, dialogando, interagindo com Paulo Freire que garantiremos uma política de garantia dos direitos da aprendizagem e que garantiremos a aprendizagem e a educação pública com qualidade social, que é a missão da Undime, missão essa que nós aprendemos muito com o nosso Presidente de honra e orgulho nacional, Paulo Freire.
Muito obrigado, em nome dos 5.568 Municípios e redes municipais brasileiras, por permitirem estarmos, neste momento, com vocês.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Luiz Miguel.
Queria reforçar, aqui, essa questão a que você se referiu do serviço da educação como direito, justamente até porque Andressa deve entrar agora para falar da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Queria aproveitar, rapidamente, para fazer um apelo para que vocês se mobilizem, porque ainda está vivo aquele Projeto de Lei 5.595, que tinha a intenção - a gente agora já percebeu que era realmente só a capa - de colocar uns tipos de protocolos de volta, uma coisa bem-intencionada, mas, ao final, nos seus arts. 1º e 2º, trazia o conceito escamoteado ou não tão escamoteado assim de educação como serviço. Aí, a pretexto de colocá-lo como essencial, habilidosamente, inseri ali a palavra "serviço". E continua vivo isso aí.
Nós estivemos conversando com relatoria, com tudo isso, na época, no Plenário. Retiramos de votação. Conseguimos convencer de que bastava trocar aquela palavra e de que o resto estava o.k., mas o pessoal resiste. Isso mostra que, realmente, a intenção não era o protocolo sanitário. Então, temos que estar muito alertas a isso.
Com relação à questão da digitalização, que todos mencionaram, temos de estar atentos à medida provisória que o Governo editou para, mais uma vez, evitar que se dirijam R$3,5 bilhões - R$3,5 mil milhões - para digitalização, para equipamentos, banda larga, smartphones, tablets para as escolas brasileiras, neste momento em que a gente já vive esta transição para o semipresencial.
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Quero conceder a palavra, imediatamente, à Sra. Andressa Pellanda, que é Coordenadora-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por cinco minutos, e depois ao Lucas também. Depois os Senadores falarão.
Obrigado, Andressa.
A SRA. ANDRESSA PELLANDA (Para discursar.) - Muito agradecida, Senador Jean Paul.
Estava mesmo comentando aqui com parceiros da campanha como esta audiência está sendo um oásis no meio do deserto. E o senhor traz justamente questões que fazem, às vezes, os nossos embates, as nossas lutas pelo direito à educação aqui no Senado e também na Câmara dos Deputados, esse deserto de aridez em relação ao direito.
Queria saudar todas as Senadoras e os Senadores presentes, na figura do Senador Jean Paul Prates, assim como também as ilustres presenças da Governadora Fátima Bezerra, uma histórica educadora e lutadora pelo direito à educação, também de Nita Freire e de Lutgardes Freire, que conheci por ocasião da visita da relatora da ONU para o Direito à Educação ao Instituto Paulo Freire, que foi um momento também muito emocionante; da querida Luiza Cortesão, que nos concedeu uma entrevista no podcast Eduquê, especial de Paulo Freire; e de Mario Sergio Cortella, que introduz o livro do Custo-Aluno Qualidade, o primeiro que é construído também numa metodologia freiriana; os companheiros Heleno Araújo, da CNTE, Luiz Miguel, da Undime, que são integrantes do nosso Comitê Diretivo da Campanha; Selma Rocha, José Fernandes Lima, Marcos Guerra, Douglas Gonçalves, que traz a representação da educação popular. Eu também me formei educadora freiriana. E assim como todos os demais convidados e convidadas presentes nesta celebração do centenário do nosso patrono da educação brasileira, o nosso mestre Paulo Freire, é uma honra para mim e para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação estarmos aqui.
Neste momento, que é tão simbólico, que é tão importante, em que a gente comemora este Centenário de Paulo Freire, eu gostaria de iniciar minha fala ressaltando o reconhecimento da obra do nosso mestre para a educação, para a filosofia, para a construção de uma sociedade mais justa, não só aqui no Brasil, como no mundo inteiro.
Esta semana, ontem, a relatora da ONU para o direito à educação, a Koumbou Boly Barry, nos disse que Paulo Freire não é só patrono da educação no Brasil, como deveria ser do mundo todo, dada a grandiosidade da sua contribuição em escala global.
A gente vive justamente, neste momento, num momento global e também nacional, que exige que façamos algumas reflexões que sejam também reflexões de ação, como ensinou Paulo Freire. E para isso eu gostaria de pegar emprestado algumas palavras das próprias palavras de Paulo Freire, que serviram no momento em que foram proferidas por ele, mas que permanecem muito atuais, como são todos os ensinamentos daquelas e daqueles grandes pensadores e agentes da humanidade.
Então Paulo Freire nos ensinou: Tenham a certeza de que uma das doenças mais trágicas de nossas sociedades é a burocratização da mente. Se você vai além dos padrões estabelecidos, considerados como inevitáveis, você perde a credibilidade. No entanto, não há criatividade sem ruptura, sem um rompimento com o passado, sem um conflito no qual é preciso tomar uma decisão.
Eu diria - Paulo Freire diria na época - que não há existência humana sem ruptura. E é preciso continuar essa ideia.
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E ele traz, em sua obra Pedagogia da Indignação, que é, entre aspas, nesse sentido, entre outros, que a "pedagogia jamais pode fazer concessão às artimanhas do pragmatismo neoliberal, que reduz a prática educativa ao treinamento técnico e científico dos educandos, ao treinamento e não à formação, à necessária formação técnico-científica dos educandos". Porque esse debate da pedagogia crítica não tem nada que ver com a estreiteza tecnicista que caracteriza o mero treinamento. É por isso que o educador progressista, capaz e sério, não apenas deve ensinar muito bem sua disciplina, mas desafiar o educando a pensar criticamente a realidade social, política e histórica em que é uma presença.
E aí fazendo coro aos ensinamentos que o Douglas citou também da educação popular e dessa metodologia freiriana, que é um conceito, é muito além de simplesmente um método. E esses são ensinamentos que a gente precisa trazer para o Brasil de hoje, para o Congresso Nacional de hoje. E, felizmente, estamos aqui discutindo Paulo Freire. E é nesse contexto em que a gente tem um debate de uma série de propostas, como mencionou o Senador Jean Paul Prates, que caminham justamente na contramão do direito à educação e dos preceitos da nossa Carta Magna, ou seja, da formação plena dos nossos estudantes. E essas propostas, essas pautas reduzem a educação a um mero treinamento, a um reducionismo que não deveria ser aceito por nossa legislação nem por nossas políticas educacionais.
Por fim, já concluindo, Paulo Freire nos traz alguns caminhos de como e por onde seguir, especialmente em momentos de crise da democracia. Para Freire, a esperança era uma prática de testemunho, um ato de imaginação moral que possibilitava que educadoras, educadores progressistas e outras pessoas pensassem de maneira diferente para agirem de maneira diferente. A esperança precisava estar ancorada em práticas transformadoras. E uma das tarefas do educador e da educadora progressista era desvelar possibilidades para a esperança, não importam quais sejam os obstáculos.
Então, precisamos, todos nós, aqui seguir tendo esperança, do verbo esperançar, considerando e aí, entre aspas, "que este Brasil há de se tornar menos feio". Ninguém nasceu para ser feio. Este País será mais bonito na medida em que a gente lutar com alegria e com esperança. O que muda é o jeito de brigar.
Então, seguimos com fé em nosso povo, em que este País um dia será menos feio e seguimos agindo com esperança freiriana pela garantia de todos os direitos da justiça social e da nossa democracia.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado a você, Andressa, também, e a todos que fazem a Campanha Nacional do Direito à Educação, desde 1999, lutando pela efetivação desses direitos educacionais. Nós ainda, como mencionei há pouco, sofrendo ataques à própria denominação constitucional desse direito.
Quero, sem mais delongas, para não sacrificar muito o Lucas, que já está por último. Lucas, mas os últimos são os primeiros aqui. Você é muito bem-vindo. Todos pela Educação é também um movimento importantíssimo para todos nós.
Lucas Fernandes. Eu não vou pronunciar o nome que está aí na tela, Hoogerbrugge, porque posso errar. Acho que você simplificou aí para Lucas Fernandes, por cinco minutos.
O Lucas é Líder de Relações Governamentais da organização Todos pela Educação.
Lucas, obrigado.
O SR. LUCAS FERNANDES HOOGERBRUGGE (Para discursar.) - Obrigado, Senador, pelo convite.
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É uma enorme honra estar aqui por vários motivos: primeiro, por quem celebramos, por quem nos convidou e por quem eu tenho grande prazer em dividir a mesa aqui. Então, eu nunca me imaginaria celebrando o centenário de Paulo Freire ao lado de Rita Freire, por exemplo, da Governadora Fátima Bezerra, do Senador Jean Paul Prates e de todos os outros Senadores, que têm feito um trabalho muito importante para a educação brasileira, especialmente neste momento difícil por que temos passado.
Eu vou começar com um relato. Eu comecei a trabalhar com educação lendo Paulo Freire, por causa de Paulo Freire. Minha formação inicial é na área de administração, enveredei para gestão pública, para políticas públicas, mas, logo no começo, o primeiro livro que eu li foi justamente Pedagogia da Esperança. Comecei a acessar outras palestras, outras falas do Professor Paulo Freire e fui me engajando em uma obra que é extremamente crítica, instigante, contemporânea. Ela é bela de muitas formas possíveis. Acho que os outros convidados, que me antecederam aqui, fizeram um trabalho belíssimo de pintar esse quadro do que Paulo Freire foi e continua sendo para todos nós.
Acho que é extremamente significativo o Senado Federal fazer essa celebração ao centenário de Paulo Freire num momento em que muitos de nossos jovens estão tendo seus sonhos potencialmente rasgados, como o próprio Paulo Freire dizia, não por uma inércia ou por um imobilismo dos educadores, de educadores que têm feito o melhor possível nesse período - muitos se colocando em situações extremamente difíceis para conseguir garantir o direito à educação perto dos seus estudantes, do alunado -, mas muito porque a gente não tem um momento de coordenação nacional. É simbólico que neste momento a gente tenha de alguma forma educação, sobretudo a de Paulo Freire, sob ataque. A gente tem um Governo Federal que não faz o seu papel, que tem tido uma postura, para dizer de forma muito elegante, apática, mas que, no fim das contas, não tem apoiado Estados e Municípios nesse processo e tem ido na contramão do que nós precisaríamos.
Então, o Senado teve um papel muito importante no Fundeb, na tramitação final da lei de regulamentação, quando pegou um pedaço do texto, que estava vindo da Câmara dos Deputados, na nossa leitura, equivocado, ajustou isso e devolveu para a Câmara, e, no final, a gente teve um Fundeb com uma qualidade muito superior ao que viria se aquela medida passasse; depois, com o 3.477, que foi aprovado nas duas Casas; o programa de Inovação Educação Conectada; enfim, toda a discussão do 5.595. Então, o Senado tem feito um papel muito protagonista, que é importante neste momento em que a gente tem uma total apatia do Governo Federal.
Eu acho muito curioso que haja essa perseguição a Paulo Freire por muitos que ou não entendem sua obra, ou sequer tiveram a intenção de ler, ou não têm a intenção de construir educação neste País, porque Paulo Freire é, como muitos falaram, reconhecido internacionalmente.
Eu tenho um relato pessoal. Eu tive a oportunidade de fazer mestrado em educação em Stanford, sob orientação do Professor Martin Carnoy, que falava de escolarização em estado democrático, em educação com imperialismo cultural. Ele tem uma série de obras de teoria do Estado e educação muito importantes. O Professor Carnoy, que é uma referência muito grande na área de educação comparada, tem uma carta de Paulo Freire, no centro de pesquisa que ele coordena, que foi enviada para ele em determinado momento e que ele exibe para muitas pessoas com muito orgulho, não só para os brasileiros que passam por lá, mas para outros professores de outras áreas, a quem ele sempre conta do legado de Paulo Freire, de como isso foi importante para a formação dele como professor e como intelectual na área da educação.
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Então, hoje a gente tem um contexto em que isso está sendo totalmente deturpado, negado, em que essa memória tenta ser distorcida, inclusive com propostas de Governo. O plano de Governo tinha como um dos principais elementos a desconstrução do trabalho de Paulo Freire, que sequer faz sentido algum.
Mas, se de alguma forma eu comecei a trabalhar na educação por causa de Paulo Freire, eu acho que o motivo por que eu continuo é também Paulo Freire. A gente vive esse tempo difícil, mas, como muitos falaram aqui, a gente precisa esperançar, porque, se de um lado tentam rasgar os sonhos dos nossos jovens, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, pretos e pretas, campesinos, comunidades tradicionais, povos originários, a gente vai precisar esperançar e trabalhar. Então, ter práxis mesmo para retomar da situação em que a gente está e conseguir trabalhar todas as lacunas de aprendizagem, o abandono, que deve aumentar nesse período, o vínculo com a escola, as dificuldades que a gente vai ter de reconstruir, de trabalhar as escolas com ambientes afetivos, acolhedores, ricos, culturais, diversos, potentes, plurais para que a gente consiga ter todas essas crianças, jovens e profissionais da educação trabalhando em sintonia, conseguindo se desenvolver plenamente, aprender e acessar as melhores oportunidades na sua vida. Se eu permaneço trabalhando na educação por causa de Paulo Freire, eu só posso ter a certeza de que não vão conseguir apagar Paulo Freire. A gente tem muita potência na nossa diversidade, nas nossas diversidades, a gente tem muita potência nos nossos saberes, no acúmulo que a gente tem na educação, na gestão da educação pública, no trabalho dos profissionais da educação. Então, certamente não vai ser um momento passageiro que vai fazer essa obra ficar para trás; pelo contrário, é essa obra que vai nos fazer ir para a frente.
Então, agradeço muito pelo convite. É uma honra para o Todos pela Educação participar deste momento. E nós iremos todos esperançar. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Lucas.
Eu quero imediatamente passar a palavra para também um dos nossos grandes líderes desta cruzada pela educação, de várias décadas já, o Senador Flávio Arns, que, além da trajetória brilhante, marcante para nós como referência, Senador Flávio, teve a grande honra e a missão de relatar o Fundeb aqui nesta Casa - eu, particularmente, presenciei isso com muito orgulho, muita admiração, Senador Flávio -, a PEC 26, de 2020, aprovada à unanimidade desta Casa.
Portanto, eu queria que todos que estivessem nos ouvindo aqui e os convidados também homenageassem e ouvissem atentamente o nosso querido Líder Senador Flávio Arns.
Com a palavra, Senador.
O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PODEMOS - PR. Para discursar.) - Eu agradeço, Jean Paul, Senador, amigo. É uma alegria estar junto com você, com todos os convidados, as convidadas e os familiares de Paulo Freire também.
É um momento, assim, importante para o Senado Federal. Estamos todos e todas juntos para celebrarmos o centenário do Patrono da Educação Brasileira, reverenciado no mundo inteiro, estudado nas melhores universidades de maior prestígio no mundo. É nossa obrigação nos lembrarmos da figura, da obra, do legado, dos desafios que ele colocaria para os dias de hoje.
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Dois Paulos estão sendo celebrados nessa semana. Na semana passada, tivemos a sessão solene para D. Paulo Evaristo Arns, centenário também, no dia 14 de setembro; e Paulo Freire, dia 19 de setembro.
Eu vi o documentário ainda feito sobre as duas figuras, Dois Paulos na Pauliceia, e achei tão bonito Paulo Freire sentado ao lado de Tio D. Paulo - permitam-me chamá-lo assim -, irmão do meu pai, dizendo que, muitas vezes, era requisitado a apresentar o currículo e ele estava pensando em colocar, no currículo, que ele tinha nascido no mesmo ano de D. Paulo, cinco dias depois de D. Paulo, e que, na verdade, os dois também se chamavam Paulo. Então, eu digo: que maravilha! O Brasil tem que reverenciar pessoas assim que constituem uma referência para o País no mundo inteiro e outras tantas em outras áreas. É preciso valorizar os brasileiros que têm um legado extraordinário a apresentar para as crianças, os adolescentes, os jovens, para todas as gerações futuras.
Na abertura desta sessão, quando foi apresentado o vídeo de Paulo Freire, ele trouxe verdades. Precisamos de dinheiro na educação. Todos nós concordamos com isso. Orçamento! Lugar de criança, de adolescente, de jovem, de adulto que precisa de educação é no orçamento. Então, essa coerência tem que sempre acontecer.
Ele também disse - eu acho que todos os brasileiros concordam com isto - que temos que ter competência técnica na educação - competência -, para conhecermos, fazermos, nos aprofundarmos. E, ao mesmo tempo, ele também destacou o fato, no vídeo introdutório desta sessão, de que nós temos que também fazer com que haja a leitura do mundo, quer dizer, do mundo e das palavras, mas considerar a leitura do mundo. E nós temos que pensar nisso também, porque metade da população do Brasil com mais de 25 anos não tem educação básica. Que educação queremos? Vamos levar em conta a leitura do mundo antes da leitura das palavras, quer dizer, vamos partir da realidade concreta dessas pessoas que sabem fazer as perguntas e não só cobrarmos as respostas, mas as perguntas que essas pessoas fazem em relação ao mundo.
Nesse próprio vídeo, Paulo Freire e as pessoas que falavam sobre ele lembravam: isso é educação para a libertação. É isso que nós queremos! Ninguém, no Brasil, vai discordar de que, se você tiver educação, acesso a esse direito humano essencial, você vai ter uma vida melhor. Como é bonito ver pais e mães muito simples dizendo: "Eu quero que o meu filho, a minha filha seja alguém na vida." E ser alguém na vida significa, pela educação, ter chances e oportunidades.
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É importante lembrar que Paulo Freire estava sempre ao lado dos que estão no fim da fila: os mais vulneráveis, os que mais sofrem, os mais oprimidos. Quem são esses, no dia de hoje, no Brasil? Onze milhões de brasileiros não alfabetizados; outros dez milhões de brasileiros alfabetizados no cotidiano da vida; 40% dos brasileiros sem o ensino fundamental completo e com mais de 25 anos de idade.
A gente fala para o Ministro da Educação: "Vamos estar, como Paulo Freire, ao lado dos que estão no fim da fila". A história, ele sempre enfatizava, faz-se com o outro e não para o outro - não existe mensagem mais atual, mais importante, mais necessária. Queremos ajudar a agricultura, vamos fazer com o agricultor; o comércio, com o comerciante; a educação, com o povo que está lá no fim da fila. Mesmo na área da pessoa com deficiência, sempre dizemos "autodefensoria", "auto-advocacia", "vamos escutar o que a pessoa com deficiência tem a dizer".
Com isso, Paulo Freire e D. Paulo chegaram às bases, às comunidades, às periferias, e foram chamados de comunistas, porque quem chega à base, na periferia, é subversivo, é comunista. Mas nós temos que pensar que, na base, na periferia, está metade, quase mais da metade da população do Brasil. Por isso, D. Paulo, inclusive, vendeu o Palácio Episcopal, para construir centros comunitários. Por isso, Paulo Freire sempre fala em libertar: a educação é libertadora; a pedagogia da libertação.
Mas qualquer pessoa, no Brasil, vai dizer: "Eu mando o meu filho para a escola, ensino fundamental, ensino médio, universidade, pós-graduação, porque ele vai andar com as próprias pernas pela vida afora". Coerência entre o pensar e o fazer, há muita coerência em Paulo Freire e, também, em D. Paulo, nos Paulos da Pauliceia.
Achei tão bonita a frase: "Eram tão humanos que só podiam ser divinos". Eram tão humanos que só podiam ser divinos! Que coisa mais linda, para a gente lembrar, para todas as pessoas, mesmo àquelas que, hoje em dia, criticam, fazem atos contra Paulo Freire, e dizer-lhes: "Olhem, não existem verdades mais verdadeiras do que essas que ele costumava colocar". Eles colocavam também: "Sejam alegres, sejam alegres e ajudem os outros." Isso é ser comunista, provavelmente, para a cabeça de alguns. Sejam alegres e ajudem os outros! No outro dia, o Padre Julio Lancellotti, na homenagem a D. Paulo, disse: "Olha o que D. Paulo falava. Veja uma área de que você goste, da agricultura, da criança, do idoso, do deficiente, da periferia, do povo de rua e se dedique a essa área. Seja alegre e ajude os outros!" E, para terminar, eu gostei muito também da fala do filho do Paulo Freire, que vocês repetiram nas falas seguintes, em que ele usou o verbo esperançar. E é verdade. O lema de D. Paulo era ex spe in spem, que significa "de esperança em esperança". Que esta sessão de hoje, de homenagem a Paulo Freire, aos Paulos e aos milhares de Paulos que estão aí no Brasil, porque há tanta gente boa se dedicando, seja para dizermos para eles: Esperança! Esperança! Organização do povo! Ir para base! Olhar para quem está no fim da fila. Não fazer para o outro, mas fazer com o outro. Mas tem outra palavra além de esperança: coragem. A gente precisa ter coragem nos dias de hoje para dizer "estes são bons, estes estão junto com o Brasil", e vamos convencer as pessoas a dizer que não existem realidades mais necessárias do que aquelas trazidas por pessoas no Brasil inteiro, entre elas os Paulos da Pauliceia que diziam "esperança e coragem".
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Parabéns, gente! Vamos, juntos, unidos, organizados, falar com as pessoas para dizer "olha, nós queremos diálogo, entendimento, sem radicalizações, sem polarizações". O Brasil precisa pensar no brasileiro, na brasileira e na sua educação libertadora.
Um grande abraço, gente!
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Senador Flávio.
Mais uma aula freiriana. Que aula maravilhosa, Senador Flávio! Muito obrigado. De fato, a todos que estão nos assistindo valeu demais esperar.
E parece que, de uma forma a adivinhar o conteúdo do vídeo, o terceiro vídeo tem muito a ver com o que o Senador Flávio acaba de colocar: as dúvidas sobre comunismo. Aplicaram, maldosamente, o conceito do comunismo ao Paulo Freire e a tudo que ele preconizava, e nós preconizamos junto. Seríamos todos nós comunistas?
Então, eu me permito passar o terceiro vídeo desta sessão, de dois minutos, antes do encerramento, para que todos estejamos na mesma paz do Senador Flávio Arns e de Paulo Freire.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nada mais atual, infelizmente, não é? Não só a parte de como é difícil explicar determinadas coisas que estão acontecendo no País, como principalmente a questão da denúncia e da resistência.
Eu quero agradecer a todos que fizeram parte aqui da nossa sessão especial, extremamente emotiva, até mesmo no início, e construtiva, ao longo das falas de vocês, trazendo não apenas a homenagem a Paulo Freire. Quem talvez começasse assistindo a esta sessão pensando que seriam apenas depoimentos históricos e de reverência ao patrono, talvez tenha se surpreendido com quão atual essa questão toda e todas essas questões que nós estamos, inclusive, aqui, debatendo, no Senado, no Congresso em geral, e no dia a dia da educação, principalmente nesse pós-pandemia, acabam sendo atuais.
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Portanto, quero agradecer, mais uma vez, à Professora Nita Freire; ao Lutgardes, filho de Paulo Freire; à querida Governadora Fátima Bezerra; à Luiza Cortesão, em Portugal; à Professora Selma; ao Douglas; ao Heleno; ao Marcos Guerra, professor querido; ao José Fernandes de Lima; ao Mario Cortella, que já teve de sair da sala, pois tinha um compromisso também; ao Luiz Miguel; à Andressa Pellanda e ao Lucas Fernandes.
Quero mencionar, aqui, que nós tivemos, ao longo de nossas atividades de hoje, a presença, online, da Senadora Zenaide Maia, do Senador Esperidião Amin, do Senador e Presidente Marcelo Castro, que também passou por aqui e não pôde esperar para fazer a sua fala, e também os demais proponentes desta sessão, Senadora Leila Barros, Senador Humberto Costa, Senador Jaques Wagner, Senador Paulo Paim, Senador Randolfe Rodrigues, Senador Veneziano Vital do Rêgo, além da presença - fisicamente aqui conosco - do Senador Fabiano Contarato e da fala-aula do Senador Flávio Arns, aqui conosco, no remoto.
Quero encerrar apenas com o que eu considero o lema da Pedagogia do Oprimido, aspas, de Paulo Freire: "Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas sobretudo com eles lutam".
Muito obrigado a todos.
Cumprida a finalidade desta sessão especial remota do Senado Federal, agradecemos às personalidades que nos honraram com sua participação.
Está encerrada a sessão.
Obrigado a todas e a todos.
(Levanta-se a sessão às 19 horas e 06 minutos.)