4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 29 de agosto de 2022
(segunda-feira)
Às 10 horas
88ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão especial semipresencial foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota, em atendimento ao Requerimento nº 23, de 2022, de autoria desta Presidência e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
Esta sessão é destinada a celebrar os 10 anos da Lei de Cotas.
Nós vamos fazer o primeiro encaminhamento. Vamos chamar a primeira mesa - serão três mesas - e, após chamar a primeira mesa, em seguida, a nossa querida cantora, que gentilmente aceitou o nosso convite, Kika Ribeiro, vai executar o Hino Nacional.
Então, para a primeira mesa eu chamo: Bruna Chaves Brelaz, Presidenta da União Nacional dos Estudantes - seja bem-vinda. (Palmas.); Frei David dos Santos, da Educafro Brasil - acho que ele não chegou ainda; Douglas Belchior, Professor de História e Cofundador da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos - participação presencial (Palmas.); Rita Cristina de Oliveira, Defensora Pública Federal e Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União - está aí a Rita? (Palmas.); José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, cuja participação será remota; Nelson Inocêncio, escritor e Professor da UnB - presencial. (Palmas.)
Se algum dos membros desta primeira mesa chegar, poderá de imediato subir aqui à mesa e usará da palavra neste período.
Eu convido agora, de imediato, a cantora Kika Ribeiro.
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(Procede-se à execução do Hino Nacional.) (Palmas.)
A SRA. KIKA RIBEIRO - Muito obrigada pelo convite! Foi uma honra fazer parte de dez anos de cotas. Gratidão!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar - Presidente.) - Eu reafirmo: aqueles que fazem parte da primeira mesa, ao chegarem, se dirijam à mesa para registrar sua presença e fazer uso da palavra no momento adequado.
Neste momento, em nome da Presidência do Senado, do Senador Rodrigo Pacheco, que, de pronto, atendeu à nossa solicitação e botou o requerimento em votação, eu falarei, claro, dando a minha posição sobre este momento histórico e, ao mesmo tempo, também a posição da Casa, que aprovou, por ampla maioria, essa política.
Amigos e amigas, sejam todos bem-vindos - tanto aqueles que estão à distância como os que estão presentes.
Celebramos hoje aqui os dez anos da Lei de Cotas em universidades públicas e institutos federais.
O país da esperança que buscamos no verbo amar e nas suas conjugações tem que ter um olhar para o passado, o presente e o futuro, para resgatar a dívida histórica com a nossa gente, ouvindo o coração, resgatando o beijo da dignidade humana, abraçando a luta contra o racismo e todas as formas de preconceito. O amor - início, meio e fim - não é um sonho provável, é uma utopia legítima de direito, de perspectiva, de mudança, de liberdade e está ao nosso alcance. As cotas são um dos caminhos.
Não há país, não há pátria, não há nação quando existe exclusão social, econômica, cultural e política, quando há miséria, pobreza, desumanidade, quando a fome eleva o choro de uma criança, quando há racismo e se mata pela cor da pele.
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Com a democracia, alcançamos a justiça, transformamos os descaminhos em caminhos. Sem ela é a barbárie. Vida longa à democracia!
Quando apresentamos o Estatuto da Igualdade Racial, já tínhamos colocado, lá no projeto, a política de cotas e o fundo para combater o racismo estrutural no Brasil. Mas, infelizmente, para aprová-lo, exigiram que tirássemos o fundo e também a política de cotas. Retiramos de forma estratégica. Assim, no dia 20 de julho de 2010, o Presidente Lula sanciona o Estatuto da Igualdade Racial, num belo evento no Itamaraty. Ali estão as diretrizes para as políticas públicas.
Esse debate não termina ali, esse debate foi para o Supremo. Eu, como único Senador negro naquela época, fui ao Supremo, numa audiência pública, para defender a política de cotas, e um outro, não negro, foi lá para ser contrário. Ganhamos no Supremo Tribunal Federal.
Faço um registro, aqui, histórico: os produtores do filme Raça filmaram todo aquele debate, que depois foi passado em todo o Brasil. Minha homenagem - e eu peço uma salva de palmas - ao Diretor Joel Zito. (Palmas.)
A partir daí, ficou mais fácil tramitar a proposta no Congresso.
No Senado, fui Relator do PLC 180, de 2008, política de cotas, na Comissão de Direitos Humanos, na CDH, e, depois, também no Plenário. Foi a vitória da gente brasileira. Destaco que a Senadora Ana Rita presidia a CDH à época, eu era Vice, e ela relatou na CCJ. Destaco também que veio da Câmara, como autora, a Deputada Nice Lobão.
Avançamos dizendo, no momento em que vivemos, da importância desse debate de combate a todo tipo de racismo e preconceito, que, com a democracia, nossas aquarelas são coloridas, como devem ser, pintadas pela essência do nosso povo, com os mesmos direitos para todos e todas, com a mesma igualdade de oportunidades, na amplitude do esperançar.
Não há meias verdades. Não há versões dos fatos quando o sangue preenche os sulcos da terra. As cicatrizes ficam nos corpos de negros e de negras, de índios, da nossa gente. Um dia, neste país, espero eu, a saga dos lanceiros negros e de João Cândido, o nosso almirante negro, serão reconhecidas, contadas, e eles estarão numa batalha que estamos travando aqui, já aprovamos.
Por isso, a resistência está em nós, no silêncio que fala, no grito que não cala, na história de homens e mulheres do nosso país que deveriam sim estar entre os heróis da pátria. Mesmo os dois que eu citei como exemplo ainda não estão, como tantos outros não estão.
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Devemos sempre acreditar e perseverar. Jamais desistir. Transpor montanhas, cruzar desertos. Disse o poeta: "O nosso destino é seguir em direção ao mar".
A boa luta é um ato de amor que nos leva à conquista da felicidade. Reafirmo: sim, a boa luta é um ato de amor que nos leva à conquista da felicidade. Reafirmo aqui a minha esperança no governo que virá.
Sim, repito, celebramos hoje, neste Plenário, os dez anos da Lei de Cotas nas universidades públicas e institutos federais, que foi sancionada no dia 29 de agosto de 2012 pela Presidenta Dilma Rousseff. Eu tenho a ousadia de pedir uma salva de palmas à minha querida amiga, que eu tive a honra de naquela tribuna defender pelo massacre cometido com o impeachment. (Palmas.)
Um marco no nosso país da dignidade humana e de um novo cenário: o da inclusão social, com a política de cotas. Destinam-se 50% das vagas para negros, pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência, estudantes de família com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita - os mais pobres.
Entre 2010 e 2019, o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%, provando que cota já é um sucesso - 400%. Merece os seus aplausos. (Palmas.)
A USP conseguiu quadruplicar o número de estudantes de graduação pretos, pardos ou indígenas entre 2010 e 2019.
No ano de 2021, o Instituto Insper declarou, baseado no Enem e no Censo da Educação Superior, que as universidades federais não tiveram redução no padrão acadêmico. A Lei de Cotas, repito, é um sucesso. Aqueles que diziam que ia diminuir a qualidade dos nossos formandos quebraram a cara. O sonho se tornou realidade.
A inclusão por meio da educação é um grande passo para a cidadania, para a igualdade - para a igualdade, sim, porque a educação liberta. A educação liberta.
Destaco que a Lei de Cotas - vocês vão aprofundar o debate aqui - não perde a vigência. Claro que terá que ser reavaliada, com a participação do Ministério da Educação, da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Fundação Nacional do Índio, para o seu aprimoramento e seus avanços. Melhorar, por exemplo, como o PLS 214, de 2010, que já aprovamos no Senado, que garante assistência estudantil e assegura aos estudantes em situação de vulnerabilidade moradia, alimentação, transporte, inclusão social, entre outros. Da mesma forma, o PL 3.434, de 2020, que também já encaminhamos aqui pelo Senado, que promove a reserva de vagas em programa de pós-graduação.
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Ainda em 2020, elaboramos - sempre com os movimentos negros e suas articulações, que sempre sustentaram nossos projetos aqui, e com a sociedade civil organizada - o PL 4.656, ampliando as cotas para as instituições privadas.
A Lei de Cotas muda a vida das pessoas para melhor, oferece oportunidades, horizontes, fortalece o direito de ter sonhos e de torná-los realidade.
Precisamos de cotas, sim, para que o Brasil deixe de ser o segundo país do mundo mais desigual.
Precisamos de cotas, sim, para combater o racismo estrutural. Ele, o racismo estrutural, está no olhar, nos gestos, na sociedade, em todos os lugares.
Esta luta, meus amigos e minhas amigas, é de todos nós: negros, brancos, índios, quilombolas, refugiados, sociedade, poder público, setor privado.
Para finalizar, eu quero dizer: eu venho de uma origem muito simples. O meu sonho era ser advogado. O direito a uma cadeira na academia me foi negado pela história e pelo meu país, mas o destino escreve os nossos caminhos, o destino me levou para outras situações. Fiz ensino técnico, fui sindicalista, fui constituinte, com quatro mandatos de Deputado Federal e três de Senador.
Uma vez, um jovem cotista falava comigo, e eu disse para ele: somos aquilo que acreditamos ser. (Palmas.)
Isso ninguém tira de nós, está na nossa alma e navega em harmonia com nossas inquietudes e com nossas lutas. É pura intensidade de vida e sentimentos. Não há sonho impossível.
Seremos, sim, queiram ou não queiram alguns, doutores, médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, economistas, professores, Deputados, Senadores, Governadores, Presidentes da República. Seremos o que queremos ser.
Sou um dos poucos Parlamentares negros no Congresso e um dos pouquíssimos Senadores negros da história brasileira.
Quero aqui saudar o grande Senador Abdias Nascimento, que foi um expoente pelo sistema de cotas e políticas afirmativas, como também foi a ex-Senadora e até hoje grande Deputada Federal Benedita da Silva. A esse homem e a essa mulher, eu rendo aqui as minhas homenagens. (Palmas.)
Precisamos de negras e negros na política, sim. Precisamos de mais indígenas, mais mulheres, mais diversidade nas instâncias de poder.
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Aos poucos, estamos melhorando. Hoje somos 49,9%. Eu diria que 50% das candidaturas do país são deste campo de atuação: negros, negras e índios.
Os movimentos negros foram fundamentais neste processo, no avanço legislativo das leis que dão garantias, na própria concepção que veio lá do Estatuto da Igualdade, assim como o foram na questão do Fundo Eleitoral para mulheres e negros e também do tempo de rádio e TV.
Mudou a lei? Mudou, porque houve essa mobilização, aqui dentro, de parte dos movimentos sociais. Agora teremos uma estrutura melhor na disputa eleitoral. Aqui fica o meu reconhecimento também ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal, a quem eu tenho a ousadia de pedir uma salva de palmas, porque eles foram fundamentais para essa lei ser regulamentada nos moldes que é hoje.
Terminando, nesses últimos anos, resgatamos e elaboramos mais de 30 matérias raciais e aprovamos no Senado mais de 16, entre elas o 5.231, de 2020, a abordagem dos agentes de segurança públicos e privados. É um absurdo a abordagem que sofrem índios, negros e negras neste Brasil. A Coalizão Negra por Direitos ajudou muito na elaboração desse projeto que tipifica como crime de racismo a injúria racial.
A injúria racial, já aprovamos duas vezes neste Plenário. Vai para a Câmara, volta, e não se aprova. Por que não se aprova? Em um, eu fui autor; no outro, eu fui Relator, mas não é isso. Eu dei parecer favorável de uma outra Deputada, mas foi para lá e parou. Nós não podemos mais suportar a injúria. Tudo vira injúria, e não há uma penalidade como teria que ser considerado crime inafiançável e imprescritível para quem comete o crime de injúria.
Há muito ainda por fazer no Congresso, nas políticas públicas, nos governos. Há muito por fazer para o nosso povo. É uma longa jornada construída por muitos, por todos nós, por todos vocês. Tenhamos o entendimento de que, a cada minuto e cada hora, a raiz dessa luta se fortalece.
Daqui a alguns dias, nós estaremos na primavera. Sim, a primavera vai chegar: a estação das flores; floração da alma; vida que renasce; dos pássaros que encantam com seus cantares; das estrelas, pois elas brilham mais, trazendo luzes de mudanças; das mil fontes e bandeiras a revoar pelo país.
Adiante vamos com a esperança dos jovens e dos idosos e as geografias que cortam pelo tempo as mãos calejadas do nosso incansável povo brasileiro.
Os sonhos que sonhamos são eternos; aquecidos de afeto, buscam um país justo - é só o que queremos -, igualitário, construído com palavras de paz, de amor e de justiça, um país do sentimento estendido ao outro em solidariedade e fraternidade.
Igualdade de oportunidades sempre! Inclusão para todos e todas!
Não ao ódio! Sim ao amor!
Vida longa à política de cotas!
Abraço a todos vocês! (Palmas.)
Eu sei que é um pouco longo, mas para nós é uma data histórica, Frei David, que chegou aqui.
Vejo o Thiago aqui, vejo tantos outros aqui desta primeira mesa que já chegaram.
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Já estão aqui, então, na primeira mesa, Bruna Chaves, Frei David, Douglas Belchior, Rita Cristina - eu já vou citar o nome deles e dar um pequeno histórico deles -, José Vicente, Nelson Inocêncio.
Então, de imediato, eu passo a palavra à Presidente da União Nacional dos Estudantes, a líder Bruna Chaves Brelaz.
Escolha. (Palmas.)
A SRA. BRUNA CHAVES BRELAZ (Para discursar.) - Bom dia a todas e a todos, bom dia aos lutadores e lutadoras do povo brasileiro, que têm, nesse último período, construído importantes desafios em defesa da educação.
Eu sou Bruna Brelaz, presido a União Nacional dos Estudantes. Sou a primeira negra nortista a assumir a UNE em 85 anos, completados no último 11 de agosto, e sou fruto da luta de Senadores como o Senador Paim, que se emociona e representa uma geração de figuras importantes do Brasil que garantiram a política de ações afirmativas nas universidades, que garantiram a possibilidade de meninos e meninas como eu e tantos outros acessarem o ensino superior. Portanto, homenageio, neste dia histórico em que se completam os dez anos da Lei de Cotas, o nosso Senador Paim, pela sua dedicação, junto com o movimento negro, junto com a sociedade civil, junto com os estudantes, para que a gente pudesse ter acesso ao ensino superior.
A UNE, juntamente com diversos movimentos deste país - movimento negro, movimento indígena, movimento social -, tem se debruçado a formular sobre os dez anos das cotas, e, nesse sentido, nós lançamos a nota técnica que visa a contribuir com o Brasil sobre os rumos do próximo período, reafirmar uma luta histórica que aconteceu nesses dez anos, a trajetória da Lei de Cotas para tantas gerações de jovens e os próximos desafios que nós teremos para que a gente possa aperfeiçoar essa política pública.
É bom lembrar - e gostaria de ler rapidamente - o art. 6º da lei, que define que o Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República serão responsáveis pelo acompanhamento e avaliação do programa de que trata essa lei, ouvida na Fundação Nacional do Índio (Funai). Vocês sabem que, no entanto, desde 2016, essa instituição não realiza nenhuma ação e nenhum acompanhamento estratégico dos resultados do sistema de Lei de Cotas. É importante responsabilizar.
Houve um esforço enorme de todos os movimentos da sociedade, houve um esforço significativo do Senado Federal, houve um esforço da Câmara dos Deputados. Porém, hoje, a Presidência da República segue inerte sobre esse tema e não consegue apontar nem ouvir a sociedade sobre os próximos desafios das cotas. O que hoje infelizmente nós vemos na Câmara dos Deputados - ao contrário do que nossos Deputados e Senadores apresentam, com políticas de ações afirmativas que reforcem a Lei de Cotas, com vislumbramento de aperfeiçoamento das cotas - é que existem aqueles que não querem acabar com as cotas integralmente. Existem aqueles que, nestas Casas, propõem a retirada do critério racial, e não há nada mais racista que propostas como essa.
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Por isso, nós como estudantes devemos repudiar - e todo o movimento social - e dizer que nós estamos na linha de frente. Ninguém irá mexer com a política pública, que deve ser permanente enquanto na sociedade houver desigualdade social e racial, que deve ser permanente enquanto uma menina e um menino negro seguem com suas vidas traçadas pela bala, enquanto uma mãe negra tem dificuldades de dar alimento para o seu filho, as três refeições diárias, porque o racismo estrutural neste país nos nega direitos.
(Soa a campainha.)
A SRA. BRUNA CHAVES BRELAZ - Para finalizar, é preciso reafirmar: em 1997, Racionais e Mano Brown lançaram o rap Capítulo 4, Versículo 3, em que denunciavam que apenas 2% dos estudantes universitários eram negros. Pois hoje, devido à política de cotas, o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400% entre 2010 e 2019, chegando a mais de 38% de estudantes matriculados nas universidades.
Essa é uma das conquistas de que o povo brasileiro se orgulhar. Hoje, se existem cotas dentro da universidade, é para se construir uma reparação histórica que traça o debate de desenvolvimento no país. Se hoje nós acreditamos que a universidade brasileira produz 90% da pesquisa do Brasil, é preciso garantir aos mais pobres, negros, indígenas...
(Soa a campainha.)
A SRA. BRUNA CHAVES BRELAZ - ... e PCDs para a gente traçar esse novo plano nacional de desenvolvimento.
Nós queremos fazer parte da pesquisa. Nós queremos fazer parte e ser voz. Nós não queremos mais ser estudados pelas elites brasileiras. Hoje nós podemos, com o nosso megafone, que é o diploma na mão, falar qual o Brasil que nós queremos. Essa é a nova sociedade brasileira que nós queremos ver.
E, a partir disso, discutir o acesso de políticas afirmativas dentro dos espaços institucionais é falar que é preciso fortalecer assistência estudantil, permanência estudantil para os estudantes mais pobres, que hoje entram no ensino superior e não conseguem vislumbrar do Estado brasileiro a possibilidade de terminar o seu curso, porque está entranhado dentro da crise econômica que assola o nosso país.
Nós não vamos arredar o pé da universidade. E, como dizia Emicida, a gente vai lutar por esse diploma com...
(Interrupção do som.)
A SRA. BRUNA CHAVES BRELAZ - ... a luta.
Viva a luta do movimento negro! Essa é uma luta do povo brasileiro.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bruna, é uma alegria enorme - viu? - você ir lá e falar tudo o que você falou para o nosso povo, para a nossa gente. Essa foi Bruna Chaves Brelaz, Presidente da União Nacional dos Estudantes. Fica aqui o nosso carinho e o nosso abraço pela fala. (Palmas.)
Agora eu chamo esse líder também, que eu aprendi a respeitar, e conversamos muito na elaboração de projetos, Douglas Belchior, Professor de História, cofundador da UNEafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos.
Douglas, o tempo é teu - são cinco, mas com a tolerância que a Presidência vai dar para todos.
O SR. DOUGLAS BELCHIOR (Para discursar.) - Obrigado.
Bom, eu estou emocionado por te ouvir, Senador, e estar ao lado de todos aqui.
A minha história de vida se confunde com a luta por cotas raciais. Eu comecei a fazer luta política a partir da luta por cotas raciais quando conheci a Educafro de Frei David, a quem eu peço uma salva de palmas aqui também. (Palmas.)
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E eu tenho aqui no Plenário, Senador Paim, dois amigos com quem eu iniciei minha trajetória também na política, que são o Thiago Thobias e a Isabel, que são meus irmãos dessa trajetória. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me que eu diga? Posso dizer aí?
O SR. DOUGLAS BELCHIOR - Sim, sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Trabalharam comigo os dois. Depois o Thiago se mandou para outros cantos, e a Isabel ficou.
O SR. DOUGLAS BELCHIOR - Não à toa se formaram no seu gabinete, em seguida.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Palmas para vocês! (Palmas.)
O SR. DOUGLAS BELCHIOR - É importante fazer esse registro porque a história fala, não é?
A história da gente informa, ela nos explica. E foi num cursinho popular... É claro que a história de vida da família nos educa. Eu sou filho de pai e mãe das Minas Gerais que vão para São Paulo para tentar a vida, e, na labuta diária, a educação sempre foi um elemento importante dentro de casa. Apesar da pobreza, a pobreza sempre foi acompanhada de livros, a pobreza sempre foi acompanhada da vontade da minha mãe de ver o filho estudar. E essa vontade provocada em casa me levou a me dedicar aos estudos da escola pública e conhecer o movimento de cursinho populares, que foi o meu caminho de chegada ao movimento negro brasileiro.
Num desses exercícios, um professor me apresentou um texto em que o autor, Rubem Alves, dizia que política vem de pólis (cidade), e a cidade é o lugar ordenado e manso onde as pessoas se dedicam à busca da felicidade, e o político, então, seria aquele que se dedica à administração da cidade para o alcance da felicidade de todos. E nós estamos aqui para celebrar uma política, para celebrar uma política dirigida a um povo que sempre teve seu direito negado, espoliado.
Então, a partir desta premissa da ideia de que política é um fazer que, de alguma maneira, garante vida ou cerceia a vida, a partir da dinâmica da organização do Estado, o espaço é onde se constrói futuro e direitos para as populações na sua diversidade.
O Brasil é um país forjado por uma escravidão de 400 anos em que o povo escravizado - população africana, seus descendentes, povos originários também - nunca abriu mão de ter na educação um objeto da sua vontade e do seu direito. Imaginar que no século XIX algumas províncias no Brasil proibiram a presença de pessoas descendentes de pessoas escravizadas, pessoas negras, no seu espaço educacional me arremete a uma pergunta: se existe uma lei proibindo a entrada é por que existe um contingente querendo entrar? Então, eu posso dizer que sim, que, mesmo ainda no período da escravidão no Brasil, a população negra gostaria, exigiu, queria frequentar esses espaços formais - fora a nossa ancestralidade, o nosso conhecimento ancestral, a nossa história de domínio da ciência desde a África. Quando a gente imagina que 40 anos depois de uma escravidão de 400 anos se forma no Brasil uma articulação chamada Frente Negra Brasileira, em que uma das suas principais atividades era organizar a sala de aula para que pessoas negras pudessem estudar com os negros letrados da época... Se você der um Google hoje, agora mesmo, e digitar "sala de aula da Frente Negra Brasileira", vai aparecer na sua tela uma sala de aula parecida com a sala de aula da Uneafro ou da Educafro ou de cursinhos populares.
(Soa a campainha.)
O SR. DOUGLAS BELCHIOR - Dessa maneira, a educação sempre foi um objeto da nossa vontade, da nossa luta.
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Quando a gente imagina protestos do movimento negro ali na década de 70, com pessoas carregando placas exigindo o direito à educação e, mais do que isso, exigindo que a bibliografia e o conteúdo tratado em sala de aula nos respeitassem, já eram os primórdios do que foi lá, em 2003, a aprovação da Lei 10.639; a luta do movimento negro, anos 80 afora, com o MNU; anos 90, com as diversas organizações; a formação e organização de frentes e organização de luta por acesso à universidade desde a experiência Steve Biko, na Bahia, que ainda hoje existe muito forte, desde o núcleo de consciência negra na USP, lá em São Paulo, desde a fundação do PVNC, no Rio de Janeiro, da Educafro, depois da Uneafro; redes de articulação e organização de gente preta, lutando politicamente pelo direito à educação, sabendo que, no caso...
(Soa a campainha.)
O SR. DOUGLAS BELCHIOR - ... o Brasil, um país organizado a partir da métrica hipócrita do mérito, tem na educação a sua principal régua de medição. Então, a garantia da vida passa pelo acesso à educação como uma métrica a ser avaliada vida afora. Não por acaso, da educação o povo negro sempre foi alijado, expulso, despejado. De maneira que é preciso dizer aqui que a luta pela política de cotas significa sobretudo luta pela vida do povo negro. (Palmas.)
E é com base nessa luta e nos resultados que eu quero ler aqui rapidamente um documento importante do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA), muito nobremente coordenado por Luiz Augusto e por Márcia Lima: a Lei de Cotas foi uma causa que virou política e uma política que deu resultados.
(Soa a campainha.)
O SR. DOUGLAS BELCHIOR - E, entre 2001 e 2021, o percentual de estudantes pretos, pardos e indígenas do ensino superior saiu de 31% para 52%; entre 2001 e 2021, o percentual de estudantes das classes C, D e E no ensino superior saiu de 19% e pulou para 52%; 71% dos textos acadêmicos publicados sobre as cotas consideram a política positiva, contra 12% que a consideram negativa e 17% que são neutros. Hoje a gente pode dizer, em alto e bom som, que a elite acadêmica brasileira hoje é negra. (Palmas.)
Hoje são estudantes, pesquisadores negros os que mais formulam, os que mais publicam, inclusive no mercado editorial. Nós somos responsáveis historicamente por esse avanço e é por isso que os fascistas gritam, latem tanto por esse país, porque eles sabem que, se nos deixarem sobreviver e se as políticas de estado garantirem a nossa vida, isso não tem volta; o Brasil chega a um lugar que nunca experimentou, a partir da experiência da vida do povo negro.
(Soa a campainha.)
O SR. DOUGLAS BELCHIOR - Com o Senador Paulo Paim eu tenho a honra de dividir esse dia histórico da sessão solene de dez anos da Lei de Cotas, porque este homem é parte e participou das últimas décadas da história do Brasil. Eu quero, na sua pessoa, Paulo Paim, lembrar nomes de pessoas que foram fundamentais para a gente chegar a esse momento. Eu sou daqueles que reverencio os mais velhos e que reconhece que, se hoje há uma estrada aberta para a nossa caminhada, é porque alguns abriram com o próprio peito, com o próprio corpo: Zélia Amador de Deus, que vai falar daqui a pouco, Profa. Petronilha, Prof. Valter Silvério, Edson Cardoso, Lúcia Xavier, Vânia Santana, Frei David, Hélio Santos, Luiza Bairros, Nilma Lino, Hédio Silva, Regina Adami, Edna Roland, já falei José Silvério, Vanda Menezes, Mônica Oliveira, Mário Theodoro, Regina Lúcia, Milton Barbosa, Iêda Leal, Nilma Bentes, Vilma Reis, Jurema Werneck, Márcia Lima, Sueli Carneiro, Vicentinho, Benedita da Silva, Vilma Reis, Dulce Pereira, Helena Theodoro. Nas pessoas desses todos e todas, eu reafirmo o nosso compromisso de continuar essa estrada que vocês abriram e essa luta ancestral pelo direito à vida do povo negro.
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Viva as políticas de cotas! Viva o Brasil que não volta atrás! E viva um possível futuro governo que vai retomar as políticas de direito à vida do nosso povo!
Muito obrigado, Paulo Paim. É uma honra estar ao seu lado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o nosso querido amigo, que tem me ajudado muito na construção de políticas via sua organização, a Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior.
Muito obrigado, Douglas. Você me permita que eu diga - aqui também não é segredo: cada um que sobe aqui fala: você, sicrano, beltrano - que esse é um provável Deputado Federal, viu? Ele vai chegar aqui. (Palmas.)
Ele não pediu nada para mim, não.
Agora passamos a palavra à Rita Cristina de Oliveira, Defensora Pública Federal e Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União.
Ela está aqui conosco, presencialmente, e nos tem ajudado muito também.
A gente fala: "apresentei tantos e tantos projetos". Eu não sou mágico, tenho uma equipe que está atrás: Frei David, Belchior aqui e ali, Rita - não é, Rita? -, sempre contribuindo para que isso aconteça. Ninguém faz nada sozinho, tudo é um coletivo. Por isso, é uma alegria vê-la na tribuna neste momento.
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA (Para discursar.) - Bom dia a todas e todos.
A alegria é toda minha, Senador Paulo Paim. Quero cumprimentá-lo efusivamente e todas as pessoas da mesa na sua pessoa e dizer que é uma honra mais uma vez estar aqui, numa sessão presidida pelo senhor, numa data tão importante, representando a Defensoria Pública da União, em especial o Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais, que eu coordeno.
Estou aqui com os meus colegas Defensores aqui no Plenário, Dra. Natália e Dr. Gabriel.
Eu queria aproveitar, Senador Paim, esse momento - e vou pedir a paciência do tempo de todos e todas e de V. Exa. - para fazer uma espécie de prestação de contas em relação ao trabalho do nosso grupo, em relação a um trabalho que nós desenvolvemos juntamente com a Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), desde 2020.
Antes eu queria fazer uma contextualização. Se eu pudesse dar um título para a fala que eu vou fazer agora, seria: os dez anos da Lei de Cotas e os desafios de uma política eficaz.
Bom, nós sabemos que a Lei 12.711, de 2012, conhecida como Lei de Cotas, que reservou vagas nas universidades federais e nos institutos de ensino técnico federais para estudantes oriundos de escolas públicas, de baixa renda, negros e negras, indígenas e pessoas com deficiência, resultou de um longo e duro histórico de tramitação legislativa, em cujo período as polêmicas em torno da proposta se concentraram sobre um grupo específico a ser beneficiado, entre outros contemplados na lei: justamente o grupo das pessoas negras.
Antes da Lei de Cotas, a primeira proposta em sentido semelhante foi do grande intelectual e Parlamentar Abdias do Nascimento. No PL 1.332, de 1983, Abdias pensou na ideia de ação compensatória, visando a um conjunto de ações de implementação da isonomia social no negro em relação às demais parcelas étnicas da população. O projeto, apesar de aprovado em três Comissões por unanimidade, nunca chegou à votação no Plenário da Câmara, e foi arquivado em 1989. Em 1997, Abdias tentaria de novo um projeto no Senado, o PL 75, direcionado a cotas compensatórias em órgãos públicos da administração pública direta e indireta, também para empresas públicas e sociedade de economia mista. Seguindo o caminho de Abdias, vários Parlamentares propuseram, ao longo da década de 90 e início dos anos 2000, diversas proposições dispondo sobre ações afirmativas.
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Esse panorama, senhoras e senhores, era um espelhamento das lutas sociais dos movimentos sociais negros, que, desde as etapas preparatórias da Conferência de Durban, também passaram a promover fortemente ações afirmativas nas agendas de reivindicações.
Entre os anos 2000 e 2010, a discussão da então proposta do Estatuto da Igualdade Racial contemplava ações afirmativas em sentido amplo no ensino superior, nos serviços públicos e privados, em partidos políticos, para candidaturas em cargos eletivos proporcionais, nas programações de TV...
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... nas peças publicitárias e diversas possibilidades de ações afirmativas. Em que pese a desidratação da concretude dessas propostas no texto finalmente aprovado, é inegável que o estatuto significou uma grande conquista política e um passo importante em direção às ações afirmativas de cotas raciais no ensino superior e no serviço público federal.
No esteio dessas mudanças estava a marca indelével das lutas sociais dos atores e atrizes do movimento negro brasileiro e do Sr. Senador Paulo Paim, como um lutador incansável e muito estratégico da nossa luta.
Somente em 2012, após um custo muito grande de processo de convencimento e de debate público acirrado, com muita estratégia política dos movimentos sociais negros junto com Parlamentares comprometidos - e aqui cabe destacar novamente a sua inestimável atuação, Senador Paulo Paim -, é que nós obtivemos...
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... a aprovação da Lei de Cotas no ensino público federal, na qual a reserva de vagas para pessoas negras, como sabemos, restou contemplada como uma subcota, demarcada preponderantemente pelo marcador social de renda. Uma vitória parcial, sim, mas que ainda assim revelaria um grande potencial transformador da estrutura social e dos espaços hegemonicamente brancos.
Resgatar esse histórico de luta dessa conquista no dia de hoje é importante para se ter a devida dimensão das trajetórias das lutas sociais e políticas que conduziram a realidade das ações afirmativas como conhecemos hoje, inclusive em benefício de outros grupos politicamente minorizados, e implica sobretudo reconhecer que nossos passos vêm de longe, como disse Jurema Werneck, e que as lutas ancestrais...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... de que nunca nada nos foi dado, sempre foi e será conquistado, nunca será tranquilo e que as alianças importam e muito, mas que as negociações só serão verdadeiramente democráticas quando nos incluírem como protagonistas das mudanças sociais.
A Lei de Cotas completa hoje dez anos de vigência, após enfrentar, como já foi dito aqui, mais uma polêmica discussão no que diz respeito ao seu processo de revisão, previsto no seu art. 7º e que chegou a ecoar ruídos, equívocos em relação ao encerramento da sua vigência, o que felizmente e rapidamente foi sufocado pelos militantes comprometidos com a defesa da lei. Não obstante, a revisão suscita um debate, que é necessário, sobre os mecanismos de monitoramento e avaliação da eficácia da lei.
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A esse respeito, o art. 6º, que já foi citado aqui pela Bruna...
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... é indene de dúvidas em atribuir ao Ministério da Educação e à Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial o dever de acompanhamento e avaliação do programa de que trata a lei, ouvida a Funai.
Ocorre, senhores e senhoras, que, nesses anos de vigência, nada foi feito de concreto nesse sentido, em que pese durante o Governo da ex-Presidenta Dilma Rousseff, que já foi mencionado aqui, ter sido iniciado um investimento no Sistema de Monitoramento de Políticas Étnico-Raciais (Simope), processo que infelizmente não teve seguimento nos governos seguintes. Chega-se, então, ao período que foi planejado para se avaliarem os indicadores da implementação da política sem o devido levantamento de dados e, portanto, sem a análise qualitativa desses indicadores.
E foi por isso que um esforço inédito e em paralelo, sem a dispensa do dever que incumbe aos órgãos competentes, que a Defensoria...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... Pública da União, por meio de um grupo de (Fora do microfone.) trabalho que eu coordeno, resolveu em 2020 requisitar informações pertinentes às universidades públicas federais, por meio da aplicação de um questionário, e essas respostas foram submetidas à análise qualitativa conjunto com a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras, resultando na pesquisa sobre a implementação das cotas raciais nas universidades federais que está sendo divulgada na data de hoje.
Convidamos todos a acessarem a pesquisa para compreenderem que as cotas raciais no ensino público federal, não obstante significarem uma inegociável conquista em prol da população negra, carecem da atenção dos órgãos responsáveis para, de fato, promoverem mudanças estruturais mais profundas no universo da educação superior e nas etapas que se seguem de acesso a níveis mais qualificados de trabalho e renda.
Os dados obtidos pela DPU e qualificados pela BPN dão conta...
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... de um quadro importante de avaliação em razão do elevado índice de respostas obtidas: cerca de 93% das universidades responderam total ou parcialmente à DPU. Essas respostas revelam um potencial informativo enorme e também as não respostas, no sentido de se avaliar o quão robustos devem ser os mecanismos necessários ao monitoramento da execução da lei, bem como nos servem de estímulo para cobrar dos órgãos responsáveis para melhor discutirem a forma de fazer o monitoramento e a avaliação da eficácia da lei.
O período analisado na pesquisa é de 2013 a 2019, e optamos por desconsiderar o período de 2020 e 2021, porquanto foi o período em que nós recebemos as respostas e precisávamos uniformizar os indicadores, e também para não considerar o contexto atípico pandêmico como influenciador da análise.
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - E alguns resultados eu queria destacar rapidamente aqui porque chamam a atenção para pensarmos os mecanismos de monitoramento e avaliação da lei. O primeiro resultado diz respeito às ofertas de vagas no ensino superior. As informações prestadas pelas universidades à DPU no período de 2013 a 2019, quando confrontadas com os dados do censo da educação superior de 2019, revelam uma tendência de oferta de vagas em percentual menor que o definido na lei, ou seja, em cerca de 40 universidades respondentes, constatou-se que a projeção de vagas calculada para o período de 2013 a 2019 foi inferior ao prospectado se a lei estivesse sendo plenamente implementada, com base nos indicadores apurados no Censo de 2019.
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Também restou constatado que a taxa de ocupação das vagas destinadas a pessoas negras foi proporcionalmente menor quando comparada a da concorrência em geral apurada...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... na maioria das universidades consultadas. O número de ingressantes para negros foi em torno de 300 mil estudantes no conjunto de universidades respondentes. Entretanto, o total projetado para o período de 2013 a 2019 para essas mesmas universidades respondentes, com base nos indicadores do Censo de 2019, seria de 470 mil vagas aproximadamente. Portanto, projetou-se um déficit de mais de 150 mil vagas não ocupadas, o que nos desafia a aprimorar mais o acesso via Lei de Cotas.
Esse resultado não reduz o fato de que houve, sim, um substantivo incremento de estudantes negros e negras nas universidades, como já restou apurado em várias pesquisas parciais citadas aqui, mas revela que, em comparação com os dados apurados no Censo de 2019, ano de plena vigência da lei em relação a todos os seus critérios...
(Interrupção do som.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... se revelou abaixo se comparado ao universo geral de ingressantes para o mesmo período.
Outro dado preocupante que chama atenção é quanto ao comparativo de estudantes cotistas matriculados, formados e evadidos. O número de matriculados nas universidades respondentes foi de 164.156, número que foi considerado ínfimo quando comparado com o total de matrículas informadas no censo, representando algo em torno de 2% do total de matrículas entre 2013 e 2019, o que significa um impacto ainda bastante limitado de matrículas de cotistas negros no universo de vagas do ensino superior no Brasil. O número de formados foi de 56.109, o que significou 4,5% do total de titulações no período avaliado. E sobre o quadro...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... do ensino superior se revelou um alto número, em torno de 94 mil, em uma camada de beneficiários que sabemos necessitar de maneira crucial da permanência estudantil para o êxito da política, o que, portanto, nos convida a pensar seriamente sobre a política de permanência estudantil.
Podemos destacar também que o tempo de vigência plena da lei, quando confrontado com os tempos dos ciclos de formação universitária, revela um quadro insuficiente para avaliação plena dos seus indicadores. Isso se reflete nos dados que foram informados à DPU e qualificados pela ABPN. Mais da metade dos estudantes ingressantes pelas cotas raciais ainda se encontram matriculados, pouco mais de um sexto se diplomaram e cerca de 30% se evadiram por motivos que ainda não foram precisados, mas possivelmente ligados a indicadores sociais que afetaram...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... os cotistas raciais e de baixa renda.
Também perguntamos sobre a implementação das cotas na pós-graduação, tentando avaliar o estímulo da política por meio da lei que reserva vagas na graduação. E os indicadores demonstram que esse estímulo, com base na autonomia universitária, embora tenha existido de fato, foi pequeno, considerando os anos de vigência da lei, bem como se deu de forma heterogênea, não regular, não isonômica em relação a todos os programas, e com o impacto reduzido de titulações. Em uma amostra reduzida de ingressantes, nesses programas, apenas um quarto obteve titulações de mestres ou doutores.
R
Outro programa identificado na pesquisa foi o que diz respeito ao tempo de adoção do mecanismo de heteroidentificação. Praticamente...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... apenas a autodeclaração foi o critério quase que exclusivo de verificação e de controle social, o que fragiliza a análise qualitativa quanto ao ingresso dos reais beneficiários da política, nesse período expressivo de vigência.
No esforço de tentar ler esse impacto, no período de 2016 a 2021, a DPU comparou que se por um lado nós tivemos 81.659 ingressantes nesse período, o número de autodeclarações recusadas pelo critério de heteroverificação foi de 3.700, o que nos suscita o dever de melhor investigar a adoção e o funcionamento desse critério de controle social, tão necessário à devida execução da política pública e no sentido de aprimorá-lo normativamente...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... tema crucial que já foi mencionado aqui: o monitoramento da política, que urge, Senador Paim, ser implementado de fato. A pesquisa da DPU junto com a ABPN demonstrou que ele inexiste, pois enquanto 84,7% das universidades recorrem a sistemas próprios, com divergentes mecanismos de alimentação de dados, outros 15% utilizam procedimentos frágeis em termos de capacidade de avaliação e transparência, ou seja, documentos em papel, planilhas de excel ou sistemas eletrônicos não padronizados.
Por fim, é importante destacar a ausência absoluta de articulação entre os órgãos responsáveis. Até hoje não foi constituído um comitê de monitoramento, que deveria existir, entre o Ministério da Educação e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Nada, em termos de pesquisas de indicadores...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... e no esforço de última hora, desastroso, o Ministério da Educação resolveu aplicar um questionário que - devo dizer - foi muito mal formulado e muito mal-intencionado. Pasmem, senhoras e senhores! A primeira pergunta desse formulário, desse questionário é se os administradores universitários acreditam que a nota dos cotistas é mais baixa do que a dos ingressantes pela concorrência geral.
Diversos indicadores foram constatados na pesquisa DPU/ABPN e merecem especial atenção, por ocasião desses 10 anos de implementação da lei. A questão que a nós compete, porém, é avaliar se as mudanças têm sido suficientemente alcançadas, o quão longe estamos das metas de isonomia de oportunidades para as pessoas negras no acesso à educação superior, na permanência estudantil e no êxito desse ciclo de formação.
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... de ingresso a níveis mais qualificados no mercado de trabalho e no serviço público, no enfrentamento do racismo epistêmico e na produção do conhecimento em nível superior. Trata-se, portanto, de assumir, nesta oportunidade em que relembramos toda a trajetória de conquista dessa legislação, a tarefa de avaliar os seus indicadores de implementação para pensar em aprimoramentos, estabelecimento de metas e aperfeiçoar seus mecanismos de avaliação. E isso, de forma alguma, fragiliza a política; muito ao contrário, a fortalece. Compõe o ciclo deliberativo que torna todas as políticas públicas de índole social verdadeiramente eficazes e inclusivas. E, através do sucateamento dos recursos materiais que são necessários à plena execução da política, que atualmente tem sido corroída...
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(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - ... instituída em 2021, para pensar estratégias em face do racismo institucional, aportou a experiência de pesquisadores e pesquisadoras e atuantes na política de cotas em uma proposta de aprimoramento que ficou contemplada no relatório do Deputado Bira do Pindaré ao PL 3.422, de 2021. E é nesse sentido que precisamos dizer que estas Casas Legislativas têm uma proposta robusta para discutir o aperfeiçoamento da lei em momento politicamente oportuno, em diálogo com a sociedade civil, com vistas a fortalecer a política para melhor atingir suas metas de inclusão social. Essa é a razão de ser das ações afirmativas. Daí por que são reconhecidamente transitórias, mas não devem jamais deixar de subsistir por tempo suficiente para atingir os resultados esperados de maneira...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA CRISTINA DE OLIVEIRA - Obrigada, Senador Paim.
Peço desculpas pelo excesso do tempo, mas era importante trazer esses dados. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nossa querida Defensora Pública Federal Rita Cristina de Oliveira, Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, você foi um pouquinho além do tempo, mas tão importante a comunicação que você deu que se deve dar uma salva de palmas de novo, agora. (Palmas.)
Era muito importante. Foi muito importante. Uma bela contribuição.
Claro que eu vou pedir, porque temos em torno de 23 painelistas e às 2h temos uma sessão importante aqui que vai votar aquela questão do rol de doenças que deverão ou não ser assistidas pelos planos de saúde privados... Nós estamos defendendo - um grupo grande de Senadores e Deputados - e nós queremos votar essa matéria hoje à tarde.
Então, faço um apelo a todos: se puderem, depois da brilhante exposição, ficar dentro de cinco, seis minutos, vai permitir que todos falem, senão 14h nós encerramos sem todos fararem.
Agora eu passo a palavra para o nosso querido amigo Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, que já está na tela.
A palavra é sua, Reitor.
O SR. JOSÉ VICENTE (Para discursar. Por videoconferência.) - Exmo. Sr. Senador Paulo Paim, dileto amigo e um dos mais importantes Parlamentares do nosso Congresso brasileiro, na pessoa de V. Exa., eu quero saudar todo esse Senado Federal da República e da mesma maneira transmitir um abraço muito afetuoso a todos os colegas e amigos que compõem (Falha no áudio.)... de oradores. Dessa maneira, quero transmitir a todos um abraço afetuoso de toda a comunidade acadêmica da Universidade Zumbi dos Palmares.
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Sr. Senador, este é um momento de júbilo para a sociedade brasileira, sobretudo para parte destacada desta sociedade brasileira, que somos nós os negros deste país.
Esses dez anos de cotas entregam para a gente a possibilidade do sonho e do otimismo de, efetivamente, nós nos encaminharmos para cumprir os propósitos que estão estabelecidos na nossa Carta Magna, sobretudo aquele sonho mais profundo de cada um de nós brasileiros, que é o de construir uma pátria em que todos, sem distinção de cor e sem distinção de raça, possam ter as mesmas oportunidades, possam ter as mesmas possibilidades de acessar todos os espaços públicos e privados do nosso país.
Este momento, em que nós celebramos esses dez anos das cotas, também permite que a gente faça uma revisitação do que foi a chegada até esses dez anos e, depois, permite, da mesma maneira, remeter um olhar para o futuro que está a nos esperar.
Esses dez anos que nós comemoramos... Para que houvesse esses dez anos que nós comemoramos, é lógico que houve toda uma revisitação de um passado imemorial e histórico da trajetória do negro no nosso país, mas houve também o esforço de um conjunto extraordinário de brasileiros que se juntaram na luta para fazer com que o país pudesse definitivamente acordar do seu sono dogmático de que nós éramos, então, uma sociedade estruturada em cima da democracia racial e de que, portanto, não havia raça. Se não havia raça, não havia racismo, e, se não havia racismo, eram suficientes as medidas universalistas, as medidas que pudessem atender a todos. E, dessa maneira, conseguiríamos combater e diminuir as desigualdades de toda natureza no nosso país.
Foi a luta, então, de todos que antecederam as cotas de 2012, que a Lei 12.711 estrutura, permitindo que hoje se completem dez anos, que permitiu, primeiramente, aquela luta importante para colocar as ações afirmativas no radar do olhar da sociedade, da classe política, da classe educacional do nosso país. Ainda no ano de 2002, nós instalamos as primeiras cotas nas universidades estaduais, como foi o caso da UERJ, e as cotas nas próprias universidades federais, como foi o caso da UnB. Mas, para chegar até a 2002, para levantar essa bandeira e fazer com que ela fosse vitoriosa, isso significou uma luta de muitos, o que antecedeu a própria instituição dessas políticas em 2012. Ali, naquela oportunidade, primeiramente, foi necessário que o povo negro fosse à rua, que as reivindicações fossem colocadas em todos os espaços e que todos se juntassem para o alcance de um objetivo tão importante.
Eu quero fazer um registro público do que foi a postura e a atitude do Governo Garotinho, que, no Rio de Janeiro, recebeu essa reivindicação dos negros e da sociedade carioca e que, ali, sem pestanejar por um momento, instituiu a primeira política de cotas do nosso país. A partir dessa política de cotas da UERJ é que se levantou, com uma força extraordinária, toda a manifestação da sociedade, para, ao final, implantar nas demais universidades federais e estaduais um regime de cotas, que construiu praticamente esse cimento, para que, depois, pudéssemos alcançar as cotas e agora comemorar os dez anos.
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E, de novo, outra vez, a luta que se deu ao longo desses dez primeiros anos para consolidar essas cotas é uma demonstração do esforço e também da dedicação de muitos brasileiros que se juntaram nesses esforços. E, por isso, eu quero registrar o papel extraordinário do Supremo Tribunal Federal e do Judiciário brasileiro como um todo. Nós acompanhamos, o senhor viu, todos nós vimos que foram quase quinhentos mandados de segurança primeiramente contra as cotas na UERJ e foram quatro ações diretas de inconstitucionalidade contra as cotas nas universidades federais. E o Poder Judiciário, tanto no Rio de Janeiro como também em Brasília, teve a grandeza e a sensibilidade, teve a justiça, a atitude justa de, ao final, entender que era uma medida que, além de necessária e isonômica, era também legal e constitucional. E, com isso, nós conseguimos dar este passo significativo que foi seguir adiante com essas cotas.
Em seguida, eu quero também fazer um registro, Senador Paulo Paim, da atitude, da postura valorosa da Presidenta Dilma Rousseff. Nós sabemos da luta de todos, nós sabemos quanto todos se juntaram para dar esse passo significativo. Essas pessoas foram cruciais para que nós pudéssemos ser bem-sucedidos nesse nosso objetivo, e a Presidenta Dilma Rousseff brindou o Brasil e os negros brasileiros quando, então, sancionou a Lei 12.711, que pela primeira vez instalava uma política pública dessa envergadura, dessa natureza no nosso país. E digo mais: com as cotas nas universidades, foi possível posteriormente dar um salto mais exponencial, de novo com a compreensão e com a colaboração da Presidenta Dilma Rousseff, que foram as cotas no serviço público federal. Então, essas duas medidas juntas se apresentam significativamente como as mais importantes medidas de políticas públicas afirmativas da história do nosso país.
E logicamente houve o papel deste Congresso e o papel que V. Exa. desenvolveu em todo esse interregno para que, ao final, nós pudéssemos enfrentar tudo e todos, consolidar essas medidas e permitir que completássemos hoje os dez anos, o que é digno de celebração de todos nós.
Por conta disso, Sr. Senador, eu quero dizer que seguramente essas medidas, as políticas afirmativas, primeiro nas universidades e subsequentemente no serviço público, são as mais importantes medidas civilizatórias do nosso país. Pela primeira vez, nós definitivamente constatamos - e também convergimos - que havia racismo no nosso país, que a raça era um dado importante que produzia distorção, exclusão e desigualdade e que era importante que o Estado brasileiro saísse da sua neutralidade para produzir uma medida específica para atingir e atacar um dano e um malefício que deixava metade do povo brasileiro fora das universidades.
Então, essa foi uma manifestação que depois permitiu que, primeiro, esses meninos chegassem às universidades, depois permanecessem e saíssem das universidades e mantivessem o nível das universidades onde sempre esteve e que permitiu definitivamente que hoje os negros sejam praticamente a maioria do público discente nas universidades públicas federais e também em muitas das universidades estaduais do nosso país.
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Então, por conta disso, eu conclamo todos que estão celebrando essa data a dizer que essa era uma luta do povo brasileiro, sobretudo do povo negro, que para essa luta todos se colocaram de pé e que esses dez anos que nós celebramos hoje são só um primeiro momento, são só a primeira etapa de uma luta permanente, que precisa e deve nos levar para um resultado final em que ninguém seja distinguido pela sua raça ou pela sua cor de pele no acesso aos espaços públicos e privados do nosso país.
Então, por conta disso, eu celebro, com cada um dos brasileiros, essa conquista valiosa e importante para todos nós, eu celebro, com o Congresso, com V. Exa. e com o Senado Federal, a pronta disposição de defender essa legislação e construir os seus aprimoramentos ao longo dessa trajetória. E, tanto quanto o senhor, convoco todo o povo brasileiro para que nós nos coloquemos de pé não só para ampliar, como para garantir e aprimorar essa medida tão importante, tão revolucionária, que está devolvendo ao povo brasileiro o sentido civilizador da igualdade, da justiça e da dignidade humana.
Muito obrigado pela gentileza e pela deferência.
Eu desejo a todos um ótimo dia. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Meus cumprimentos, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, DD. Reitor José Vicente, que tem feito um belíssimo trabalho - um belíssimo trabalho! - e já é uma referência para todos nós, fortalecendo o espaço para alunos e alunas negros, negras, índios e deficientes. Obrigado, Reitor.
Agora eu passo a palavra para o nosso querido escritor, Professor da UnB, Nelson Inocêncio, que fez uma fala um dia desses aqui, num convite meu, e eu disse: você vai ter que voltar nos dez anos. Ele: "Está bem. Eu volto". (Palmas.)
O SR. NELSON INOCÊNCIO (Para discursar.) - Saudações afrodiaspóricas, saudações afroindígenas, saudações indígenas a todas, todos, "todes".
A gente não poderia falar do que estamos colhendo hoje sem pensarmos os antecedentes. A III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata indubitavelmente foi um marco para que nós estivéssemos aqui e para que pudéssemos pensar o futuro das cotas raciais.
Várias pessoas que foram citadas por Belchior estavam presentes na conferência. Foi um momento difícil o final da segunda gestão do Governo Fernando Henrique Cardoso, que enviou José Gregori, que era o Ministro da Justiça, para representar o Estado brasileiro, mas é importante que tenhamos na memória que foi o primeiro momento em que o Estado brasileiro, numa conferência das Nações Unidas, uma conferência fundamental, assumiu a responsabilidade de fazer o dever de casa.
O Brasil foi signatário de várias conferências internacionais, mas jamais assumiu responsabilidade quanto às políticas internas para o desenvolvimento da população negra. Foi em Durban, em 2001, na África do Sul. Eu estive lá também, ao lado das companheiras e companheiros, malungas e malungos, cientes de que nós tínhamos um papel a fazer. Fizemos, inclusive, passeatas em Durban, pressionando o Estado brasileiro. Eu não esqueço que o José Gregori disse que aquele evento não seria um tribunal para o Estado brasileiro, mas ele estava enganado, porque de fato o que nós conseguimos foi reverter o jogo e fazer com que o Estado brasileiro ali, publicamente para aquela comunidade internacional, assumisse a responsabilidade em relação às políticas públicas. Então, eu acho que é fundamental a gente ter esse entendimento, essa breve memória que tem tudo a ver com o nosso encontro de hoje.
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Eu não quero ser voz dissonante, e não é preciso, não é necessário, até porque nós temos muito bem entendido nas filosofias de matriz africana, a gente sabe muito bem como lidar com os entendimentos, com as percepções divergentes. Mas eu quero lembrar, até pelo bem da política, pela continuidade da política, que nós precisamos ser críticos em relação a vários aspectos.
Há uma pesquisa sendo difundida, que foi apresentada pela Associação Brasileira de Pesquisadores - minto; eu sou membro da ABPN -, pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Segundo a Andifes, a população negra é maioria nos campi das várias universidades federais e estaduais. Bom, a pesquisa da Andifes é voltada para as federais especificamente.
Eu sou docente, eu estou dentro da universidade, eu sou da Universidade de Brasília, há 30 anos estou vinculado à Universidade de Brasília como servidor daquela instituição, que é considerada uma instituição inovadora, segundo o sonho de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Inovou, sim, num dado momento... Acho que a Lei de Cotas que a UnB tinha, inclusive, tem avanços em relação à 12.711, de 2012, mas a gente precisa estar atento em relação aos equívocos também.
Conforme foi dito pela nossa colega Rita, as fraudes, as ações fraudulentas são muitas na medida em que você só teve autodeclaração durante anos a fio.
(Soa a campainha.)
O SR. NELSON INOCÊNCIO - Então, ter a autodeclaração somente como referência para avaliar, isso não é critério - isso não é critério! -, e isso é extremamente danoso, isso é um desserviço à política.
Darcy Ribeiro dizia que a crise no Brasil, a crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto. Parafraseando Darcy, eu diria que o enfraquecimento das políticas de cotas do Brasil não é obra do acaso; é um projeto. Enfraquecer a política, sabotar a política é um projeto. É disso que nós estamos falando. Então, acho que é muito importante que a gente entenda isso.
Na Universidade de Brasília, eu participei de comissões que cancelaram diplomas, que cancelaram matrículas por razões óbvias. E nós só tocamos na ponta do iceberg. Há um contingente imenso de pessoas declaradas negras e que não têm o fenótipo que corresponda à política. Então, a defesa da banca de heteroidentificação é uma necessidade.
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. NELSON INOCÊNCIO - ... comissão de heteroidentificação na pós-graduação para curso de mestrado e doutorado e não termos comissão de heteroidentificação para graduação. Isso é um absurdo! Isso é surreal!
É óbvio que o processo... As universidades têm um mecanismo que a gente chama de autonomia universitária. As universidades podem fazer. Elas não dependem do MEC para tudo, entendeu? Então, é fundamental.
Existe uma nota, a Portaria 04, do Ministério do Planejamento, que aborda a necessidade das bancas de heteroidentificação. Está aí Roseli Faria, que não me deixa mentir, que foi atuante nesse processo, ativista negra.
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Então, no meu entendimento, é fundamental que olhemos para essas questões, para o devir - não é? -, para o que virá, para o futuro. A gente precisa entender que essas demandas são necessárias, até porque existe demanda na graduação, existe demanda na...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. NELSON INOCÊNCIO - ... nos concursos para docentes nas universidades. Então, nós precisamos pensar com seriedade sobre o controle social, o que o movimento negro, o que as entidades negras, o que a ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as) podem fazer para o aprimoramento da política.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, nosso querido amigo, escritor, professor da UnB, que deu mais uma bela contribuição aqui, o Prof. Nelson Inocêncio. Muito obrigado por tudo!
Nós temos aí, com a gente, dois Senadores, e eles pediram a palavra para também se pronunciar sobre o tema. Então, eu passo a palavra agora ao Senador Rafael Tenório, MDB, de Alagoas, terra de Zumbi, não é? Vamos lá, a palavra é sua, Senador.
E em seguida vai falar o Senador Guaracy Silveira, Avante, Tocantins. Daí fala o nosso querido Frei David Santos, concluindo esta mesa.
O SR. RAFAEL TENÓRIO (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - AL. Para discursar.) - Bom dia, Sr. Presidente, Senador Paim; bom dia, senhoras e senhores.
Como disse o Sr. Presidente, eu sou de Alagoas, onde tudo começou com o grande líder Zumbi dos Palmares. Sempre que tenho a oportunidade, vou visitar o museu, lá em União dos Palmares, em homenagem a esse grande personagem.
Quando a Lei de Cotas foi criada, já havia programas de reserva de vagas para a população negra em 80% das universidades públicas do país. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) foi a primeira que adotou o modelo, em 2003.
Os africanos não vieram para o Brasil livremente. Pelo contrário, vieram acorrentados, sob toda sorte de violência física e moral. Eles e seus descendentes trabalharam mais de quatro séculos construindo este país. A Lei de Cotas é uma medida de reparação histórica, é o reconhecimento pelos 400 anos de trabalho escravo a que o negro foi obrigado. A experiência com a Lei de Cotas no Brasil demonstra, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, entre 2010 e 2019, o número de negros na universidade no país cresceu 400%. O Censo da Educação Superior de 2018, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), comprova que a participação de indígenas no ensino superior aumentou 842% entre 2010 e 2017. Portanto, podemos dizer que a Lei de Cotas hoje é uma conquista que merece ser celebrada.
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Eu quero acrescentar aqui, Sr. Presidente, senhoras e senhores, o quanto o negro sempre foi discriminado neste país. Eu me recordo de que, no início da minha carreira profissional, eu trabalhava em um banco particular - isso há aproximadamente mais de quatro décadas -, e o negro não era discriminado descaradamente assim, como possamos dizer, mas ele era escanteado. Entre uma vaga cedida para um branco ou um negro, mesmo o negro atingindo, preenchendo todos os requisitos, ele era discriminado. Isso tem levado a debates constantes, e nós precisamos, de uma maneira definitiva, tratar o negro como ser humano...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL TENÓRIO (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - AL) - ... um ser digno, e acabar com esse preconceito bobo, que, em pleno século XXI, infelizmente ainda predomina em alguns setores. Há discriminações constantes em shopping centers, em entradas públicas, onde os negros são discriminados.
Então, Sr. Presidente, eu acrescentei mais esses fatos porque são, infelizmente, ainda uma realidade em nosso país.
E essa abertura foi tão criticada por tantos, quando surgiram as cotas nas universidades para que os indígenas e os negros pudessem participar; foi duramente criticada por pessoas insensíveis, desumanas...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL TENÓRIO (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - AL) - ... pessoas que não pensam no próximo, que não veem o negro como irmão, em todos os sentidos, porque não haverá discriminação na hora de todos serem enterrados.
Portanto, Sr. Presidente, eu finalizo aqui, parabenizando esse grande fato, esse grande dia.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senador Rafael Tenório, MDB, Alagoas, que falou lembrando a terra de Zumbi inclusive.
Senador Guaracy Silveira, Avante, Tocantins, por favor.
Nós estamos colocando cinco minutos para cada um, porque são... E Rafael se manteve na íntegra, viu? Foi pontual. São 25 painelistas.
O SR. GUARACY SILVEIRA (AVANTE - TO. Para discursar.) - Sr. Presidente, Paulo Paim, me agrada ver-te aqui porque sei como foste e és um Senador sempre atuante, um pouco comedido hoje por problemas de saúde, problema físico, mas sei que, há tempos passados, nós ficávamos, de segunda a sexta-feira, aqui, muitas vezes só nós dois, revezando-nos na tribuna e na Presidência. E me alegro em vê-lo com mais saúde e, com a graça de Deus, peço a Deus que o Presidente tenha recuperação total neste momento.
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Saúdo a todas as pessoas que estão neste Plenário e ao povo brasileiro, que nos assiste através da TV Senado e nos ouve pela Rádio Senado, espalhado por todo o Brasil.
Meus amigos, nesse aniversário, quando completa dez anos a Lei de Cotas... As leis sempre precisam ser aperfeiçoadas, mas acho que isso realmente foi um avanço justo e necessário. Nunca uma lei se torna totalmente perfeita; muitas vezes são necessárias correções com o passar do tempo.
Embora a própria lei de libertação dos escravos... Embora a Lei de Cotas não trate só disso, nós vemos que a libertação dos escravos começou primeiro com a proibição do tráfico; depois veio a Lei dos Sexagenários - quem tivesse mais de 60 anos estava livre da escravidão. Essa é uma lei interessante, porque quase ninguém vivia mais de 60 anos naquela época, então estava praticamente libertando quem estava já livre da vida ou liberto da vida -; a Lei do Ventre Livre, de 1871, e, finalmente, a lei de 13 de maio, de 1888, que é a Lei Áurea, concebida pela Princesa Isabel, que, para conhecimento de todos, também foi Senadora desta Casa e talvez a Senadora mais importante que já esteve nesta Casa. A Princesa Isabel também foi Senadora e teve a coragem de, naquele momento, desfazer o gabinete do Barão de Cotegipe e fazer um novo gabinete, para assim decretar a Lei Áurea.
Consequentemente, Senador, eu acho que ali também foi o princípio da queda do Império, o que eu acho que foi uma coisa muito ruim para o Brasil. Eu preferia que o Brasil fosse Império até hoje, mas esse é um problema meu. Assim é o meu pensamento.
Nós temos que nos congratular realmente com leis sociais e que melhoram o Brasil a cada dia.
Neste momento nós não podemos deixar de render homenagens...
(Soa a campainha.)
O SR. GUARACY SILVEIRA (AVANTE - TO) - ... à Princesa Isabel, meu Presidente, que realmente foi uma mulher de grande sensibilidade, arriscou o trono, a dinastia pela libertação de um povo sofrido.
Mas eu queria alertar a todos: temos hoje, na verdade, leis que procuram ser mais justas - e esse é o dever da Casa e esse é o dever de todos nós, como humanos, como religiosos, como clérigos, como gente, como pessoas que temem a Deus e respeitam o próximo, que a cada dia procuram melhorar mais as leis que protegem e amparam todos e nos ponham diante da égide da lei.
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Mas preocupa-me, meus senhores, minhas senhoras, povo do Brasil, meu Presidente, uma grande escravidão que talvez tome conta do Brasil no...
(Interrupção do som.)
O SR. GUARACY SILVEIRA (AVANTE - TO) - Para isso daí eu quero pedir a colaboração de todos os senhores, porque sei do ativismo, da luta... Nós estamos criando uma geração de pessoas realmente dominadas por uma escravidão drástica, dramática, uma escravidão que pode destruir a juventude do Brasil, pode destruir a juventude, pode destruir o Brasil do futuro. Eu falo, meu Presidente, da escravidão do tráfico, da escravidão do uso das drogas, principalmente das drogas pesadas.
Então, eu conclamo a todos, a esta Casa, conclamo aos senhores e às senhoras, se o Brasil não vencer o tráfico, não vencer o consumo de drogas, nós teremos uma geração de pessoas...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. GUARACY SILVEIRA (AVANTE - TO) - ... Presidente, dominadas pelas drogas e vivendo uma verdadeira escravidão. Para isso, é necessário que todas as pessoas que pensam, que têm responsabilidade civil, política, social e sensibilidade familiar, pensem no quanto a droga pode destruir o futuro do Brasil, pode destruir a nossa gente, a nossa juventude e liquidar talvez o futuro do Brasil e do mundo. Por isso, eu peço o empenho de todos. A droga destruirá o Brasil, mas antes disso vamos dar oportunidade a nós de destruirmos o tráfico e o uso de droga.
Que Deus nos abençoe nessa luta, que Deus esteja conosco, que Deus nos ampare. E, mais uma vez, Sr. Presidente, peço que tenha saúde. Deus o abençoe. Deus abençoe a todos. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senador Guaracy Silveira, do Avante, Tocantins, que faz aqui um fechamento demonstrando a sua preocupação com as drogas, que é a preocupação de todos nós.
Eu quero, antes de chamar o Frei David, só fazer três registros.
Está conosco a representante da Embaixada do Equador, Sra. Ana Maria Pinchincha Quito. (Palmas.)
Está aqui também a Secretária da Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, Sra. Fabya Reis. (Palmas.)
A presença da Diretora de Acessibilidade da Universidade de Brasília, Sra. Sinara Pollom Zardo. Seja bem-vinda também. (Palmas.)
E quero ainda, a pedido aqui da nossa jovem líder... Ela informa ao Plenário e a todos que estão assistindo pela TV Senado que ela poderia até passar o clipe aqui, mas, como veio meio em cima da hora, não foi possível, mas ela pede que todos assistam ao lançamento do clipe "As Cotas", no YouTube da @uneoficial, hoje, às 19h. Música do Chico César com a participação de vários artistas e personalidades.
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Eu tive a satisfação de conhecer a ideia, e só pela ideia eu vou dar uma salva de palmas. (Palmas.)
Ela me explicou aqui.
Vamos agora, então, convidar, encerrando esta mesa, Frei David dos Santos, da Educafro Brasil.
A palavra é sua, Frei. (Palmas.)
O SR. FREI DAVID SANTOS (Para discursar.) - Meu irmão Paim, que alegria estarmos nesta celebração dos dez anos! E, falando seu nome, quero parabenizar todos os demais Deputados e Senadores, demais guerreiras e guerreiros que nos ajudaram nesse processo. Quantos militantes históricos deram seu sangue, seu tempo, sua vida por essa vitória! E quantos militantes anônimos! Só a Educafro trouxe mais de 20 vezes ônibus lotados aqui, para este Senado, e para a Câmara para obrigar os Deputados e Senadores a botar em pauta a Lei de Cotas. Foi um processo dolorido no qual gastamos muito dinheiro do povo, porque o povo gastava com o aluguel do ônibus etc. e tal. Portanto, Senador Paim, esta homenagem que eu faço a você faço a todos esses irmãos e irmãs nesse processo.
Senador Paim, o segundo ponto que quero dizer é o seguinte: olhe só, eu entendo que a Lei de Cotas é algo supersólido. Um cara aí se elegeu Presidente dizendo que ia acabar com as cotas. No entanto, ele não teve coragem de mexer conosco. Isso prova que nós negros somos firmes, sólidos, com a solidariedade dos irmãos brancos. E, acima de tudo, a grande causa agora é garantir que as cotas na pós sejam uma política de Estado.
Eu quero lembrar a vocês que as cotas na pós aconteceram com muita pressão do movimento social. Estava a Educafro, a UNE e outras entidades em reunião com o Mercadante quando então exigimos dele: "Mercadante, faça uma comissão para poder a gente existir da Capes e do CNPq cotas no mestrado e doutorado". Ele fez a comissão. Gente, foi um ano e oito meses de reunião dessa comissão, e Capes e CNPq enrolando. Faltando um dia para a Dilma ser expulsa do poder, isso coincidiu com a nossa reunião, e a Capes falou: "Não vai ter assinatura porque a gente é contra isso aí". A gente foi, bancou. Telefonamos para o Mercadante e falamos: "Mercadante, vamos invadir o seu ministério se você não assinar o decreto de cotas de mestrado e doutorado". Gente, infelizmente, foi tenso o negócio. As últimas 24h do Governo Dilma e as cotas na pós foram uma luta, assim, de tensão e de estresse, mas vencemos. E, para o Mercadante, uma salva de palmas! (Palmas.)
Senador, a lei está aí. Ela tem que ser melhorada. Essa lei foi fruto de momentos de violência contra nós negros. Quantas vezes nas reuniões a gente entregou a mão para não perder o braço? Quantas vezes? Vou dar um exemplo para vocês: se vocês lerem, se vocês avaliarem a subdivisão das cotas e calcularem, na prática as cotas para negros nessa lei safada que está aí são só de 25%. Nós somos, Senador, 56,4% do Brasil! Por que temos só 25% de cotas? Ou seja, os Deputados e Senadores não nos enrolaram; tentaram nos comprar. E, para permitir que a coisa avançasse, aceitamos essa palhaçada da fragmentação, mas a gente quer agora corrigir. Senador, não aceitamos uma lei que não respeite a nossa proporcionalidade. Isso realmente é algo injusto! (Palmas.)
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Também é bom saber, com alegria, o quanto a gente conseguiu, enquanto negros, não esquecer os irmãos indígenas, não esquecer os irmãos quilombolas e não esquecer os pobres brancos. Eu nunca vi um grupo de brancos pobres lutando por cotas, mas a gente os colocou na lei, e eles estão beneficiados. E olhem só...
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS - Eu ainda não vi darem destaque, não, mas, se vocês avaliarem com precisão o resultado da Lei de Cotas, o principal grupo beneficiado não foi o indígena, não foi o quilombola, não foi o afro-brasileiro, mas foram os brancos pobres. Então, é uma injustiça os brancos pobres não estarem conosco nessa luta como deveriam, porque os principais beneficiados foram os brancos pobres. E, Senador, tem que corrigir isso, por favor. O Senado tem que corrigir esse erro, esse equívoco.
Senador, quero também lembrar ao senhor que, na nossa luta lá atrás, quando ia às reuniões, às plenárias das Comissão discutindo a Lei de Cotas, falamos que, de cada 100 pessoas que terminam o ensino médio no Brasil, mais de 85 são da rede pública. Então, a cota deveria partir disso daí, contemplar a rede pública e, ali dentro, contemplar o povo negro. Ora, no entanto, quando a cota parou em 50%, foi uma violência contra...
(Interrupção do som.)
O SR. FREI DAVID SANTOS - ... a Universidade Federal da Fronteira Sul, que já há oito anos adotou cotas de 93% para a rede pública, que é o mesmo percentual de rede pública dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Senador, no momento, tem mais de 60 leis tramitando - como as do senhor e de muitos outros -, mas a lei que está mais adiantada é a do PL 3.422. Há uma composição de Deputados e uma série de reuniões boas para fazer a lei avançar. No entanto, Senador, nós fizemos uma sondagem e descobrimos que o Presidente da Câmara, Arthur Lira, era contra sair do padrão da lei. A gente era a favor que a lei fosse aprovada agora, nesta legislatura...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS - ... a melhorar esse processo. Quando descobrimos que o Lira era contra, a gente pediu ao Deputado Bira uma reunião extraordinária. Ele, então, falou: "Frei, estamos na reta final. Essa reunião pode ser em agosto". Senador, realmente aconteceu. Em 2 de agosto agora, o Deputado fez uma reunião híbrida, vários de nós participamos online, outros de maneira presencial. E a gente conseguiu convencer os Deputados a tirarem o projeto de pauta. Por quê? Porque o Presidente Lira queria dar dois golpes em nós. Primeiro golpe: não permitir bolsa de auxílio estudantil nessa lei. E nós sabemos, Senador, que mais de 40% da juventude negra que abandonou a universidade, uma coisa que quase ninguém discute... É um volume imenso de jovens negros que abandonou a universidade com cota por não ter sustentabilidade. Quase 40% abandonaram...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS - Foi por causa da falta de bolsa para moradia e alimentação. O Deputado Lira falou: "Não entra na nova lei isso daí".
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Também, Senador, o Deputado Lira, Presidente da Câmara Federal, comunicou a nós que só iria permitir que a lei apenas renovasse por mais dez anos, e mais nada. Senador, apresente aí, apresente aí uma lei que beneficia o agronegócio que defina data de validade. Apresente aí uma lei que beneficia os bancos que apresente data de validade! Por que para nós negros tem que ter data de validade? Então, nós queremos respeito para com o povo negro! E na nova lei, que liberará o novo período, queremos que haja, portanto, essa abertura, e que a lei respeite - como tem nas demais leis - o povo negro. E queremos ser considerados ao longo desse processo!
Portanto...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS - ... os últimos pontos. Quando nós, em 1996... Olha só, a história não fala sobre isso, mas quando a Educafro, em 1996, abriu um processo na justiça contra a USP, exigindo cota da USP, em 1996 - é só vocês procurarem o processo lá, que até hoje está lá o processo -, a nossa defesa de tese era essa: a USP adota a meritocracia injusta e nós queremos a meritocracia justa. E aí, Senador, o nosso processo caiu na mão de uma juíza formada pela USP, e a doida da juíza... Oh, desculpe! E a juíza teve a ousadia de dizer: proíbo que vá adiante, arquive esse processo e a Educafro terá de pagar as custas do processo. Porque a única coisa que dá certo nesse Brasil é USP, e a Educafro quer colocar pobre, quer colocar negro para cair a qualidade da USP.
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS - ... que fez essa maldade conosco. E, portanto, a Educafro teve que pagar as custas do processo, em 1996. Foi a primeira luta de cotas com embate com a justiça.
Aí, Senador, para mim é fundamental mostrar para vocês isso aqui. Agora, para nossa alegria, a Universidade Harvard acaba de lançar um livro com o título A Tirania do Mérito, que está provando que o grande problema das universidades, dos concursos públicos e das empresas é ter uma compreensão equivocada de mérito. E nós queremos, portanto, propor às universidades todas que discutam as cotas a partir do combate à tirania do mérito, porque na verdade a meritocracia que as universidades adotam é injusta, maldosa e antiética.
Concluo, Senador, dizendo que a Educafro jamais aceitaria vir aqui no...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS - ... momento especial, agradecendo por tudo o que você tem feito por nós negros, a Educafro decidiu lançar a nova camiseta da Educafro com a nova proposta. E essa é a nova camiseta: "Vote na equidade. Mais afros eleitos com seu voto". Nós queremos assim dizer que qualquer pessoa que é candidata no Brasil inteiro, que queira essa camiseta, basta fazer contato com: juridico@educafro.org.br.
Nós queremos, com isso, doar essa camiseta ao Senador Paim, como lembrança desse momento, e dizer que queremos ver o seu voto dando força para que façamos uma grande bancada negra nos quatro cantos do Brasil.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David, Educafro Brasil, tem uma história bonita que orgulha a todos nós...
O SR. FREI DAVID SANTOS - Vou deixar aqui na sua frente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vou receber aqui, agora.
Aqui, aqui, aqui, primeiro aqui, depois eu boto ali. Aí, pode segurar, Frei.
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O SR. FREI DAVID SANTOS - Está ótimo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado, Frei. Vou deixar aqui.
Eu convido os senhores e senhoras para que retornem ao Plenário.
Eu vou chamar a segunda mesa.
Uma salva de palmas para essa mesa, foi brilhante toda ela aí. (Palmas.)
Segunda mesa.
Convido neste momento o advogado Thiago Thobias, mestre em Gestão e Política, Secretário-Executivo do Comitê de Diversidade e Inclusão da Fundação Getúlio Vargas, com a participação presencial.
Por favor, Thiago. (Palmas.)
Vai, vai, vai à luta, vai à luta.
Convidamos Nilma Lino Gomes... Não, a Nilma vai ser virtual, a Zélia também.
Presencial, não sei se está aqui conosco, Aptsi'ré Juruna, povo xavante, cotista do curso de Ciências Sociais - Antropologia, membro e Vice-Presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília, membro do Programa de Educação Tutorial (PET/SOL), participação presencial. (Palmas.)
Seja bem-vindo. Já recebeu as palmas.
Presencial também, Milena Moraes. Milena Moraes está presente? (Pausa.)
O.k., o.k. Milena Moraes, pessoa com deficiência, cadeirante, estudante cotista de Direito da Universidade de Brasília. Uma salva de palmas para ela, que já está se deslocando. (Palmas.)
Angélica da Silva Pinto, ex-cotista, mulher negra, quilombola, pedagoga e Conselheira Tutelar, pertencente à Comunidade Remanescente de Quilombos Júlio Borges, interior do Salto do Jacuí. Ela vai entrar virtual.
Então, neste momento, de imediato eu passo a palavra para o Dr. Thiago Thobias, que trabalhou comigo logo que saiu da Educafro. (Pausa.)
O SR. THIAGO THOBIAS (Para discursar.) - Bom dia a todos e todas. Um bom-dia especial para o meu grande amigo e mestre, Senador Paulo Paim.
É uma honra para mim, que escrevi dezenas de pronunciamentos nesta tribuna. Compartilhei com o Senador Paulo Paim as lutas pelo Estatuto do Idoso, da Igualdade Racial, da Pessoa com Deficiência, crianças, mulheres, indígenas.
Eu represento o assessor, aquele que traz a força dos bastidores da sociedade para ver a coisa acontecer. E a política de cotas é isso. Ela foi feita por muitas mãos, por muitos olhares. E, neste momento, a gente não fala só sobre a política de cotas; a gente fala sobre a jornada do negro do Brasil. A jornada do negro do Brasil começou quando o primeiro negro chegou escravizado aqui nestas terras. De lá para cá, nós passamos por muitos momentos. O primeiro momento de luta, de quilombagem foi de conseguir a liberdade, a conquista da liberdade. Várias leis foram feitas, mas nada foi suficiente para reparar a história do negro no Brasil.
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Quando a gente chega agora aos dez anos da política de cotas, a gente fala dessa jornada de aperfeiçoamento. Foi uma política que foi feita pelas bases, por mais de 3 mil cursinhos pré-vestibulares que surgiram no Brasil, por mais de 125 instituições de ensino superior que adotaram alguma política de ação afirmativa até 2012. Até lá, nós tivemos, primeiro, o Prouni, que reconheceu vaga pública em universidade privada, já com cota para negro, indígena e pessoa com deficiência. Em 2012, culminou esse grande movimento, que passou pelo STF, que passou pelo debate no Congresso Nacional, que passou pelo debate no Executivo. Aqui, eu quero lembrar o Henrique Paim, o Aloizio Mercadante e pessoas do Ministério da Educação que ajudaram e trabalharam muito não só para aprovar a lei, mas também para regulamentar a legislação. Qual era o grande debate? O debate era o seguinte: como é que você uniformiza essa legislação em todo o país? E não são só as universidades; são as instituições técnicas de ensino, que também têm cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência.
A revolução do negro vem pela educação. A revolução do negro, com a política de cotas, vem com o olhar sistêmico do negro pela educação. Nós não estamos olhando somente o ensino superior. Nós estamos olhando a educação básica, o Sistema Nacional de Educação, a formação de professores. Nós estamos olhando a pós-graduação. Nós estamos olhando o acesso, a permanência e o sucesso.
Neste momento de revisão da política de cotas, ressalto a grande importância de olhar para o futuro, de olhar para como esses meninos e meninas negros estão ingressando no mercado de trabalho, porque, afinal de contas, o Brasil ainda é o país do "eu conheço A, eu conheço B", da famosa network e do jeitinho. Nós precisamos ter uma política de aceleração para esses jovens negros. Nós precisamos ter uma política de permanência que garanta a permanência, que garanta o acompanhamento acadêmico, quando necessário, e também a fala sobre a questão da saúde mental. O negro é submetido, a todo instante, a provas de racismo. Como é que um pai explica para um filho que vai a um restaurante o fato de ele ser olhado de mau jeito? Como é que um pai explica para um filho o fato de a criança ser rejeitada na escola? O racismo está no dia da nossa sociedade, está no dia a dia. Então, destaco a importância do impacto da saúde mental; isso é extremamente importante.
Quando olhamos para o futuro, pensando sobre acesso, permanência e sucesso, nós temos que pensar a política de cotas de forma permanente. E aí, Senador Paulo Paim, eu falo o que o senhor colocou no seu pronunciamento: é hora...
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO THOBIAS - ... da reparação, que está só começando. Por quê? Precisamos do Fundo de Promoção da Igualdade Racial. Não é possível que não tenha política para empreendedores negros! Não é possível que uma estatal não coloque política para empreendedores negros! Não é possível que, no Orçamento da República, tenha orçamento secreto de bilhões e não tenha uma política para a comunidade negra no Brasil!
Precisamos do Fundo de Promoção da Igualdade Racial! E a nossa proposta, Senador Paim, é: o fundo pode ter um imposto de reparação da escravidão, porque, afinal de contas... Vamos pensar na Guerra do Paraguai: quantos negros foram massacrados! Eu estive no Rio Grande do Sul. Eu conheci e vi a dor dos Lanceiros Negros, que foram massacrados por conta do bicentenário que está sendo comemorado agora. E não vem o recurso reparatório!
Temos que taxar as grandes fortunas. Taxando as grandes fortunas, vem a reparação pelo Fundo de Igualdade Racial. Se for aprovada uma legislação como a do canabidiol, que ajuda milhares...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO THOBIAS - Tem que ter taxação de impostos para a reparação e o combate à escravidão!
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Então, neste momento dos dez anos das políticas afirmativas, a gente olha para a educação pública com a presença constante do negro, o acesso às universidades que precisam ter bolsa permanência e também olhando para o futuro, para a ponte da empregabilidade e para que tenha um fundo de reparação concreto para continuar a jornada do negro no Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Thiago. Muito bem, meu grande Thiago Thobias, advogado, mestre em Gestão e Política, Secretário Executivo do Comitê de Diversidade e Inclusão da Fundação Getúlio Vargas. Meus cumprimentos, Thiago. É bom te ver com esse pique todo aí.
O Thiago e a Isabel vieram com o Frei David fazer uma palestra na Comissão de Direitos Humanos, num outro grupo de jovens, e daí eu pedi para o Frei David: "Esses dois não podem ficar comigo aqui?". Ele: "É só falar com eles que a gente ajeita". Eles ficaram um longo período comigo. Quantos anos faz que iniciou?
O SR. THIAGO THOBIAS - Foi de 2008 a 2012.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De 2008 a 2012, 14 anos.
Depois o Thiago foi para o MEC a convite do Mercadante e do Lula, não é? E a Isabel continua até hoje conosco. Muito bem, Isabel.
Agora vamos, então, passar a palavra para o nosso querido Aptsi'ré Juruna, do povo xavante, cotista do curso de Ciências Sociais e Antropologia, membro e Vice-Presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília, membro do Programa de Educação Tutorial, com participação presencial.
É com você.
O SR. APTSI'RÉ JURUNA (Para discursar.) - Bom, vamos lá.
Primeiramente, bom dia, Senador Paulo Paim. Bom dia, colegas de mesa. Bom dia, colegas e amigos parceiros indígenas que estão presentes aqui na plenária.
É uma grande felicidade eu estar fazendo essa exposição aqui numa data tão importante para o reconhecimento da importância do acesso à educação superior de qualidade.
Também vale ressaltar que, de uma forma ou de outra, eu estou, juntamente com AAIUnB e com outros componentes aqui presentes na plenária, representando mais de 70 mil estudantes indígenas que estão no ensino superior, dados esses que foram socializados recentemente através do Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas, que ocorreu na Unicamp, em Campinas, São Paulo. E, desse número de 70 mil, 40% estudam em universidades públicas.
Como o Senador bem expôs, meu nome é Aptsi'ré Juruna, sou do povo indígena xavante, da Região Centro-Oeste do país, Estado do Mato Grosso, Terra Indígena São Marcos, aldeia Namunkurá.
Tive o grande prazer e a grande felicidade de ingressar aqui na UnB, em 2019, no curso de Ciências Sociais e Antropologia, e creio que, nesse sentido, pelos vários colegas que expuseram antes de mim aqui, eu sou fruto disso, eu sou fruto dessa lei que começou há dez anos, eu sou fruto dessa ação que começou um pouco antes da Lei de Cotas, no caso me referindo à questão das ações afirmativas em si, porque infelizmente não são todas as universidades ainda que dispõem de mais essa forma de acesso.
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Através das cotas, eu pude contribuir muito, Senador, para a instituição, muito para o meu curso em si, muito para o meu professor, muito para os meus colegas, no sentido de desconstruir vários estereótipos errôneos que, infelizmente, a maioria da sociedade tem para conosco, povos indígenas. E, através dessa desconstrução, ao mesmo tempo, houve várias contribuições singulares que eu pude exercer nesse período de universidade pública. Pude contribuir para o ingresso de vários estudantes indígenas ao ensino superior gratuito de qualidade. Falo aqui que, através da minha participação em uma pequena comissão, formada por três pessoas, essas três pessoas... A gente conseguiu, em 2018, a implementação do primeiro vestibular indígena na universidade estadual de Campinas, a Unicamp, feito esse que se deu através de uma grande articulação, por volta de dois anos, e realmente eu pude contribuir e ajudar outros parentes indígenas das cinco regiões do país a também terem essa chance de ingressar num...
(Soa a campainha.)
O SR. APTSI'RÉ JURUNA - ... curso superior de qualidade e para, posteriormente, contribuir da melhor forma possível nesse retorno - depois de formados - desses acadêmicos às suas respectivas regiões.
Creio que tem vários outros exemplos de contribuições singulares de estudantes indígenas quilombolas e estudantes não indígenas que estão infelizmente na beira da vulnerabilidade socioeconômica de que eles realmente têm essa singularidade de poder contribuir muito, poder contribuir além.
Tem essa questão que a própria colega da UNE citou, no sentido de alguns projetos de lei que tramitam na Casa com a intenção de criar...
(Soa a campainha.)
O SR. APTSI'RÉ JURUNA - ... barreiras, criar empecilhos para o acesso ao ensino superior de qualidade. O que é que eu quero dizer? Eu creio que a gente chega a um momento de reflexão e pode fazer esta pergunta para si mesmo: quem são as pessoas, os autores desses PLs que criam esse empecilho ao acesso ao ensino superior? Creio que essas pessoas que estão fazendo essas ações são pessoas que realmente não dependem do sistema de cotas para ingresso na universidade e também pessoas que não passaram metade do que nós passamos para estarmos aqui, fazendo essa exposição, estarmos na universidade, enfrentando não leões, mas uma coisa, uma luta, uma labuta diária, todos os dias...
(Soa a campainha.)
O SR. APTSI'RÉ JURUNA - ... dificuldade com professor, com colegas, ambientação a novos espaços...
Eu creio que... Através da minha ótica também, pelo meu entendimento, eu percebo também que a Lei de Cotas não termina por aí, ela é só um degrau de uma escada muito grande que a gente tem que percorrer. Após o acesso da pessoa ao ensino superior, temos que garantir, como outros colegas citaram também, a permanência. Se não há permanência, não há viabilidade nenhuma de o estudante negro ou o estudante indígena que sai da sua região, que sai de um outro estado ficar em uma cidade que tem um dos custos de vida mais altos do país sem um suporte financeiro que seja adequado. Tem pessoas que ingressaram comigo, em 2019, falando em relação a...
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(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. APTSI'RÉ JURUNA - ... não foram inseridas no sistema de Bolsa Permanência do MEC. Aí em que situação a gente fica? Por um lado, a gente fomenta essa questão, essa inserção do estudante através da Lei de Cotas, mas, por outro lado, a gente não garante uma estabilidade financeira para que esse estudante se forme ou para que esse estudante permaneça no seu curso. O que eu quero dizer? Que a Lei de Cotas realmente veio, ela não volta mais, ela veio para ficar, mas só ela não basta - só ela não basta! Temos, infelizmente, vários leões para a gente matar antes que a situação se torne realmente simétrica para vários segmentos que não têm a mesma oportunidade que pequenos grupos têm aqui no Brasil.
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. APTSI'RÉ JURUNA - Finalizando aqui, eu creio que vale a pena expor também que, através do acesso a um estudo, através de uma educação de qualidade, a gente consegue um trabalho de qualidade e, posteriormente, uma qualidade de vida melhor, e, após a qualidade de vida melhor, a gente constrói uma sociedade melhor.
E, no caso, já indo para o finalmente, infelizmente a gente não tem, não é contemplado com a Lei de Cotas na maioria das universidades do país. Por exemplo, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lá é implementado o sistema de Lei de Cotas, mas a mesma universidade não dispõe de políticas afirmativas, coisa que a Universidade de Brasília foi...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. APTSI'RÉ JURUNA - ... na sua observação.
Deixo aqui a minha fala, o meu agradecimento pela exposição. Gratidão a todos, todos vocês que estão me escutando aqui, todos os que estão acompanhando a gente pela transmissão ao vivo. Muito obrigado. E ainda há muito o que melhorar. Gratidão! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós que agradecemos, Aptsi'Ré Juruna, do povo xavante, cotista do curso de Ciências Sociais e Antropologia, membro e Vice-Presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília, membro do Programa de Educação Tutorial. Muito bem, parabéns!
Eu passo a palavra agora, com enorme satisfação, à líder Milena Moraes, pessoa com deficiência, aqui ao meu lado na mesa, à minha direita, estudante cotista de Direito da Universidade de Brasília.
A SRA. MILENA MORAES (Para discursar.) - Bom dia a todos e a todas.
Primeiramente, muito obrigada, Senador Paulo Paim, pelo convite. Fico muito agradecida neste momento aqui.
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Eu vou falar mais da minha vida pessoal para mostrar para vocês a efetividade das cotas para as pessoas com deficiência, o que é muito importante. Primeiro, eu sou filha de mulher negra da periferia, sou de Ceilândia, vim da periferia e desde dez anos de idade eu dizia para a minha mãe: "Eu vou fazer Direito e quero ser delegada da Polícia Civil". (Palmas.)
E fui em busca do meu sonho, mas muitas pessoas me olhavam com olhar meio torto e falavam: "Você não está vendo a sua condição?". Eu falava: "Eu só estou numa cadeira de rodas, mas eu tenho sonhos, tenho um desejo e vou em busca deles". Quando o Presidente Lula instituiu a Lei de Inclusão, ele deu o primeiro passo ali e mostrou para a sociedade que não havia um espaço adequado para a gente estar. A gente pode estar onde a gente quiser, e aonde a gente quiser ir a gente tem que ir.
Em 2017, a UnB deu um passo gigante, que foi instituir as cotas para pessoas com deficiência. Eu fui a segunda aluna com deficiência múltipla a entrar na Universidade de Brasília; no meu colégio, eu fui a primeira estudante a entrar por cota e a sonhar, e, depois de mim, entraram outros colegas.
Então, eu queria dizer para o Senador e para todos que são presentes que a gente está pedindo um mínimo de dignidade. As cotas não são um privilégio, mas são um direito, e esse direito tem que ser garantido, amplo, para garantir a permanência da gente. (Palmas.)
A gente tem benefício de prestação continuada, mas esse benefício não dá nem para a gente comer direito - eu já passei fome com os meus familiares. E, quando eu entrei na Universidade de Brasília, ela me proporcionou quanta melhora que está mudando a minha vida e a vida da minha família!
E o que eu quero dizer para vocês é que a gente não quer dó, a gente não quer que vocês tenham dó da gente. A gente só quer que os direitos fundamentais sejam garantidos pelo Estado. A gente quer contribuir com o Estado, mas o Estado tem que dar o primeiro passo. Hoje eu vivo uma vida que eu nunca imaginei em toda a minha vida e, mais, na Universidade de Brasília!
O trabalho que nós vimos fazendo, mesmo que seja de formiguinha, deve ser continuado, e não podemos retroceder jamais! A gente é uma minoria, mas a gente vai se tornar uma maioria - e eu não estou falando só por mim, Milena Silva de Moraes, cotista -, porque ela é importante. Quantas pessoas lá na minha comunidade hoje - porque eu estou na Universidade de Brasília - veem esse sonho de perto?
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A gente tem que dar o primeiro passo. Não podemos deixar o Governo jamais acabar com uma política tão importante como essa. Então, eu peço para os Senadores da Casa sempre baterem nessa tecla e não deixarem essa política retroceder, porque, se a gente retroceder, a gente vai voltar à desigualdade, à pobreza e à fome e não vai poder ser um profissional bem qualificado. A gente é qualificado para ser profissional. Não é por conta da nossa deficiência...
(Soa a campainha.)
A SRA. MILENA MORAES - ... e da nossa limitação que devemos ser olhados de forma diferente pela sociedade e pelo Estado. A gente não quer ser um peso para vocês; a gente quer contribuir com vocês, mas o Estado tem que dar o primeiro passo. E o primeiro passo tem que ser começado pelos três Poderes - o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A gente não pode baixar a guarda jamais.
E vocês, quando forem revisar as cotas, têm que ter muito cuidado e muita seriedade. Ao invés de diminuir as cotas ou retirá-las de vez, devem olhar para frente e falar: "Em que devemos melhorar?".
E também não adianta só darem a vaga; têm que garantir a permanência. Hoje, na Faculdade de Direito, a gente tem um problema muito grande com a questão da acessibilidade. Eu estou, desde 2018, tentando construir a rampa dentro da faculdade, mas, por falta de recurso, nós não estamos conseguindo. Então, eu só tenho direito a estudar lá embaixo.
(Soa a campainha.)
A SRA. MILENA MORAES - As aulas que são em cima eu não consigo acessar. Se vocês me derem esse direito de estar nesse espaço, eu vou poder pagar uma cuidadora, porque atualmente quem cuida de mim, que abriu mão da vida dela, hoje, é a minha mãe. Minha mãe está em todos os espaços em que eu estou. E ela tem outra filha, eu tenho uma irmã mais nova. É muito difícil para ela conseguir isso tudo. E eu estou vendo que, daqui a pouco, eu vou conseguir garantir emprego e vou ter uma vida digna e brilhante e ser uma profissional muito qualificada, pois a Universidade de Brasília está me dando essa oportunidade.
É isso.
(Soa a campainha.)
A SRA. MILENA MORAES - Eu agradeço a presença da Profa. Sinara. A gente faz um trabalho brilhante na universidade, tentando trazer igualdade e dignidade.
É isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem.
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... gigante, Milena Moraes, pessoa com deficiência, cadeirante, estudante cotista de Direito da Universidade de Brasília, participação, aqui, presencial. Fez questão de vir presencialmente e fez um belo pronunciamento, um dos mais bonitos dos últimos tempos aqui no Congresso, não só nesta sessão.
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Meus parabéns! (Palmas.)
Eu passo a palavra agora à Angélica da Silva Pinto, ex-cotista, mulher negra, quilombola, pedagoga e conselheira tutelar, pertencente à comunidade remanescente Quilombo Júlio Borges, interior do Salto do Jacuí.
Está na tela? É com você, por favor, Angélica.
A SRA. ANGÉLICA DA SILVA PINTO (Para discursar. Por videoconferência.) - Está conseguindo me ouvir bem? (Pausa.)
Bom dia a todos.
Agradeço a oportunidade de participar de um evento que é de grande valia para nós negros: comemorar os dez anos da Lei de Cotas. Eu tive o privilégio... Quero agradecer à Reginete Bispo e ao irmão dela, o Joel. O Joel me apresentou a Lei de Cotas e as oportunidades que nós quilombolas teríamos, como o direito de ingressar no nível superior.
Em 2014, então, eu tive o conhecimento sobre a lei de cotas, aprendi um pouco sobre ela. Ingressei, em 2015, no curso de Pedagogia, na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), através do processo seletivo específico para quilombolas. Através dessa oportunidade, eu posso dizer, com muito orgulho, que sou a primeira mulher quilombola da minha comunidade a ter ensino superior. Através dessa oportunidade, hoje temos cinco mulheres da nossa comunidade que ingressaram em diversos cursos das universidades - Medicina, Pedagogia, Direito, Psicologia - e que estão na Furg e em Pelotas também, através do processo específico para quilombolas.
Para mim, como mulher negra, foram muito importantes essas oportunidades, essas leis. E digo como quilombola que precisamos muito evoluir na questão de leis voltadas para comunidades quilombolas, pois a gente tem um acesso à universidade.
Na época em que eu estudei, em que eu ingressei, eu tive também a oportunidade de ter verbas para permanecer na universidade, mas, infelizmente, quando eu me formei, fiquei às margens da sociedade novamente, porque nós não temos políticas que nos garantam oportunidade de ingressar no mercado de trabalho, que, infelizmente, é excludente, racista e discriminatório.
Em 2019, eu consegui me eleger conselheira tutelar no meu município porque a minha comunidade quilombola me apoiou. Infelizmente, meu município é um município racista sim. A gente sofre racismo no mercado de trabalho aqui, sofremos racismo simplesmente por dizermos que somos de comunidade e que conseguimos o ensino superior através de cotas.
Nós ouvimos nas nossas escolas estaduais aqui do nosso município que a Lei de Cotas não é uma lei justa. Por quê? Porque nós negros temos a oportunidade de entrar através de processos e isso, para muitos aqui da nossa comunidade, é errado porque nós deveríamos entrar na ampla concorrência como todos os brancos que têm oportunidade de ter cursinho, de ter acesso à internet - nas comunidades ainda é difícil esse acesso. Devido a essa dificuldade, muitas vezes a gente nem sabe das oportunidades que nos esperam mundo afora.
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Então, eu queria deixar registrada a importância da Lei de Cotas.
Quero agradecer ao Senador Paulo Paim pela oportunidade de relatar um pouco da minha experiência como ex-cotista e mulher negra, quilombola, que luta constantemente aqui no município, junto com as mulheres da minha comunidade, pessoal, para termos garantia de empregos também, porque nós negros infelizmente somos excluídos do mercado de trabalho.
E eu queria deixar uma citação do livro Pedagogia da Esperança, de Paulo Freire, que diz:
É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.
Que possamos todos nós juntos - negros, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, mulheres negras, pessoas excluídas nessa sociedade tão injusta - nos unir e continuar atrás de políticas públicas que possam nos acolher na universidade, que possam nos manter, numa permanência justa e igualitária, nos espaços públicos e principalmente também no mercado de trabalho. Que possamos ter oportunidades mais justas e dignas.
Assim encerro minha fala.
Muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Angélica da Silva Pinto, ex-cotista, mulher negra, quilombola, pedagoga e conselheira tutelar, pertencente à comunidade remanescente do Quilombo Júlio Borges, interior do Salto do Jacuí, que aqui na sua fala de introdução disse que foi por intermédio da Reginete Bispo... Quero dizer que a Reginete Bispo é minha suplente no Senado, mulher negra, também com um alto conhecimento, e ela é também candidata a Deputada Federal.
Vamos passar a palavra agora, se está na tela, para Zélia Amador. (Pausa.)
Agora são os últimos dois.
A Zélia Amador, artista, militante, não está.
Nilma Lino Gomes. (Pausa.)
Não está também nesta mesa.
Então, vamos para a terceira mesa.
Vou pedir aos senhores e às senhoras que retornem para o Plenário.
Vamos para a última mesa.
Convido para que venha para a mesa Vanito Ianium Vieira Cá, ex-cotista, cientista social, especialista em Direito de Estado, mestre em...
Vamos dar uma salva de palmas para a mesa que sai aqui. Foram brilhantes! (Palmas.)
Então, Vanito Ianium Vieira Cá, ex-cotista, cientista social, especialista em Direito de Estado, mestre em Política Social e doutorando em Psicologia Social e Institucional, pesquisador em saúde e trabalho, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, membro colaborador do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados.
Está na tela o Vanito? (Pausa.)
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Não? Então, vamos... O Vanito também é integrante da Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores.
Ritiele Silva, mulher com deficiência visual, psicóloga com experiência em atendimento clínico, formada pelas cotas na Universidade Federal do Pará, e Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento - participação virtual.
Já está... (Pausa.)
Ritiele, o tempo é seu. Pode falar, Ritiele.
A SRA. RITIELE SILVA (Por videoconferência.) - Oi, estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estamos.
A SRA. RITIELE SILVA (Para discursar. Por videoconferência.) - Eu agradeço muito o espaço, agradeço imensamente o convite e toda a construção do evento para trabalhar essa temática tão importante.
Eu sou Ritiele Silva, sou mulher com deficiência visual, psicóloga formada pela Universidade Federal do Pará por meio das cotas, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento também pela mesma universidade. Hoje eu estou como servidora pública e psicóloga clínica, atuante na clínica.
Eu gostaria de iniciar a minha fala com uma homenagem especial para o Francisco Elivelton de Andrade, carinhosamente chamado de Chico. O Chico era uma pessoa, um colega que, durante a escola, todos os dias, dia após dia, sentava ao meu lado e me ditava todo o conteúdo que o professor trabalhava no quadro. Isso porque os professores não tinham toda a competência técnica para trabalhar com uma pessoa, com uma aluna com deficiência visual. Então, eu tenho essa gratidão imensa a esse colega.
Por que eu ressalto isso? Eu decidi fazer Psicologia quando estava na 5ª série do ensino fundamental. E eu sou extremamente grata à Lei de Cotas porque entrei na universidade em 2013 e realizei esse sonho de ser psicóloga sendo uma pessoa com deficiência visual, que veio de um ensino básico bastante dificultoso, com imensas dificuldades, com baixíssima acessibilidade. Ainda assim, eu consegui chegar lá. Ainda assim, eu entrei na Universidade Federal do Pará e vivi o sonho de me tornar psicóloga.
E, me tornando psicóloga e entrando na universidade federal, com outras duas colegas, duas outras mulheres com deficiência, nós construímos a Associação de Discentes com Deficiência da Universidade Federal do Pará (ADDUFPA). E a ADDUFPA vem num movimento crescente dos estudantes para tornar a universidade ainda mais acessível, dialogando com o reitor, com todas as pró-reitorias, para tornar a universidade mais acessível a cada ano. Quando eu entrei em 2013, recém-instituída a Lei de Cotas, eu entrei numa universidade muito crua e vi a universidade evoluir nesses quesitos. Então, cada vez mais, foi se tornando mais acessível, mas ainda há muito o que se fazer.
A Lei de Cotas é fundamental, é extremamente necessária para que a gente possa entrar nas universidades, mas é importante também conversarmos sobre a permanência desses estudantes dentro da universidade, sobre a qualidade do ensino básico para esses estudantes com deficiência - para todos os estudantes de maneira geral, não é? Vivemos aí uma grande defasagem no processo educacional, dado o período pandêmico que vivemos. Isso precisa ser revisto.
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A Lei de Cotas, eu entendo a importância dela, mas eu acredito que ela não pode ser fim em si própria. Ela é importante, ela garante direitos, ela garante acessibilidade de estar naquele espaço, mas a gente tem que ir além. A gente tem que lutar por ela e também construir outras coisas. A gente tem que falar da permanência dos alunos com deficiência dentro da universidade. A gente tem que falar do número de evasão desses alunos, que é imenso também. Muitos entram - e, graças a Deus, entram -, mas nem todos se formam. E isso é importante ser discutido também. Então, garantir acesso é maravilhoso, mas é também importante a gente falar sobre a permanência desses estudantes no nível superior, na graduação e na pós-graduação.
Eu vivi também a pós-graduação na universidade federal. Eu fui a primeira aluna com deficiência do meu programa de pós-graduação. Então, foi tudo muito novo, não havia uma política de cotas, a gente teve que brigar por minha inserção dentro desse programa. E foi com muita luta, mas foi muito bonito ver isso se construir.
Como psicóloga formada pela universidade, pessoa com deficiência visual, eu, que vim do BPC, filha de pai negro que lutou muito para garantir a educação de qualidade, agradeço muito esta discussão e peço encarecidamente pela permanência desta Lei de Cotas, para que a gente construa um sistema educativo ainda mais acessível e de qualidade para todos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ritiele Silva, mulher, com deficiência visual, psicóloga, com experiência em atendimento clínico, formada pelas cotas na Universidade Federal do Pará, Mestra em Teoria e Pesquisa de Comportamento, parabéns! Ritiele, você reafirmou a importância da política de cotas, fazendo um apelo para que não aprovem qualquer coisa que signifique um retrocesso. Por isso, todo o embasamento deste debate vai neste sentido: que a gente faça uma discussão profunda para melhorar - e não para piorar -, inclusive com a assistência que todos aqui já pediram.
Muito bem. Agora, então, eu chamo para a mesa - já que eu chamei as que estavam virtualmente - Thaís Cardoso, ex-cotista da UnB, cientista política e Conselheira suplente do Codipir-DF, em participação presencial. É um prazer recebê-la aqui. (Palmas.)
Chamo também para a mesa Marta Quintiliano, ex-cotista, quilombola do Quilombo Vó Rita, Trindade, Goiás, antropóloga, pesquisa sobre afroafeto e cura. Seja bem-vinda à mesa também. (Palmas.)
Agora, eu chamo virtualmente a Ayrumã Tuxá, graduanda cotista em direito pela Universidade Federal da Bahia, estagiária no Departamento Jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme), integrante do Serviço de Apoio Jurídico da UFBa (Saju) e pesquisadora indígena. Participação virtual.
Ayrumã está na tela.
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A SRA. AYRUMÃ TUXÁ (Por videoconferência.) - Vocês me escutam bem?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito.
A SRA. AYRUMÃ TUXÁ (Por videoconferência.) - Que ótimo!
Primeiramente, eu agradeço...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A imagem está meio nublada, mas a voz está perfeita.
A SRA. AYRUMÃ TUXÁ (Para discursar. Por videoconferência.) - ... o convite feito pelo Senador Paulo Paim. Saúdo a Mesa e as falas que me antecederam, que trouxeram pontos significativos e também emocionantes sobre a discussão acerca da lei de cotas. E agradeço também a todas as guerreiras e guerreiros que lutaram e continuam lutando, há mais de 500 anos, pela garantia dos direitos dos povos indígenas.
Então, como fui apresentada, meu nome é Ayrumã, eu sou do povo tuxá, localizado no interior da Bahia, sou graduanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia, e fui inserida, dentro dessa universidade pública, através do sistema de cotas, mais precisamente por meio de um processo seletivo que é feito aqui dentro da UFBA para indígenas aldeados, quilombolas, refugiados e trans.
Além disso, eu sou do Saju, que é um projeto de extensão da Faculdade de Direito, e também estou aí como estagiária no departamento jurídico de uma das maiores organizações indígenas do Brasil, que é a Apoinme. Então, fora a lei de cotas, discutimos também acerca do avanço do direito educacional para as populações que historicamente foram marginalizadas, escravizadas, violentadas pelo Estado brasileiro e por toda uma sociedade escravagista que se fez em cima desses corpos e do sangue dessas populações.
Quero falar sobre uma política pública que promove a inserção e a oportunidade para um grupo discriminado, para que se façam presentes também nesses espaços que foram historicamente pensados para pessoas brancas e bem favorecidas.
Então, temos aí dez anos da implementação das cotas raciais, e já é possível ver, nos espaços acadêmicos, a diversidade de corpos, de etnias. É possível notar nossas vozes em outros lugares, ocupando lugares de destaque, lugares de decisão e de poder que consagradamente foram sempre ocupados pela elite brasileira.
Então, a lei de cotas ainda não equiparou as condições necessárias para fazer com que a nossa presença seja vista em números parecidos ao ingresso das pessoas não indígenas. A lei de cotas ainda não garantiu o declínio da desigualdade étnico-racial, social, em nosso país, muito menos equiparou a violência, o racismo que nos atravessa diariamente.
Eu, durante minha trajetória acadêmica, como mulher indígena, sempre fui presente em espaços de discussão, de debates, na extensão e na pesquisa dentro da universidade, porque eu queria buscar o embasamento teórico para encarar essa luta territorial, já que o embasamento prático, a gente, como comunidades indígenas, já tem, a gente já sabe como é a luta que tem.
Então, meu povo tuxá vive um processo de violência há mais de 30 anos, e a gente sempre viu a educação como uma ferramenta do índio. Então, em 2018, meu povo foi vítima de um processo de reintegração de posse sobre a área que é tradicionalmente ocupada pelo povo tuxá, e naquele momento, eu, como graduanda de Direito, já estava ali, podendo contribuir na luta de uma maneira judicial, mas eu sei que essa não é a realidade de todos os povos, não é a realidade dos meus parentes.
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Eu almejo um mundo em que mais indígenas sejam inseridos dentro das universidades públicas, e, para isso, que também haja políticas públicas que permitam não apenas o ingresso, mas uma permanência digna, o bem-estar da gente nesse campo acadêmico.
Então, temos observado que os parentes estão se instrumentalizando na linha de frente da luta dos povos indígenas. Estamos notando, cada dia mais, que os indígenas estão na base, exercendo sua função de forma qualificada também.
Nós conseguimos ocupar aí a Defensoria Pública recentemente. Nós estamos no TSE, nós estamos sustentando em favor das nossas comunidades no STF. Estamos no Congresso lutando também para que mais indígenas queiram fazer a disputa eleitoral, como também estamos na sala de aula, incentivando nossos alunos indígenas a buscarem mais a luta, como conhecedores dos nossos conhecimentos tradicionais e acadêmicos.
Mas o caminho é muito longo. Esse espaço da universidade é bastante longo, e, para isso, a Lei de Cotas precisa existir enquanto possibilidade para que nós possamos sonhar, para que possamos sonhar uma diversidade dentro das nossas universidades e almejar também uma sociedade antirracista.
E, quanto aos meus parentes, já concluído minha fala, nós precisamos nos apropriar das ferramentas de luta que favorecem nossas batalhas. Muitas vezes, precisamos, sim, dominar a técnica e permanecer: precisamos permanecer atentos a toda e qualquer violação de direito que retroceda, que queira retroceder, que coloque em risco a manutenção dos nossos costumes e que ameace a nossa existência como povos indígenas. E isso se faz possível também quando temos espaço, quando temos vez, enquanto sujeitos de saberes nos espaços políticos, acadêmicos e de formação cidadã, que são as instituições de ensino superior públicas.
Então, eu acredito que essa é a luta que nós estamos fazendo como comunidades indígenas, há mais de dez anos e vamos continuar, sim, lutando, batalhando para que a Lei de Cotas seja melhorada.
Então, eu agradeço mais uma vez à mesa e agradeço o convite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, parabéns, Ayrumã Tuxá, graduanda cotista em Direito da Universidade da Bahia, estagiária do Departamento Jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, integrante do Serviço de Apoio Jurídico da Bahia e pesquisadora indígena, que teve a sua participação.
Parabéns pela fala.
E agora nós vamos neste momento às nossas duas convidadas que estão aqui presencialmente.
Eu passo de imediato a palavra à Thaís Cardoso, ex-cotista da UnB, cientista política e Conselheira suplente do Codipir do DF.
A SRA. THAÍS CARDOSO (Para discursar.) - Boa tarde a todos e a todas.
Queria agradecer o Senador Paulo Paim pelo convite e eu queria começar falando quem eu sou, além de Thaís.
Hoje eu tenho muito orgulho de trazer comigo o título de cientista política e eu sei que isso se deve, além da política de cotas - obviamente -, também ao trabalho dos meus pais. Eu sou a primeira da minha família a adentrar uma universidade pública. Sendo a UnB, eu acho que eu sonhei com isso desde quando era criança. Minha mãe é trabalhadora doméstica, meu pai é cobrador de ônibus. Eu lembro que a primeira vez que entrei na UnB foi para ver o resultado; eu tinha 19 anos. Já quanto à minha mãe, a primeira vez que ela entrou na Universidade de Brasília foi aos quase 50 anos, para poder fazer a matrícula comigo, porque ela fez questão de partilhar daquele espaço comigo. Então, eu trago também a perspectiva de como a política de cotas não impactou só a minha vida, mas a de toda a minha família e, de certo modo, a da minha comunidade também. Moro no Paranoá, na periferia, e, ainda assim, consigo, hoje, falar com os meninos que, às vezes, estão jogando bola que a universidade existe, que ela é pública, que ela é de qualidade, que ela é acessível e que não importa o quão o sistema, às vezes, queira fechar as portas para a gente, porque a gente vai entrar, a gente vai meter o pé na porta, porque aquele lugar é meu e é deles, como de qualquer um.
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A partir do momento em que eu entro para a Universidade de Brasília, apesar de todos os embates e de todas as dificuldades, eu percebo que sou agente de mudança, que tenho uma responsabilidade a mais, que quero sobreviver naquele espaço e quero também contribuir. Eu quero ajudar a construir política efetiva, política pública. Eu quero construir uma educação de qualidade e produzir pesquisa. Eu quero pertencer àquele espaço, que, por muito tempo, foi negado para a gente enquanto população negra. Por muito tempo, a gente não podia nem ser alfabetizado, que dirá ocupar aquele espaço! Estando na Universidade de Brasília, eu percebi um novo mundo que se abriu. Eu percebi que eu podia, sim, reivindicar, que eu podia estar ali presente, que eu podia contribuir. E isso se deveu não somente a essas políticas, mas também aos projetos de extensão de que eu participei e à produção de pesquisa.
Aqui eu ressalto também o quão a nossa pesquisa é precária. A gente, enquanto população negra, está lá tentando ser pesquisador, está tentando produzir e, ainda assim, às vezes, fica sem bolsa assistência, sem bolsa do Pibic, de mestrado ou de doutorado. Isso acaba impactando a minha permanência. Por muito tempo, na UnB, nos primeiros semestres, o que estava me mantendo eram os R$600 de uma bolsa de pesquisa. Para algumas pessoas, às vezes, isso é muito pouco, mas, na época, fazia muita diferença para mim. Já era um peso que eu conseguia tirar das costas dos meus pais. Consegui participar de grupos, consegui alimentação no RU, o que já me garantia também conseguir estar na universidade o dia todo e comer ali. Algumas pessoas têm acesso à Casa do Estudante também.
Enfim, hoje, eu tenho muito orgulho de falar que sou fruto de política pública, que sou fruto também de cotas, que sou fruto de cursinho popular. E venho falar para algumas pessoas que falam que a gente está se vitimizando que eu nunca fui vítima. Eu sou resistência, como todos aqui presentes.
Então, muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Thaís Cardoso, ex-cotista da UnB, cientista política, Conselheira Suplente do Codipir-DF! Eu gostei de como você encerrou: "Eu sou é resistente!". Merece outra salva de palmas. (Palmas.)
"Eu sou é resistente!" E mostrou que resistir torna os sonhos realidade.
Passo a palavra agora à Sra. Marta Quintiliano, ex-cotista, quilombola do Quilombo Vó Rita, em Trindade, Goiás. É antropóloga, pesquisa "Afroafeto e Cura".
A palavra é sua.
A SRA. MARTA QUINTILIANO (Para discursar.) - Olá! Boa tarde a todas, a todos e a "todes"!
Boa tarde, Senador Paulo Paim! Obrigada pelo convite.
Eu quero começar falando da minha pesquisa, porque, no início da sua fala, o senhor falou sobre as afetividades. Então, o meu trabalho de pesquisa de mestrado e de doutorado é sobre as redes afroindígenas afetivas que foram construídas no espaço de que eu venho, que é a Universidade Federal de Goiás.
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Eu sou filha de Maria Madalena Quintiliano e de João Quintiliano. A minha família é uma família muito extensa, é uma comunidade muito extensa, e eu infelizmente sou a primeira pessoa a acessar o ensino superior. Eu gostaria de, daqui um tempo, daqui a mais dez, trinta, quarenta anos de ações afirmativas, de Lei de Cotas, poder dizer que somos muitos, que somos milhares dentro desse espaço e que, de fato, a gente está permanecendo nesse espaço, porque muitas vezes a gente acaba não permanecendo no espaço.
Por isso é que é importante estar aqui hoje falando das leis das cotas, apesar de que eu vim antes, não é? Eu participo do UFGInclui, que é um projeto da UFG de ações afirmativas que reserva uma vaga extra para quilombolas e uma vaga extra para indígenas, em qualquer curso da universidade. Então, tecnicamente nós deveríamos ser muitos dentro da universidade, mas nós não somos.
Aqui é o momento de celebrar, é o momento de falar sobre esses corpos que estão dentro da universidade e que estão, de fato, acessando uma lei que é muito importante. Então, a permanência para nós nesses espaços ainda é falha. A gente sabe que muitos estudantes acabam saindo desse espaço porque não têm acesso. E, cada vez mais, nesse último Governo, a gente percebe que isso se acentuou um pouco mais, não é?
Mas é importante também falar, assim como o xavante... Eu esqueci o nome, o sobrenome dele. (Pausa.)
Assim como o Juruna falou, quando a gente entra na universidade, a gente não entra sozinho. Nós quilombolas, negros, indígenas não entramos sozinhos. A gente traz toda uma comunidade junto com a gente, não é? Quando eu entrei na universidade, eu entrei com toda a minha família. E eu escolhi o curso pensando também de que forma que eu iria colaborar com a minha comunidade. Eu não entrei numa universidade simplesmente: "Ah, que legal, não é?". Eu entrei com 28 anos de idade. Eu prestei vestibular mais de sete vezes dentro dessa universidade. Na segunda vez que eu passei, eu não consegui acessar porque eu estava trabalhando de empregada doméstica na casa de uma família que não teve a coragem e não quis que eu acessasse a universidade e não me avisou que eu havia passado numa universidade pública, porque para eles o meu lugar era ali trabalhando para eles, assim como minha mãe trabalhou por vários anos. Mas a gente sabe que as ações afirmativas possibilitam essa guinada na vida das pessoas negras.
Quando eu falo do eu, eu não estou falando desse eu individual, egoísta. Eu estou falando de um eu coletivo que está acessando os espaços. A gente precisa estar nesses espaços com qualidade física, qualidade mental, porque, quando eu falo das redes afroafetivas, afro-indigenoafetivas, eu estou falando de uma rede que se constituiu dentro de uma universidade que nos violenta, porque, a partir do momento que a gente entra dentro da universidade, eles dizem: "O que fazer com vocês?".
Mais uma vez o Juruna falou: "A gente está ensinando também o espaço", assim como a indígena Célia Xakriabá fala: "Nós vamos curar esse território doente que é a universidade, que são vários outros espaços. A gente vai curar com jenipapo, com urucum". E eu digo que nós pessoas negras também vamos curar esse espaço quilombola com as ervas que nós possuímos, com os conhecimentos que nós possuímos.
É importante lembrar também que são mais de 5 mil comunidades quilombolas no Brasil.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARTA QUINTILIANO - Nós estamos em praticamente todo o território brasileiro. Então, é importante falar sobre isso. É importante a gente pensar nessa revisão da Lei de Cotas para que elas insiram as comunidades quilombolas, para que elas insiram os estudantes quilombolas também, assim como a UFG. Quando eu cheguei lá, nós éramos 12 estudantes e hoje somos mais de 300, porque a gente fez esse movimento que é importante fazer. É importante reconhecer as ações afirmativas e é importante também inserir mais corpos nesses espaços.
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Então, eu finalizo minha fala por aqui, agradecendo por esta oportunidade de falar das ações afirmativas, de dizer que sou uma apoiadora porque eu sou um fruto das ações afirmativas também. E mais uma vez reafirmando o que a Célia Xakriabá diz: "Nós vamos curar não só a universidade, mas esse território que ainda persiste em achar que nós não pertencemos a esse espaço, seja ele qual for". (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Marta Quintiliano, ex-cotista e quilombola do Quilombo Vó Rita, Trindade. Contou um pouco da sua história aqui e é uma forma de incentivar o nosso povo, a nossa gente, sobre a importância da política de cotas, que esse espaço eles podem ocupar.
Não sei se eu estou errado ou certo no que eu vou dizer aqui agora, mas eu tenho dito isso... Quando nós, negros, entendemos que nós somos todos descendentes de quilombola, porque nós viemos dos quilombos, senão eles tinham matado todo mundo. Os quilombos foram um símbolo de resistência.
Tenho muito orgulho de dizer que eu me considero um quilombola, viu? Pode saber que é de coração que eu digo isso.
Parabéns pelo teu trabalho.
Agora nós temos aqui que conseguiu entrar e estava com dificuldade o Vanito Ianium Vieira Cá, ex-cotista, cientista social, especialista em Direito do Estado, Mestre em Política Social e doutorando em Psicologia Social e Institucional, pesquisador em saúde e trabalho, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Estado de onde eu venho. É membro colaborador do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados.
Eu também participo da Comissão aqui de migrantes e refugiados. Eu fui Presidente e agora sou Vice.
O tempo é seu, Vanito Ianium Vieira Cá. É com você.
O SR. VANITO IANIUM VIEIRA CÁ (Para discursar. Por videoconferência.) - Muito obrigado.
Primeiramente, eu gostaria de pedir a permissão aos ancestrais e agradecer, na pessoa do estimado Senador Paulo Paim, aos mais velhos, que contribuíram muito para que hoje estejamos discutindo sobre a importância das cotas raciais na sociedade brasileira. Aliás, eu vou mais longe ainda: eu tenho certeza de que as cotas raciais são um instrumento hoje que nós temos para enfrentar o racismo estrutural na sociedade brasileira, e toda a sociedade brasileira é testemunha de que as cotas raciais deram certo (Falha no áudio.)...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - (Falha no áudio.)... todos somos testemunhas de que as cotas raciais deram certo. (Palmas.)
Se ele estiver com dificuldade, no link depois ele entra, eu estou vendo que travou...
Nós temos duas pessoas ainda que não tinham conseguido entrar - não sei se conseguiram - e daí nós terminamos o evento de hoje.
Zélia Amador. (Pausa.)
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Não entrou.
É artista, militante do movimento negro, professora universitária graduada em Letras pela Universidade Federal do Pará, mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutora em Ciências Sociais pela UFPA. Participação virtual, mas não está conseguindo.
Vou, então, à ex-Ministra Nilma Lino Gomes, ex-Ministra da Seppir e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Professora emérita da UFMG, participação virtual. (Pausa.)
Também não entrou.
Quem está no Plenário é o Senador Izalci Lucas - nossos cumprimentos!
Senador Izalci Lucas é daqui de Brasília e tem nos acompanhado nesse debate, sempre do lado certo da história.
O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar Juntos pelo Brasil/PSDB - DF. Para discursar.) - Obrigado, Senador Paim.
Quero, inicialmente, parabenizar V. Exa. pela iniciativa. Nós sabemos a importância dessa lei que foi aprovada a tempo. Ajudou, mas ainda não resolveu. Nós temos ainda uma dívida muito forte, não é? E V. Exa. faz um trabalho espetacular aqui no Congresso Nacional desde quando eu entrei no Congresso, alguns anos atrás, como Deputado e agora como Senador.
Educação sempre foi a minha bandeira, não é? Criamos aqui, em 1998, o Cheque-Educação, que virou aí o Prouni, que beneficia milhões de alunos no Brasil - fui o Relator. V. Exa. sabe e aprovou com a gente o Fundeb, aumentando aí mais 23% para a educação infantil, a educação profissional. Fui o Presidente da Comissão do novo ensino médio, para realmente dar aos nossos jovens uma qualificação profissional para poderem entrar no mercado de trabalho.
Então, eu quero aqui saudá-lo e saudar aqui a todos os convidados.
Não existe nenhuma forma de você dar igualdade de oportunidade que não seja através de uma educação de qualidade. Portanto, contem sempre com o meu apoio.
Parabenizo o Senador Paim, que é uma referência para nós no Congresso há muitos anos. A gente sabe da luta do Senador Paim aqui contra a discriminação, pela igualdade, para que todos tenham realmente direito de estudar numa boa escola, numa boa universidade. Então, parabéns, Senador Paim! O Brasil precisa de você, o Congresso Nacional. E, na medida do possível, vamos tentando, a cada momento, resgatar esse déficit que nós temos, essa dívida que nós temos com a população mais carente, com a população sem oportunidade. Parabéns aqui a todos que estão presentes aqui nessa luta! E me coloco sempre à disposição. Parabéns, Paim! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - (Falha no áudio.)... Senador Izalci Lucas. Não tenham dúvida de que, de fato, ele é um homem, um Senador comprometido com a educação, que é o tema de hoje aqui: cotas na universidade, no ensino técnico, no ensino médio. E queremos ampliar. Como está hoje, como disse muito bem o Frei David e todos os convidados, não está adequado à nossa realidade. Por isso que nós estaríamos trabalhando para continuar com o debate aqui no Senado, na Câmara. E quem sabe, no ano que vem, a gente, então, possa aprovar uma nova legislação, ampliando aquilo que consta na redação da lei atual, não é, Frei David?
Parece-me que o Vanito... Voltou, Vanito?
O SR. VANITO IANIUM VIEIRA CÁ (Por videoconferência.) - Voltei.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então vai lá! Pode concluir.
O SR. VANITO IANIUM VIEIRA CÁ (Para discursar. Por videoconferência.) - Desculpa. Eu estava com problema de conexão aqui.
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Mas já vou concluindo, dizendo que hoje deveríamos estar falando sobre a questão da permanência nas universidades por meio de cota, porque não há dúvida que as cotas raciais deram certo, não há dúvida que as pessoas que ingressaram nas universidades federais, ou seja, nas universidades brasileiras, por meio de cota mostraram ter capacidade e comprometimento com a oportunidade (Falha no áudio.) possível por meio de cotas. A questão é a dificuldade que nós enfrentamos, são as questões da permanência. Então (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tente... Estão recomendando aqui que você continue falando.
O SR. VANITO IANIUM VIEIRA CÁ (Por videoconferência.) - Então, nós precisamos de cota, o Brasil precisa de cota, a sociedade (Falha no áudio.)... as cotas. E já há vários ganhos, principalmente para pessoas que por meio dela ingressaram às universidades brasileiras.
Então, para concluir, o que nos falta hoje para nós conversarmos? Ou seja, o debate deveria ser como aprofundar, como estender, como as universidades... Outras universidades brasileiras, principalmente na pós-graduação, precisam abrir as portas, precisam implementar as cotas, porque as cotas já demonstraram - já mostraram sim! - que realmente são eficientes (Falha no áudio.)... que nós temos para enfrentar o racismo e estruturar na sociedade brasileira. De 2012 para cá... Antes, eu entrei na universidade e não tinha nenhum colega preto dentro da sala. Hoje nós temos bastante pessoas negras qualificadas, pessoas que são excelentes, pessoas que sabem a importância de cotas raciais nas universidades brasileiras.
Muito obrigado por essa oportunidade. E nós seguiremos na luta! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k., Vanito Ianium Vieira Cá. Parabéns! Insistiu, até que foi ouvido por nós todos.
Foi me pedido que eu citasse aqui Marcos Rezende, fundador do Coletivo Entidades Negras (CEN), da Bahia; e Margareth Rose e Marina, representantes do coletivo negro do DF e Entorno.
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E ainda queríamos registrar a presença da Secretária Estadual da Promoção de Igualdade Racial da cidade de Salvador, Sra. Fabya Reis; Sr. Toninho Alves, membro da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra); e das Sras. Margareth Rose e Marina, representantes da Frente de Mulheres Negras do DF; Sr. Marcos Rezende - já falei -, fundador do Coletivo de Entidades Negras, da Bahia.
Quero ainda mais uma vez lembrar a todos os Senadores e Senadoras da importância do tema que nós vamos tratar hoje, a partir das 14h. Teremos a discussão e aprovação, espero eu, no Plenário desta Casa, do PL 233, de 2022, rol taxativo da ANS, de autoria do Deputado Federal Cezinha de Madureira e que é relatado neste Plenário pelo Senador Romário. Já fizemos uma audiência de debate aqui no Plenário, de que eu participei. E pelo menos todos que estavam no Plenário se mostraram favoráveis. Espero que não haja nenhum empecilho para que, hoje à tarde, a gente possa garantir que as pessoas que têm as doenças chamadas raras, muitas com muito sofrimento, tenham direito ao atendimento pelos planos de saúde. Milhões de pessoas estão nessa expectativa.
Segundo me informaram aqui, a Sra. Zélia Amador, militante do movimento negro e professora universitária, graduada em Letras pela Universidade Federal do Pará, mestre em Estudos Literários pela Unidade Federal de Minas Gerais e Doutora em Ciências Sociais pela UFPA, está em participação virtual.
O tempo é seu.
A SRA. ZÉLIA AMADOR (Por videoconferência.) - Boa tarde! Estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estamos lhe ouvindo.
A SRA. ZÉLIA AMADOR (Para discursar. Por videoconferência.) - Boa tarde a todas e todos presentes a esta audiência pública de grande importância para a sociedade brasileira. Muito boa tarde!
Eu estou aqui para falar dos dez anos da Lei de Cotas. Todos sabemos que, apesar de a lei estar completando dez anos, as cotas, como sistema de ingresso nas universidades, acontecem desde antes. As cotas, na verdade, começaram em 2012 e foram impulsionadas pelo trabalho do movimento negro e pela participação do movimento negro não só na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, que aconteceu na África do Sul, em 2001, mas pelo trabalho do preparatório para esta conferência e para a Conferência das Américas, que aconteceu no Chile, em dezembro de 2000.
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Então, na verdade, é todo um trabalho do movimento negro, que tem uma história; uma história que começa bem atrás, uma história que começa lá na década de 1930, com a frente negra brasileira. Naquela década já se via a necessidade de a universidade reservar vagas para a população negra.
Mais tarde, Abdias do Nascimento, no quilombismo, apresenta a mesma proposta. E em 1983, quando ele estava no Senado, ele apresentou um projeto que já tinha a proposta de reservar 10% das vagas das universidades e das escolas técnicas para a população negra.
Esse projeto foi arquivado no Senado e sequer foi avaliado. Nós entendemos que esse menosprezo pelo projeto tem como causa o racismo internalizado pelo nosso Legislativo.
Enfim, em 2001/2002, começamos com a proposta de cotas, que entra pelas universidades estaduais; em seguida, a partir de 2003, as universidades federais adotam o sistema de cotas.
Mas temos que falar dos dez anos da lei, os dez anos da lei em que a nossa proposta de cota para negro, de alguma forma, foi esvaziada no Congresso e transformada em subcota, porque vinculadas as cotas à escola pública. Nesse sentido, essa vinculação esvazia o aspecto político da proposta do movimento negro porque a proposta do movimento negro tinha como finalidade trazer para a cena as desigualdades educacionais causadas pelo racismo.
Mesmo esvaziada, eu digo que é uma proposta efetiva. Efetiva porque ela foi capaz de trazer para as universidades federais brasileiras e institutos técnicos federais maior presença de pessoas negras.
Essa presença das pessoas negras é um bem para quem frequenta esses estabelecimentos porque ela promove a convivência com o diverso, a convivência com outros grupos raciais que historicamente estavam fora das universidades, historicamente fora da academia. Além disso, essa proposta, a proposta de cota não é um bem só para o negro ou a negra que entra nas universidades, o bem maior ela vai fazer para a universidade e para a sociedade. Para a universidade, a proposta vai permitir que novos saberes cheguem à academia; vão surgir novas linhas de pesquisa, vão surgir trabalhos de conclusão de curso voltados para as pessoas estudarem as suas questões. O racismo chega dentro da universidade para ser um tema a ser estudado, um tema a ser desvendado e ter uma importância grande como análise reflexiva.
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E eu encerro aqui dizendo que a proposta de cota, portanto, enriquece a universidade e enriquece a sociedade, porque ela é pedagógica para a sociedade, ela vai ensinar para a sociedade que as pessoas negras são capazes de ocupar qualquer profissão que seja. Então, nesse sentido, eu digo que a proposta de cota é um bem não só para a pessoa, para o sujeito de direito da cota, mas é um bem sobretudo para a academia e um bem sobretudo para a sociedade, porque a proposta é pedagógica para a sociedade.
Eu agradeço aqui a minha participação. Muito obrigada por terem me convidado. Obrigada, obrigada, obrigada. Axé! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Zélia Amador, artista, militante do movimento negro e professora universitária, que fez uma retrospectiva histórica. Ela é graduada em Letras pela Universidade Federal do Pará, mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais, também é doutora em Ciências Sociais. Parabéns pela fala.
Eu recebi aqui e vou anunciar que, no Brasil, diversas universidades, aproveitando o conhecimento de vocês que são lideranças que conhecem o tema com profundidade, acompanharam até este minuto na sala de aula este debate. Então, parabéns a todos, mestres, professores, alunos, entidades que aqui representaram.
E aqui também, na galeria, à nossa esquerda, temos alunos de vários cursos superiores da Universidade de Brasília. Foi a informação que eu recebi aqui. É isso? Então, sejam bem-vindos. Uma salva de palma a vocês. (Palmas.)
Eu quero destacar que a Universidade Federal de Brasília queria inclusive propor que houvesse um sistema integrado com a TV Senado para que lá no campus eles pudessem acompanhar e participar de todo o debate.
Meus amigos, nós terminamos. (Pausa.)
Falta uma convidada, mas ela não consegue entrar. O que a gente vai fazer? Nós temos que terminar, senão eu amanheço aqui. Eu tenho compromisso às 2h. Infelizmente, ela está tentando, mas não consegue. Eu vou aqui dar o destaque devido pelo carinho que eu tenho por ela. Gostaria muito de ouvi-la, inclusive, a ex-Ministra da Cepir, Nilma Lino Gomes, e também do Ministério das Mulheres, no Governo Lula, naturalmente, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Infelizmente, professora emérita, ela não conseguiu entrar. Fica aqui uma salva de palmas para ela de todos nós. Sabemos que ela teria muito a contribuir. (Palmas.)
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Então, vamos encerrar. O objetivo foi atingido com certeza absoluta. Eu só peço que vocês não saiam. Subam aqui para a gente fazer aquela foto que eu vou botar na biografia do debate dos dez anos da política de cotas, construída por vocês. Nós aqui no Parlamento somos instrumento do movimento social.
Axé! Vida longa à política de cotas! Repito: cota, educação liberta. A educação liberta.
Abraço a todos. (Palmas.)
Se puderem subir aqui agora...
Está encerrada a nossa audiência pública de hoje, sessão temática no Senado.
(Levanta-se a sessão às 13 horas e 12 minutos.)