4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 11 de julho de 2022
(segunda-feira)
Às 10 horas
80ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão especial semipresencial foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota; e em atendimento ao Requerimento nº 496, de 2022, de minha autoria e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A sessão é destinada a homenagear o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
A Presidência informa que esta sessão terá a participação das seguintes convidadas: Sra. Izete Santos, Mestra em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pelo Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília, a nossa querida UnB; Sra. Isadora Lopes Harvey, Cientista Política e Pesquisadora; e Sra. Maria José Silva Souza de Nápolis, Defensora Pública.
Sejam todas bem-vindas. Estão compondo aqui a nossa mesa. Grata, em nome de todas as Senadoras e Senadores, pelo convite.
Convido a todos, neste momento, para, em posição de respeito, acompanharmos o Hino Nacional, que será executado pelo grupo musical Segura Elas.
Sejam bem-vindas, meninas!
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(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF. Para discursar - Presidente.) - Meninas e menino, não é? Perdão!
Bom, Sras. e Srs. Senadores, Deputadas, Deputados, autoridades já nominadas, brasilienses e brasileiros que nos acompanham pelas plataformas de comunicação do Senado Federal, o Dia da Mulher Negra é uma efeméride dedicada a homenagear a bravura, a garra e a capacidade de milhões de brasileiras. É uma data destinada também a celebrar avanços institucionais e conquistas sociais obtidas ao longo do tempo, mas é, sobretudo, um convite à reflexão sobre os desafios remanescentes e os caminhos para que os sobrepujemos.
O tributo que ora realizamos foi insculpido em lei no ano de 2014 como contrapartida nacional ao Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha, instituído em 1992 em encontro realizado na República Dominicana. Lá, como aqui, o objetivo era o de jogar luzes sobre a luta de mulheres negras contra a opressão de gênero, a exploração e o racismo.
Nossa data nacional homenageia uma líder quilombola, Tereza do Quariterê, que liderou durante 25 anos um quilombo na região de Vila Bela da Santíssima Trindade. Essa cidade foi a primeira capital do Estado do Mato Grosso e, reza a lenda - mas uma lenda bonita e necessária -, foi a única cidade brasileira em que a abolição da escravatura se fez em 1822, no momento da nossa Independência, graças às marcas deixadas pela luta de Tereza de Quariterê.
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Minhas senhoras e meus senhores, como nossa história teria sido diferente se a nossa independência e a nossa abolição tivessem coincidido e acontecido no mesmo momento. Neste ano, em que comemoramos o bicentenário da nossa independência, é obrigatório refletir sobre estes dois fatos importantíssimos: o primeiro é o fato de que o nosso Sete de Setembro não foi coroado, naquele momento, com a Abolição da Escravatura, que só aconteceu 66 anos depois; o segundo é o fato de que nossa Abolição da Escravatura não foi coroada e seguida de políticas públicas a favor da causa negra. Bem ao contrário, o que se viu foi uma chuva de leis que prejudicaram a integração da população negra à sociedade brasileira.
Apenas cem anos depois, a Constituição Federal de 1988 criou um marco para o acolhimento de políticas públicas afirmativas, reparatórias e de proteção aos direitos da população negra.
A luta das mulheres negras se inicia desde os primeiros quilombos; passa pela criação das primeiras associações e irmandades; ganha corpo com o advento do Conselho Nacional de Mulheres Negras na década de 1950; e se solidifica com o surgimento, nos anos de 1970, de diversos movimentos sociais organizados que nos deram grandes líderes, como Laudelina de Campos Melo, Maria de Lourdes Vale Nascimento, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e Luiza Bairros, para lembrar lideranças de saudosa memória.
Tais movimentos procuraram promover, pela primeira vez, uma abordagem conjunta das diversas e dispersas pautas de gênero e raça que, àquela altura, buscavam conquistar massa crítica e suporte social. Aqueles esforços conformaram um ponto de inflexão, no qual o feminismo negro começou a ganhar contornos mais nítidos e visibilidade política.
Como consequência dessa maior articulação, as décadas subsequentes trouxeram conquistas sociais relevantes, ainda que em ritmo lento e em doses homeopáticas. As políticas afirmativas, por exemplo, tiveram inegável impacto sobre a vida de milhares de jovens negras e, por extensão, sobre as comunidades das quais elas são egressas. Segundo dados do Ministério da Educação, o número de mulheres negras ingressantes no sistema de ensino superior cresceu, significativa e sistematicamente, desde o advento das primeiras experiências desse tipo.
Minhas senhoras e meus senhores, como é bom constatar a presença dessas estudantes em cursos que, até bem pouco tempo atrás, eram ambientes exclusivamente frequentados por homens brancos, como o caso das engenharias e da medicina. É igualmente alentador ver as jornalistas negras comandando proeminentes esses espaços da mídia brasileira. É reconfortante, por fim, saber que tais iniciativas começam a redundar na ocupação de espaços relevantes, em diversas searas, do mundo corporativo à administração pública. À guisa de comprovação, cito recente anúncio de que duas jovens negras entraram em exercício no Itamaraty e de que, em breve, o Brasil será por elas representado nas mais distintas instâncias internacionais.
Por óbvio, tais casos não seriam motivo de júbilo em um país cuja demografia estivesse retratada com mais fidedignidade em uma pirâmide socioeconômica. Por outro lado, o fato é que eles indicam que o caminho para a distribuição mais justa e equitativa das oportunidades começa a ser pavimentado. Trata-se de um processo que, sendo gradual, tende a redundar na consolidação dessas conquistas e na chegada de mulheres negras a outros espaços relevantes.
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Ainda faltam mais mulheres negras nos Parlamentos, no Judiciário e no Ministério Público; faltam mulheres negras nos postos de liderança de grandes empresas; faltam mulheres negras em inúmeras outras atmosferas. A marcha dos acontecimentos, no Brasil e no mundo, mostra, contudo, que isso é uma questão de tempo.
Tomemos os Estados Unidos como referência. Lá também existe um indisfarçável racismo estrutural. No entanto, aquele país tem hoje uma vice-presidente negra, Kamala Harris, e também acabou de conduzir à Suprema Corte a juíza negra Ketanji Jackson. Tais conquistas não teriam sido possíveis se, em 1955, uma outra mulher negra, Rosa Parks, não tivesse se insurgido contra uma abjeta obrigação de ceder o seu lugar no ônibus a um homem branco. Aquele gesto configurou o início da luta antissegregacionista que hoje ostenta tantas conquistas por lá e que acaba por inspirar pessoas em outras latitudes e nos mais diferentes contextos.
Senhoras e senhores, tais retrospectivas são fundamentais para que entendamos o que nos trouxe até aqui. Reconhecendo e difundindo as lutas do passado, temos maior capacidade de traçar rotas, delegar missões e delimitar possibilidades. Nesse tocante, aliás, cabe uma palavra acerca do papel a ser desempenhado por este Congresso Nacional: a experiência mostra que nenhum direito civil, em qualquer ponto da história recente, foi incutido no etos de um povo sem que houvesse legislação em seu favor. Sendo assim, nós, Congressistas, precisamos estar atentos às permanentes transformações da sociedade e abertos às demandas de todo e qualquer grupo que a componha.
Por isso, quero lançar mão desta oportunidade para fazer uma exortação final, haja vista esta sessão contar com a presença de tantas e tão ilustres representantes da sociedade civil organizada. Vamos estreitar os laços entre o Parlamento e a nossa gente. Vamos criar um canal de permanente troca de informações, saberes e percepções. Logrando êxito nesse esforço, produziremos as peças legislativas que ajudarão as mulheres negras e todos os outros segmentos da nossa população a resguardar direitos e a exercitar, na plenitude, as suas potencialidades. E um país onde todos conseguem produzir é uma nação próspera.
Que este Dia da Mulher Negra simbolize o início de mais uma era de grandes conquistas e que o Senado Federal seja parte indissociável dessa construção!
Muito obrigada. (Palmas.)
Escutaremos agora, minhas amigas e meus amigos, a canção Na Glória, de autoria dos compositores Raul de Barros e Ary dos Santos.
(Procede-se à execução musical.) (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Bravo! Que beleza a nossa cultura! Eu agradeço demais a participação do grupo musical Segura Elas, com o nosso jovem também - temos aí um representante. Grata pela presença de vocês nesse espetáculo!
Eu estou vendo aqui na tela, pessoal, antes de começarmos e passarmos a palavra para as nossas oradoras, o nosso querido e quase decano, o nosso Senador Paulo Paim. Pergunto ao Senador Paulo Paim se ele quer fazer uso da palavra.
Bom dia, Senador! (Pausa.)
Senador, agora o seu áudio está ligado. O senhor quer falar alguma coisa? O senhor está com o uso da palavra, caso o senhor queira. (Pausa.)
Acho que ainda, não, gente.
Então, vou passar a palavra, primeiramente agradecendo a participação aqui das nossas convidadas e agradecendo demais a presença também dos que estão aqui no Plenário e dos que estão acompanhando remotamente.
Vou passar a palavra, neste primeiro momento, para a nossa Defensora Pública, a Sra. Maria José Silva Souza de Nápolis. É um prazer enorme tê-la aqui conosco, Defensora! E parabéns pelo novo desafio e pelos desafios que a senhora enfrenta diariamente ali na Defensoria! Eu tenho muito prazer, um orgulho tremendo e muito respeito pelo trabalho de vocês na Defensoria Pública.
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A SRA. MARIA JOSÉ SILVA SOUZA DE NÁPOLIS (Para discursar.) - Muito obrigada.
Eu agradeço o convite.
Bom dia a todas as pessoas aqui presentes e a todas aquelas também que nos assistem pelas redes do Senado.
Senadora Leila, muito obrigada, mais uma vez, pelo convite. Eu gostaria de cumprimentá-la e já aproveito o ensejo também para trazer-lhe as minhas congratulações pela proposta deste dia, pela proposta deste evento, que vem nos relembrar o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, Lei 12.987, de 2014, e a importância deste debate neste dia. Por que é tão importante nós aqui falarmos sobre a mulher negra; nós, aqui, minhas colegas da mesa, que eu cumprimento também, falarmos sobre a mulher negra, a história da mulher negra, da mulher parda, da mulher brasileira, a história da mulher brasileira?
Eu gostaria de dizer, portanto, que é uma honra para mim, na condição de Defensora Pública, representando a minha instituição, participar desta solenidade. Essa instituição, que, como diz a Constituição Federal, é expressão e instrumento do regime democrático. Portanto, falar da Defensoria Pública ou mesmo falar em nome da Defensoria Pública é falar de direitos humanos, é falar das pessoas carentes, é falar da mulher negra, da mulher parda, da mulher brasileira, das inúmeras Terezas de Benguela que, como ela, são símbolos da luta e resistência da comunidade negra, da comunidade indígena deste país.
E, sim, nós precisamos, sim, falar sobre a mulher negra. É falando, lutando, que nós despertamos a conscientização sobre a necessidade de formular, fomentar e efetivar políticas públicas destinadas a essa tão expressiva parcela da nossa sociedade, políticas essas voltadas ao enfrentamento do racismo estrutural e institucional.
Nós precisamos falar sobre a mulher negra, porque, de acordo com o Atlas da Violência 2021, do Ipea, 66% de todas as mulheres assassinadas no nosso país no ano de 2019, por exemplo, eram negras, porque 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, de acordo com a última Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE.
Precisamos falar sobre a mulher negra, porque, como aponta a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do IBGE, mulheres negras ou pardas continuam na base da pirâmide da desigualdade de renda no Brasil, recebem menos da metade do salário de homens brancos e bem menos que mulheres brancas, independentemente da escolaridade.
Nós precisamos continuar falando sobre as mulheres negras, sim, porque elas são as principais vítimas de feminicídio, de violência doméstica, de violência obstétrica e de mortalidade materna.
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O sistema prisional também é seletivo. O sistema prisional onde eu trabalho, Senadora, também tem cor. De acordo com o Infopen Mulheres 2017, somadas, as mulheres encarceradas de cor, etnias pretas e pardas, totalizam 63,55% da população carcerária nacional. E, se para a biologia não faz sentido algum falar em raças humanas, para as ciências sociais faz, e muito, pois a raiz da exclusão, como nós sabemos, não é biológica; é econômica, é política, é social.
No Brasil, quando a Lei Áurea foi promulgada, em 13 de maio de 1888, ficou proibida a escravização de pessoas dentro do território brasileiro. O Brasil foi o último grande país ocidental a extinguir a escravidão, e, como aconteceu na maioria dos outros países, não se criou um sistema de políticas públicas para inserir os escravos libertos e seus descendentes na sociedade. E hoje, como eu já falei, nós temos as nossas mulheres negras e pardas na base da pirâmide socioeconômica deste país.
Como disse Elza Soares, a carne mais barata do mercado é a carne negra - só cego não vê -, que vai de graça para o presídio e para debaixo do plástico e vai de graça para o subemprego e para os hospitais psiquiátricos. A carne mais barata do mercado é a carne negra, que fez e faz história, segurando este país no braço, meu irmão.
Às vezes, nós temos a impressão de que essa luta pelo direito das mulheres pertence apenas a algumas mulheres isoladas, baluartes e luzes nessa senda. Lógico que nós temos que reverenciar-lhes a memória e recordar-lhes os feitos, mas é assaz necessário e imperioso lembrar que tão importante quanto é a luta travada por cada mulher anônima no recôndito da trivialidade de seu cotidiano e nas coisas mais rotineiras que, abrindo ou consolidando espaços de justiça e igualdade, mais concorrem para o triunfo e sucesso dessa causa.
Que o nosso país, que o nosso Brasil possa se tornar o país da mulher negra, da mulher parda, de todas as mulheres. Que o nosso país possa se tornar o país da igualdade, o país da não exclusão e que as nossas mulheres negras, conscientes do seu papel, não obstante os seus quilombos e dramas diários, assim como Tereza de Benguela, cada uma, a seu modo, possa continuar lutando sutilmente por respeito, bravamente por respeito, e que essa luta de nós mulheres, que essa luta das mulheres negras seja sempre - e permaneça sempre - por justiça e por respeito.
Muito obrigada a todos e todas. (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Grata pela sua participação e sua presença, Defensora.
É triste a gente perceber a realidade dessas estatísticas de que 66% das mulheres vítimas de feminicídio são negras e que 63,55% da população carcerária nacional são negras também. Essa luta não é só das mulheres negras, essa luta é de todos nós. Nós temos uma dívida por entendermos a força dessa população em todos os sentidos, que é a nossa população e que somos todos nós, graças a Deus.
Eu vou passar a palavra, mas antes eu gostaria de convidar a Senadora Maria das Vitórias, do PSD, do Acre, que está presente no nosso Plenário. Por favor, Senadora, venha conosco aqui compor a mesa. Grata pela sua presença! (Palmas.)
Enquanto a Senadora se senta conosco à mesa, eu vou passar a palavra para o Senador Paulo Paim.
Senador, bom dia. Grata pela sua presença.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar. Por videoconferência.) - Bom dia. Bom dia, Presidenta.
Presidenta Leila, Leila Barros, Leila do Vôlei, Leila do nosso povo, Leila da nossa gente, essa iniciativa não tinha que ser de nenhuma outra pessoa no Senado, entendo eu, a não ser você, Leila, mulher, militante, lutadora e comprometida com o povo. E é muito bom para mim, como Senador negro, ser convocado por você, porque você é uma convocação, você não é um convite.
Mas, Leila, vamos lá, então.
Em 25 de julho, a América Latina, o Caribe e o Brasil comemoram o Dia da Mulher Negra. Por aqui é dia de se lembrar de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Esperança Garcia e de todas as intelectuais negras que marcaram e marcam a história deste país. Não são lembradas como deviam, mas estão aí.
É dia de se lembrar também de Carolina Maria de Jesus, Maria Firmina dos Reis e de todas as escritoras negras que se destacaram e que se destacam nas letras.
É dia de se lembrar, como aqui já foi feito, de Elza Soares, D. Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Clementina de Jesus e de todas as vozes negras que encantam e encantam o Brasil e todas as pessoas brancas que têm solidariedade com o nosso povo negro.
Ah, como seria bom, Leila, se todos fossem iguais a você! Como seria bom! Nós teríamos grandes momentos como este!
É dia de se lembrar de Ruth de Souza, Chica Xavier, Zeni Pereira e de todas as atrizes negras que brilharam e brilham nos nossos palcos, dentro do possível, na TV e no cinema.
É dia de se lembrar, sim, de Marielle Franco, de Antonieta de Barros, de Theodosina Rosário Ribeiro e de todas mulheres negras que se fizeram e fazem presentes na política do Brasil.
É dia de se lembrar de Dandara dos Palmares. Ah, Palmares! Lá é terra de Zumbi. Como é bom lembrar Zumbi dos Palmares. Como é bom lembrar que é lá que está enterrado Abdias Nascimento, mas é bom se lembrar também de Tia Ciata e, por todas elas, por todas as heroínas deste país, da líder quilombola Tereza de Benguela, símbolo de luta e resistência do povo negro, do povo negro, de negras e negras.
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É dia de lembrar o talento, a força, a coragem da mulher negra brasileira deste país, mas é também dia de lembrar que, neste mesmo Senado que as homenageia, na Câmara dos Deputados, nas Assembleias estaduais, nas Câmaras Municipais, nos tribunais e nos postos de comando, as mulheres negras continuam sub-representadas.
É também dia de lembrar que, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, 38% das mulheres negras brasileiras vivem na pobreza. Estão entre aqueles que mais passam fome.
É bom lembrar que em dois de cada três lares chefiados por mulheres negras impera a fome; que as mulheres negras é que são as principais beneficiárias dos programas sociais de transferência de renda, devido à sua situação. Se for 200, 300, 400, 600, lá está ela na fila. Por isso que votamos todos juntos, Leila, e nesses momentos. E ela está lá, para buscar o pão, o leite... É o absurdo que eu falava hoje, Leila, com uma produtora que é minha suplente, e ela produz uma pequena propriedade de leite. Ela disse... Sabe quanto ela ganha por litro de leite? R$2,50. E no bar, ali da esquina, é vendido a R$10 o mesmo leite que o produtor - no caso, dela - lembrava para mim hoje.
É bom lembrar que 71,9% dos postos de trabalho perdidos na pandemia, segundo o IBGE, eram ocupados por profissionais do sexo feminino, mulheres negras em sua maioria; que as mulheres negras, que desde sempre foram obrigadas a trabalhar fora e, assim, sustentar suas próprias casas, foram as mais prejudicadas pela pandemia e as que mais vêm sofrendo com a crise.
Em todas as áreas aqui os números mostram: a mulher negra foi a que mais sofreu com a pandemia.
Por tudo isso, essa data e esse evento são importantíssimos. Parabéns! Parabéns a você, Leila, e a todos aqueles que organizaram este evento.
É preciso realçar a importância, o protagonismo das mulheres negras na história deste país; é preciso dar visibilidade à situação das mulheres negras, às suas demandas, às suas lutas e à sua luta contra toda forma de violência, discriminação, feminicídio, como vocês muito bem falaram hoje, especialmente contra as mulheres negras, duplamente vítimas, como negras e como mulheres, de uma estrutura que as explora e as oprime e as exclui.
A lembrança de Tereza de Benguela, que celebramos nesta data por sua iniciativa, chama a atenção para o fato de que a realidade poderia e deveria ser bem diferente, ser outra.
A trajetória de Tereza, a Rainha Negra do Pantanal, nos lembra que a história da mulher negra no Brasil não é uma história de submissão - ah, não é: são de corajosas lutadoras e guerreiras. É uma história de lideranças e de luta contra a opressão. É uma história de inteligência, de garra e, repito, coragem e competência de gestão com tão pouco.
Sob a liderança de Tereza - e aqui eu estou terminando - o Quilombo do Quariterê, em Mato Grosso, sobreviveu por quase duas décadas em pleno século XVIII. Ela quem liderava. Tereza de Benguela é um exemplo; um exemplo que foi apagado da nossa história oficial, racista e patriarcal, até ser resgatado como instrumento de afirmação da cidadania e de valorização da identidade feminina negra nacional; um exemplo a ser celebrado.
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Leila, eu tive o privilégio de ter sido Relator do projeto de lei de autoria da querida amiga e ex-Senadora Serys Slhessarenko, que propôs, em 2014, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Promulgado pela Presidenta Dilma Rousseff, o Dia da Mulher Negra não havia ainda recebido do Senado o destaque que merecia. Por isso, presto aqui, Leila, minha homenagem e mais uma vez dou os meus parabéns a você, Senadora Leila, à frente da Procuradoria Especial da Mulher, pela organização dessa sessão.
Olhar para as mulheres negras, que são a base deste país, é pensar que o Brasil, sim, tem jeito; sim, o Brasil pode ser muito melhor; sim para as mulheres negras; e sim para todas mulheres! As mulheres podem estar onde elas quiserem, mas, para que isso ocorra, precisamos oportunizar esse momento através de políticas pontuais para as mulheres negras. As mulheres precisam, repito, estar onde quiserem.
Termino: minha homenagem, minha solidariedade a todas as mulheres do Brasil e do mundo, mas, nesse momento, especialmente para as mulheres negras.
Obrigado.
Vida longa às mulheres, porque, se elas não tiverem vida longa, nós não teremos vida.
Abraço a todas. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Grata, mestre. Obrigada pelo carinho, mas eu estendo todo esse reconhecimento aos servidores da Procuradoria Especial da Mulher no Senado Federal e também ao meu gabinete, a todos os meus servidores. A todos os servidores eu agradeço demais a parceria de vocês de estarem sempre aí juntos comigo e com todo o Senado nessa luta em defesa das mulheres, de todas as nossas mulheres.
Bom, eu vou passar... Pergunto à Senadora... Senadora, prazer. A senhora está chegando ao Senado. Se a senhora quiser...
A SRA. MARIA DAS VITÓRIAS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AC. Para discursar.) - Estou apenas começando hoje, na verdade...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Sim, sim.
A SRA. MARIA DAS VITÓRIAS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AC) - ... com muita preocupação, porque estou substituindo o Senador Sérgio Petecão, muito atuante; mas estou aqui para aprender e para colaborar com certeza. Tenho uma certa experiência de Plenário - fui Deputada Estadual por três mandatos -, mas tenho muito a aprender.
E, na oportunidade, já agradeço a você essa homenagem, porque as mulheres negras ainda são realmente subjugadas, sofridas. O mercado de trabalho ainda as absorve pouco. E nós precisamos cada vez mais elevar o nome da mulher e, principalmente, da mulher negra.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Perfeito, Senadora. Grata mesmo por estar conosco aqui.
Seja bem-vinda! Vai compor nossa Bancada Feminina, a nossa valente Bancada Feminina aqui, no Senado Federal.
A SRA. MARIA DAS VITÓRIAS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AC) - Ainda estou um pouco tímida porque é normal, não é?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Vai chegar lá certamente.
A SRA. MARIA DAS VITÓRIAS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AC) - Exatamente.
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Vou passar a palavra agora para a Sra. Izete Santos, que é Mestre em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pelo Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Seja bem-vinda, Doutora.
Aqui nós temos dez minutos, mas eu acredito que dez minutos para fazer essa reflexão seja pouco. Então, fique à vontade. A palavra é sua. (Pausa.)
A SRA. IZETE SANTOS (Para discursar.) - Bom dia a todas, "todes" e todos que estão conosco aqui nesta manhã tão bonita. O céu de Brasília nessa época do ano é único, está sempre azul e nos traz muita alegria.
Eu sou uma mulher negra brasiliense, filha de uma mulher negra de Governador Valadares e de um baiano de Muritiba, e a principal marca que eu trago da minha ancestralidade, cujo termo, biblicamente falando, é antepassados... Nós costumamos dizer no movimento negro que os nossos passos vêm de longe. Então, eu estou aqui em nome desses antepassados, em nome desses ancestrais.
Cumprimento a minha mãe, que é a minha referência, e cumprimento também cada uma das mulheres que estão aqui presentes na nossa mesa: a Senadora Leila Barros, a Sra. Maria José Silva, a Sra. Isadora Lopes... Acho que só, não é? Tem mais alguém aí? Não?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. IZETE SANTOS - A Senadora Mariana, isso! Maria?
A SRA. MARIA DAS VITÓRIAS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AC. Fora do microfone.) - Maria das Vitórias.
A SRA. IZETE SANTOS - Maria das Vitórias. Seu nome é significativo: tem Maria e tem Vitória. Muito bom!
Eu costumo dizer que os negros brasileiros passaram pela falsa Abolição, que aconteceu em 1888. Desde que fomos para a escola e até hoje, nos tempos de hoje nas escolas, nós somos induzidos a pensar que a Princesa Isabel era a verdadeira heroína da libertação dos escravizados no Brasil, o que não foi verdade. O que ela fez foi nada mais do que cumprir o seu papel como uma pessoa que tinha que assinar aquele documento, o que poderia ter sido feito por qualquer outra pessoa que fazia parte do Estado naquele momento.
Na verdade, foram os negros e as negras que lutaram pela sua própria liberdade. E aí, quando a Princesa Isabel assina aquele documento extinguindo a abolição no Brasil, o Estado não criou, com isso, nenhum tipo de política pública para os homens negros, que durante muitos anos tiveram que trabalhar forçadamente para o enriquecimento dos nobres, e para as mulheres negras, que tinham que criar os filhos dos seus senhores e ainda ser estupradas pelos senhores de engenho. Nós chegamos a discutir em alguns momentos que o objetivo daquelas pessoas era a mestiçagem, porque acreditavam que, daquele relacionamento forçado entre uma mulher negra e um homem branco, a raça negra seria extinguida aos poucos e que em cem anos não haveria mais negros, o que não aconteceu, porque os negros resistiram.
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Quando nós falamos de Tereza de Benguela e quando nós falamos do movimento das mulheres negras, que aumentou no Brasil notadamente a partir dos anos 60, só tem uma palavra que descreve esse movimento das mulheres e dos homens também que fizeram parte daquele movimento: resistência. Não tem nenhuma outra palavra que descreve essa luta das mulheres negras, dos homens negros, do movimento negro que não seja resistência. Até hoje, qualquer uma de nós, mulheres, continuamos resistindo. Eu já nasci livre das correntes, das chibatadas, mas não nasci livre da discriminação, não nasci livre do preconceito, e, ainda hoje, nós mulheres somos humilhadas em cada passo que damos, porque, mesmo quando nós conseguimos ocupar os espaços de poder, Senadora Leila, nós ainda somos humilhadas e preteridas em relação às mulheres negras.
Recentemente, uma Vereadora cujo nome me foge agora, participando de uma formação voltada para a negritude, como uma mulher negra, jovem, disse que, quando ela vai falar no plenário - ela é uma Vereadora -, os homens brancos e as mulheres brancas que estão no plenário viram as costas para ela e tentam demonstrar, de todas as formas, que aquele lugar não é dela. Ainda que ela esteja lá por ter sido eleita - ela está no mandato -, mesmo assim, todos os dias, ela é lembrada de que ela é uma mulher negra e que aquele espaço não é dela.
Eu me lembro de uma colega de aula, de disciplina de doutorado, que fiz na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, que disse que, quando eles eram pequenos e iam acompanhar a mãe deles ao mercado, ela dizia: "Sempre com as mãos livres e à mostra. Não pegue em nada". E ela disse que cresceu com isso na mente dela.
Então, é por isso que eu digo que a nossa luta é uma luta de resistência para sermos respeitadas como mulheres negras, para ocuparmos, de fato, esses espaços de poder, porque também não é só nós acessarmos os lugares de poder; nós temos que encontrar formas para nos mantermos lá, porque é uma selva, e é uma selva muito cruel com as mulheres em geral - que dirá com as mulheres negras. Quando nós falamos de Tereza de Benguela e trazemos à memória este Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, nós estamos queremos chamar a atenção da sociedade para a condição que a mulher negra vive neste país.
Como a colega que me antecedeu falou, nós ainda somos as mulheres que são mais vítimas de feminicídio. As mulheres negras, se vocês não têm conhecimento disso, são as menos amadas, Senadora Leila, porque os homens preferem as mulheres brancas. Então, até para sermos amadas, nesta sociedade, é difícil, é cruel. E, quando nós conseguimos ocupar esses lugares de poder, nós precisamos, junto com as demais mulheres, nos unir, porque todas nós precisamos das forças umas das outras.
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Olhem, a Profa. Zélia Amador de Deus chama essa discriminação da mulher de tríade de gênero, raça e classe. A discriminação de gênero todas as mulheres sofrem, independentemente de serem negras ou não; a discriminação de raça, porque somos negros e negras; e a discriminação de classe, porque as mulheres negras estão nas classes mais vulneráveis. Mesmo quando elas conseguem acessar algum cargo de chefia, como executiva, o que é minoria nas grandes empresas, mesmo que tenham maior qualificação, mesmo que tenham maior formação, as mulheres ainda são preteridas, não é? Quando elas conseguem acessar aquela posição de poder, o salário das mulheres ainda é reduzido. E, aí, nós mulheres sabemos e falamos muito disto, que nós temos uma jornada dupla, tripla, quádrupla, porque, além de...
Quando essas mulheres saíram da abolição, elas foram levadas a continuar no serviço doméstico, porque era o que as mulheres sabiam fazer. A elas foi negada a educação! E, quando foi permitido que fôssemos para as escolas, era para aprendermos a costurar e tratar os maridos com carinho.
Então, nós mulheres - aí eu volto às nossas ancestrais, às mulheres do nosso antepassado - tivemos que lutar para sair desse lugar da cozinha, ir para o mercado de trabalho, mostrar talento e fazer a economia girar.
Se nós mulheres estamos na pirâmide... Quando eu falo do racismo estrutural, eu gosto de usar muito esse símbolo da pirâmide, no qual estão os homens brancos e mais velhos, depois os homens mais jovens - esses dois grupos são os grupos héteros -, depois as mulheres brancas mais velhas, as mulheres mais jovens, os homens negros e, abaixo dos homens negros, nessa pirâmide, estamos nós mulheres pretas. Isso significa dizer que, embora estejamos sustentando a pirâmide, nós ainda vivemos em situação de vulnerabilidade extrema - extrema mesmo! Precisamos de políticas públicas que nos atendam.
Eu costumo dizer, Senadora, colegas, que quem tem que dizer do que as mulheres precisam somos nós. Então, nós temos que ser ouvidas. Nós queremos participar do Parlamento. Nós queremos formular leis. Nós queremos estar ali, conduzindo aquilo que diz respeito a nós. Nós é que sabemos como ser mulher. Então, nós temos que ser ouvidas.
Esse movimento de virmos aqui nos lembrar do Dia da Mulher Negra, do Dia de Tereza de Benguela, é para dizer que nós continuamos resistindo e que há espaço para todos, todas e "todes" e que nós não precisamos disputar os espaços. Nós precisamos de oportunidades para que possamos participar.
Se somos mais de... O último censo de 2019 dizia que os negros eram 56% da população. Eu diria que nós estamos chegando aos 60%. E, desse grupo de negros no Brasil, as mulheres negras ainda são maioria. Nós podemos, inclusive, decidir um pleito eleitoral. Então, nós temos que participar da política.
Nós movimentamos a economia. Conforme diz a Angela Davis, quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela. Então, esse movimento quem tem que fazer somos nós, porque, se nós formos depender apenas dos outros, esse movimento não vai acontecer ou vai ser muito tímido ou vai ser com pena, com dó. Não, nós não precisamos de pena nem dó. É por isso mesmo que somos mulheres que resistem, mulheres que vão à luta, mulheres que falam, mulheres que estão nos morros, mulheres que estão nas favelas, que fazem obra social, que atendem o pobre, que acolhe a outra. Então, é dessa mulher que nós estamos falando.
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Eu gostaria de encerrar a minha fala lendo aqui um poema da Conceição Evaristo que diz respeito a todas nós.
E, antes que me esqueça, quero agradecer também à Presidente do Instituto Nacional Afro-Origem, a minha colega Valneide Nascimento, que está ali, e dizer que também estou aqui representando o instituto, como coordenadora nacional de formação política.
Eu gostaria de ler esse poema aqui, de Conceição Evaristo, Vozes-Mulheres:
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes,
recolhe em si
as vozes mudas caladas,
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem - o hoje - o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância,
O eco da vida-liberdade.
Por todas nós, por Tereza de Benguela, viva a mulher negra brasileira! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Viva! Viva!
Grata pela participação, Profa. Izete Santos. Dê um abraço aqui. (Pausa.)
Bom, nós temos aqui a presença também do Senador Esperidião Amin.
Grata por estar conosco aqui, Senador, nesta sessão tão importante para todas nós, mulheres - e em especial para as mulheres negras. Pergunto ao senhor se o senhor quer fazer uso da palavra?
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - SC. Fora do microfone.) - Brevíssimo.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Por favor.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - SC. Fora do microfone.) - Pode ser?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Sim, por favor.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - SC. Para discursar.) - Vou tentar cumprir a promessa, coisa que não é muito fácil na política e para os políticos.
Cumprimentando a todas, na pessoa da querida amiga Senadora Leila Barros, congratulo-me com a iniciativa e cumprimento a todos aqueles que representam esta homenagem pela sua própria presença.
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Vou fazer uma colocação muito singela. Eu tive o privilégio de ser alfabetizado pela irmã da personagem deste livro, Antonieta de Barros. Esse sobrenome tem muito significado: fui alfabetizado pela irmã dela, Leonor de Barros. E quero destacar aqui uma singularidade fantástica. Eu entreguei este livro na Biblioteca do Senado Federal, na semana passada, que foi editado pelo Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina e contém uma seleção muito interessante de escritos da nossa Maria da Ilha, que é como ela escrevia, era o pseudônimo que ela usava nas crônicas que publicou sempre sobre o título de Farrapos de Ideias. Não vou ler as crônicas, mas apenas mencionar que são oito tipos de crônicas.
A primeira que ela escreveu, em 1º de agosto de 1929, aos 28 anos de idade, era relacionada à vida, relacionada ao comportamento e ao sentimento humano; e sobre mulher - no caso, mulher negra -, educação e magistério, que foi a sua grande ocupação; sobre política e governo (ela foi a primeira Deputada Estadual do Brasil - do Brasil! -, negra, em Florianópolis, Santa Catarina); sobre cidade, cotidiano e jornalismo; sobre espiritualidade e fé.
Esta é a seleção muito bem-feita das crônicas, e acho que, ao entregar isto à biblioteca, portador que fui do Conselho Estadual de Cultura, tento legar ao Senado a experiência de vida dela.
E, finalmente, uma particularidade muito especial: Antonieta de Barros nasceu no dia 11 de julho de 1901. Repito: 11 de julho de 1901, ou seja, exatamente há 121 anos.
Na sua história, que eu não testemunhei como aluno, mas testemunhei de maneira inesquecível - Senadora, a senhora pode não acreditar, mas eu, aos sete anos de idade, era um guri quase raquítico, tinha resfriados todo mês -, quando eu vi aquela mulher imponente na minha frente, meu pai me entregou a ela, ela abriu um sorriso, um colar, e me deu toda a confiança. Eu me agarrei com os joelhos dela, e por isso essa cena me é inesquecível e ajudou a que eu compreendesse a luta, a dívida e, acima de tudo, o esforço por resgatar a dívida.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Como sempre, sábias as palavras, mestre. Bom demais tê-lo aqui, viu? Grata.
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Antes de passar para a nossa última convidada oradora, eu vou passar para o Senador Wellington Fagundes, que também quer fazer uso da palavra.
Bom dia, Senador. Seja bem-vindo.
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT. Para discursar. Por videoconferência.) - Senadora Leila, para mim é uma grande satisfação poder participar desta audiência em homenagem a uma mulher que marcou a história do nosso estado e, eu acho, do nosso país.
Só para as pessoas estão assistindo: a primeira capital brasileira projetada em Portugal na nossa margem fluvial foi exatamente Vila Bela da Santíssima Trindade. E essa cidade foi construída principalmente pelos negros, os africanos, que vieram para cá, para Mato Grosso, para fazer com que aquele terrão, aquela região do Rio Guaporé, permanecesse como área brasileira. E, aí, esses negros... Até hoje, Vila Bela da Santíssima Trindade é uma das cidades em que ainda mais de 50% da população é formada de negros, africanos, principalmente de origem, coisa mais linda do mundo, a dentição mais linda, que vieram da África para garantir que esta região continuasse sendo um terrão brasileiro.
E, aí, Tereza de Benguela: quem é Tereza de Benguela? Uma mulher forte, que mostra o que é a força da mulher brasileira. Ela tomou esta região como reinado e reinou por 40 anos. Então, por isso, Tereza de Benguela é uma referência no Brasil e no mundo, uma referência para nós mato-grossenses. Senadora Leila, a senhora sabe o que é enfrentar naquela época uma resistência, quando o mundo era muito, mas muito machista. Então, inclusive fez homenagem à Tereza de Benguela, que foi o grande tema da escola onde Joãozinho fez com que ela fosse homenageada.
Então, como o tempo não é muito grande, eu quero aqui, nossa Senadora Leila, fazer uma homenagem a todas as mulheres que resistiram ao longo desse tempo, o tempo todo. Então, eu deixo aqui a você, que também é uma resistente, uma mulher que foi para o esporte e com certeza muitas e muitas labutas teve de enfrentar para ser e vencer na vida. Agora, como Senadora, é uma Senadora brilhante, uma Senadora que todos nós respeitamos. Então, em nome de Tereza de Benguela, em nome da população mato-grossense, fica aqui a minha homenagem a todas as mulheres que tiveram essa capacidade, como Tereza de Benguela e V. Exa. também, de ser resistente e resiliente.
Então, parabéns. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Obrigada, grata pela palavra, Senador, e pela participação também. O senhor é sempre também muito atuante nas audiências que nós mulheres promovemos aqui na Casa, o senhor sempre está presente. Sei que é um grande companheiro, defensor dessa pauta, que é tão importante para todas nós, não é, Senadora Maria das Vitórias?
Vou passar a palavra agora para a nossa querida Isadora Lopes Harvey, que é cientista política e pesquisadora da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Seja bem-vinda!
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A SRA. ISADORA LOPES HARVEY (Para discursar.) - Muito obrigada.
Bom dia a todas, a todos e a todes.
Antes de começar, eu queria dizer que minha mestra de capoeira, Mestra Janja, do Grupo Nzinga de Capoeira Angola, sempre diz algo que vou repetir: "Isso que estou falando não é meu: era de A, que foi de B, que foi de C, que foi de D, que passou para mim. Que esteja melhor minha boca do que na daquelas que me antecederam!". Eu o reproduzo aqui na esperança de que estejamos hoje sendo um elo entre aquelas que vieram antes de nós, que trabalharam para que hoje nós possamos estar aqui - que nós sejamos um elo entre elas - e o trabalho que a gente está construindo, e o trabalho que a gente quer ver significativamente no mundo.
Então, bom dia. Eu me chamo Isadora Harvey, sou articuladora política do movimento Mulheres Negras Decidem, que é um movimento que, inicialmente, surge, em 2018, como uma campanha para contribuir, para diminuir o déficit da representação política das mulheres negras na política institucional. Mulheres negras são mais de 28% da nossa população brasileira, no entanto, em 2022, apenas 2% delas, 2% de nós ocupamos o Congresso Nacional. Trata-se de um déficit democrático cujo preenchimento dessa lacuna diz respeito a um ganho, a um benefício coletivo para toda a população brasileira.
Então, antes de começar a pontuar algumas das nossas iniciativas, desse movimento, eu gostaria de aproveitar esta oportunidade hoje para saudar a iniciativa do Comitê Permanente pela Promoção da Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal, agradecendo pelo convite para compor esta sessão, ressaltando a importância e a relevância de se ter uma coordenação comprometida com a equidade.
Historicamente, as mulheres negras produzem e promovem respostas sofisticadas para as crises que a gente enfrenta, oferecendo um repertório político extremamente criativo, singular, fundamental para o fortalecimento de uma democracia tão fragilizada como é a brasileira, infelizmente. Essa capacidade de mobilização e de construção de um novo horizonte, de um futuro, pôde ser destacada num relatório que também veio a ser uma minissérie chamada Para Onde Vamos?, produzida pelo MND, em parceria com o Instituto Marielle Franco, que pode ser acessada, que está disponível pelo site www.paraondevamos.org. A partir dessa imaginação política que projeta um futuro mais digno para todas, para todos e para todes, o MND também, em parceria com o Instituto Marielle Franco, com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e do Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento, da Alemanha, lançou no ano passado uma coletânea de escritos, de entrevistas, de projetos de lei, de discursos de mulheres negras que dão pistas do porquê a sua presença na política pode significar mudanças de qualidade na nossa democracia e na nossa sociedade. A publicação A Radical Imaginação Política das Mulheres Negras Brasileiras também pode ser acessada pelos sites do MND, do Instituto Marielle Franco e da Fundação da Rosa Luxemburgo e traz aí uma grande contribuição dessas mulheres para o espaço da política institucional e da política comunitária.
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Hoje a minha fala aqui é muito breve. Eu gostaria de encerrar agradecendo esta oportunidade de estar somando neste evento, neste marco dentro do Senado Federal, agradecendo pelo convite e manifestando também o nosso interesse em seguir colaborando com as entidades governamentais, com as entidades da sociedade civil, na esperança de que a gente esteja aqui construindo um futuro mais digno para todos.
Obrigada e bom dia. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/PDT - DF) - Grata pela participação, Isadora.
Eu queria aproveitar - você citou aqui o Comitê de Gênero e Raça do Senado Federal - e também agradecer o apoio. A Val, que representa esse comitê, está aqui. Temos aqui também os nossos servidores da Procuradoria.
Eu queria agradecer demais este momento, um momento diante de tantas dificuldades que nós estamos enfrentando - não é, Senadora e colegas? -, de crise sanitária, crise econômica, violência de todo jeito... Ontem nós já vimos a situação de guerra ideológica, política, enfim. É o que nos espera! Vamos aguardar, em Deus, o bom senso da população para que todo esse processo que nós vamos viver neste ano seja o mais pacífico possível.
Na semana passada, a Procuradoria emitiu uma nota de solidariedade à Deputada Estadual Andréia de Jesus. Ela nasceu em 1978; começou a trabalhar aos 12 anos de idade como empregada doméstica; aos 19, se tornou mãe solo do Thiago, seu único filho; aos 35, ingressou na graduação de Direito graças a uma bolsa integral do Programa Universidade para Todos (Prouni); em 2018, tornou-se uma das três primeiras Deputadas negras da história da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Essa trajetória, senhoras e senhores, é um tesouro para a Andréia e para a sociedade brasileira, mas é um tesouro que precisa ser defendido.
Na sexta-feira passada, nós fizemos uma nota de solidariedade à Andréia, diante da seguida e continuada violência racial e política que ela vem sofrendo. Muitas dessas ameaças dizem explicitamente que ela será a próxima Marielle Franco - e não será! Um país não pode se dar ao luxo de perder nenhuma vida como a de Marielle. Então, todos os nossos olhos estão postos em Minas Gerais. Quero dizer que o Senado Federal, esta Procuradora e toda a bancada estamos com os olhos postos em Minas Gerais e na proteção da Deputada Andréia de Jesus!
Eu gostaria de pedir a todos aqui uma salva de palmas para ela, pelo excelente trabalho que vem desenvolvendo naquela assembleia e naquele estado! (Palmas.)
E, como a Profa. Izete falou, a nossa palavra, a nossa força é a nossa resistência. E é assim que a gente deve continuar não só no Parlamento, mas diante de toda a sociedade.
Bom, nós estamos chegando ao final, gente, desta sessão que muito me deixa feliz...
Nós estamos também aqui com a presença da Diplomata e Primeira Secretária Sra. Aminata Sy - Seja bem-vinda! - e da Assessora Política Ananda Osorio. Sejam bem-vindas! (Palmas.)
Gente, eu gostaria de também de...
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Eu falei do grupo Segura Elas, mas nós não falamos os nomes dos integrantes, que eu acho que é importante falarmos aqui: Any Lopes, na flauta, a quem quero agradecer. Já foi, não é?
À Iza, do cavaco. (Palmas.)
Obrigada, Iza.
Karol Cass, violoncelo. (Palmas.)
Ana Flávia, violão. (Palmas.)
E ao Mateus Timponi, no pandeiro.
Obrigada, viu, Mateus! (Palmas.)
Grata demais a todos vocês, gente!
Bom, eu acho que nós estamos encerrando, não é? Cadê a fala final aqui, gente, de encerramento? Posso encerrar?
Gente, olha, foi um momento muito especial esta manhã aqui do Senado. Eu já entro revigorada toda vez que a gente tem esses momentos de reflexão, em que a gente pode parar um pouco para pensar nos desafios que a gente tem aqui na Casa - e não são poucos -, da sociedade de um modo geral.
Então, eu quero agradecer demais a participação de todos vocês, de todos que nos acompanharam nesta audiência, principalmente as nossas convidadas. Gratidão mesmo por essa presença.
E a luta continua. Resistência sempre!
E, cumprida a finalidade desta sessão especial semipresencial no Senado Federal, eu agradeço às nossas convidadas, às personalidades que nos honraram com a sua participação.
Está encerrada a nossa sessão e boa semana para todos.
Obrigada. (Palmas.)
(Levanta-se a sessão às 11 horas e 37 minutos.)