1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
57ª LEGISLATURA
Em 18 de abril de 2023
(terça-feira)
Às 9 horas
31ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão especial foi convocada em atendimento ao Requerimento nº 271, de 2023, de autoria desta Presidência e dos Senadores Alan Rick, Carlos Viana, Paulo Paim, Randolfe Rodrigues e da Senadora Eliziane Gama, que solicitaram, em comum acordo com a Embaixada de Israel, a oportunidade de lembrar nesta sessão o Holocausto e o heroísmo do povo judeu na resistência ao nazismo.
De pé, façamos um minuto de silêncio em memória das vítimas.
(Faz-se um minuto de silêncio.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - A Presidência informa que esta sessão terá a participação dos seguintes convidados: Senador Fabiano Contarato, pelo Estado do Espírito Santo e Líder do PT na Casa; Sr. Daniel Zonshine, Embaixador de Israel no Brasil; Sra. Ilana Trombka, Diretora-Geral do Senado Federal; Sr. Gabriel Waldman, sobrevivente do Holocausto húngaro; Sra. Sarita Sarue, Coordenadora Educacional do Memorial do Holocausto de São Paulo; Sr. André Lajst, Presidente do StandWithUs Brasil; e Sr. George Legmann, sobrevivente do Holocausto.
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Convido agora, para compor a mesa, o Senador Fabiano Contarato, o Embaixador Daniel Zonshine, a Sra. Ilana Trombka, a Sra. Sarita Sarue e o Sr. André Lajst. (Palmas.)
Pediria a todos que, em posição de respeito, acompanhemos o Hino Nacional de Israel.
(Procede-se à execução do Hino de Israel.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Ainda em posição de respeito, vamos acompanhar a execução do Hino Nacional brasileiro.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Assistiremos agora a um vídeo institucional.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Concedo a palavra ao Senador Fabiano Contarato, por cinco minutos.
O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discursar.) - Senhoras e senhores, eu, inicialmente, quero agradecer ao meu colega e amigo, Senador Jaques Wagner, pelo convite para participar da abertura desta sessão especial, na pessoa de quem eu saúdo todas as pessoas que estão compondo a Mesa e todos os presentes.
A comemoração do Dia da Lembrança do Holocausto é um evento de extrema importância.
O genocídio nazista vitimou mais de 6 milhões de judeus. Também buscou o extermínio de negros, gays, pessoas com deficiência, ciganos, comunistas, Testemunhas de Jeová, entre tantas minorias.
Honrar as vítimas e os heróis da resistência judaica contra o Holocausto nos dá a oportunidade de refletir sobre essa tragédia à luz da nossa humanidade comum.
O lema do dia de hoje, lembrar para jamais esquecer, nunca esteve tão presente.
Os mais jovens não têm vivo na memória o trauma histórico do Holocausto. Para eles, a Segunda Guerra Mundial parece um evento distante. Não se tem, hoje em dia, a real noção do que foi o nazifascismo; do que foi a perseguição de minorias, com os métodos covardes dos regimes totalitários - poderio militar, polícias secretas, roubos, confiscos, propaganda -; do que foi o uso da tecnologia para divulgar mentiras escabrosas sobre gente inocente; do que foi a mobilização da sociedade por meio dos linchamentos e dos discursos de ódio e da supremacia racial; do que foi, enfim, o extermínio em massa nos campos de concentração.
O discurso neonazista, hoje em dia, atinge uma banalidade estarrecedora. Nós temos estudos recentes que apontam o crescimento de grupos neonazistas em quase 300% nos últimos anos. Muito disso se dá pela internet e pelas redes sociais. As denúncias sobre neonazismo nas redes cresceram em 60% segundo a ONG SaferNet. Os alvos são os mesmos: judeus, negros, mulheres, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+.
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O pior é que essas manifestações não ficam na internet; elas repercutem no mundo real. Nós vemos isso quando uma suástica é pichada numa universidade; quando um cidadão negro é perseguido no supermercado; quando políticos inescrupulosos tentam reescrever a história em benefício próprio; quando agentes do Estado defendem a tortura como algo natural; quando agentes de Estado defendem a tortura como algo natural, mas também quando um coletivo feminista ou LGBT é caluniado; quando uma mulher trans é espancada, agredida ou morta.
Senhoras e senhores, na minha vida política - e o meu querido Senador Jaques Wagner sabe disto -, em que pese a minha formação acadêmica ser no direito, sempre que eu posso ou eu tenho oportunidade... E pediria só mais um minutinho para tentar, quem sabe, tocar no coração com a literatura.
E, nesta sessão, eu não me canso de me lembrar de um poema do poeta inglês W. H. Auden, que, com bastante propriedade - e aqui eu quero fazer uma homenagem singela aos 6 milhões de vitimados e a todas as famílias do Holocausto -, diz:
Parem os relógios, cortem o telefone,
impeçam o cão de latir,
silenciem os pianos e, com um toque de tambor,
tragam o caixão, venham os pranteadores.
Voem em círculos os aviões
escrevendo no céu a mensagem: ele está morto.
Ponham laços nos pescoços brancos das pombas,
usem os policiais luvas pretas de algodão.
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
minha semana de trabalho, meu Domingo de descanso,
meu meio-dia, minha meia-noite, minha conversa, minha canção.
Pensei que o amor fosse eterno, enganei-me.
As estrelas são indesejadas agora, dispensem todas.
Embrulhem a lua, desmantelem o sol.
Despejem o oceano e varram o parque.
Pois nada mais tem sentido.
Nos dias de hoje, lembrar para não esquecer significa justamente isto: lutar contra a apatia, lutar contra a indiferença, lutar em favor do que é humano em todos nós.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Agradeço as palavras sempre inspiradoras do Senador Fabiano Contarato.
Concedo a palavra ao Sr. Daniel Zonshine, Embaixador de Israel no Brasil, por cinco minutos.
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O SR. DANIEL ZOHAR ZONSHINE (Para discursar.) - Caro Senador Jaques Wagner, sobreviventes, amigos embaixadores, amigos, em 1º de setembro de 1939, meu pai comemorou seu aniversário de 21 anos, em Varsóvia onde ele nasceu. Nesse mesmo dia, os alemães invadiram a Polônia e a Segunda Guerra Mundial começou. Alguns dias depois, meu pai, Jacob, saiu de casa, despediu-se de sua mãe sem saber que era a última vez que a veria e fugiu para o leste.
Nos anos seguintes, ele foi convocado para o Exército polonês, ficou na prisão, estudou alguns meses aqui e lá, trabalhou em fazendas na Rússia, principalmente naquelas onde os homens eram recrutados e precisavam de mão de obra. Seu salário era, na maioria dos casos, meio pão e um bloco de manteiga.
Como vocês sabem, ali, meu pai sobreviveu à guerra. Ele, ao contrário de muitos outros, teve muita sorte. A sorte era uma questão importante, às vezes, crítica naqueles dias de caos na guerra na Europa. Muitos outros, muitíssimos, não tiveram tanta sorte, nem a maioria da família de meu pai: seus pais, tios e outros parentes que viviam na Polônia.
Grandes comunidades de judeus viviam na Polônia e em outros países europeus, antes da guerra. A maioria de seus membros foi assassinada no Holocausto, de maneira sistemática, planejada e calculada, como uma verdadeira indústria da morte. Milhões de pessoas perderam a vida durante a guerra mundial, mas apenas um grupo foi perseguido e assassinado por sua crença religiosa: os judeus, 6 milhões deles, um pouco mais da população da cidade do Rio de Janeiro como um todo, não por causa de algo que fizeram ou deixaram de fazer, mas apenas por serem judeus. Imaginem! O Holocausto foi um evento único e sem precedente. Sua magnitude, seu alcance, sua crueldade calculada e organizada: a essência do mal humano.
Este ano marcamos o 80º aniversário da Revolta do Gueto de Varsóvia. Várias dezenas de jovens judeus, homens e mulheres, decidiram que não morreriam sem lutar. Não tinham chance real de derrotar a máquina nazista, eles sabiam disso. A maioria deles não sobreviveu; alguns, sim; e alguns deles vieram a Israel. A neta de um dos líderes tornou-se em Israel a primeira piloto de caça da Força Aérea Israelense.
Meu pai e minha mãe sobreviveram, cada um à sua maneira, cada um com suas grandes dificuldades. Eles se conheceram em solo russo, formaram família. Meu irmão nasceu Iá. Chegaram ao Estado de Israel e ali construíram uma casa. A família que eles estabeleceram é a resposta deles para aqueles que tentaram - e quase conseguiram - destruí-los, destruir-nos!
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Meu papel, como filho deles e como representante do Estado de Israel, é garantir que este tipo de evento ou algo semelhante a ele não aconteça mais. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Antes de convidar a próxima oradora, a Sra. Ilana Trombka, eu quero registrar e agradecer a presença do corpo diplomático dos seguintes países: da Bélgica, do Canadá, da China, de Cuba, dos Estados Unidos, da Grécia, da Hungria, da Irlanda, do Timor-Leste, da União Europeia, da Suécia e da Tanzânia. E quero registrar também a presença da Deputada Federal Cristiane Lopes e do Deputado Federal Messias Donato.
Passo a palavra à Sra. Ilana Trombka, por cinco minutos.
A SRA. ILANA TROMBKA (Para discursar.) - Bom dia a todos e a todas; bom dia, Senador Jaques Wagner e Senador Contarato.
Ao fazer os cumprimentos aos senhores, eu quero dizer que, como servidora do Senado e como mulher judia, é uma honra sentir que o Brasil está representado na figura dos dois senhores. Quero também cumprimentar o Embaixador Daniel Zonshine, que, na sua passagem pelo Brasil como Embaixador do Estado de Israel, tem feito um profícuo trabalho de aproximação dos órgãos públicos brasileiros com as questões do Estado de Israel. Cumprimento os demais membros da mesa.
Eu tenho um péssimo hábito: falar de improviso. E eu me uso da emoção que sinto no momento para falar de improviso, o que, às vezes, me coloca em situações bem complicadas, mas eu, teimosa que sou, talvez uma característica do povo judeu, que teima em sobreviver até hoje, sigo com esse meu hábito. E eu devo confessar a vocês que, quando eu ouvia o Hatikva, meus olhos encheram d'água - não é muito comum neste Plenário ouvirmos o Hino de Israel como fizemos hoje -, porque eu me lembrei da ocasião, em 2018, quando, representando o Senado Federal, eu estava no Knesset, no Parlamento de Israel, e lá pude dizer, também entre lágrimas, que eu nunca tinha pensado que na minha vida eu estaria representando o país em que eu nasci no país do meu povo. E talvez hoje eu tenha essa emoção invertida - invertida, mas igualmente importante - de ver este Plenário lotado, com cadeiras coincidentemente azuis e um carpete azul, as cores do Estado de Israel, e estar aqui falando no meu Senado Federal, lugar onde eu escolhi trabalhar e desenvolver minha carreira há 25 anos, do país do meu povo no país onde eu vivo.
Certamente, em 2018, quando Israel fazia 70 anos, lá se reuniram os Parlamentos do mundo para discutir a importância do Estado de Israel, e não há o que se dizer da importância do Estado de Israel para que um terror nazista nunca mais ocorra. Por isso, quando dizemos "Holocausto nunca mais", falamos ao mesmo tempo "Am Yisrael Chai", porque a sobrevivência de um povo depende da sua representação, depende de que ele tenha uma pátria, e o Estado de Israel é a pátria de todos os judeus no mundo.
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Preciso dizer para vocês também que, em 2013, em conjunto com o Museu do Holocausto de Curitiba, aqui representado pelo colega Carlos Reiss, nós fizemos uma exposição nesse Salão Negro, que muitos de vocês conhecem, que se chamava "Tão somente crianças: infâncias roubadas no Holocausto". Infelizmente, nada mais adequado para o momento que vivemos hoje, no Brasil, um momento de medo por perder a vítima, por ter crianças como vítimas em atentados contra elas; um momento em que os pais têm medo de levar seus filhos à escola. Será que teremos que dizer novamente que são "tão somente crianças" querendo viver as suas infâncias, como fizemos em 2013 neste Senado Federal?
A Primeira Guerra Mundial trouxe uma terrível originalidade, um plano de extermínio de um povo, de uma nação, mas não somente dos judeus; um plano de extermínio de todo aquele que fosse diferente: os negros, as pessoas com deficiência, as pessoas não cisgênero. Temos que aprender com a história e aprender que essa terrível originalidade que o Holocausto trouxe para a história nunca poderá ser repetida. A luta contra a violência, contra a iniquidade e contra a desumanidade é a luta deste Senado Federal, é a luta que esta Casa, representante da Federação, quer escrever nas páginas da história do Brasil.
E, para terminar e não estourar o meu tempo, porque eu tenho que ser aqui uma pessoa muito disciplinada, eu preciso fazer uma homenagem especial a dois sobreviventes do Holocausto, o Sr. Gabriel Waldman e o Sr. George Legmann, porque são as memórias vivas do terror nazista. E são as histórias deles que têm que nos inspirar para que continuemos lutando, por tanto tempo quanto for necessário, contra qualquer tipo de barbárie; barbárie essa que, hoje faz cem dias, ocorreu dentro deste Plenário com a invasão aos Poderes da República.
Não podemos esquecer o Holocausto nunca. Não podemos esquecer a violência contra qualquer um nunca. E não podemos esquecer a invasão de 8 de janeiro.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Neste momento assistiremos a uma apresentação de música instrumental, que será executada pelo quarteto de cordas composto pelos Srs. Carlos Eduardo, Cássio Silva, Nícolas Guilherme e Thiago Francis.
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(Procede-se à apresentação musical.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Dando sequência a esta sessão, eu quero anunciar também a presença da Senadora Ana Amélia e registrar, além do corpo diplomático já citado, a presença do Embaixador da Bélgica no Brasil, Sr. Peter Claes; do Embaixador do Canadá, Sr. Emmanuel Kamarianakis; da Embaixadora dos Estados Unidos, Elizabeth Frawley Bagley; do Embaixador da Hungria, Zoltán Szentgyörgyi; do Embaixador da Irlanda, Séan Hoy; do Embaixador do Timor Leste, Sr. Olímpio Maria Alves Gomes Miranda Branco; do Embaixador da União Europeia, Sr. Ignacio Ybáñez Rubio; e do Embaixador da Tanzânia, Sr. Adelardus Lubango Kilangi.
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Registro também a presença do Presidente do Grupo de Amizade Brasil/Israel da Câmara dos Deputados, o Deputado Federal Gilberto Abramo.
Concedo a palavra agora à Sra. Sarita Sarue, Coordenadora Educacional do Memorial do Holocausto de São Paulo.
A SRA. SARITA MUCINIC SARUE (Para discursar.) - Bom dia a todos. Em nome do Memorial do Holocausto de São Paulo, agradeço por estar aqui, e ao prezado Presidente do Senado Federal, Senador Rodrigo Pacheco; ao Senador Jaques Wagner, Ilana Trombka, ao Embaixador de Israel, Daniel Zonshine; a todos os embaixadores, cônsules, Deputados, Senadores, diplomatas, autoridades, e aos sobreviventes do Holocausto Gheorghe Legmann e Gabriel Waldman, aqui presentes nesta homenagem às vítimas do Holocausto, na ocasião do Yom Hashoá, o Dia da Lembrança do Holocausto.
Eu estava na última sexta-feira no Shabat, dia sagrado do judaísmo, reservada ao descanso e ao convívio familiar, em volta de uma mesa, celebrando a vida entre avós, pais, filhos, netos e bisnetos. Sempre me emociono, a cada semana, apreciando os valores da amizade, respeito, união e amor ensinados pelo exemplo pessoal, na vida cotidiana, e transmitidos de geração em geração.
Por uma fração de segundo me vem à mente que, passados os 78 anos do final da Segunda Guerra Mundial e do assassinato de milhões de pessoas, entre elas 6 milhões de judeus, sendo 1,5 milhão de crianças e bebês, é possível ver um judaísmo vibrante e preocupado com a sua memória.
Meu pai foi sobrevivente do Holocausto na Bessarábia, atual Moldávia, trabalhando como escravo em campos de trabalho forçado, e minha mãe, refugiada da Lituânia, tendo escapado da Europa sangrenta um pouco antes da invasão nazista.
Sei o quanto a vida deles foi difícil nos anos de guerra e de fuga. Entretanto, souberam educar meus irmãos e eu com muito amor, realizando aquilo que os nazistas jamais imaginaram: a continuidade de suas vidas no Brasil, o país que os acolheu com respeito e oportunidade para recomeçar uma vida.
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Vou repetir aqui o que minha mãe, D. Leia, aos 94 anos, naturalizada brasileira, sempre diz: "O Brasil é o melhor país do mundo!"
Por uma fração de segundo, entendo por que eu trabalho no Memorial do Holocausto, criando um espaço de diálogo, paz e curiosidade nesse Brasil pluralista e multicultural.
Citando o grande escritor israelense Amos Oz, no seu livro Como curar um fanático, "o despertar da curiosidade nas pessoas é uma maneira saudável de diminuir as diferenças e combater a intolerância e o preconceito".
E assim, diariamente, ao entrarmos com nossos visitantes na sinagoga que está preservada dentro Memorial, a primeira sinagoga do Estado de São Paulo, fundada em 1912, no bairro do Bom Retiro, criamos um momento de diálogo, de paz e humanização das diferentes fés e suas semelhanças.
Por uma fração de segundo, percebo nos olhos dos alunos do ensino médio de escolas públicas e particulares que visitam o memorial diariamente o valor da educação, o poder de transformar vidas, abrindo corações para conhecer novas realidades, crenças e culturas.
Sabemos que na ideologia nazista muitos grupos, além dos judeus, foram perseguidos, considerados inferiores, como sub-raças: os ciganos, as testemunhas de Jeová, os homossexuais, as pessoas com deficiências físicas e intelectuais, os comunistas, os negros e as pessoas que tinham empatia, arriscando suas vidas para salvar o próximo. Os valores se inverteram: o bem virou o mal e o mal virou o bem!
E finalmente, por uma fração de segundo, comparo essa triste realidade com o que vem acontecendo dentro das escolas brasileiras: os discursos de ódio daqueles que desumanizam suas vítimas por motivos vazios e ideias absurdas. A juventude precisa conhecer o que foi a ideologia nazista e suas consequências para toda a humanidade.
Recentemente fizemos uma parceria com a Secretaria de Educação da Bahia, gravando aulas para o canal Educa Bahia, para mais de 600 mil estudantes do ensino médio.
As crianças e os adolescentes são naturalmente curiosos e carecem de respostas dos seus de professores, mediadores, educadores e pais, para que lhes deem ferramentas para construir um mundo melhor. Ferramentas para o desafio de combater os negacionistas e os neonazistas.
Por uma fração de segundo, eu sinto a dor das vítimas.
Vamos sempre lembrar seus nomes!
Obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Concedo a palavra ao Sr. André Lajst, Presidente do StandWithUs Brasil.
O SR. ANDRÉ LAJST (Para discursar.) - Bom dia a todos.
Senador Jaques Wagner, cumprimento na sua pessoa todas as autoridades presentes, Deputados, Senadores.
Embaixador e grande amigo Daniel Zonshine, cumprimento o senhor e também, através do senhor, todos os embaixadores e diplomatas estrangeiros presentes nesta sessão tão importante.
Eu sempre começo falando a respeito do Holocausto, principalmente em sessões como esta, lembrando a história do meu avô. Diferentemente de algumas outras pessoas que falaram antes de mim, eu sou a terceira geração; não sou filho, mas sou neto de sobrevivente. Meu avô Chaim Lajst foi levado ao campo de extermínio de Sobibor. Não era um campo de concentração; era um campo de extermínio. A gigantesca maioria das pessoas que chegavam ao campo morriam no mesmo dia em câmaras de gás. Um senhor velhinho, quando o meu avô chegou à estação, disse ao meu avô: "Diga que você é jardineiro". Quando ele saiu do trem, ele disse que era jardineiro. Colocaram ele de lado, e ele ficou trabalhando no campo durante seis meses, misturando as cinzas dos mortos nos fornos com a terra. Seis meses depois, assim como teve o a revolta do Gueto de Varsóvia, que é a data que nós lembramos hoje, teve também um levante, uma revolta no campo Sobibor. Em torno de 15 a 20 judeus, incluindo o meu avô, fizeram uma revolta e assassinaram os 11 membros da SS que tomavam conta do campo. Conseguiram romper os portões e fugiram pela porta da frente. Trezentas pessoas fugiram, em torno de 55 pessoas sobreviveram, entre elas o meu avô. Senão, eu não estaria aqui contando essa história para os senhores.
A gente fala a respeito do antissemitismo e da necessidade educacional de nós lembrarmos e educarmos a respeito do Holocausto e do antissemitismo para as próximas gerações. O trabalho é pedagógico, mas a gente precisa sempre de lembrar também que o antissemitismo não começou na época do Holocausto. E aqui lembro as palavras do Rabino, já falecido, Jonathan Sacks, o ex-Rabino Chefe da Inglaterra, que falava que os judeus eram odiados na antiguidade por causa da sua religião, passaram a ser odiados depois por causa da sua raça, e hoje são odiados por causa do seu Estado nação.
Muitos falam que Israel foi fundado por causa do Holocausto, mas isso é um erro. Na verdade, Israel foi fundado, apesar do Holocausto, uma vez que muitos judeus já haviam migrado para a região dezenas de anos antes da fundação do Estado e dezenas de anos antes do Holocausto e de a Segunda Guerra Mundial começar.
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Alguns historiadores dizem que, se Israel existisse antes do Holocausto, o mesmo fato não teria acontecido ou não teria acontecido com a mesma intensidade. Milhões de judeus não tinham para onde ir. O mundo, durante a Segunda Guerra Mundial, estava dividido em dois blocos: lugares aonde judeus não podiam ir e lugares de onde judeus não podiam sair para serem assassinados.
Acho que o trabalho de a gente lembrar o Holocausto serve para todos nós, no mundo inteiro, em relação à perseguição a todas as minorias, aqui e ali, hoje, ontem e amanhã, para não esquecermos jamais o que o ser humano teve coragem de fazer com o seu semelhante e que a luta contra o racismo é uma necessidade constante e interminável.
Se o Holocausto - e eu digo isso sempre em palestras e aulas pelo Brasil - foi o momento mais escuro da história do povo judeu, a fundação de Israel, que este mês celebra 75 anos de independência, é, sem dúvida alguma, o acontecimento positivo e alegre mais importante da história do povo judeu nos últimos 2 mil anos.
Até gostaria de lembrar, então, algo muito importante: que recentemente, em alguns anos atrás, o Brasil já é membro observador do IHRA (International Holocaust Remembrance Alliance ou Aliança Internacional de Memória do Holocausto), que tem uma definição de trabalho contra o antissemitismo. E lá está, em um parágrafo, que a negação do direito de existência do Estado de Israel é considerada forma de antissemitismo. Eu vou repetir aqui, porque muitas vezes, Senador Jaques Wagner, nós escutamos discursos políticos no Brasil, inclusive de oficiais eleitos, que negam o direito de existência ao Estado de Israel. Eu não estou me referindo a críticas, a políticas de governo; eu estou me referindo especificamente à negação do direito de existência do Estado nacional.
E, por fim, eu queria dizer, em memória a Yom HaShoá, nesta respeitada Casa do povo, que lembro a vocês dois lugares importantes em Israel, um lugar que vivi durante dez anos. O primeiro lugar que eu gostaria de lembrar a vocês é o Monte Herzl. É o principal cemitério militar do Estado de Israel, que está numa montanha maravilhosa na capital do país, Jerusalém. Lá estão enterrados soldados caídos nas guerras de Israel. Este lugar nos lembra o preço de termos Israel. E não muito longe dali está o Yad Vashem...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ LAJST - ... o principal museu do Holocausto do mundo, que nos lembra o preço de não termos Israel.
Ihie zicronam Baruch, muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Registro a presença do Senador Paulo Paim, do Deputado Federal Delegado Caveira e do Encarregado de Negócios da Embaixada da Polônia, Maciej Brodowski.
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Antes de passarmos à audição de mais uma apresentação do quarteto, eu queria fazer a leitura da correspondência mandada pelo Presidente da Conib:
O Dr. Claudio Lottenberg, Presidente da CONIB, está impossibilitado de vir a Brasília por compromissos anteriormente assumidos.
Ainda assim, serve a presente para agradecer o convite e reconhecer a importante iniciativa desse ato promovido pelo Senado, por seu Presidente Rodrigo Pacheco e pelo Senador Jaques Wagner.
Prezar pela Memória do Holocausto, evento que resultou na morte de 6 milhões de judeus e milhões de vítimas de outras minorias, é indispensável para que tragédias como essa nunca voltem a acontecer!
Aproveitamos para reiterar nosso agradecimento pela renovada parceria na iluminação das Torres do Congresso em Yom Hashoá com a frase projetada HOLOCAUSTO NUNCA MAIS!
Acreditamos que, ao honrar a memória dos que pereceram, contribuímos inequivocamente para a construção de um mundo melhor e mais fraterno para todos.
A luta contra o Nazismo é um tema de toda a sociedade brasileira.
Em nome da Conib, pede-se a leitura dessa mensagem.
Eu queria agradecer e dizer que eu acho extremamente importante a presença nesta sessão, na galeria, de alunas e alunos da Escola Britânica de São Paulo. Eu queria dar as boas-vindas a todos vocês, às jovens, aos jovens, aos seus professores, aos seus orientadores.
Creio que a visita a Brasília para conhecer a capital da República, do nosso país, por si só já justificaria a presença de vocês neste Senado Federal, que é a representação da Federação. Mas eu diria que essa visita fica valorizada, para nós que organizamos o evento e eu espero que para vocês, assistindo ao evento, pelo fato de que um dos objetivos desta sessão é exatamente fazer chegar aos jovens, à nova geração, como vocês, o ocorrido há 78 anos, quase 80 anos. Eu acho que é preciso sempre recontar essa história de tristeza, mas também de heroísmo, para que, imbuídos desse espírito de fraternidade, de solidariedade, vocês possam merecer um Brasil, um mundo construído com base na valorização da vida humana, na centralidade da vida humana, da nossa espiritualidade e da convivência dos diferentes. Quero mais uma vez dar as boas-vindas e espero que a sessão possa inspirar vocês e seus educadores e educadoras a pensar um Brasil e um mundo cada mais fraterno.
Muito obrigado pela presença de vocês. (Palmas.)
Quero também registrar a presença da Senadora Damares Alves entre nós.
Nós agora assistiremos a mais uma apresentação de música do quarteto já nominado.
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(Procede-se à execução musical.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Agradeço aqui, em nome do Senado da República, a presença desse quarteto e a execução das duas peças.
Quero anunciar a presença também entre nós da Sra. Deputada Federal Sonize Barbosa e do Sr. Deputado Federal Sargento Gonçalves.
Passo a palavra agora ao Sr. Gabriel Waldman, sobrevivente do Holocausto húngaro, para que faça o seu depoimento.
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O SR. GABRIEL WALDMAN (Para discursar.) - Senhoras e senhores, muito obrigado por sua presença aqui, eu me sinto muito honrado.
Meu nome é Gabriel Waldman. Eu nasci na Hungria, em Budapeste, em 1938, portanto, um ano antes do começo da Segunda Guerra Mundial.
Existe um ditado, uma frase que se atribui a Stalin, não sei se é verdade, mas se atribui a ele. Diz a frase o seguinte: "A morte de seis pessoas é uma tragédia, a morte de cem milhões é uma estatística". Uma frase cínica, uma frase que a gente tem que repudiar, mas é verdadeira, infelizmente. Não existe forma de medir seis milhões de pessoas, a morte delas de uma forma humana, de uma forma sentida.
O fato é o seguinte, a nossa função como sobreviventes é arrancar esses mortos, essas vítimas do Holocausto do seu anonimato e por alguns minutos, pelo menos enquanto estamos aqui falando, dar vida a eles, dar palavra a eles, dar individualidade a eles. A melhor forma de fazer isso, talvez, seja contar nossa própria história.
Os alemães invadiram a Hungria em 1944, portanto, menos de um ano antes do fim da guerra, quando todo mundo já sabia, eles inclusive, que a guerra estava perdida. Eles invadiram a Hungria e aquilo que eles fizeram na Alemanha em seis anos, que é transformar antissemitas civilizados - vamos dizer assim -, de salas de estar, de clubes e coisas assim, onde eles palestravam sobre o antissemitismo, transformá-los em assassinos seriais! Na Hungria, eles fizeram isso em menos de seis semanas. Eles entraram na Hungria em março de 1944 e em abril os primeiros trens partiram para Auschwitz.
Eles tinham uma estratégia. Essa estratégia era o seguinte, primeiro, liquidar o interior da Hungria, que era mais fácil, porque bastava ter meia dúzia de antissemitas numa cidade com - digamos - 50 mil habitantes, porque cada um desses da meia dúzia poderia denunciar sei lá quantos outros judeus, do que em Budapeste, onde era mais fácil se esconder, pois era cidade grande, com mais de um milhão de habitantes. Então, eles primeiro começaram no interior.
Curiosamente - se a gente pode usar esse termo -, a família do meu pai era toda do interior, família grande, tios, tias, avós, meu próprio pai, primos - pencas deles -; não sobrou ninguém, ninguém, a não ser eu, que estava em Budapeste. Em Budapeste, a família da minha mãe, por sinal descendente da família Zweig, do escritor Stefan Zweig, que morreu no Brasil - o nome dele também era Zweig -, sobreviveram quase todos, porque tivemos sorte. O que fizemos? As escolhas foram simples. Tínhamos três escolhas: primeiro, ir para o gueto, isso quando os nazistas já estavam no auge do terror, ir para o gueto; mas a gente sabia que o gueto era meio caminho para a morte, para Auschwitz. O segundo era a possibilidade de ser escondido por alguém, algum cristão que pudesse nos esconder. Mas como pedir a alguém isso? Ele seria fuzilado se fosse descoberto; e não só ele, mas a família toda seria fuzilada.
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Não podíamos também.
A terceira opção era - não sei se vocês sabem disto - que os países neutros na guerra, como Suíça, Suécia, Espanha e até o Vaticano, diga-se de passagem, alugavam prédios e casas em Budapeste e colocavam essas casas sob a proteção das respectivas embaixadas e consulados. Os nazistas respeitavam isso mais ou menos, mas o país que eles mais respeitavam era a Espanha. Por que a Espanha? Porque a Espanha era o único país que não somente ficou neutro na guerra, mas reconheceu o Governo fantoche da Hungria, que era um Governo nazista, que os nazistas impuseram. E, por isso, eles eram mais respeitados que os outros. Nós conseguimos entrar em uma dessas casas espanholas.
Eu sempre digo: Francisco Franco era o ditador da Espanha, sem vergonha, porque reconheceu o Governo da Hungria, o nazista, mas que Deus o tenha, porque, por causa disso, eu estou vivo aqui. Nós conseguimos escapar da morte.
Mas isso não impediu que a gente visse, por exemplo, da casa da Suíça, que ficava a mais de 500m da casa onde nós estávamos, serem levados para Danúbio todos eles - velhos, jovens, crianças, senhoras, senhores, todo mundo - amarrados com arame farpado como se fossem um ramalhete de flores. O mais alto, o mais forte recebeu um tiro na cabeça, e todo o grupo - o ramalhete, vamos dizer assim - foi jogado dentro do Danúbio. O morto afundava todo mundo para baixo.
Sobrevivemos.
O grande escritor italiano Primo Levi escreveu um livro - ele era um grande escritor; era judeu e foi para Auschwitz - chamado Se Questo è un Uomo, que em português seria É isto um ser humano, em que ele descreve um incidente em Auschwitz de que ele participou. Era inverno. Os prisioneiros eram proibidos de beber ou comer qualquer coisa, mesmo se tivessem comida, fora do expediente - aquilo que os nazistas permitiram para ele. Primo Levi achou um pingente de gelo, arrancou o pingente de gelo, porque a sede era muito pior do que qualquer coisa, e pôs na boca. Nesse momento, passou um guarda nazista, arrancou da mão dele, jogou no chão, pisou em cima. Primo Levi, que a essa altura já estava mais perto da morte do que qualquer coisa, já estava semimorto de fome e tudo, perguntou: "Mas por quê?". E o nazista, o guarda, respondeu: "Porque eu posso!". Essa prepotência toda poderosa se manifestou nesse momento: "Eu posso".
Mas eu digo o seguinte: "Não pode, não, senhor guarda", porque acima da lei dos ditadorezinhos de plantão, como as leis raciais de Nuremberg, por exemplo, perfeitamente revogáveis - e logo mais foram inclusive revogadas -, tem uma lei maior, muito maior: a lei de Deus, que nós leigos interpretamos como moralidade e ética. Essa lei nos foi trazida por Moisés, lá alto de uma montanha, 4 mil anos atrás, e até hoje ela está vigente. E o primeiro mandamento dessa lei diz o seguinte: "Não matarás".
Obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Agradeço o depoimento do Sr. Gabriel.
Convido agora para o depoimento o Sr. George Legmann, sobrevivente também. (Palmas.)
O SR. GEORGE LEGMANN (Para discursar.) - Bom dia a todos, agradeço o convite e me congratulo com o Senador brasileiro por organizar essa data tão especial. Depois de oradores tão ilustres, é certo que não resta muito a falar.
Meu nome é George Legmann. Eu sou sobrevivente do campo de Dachau e eu nasci lá. O meu número é 86878. Meus pais eram da Transilvânia. Devido ao Tratado de Viena, em 1940, a Hungria se aliou ao eixo nazifascista, e a Transilvânia, que era um território romeno, foi cedida para a Hungria. Terminada a guerra, foi devolvida.
Em 16 de abril de 1944, conforme o Gabriel contou, o regime fantoche, que se aliou ao eixo nazifascista, junto com os fascistas, resolveu a solução final do povo judeu da Hungria. Viviam lá 880 mil judeus; terminando a guerra, sobraram 300 mil.
Minha mãe grávida foi levada para um gueto fora da cidade, na capital da Transilvânia, que se chama Cluj-Napoca, em Kolozsvár, em húngaro, Klausenburg, em alemão, em vagões ligados foram deportados para Auschwitz-Birkenau, junto com a minha avó materna que já era de idade, com o meu avô materno e com meu tio que tinha 16 anos, junto com meu pai. Numa parada de trem, meu pai se jogou do trem, ainda em território húngaro, e disse, segundo relatos: "Eu vou vir buscar vocês", ele foi preso, acabou no front russo, mas sobreviveu ao Holocausto.
Minha mãe chegou em Auschwitz-Birkenau, onde, na plataforma, quem estava presente, por acaso, era o Josef Mengele, e o megafone anunciava: "Quem não tiver força física para andar para ir para os alojamentos pode entrar nesses caminhões que estão à disposição". Quem entrou no caminhão foi para a câmara de gás imediatamente. Isso aconteceu com o meu avô materno e com o meu tio, que tinha 16 anos, porque ele tinha pisado num prego dentro do vagão e tinha infeccionado o pé dele.
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Minha mãe falou para a minha avó: "Você não é velha, eu não estou grávida, nós vamos aonde vai todo mundo". Elas foram transferidas para diversos campos e acabaram no campo de Dachau. Campo de Dachau foi feito em 1933 pelo Hitler e seus aliados quando... Hitler foi eleito democraticamente, mas depois, como não cuidaram da democracia, deu no que deu e, em 1939, eclodiu a Segunda Guerra Mundial. Dachau foi o primeiro campo de concentração, de extermínio no mundo. Estão lá os crematórios. Está lá para todo mundo ver.
Em 1945, 17 de abril, as tropas do General Eisenhower entraram no campo de Ohrdruf, e o General Eisenhower disse o seguinte: "Anotem tudo agora, consigam os filmes, consigam as testemunhas, porque, em algum lugar no caminho da história, algum bastardo vai se levantar e dizer que isso nunca aconteceu".
Quem estava lá junto, por incrível que pareça, e é uma coincidência, era o pai da Embaixadora Elizabeth Frawley Bagley: o Tenente John Frawley, que foi um dos libertadores dos campos de Ohrdruf e de Dachau. Estava junto com ele também o General Patton e o Omar Bradley, que foi o Segundo Comandante das Forças Aliadas. Quando eles viram o que aconteceu lá, Eisenhower imediatamente enviou dois aviões... Aliás, vieram com dois aviões jornalistas para documentar tudo isso, porque ninguém podia acreditar... Eles mesmo não acreditaram no que viram.
Portanto, nós temos que cuidar da democracia. A democracia é que nem uma flor. Se você não cuidar dela, se você não regá-la, ela murcha. Lá murchou e por isso que houve...
E eu represento aqui a voz de 1,5 milhão de crianças que não tiveram direito à vida. Foi o maior extermínio em massa que aconteceu. Não se compara a nenhum outro genocídio. Foi feita uma máquina para matar gente. Nós viramos números, os outros eram pessoas. Infelizmente, a humanidade não aprendeu, porque ainda tem governos que negam até hoje a existência do Holocausto.
Aqui no Brasil, que abriu a porta para aqueles que vieram para cá, e eu sou um deles, nós temos que cuidar da democracia para nunca mais acontecer o que aconteceu e nunca mais acontecer o 8 de janeiro, que foi uma afronta às instituições... (Palmas.)
... foi uma afronta ao ser humano, foi uma afronta ao povo brasileiro, pois perante a Constituição e perante Deus somos todos iguais, independentemente de credo, raça ou se um tem mais possibilidade física do que os outros.
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Portanto, vamos cuidar da democracia!
Agradeço a esta Casa mais uma vez o convite.
Democracia sempre e paz entre os povos!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Agradeço o depoimento do Sr. George Legmann, emocionado, como não poderia deixar de ser, porque quem presenciou o horror, ao se lembrar, não tem como não se emocionar. E eu acho que a emoção de cada um que teve que passar pelo terror acaba contaminando e contagiando positivamente cada um de nós para que a gente possa entender que não basta condenar, é preciso resistir, é preciso não ter valentia, mas ter coragem cidadã para enfrentar qualquer afronta à democracia, qualquer manifestação de preconceito, de discriminação, seja contra quem for, porque essa é a semente do terror: ela começa com o preconceito, e a árvore que daí nasce é uma árvore de terror, de morte, de exclusão.
Eu quero também registrar a presença da Deputada Geovânia de Sá e do Coordenador-Geral da Cooperação Humanitária na Agência Brasileira de Cooperação, Ministro José Solla Vázquez Junior, representando o Embaixador Ruy Carlos Pereira.
Quero registrar também para todos os presentes, agradecendo-lhes mais uma vez a presença, que neste momento o Senhor Presidente da República se reúne com os 27 Governadores do país, com o Ministro da Justiça e com outras autoridades responsáveis pelos temas de segurança e direitos humanos, exatamente para planejar, pensar coletivamente uma forma de enfrentar o horror que nós estamos vivendo com a ameaça às nossas crianças nas escolas. Essa é uma ponta de preconceito e de terror que, infelizmente, 78 anos após a Segunda Guerra Mundial, ainda insiste em viver entre nós, o que mostra como é importante haver reuniões, manifestações como esta que estamos fazendo aqui, de lembrar para não esquecer, porque, por incrível que pareça, com todos os depoimentos feitos, ainda vemos manifestações segregacionistas, manifestações preconceituosas. E, como foi registrado aqui, ainda vimos, para nossa tristeza e para tristeza do nosso país, o 8 de janeiro, que foi uma afronta à democracia feita aqui nesta capital da República.
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O Yom Hashoá ve Hagvurá (Dia da Lembrança do Holocausto e do Heroísmo), comemoração oficial do Estado de Israel, foi estabelecido com um objetivo amplo. Em parte, busca lembrar as vítimas do holocausto, o genocídio levado a cabo pelo Estado nazista e seus colaboradores principalmente contra mais de 6 milhões de judeus, mas que alcançou, também, populações romãs e sintis, poloneses, homossexuais, deficientes, comunistas, testemunhas de Jeová e adventistas, entre outros. Acrescenta, porém, outro viés importante: a resistência e o heroísmo do povo judeu em sua luta contra a máquina nazista, que teve como uma de suas maiores manifestações o Levante do Gueto de Varsóvia, acontecido a partir de 19 de abril de 1943, há 80 anos.
Cercados no bairro judeu de Varsóvia, Polônia, iniciaram reação armada contra as tropas nazistas, que já haviam deportado, desde o fim de 1942, mais de 300 mil dos 380 mil habitantes do local, levados para o campo de extermínio de Treblinka e imediatamente assassinados na chegada. Liderados por Mordechai Anielewicz, com poucas armas e chances ínfimas de sucesso, resistindo prédio a prédio, seguraram as tropas nazistas durante quase um mês, até sua inevitável derrota, que significou a destruição do gueto. Sua escolha, desde o início, não era entre viver ou morrer, mas "como morrer". Lutaram até o fim para preservar sua dignidade e a honra do povo judeu. Preferiram morrer lutando em vez de serem abatidos numa câmara de gás. Passou à história como um dos maiores movimentos de resistência civil contra o nazismo.
"Lembrar para jamais esquecer": o mote dos movimentos que mantêm viva essa lembrança é cada vez mais fundamental para toda a humanidade, que vê, assustada, o ressuscitar de ideologias que muitos julgavam mortas. Ideologias extremistas que pregam a inferioridade dos adversários e a sufocação e eliminação de vozes discordantes, que negam os fatos históricos e tentam emplacar narrativas falaciosas, apoiadas em ídolos de pés de barro e saudade de eras de ouro que nunca existiram realmente. A mentira tentando, novamente, virar verdade pela insistente repetição. Já sabemos onde isso pode dar: perseguição, guerra, genocídio, extinção das liberdades democráticas e dos direitos humanos, eliminação mesmo de qualquer vestígio do que nos torna humanos. Como sociedade, não podemos deixar que isso volte a acontecer. "Lembrar para jamais esquecer", mas agir para não permitir a repetição.
Nosso cumprimento a todos os judeus, que se encontram por quase todo o mundo, inclusive no Brasil, pela passagem de tão importante data, e saudação ao Estado de Israel, materialização política da férrea vontade e coragem do povo judeu. Holocausto nunca mais!
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Muito obrigado a todos. (Palmas.)
Antes do encerramento, nós vamos ter o prazer de ouvir a execução de mais uma peça pelo quarteto já anunciado.
(Procede-se à apresentação musical.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Agradeço mais uma vez ao quarteto, que nos honrou com suas peças, agradeço mais uma vez a presença de todos e todas que nos prestigiaram.
"Lembrar para não esquecer" é a mensagem que temos que guardar e propagar.
Muito obrigado a todos.
Está encerrada esta sessão.
(Levanta-se a sessão às 10 horas e 43 minutos.)