1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
57ª LEGISLATURA
Em 21 de novembro de 2023
(terça-feira)
Às 10 horas
174ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão de debates temáticos foi convocada em atendimento ao Requerimento 954, de 2023, de autoria desta Presidência e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
Esta Presidência informa que os cidadãos podem participar desta sessão de debates temáticos através do endereço www.senado.leg.br/ecidadania - é esse serviço que propicia que as pessoas entrem aqui na audiência conosco - ou também pelo telefone 0800 0612211.
A sessão é destinada a receber os seguintes convidados, a fim de discutir os desafios e as propostas do Brasil para a COP 28: o Sr. Rafael Ramalho Dubeux, Assessor Especial do Ministro da Fazenda; a Sra. Caroline Prolo, Advogada Especialista em Direito Ambiental e Direito das Mudanças Climáticas; a Sra. Samanta Pineda, Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades); a Sra. Suely Araújo, Especialista Sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima; a Sra. Cristina Mendonça, Diretora-Executiva da Mercy for Animals no Brasil; a Sra. Mariana Belmont, Assessora sobre Clima e Racismo Ambiental de Geledés Instituto; a Sra. Leticia Luz, Gestora de Projetos no Instituto Clima de Eleição; o Sr. Luís Fernando Guedes Pinto, Diretor-Executivo da Fundação SOS Mata Atlântica; a Sra. Waleska Queiroz, Mobilizadora e Articuladora Ambiental na Rede Jandyras; a Sra. Mônica Sodré, CEO na Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps); a Sra. Laura Moraes, Diretora de Campanhas da Associação Civil Sem Fins Lucrativos Avaaz; o Sr. Alexandre Prado, Diretor de Finanças Verdes do WWF, no remoto; a Sra. Marta Salomon, Especialista Sênior do Instituto Talanoa; e o Sr. Bruno Toledo, Pesquisador do Instituto ClimaInfo.
Finalizou, gente! São poucos, não é? (Risos.)
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A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento da nossa sessão: será inicialmente dada a palavra aos convidados, por oito minutos; após, será aberta a fase de interpelação pelos Senadores e Senadoras inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de cinco minutos para suas perguntas; e os convidados disporão de três minutos para responder à totalidade das questões do bloco.
As Senadoras e os Senadores poderão se inscrever para o uso da palavra, por meio do aplicativo Senado Digital, por lista de inscrição que se encontra sobre a mesa ou por intermédio dos totens disponibilizados na Casa.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF. Para discursar - Presidente.) - Eu gostaria de iniciar esta sessão agradecendo a presença dos nossos expositores. Quero agradecer a todos vocês que estão aqui conosco. Vai ser ... Eu estou muito, muito empolgada para ouvi-los, pela qualidade técnica e por toda a vivência que vocês têm nessa área ambiental. Nós, aqui no Senado, e a área técnica também estamos muito na expectativa. Então, quero agradecer a presença de todos vocês.
Eu gostaria, então, de iniciar esta sessão de debates temáticos agradecendo aos convidados por aceitarem o convite, por estarem aqui para contribuir com essa discussão, que é de extrema relevância para alinharmos os direcionamentos a serem levados para a 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas pela Mudança do Clima, a COP 28.
Há décadas, cientistas de todo o planeta trazem alertas dos riscos associados às alterações intensas que a humanidade provoca aos sistemas naturais. Precisamos entender que o calor extremo, as chuvas intensas e muito do que estamos vivenciando não era inesperado. Não foi por falta de aviso, não foi por falta de evidência científica.
Não à toa nossa Constituição Federal, já em 1988, trouxe um dispositivo aparentemente simples, mas fundamental para garantir a qualidade de vida do povo brasileiro. Em seu art. 225, nossa Carta Magna prevê que "todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Pode-se dizer que a garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a gerações futuras se refere à garantia de sobrevivência, de acesso à água potável, ao ar limpo, à alimentação saudável e a tantos outros direitos que dependem, direta ou indiretamente, da qualidade ambiental do meio em que vivemos.
Infelizmente, ao que parece, não há essa compreensão. Ao que parece, não há sentido falar de meio ambiente em um mundo de guerras onde crianças são mortas e, ao que parece, não há sentido falar de meio ambiente em um Brasil com milhões de pessoas passando fome. É como se fosse um debate desconectado, como se não fosse o caso de priorizar essa discussão. Entretanto, amigas e amigos, não será possível a vida humana neste planeta se não respeitarmos seus limites ecológicos. E trago alguns exemplos.
Segundo estimativa do IBGE, a safra de grãos, cereais e leguminosas deve ter uma queda de quase 3%no próximo ano devido às chuvas excessivas no Sul, ao calor no Centro-Oeste e à seca na Amazônia.
Pesquisadores da Cemaden e do Inpe apontam que, pela primeira vez, o clima de deserto é identificado em nosso país.
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A Região Amazônica enfrenta uma seca histórica, que já colocou dezenas de municípios em estado de emergência.
As chuvas intensas na Região Sul de nosso país dispensam comentários. Há algumas semanas, a triste realidade da região é retratada nos meios de comunicação, lembrando que a temporada de chuvas intensas, que ocorre normalmente entre dezembro e março, ainda nem começou.
A onda de calor que tem tomado conta de diversas regiões do país, inclusive aqui no Centro-Oeste, já atingiu mais de 1,4 mil cidades.
Segundo o Inpe, dias de calor forte subiram de 7 para 52 por ano, em três décadas.
As mortes de pessoas com mais de 65 anos relacionadas ao aumento da ocorrência de temperaturas elevadas aumentaram 85% desde os anos 90. As mortes por calor extremo podem aumentar cinco vezes até 2050.
O nosso Pantanal, mais uma vez, está em situação crítica em decorrência das queimadas intensificadas, deixando os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul em situação de emergência.
Eu poderia passar aqui o dia citando exemplos de como estamos sendo afetados pela mudança do clima. A emergência climática vai-se agravando em um efeito de bola de neve.
Com o aumento da temperatura, aumenta a demanda por energia, o que provoca o uso de termoelétricas que, por sua vez, aumentam as emissões de gases de efeito estufa. As alterações no regime de chuvas afetam a produção de alimentos, que, por sua vez, chegam cada vez mais caros à mesa dos brasileiros.
Se tudo isso não toca a nossa consciência, o que tocará? O que mais terá de acontecer para que as providências sejam tomadas?
No Brasil, durante a pandemia de covid-19, tivemos a tristeza de vivenciar o que a negação da ciência pode causar. Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se o poder público não tivesse negado as evidências apresentadas pela ciência?
O Brasil, que sempre liderou iniciativas de ações sustentáveis, que é o detentor da maior diversidade biológica do planeta, o país da diversidade cultural, social, de raças, de credos e de tantas outras diversidades que nos tornam únicos, deve liderar também esse debate. Deve, sim, mostrar ao mundo o que deve ser feito, começando por arrumar a bagunça dentro da nossa própria casa.
Precisamos acelerar os passos rumo à transformação ecológica não porque outros países esperam que o façamos, mas porque queremos e podemos ocupar o nosso lugar de destaque. É evidente que ninguém deve ferir a autonomia de um país.
Nós temos que atuar no enfrentamento à mudança do clima, porque isso salvará vidas - vidas humanas e não humanas. Isso permitirá um futuro possível aos nossos filhos, netos e todos e todas que virão.
O povo brasileiro, em um país que infelizmente possui abismos sociais e enormes desigualdades socioeconômicas, será um dos povos mais atingidos pelas mudanças climáticas. E esse é o motivo para nos colocarmos à frente nesse debate.
Não há sistema mais eficiente para controlar ressacas intensas do mar do que a vegetação de restinga. Não há sistema mais eficiente de produção diária de água que a Floresta Amazônica. Não há sistema melhor de captação, retenção e distribuição de água que o Cerrado. Não há fonte melhor para a cura de nossas doenças do que a biodiversidade. Não há lazer melhor do que estar em uma praia limpa, uma casa no campo, uma cachoeira ou um centro urbano que funcione, que tenha transporte inteligente, que permita transitar sem esgoto a céu aberto, que permita a vida digna nos aglomerados urbanos.
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Se não tratarmos hoje, com a devida urgência, da situação em que a emergência climática nos coloca, não haverá futuro. Não haverá meio de garantir um país habitável, o direito de acesso à água potável, à alimentação saudável às nossas futuras gerações.
Já sabemos que países desenvolvidos não cumpriram o que prometerem nessa agenda. Já sabemos que não vamos alcançar as metas acordadas. E então, o que faremos? Qual será o papel do nosso país nesse cenário? Se assim mantivermos, em que condições viverão os quase 214 milhões de brasileiras e brasileiros nos próximos anos?
Proponho que possamos refletir sobre o que podemos fazer da porta para dentro, como fazem as famílias quando enfrentam algum problema. E, uma vez alinhados dentro de casa, que possamos saber o que levar da porta para fora.
Finalmente, quero enfatizar que a mudança do clima não atinge todos nós da mesma forma. Há uma clara diferenciação social, racial e de classe na maneira como esses desafios caem sobre nós. Nessa Semana da Consciência Negra, cujo dia foi celebrado ontem, é preciso reconhecer a necessidade de falar de justiça ambiental; de racismo ambiental.
São enormes os nossos desafios. A realidade é dura e já afeta milhões de pessoas em todo o território brasileiro. É preciso coragem, compromisso e seriedade para tratarmos da realidade que nos é imposta.
Apesar desse enorme desafio, há uma janela de oportunidades, que não ficará aberta por muito tempo. O Brasil pode sair na frente no cenário global, exportar sustentabilidade, gerar novos empregos para aqueles que vão construir os caminhos para a transformação ecológica e amenizar, mesmo que localmente, os efeitos da mudança do clima, sem deixar, é claro, de cobrar que o mundo faça o mesmo.
Não há um planeta B para vivermos, e, se houver, sabemos, não serão todos que conseguirão uma passagem.
Espero que este debate nos ajude a trilhar o melhor caminho para um futuro possível.
Um ótimo evento para todos nós.
Muito obrigada. (Palmas.)
Bom, vamos começar com as falas dos nossos expositores.
Concedo a palavra ao Sr. Rafael Dubeux, que é Assessor Especial do Ministro da Fazenda.
Seja bem-vindo, Rafael!
O SR. RAFAEL RAMALHO DUBEUX (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos!
Queria iniciar saudando a Senadora Leila, que preside esta sessão e que, entre outras pautas, se destaca no trabalho em defesa do meio ambiente.
Queria saudar aqui os demais painelistas, as senhoras e os senhores aqui presentes.
É uma honra vir aqui ao Senado Federal tratar desse tema da maior relevância para o Brasil e para o mundo, que são os desafios que a gente enfrenta agora e que serão discutidos na COP 28, que se iniciará nos próximos dias em Dubai.
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O Ministério da Fazenda, sob a orientação do Ministro Fernando Haddad, desde o início do ano, vem trabalhando no que a gente tem chamado de Plano de Transformação Ecológica, que representa um conjunto de ações fundamentais para que a gente possibilite ao mesmo tempo descarbonizar a economia brasileira e promover o crescimento econômico e o adensamento tecnológico do setor produtivo brasileiro, de maneira que a gente aproveite essa necessidade, esse imperativo ético de enfrentar o desafio das mudanças do clima, ao mesmo tempo em que a gente dialogue com a agenda, com a necessidade nacional de promover o desenvolvimento econômico.
Para isso, todo o Governo Federal vem participando dessa agenda, que é uma agenda que envolve praticamente todos os ministérios do Governo, uma agenda imensamente transversal e que dialoga com a política industrial que vem sendo tocada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que dialoga com a política ambiental evidentemente e a climática, liderada pela Ministra Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que dialoga com a política de agricultura e pecuária, com a política de energia, com a política de mineração e de várias outras áreas, e tem como esse grande propósito reunir estes dois grandes objetivos, de promover o desenvolvimento e ao mesmo tempo descarbonizar a economia brasileira.
Esse conjunto de ações já vem produzindo alguns resultados, alguns dos quais com a contribuição decisiva aqui do Senado Federal e, em particular, da Senadora Leila. Eu destacaria aqui a aprovação, poucas semanas atrás, do projeto de lei que institui um mercado regulado de carbono no Brasil, que foi relatado pela Senadora Leila e agora está em tramitação na Câmara dos Deputados. Além do mercado de carbono, o Governo brasileiro teve outra iniciativa que eu gostaria de destacar aqui, que é a emissão dos títulos soberanos sustentáveis. Vários outros países latino-americanos já haviam feito emissões soberanas, temáticas, ambientais, ou verdes, ou sustentáveis. O Brasil ainda não tinha entrado nessa agenda. Desde o início do ano a equipe da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda vem trabalhando nesse tema, criou o framework, o documento básico para as emissões, a governança das emissões, foi feito um roadshow internacional, e a gente conseguiu fazer a emissão na semana passada, totalizando US$2 bilhões, captados, vinculados a projetos verdes e sociais no Brasil diretamente ligados a essa pauta da transformação ecológica.
Associado a isso também, parte desses recursos devem ser alocados no novo Fundo Clima. Em verdade, o Fundo Clima existe desde 2009, mas foi profundamente redesenhado cerca de dois, três meses atrás a partir da resolução do Conselho Gestor do Fundo Clima e do Conselho Monetário Nacional, para que ele passasse a ter uma dimensão muito maior do que a que ele tinha anteriormente e pudesse ter capital suficiente para financiar, na velocidade que a gente necessita, esse esforço de transformação ecológica que o Brasil precisa implementar.
Além disso, eu gostaria de destacar aqui os resultados do PPCDAm, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, que, nesse breve período do novo Governo do Presidente Lula, já conseguiu trazer uma redução, se a gente compara os meses deste ano com os mesmos meses do ano passado, de quase 50% na taxa de desmatamento no Brasil, claramente trazendo uma inversão da curva ascendente de desmatamento para uma curva agora fortemente declinante. E a gente espera que prossiga nos próximos anos o declínio para que a gente chegue à taxa de desmatamento zero no Brasil.
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Todo esse conjunto de ações - e há várias outras aqui que eu não vou seguir mencionando - compõem esse esforço de transformação ecológica, que envolve a área de energia, a área de agricultura, a área de indústria, que envolve muito esforço de pesquisa e desenvolvimento para que o Brasil também avance nas etapas mais intensas de desenvolvimento tecnológico aqui no Brasil. E, para além dessa agenda doméstica, a gente tem propriamente uma agenda internacional, que é o tema central propriamente da COP. A ideia é a gente não apenas apresentar o que o Brasil já vem fazendo, mostrando o compromisso do Brasil nessa área, mas também essa agenda internacional, a dimensão internacional desse esforço de transformação ecológica.
E, aí, eu queria iniciar realçando a fala dessa agenda internacional, a mudança, a atualização do compromisso brasileiro na NDC, o compromisso à meta nossa de descarbonização, que foi revisada agora, no mês passado, no anúncio com o Presidente Lula, com a Ministra Marina, para que a gente retomasse a NDC original, que havia sido de certa maneira distorcida pela gestão anterior, pelo Governo anterior, que negligenciava, para ser generoso, essa pauta. E a meta de descarbonização, a meta da NDC brasileira, que era de uma redução de 37% em relação às emissões de 2005, passou para uma redução de 48% até 2025, ou seja, daqui a dois anos já, uma redução de 53% até 2030, e mantemos o compromisso de chegar ao net zero, o zero de emissões líquidas até 2050.
Quando a gente compara isso com outros países, a gente vê que o compromisso brasileiro é um dos mais avançados do mundo, ao menos entre países em desenvolvimento, mais avançado do que muitos dos países desenvolvidos, que são os principais responsáveis historicamente pelas emissões, o que mostra o compromisso brasileiro com essa agenda, que, como já comentei, possibilita não apenas a gente reduzir o nosso impacto ambiental, mas também, por conta da biodiversidade brasileira, por conta da matriz elétrica limpa que a gente tem comparativamente com outros países, por conta da disponibilidade de recursos minerais estratégicos aqui no Brasil...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL RAMALHO DUBEUX - ... tem essa possibilidade de promover também o desenvolvimento econômico do país.
E a gente vai agora, nessa COP, enfrentar dois grandes desafios, que eu gostaria de destacar aqui. O primeiro é o chamado GST, ou balanço geral do Acordo de Paris, avaliar o que foi feito desde o Acordo de Paris em 2015 até hoje, o quanto a gente avançou e o quanto falta a gente avançar. A gente tem visto, pelos fenômenos climáticos extremos no Brasil e no mundo, o quanto a gente ainda precisa acelerar essa agenda de descarbonização em todo o planeta. E, juntamente com isso, o desafio colocado, para além dos esforços de mitigação e de adaptação, o desafio claramente ainda distante da meta é o desafio dos meios de implementação ao compromisso dos países ricos em auxiliar os países em desenvolvimento a enfrentar essa agenda, que tem estado aquém do necessário, muito aquém do necessário, e é um debate que vai voltar...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL RAMALHO DUBEUX - ... a ficar no centro da pauta. E a gente espera poder concluí-lo e trazer ganhos reais para o Brasil e para o mundo.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós é que agradecemos a participação, Rafael Dubeux, que é Assessor Especial do Ministério da Fazenda, representando o Ministro Fernando Haddad.
Eu peço desculpas porque nós temos um tempo muito restrito aqui. Eu acabei de falar com a assessoria: será que não dá para tocar só uma vez com a pessoa ficando... Mas fiquem à vontade para concluir a palavra de vocês. Nós estamos aqui para ouvi-los.
Obrigada, Rafael.
Eu concedo a palavra agora para a Sra. Caroline Prolo, que é Advogada especialista em Direito Ambiental e Direito das Mudanças Climáticas, por oito minutos.
Seja bem-vinda, Caroline.
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A SRA. CAROLINE DIHL PROLO (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos e a todas.
Exma. Senadora Leila Barros, Sras. e Srs. Senadores, ilustres colegas expositores, primeiramente gostaria de agradecer o convite, a oportunidade de fala nesta discussão tão importante. Eu venho aqui na condição de cofundadora da LACLIMA, a primeira organização de advogados de mudanças climáticas da América Latina. Venho como advogada atuante nas negociações internacionais de mudanças climáticas da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, por meio de organizações internacionais há mais de dez anos e também, mais recentemente, como investidora dedicada à descarbonização e à transformação climática das empresas brasileiras no time da fama re.capital.
O somatório dessas minhas experiências me permitiu enxergar a questão climática sob diversas perspectivas e reconhecer a fundamental importância do espaço de articulação multilateral que é a Convenção do Clima da ONU e o Acordo de Paris. Não é autoevidente, mas o que acontece nas COPs realmente cria as bases para diversas ações que são adotadas em nível de Governo e também pelo setor privado e os atores de mercado no Brasil.
As COPs criam instrumentos econômicos arrojados, mecanismos de financiamento verde e enviam sinais de mercado importantes na descarbonização da economia. Podemos dizer que as COPs têm sido uma das maiores forças motrizes do desenvolvimento sustentável. Para dar exemplos, na COP 13, em 2007, foi inaugurada uma plataforma de REDD+, para disponibilizar informação sobre as atividades que reduzem emissões de desmatamento por meio da conservação florestal em países em desenvolvimento. E, na COP 19, em 2013, foi estabelecido um mecanismo de REDD+ de Varsóvia, que viabilizou a remuneração dessas atividades no formato de pagamento baseado em resultados com recursos de países desenvolvidos e intermediação do Green Climate Fund, o GCF. O Brasil foi o primeiro beneficiário do mundo dos recursos de REDD+ junto ao GCF. E foi na COP 21, em 2015, que foi assinado o Acordo de Paris, que convoca expressamente o setor privado, o mercado financeiro, a ajudar a tornar os fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória de descarbonização. Isso trouxe um enorme estímulo ao mercado global de títulos verdes ou títulos sustentáveis, green bonds, como já foi mencionado aqui, que inclusive estava começando a se expandir. E hoje, como sabemos, o Brasil é um emissor de títulos sustentáveis soberanos.
E, daqui a dois anos, o Brasil vai sediar uma COP, o que significa que também poderemos fazer a história daqui, criando iniciativas inovadoras para lidar com a descarbonização e com os desafios das mudanças climáticas, aproveitando as soluções baseadas na natureza que só um país como o Brasil pode oferecer e sendo parte da solução da crise climática. O país que preside uma COP tem poderes e responsabilidades enormes em conduzir uma negociação que seja capaz de entregar esses resultados. E é uma negociação que envolve 195 partes, que têm que concordar em consenso com todas as decisões adotadas.
O ano em que o Brasil sediará a COP é nada menos que o ano em que os países deverão apresentar uma atualização das suas metas climáticas, as suas NDCs. E recentemente foi publicado um relatório pela Convenção do Clima, que somou todas as metas atuais e mostrou que elas não somente não são suficientes, como, se dependermos só do cumprimento dessas metas, vai haver um aumento de 9% das emissões globais até 2030 em relação aos níveis de 2010; ou seja, em vez de as metas nos levarem a uma redução de emissões, estão nos levando a um aumento. E a ciência diz que, para evitar o aumento de temperatura perigoso para a vida na Terra, as emissões líquidas de gás de efeito estufa globais precisam ser cortadas pela metade até 2030. Por isso, o ano de 2025 vai ser crucial como última oportunidade de revisão dessas metas até 2030. E o Brasil tem grande responsabilidade de liderar esse processo de aumento de ambição.
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Isso finalmente me leva a falar da COP 28, que acontece neste final de ano em Dubai. Essa COP emblemática, sobretudo porque nela vai ser feito, como já mencionado aqui também, um balanço global da implementação do Acordo de Paris. Essa é uma análise em agregado. Ela não tem o objetivo de individualizar países, apontar dedos, mas, sim, fazer uma avaliação do progresso coletivo dos países no atingimento dos objetivos do Acordo de Paris, inclusive do objetivo de se evitar um aumento perigoso da temperatura global.
E não basta só a gente conhecer esses dados da avaliação global; é preciso fazer algo com relação a eles. O Acordo de Paris diz que os resultados desse balanço global devem ser levados em consideração pelos países na atualização das suas subsequentes NDCs. Isso significa que as NDCs que vão ser apresentadas na COP em 2025 no Brasil, em Belém do Pará, devem respeitar os resultados desse balanço global que vai acontecer neste ano. E como garantir que isso vai efetivamente ser levado em consideração pelos países que vão apresentar as suas NDCs em Belém do Pará? Aí é que destaco aqui que é interesse do Brasil que esse processo de balanço global do Acordo de Paris, que vai acontecer este ano na COP 28, tenha um desfecho robusto, encaminhando medidas concretas a serem adotadas pelos países para revisão das suas metas, das suas NDCs em 2025. Quanto mais robusta a decisão dessa COP em relação a isso, mais fácil vai ficar o trabalho do Brasil na COP de Belém do Pará. Inversamente, se a decisão for fraca, o Brasil vai ficar sem respaldo para convencer 194 países-membros do Acordo de Paris a assumirem metas mais ambiciosas dentro de apenas dois anos.
Então, há muito em jogo nessa liderança brasileira. Se nós não formos, brasileiros, capazes de mobilizar mais ambição de mitigação até 2025 com essas novas NDCs, vai se criar uma percepção de que falhamos todos, como sociedade global, no Acordo de Paris. O Brasil precisa, portanto, adotar uma postura de liderança desde já, mostrando que tem condições de encarar esse desafio daqui a dois anos.
Repito, não é um desafio pequeno, mas eu não tenho a menor dúvida de que o Brasil é o único país capaz de fazer isso. Pela habilidade dos nossos diplomatas, os nossos representantes de Governo envolvidos no processo, a possibilidade real de o Brasil ser uma ponte na polarização entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, e pela força da nossa sociedade civil, o apoio do setor privado e o engajamento crescente dos nossos Parlamentares com as questões de clima, eu acredito que nós estamos quase prontos para isso.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Caroline Prolo, advogada especialista em Direito Ambiental e Direito das Mudanças Climáticas.
A próxima a ter a palavra é a Sra. Samanta Pineda, que é Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), por oito minutos.
Seja bem-vinda, Sra. Samanta.
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A SRA. SAMANTA PINEDA (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos. Bom dia, Senadora Leila. Novamente a gente está aqui, discutindo essas questões. Quero parabenizá-la por essa coragem, porque a sua origem é do esporte, e de repente eu a vejo apaixonada pelas questões ambientais. Isso é imprescindível neste país, que precisa dessa força genuína dentro do Poder Legislativo para que a gente consiga olhar para isso de uma forma séria. Então, muito obrigada; inclusive pela oportunidade de estar aqui.
Foi muito bem falado aqui pelo Rafael, pela Dra. Caroline, minha colega, advogada especialista em Direito Ambiental, a respeito das oportunidades que o Brasil tem, de fato, de liderar essa discussão; mas eu sempre gosto de aproveitar essas oportunidades para falar dos nossos desafios. A oportunidade a gente conhece: o Brasil tem 66% de florestas nativas; nós temos um sistema produtivo diferenciado, com leis que têm reservas legais e áreas de preservação permanente, principalmente nas áreas rurais; a nossa legislação é robusta, a gente nasceu com uma legislação diferenciada no meio ambiente - em 1605 tivemos aqui o Regimento do Pau-Brasil -, então nós já nascemos diferentes; mas nós temos alguns desafios que precisam ser encarados de uma forma séria. A gente não pode cobrir os cantinhos, as arestas que nós temos, principalmente com a responsabilidade, aqui destacada pela Dra. Caroline, que a gente vai ter aqui na COP 30.
Primeiro, o Brasil precisa fazer um planejamento estratégico de uso do seu território. Eu entendo que a gente apanha tanto lá fora com relação a desmatamentos ilegais, com relação ao excesso de queimadas que nós temos, porque nós não dissemos ao mundo o que queremos fazer com o nosso território. Se nós olhássemos para a Amazônia e, de forma séria, correta, disséssemos: "Olha, desse território aqui X por cento vão ser áreas indígenas, X por cento vão ser unidades de conservação, X por cento vão ser convertidos para áreas de plantação de alimento, X por cento vão ser isso, as emissões para esse planejamento vão ser tantas e vão ser mitigadas dessa forma", nós não teríamos tantas críticas. Porque o que parece é que, cada vez que a gente dá um passo, a gente faz uma guerra. É para fazer exploração de petróleo na Foz do Amazonas? Meu Deus, cai o mundo de um lado e cai o mundo de outro, porque não era para fazer uma transição energética? Nós não estávamos apostando em energia limpa? Por que vamos explorar petróleo? "Ah, tem uma mina de exploração de potássio também lá na Amazônia", o que é que a gente vai fazer com isso? "Não, não pode", "esse minério pode ou não pode". Então, a falta de determinação do que se vai fazer, de assumir os prós e contras dessas decisões e de assumir, de fato, para o planeta quais vão ser as medidas de mitigação desses impactos gerados é que eu acho que nos coloca numa posição tão frágil, tão vulnerável a ataques externos.
Como foi falado aqui também, nós temos perante o mundo - o Rafael falou muito bem - uma obrigação de juntar essas agendas de desenvolvimento e de cuidado com o meio ambiente. Não dá para fazer uma coisa só, a gente precisa crescer e a gente precisa cuidar do meio ambiente. Nós não podemos deixar essa discussão ser desviada politicamente. Do que é que eu estou falando? Até agora, nós sabemos, a ciência diz, que 75% das emissões são causadas por queima de combustível fóssil para a geração de energia. Isso sempre foi discutido. Lembro que a gente vai para a COP 28, então há 27 anos nós estamos discutindo nas COPs quais as causas principais de geração de efeito estufa e o que a gente precisa fazer para mudar isso. E, de repente, agora a coisa está virando, parece-me, para jogar para o lado pobre do mundo a responsabilidade, e a discussão agora vão ser os sistemas alimentares. Eu não estou dizendo que não se pode discutir sistemas alimentares, tem que ser discutido de que forma produzimos o alimento e qual impacto isso gera, agora, vamos lembrar que a regra desse jogo é falar de transição energética. Isso atinge os países ricos.
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Lá na COP de Copenhague, disseram que iam colocar US$100 bilhões por ano no fundo e não colocaram, e agora parece que estão querendo rediscutir regra de jogo. Vamos olhar para sistemas alimentares, obviamente, aqui no Brasil a gente não tem a maioria das emissões de queima de combustíveis fósseis, é por conversão de uso da terra, mas de que forma é essa conversão de uso da terra? O Brasil tem um problema, mas o mundo, lembrando a fala da Dra. Caroline aqui, vai falar de emissão global, de balanço de emissão global, a gente precisa falar de energia.
Essa COP vai ser nos Emirados Árabes, um produtor notável de combustível fóssil, e tem como Presidente o Presidente da Petrobras lá. Por que o Presidente da COP neste ano é o Presidente da Petrobras nos Emirados Árabes? Porque, segundo a justificativa, é louvável a iniciativa dessa produtora de combustível fóssil pelo tanto que tem investido em produção de energia limpa. Por que então a gente tem um conceito de adicionalidade que não premia as iniciativas que são limpas? Vou falar aqui para quem é leigo no assunto. O que é adicionalidade? É o que você precisa para ter o seu projeto aceito no mercado de emissões. Adicionalidade é aquilo que você consegue de redução de emissões que você não teria se você não tivesse um projeto. Acontece que aqui no Brasil a gente já sai na desvantagem por ser muito sustentável, nós temos sistemas de produção, principalmente no nosso agro, que são muito menos impactantes do que qualquer outro lugar do planeta. Só que a adicionalidade é igual para todo mundo porque ela se compara consigo mesma. O produtor da Europa se compara com ele mesmo no ano passado, e o produtor do Brasil se compara com ele mesmo no ano passado. Só que aqui a gente tem plantio direto, uso de bioinsumo, nós temos reservas legais, áreas de preservação, nós termos várias formas de produção sustentável que, lá na Europa, na China ou nos Estados Unidos, não tem. Então eles vão conseguir muito mais lucro com o projeto de carbono do que nós que somos sustentáveis, estamos sendo punidos por sermos mais sustentáveis.
A proposta é que o Brasil, primeiro, discuta o conceito de adicionalidade nas mesas internacionais para que essa régua, essa linha de base, possa ser um pouco mais igualitária, um pouco mais justa, para não punir quem é sustentável, para que a gente consiga também ter o lucro que a China teve no ano passado com suinocultura e com rizicultura, emitindo a maioria dos créditos de carbono do mercado que vêm do agro, porque eles eram ruins, porque aqui a gente não consegue emitir os mesmos títulos, porque somos muito sustentáveis. Então acho que o Brasil precisa olhar para isso.
Planejamento estratégico de uso do território, discutir o conceito de adicionalidade, regular o seu mercado de emissões interno, a gente precisa levar essa discussão adiante. Louvável também, por unanimidade, essa Senadora conseguiu, por unanimidade, aprovar esse projeto aqui nesta Casa e agora está lá na Câmara para ser discutido, precisa de seriedade, de profundidade, para ser discutido esse mercado de emissões brasileiro.
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E, por fim, eu acho que o Brasil precisa liderar uma discussão de desenvolvimento includente, aquilo que Rafael falou aqui antes de mim. Nós não podemos fazer com que o sul do mundo, e aí vamos falar de sudeste asiático, de África, de Brasil, de países em desenvolvimento, pague essa conta.
Nós temos que liderar essa conversa para que o Brasil, já que vai sediar a COP 30, seja ele o elo entre esses países em desenvolvimento e os países desenvolvidos, para que em bloco consigam discutir conceito de adicionalidade, transferência de recursos, falar a respeito daquele fundo que deveria ter sido instituído a partir da COP de Copenhague e não foi.
E no ano passado estávamos lá na COP 27 e criaram mais um fundo, que agora é o de mitigação. Só que de uma forma vazia, porque não tem meta, não tem objetivo, não tem roadmap, não tem o que fazer.
Então, eu acho que o Brasil precisa nesta COP se colocar realmente como um diferencial. A solução para os três maiores problemas do planeta: a falta de alimento, a crise energética de energia limpa e a crise climática. Só assim nós vamos conseguir ter o espaço que merecemos.
Claro, ousando nas metas, conciliando desenvolvimento com o cuidado e a proteção e fazendo principalmente com que esse setor alimentar, que está no art. 2º do próprio Acordo de Paris, a segurança alimentar. Não seja o agro a pagar por essa conta...
(Soa a campainha.)
A SRA. SAMANTA PINEDA - ... mas seja de fato uma plêiade de ideias e de sugestões, para que o mundo consiga olhar para a questão de desenvolvimento e de cuidado com o meio ambiente na mesma esteira, que não sejam antagônicos.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Samanta Pineda, que é Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, o IbradeS.
Eu vou conceder a palavra agora à Sra. Suely Araújo, Especialista Sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima. Seja bem-vinda, Sra. Suely.
Eu gostaria de destacar aqui a presença do Senador Carlos Heinze. Bom dia, Senador. Após a Sra. Suely, eu passo a palavra para o senhor. Obrigada.
A SRA. SUELY ARAÚJO (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos. Eu queria primeiro agradecer, em nome do Observatório do Clima, o convite para participar desta sessão, Senadora. E nós estamos sempre a postos, disponíveis para auxiliar o Parlamento nas discussões sobre a questão climática.
Bom, eu vou na mesma linha que a Carol Prolo, no sentido da necessidade de destacar o potencial do Brasil em termos de assumir a liderança de um novo momento nas negociações internacionais, no sentido de descarbonização e de compromissos mais rigorosos, mais vigorosos em termos de redução de emissões, investimento em ações de adaptação. E é quase como uma demanda que o mundo assuma que está entendendo a realidade que está posta.
O ano de 2023 provavelmente será considerado o ano mais quente da história. Nós estamos tendo sinais, experimentando, estamos com experiências do que vai ser o mundo com um 1,5º a mais de temperatura, considerando os níveis pré-industriais, que é o limite que nós lutamos para que não seja ultrapassado, e neste ano nós já estamos experimentando o que é chegar a este limite.
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Então, mesmo que tenhamos melhorias no ano que vem ou no outro, a crise está posta. Nós estamos experimentando situações que nós imaginávamos que só iam ocorrer depois de 2030. Mesmo os cientistas, eu acho, não acreditariam que a situação de 2023 seria esta. E, nesta situação, um encontro como a COP28 obrigatoriamente tem que subir o nível dos debates, reforçar os debates em termos de demandar compromissos muito mais fortes dos países do que nós temos até agora. Se nós pegarmos todas as NDCs apresentadas junto ao Acordo de Paris e se elas fossem cumpridas, nós estaríamos longe de alcançar uma situação adequada, e elas estão sendo descumpridas. Então, a situação tem que ir além de debates diplomáticos e ela tem que assumir a urgência do problema e chegar a soluções concretas. E eu concordo que o Brasil tem todo o potencial de ser um líder nesse sentido.
O Brasil faz uma articulação natural entre países ricos e países mais pobres. O Brasil está com um Governo que assumiu a questão climática como uma pauta importante desde o primeiro dia. Então, a demanda do Observatório do Clima é que o país chegue à COP28 cumprindo esse papel, exigindo ambições mais fortes em termos de redução de emissões, exigindo que os meios de implementação saiam do discurso e virem realidade prática.
Então, por exemplo, o compromisso de desembolso de R$100 bilhões anuais dos países ricos para ajudar os países em desenvolvimento fica na linha do "Devo, não nego; pago quando puder" há algum tempo. Isso precisa virar realidade prática e, na verdade, R$100 bilhões é muito pouco, porque, quando nós pegamos os recursos necessários para as ações de adaptação, o dinheiro necessário seria muito maior.
Eu queria destacar, além dessa questão de o Brasil assumir essa liderança, a necessidade de o Brasil assumir a liderança em prol de um acordo global para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Essa é uma demanda do Observatório do Clima. O Observatório do Clima é composto por 95 organizações não governamentais, algumas delas com seus representantes presentes aqui, e nós lançamos um documento, na semana passada, específico para combustíveis fósseis, chamando o Governo brasileiro a liderar um acordo nesse sentido. Eu vou ler um resumo do que está no documento, e não o documento inteiro que está disponível no nosso site. Basicamente é o seguinte:
As organizações e redes signatárias do documento do Observatório do Clima demandam: que os países estabeleçam na COP28 um plano global para a eliminação gradual da exploração e queima de combustíveis fósseis. Neste plano, devem estar previstos o fim da prospecção e da exploração de novas reservas de combustíveis fósseis, a eliminação gradual da produção e a eliminação progressiva do financiamento público e dos subsídios ao setor, inclusive, no caso, brasileiro. O petróleo e o gás têm subsídios elevadíssimos. Todos nós estamos custeando, na verdade, uma produção que prejudica não só os brasileiros, como todo o equilíbrio climático do planeta.
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Que seja incluído nesse plano um compromisso de não exploração de uma parcela significativa das reservas conhecidas, que sejam elaborados e acordados cronogramas de descarbonização por região no país que estabeleçam metas e ditem o abandono dos fósseis, que sejam estabelecidas zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, e a Amazônia deve estar no topo dessa lista, tanto no offshore quanto no onshore.
Isto tem sido uma das grandes contradições do Governo Lula - eu acho que é a principal: é um Governo que está com uma pauta climática e ambiental de forma geral muito consolidada, tecnicamente robusta, mas tem contradição entre o que ele está defendendo em termos de expansão da produção de petróleo, principalmente, no país. Isso tem que ser resolvido, essa contradição tem que ser enfrentada e resolvida.
Que sejam criados mecanismos financeiros que ultrapassem significativamente os US$100 bilhões prometidos pelos países ricos e que permitam aos países pobres e em desenvolvimento descarbonizar suas matrizes energéticas e se adaptar aos impactos de um clima cada vez mais extremo.
Que seja estabelecido um imposto global sobre os lucros inesperados do Big Oil e dos petro-estados, porque, na verdade, quando você tem uma crise global ou tem uma crise como a da Ucrânia ou outras, o preço do petróleo tende a subir e as petroleiras ganham mais dinheiro. Eles lucram com a crise. Então, a ideia é que haja uma taxação internacional, combinada entre os países signatários do Acordo de Paris - que se caminhe para uma taxação desse tipo de lucro.
Que seja implementada a meta de, ao menos, dobrar o financiamento para a adaptação até 2025.
Que sejam criados mecanismos de troca da dívida externa dos países pobres e em desenvolvimento por ações de mitigação e adaptação à crise climática.
Que seja facilitado aos países pobres e em desenvolvimento o acesso às tecnologias de fontes renováveis de energia e de eficiência energética.
Eu não li na íntegra, mas acho que dá para ter uma ideia.
É bem claro o recado: 2023 está nos mostrando que nós não temos mais espaço para a expansão de combustíveis fósseis e ponto final.
Nós temos que tomar medidas urgentes. Todos nós sabemos que, no quadro das emissões brasileiras, o que pesa mais é a mudança do uso da terra, mas essa leitura tem que ser global, e o Brasil é exportador de petróleo, é o oitavo maior exportador, não é isento de responsabilidades nesse sentido e, mais do que isso, tem todas as condições para liderar uma postura mais forte no sentido da descarbonização.
É disso que o mundo precisa. É disto que nós precisamos: acordar para a realidade que está posta. Acho que é esse o recado central.
Obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
(Soa a campainha.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada pela participação, Sra. Suely Araújo.
Vou passar a palavra agora para o Senador Carlos Heinze. (Pausa.)
Não, Senador? Tá.
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Nós temos também aqui a presença da Deputada Federal Célia Xakriabá, Deputada Federal pelo Estado de Minas Gerais. Seja muito bem-vinda, Deputada! (Palmas.)
Eu vou passar a palavra agora para a próxima expositora e, na sequência, passo a palavra para a Deputada, caso ela queira fazer uso da palavra. O Senador Carlos Heinze disse que vai esperar mais um pouco. Então, vou passar a palavra agora para a Sra. Cristina Mendonça, que é Diretora-Executiva da Mercy for Animals no Brasil, por oito minutos.
A SRA. CRISTINA MENDONÇA (Para exposição de convidado.) - Bom dia! Na pessoa da Senadora Leila Barros, saúdo todas as pessoas membras da mesa, nobres autoridades e colegas aqui no Plenário e os que estão acompanhando também a transmissão virtualmente.
Obrigada, Senadora, pela liderança na agenda de meio ambiente, por organizar este ciclo de debates. A sete dias do início da COP 28, com a experiência cada vez mais concreta dos impactos devastadores dessa crise, não poderia ser mais importante este evento.
É uma honra contribuir neste debate, em nome da Mercy for Animals, quando eu destacarei uma lacuna para aumentar a ambição climática no Brasil, complementando um pouco o que a nobre colega expôs, que é a lacuna da transformação dos sistemas alimentares.
Por que o Global Stocktake deve incentivar ações ambiciosas e abrangentes para transformar o sistema alimentar, desde a produção até o consumo? E qual a importância da liderança do Governo brasileiro?
Primeiro, o IPCC e o Pnuma, da ONU, são contundentes: não é possível atingir as metas do Acordo de Paris sem a abordagem sobre a produção e o consumo de alimentos. Mesmo que as emissões de combustíveis fósseis fossem eliminadas imediatamente, as emissões do sistema alimentar, por si sós, colocariam em risco o cumprimento das metas de 1,5º. Isso é especialmente importante no Brasil, porque o sistema alimentar responde por 73,7% das emissões totais brutas, e, destas emissões, produtos de origem animal respondem por 81,6% das emissões. E é também fundamental para alcançar a segurança alimentar, afinal, a mudança climática já está contribuindo para níveis recordes de insegurança alimentar e fome.
Segundo relatório da Embrapa, abre aspas, "75% dos alimentos do mundo são gerados a partir de 12 espécies de plantas e 5 espécies de animais. Isso torna o sistema alimentar altamente suscetível aos riscos inerentes à atividade agrícola, como pragas e doenças em animais e plantas, mas também agravados pelos efeitos da mudança climática". E nós estamos vendo isto aqui no Brasil já agora: a fragilidade do sistema de produção. Milhares de animais morrendo devido ao ciclone extratropical no Sul, outros devido à hipotermia no Mato Grosso do Sul e, ainda, casos de mortes devido à onda de calor extremo no Acre, para citar apenas três exemplos. E, ainda, os preços dos alimentos têm sido também muito afetados por quebra de safa agrícola devido aos extremos climáticos.
A ação sobre o sistema alimentar também é fundamental para a adaptação climática, pois é uma das principais causas da poluição, da perda de biodiversidade e das mudanças do uso do solo, além de riscos de zoonoses e uso intensivo de antibióticos. O Brasil, inclusive, é o segundo maior consumidor de antibióticos para uso na pecuária, o que, por sua vez, gera resistência antimicrobiana, que é uma grande ameaça global. Por esse motivo, será muito importante contar com a liderança do Governo brasileiro para impulsionar a ação climática também em relação aos alimentos.
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De acordo com o IPCC, a agricultura, as florestas e o uso da terra são o setor menos apoiado pelo financiamento da mitigação climática em relação às suas necessidades, exigindo de 10 a 31 vezes mais investimentos. Atualmente, recebem apenas 3% do financiamento público para o clima, apesar de contribuírem globalmente com um terço das emissões.
A ação climática em relação aos alimentos também precisaria ser abrangente. O Brasil, por exemplo, e mais de 180 países ainda não colocaram disposições relacionadas à perda e ao desperdício de alimentos nas NDCs, que são responsáveis por cerca de três vezes mais emissões globais do que as viagens aéreas. E dos dois países que colocaram, um número ainda menor de NDCs aborda a mudança para padrões de consumo de alimentos mais saudáveis e sustentáveis. Isso tudo considerando que o IPCC destacou que o apoio a políticas alimentares, o apoio a políticas e mudanças socioculturais são as estratégias de mitigação, do lado de demanda, de maior impacto para mitigar as emissões.
Há um momentum político sem precedentes em relação aos alimentos que oferece uma oportunidade única de abordar essas lacunas em termos de ambição e abrangência. Nos últimos anos, vimos mais de 100 países desenvolverem caminhos nacionais para sistemas alimentares sustentáveis como parte do processo da Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU. Parabenizo o Governo brasileiro por ser um desses países, mas vemos oportunidades de melhorias e de maior ambição, por exemplo, especialmente do ponto de vista de demanda e de consumo.
Na fase política, temos visto também discussões sobre a importância de dietas saudáveis e sustentáveis, inclusive alguns países incluindo a importância de dietas baseadas em maior consumo de vegetais especificamente. Além disso, várias contribuições destacaram a necessidade do consumo sustentável para atingir as metas climáticas. Novamente parabenizo o Governo brasileiro porque foi um dos atores, no entanto, o foco foi em apontar que os países desenvolvidos mudem para padrões sustentáveis de consumo e produção. Então, a nossa recomendação é a ampliação da ambição dessa colocação em dois contextos: primeiro, que faça referência também aos alimentos por todos os motivos já expostos; segundo, que considere casos particulares de países do sul global também.
O próprio Brasil, de acordo com o UNEP's Adaptation Gap Report 2023, que foi publicado ontem, aparece como um dos países com as maiores emissões domésticas per capita de gás de efeito estufa do mundo. E, de fato, se todos os países do mundo adotarem até mesmo a dieta recomendada pelo guia alimentar brasileiro, precisaríamos de mais de três planetas Terra para alimentar a população mundial até 2050, segundo o relatório da Eat Forum.
Um ponto para destacar é que, dado o compromisso do Governo brasileiro na promoção da justiça climática, o país também estaria muito bem posicionado para mobilizar que o Global Stocktake sinalize um compromisso com a justiça na ação climática em todo o sistema alimentar para garantir também os meios de subsistência, os direitos humanos e a saúde, o meio ambiente, o bem-estar animal e várias outras prioridades.
Por fim, eu gostaria de destacar que a Mercy For Animals e mais de 60 outras organizações, incluindo a Conservation International, o Eat, o One Acre Fund, a Trócaire e a Humane Society International, uniram-se para propor uma linguagem prática para o resultado político do Global Stocktake. Ao desenvolver essa linguagem, consultamos não apenas as ONGs, mas também várias outras partes e organizações intergovernamentais.
Estamos confiantes de que, apesar das complexidades enormes que tornaram a ação climática global sobre alimentos muito desafiadora no passado, há pontos de consenso suficientes para que o resultado político do GST na COP 28 seja um momento decisivo e necessário para a ação climática sobre alimentos.
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Nós estaremos na COP 28 e gostaríamos de oferecer todas as oportunidades de apoiar o Brasil na condução da ação climática sobre sistemas alimentares.
Além de lidar com a emergência climática, essa ação de descarbonização e transição para uma economia neutra em carbono tem uma excelente oportunidade de geração de empregos. Segundo relatório do BID e da Organização Internacional do Trabalho, é possível gerar na América Latina 22,5 milhões de empregos e, destes, 19 milhões só devido à indústria voltada à produção de alimentos sustentáveis e saudáveis à base de vegetais. Também é uma grande oportunidade econômica. A expectativa é de que o mercado global movimente US$1,4 trilhões, e o Brasil tem total condição de liderar essa transição e aproveitar essa oportunidade.
Nós vamos formalizar uma carta, Senadora, sobre essas colocações também ao Governo Federal, e gostaríamos de, com esse convite, poder contribuir para que possamos também colocar o sistema alimentar, produção e dieta na mesa de negociações da COP 28.
Muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela presença, Cristina Mendonça, Diretora-Executiva da Mercy For Animals no Brasil.
Eu vou passar a palavra agora para a nossa querida Deputada Federal.
Deseja falar, Deputada? (Pausa.)
Célia Xakriabá, Deputada Federal pelo Estado de Minas Gerais.
A SRA. CÉLIA XAKRIABÁ (Para exposição de convidado.) - Bom dia!
É uma oportunidade única estar aqui também falando sobre Rumo à COP, em Dubai.
Sou a primeira mulher indígena, depois de 200 anos, a ser Presidenta da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, uma comissão que poderia ser chamada também de comissão do Cerrado, da Mata Atlântica, do Pampa e do Pantanal.
Acabei de chegar também... Vinte dias atrás, estava na Região Norte do Brasil, numa região que representa o maior território de povos isolados no Brasil, o Vale do Javari, quando via pessoas, emocionadas, falando: "Eu nunca imaginei que a água ia ferver", "Eu nunca imaginei que o rio pudesse secar". Nós estamos num momento em que falávamos das mudanças climáticas como algo do futuro e, na verdade, as mudanças climáticas são algo do presente. Ontem, no Estado de Minas Gerais, a região de Araçuaí bateu recorde de temperatura com a mudança climática: 44,8ºC.
Então, isto eu tenho falado aqui na Casa, no Congresso Nacional, que esse externo não vai ser eterno. Eu falo para os Srs. Parlamentares que é possível que, daqui a dez anos, cara Presidenta, nós tenhamos que mudar, inclusive, o jeito de nos vestirmos, porque nós temos que pensar que estamos num momento de transição: transição energética, transição econômica, transição política e transição humanitária.
Quando as pessoas falam que nós somos contra a lógica de pensar a economia, na verdade, é porque nós estamos num momento de pensar uma economia sustentável, uma economia inteligente. E sabe qual é a economia mais inteligente? É uma economia que não mata.
Eu venho do Estado de Minas Gerais, em que a mineração representa 4%, em que a cultura representa 7%. Eu visitei várias cidades, sou sub-relatora da repactuação de Brumadinho e Mariana e de povos e comunidades tradicionais. Irei aprovar o relatório na próxima semana, no dia 28, e é preciso ter responsabilidade.
Muitas vezes, quando chegavam a outras COPs, outros governos, outros ministros falavam que estariam comprometidos em barrar o desmatamento, estariam comprometidos em barrar a mineração. Mas sabem qual era a alternativa para isso? Era legalizar o desmatamento, era legalizar a mineração, era legalizar o garimpo.
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Fui a primeira Parlamentar a estar no território ianomâmi, onde eu me deparei com um senhor de 70 anos, o único sobrevivente de uma comunidade inteira exterminada pelo garimpo; deparei-me com meninas ianomâmis vítimas de estupro pelo garimpo. Então, neste momento, o Brasil precisa liderar na COP em Dubai, preparar-se para a COP 30, mas sem ser omisso também com a sua responsabilidade, sobretudo pelo petróleo na Amazônia.
Por que eu digo isso? Porque nós precisamos também descolorizar, entender que todos os biomas são importantes. Nós temos conversado com vários Parlamentares. Provavelmente, vai ser a maior comitiva de Parlamentares, Senadores e Deputados, nessa COP em Dubai, mas é preciso que se volte também de maneira diferente; é preciso chegar a esta Casa e também olhar para os mais de 1,5 mil projetos de lei voltados para a questão ambiental e votar de maneira diferente. Não podemos flexibilizar desmatamento na Mata Atlântica, precisamos ter um compromisso e entender que a solução não vai ser puramente o mercado de carbono. Não é uma transferência de consciência, mas, sobretudo, a responsabilidade.
Se quem tem fome tem pressa, neste momento quem vai ser vítima também das mudanças climáticas... Nós passamos por um momento da covid-19, quando faltava oxigênio em Manaus, mas vai faltar oxigênio no mundo. Nós, povos indígenas, ainda não somos nem 1% da população brasileira; somos 0,84%, mesmo sendo 1,7 milhão de indígenas; somos 5% da população do mundo, mas protegemos mais de 80% da sociobiodiversidade. Já reconhecidos pela ONU, nós somos a solução número um para barrar a crise climática.
Depois, na quinta-feira, estaremos na apreciação dos vetos. Por que a demarcação dos territórios indígenas é importante? Porque... Vocês sabiam que existem mais de 517 mil nascentes nos territórios indígenas? Então, pensar a proteção desses territórios não é somente pensar em um bem para os povos indígenas; é um bem pensado para a humanidade. Embora muitas pessoas não se sintam solidárias porque não estão sujeitas a morrer pelos conflitos territoriais, nós podemos morrer pelo mal comum, que é o veneno que chega às nossas mesas.
Amanhã, irei participar do Encontro Nacional de Agroecologia. No dia de amanhã, também estaremos protocolando também um projeto de "saborania" alimentar, que é pensar uma "saborania" alimentar que não nos mate.
O Brasil tem alto potencial nessa COP. No dia 5, estaremos levando a proposta de lançamento da campanha A Bancada pelo Planeta. São Parlamentares do mundo inteiro, mas, sobretudo, puxada aqui pelo Brasil, por Parlamentares, Senadores; puxada pelo Brasil para pensar essa unificação. Eu acredito muito, por ser um momento de necessidade, que a única agenda capaz de unificar, seja esquerda ou direita... Porque aquelas pessoas que votarem contra os direitos ambientais serão reconhecidos não somente como nossos inimigos políticos, mas nossos inimigos humanitários. Porque, afinal, somente sabem ser humanos aqueles e aquelas que sabem ser rio; somente sabem ser humanos aqueles e aquelas que sabem ser floresta.
O problema da humanidade é destemperança. A cada dia, o planeta está mais aquecido, mas, a cada dia, a humanidade está com o coração mais gelado. Nós temos um desafio muito importante, que é desaquecer o planeta para aquecer o coração. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata, Deputada Célia Xakriabá, pela presença e pelas sábias palavras também.
Eu vou passar, agora, a palavra para o Sr. Luís Fernando Guedes Pinto, que é o Diretor-Executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.
Seja bem-vindo, Sr. Luís!
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O SR. LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senadora. Bom dia aos Parlamentares, a todos os colegas que estão aqui. Parabéns por essa oportunidade de a sociedade dialogar com o Congresso sobre a COP. Também aqui, na abertura, já se reconheceu o papel do Senado, desta Casa, na defesa da Mata Atlântica, que, de maneira unânime, quando analisou a matéria da Medida Provisória n° 1.150, votou a favor da Mata Atlântica, evitando a flexibilização que levaria ao aumento do desmatamento.
Meus colegas aqui já falaram muito sobre a questão do contexto da COP 28, da crise climática, das NDCs, que a gente está numa trajetória que vai muito além do que a gente precisa alcançar para o Acordo de Paris, desse balanço geral, e eu queria falar então um pouco sobre a perspectiva de como o Brasil chega à COP agora, daqui a poucas semanas.
Temos a questão do petróleo na mesa, é claro que esse é um tema muito relevante, mas o Brasil, quando vai para a COP, a grande questão é o desmatamento. Isto é o que se cobra do Brasil, é o grande assunto: como está o desmatamento no Brasil, já que essa é a principal parte das emissões do país, junto com a produção agropecuária.
A gente vai levar boas notícias, a gente tem uma tendência de queda do desmatamento da Amazônia, uma tendência também de queda do desmatamento da Mata Atlântica, mas temos aumento do desmatamento no Cerrado, temos todas as queimadas que temos no Pantanal. Então, a gente começa a ter uma trajetória um pouco mais segura, de boas notícias, mas ainda o nosso futuro não está garantido, principalmente nessa questão do Cerrado. Então, a gente ainda merece muita atenção.
É importante a gente lembrar que em Glasgow o Brasil assinou um compromisso voluntário de alcançar o desmatamento zero até 2030. Então, nós temos esse compromisso, o Presidente Lula reiterou esse compromisso. Nós temos esse compromisso internacionalmente e com a nossa sociedade, do desmatamento zero até 2030. Isso é um desafio enorme e vai ser cobrado na COP 28, onde estamos. Teremos boas notícias, mas ainda, como disse, não totalmente.
O Executivo brasileiro vai levar, então, boas notícias, e o nosso sistema Judiciário também tem tomado decisões que têm defendido a proteção do meio ambiente e que levam a uma redução do desmatamento. Mas o que eu queria ressaltar é que as principais ameaças ao desmatamento zero estão no Congresso Nacional, em projetos de lei, em matérias que podem levar à flexibilização das leis ambientais, que podem levar ao aumento do desmatamento e ao Brasil não alcançar os seus compromissos e levar ao aumento do desmatamento, aumentar as suas emissões. Isso é um problema para nós, como já foi falado aqui, como também um problema para o mundo.
E daí, ressaltar o papel desta Casa, do Senado, como uma Casa revisora para corrigir eventuais equívocos que tenham sido tomados na Câmara ou que possam ser tomados na Câmara. Esta semana é uma semana extremamente importante, nós temos matérias muito relevantes para a gente poder chegar como país à COP com tranquilidade. Nós temos aqui a questão do marco temporal, a Medida Provisória n° 1.150 e a questão dos vetos em relação à Lei da Mata Atlântica. Talvez até o final do ano a gente tenha o projeto de lei do licenciamento ambiental e a gente tem que ter clareza de que esta Casa, de que o Congresso Nacional é o lugar que vai decidir o futuro do nosso caminho, de nossas possibilidades em relação aos nossos compromissos.
Então, eu queria aqui reiterar a importância, na quinta-feira, da manutenção do veto do Presidente Lula, o Veto 13, em relação à Medida Provisória n° 1.150, para que nós possamos ir para a COP coerentes, com recados claros de um alinhamento entre o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, de que estamos comprometidos e comprometidas juntamente com esse objetivo de contribuir para o desmatamento zero e essas obrigações que são necessárias, urgentes.
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A Mata Atlântica é o bioma onde a gente entende que devemos alcançar o desmatamento zero primeiro, não que ela seja mais importante, a gente tem que alcançar o desmatamento zero em todos os biomas brasileiros. A gente tem conversões terríveis no Pampa; no Cerrado, uma situação muito crítica, mas a Mata Atlântica é o bioma mais devastado da história do Brasil, só restam 24% da nossa cobertura de florestas, está sendo o palco de muitos desastres, tragédias e mortes, e é um lugar onde a gente tem toda a governança, capacidade e tecnologia, capital para alcançar o desmatamento zero, onde vive a maior parte da nossa população e também ser um grande propulsor da restauração em grande escala, da restauração florestal e de ecossistemas. E o Brasil poderá, de fato, ser uma vitrine para o mundo, um país que alcança o desmatamento, que promove a restauração e que mostra para o mundo que nós temos possibilidades de combinar, de fato, a conservação com o desenvolvimento. E a Mata Atlântica tem tudo para ser esse lugar onde isso vai começar.
Então, agradeço muito a oportunidade, estaremos de olho na quinta-feira, muito atentos e atentas, esperando que esta Casa e Líderes como você possam garantir a manutenção do Veto 13, que a Mata Atlântica não seja mais ameaçada e que a gente possa olhar para o futuro e pensar agora somente em alcançar esse desmatamento zero urgentemente e acelerar sua restauração o mais rápido possível.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela presença, Luís Fernando Guedes Pinto, Diretor-Executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.
Agora, eu vou conceder a palavra para a Sra. Waleska Queiroz, mobilizadora e articuladora ambiental na Rede Jandyras, por oito minutos.
Seja bem-vinda, Sra. Waleska.
A SRA. WALESKA QUEIROZ (Para exposição de convidado.) - Exma. Senadora Leila Barros, agradeço por este convite.
Exmas. autoridades, colegas de luta e todos e todas aqui presentes, antes de me apresentar, eu gostaria de oferecer uma audiodescrição para garantir a acessibilidade a todos e todas que acompanham esta sessão de debates. Então, eu sou uma mulher negra de pele clara; meu cabelo está trançado em box braids na cor roxa; estou usando brincos laranja em formato de argola; uso uma calça amarela e uma camisa bege com a frase "o clima está esquentando" estampada.
Eu me chamo Waleska, sou do bairro Terra Firme, em Belém do Pará. Sou engenheira e mestranda e uma liderança climática do século XXI. Atualmente, eu ocupo o cargo de Presidenta da Rede Jandyras e faço parte da Comissão Executiva da COP das Baixadas.
É com grande honra que me dirijo a esta ilustre Casa hoje, representando a Rede de Articuladoras Ambientais Jandyras, um coletivo de mulheres dedicadas à busca por políticas públicas voltadas à justiça climática em Belém do Pará. Nascemos do desejo de discutir os impactos da crise climática na nossa cidade e, através da advocacy, da educação climática e da mobilização, nós temos reivindicado a garantia de direitos para a população paraense nos âmbitos social, ambiental e climático. Nesse sentido, o nosso coletivo tem desempenhado um papel fundamental no enfrentamento às mudanças climáticas na capital paraense.
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Hoje estamos aqui para discutir um tema de extrema importância, que são os desafios e propostas do Brasil para a COP 28, e esta é uma oportunidade crucial para destacarmos as questões climáticas urgentes que enfrentamos no nosso país e, mais importante ainda, para desenvolver soluções que priorizem a proteção da vida e dos nossos povos. Antes de explorar como preparar esses caminhos, porém, é necessário refletirmos sobre o que tem ocorrido em nossos territórios e comunidades.
Nossas florestas, nossa fauna e nossa população estão sendo sufocadas devido às queimadas e se afogando diante das tempestades que se espalham com uma intensidade devastadora, causando enchentes e secas históricas, além de fome e destruição. É importante reconhecer que as populações mais afetadas por esses eventos extremos têm classe e cor, e não devem ser tratadas como números. Este cenário ressalta a urgência de abordarmos a justiça social, bem como o racismo ambiental e climático no contexto da emergência climática.
Os nossos biomas estão em risco. Eu não falo só da Amazônia, estou falando de todos os nossos biomas. Eles estão agonizando diante da crise climática global que tem assolado o nosso mundo. Isso tudo em consequência de uma exploração predatória dos nossos recursos. O que tem ocorrido do norte ao sul do Brasil demonstra a falta de compromisso com a emergência climática global e com as políticas de mitigação e adaptação que são primordiais para o enfrentamento a essa crise.
Não podemos mais nos limitar a discussões. A ação é urgente e essencial para assegurar o direito à vida. Já não temos mais tempo apenas para discutir. Dia 17 de novembro de 2023, batemos um marco histórico e de maneira negativa, no qual a temperatura global ultrapassou em dois graus os níveis pré-industriais estabelecidos pelo Acordo de Paris.
A ação é urgente e primordial para a garantia da nossa vida. A COP 28 não é apenas mais uma conferência sobre mudanças climáticas, é uma oportunidade para o Brasil reafirmar o seu compromisso com o meio ambiente e com as metas estabelecidas globalmente. Mas não devemos esquecer da tão conhecida frase do pensar global e agir local, afinal, estamos falando de um país sociobiodiverso com realidades distintas. O nosso território precisa surgir como um símbolo de luta pela justiça climática e combate às desigualdades socioambientais, mas não de forma discursiva, e sim como um exemplo de país que se compromete a criar instrumentos para que isso seja alcançado.
É fundamental que haja determinação e ação para se atingir as metas estabelecidas, considerando a priorização da proteção dos nossos biomas e comunidades. A inclusão e participação popular, com destaque para a diversidade dos nossos povos, são essenciais para garantir que as metas brasileiras sejam não só ambiciosas, mas também alcançáveis e representativas da nossa realidade. Não devemos esquecer que as questões sociais e ambientais são intrinsecamente conectadas. Um compromisso com o contexto climático implica também um compromisso com o social.
Temos um longo caminho para alcançar nossos objetivos no enfrentamento da emergência climática, mas eu gostaria de deixar aqui um exemplo de conquista na cidade de Belém.
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Diante da busca por justiça climática, a Rede Jandyras, em 2021, de forma colaborativa com outras organizações, inicia a campanha Fórum Climático Já, como uma forma de promover um espaço que debata a emergência climática de forma representativa e propositiva, reivindicando que as populações se sintam representadas nesse espaço, já que falar de pauta climática ainda é algo muito excludente - mas as pessoas que mais estão afetadas não estão aqui falando sobre isso.
O Fórum Municipal de Mudanças Climáticas do Estado do Pará é pioneiro em uma capital da Amazônia Legal.
Esse fórum representa um marco, não apenas por sua inovação, mas também por refletir a luta de nossa população por espaços que promovam, debatam e construam políticas e ações sociais e climáticas que sejam concretas e alinhadas às nossas realidades.
Nossa participação na Conferência das Partes deste ano deve ser vista como um passo estratégico no caminho para a conferência que ocorrerá no Brasil. É um momento de pensarmos de forma colaborativa sobre a COP que queremos, como bem ressalta a mensagem do movimento COP das Baixadas de Belém do Pará. Porém, antes de pensarmos na nossa atuação internacional, precisamos cuidar e focar na nossa casa. Queremos um país que garanta os direitos de seus cidadãos e que esteja verdadeiramente comprometido com política climáticas eficazes e duradouras, indo além do evento das Nações Unidas.
As ações e decisões tomadas agora terão um impacto significativo em nossa capacidade de atingir metas mais ambiciosas no futuro. Portanto, é crucial que o Brasil não apenas participe, mas assuma um papel ativo e influente nas discussões e nas tomadas de decisão, tendo um posicionamento firme de mudança diante de um sistema que ainda prioriza o lucro.
O Brasil tem potencial para ser um líder mundial no combate às mudanças climáticas, graças à sua vasta biodiversidade e rica diversidade cultural. No entanto, para alcançar isso, é crucial que a gente haja de forma decisiva. Um dos primeiros passos é desenvolver políticas que transcendam o papel e se materializem em ações concretas, respeitando e integrando vozes de todos os setores da sociedade, principalmente as da sociedade civil.
Valorizar e investir no trabalho de instituições, organizações e coletivos nacionais que são agentes de transformação e impacto é essencial para que a gente fale também sobre transformação do nosso território no enfrentamento às mudanças climáticas.
Para finalizar, eu gostaria de deixar uma reflexão aqui, que esses exemplos citados hoje sirvam como fomento para que esta Casa se engaje, cada vez mais, no crescimento de políticas climáticas colaborativas e circulares.
(Soa a campainha.)
A SRA. WALESKA QUEIROZ - Peço a este Senado, aos líderes aqui presentes, e a todos e a todas, que todas as reivindicações sejam atendidas de acordo com a realidade da população. Que possamos quebrar um paradigma da COP, em que são os grandes empresariados que saem com suas demandas garantidas, mas que o Brasil possa representar o verdadeiro sentido de democracia climática a partir daqui e que a população, que sofre tanto com os impactos dessa crise, também tenha as suas demandas, não só ouvidas, mas atendidas.
Muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Waleska Queiroz, mobilizadora e articuladora ambiental da Rede Jandyras.
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Vou passar a palavra agora para o Senador Carlos Heinze, Senador pelo Estado do Rio Grande do Sul. (Pausa.)
Quero agradecer a presença da Ana Toni, que é a Secretária de Mudanças do Clima, do Ministério do Meio Ambiente.
Seja bem-vinda, Ana.
Ana é uma parceira nossa aqui na Casa. Muito obrigada pela presença.
O SR. LUIS CARLOS HEINZE (Bloco Parlamentar Aliança/PP - RS. Para discursar.) - Bom dia, Senadora Leila e todos que estão hoje participando deste evento. Parabéns pelo evento.
Na pessoa da Samanta, na pessoa da Suely - debatemos muito o Código Florestal -, Samanta e Suely, quero saudar a todos que estão presentes aqui neste ato. É importante.
Vou me apresentar. Eu sou um técnico agrícola, sou um engenheiro agrônomo e sou um produtor rural. Essa é a minha profissão, esse é o meu negócio. Estudo essa área, conheço essa área, e vi algumas críticas, de uma senhora que falou aqui, sobre o agro brasileiro.
Uma história que talvez vocês não saibam: o Brasil, nos anos 70, era importador de alimentos. Com essa vasta área, esse vasto território, Senadora Leila, o Brasil importava alimentos.
Um conterrâneo meu, gaúcho, Luís Fernando Cirne Lima, agrônomo, produtor rural como eu, foi meu paraninfo na faculdade, criou a Embrapa.
Alysson Paulinelli - não sei se tem alguém da Embrapa aqui - sucedeu Cirne Lima e começou uma revolução no agro brasileiro e mundial.
Conheci, tive o prazer de conhecer, Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz, um agrônomo americano que esteve aqui com Paulinelli nos anos 70 e dizia que o cerrado brasileiro nada produziria - anos 70, uma pessoa que conhecia esse cenário.
Agora, 2003, 2004, ele esteve aqui, Leila, e disse: "Paulinelli, eu tenho que me penitenciar com os técnicos brasileiros, a ciência brasileira, a pesquisa brasileira e, principalmente os produtores rurais brasileiros". Fizeram uma verdadeira revolução em solos pobres - a Deputada mineira que está aqui conosco, prazer também - e o Brasil é essa maravilha que nós temos hoje: chegamos a exportar alimentos para mais de 200 países do mundo.
Este é o Brasil: com qualidade, com tecnologia, sem subsídios que os europeus ganham, sem subsídios que os americanos ganham, sem subsídios que os chineses e japoneses ganham. O agricultor brasileiro é como um corredor de pé no chão contra um treinado, e ganhou deles todos. Esse é o Brasil de hoje.
Se nós conquistamos o mercado de ser o maior exportador de soja do mundo, não foi à toa; o maior exportador de laranja e suco do mundo, o maior exportador de cana-de-açúcar do mundo, de frango do mundo, de boi do mundo, não foi à toa. Tomamos o mercado, conquistamos - não é tomamos, conquistamos - o mercado deles.
Nas questões das mudanças climáticas - um dado importante -, nós debatemos temas, Suely. Acho que tem alguém do WWF e do Greenpeace aqui. Há de se lembrar, Suely, que eles cobravam de nós uma legislação, Leila.
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Agora, eu duvido que alguma ONG dessas que esteja aqui, hoje, tenha feito, nos seus países de origem, na Holanda, na Inglaterra, em qualquer país da Europa, uma lei semelhante à nossa com APP e Reserva Legal. Não existe, Suely: sabe disso. Por que essas ONGs não pressionaram a Alemanha, terra natal dos meus ancestrais? Itália, Inglaterra, Holanda, Estados Unidos? Não fizeram nada disso, fizeram contra o Brasil, porque sabiam, tinham medo do Brasil, têm medo, e o Brasil, hoje, é essa potência, esse é um ponto.
A Embrapa fez um trabalho de que eu já falei aqui, Leila, sobre as florestas primárias do mundo 8 mil anos atrás. A África tem apenas 7,8% do que tinha 8 mil anos atrás; a Ásia, 5,6% do que tinha 8 mil anos atrás; a América do Norte, 34%; a América Central, 9,7%; a América do Sul, 54,8% - 54,8% -, a nossa América do Sul; a Rússia 29%; a Europa, 0,03% - pensem bem; e vem nos criticar? -; a Oceania, 22%; e o Brasil, pasmem, 69%! Quem são eles? Quem são essas ONGs, mantidas por quem, para criticar o Brasil?
Célia, são boa parte de terras indígenas e reservas que o Brasil tem. Os Estados Unidos têm, mais ou menos, 100 milhões de hectares a mais do que o Brasil, tem quase 1 bilhão de hectares, nós temos 851 milhões de hectares. Eles utilizam mais de 80% do seu território com florestas plantadas, agricultura, pecuária e produção, mais de 80%! A Europa toda - Holanda, Inglaterra, Alemanha, Itália - usam de 70% a 80% do seu território. O Brasil não usa 40%, Leila. Quem são essas ONGs que financiam vocês? Quem está por trás disso para nos criticar? Não podem nos criticar.
O plantio direto...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIS CARLOS HEINZE (Bloco Parlamentar Aliança/PP - RS) - ... Leila e Samanta, foi um agricultor brasileiro, um colono agricultor, no Paraná, o seu estado, que conheceu, e hoje é uma maravilha, uma fábula. Nós capturamos carbono. É importante que você se atente a esse ponto.
Quando falam em IPCC e falam nas fezes, o rebanho bovino brasileiro tem mais gado do que gente, é um orgulho, somos o maior exportador. O IPCC diz que as fezes e a urina, Leila, emitem mais de 2% de óxido nitroso, mais de 2%... O que é o IPCC aqui? Alguém aqui é do IPCC?
Mentira, mentira! A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Embrapa de Bagé, mostra que tem 0,74% de urina e 0,08% de fezes. Isso é trabalho científico! Onde é que está o trabalho científico do IPCC para falar das fezes dos animais e também da urina dos bovinos brasileiros?
Aqui tem um trabalho realizado, no Rio Grande do Sul, com pesquisa de três anos. Então, esses números, Leila, nós temos que avaliar, não é bem assim como falam.
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Um grupo de cientistas fez um trabalho sobre a descarbonização. Trigo, soja, milho, cana-de-açúcar, fumo, café, pecuária, arroz. Mais ou menos, nós temos aqui 200 milhões de hectares. Tem um professor da USP, um professor de uma universidade de Passo Fundo, um ex, já falecido, mas que iniciou esse trabalho, Dirceu Gassen, da Embrapa, e mais algumas pessoas, e elas dizem que o Brasil sequestra mais de 7,5 bilhões de toneladas e emite 211 milhões de toneladas.
Eu estou checando, Samanta, esse assunto, está me ajudando. Estamos procurando a Embrapa Florestas, de Colombo, a Embrapa Soja, de Londrina, a Embrapa Pecuária de Bagé, a Embrapa de Belém, a Embrapa de Campinas... Eu estou buscando a ciência para certificar o que eu estou dizendo, Leila. Esse é um trabalho que existe. Quem fala disso? Ninguém fala disso. Aqui vêm falar de queimadas.
Desses incêndios florestais que recentemente ocorreram no Canadá eu não ouvi ninguém da grande imprensa falar, não ouvi ninguém falar disso aqui, Leila. Esse incêndio, Leila, representa... Os incêndios florestais no Canadá ultrapassam as emissões anuais do Japão, que é o quarto ou quinto emissor de gases de efeito estufa do mundo. Por que a mídia não fala disso? Esse incêndio de agora, recente, no Canadá representa quase 20 anos, Suely, de queimadas na Amazônia, que é tão criticada. Todo dia falam da Amazônia, todo dia, mas ninguém fala do Japão e de outros tantos que pelo mundo afora ocorrem.
Então, eu gostaria, Leila, e quero me apresentar na COP, de dizer essas coisas. Eu não ouço ninguém falar nisso, Leila. Isso é a realidade, isso é o Brasil. Não posso falar mal do meu país. Eu sou um técnico da área. Essa é uma preocupação que eu tenho. Portanto, é importante que nós possamos debater isso também, estarmos alinhados. Se o Brasil chegou a essa posição, correndo de pés descalços...
Você é esportista, não é? Eu saio de pés no chão, de pés descalços, e você sai treinada, e eu ganho de você. Imagina, Leila! Isto é o Brasil, com todo esse potencial.
Eu não quero devastar a Amazônia, não, mas a Amazônia tem valor, tem preço. Por que os Estados Unidos... Por que a Europa não preservou as suas florestas primárias? Por que não preservou? Usa tudo como economia, e eu tenho que guardar as minhas reservas. Isso é uma fábrica que o Brasil tem. O mundo desenvolvido...
Digam isto para as ONGs que patrocinam vocês, para quem patrocina vocês, digam isto: "Paguem ao brasileiro! Paguem ao Brasil!" As terras indígenas, Deputada Célia, têm que receber, alguém tem que pagar. Não somos nós. Nós temos que receber, é um crédito que o Brasil tem.
Portanto, é um prazer estar com vocês aqui, o debate é importante, mas estou juntando dados científicos, não chutes, como o IPCC fez com as fezes dos animais, com a urina dos animais, dos bovinos, mas dados científicos. Falar mal do agro brasileiro? Não pode ser assim. Nós ganhamos essa posição, como disse, sem subsídios, o que os europeus, americanos e asiáticos têm.
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Poucos recursos nós temos aqui no Brasil, e nós chegamos a essa posição. Portanto, obrigado, Leila, por essa fala.
Agora, raciocine: nas florestas primárias do mundo, nosso país é o que mais preservou desde o início da humanidade, quando a Embrapa fez um trabalho de oito mil anos atrás; oito mil anos atrás. A Europa não pode falar de nós; os Estados Unidos, o Japão, ninguém pode falar de nós. Nós, sim, podemos falar deles. Energia limpa.
Agora, Leila, eu reuni em Cruz Alta, semana passada, uma refinaria de petróleo rio-grandense. A Petrobras é dona de um pedaço, a Braskem e a Ultra... Querem fazer um óleo de soja. Jean Paul, eu tenho outro produto - peguei pesquisador do Paraná, do IDR, antigo Iapar -, chama-se nabo-forrageiro. Nós temos um potencial no inverno do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul para utilizar esse produto, que hoje é um lixo. Não é lixo, a gente usa na agricultura para fazer um enterrio, a gente enterra para poder melhorar a qualidade do solo. Vai colher semente e vai produzir óleo, o dobro da soja, e custa uma terça parte de um saco de soja. E não é alimento, podemos exportar para o mundo.
O etanol veio do Brasil. Na crise do petróleo nos anos 70, o Brasil descobriu o etanol. O Brasil descobriu o diesel verde. Ninguém tem uma energia limpa como nós temos hoje na água que o Brasil tem, eólica, solar e do lixo, que nós estamos queimando para transformar em energia. Qual país tem matriz tão limpa como o Brasil? Pensem bem nisso. Eu estou falando do que eu conheço, não é achismo. Essa é a realidade. E temos que falar bem do Brasil, e não falarmos mal do Brasil quando saímos daqui para fora. Imagine eu falar da minha esposa, dos meus filhos, dos meus netos, do meu negócio. Eu não falo mal; portanto, eu não posso falar mal do meu país, que é o Brasil. E tenho orgulho do meu país e vou defendê-lo com unhas e dentes.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Senador Carlos Heinze.
Eu vou passar a palavra agora para a Mônica Sodré, CEO na Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, a Raps.
Seja bem-vinda, Mônica.
A SRA. MÔNICA SODRÉ (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos e a todas.
Eu gostaria de iniciar a minha fala cumprimentando o Senador Rodrigo Pacheco, Presidente desta Casa, cumprimentando também a Senadora Leila, autora do requerimento que me traz aqui hoje, Parlamentar fundamental na discussão climática pela sua capacidade de fazer aprovar a criação de um comércio brasileiro de emissões. Cumprimento também todos os Parlamentares que estão aqui, todos os colegas que estão aqui, assim como aqueles que nos acompanham online.
Senhoras, senhores, o mundo está de olho no Brasil e o Brasil está no centro do mundo. Nos próximos dois anos, ao menos três oportunidades internacionais se apresentam para o nosso país. E eu me refiro à Presidência do G20, à recepção da COP 30 e também à Presidência do Brics Plus. Essas três oportunidades, mais do que eventos, têm que ser encaradas justamente como oportunidades. E elas têm que ser encaradas a partir da resposta de uma pergunta, que é: quais serão os interesses nacionais pactuados com a sociedade e o que a gente quer ao final de cada um deles? E me parece que hoje essa resposta não está ainda adequadamente dada.
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Essa trajetória começa agora na COP 28. Essa é uma COP que traz o assunto da segurança energética para o centro da agenda de clima, sobretudo no mundo em guerra, e é uma COP que vai trazer também a necessidade de novos acordos em relação ao net-zero, uma vez que teremos relatórios do Global Stocktake nas mãos.
O que sabemos antecipadamente é que o mundo não tem feito esforços suficientes para cortar suas emissões de gás de efeito estufa, e nós estamos ficando sem tempo. Por todos os lugares, eu escuto que nós somos uma potência verde, por conta dos serviços ecossistêmicos que prestamos, por conta da matriz energética limpa e por outras razões. É curioso, e eu acho realmente curioso que essa percepção venha de um país que passou pelo ciclo da cana, da borracha e do café, por exemplo, e que, a despeito disso, ainda figura no rol dos países em desenvolvimento. A constatação aqui, senhoras e senhores, é inequívoca: ninguém está condenado ao desenvolvimento, a história está aí para mostrar que nós não estamos. O fato de que nós sejamos detentores de parte do capital natural que interessa ao mundo na sua descarbonização e defossilização nos torna exatamente isto, e não mais do que isto: potência. A realização dessa potência em resultado que gere prosperidade, renda e bem-estar ao nosso povo e ao nosso país não é um dado necessariamente e não foi ainda pactuada com a nossa sociedade.
As mudanças climáticas precisam fazer parte do repertório, do imaginário e da preocupação de vocês, tomadores de decisão. Mais de metade do PIB nacional hoje depende dos ciclos da natureza. Quase 15% do PIB nacional está ameaçado por conta da agenda da mudança do clima até o final do século. O que eu quero dizer aqui é bastante simples: a nossa economia será afetada, nós estaremos mais vulneráveis, isso terá impacto em toda a sociedade brasileira. O futuro não pode repetir o passado.
Diante disso, não serão os nossos filhos e netos que terão o desprivilégio de habitar um mundo mais hostil; nós estaremos lá e esse mundo mais hostil já bate à nossa porta. Considerando que a ciência já deu imensas contribuições à agenda do clima, eu não canso de dizer que é chegada a hora de que a política faça o mesmo. A resposta à pergunta que eu coloquei no início dessa fala - o que nós queremos dessas três oportunidades internacionais que se aproximam - é iminentemente uma resposta política, é uma tarefa da política de vocês, tomadores de decisão. Eu tenho algumas suspeitas e uma direção para apontar. Eu acredito que o Brasil deva ambicionar ser exportador de soluções verdes para o mundo. E reparem que eu não me refiro aqui a sermos exportadores de commodity para o mundo. Isso a gente já fez, isso a gente faz há mais de 500 anos, isso a gente sabe exatamente onde nos traz, e o futuro não pode repetir o passado.
O valor no futuro virá se a gente conseguir aliar disponibilidade tecnológica e disponibilidade de recursos naturais. Diante disso, eu gostaria de deixar a este Parlamento, ao Governo executivo e também ao meu país um conjunto de recomendações em cenário doméstico e internacional, diante dessa urgência e necessidade.
Em âmbito doméstico é urgente e necessária a contenção do desmatamento. O desmatamento é uma agenda do passado, fruto da ilegalidade, que hoje representa quase metade das nossas emissões de gás de efeito estufa. Eu sou muito orgulhosa da contribuição que a Raps, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, dá, deu e tem dado a esse assunto, em especial por meio do PL 486, de 2022, que tramita nesta Casa, recém-aprovado na Comissão de Meio Ambiente, que agora está na Comissão de Agricultura, e que prevê que a inscrição fraudulenta do CAR, o Cadastro Ambiental Rural, em área de floresta pública não destinada seja crime.
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No entanto, a gente não pode apequenar a agenda climática a somente o combate ao desmatamento. Há uma série de frentes que precisam ser enfrentadas, da transição industrial à infraestrutura.
Precisamos também da aprovação de um mercado regulado de carbono, que nos dê competitividade no cenário internacional. Precisamos de uma estratégia nacional para o hidrogênio de baixo carbono e precisamos também de incentivos tecnológicos para o desenvolvimento de novos biocombustíveis, em especial nos setores em que a descarbonização é especialmente difícil, como é o caso da aviação. Precisamos garantir que os recursos e as competências tecnológicas do setor mineral, de óleo e gás estejam disponíveis para pesquisa e tecnologia para o desenvolvimento de novas fontes de energia, como é o caso da biomassa.
É claro, como disse o Senador anteriormente a mim, que nós precisamos também ser capazes de superar a dicotomia e a polarização entre agro e meio ambiente, construindo um novo imaginário político num Brasil e num mundo em mundo em mudança. Precisamos também conciliar o meio ambiente e energia, com clareza do phase-out dos combustíveis fósseis no Brasil e também maior clareza de como é que a gente usa hoje os recursos oriundos da exploração de petróleo.
Por último, em âmbito doméstico, precisamos de uma visão estratégica sobre os minerais críticos e estratégicos. A transição para a economia de baixo carbono é intensiva em minerais e estão aqui algumas das maiores reservas do mundo. E, com isso, estão aqui também alguns dos potenciais imensos de conflito para os próximos anos. Nós não podemos ser só mais exportadores de commodities e compradores de produtos manufaturados.
Em âmbito internacional, são as recomendações. A geopolítica climática faz parte de uma nova ordem internacional que está em construção. Vai muito além da polarização entre China e Estados Unidos e vai legar aos países do sul global um novo papel e novos interesses.
O Brasil precisa estar pronto para liderar, com lideranças inovadoras e produtoras de solidariedade. Recomendamos o exercício de uma diplomacia com neutralidade, identidade e pés no chão. Nós interessamos ao mundo por três razões: a nossa capacidade de produzir alimentos, a nossa capacidade de produzir energia e também os serviços ecossistêmicos que prestamos. Que a gente se concentre nisso a partir da produtividade, da inovação e da inclusão social.
Precisamos também ser capazes de revitalizar os espaços multilaterais, ajudando a recuperar a confiança em alguns e também a destravar a paralisia decisória que acomete a outros. Precisamos, ainda, de novos dinheiros. É claro que os países em desenvolvimento precisam dos recursos que o sistema multilateral prometeu e que a gente ainda não viu, mas esses recursos não são mais suficientes para dar conta do tamanho do problema que nós temos pela frente.
E por último, em cenário internacional, a gente precisa cobrar pela implementação do financiamento do fundo de perdas e danos, que nasceu na última COP e que vai suprir principalmente a necessidade dos países que não têm mais condições de se adaptar.
Por último, Senadora Leila, ao falar nesta Casa, é impossível não destacar a importância e o papel do Parlamento nessas discussões. Senhoras e senhores, o meu pedido aqui é inequívoco. O Parlamento brasileiro precisa se ocupar do futuro. A defesa dos interesses nacionais não pode ser somente uma tarefa do Governo Executivo Federal.
Considerando que clima é um tema da agenda de desenvolvimento dos países, precisamos que cada um de vocês frequentem o mundo, os seus espaços de decisão e tenham posições sobre os assuntos que nos afetam, como defensores dos interesses nacionais que também são.
Da Comissão de Relações Exteriores aos PLs que se relacionam com os temas que eu mencionei, o Brasil precisa de vocês. Nós precisamos...
(Soa a campainha.)
A SRA. MÔNICA SODRÉ - ... de cada um de vocês.
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Concluo relembrando que são as oportunidades econômicas que movem o mundo. Não custa lembrar também que essas oportunidades também se movem.
Muitíssimo obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Mônica Sodré, CEO na Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, a nossa querida Raps.
Eu vou passar agora a palavra para a Sra. Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, por oito minutos. Seja bem-vinda, Ana.
A SRA. ANA TONI (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos e a todas. É um grande prazer, Senadora Leila, estar de volta a esta Casa. Quero agradecer a parceria aqui do Senado Federal com o Ministério do Meio Ambiente, a gente vem tratando de diversas agendas de interesse comum. É um prazer estar aqui também com amigos e amigas falando de COP 28, porque estamos a quase uma semana da COP 28, então, estamos nos preparativos finais agora para a COP 28.
Quero dizer que o Brasil chega à COP 28 de cabeça em pé, e isso é muito importante porque, sim, somos muito orgulhosos do Brasil e somos todos brasileiros. O Brasil chega à COP 28 agora mostrando o combate ao desmatamento de uma maneira impressionante nesses últimos dez meses, em que a gente conseguiu... Porque esse era o grande tema na COP 28. Todas as vezes que nós, brasileiros, estávamos nas COPs, o único assunto que conseguíamos conversar era sobre o desmatamento na Amazônia. Felizmente, vamos chegar à COP podendo, sim, falar não do desmatamento, mas do combate ao desmatamento, um desmatamento de 49,5% até agosto deste ano, o que significam 250 milhões de toneladas de carbono que foram evitadas de serem emitidas, o que é ao redor do que uma Argentina, como um todo, emite. Então, a gente está falando deste tamanho que é o Brasil e da potência que é o Brasil quando a gente se move na direção certa.
Vamos também chegar a essa COP tendo revisto e corrigido a nossa NDC, com as ambições que foram colocadas desde 2015, o que demonstra que o Brasil está totalmente compromissado com os acordos multilaterais e que, quando a gente faz uma promessa em um acordo multilateral, a gente, sim, está comprometido com ela, apesar do que acontece na política internacional. Vamos também chegar a essa COP tendo revisto a nossa governança climática, agora revendo o Plano Clima, através do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, presidido pela Casa Civil. Acabei de vir de uma reunião no MCTI, em que a gente está começando a rever cada Plano Clima. Senadora, serão oito planos de mitigação e 14 de adaptação que a gente espera poder entregar no começo do ano. E, por fim, vamos chegar também com novos instrumentos econômicos para poder beneficiar o Brasil nessa transição.
Imagino, como o meu colega já comentou, o Rafael Dubeux, que não só o Plano de Transformação Ecológica, mas o Fundo Clima, muito mais robustecido agora com os títulos soberanos, e o Fundo Amazônia tendo voltado...
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Quero agradecer já à senhora pelo trabalho que fez, pela liderança que teve com a aprovação, nesta Casa, do mercado de carbono, que agora está na Câmara, e taxonomia verde, que também está em debate público.
Então, a gente chega a essa COP não só com metas, não só já demonstrando o que a gente fez para o desmatamento - ou contra o desmatamento -, mas também mostrando um novo modelo de desenvolvimento que esperamos para o Brasil, e é assim que vamos chegar à COP 28: o Brasil se colocando não como um problema para o mundo em mudanças do clima, mas como um provedor de soluções climáticas em diversas áreas: energia, agricultura, serviços ecossistêmicos. É nessa posição que a gente chega a essa COP 28.
Mas é muito importante lembrar que o Brasil é também um dos países mais vulneráveis à mudança do clima, e a gente normalmente se esquece da vulnerabilidade brasileira. O Brasil, pelos dados que eu vi recentemente, é um dos cinco países mais vulneráveis, também pela sua amplitude. E a gente já está vendo o que significa viver numa temperatura de 2 graus: a seca na Amazônia, agora as inundações no Sul. Então, o Brasil tem muito a perder com o aquecimento global e as mudanças do clima. A gente pode se beneficiar, mas, se o mundo não agir, se o Brasil não agir, nós vamos perder muito, e quem perde não vai ser só nossa agricultura, nosso sistema elétrico, que depende de água, mas principalmente a população brasileira. E a gente sabe quem é essa população brasileira que já está sentindo as mudanças climáticas: são sempre os mais vulneráveis, são sempre as mulheres, são sempre os negros, são sempre os que vivem em comunidades. Esses, que sempre estiveram na linha de frente das desigualdades, serão novamente os que estarão sofrendo com as desigualdades que serão trazidas pela mudança do clima. A gente sabe que a mudança do clima é um acelerador de desigualdade e pobreza, e a gente sabe que, se a gente não agir, serão sempre os mesmos que estarão nessa linha de frente.
Por isso o Brasil chega a essa COP, e já fez uma submissão, através do Itamaraty, de uma proposta que se chama Missão 1.5. É que não adianta mais nos alinharmos a uma ambição climática de 2 graus, a gente precisa se alinhar, em termos das metas de mitigação, de adaptação e, principalmente, dos meios de implementação, financiamento, tecnologia, capacitação, para, no máximo, chegar a 1,5. Eu sei que a ciência está colocando que talvez a gente passe de 2 graus em algum momento, mas que a gente tenha ainda a possibilidade - o tal do overshooting - de chegar a 2100 com 1.5 graus, fazendo todo esforço para isso, primeiro, porque é a coisa certa moralmente a fazer e, segundo, porque o Brasil - vou repetir isso milhões de vezes - é um dos países que mais vai ter consequências negativas.
A gente já tem, hoje em dia, um orçamento público que está sendo competido entre medidas de adaptação, medidas de mitigação e o normal do desenvolvimento social de que precisamos neste país. Então, se a gente não conseguir frear as mudanças do clima e ser ativo nesse tema, seremos os primeiros a sofrer e não vamos nos beneficiar do que a Mônica tão bem colocou, que é esse potencial brasileiro que temos. E tomara que esse potencial vire realidade! Para isso, estamos trabalhando com os outros países florestais para levar para a COP 28 também uma ideia, uma proposta de financiamento para a floresta em pé que está sendo trabalhada. Não sei se vai dar tempo para a gente chegar lá já com a proposta, mas é uma ideia inovadora.
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O Brasil já foi liderança, trazendo, na época do Acordo de Montreal - do Protocolo de Kyoto, desculpa -, os MDLs, essa inovação desse mecanismo financeiro que agora virou mercado de carbono. O Brasil também levou para as COPs o REDD e o REDD+, que são o artigo 5, então, teve aí um papel inovador. E acho que nessa retomada do Governo brasileiro, com o Presidente Lula, esta é a tentativa: trazer instrumentos para as COPs que sejam inovadores. Então, a Missão 1.5, esses novos mecanismos financeiros que a gente vem trabalhando, acho que, no G20, com a liderança do Ministério da Fazenda e do Itamaraty, vão ter um alinhamento muito grande com novos mecanismos econômicos globais que também ajudem o Brasil a passar por essa transição e realizar esse nosso potencial.
E, por fim, a última coisa que eu queria mencionar é que o Brasil chega, eu ouvi o Senador mencionando, muito alinhado. Vamos ter...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANA TONI - ... depois de quatro anos, vamos ter um pavilhão, o Pavilhão Brasil, a que já convido todos e todas aqui presentes. É um pavilhão que foi co-construído e coordenado entre Governo brasileiro, Governo Federal, setor privado, sociedade civil, academia, governos subnacionais. Todos esses atores formaram uma comissão para a escolha de 120 eventos que vão acontecer no Pavilhão Brasil. Então, é o Brasil unido na sua diversidade, sim, com tensões internas, mas olhando e sabendo desse potencial que o país tem. Então, convido todos e todas que estarão, quem estará na COP, para, por favor, visitar o Pavilhão Brasil, onde muitos desses debates acontecerão.
Agradeço o convite. Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos a sua presença, Ana Toni, representante do Ministério do Meio Ambiente. Acompanha bem, é muito parceira nossa aqui nos debates, principalmente na Comissão de Meio Ambiente e em tantos outros aqui. É uma felicidade enorme tê-la aqui conosco nesta sessão.
Eu vou passar a palavra agora para a Sra. Laura Moraes, Diretora de Campanhas da associação civil sem fins lucrativos a Avaaz, por oito minutos.
Seja bem-vinda, Laura!
A SRA. LAURA MORAES (Para exposição de convidado.) - Boa tarde!
Senadora Leila Barros, muito obrigada pelo convite. Agradeço em nome dos nossos 19 milhões de membros aqui no Brasil. A Avaaz é uma organização global. Aqui no Brasil, somos 19 milhões. É muito importante este evento estar acontecendo. Parabenizo também pelo protagonismo neste tipo de debate que a gente tem aqui na Câmara - no Senado, perdão -, que é muito importante. Então, conte com a gente nessas lutas, debates e diálogos que a senhora tem travado aqui dentro.
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Como tem muita gente aqui com pautas e temas diferentes, porque esse tema... Os desafios que a gente vai enfrentar na COP - e falo como sociedade civil - são diversos. Então, eu vou me ater aos desafios que a delegação da Avaaz, que vai ser uma delegação grande, enfrentará e no que tentaremos garantir dentro das nossas lutas lá em Dubai.
Nós estamos bastante preocupados em garantir que a proteção da Amazônia, que a proteção dos nossos biomas - não só da Amazônia - e a garantia dos povos indígenas estejam no centro das negociações que o Brasil realizará durante essa COP. Isso é importante porque essa COP pode ser - e a gente entende que é - o pavimento para a COP 30, que será num dos corações da Amazônia, em Belém do Pará. Então, se a gente não conseguir garantir o mínimo de esforço já neste momento, a COP 30 tende a já começar com um grande problema, porque ela não vai começar em 30, ela já começou, os preparativos já estão acontecendo agora.
Para nós, é muito importante que a gente consiga incluir nas decisões da COP uma referência clara ao ponto de não retorno da Amazônia e o reconhecimento da emergência que estamos vivendo nesse bioma, neste momento, nos textos oficiais da COP 28. Também é muito importante garantir o acesso direto dos povos indígenas aos financiamentos que são construídos globalmente com o objetivo de financiar a proteção, a recuperação do meio ambiente e a proteção aos povos indígenas. Hoje em dia, de certa maneira, os financiamentos vão para organizações, vão para governos. Os povos indígenas ainda não têm mecanismos claros e diretos para receberem esses financiamentos, sendo que são os maiores protetores dos nossos biomas em suas terras. Então, é importante que a gente olhe dessa maneira e lute em parceria com os povos indígenas que estão nesse protagonismo.
Também entendemos que é importante, Senadora Leila, garantir o direito dos povos indígenas à consulta prévia nas discussões sobre os mercados de carbono mundo afora. Então, são discussões que nós estamos aqui já travando, com o nosso protagonismo, mas, mundo afora, essa também é uma grande questão. Como brasileiros que sabem a complexidade desse debate, também pretendemos enfrentar essa luta.
Nós entendemos que os desafios que temos, no Brasil, para sairmos orgulhosos das nossas negociações, dos nossos debates, das nossas posturas, são grandes, Senadora, porque temos, infelizmente, movimentos e posturas contraditórias em relação aos debates que acontecerão na COP 28. Ao mesmo tempo que a gente tem todo um protagonismo do Governo brasileiro de proteger o meio ambiente, de criar o Ministério dos Povos Indígenas, por exemplo, também temos uma parte do Governo lutando para explorar petróleo dentro da Amazônia, enquanto a gente deveria estar começando a conversar seriamente em atuar de maneira clara para parar de utilizar petróleo, e não conseguir furar mais, buscar mais, ainda mais dentro de um bioma tão precioso para o mundo, não só para o Brasil. Além disso, temos aqui, nesta Casa e também na Câmara, Parlamentares preocupados e lutando para garantir que bons projetos de lei saiam dessas Casas, mas, ao mesmo tempo, aprovam uma das maiores agressões à proteção do nosso meio ambiente, do nosso clima e dos nossos povos indígenas, que é o marco temporal.
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Por isso eu parabenizo por este debate aqui hoje. É muito legal que todo mundo aqui possa participar. Hoje tem muito mais organizações que tratam desse tema, e a pluralidade aqui já demonstra isso.
Se a gente não conseguir alinhar melhor o nosso posicionamento dentro do Brasil em relação às nossas leis, em relação ao que a gente constrói dentro do nosso arcabouço jurídico, a gente não vai conseguir alcançar as metas a que a gente se propõe mundialmente quando a gente tem esses encontros como as COPs. Então, é importante que, dentro do Parlamento, tenha Senadores, Senadoras, Deputados e Deputadas comprometidos em atualizar o nosso arcabouço jurídico em relação, por exemplo, ao Acordo de Paris e em relação ao que a ciência tem dito hoje em dia. Como disse a Mônica Sodré - acho que foi Mônica -, o problema é hoje, não é mais dos nossos filhos e dos nossos netos. O futuro que a gente precisa construir tem que ser construído hoje, nesta Legislatura, neste Governo. Se a gente não conseguir fazer esses alinhamentos e voltar dessa COP com compromissos claros, metas traçadas, protocolos que seguiremos, vai ser muito difícil a gente não construir uma COP 30 que não seja puramente demagógica e que não traga os olhos do mundo inteiro para a exploração do petróleo, como está sendo um pouco essa COP, com o protagonismo dos Emirados Árabes Unidos.
Então, nós entendemos que esse é o grande desafio dessa comitiva imensa do Governo que vai estar lá, do Parlamento. Queremos trabalhar em parceria, porque o nosso momento é agora. Também disponibilizamos a nossa equipe que vai estar em Dubai para atuar em conjunto com os Parlamentares e com as outras organizações, colegas e com o Governo brasileiro para a gente conseguir colocar à frente dos nossos debates a proteção dos povos indígenas, o reconhecimento dos problemas que já foram causados até hoje e uma proteção de fato, para que a gente consiga caminhar para o desmatamento zero, para que a gente consiga caminhar para a proteção das áreas de comunidades tradicionais, por exemplo, e ter orgulho, de fato, do que o nosso Brasil tem feito para se tornar um protagonista real e concreto em comissões, em diálogos internacionais, em espaços como a COP 28 e, potencialmente, a nossa COP 30.
Muito obrigada.
Cumprimento todos, agradecendo, na figura da Senadora Leila, por este espaço.
Boa tarde a todos. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata à Laura Moraes, Diretora de Campanhas da associação civil sem fins lucrativos Avaaz.
Vou passar a palavra agora para o Sr. Alexandre Prado, Diretor de Finanças Verdes do WWF.
No remoto - desculpe.
Seja bem-vindo, Alexandre!
O SR. ALEXANDRE PRADO (Para exposição de convidado. Por videoconferência.) - Obrigado, Senadora Leila. É uma honra estar aqui. Obrigado pelo convite.
Senadora, Deputadas, demais Parlamentares, colegas, é sempre um prazer participar das conversas nessa Casa, dos debates, ouvir os diversos pontos de vista pelo alto nível em que eles foram trazidos. Então, novamente, agradeço pelo convite. É difícil falar depois de tantos colegas falarem e subirem bastante o nível, colocarem um nível de discussão muito elevado, mas eu vou tentar aqui adicionar pontos.
O tema nosso é como o Brasil chega à COP 28. Como muitos daqui já sabem, quem frequenta a COP, a gente tem três COPs ao mesmo tempo, como a gente costuma falar: tem uma COP que é mais vinculada à negociação, que é muito do que foi trazido pelos palestrantes anteriores; tem uma COP que, como a gente chama, é uma COP de feira; e tem a COP da ação climática. Eu vou começar pela COP de feira.
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A Ana falou um pouquinho. O Brasil chega, neste ano, com um stand robusto, oferecido pelo Governo Federal, e diferente das COPs anteriores, onde a gente tinha, ao menos, dois stands, um que era o Brasil do Governo e outro que era o Brasil da sociedade brasileira. Então, agora, a gente chega com um stand robusto, com vários eventos, onde a gente disputa também com todos os outros hubs, que todos os países levam, mas o Brasil chega, assim, demonstrando para a sociedade como um todo, a sociedade global como um todo... Parece-me que são mais de 70 mil pessoas que irão participar da COP. E, aí, a forma de você ter um stand robusto demonstra: "Olha, esse país valoriza a participação e a atuação nas negociações e no debate da emergência climática". Então, essa é uma mudança significativa entre o que a gente via no passado e o que a gente vê neste ano. É ótimo a gente poder estar junto.
Tem uma segunda COP, que, como a gente fala, é a COP da ação climática. Ela era presidida pelo Presidente da COP, no caso, o Sheik de Dubai, o indicado pelo Sheik, e ela é muito vinculada aos compromissos, seja de países, seja de empresas, que fazem acordos setoriais ou entre países, de forma a demonstrar a sua ambição sobre como lidar com a emergência climática. Um caso que a gente pode relembrar, ocorrido há algum tempo, foi, por exemplo, o compromisso de metano que o Brasil assinou e que está vinculado, sim, a uma redução de 30% de metano até 2030. Esse é um compromisso que era entre vários países, mas que não entra no processo de negociação. É uma ambição que o Brasil colocou. Parece que, neste ano, vão ser entre 12 ou 19 compromissos que vão ser lançados ali nessa ação climática. O Brasil vai ter vários. A gente não tem acesso a todos, mas, pelo menos, o que a gente imagina é, obviamente, na casa de florestas, saúde, economia, energia, que são alguns deles.
Aqui, vale a pena lembrar que esses compromissos, que são feitos na ação climática, carecem de consistência de cobrança, de transparência de como esses compromissos estão sendo executados. Então, aqui fica um chamado, aí sim para o nosso Executivo, de que esses compromissos não só subam a barra no sentido de ter maiores compromissos setoriais ou de países, mas que eles tragam, sim, uma clareza de monitoramento, de implementação e de como isso vai ser feito ao longo do tempo, seja em relação aos recursos que vão ser disponibilizados nesses acordos, seja, obviamente, no monitoramento do impacto do que, de fato, está acontecendo.
E, aí, o terceiro ponto, a terceira COP é a COP de negociação, de que muito já foi falado. Obviamente, a COP, neste ano, tem alguns pontos importantes, um deles é o balanço global, que já foi falado aqui, o GST, em que vai ser feita uma leitura do que está faltando e de como vai ser considerado para as próximas COPs. Vale a pena lembrar aqui que um dos pontos importantes do GST, um dos pontos que vão ser colocados no GST é, sim, a participação e o olhar sobre populações indígenas e populações vulneráveis. Essa é uma agenda importante. É como isso será olhado no período subsequente, como isso será olhado nas NDCs que serão cobradas pelos países.
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Este ano, um dos pontos em negociação na COP são as metas globais de adaptação. Como a Ana bem falou, o Brasil é um dos países mais impactados pelas mudanças climáticas, e a gente tem que relembrar sempre que os mais impactados, num país altamente desigual, são as populações mais pobres e vulneráveis. Há "n" exemplos, seja no Brasil, recentemente, por exemplo, a enchente no Sul, onde os mais impactados são os agricultores familiares, ou mesmo o que aconteceu no litoral de São Paulo em fevereiro, onde os mais impactados são as populações mais carentes, e assim por diante, para a gente não ficar só no que aconteceu neste ano. É imenso o caso dos impactos das mudanças climáticas nas populações vulneráveis, e o Brasil, sim, tem uma responsabilidade sobre essa população mais vulnerável, dado o nível de desigualdade do nosso país.
Um outro ponto importante na negociação deste ano, como também já foi falado, é o Fundo de Perdas e Danos, é a questão da adaptação, e nesse Fundo de Perdas e Danos, uma pergunta que se tem é: como a gente vai fazer isso no Brasil? Por exemplo, num dos olhares que se tem sobre o Fundo Clima, o que se coloca é que uma parte do recurso dos bônus que o Rafael colocou na primeira apresentação irá para o Fundo Clima; ele é por adaptação. A dúvida é: o que mais nós vamos fazer? O que nós vamos considerar, sabendo que esses recursos são bons, mas não são suficientes, numa hora em que o Brasil discute a nossa reforma tributária, com um olhar para as populações mais vulneráveis, num país que tem 33 milhões de pessoas passando fome?
E aí, a discussão de transição justa. Esse também é um ponto importante na COP deste ano, e o olhar do Brasil sobre transição justa, na geração de empregos vinculados à economia verde.
Como é que a gente chega, então, à COP 28? Como é que eu vejo? O Brasil chega, como também já falado, com uma taxa de desmatamento caindo, o que é ótimo, com uma NDC revigorada - tem um plano de transformação ecológica, quiçá um PL de mercado de carbono aprovado - e com vários sinais para onde a gente quer ir. Mas, obviamente, esta Casa, o Senado e a Câmara, também podem e devem ajudar, sinalizando o desejo da sociedade. Numa semana em que nós temos três projetos em votação, como foi também falado: o projeto da Mata Atlântica, o projeto do marco temporal e, depois, até o final do ano, o licenciamento.
O Brasil não pode chegar à COP 28 com posições tão antagônicas. Ou a gente quer, ou a gente não quer; não dá para liderar sem ter o exemplo. E aí, para liderar pelo exemplo, a gente lidera como um todo. É difícil, no nível internacional, você separar aquilo que vem de um lugar e aquilo que vem de outro. E, obviamente, esta Casa pode ajudar muito, dizendo que somos um país único. Por que isso? Porque, conforme a gente aparece na COP 28, é um indicativo de como a gente vai chegar à COP 30. Não é segredo para ninguém que a COP 29, dada a ausência de definição de onde ocorrerá, tem um buraco de liderança.
Então, a liderança do Brasil se adianta, ela não começa só após a COP 29, ela já começou. E aí, para a gente chegar à COP 30, de fato, com liderança e aproveitando o máximo do que a economia do século XXI pode nos trazer, indicando a ambição de um país que quer deixar o passado, que respeita o passado, mas olha para o futuro, o que nós queremos.
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A gente quer um país mais desigual? Isso tem que ser colocado no processo de negociação. Um acordo global de eliminação de combustíveis fósseis? O Brasil tem como liderar isso. A gente não é ingênuo de saber que o Brasil não é a liderança em emissão de combustíveis fósseis, mas o Brasil pode, sim, apresentar uma proposta, dado o seu papel no cenário internacional nos próximos anos, numa discussão do que pode ser a nova governança.
A COP 30, quando o Presidente Lula foi na COP do ano passado, ele falou "a COP 30 é a COP do povo". A "COP do povo" quer dizer o povo dentro do processo, é o povo negociando e o povo monitorando, seja nos recursos financeiros, seja nos impactos de onde isso vai acontecer.
Muito obrigado, Senadora. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Alexandre Prado, Diretor de Finanças Verdes do WWF.
Vou passar agora a palavra para a Sra. Marta Salomon, Especialista Sênior do Instituto Talanoa.
A SRA. MARTA SALOMON (Para exposição de convidado.) - (Falha no áudio.)...
que ficaram até essa hora. Eu prometo ser breve.
Obrigada pelo convite, Senadora, ao Instituto Talanoa.
Eu queria aqui apresentar um relatório que a gente vai divulgar amanhã. É uma contribuição para o debate, também uma tentativa de traçar um panorama da política climática no Brasil hoje, dos avanços e também das lacunas que existem.
Esse relatório retrata um momento de reconstrução da política climática. Ela não se dá assim - não é, Ana Toni? -, num estalo. A gente vem de um período muito difícil da história, em que não apenas as emissões de gases de efeito estufa aumentaram, mas também toda a governança climática foi desmontada. Então, é um momento que a gente vê com muito bons olhos, mas em que os desafios são gigantescos. Os desafios são bem maiores do que reduzir o que a gente estima em cerca de 480 milhões de toneladas de carbono equivalente até 2025 pela nossa NDC corrigida; maiores do que reduzir em cerca de 600 milhões de toneladas de carbono equivalente até 2030, como também diz a nossa NDC, mas enfrentar muitas questões que ainda estão em aberto. E eu acho que o papel desta Casa é fundamental para lidar com esses desafios.
Então, pessoas aqui já falaram antes de mim de alguns desses desafios que são contradições que estão no debate político hoje. Então, não há como falar em transição, uma estratégia para baixo carbono, para uma economia de baixo carbono sem lidar com a necessidade de estabelecer um cronograma para redução gradual de queima e produção de combustíveis fósseis.
Então, o Brasil tem uma responsabilidade muito grande, porque nós somos o nono maior produtor de petróleo, isso gera muita riqueza, mas não há como lidar com um planeta sustentável numa curva ascendente de emissões por queima de combustíveis fósseis.
O Global Stocktake, que é o primeiro balanço geral das nossas ambições, que vai ser um dos principais temas na COP 28, já está mostrando que o mundo está fora da rota, o Brasil também está fora da rota, a gente vem de um período de pelo menos quatro anos de aumento das emissões.
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A gente ainda não sabe sobre esse período mais recente, mas a gente já tem bons sinais aqui de que a gente caminha para a interrupção dessa curva ascendente e para começar a diminuir, sobretudo pelos esforços no combate ao desmatamento da Amazônia. A gente já teve alertas de desmatamento da Amazônia, nos primeiros dez meses do ano, caindo pela metade, ainda que nesse mesmo período os alertas de desmatamento no Cerrado tenham aumentado 36%. E aí também é um papel importante desta Casa, porque é no Cerrado que existe a principal fronteira agrícola do país. É onde está o Matopiba, um acrônimo do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. É onde mais se expande a fronteira de soja, que é o principal produto de exportação brasileiro. E é um território também muito vulnerável às mudanças climáticas, que tende a presenciar períodos consecutivos de muitos dias de seca.
Então, eu queria chamar a atenção também para o desafio gigantesco na agenda de adaptação às mudanças climáticas. A plataforma do Governo Adapta Brasil diz que 66% dos municípios brasileiros têm uma capacidade adaptativa aos fenômenos extremos muito baixa ou baixa. Não são apenas os municípios, as pessoas que vão sofrer esses impactos desiguais das mudanças climáticas, mas também a geração de energia elétrica, a própria produção de alimentos vai ser afetada por isso. Então, é o momento de lidar com esses desafios e encarar a responsabilidade.
Eu só gostaria de chamar a atenção, já que a gente está aqui no Senado, para a responsabilidade gigantesca, parabenizar pela iniciativa de debate e dizer que, sim, nós somos um país em desenvolvimento, mas também nós somos um país responsável pelas emissões de gases de efeito estufa. Nós somos o quarto maior emissor de gases de efeito estufa na história, se contabilizadas as emissões do desmatamento.
Então, eu agradeço muito a oportunidade. O relatório vai ser lançado amanhã. Sucesso para todos nós. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada pela participação, Marta Salomon, Especialista Sênior do Instituto Talanoa.
Vou passar a palavra agora para o Sr. Bruno Toledo, pesquisador do Instituto ClimaInfo, por oito minutos. Seja bem-vindo, Bruno.
O SR. BRUNO TOLEDO (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todas e a todos. Boa tarde, Senadora Leila. Muito obrigado pelo convite, em nome do Instituto ClimaInfo.
Eu sou Bruno Toledo, sou especialista em negociações internacionais de clima do ClimaInfo. Acompanho essa agenda já há dez anos - 15, na verdade, contando pesquisas acadêmicas e graduação.
É interessante falar aqui, depois de todas as exposições, de todas as falas, porque, na verdade, o que a gente tem é um contexto de dois problemas que nós agora vamos ter que encarar.
Hoje, nós temos um quadro de insuficiência. É uma insuficiência crônica que diz respeito não apenas à insuficiência dos nossos objetivos climáticos, à insuficiência daquilo que nós prometemos, à insuficiência daquilo que nós estamos entregando, à insuficiência daquilo que estamos financiando, à insuficiência da nossa ambição. Pensar que nós estamos discutindo o clima há 30 anos e ainda estamos numa situação de insuficiência crônica é preocupante.
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E parte importante de estarmos nessa situação de insuficiência diz respeito às nossas contradições, às contradições e ambiguidades que acabam permitindo que a gente adie soluções necessárias, soluções que estão sendo discutidas, há 30 anos. Ficamos presos nessa discussão e nunca temos uma implementação. A gente não consegue avançar nesses pontos.
Então, dá para a gente pensar, na verdade, pelos dois recortes, tanto pelo recorte do contexto internacional, como também do contexto nacional.
No contexto internacional, os relatórios recentes... Sempre pré-COP nós temos uma leva de relatórios técnicos e todos eles falam, a mensagem é a mesma, que as NDCs colocadas na mesa são insuficientes para conter as emissões de maneira a limitar o aquecimento global em 1,5°C. As NDCs colocadas também acabam prometendo, ainda que sejam totalmente implementadas, que não vão nos entregar as reduções que nós precisamos ao fim dessa década. Tivemos um relatório da OCDE agora, no final da semana passada, falando que, com dois anos de atraso, a gente conseguiu, teoricamente - dados preliminares, a gente não tem ainda certeza -, a meta dos 100 bilhões anuais para financiamento climático, prometidos lá em 2009, para que fossem atingidos em 2020. Teoricamente, nós atingimos isso em 2022. Só que hoje a gente tem clareza de que esse é um volume inadequado; de novo, é um volume insuficiente.
E mesmo as discussões sobre o fundo de perdas e danos, que é um tópico que eu acompanho com um pouco mais de atenção, o que a gente tem em quadro, especialmente do que o grupo negociador discutiu nesses últimos meses, de novo, é um quadro de meia solução.
O fundo é criado, mas é criado pelo menos sob o guarda-chuva provisório do Banco Mundial; só que é um fundo que não tem recursos, é um fundo que não tem metas e que ainda não tem uma estrutura de governança clara de aplicação desses recursos.
Então, no contexto global, a gente está sendo confrontado com essa situação de insuficiência. Tudo que a gente colocou à mesa, tudo aquilo que os governos prometeram, tudo aquilo que nós fizemos, esse é o ponto, nós não estamos apenas prometendo, nós fizemos alguma coisa nesses 30 anos, mas isso não nos levou àquilo que nós precisávamos em termos de redução de emissão e em termos de contenção do aquecimento global - sem falar que nós ainda temos que levar em consideração o contexto internacional.
Nós vamos para uma COP à sombra de uma guerra regional, que é um reflexo também da insuficiência do sistema multilateral internacional. O fato de nós irmos para Dubai discutir questões de clima, questões que são essenciais para o futuro da humanidade - e ainda assim a gente tem dois conflitos acontecendo há poucos milhares de quilômetros de distância, e são conflitos criados, intensificados pelas grandes potências, e ao mesmo tempo a gente tem que levar em consideração também as nossas contradições internas aqui, no Brasil.
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No Brasil, de fato, o nosso problema não é o problema da energia, como é, por exemplo, com os grandes países envolvidos, com as grandes potências. O Brasil tem um potencial para entregar soluções, de fato, climáticas, para o resto do mundo; mas é estranho o Brasil se colocar como um candidato à liderança, num contexto em que nós precisamos, sim - e isso está ficando cada vez mais claro pelas análises e pelos relatórios técnicos -, manter os estoques de petróleo, de carvão e de gás no solo, os estoques que sobraram. Nós não podemos consumi-los, nós não podemos tirá-los do chão.
Ainda assim, a gente discute, em 2023, a possibilidade de extração de petróleo na região da foz do Amazonas. A própria promessa de que precisamos ter isso para segurança energética... com o processo de investimento e implementação desse projeto, a gente só vai começar a tirar nossos primeiros barris de petróleo daqui a pelo menos uns cinco anos, ou seja, em 2028.
Então, nós precisamos entregar... nós precisamos ter mais clareza e passar essa clareza quando a gente se coloca como uma liderança climática, precisamos enfrentar essas contradições. Não adianta nada nós nos colocarmos como essa liderança sem enfrentar isso. Certamente, enquanto o Brasil não tiver isso claro e evidente, isso vai criar dificuldade para nós no médio prazo, considerando que nós temos uma COP a sediar daqui a dois anos, e uma COP na Região Amazônica, em que isso vai estar no coração das discussões.
Então, eu entendo que essa COP é quase como uma COP de choque, porque este é o momento que nós temos para conseguir salvar as nossas expectativas e os nossos sonhos desta década. Se nós não conseguirmos começar a entregar algum resultado nos próximos anos, não adianta nada nós ficarmos prometendo descarbonização para 2030, 2040, 2050, 2060, porque, de novo, contradição: a gente promete, e não entrega.
Então, acho que esse é o ponto que essa COP coloca para todos nós, para o Brasil e para a comunidade internacional: como é que a gente consegue enfrentar essas contradições e começar a entregar resultado? Porque eu não consigo enxergar a possibilidade de a gente ir para uma COP 37, 38, daqui a dez anos, discutindo as mesmas questões. Então, a gente precisa avançar agora. Precisamos avançar já.
Muito obrigado pela oportunidade.
Quero saudar aqui a todas as colegas, a todos os colegas.
Bom trabalho ao Congresso Nacional, que tem uma missão importante de conseguir começar a dirimir essas contradições no contexto interno.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós é que agradecemos, Bruno Toledo, pesquisador do Instituto ClimaInfo.
Agora nós vamos passar a palavra para a Sra. Mariana Belmont, que é assessora sobre clima e racismo ambiental do Geledés Instituto, por oito minutos.
Seja bem-vinda, Mariana.
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A SRA. MARIANA BELMONT (Para exposição de convidado.) - Bom dia, quase boa tarde também. Agradeço a todos que ficaram para ouvir as falas finais.
Eu estou aqui, hoje, representando a Rede por Adaptação Antirracista e o Instituto Geledés de São Paulo. Agradeço a todas, todos e "todes" os presentes, hoje, neste importante diálogo de preparação para a COP 28, que começa na semana que vem, no paraíso do petróleo, em Dubai.
Agradeço à Senadora Leila, aos Senadores e às Senadoras que estiveram presentes e a toda a sociedade civil, aguerrida defensora de direitos ambientais, direitos humanos, em especial os movimentos negros, indígenas, de mulheres e periféricos, que são os movimentos que nos orientam, sobre quais políticas e enfrentamentos a gente deve fazer e centralizar na nossa vida em constante luta.
Os impactos racialmente díspares da degradação ambiental e da injustiça climática exigem uma reorganização e reorientação fundamental das instituições políticas, sistemas econômicos e princípios legais, para incluir justiça racial e prioridade de igualdade. As transições verdes também devem ser transições racialmente justas. As transições para formas mais limpas de energia, adaptações climáticas e outros programas devem tomar medidas incluindo medidas especiais para garantir que as respostas às mudanças climáticas não continuem com padrões marginalizados de discriminação racial e supremacia branca.
A verdadeira justiça racial implica o fim do racismo ambiental e também implica adaptação, mitigação e estruturas de perdas e danos que não desarraigam o racismo sistêmico embutido na economia global com políticas transversais e estruturas legais. Isso inclui a descolonização em massa do sistema jurídico e econômico para garantir que os povos marginalizados racialmente, incluindo os indígenas, possuam verdadeira autodeterminação, incluindo a soberania sobre seus territórios.
Bom, diante das recentes posições importantes relacionadas à agenda climática, nos documentos da reunião do Fórum de Ministros do Meio Ambiente da América Latina e Caribe e da participação do Brasil em grupos de trabalho sobre transição justa e adaptação, em meio às negociações pré-COP, eu vou apresentar aqui, a seguir, alguns pontos em que se observam lacunas no que diz respeito às questões de afrodescendentes nas intervenções e negociações das COPs. É crucial que essa preocupação seja incorporada nas próximas negociações, o que pedimos a esta Casa, ao Ministério do Meio Ambiente e a todos os ministérios que têm sua parte nesse debate de negociação.
Bom, primeiramente, destacamos a importância de reconhecer as contribuições positivas no documento final da reunião do Fórum dos Ministros de Meio Ambiente da América Latina, que foi produzido e publicado, há algumas semanas, com especial ênfase em educação ambiental. Este é o único espaço em que a população afrodescendente é mencionada, o que abre caminho para a inclusão de outras cosmovisões e formas de perceber o mundo. É fundamental que essas contribuições sejam valorizadas e ampliadas em futuros documentos.
Além disso, enfatizamos a necessidade de estabelecer um diálogo eficaz entre as agendas climáticas e as ODS. A interconexão entre essas duas áreas é evidente, e é fundamental que as discussões reconheçam essa relação e busquem soluções conjuntas para os desafios que enfrentamos. Afinal, entendemos que, assim como não há desenvolvimento sustentável sem o enfrentamento do racismo, também não há justiça climática sem este mesmo enfrentamento.
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Frente a isso, destaca-se aqui a recente conquista da inclusão pelo Brasil do seguinte parágrafo sobre a questão racial na última Declaração Política a ser adotada no Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2023. Abro aspas: “Comprometemo-nos a intensificar nossos esforços na luta contra o racismo, todas as formas de discriminação, xenofobia e intolerância relacionada, estigmatização e discursos de ódio em todos os níveis, por meio de cooperação, parceria e inclusão, e com respeito à diversidade.” - fecho aspas.
Vale reforçar que a definição do conceito de racismo ambiental se ampara no reconhecimento do Estado racial e na ação institucional deliberada que resulta em exposição desproporcional das populações afrodescendentes e indígenas, mantendo-as permanentemente em condições vulneráveis. Mesmo diante de uma pressão cada vez maior dos movimentos negros e indígenas de todo o mundo para que se reconheça a dimensão racial no debate climático, ainda não é explicitado em documentos e negociações a presença da população afrodescendente.
É importante destacar que o racismo ambiental interage com as demais formas de exclusão social. Nesse sentido, análises interseccionais de violações de direitos humanos, termo pouco usado aqui hoje, relacionadas ao meio ambiente e ao clima devem reconhecer que mulheres são excluídas e enfrentam distintas violações de direitos humanos, afetando de forma desproporcional as comunidades mais vulneráveis, incluindo afrodescendentes e quilombolas. Essa forma de discriminação deve ser reconhecida e abordada de forma eficaz nas discussões sobre mudanças climáticas.
Nesse sentido, recomendamos que a questão racial seja considerada sempre próxima, andando com a questão de gênero quando for abordada nos textos. As desigualdades de raça e gênero estão intrinsecamente ligadas e devem ser tratadas de maneira integrada. Isso requer uma abordagem holística que leve em consideração a complexidade dessas questões, para combater a significativa invisibilidade das mulheres negras e indígenas nas agendas ambientais e climáticas e de desenvolvimento de país. Essas mulheres desempenham um papel fundamental na linha de frente da defesa de suas comunidades e enfrentam desafios únicos que devem ser abordados de maneira específica.
A crise climática é também humanitária em um contexto de humanidade que não é neutro, mas, sim, altamente desigual; ou seja, os impactos específicos na vida das populações afrodescendentes, quilombolas, dos povos periféricos e dos povos indígenas precisam ser considerados. No Brasil, a maioria da população é negra e hoje representa 56% da população, segundo o IBGE. Negar o racismo ambiental e negar o racismo sistêmico é aprofundar as desigualdades no país; é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome, é negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas, é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais. Esta mesma dinâmica acomete todas as demais nações do planeta, e, portanto, a gente deve destacá-la em textos de negociação.
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A população afrodescendente está desproporcionalmente concentrada em zonas de sacrifício global, regiões que se tornaram perigosas e até inabitáveis devido à degradação ambiental. Essas "zonas de sacrifício" são descritas com mais precisão como "zonas de sacrifício racial", o que já foi abordado pela Relatora da ONU para racismo e xenofobia, Tendayi, no ano passado, em 2022, com contribuições da Coalizão Negra por Direitos, que incluem as terras ancestrais dos povos indígenas, territórios negros, periféricos e territórios ocupados que enfrentam a seca e a devastação.
Por fim, ao apresentar declarações, acordos e documentos pertinentes ao tema durante a COP, é fundamental mencionar a Declaração e Plano de Ação de Durban. Este documento contém recomendações valiosas para que a agenda climática e foi historicamente construído em consenso com a sociedade civil afrodescendente.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIANA BELMONT - O movimento negro brasileiro teve um papel fundamental na Declaração e Plano de Ação de Durban. Sua incorporação nas discussões é um passo importante para garantir a equidade racial e étnica no planeta.
Bom, para encerrar, gostaria de lembrar que a contradição central que nos move é a de que, sempre que houver injustiças sociais e ambientais sobre os corpos dos sujeitos negros, há um indicador de racismo ambiental e, sempre que essas injustiças geram perdas humanas, há evidência de necropolítica.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Mariana Belmont, Assessora sobre Clima e Racismo Ambiental do Geledés Instituto - peço desculpas pela minha pronúncia.
Eu vou passar a palavra agora para a Sra. Leticia Luz, Gestora de Projetos do instituto Clima de Eleição, por oito minutos.
Seja bem-vinda, Leticia! É a nossa última oradora, expositora.
Quero agradecer a força e a participação de todos que estiveram conosco desde o início.
A SRA. LETICIA LUZ (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todos os presentes! Agradeço por terem ficado até este momento. Saúdo a Senadora em nome de todos.
Eu gostaria de dizer que estou muito honrada de representar aqui o instituto Clima de Eleição, no qual atuo como Gestora de Projetos. Esse instituto atua, desde 2020, na incidência política para o aumento do compromisso de Parlamentares e lideranças do nível federal ao municipal, com a agenda socioambiental e climática, expandindo essa atuação do nível federal ao nível municipal em diversas regiões brasileiras e conectando-se com as organizações de diferentes tamanhos e experiências, como as presentes hoje neste debate, para construir pontes entre a sociedade civil e os tomadores de decisão.
Eu vou primeiramente me descrever. Chamo-me Leticia. Sou uma mulher negra de pele clara, tenho cabelos vermelhos trançados e uso um rabo de cavalo. Estou vestindo uma camisa vermelha de botão com mangas e uso brincos de metal. Eu tenho 27 anos, sou natural de Belém do Pará e, há cerca de sete anos, atuo como ativista ambiental, falando sobre os problemas que atingem as populações da cidade de Belém, principalmente as moradoras da periferia, como as que moram no meu bairro, o Bairro do Guamá, o mais populoso da cidade, e que convivem há muitas gerações com a falta de direitos básicos, como saneamento básico.
Belém, todos os anos, desponta entre as cidades com o pior índice de saneamento segundo o ranking de saneamento do instituto Trata Brasil.
Como uma pessoa jovem, tenho grande respeito por outros ativistas e pessoas que vêm denunciando a negação de direitos das pessoas moradoras das periferias, das aldeias e das reservas, seja na Amazônia, seja em outros biomas.
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São anos de luta, mesmo sendo afetados diretamente pela desigualdade e suas consequências.
E, para as novas gerações que têm a missão de seguir com os movimentos de resistência, esse também é um grande desafio, pois a juventude está cada vez mais desesperançosa de um futuro digno, com saúde, trabalho e qualidade de vida, principalmente diante de um cenário de mudanças climáticas, em que o nosso futuro e o das próximas gerações estão sendo colocados em risco, além dos efeitos já sentidos atualmente.
Eu ouço muito falar dos empregos verdes e oportunidades que surgirão diante das demandas de sustentabilidade que vêm sendo geradas. Pode parecer, para alguns, promissor calcular, em milhares de reais, quanto será gerado com a crise. Mas, por essa lógica dos lucros, o que se encaminha, na verdade, é o aprofundamento das desigualdades sociais, que continuam sendo tratadas como um mecanismo para, num ditado popular, alguns venderem lenço enquanto outros choram. Enquanto acreditarem que existe igualdade de oportunidades e que há uma competição justa por recursos diante dessa crise, nosso futuro continuará sendo excludente em muitos aspectos, marginalizando jovens vindo da periferia, vindos da Amazônia, negros e indígenas.
Observem que 167 anos é o tempo que vai demorar para pessoas negras e indígenas ocuparem espaços no setor público e privado de forma equitativa, segundo o Instituto Identidades do Brasil. Mas, nas discussões internacionais e nacionais sobre mitigação das mudanças climáticas, metas como zero emissão devem ser atingidas até 2050.
Eu lhes pergunto se faz sentido pensar em atingir metas em que as desigualdades serão reduzidas, se precisamos que elas sejam atingidas até 2050, enquanto que só teremos equidade racial daqui a mais de cem anos. O que fica evidente é que quem comandará a transição energética, a economia verde, os créditos de carbono, entre outros mecanismos de sustentabilidade, continuarão sendo pessoas brancas, herdeiras de oligarquias, que têm seu poder e dinheiro garantido por várias gerações. A crise climática e o racismo climático são fruto do mesmo sistema predatório e exploratório da natureza e das pessoas.
Estamos em um momento de definição de como será a construção desse futuro climático. A COP 28 é apenas um dos momentos e espaços onde vai ser debatida e definida a ambição climática, ou seja, aonde queremos chegar em nível de combate às mudanças climáticas. É preciso fazer muito mais do que se prometerá na COP 28, bem como do que vem sendo prometido em outras COPs, desde o Acordo de Paris. Precisamos de ações concretas que implementem essa ambição em nível nacional e subnacional. O Plano Clima e outras políticas são fundamentais para termos a concretude do que será debatido nos espaços diplomáticos internacionais. A crise climática agrava as desigualdades no nosso país e as políticas públicas são fundamentais para proteger as pessoas mais vulnerabilizadas nesse processo.
É preciso definir quais medidas podem fazer com que os recursos internacionais escoem para pessoas que de fato precisam e cheguem à ponta na hora em que precisam, seja através do Fundo de Perdas e Danos, seja por outras possibilidades de financiamento essenciais para organizações que atuam diretamente no combate às mudanças climáticas.
Apesar de a sociedade civil estar organizada e, em parte, representada nos espaços de debates da COP ou em espaços como este, muitas vezes ela se reduz à observadora desses espaços, o que limita a sua incidência e coloca mais barreiras à sua participação.
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Entre essas dificuldades, eu quero destacar, por exemplo, as relacionadas à linguagem técnica, burocrática e excludente da maioria da população, principalmente aquela que deveria estar ativamente incidindo nesses espaços, como as populações tradicionais, sem falar nas barreiras do próprio idioma.
Ao mesmo tempo, temos grandes empresas, inclusive as mais poluentes, desmatadoras e que fazem lobby pelos combustíveis fósseis, que estarão presentes nesse mesmo espaço, fortemente representadas também nessa COP, que será chamada de COP do petróleo.
As negociações tratadas na COP definirão posições importantes para o Brasil em nível internacional. Porém, também é preciso focar nas políticas subnacionais através não só da mitigação das causas da crise climática, como também das emissões de gás de efeito estufa causadas pelos combustíveis fósseis e pelo desmatamento. É urgente debatermos o que pode ser feito para a adaptação dos efeitos já sentidos pelas mudanças climáticas.
A falta de políticas públicas direcionadas a reparar as desigualdades é a maior causa das catástrofes climáticas que atingem as populações brasileiras, como as enchentes ou secas, pois a ineficiência do Estado transforma o risco climático em catástrofe. Quem é afetado, de fato, pelas mudanças climáticas sempre foi tratado como os outros, pois aqueles que detêm a capacidade financeira de se esquivar, de se proteger e ainda de legislar por essas pessoas não se sentem afetados de forma alguma pelas mudanças climáticas.
Apesar do consenso científico, ainda hoje é questionado se as mudanças climáticas realmente existem. Questionam o que a ciência diz e ignoram o que passam as vítimas dos desastres ambientais. "É natural, acontece todos os anos" podem dizer, mas quem morre e quem vive diante desses ocorridos é o Estado quem decide quando não realiza as políticas de prevenção necessárias, as quais se comprometeu a cumprir.
O racismo ambiental ainda é a maior causa de mortes por desastres ambientais. Essas violências geradas vêm também maquiadas de soluções ambientais. Posso citar as obras de macrodrenagem que acontecem na minha própria cidade e que destroem parte da nossa cultura de estar próxima dos rios, descaracterizando e exterminando tudo aquilo que é natural e substituindo pelo que é artificial, construído e projetado, quase sempre de fora para dentro; vulnerabilizando pessoas empurradas para regiões precarizadas dentro da cidade, sendo essas as que têm menor capacidade de se proteger e de se recuperar diante dos desastres.
Sendo assim, estamos hoje em disputa com aqueles que não têm a ambição de mudar...
(Soa a campainha.)
A SRA. LETICIA LUZ - ... o cenário atual de emissões e dos efeitos climáticos; outros que querem direcionar o debate climático em torno exclusivamente dos créditos de carbono, da geração de lucros com commodities verdes e de grandes empreendimentos para a geração de energia, que nem merecia ser chamada de limpa ou sustentável.
A pobreza e a desigualdade continuam sendo renegadas a segundo plano, cabendo a nós, mulheres, jovens, negros, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, sobreviver e resistir usando as nossas tecnologias ancestrais para nos protegerem. Mas não vamos apenas acompanhar de longe as negociações do nosso futuro; estaremos presentes, ainda que não falando por todos, pois a nossa força vem justamente da nossa diversidade, mas acessando espaços democráticos de direito, como esta participação hoje ou em Dubai, onde os negociadores e as lideranças que não nos enxergam e não nos convidam para a mesa estarão presentes.
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Em Belém ou em outras capitais da Amazônia, estamos construindo nossas próprias mesas de discussão, oportunizando o debate climático para populações de maneira geral.
Aqui gostaria de ressaltar e valorizar algumas organizações que estão no fronte dessas ações, como a COP das Baixadas, a Rede Jandyras, o Instituto Mapinguari, a ONG Mandí, o Instituto Chico Mendes, a Casa Preta, o Palmares Lab e muitas outras que também merecem estar presentes e ocupando espaços como este. Mas nossos esforços devem ser acompanhados de espaços de participação social formal, contínuos e sólidos, onde realmente a participação social seja decisiva nos processos políticos, não estando vulneráveis à vontade política ou à mudança de governo.
Gostaria de agradecer a oportunidade de falar em nome do instituto Clima de Eleição.
Aqui encerro a minha fala.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Leticia Luz, Gestora de Projetos do instituto Clima de Eleição.
Bom, estamos finalizando a nossa sessão de debates temáticos, cujo tema foi discutir os desafios e as propostas do Brasil para a COP 28.
Só reforçando, nós viemos aqui discutir algo muito mais amplo, não um setor, nem... Enfim, nós não somos contra nenhum setor. O que nós queremos aqui é de fato trazer soluções e alimentar conjuntamente as nossas expectativas com relação ao Brasil nessa COP. Eu vejo que todos estão muito motivados. A gente tem uma expectativa grande - não só vocês todos, mas nós que vamos também participar dessa COP 28.
Acredito que é um momento importante para o Brasil. Sabemos que também deixamos de fazer, durante esses últimos anos, o nosso dever de casa, mas começamos devagar a entrar de novo nos trilhos. E os desafios colocam-se à mesa.
Eu quero agradecer a todos vocês e dizer, em nome do Senado Federal, independentemente dessa polarização que, muitas vezes, a gente encontra aqui nos debates, que a grande maioria entende o trabalho de todos vocês. Somos muito gratos à contribuição de todos vocês no debate e nos nossos trabalhos aqui na Casa, no Senado Federal e no Congresso Nacional.
Ainda bem que o Brasil tem cabeças que pensam, cabeças que se preocupam com o coletivo. Não adianta mais olharmos para setor A ou setor B, porque a água já está aqui, já está tocando as nossas narinas. Independentemente de estar numa situação privilegiada ou não, essa situação já está afetando a todos nós. Ninguém vai escapar se nós não tomarmos ações e tivermos atitudes objetivas o mais urgente possível. E nós aqui, no Brasil, temos que fazer o nosso dever de casa.
Então, cumprindo a finalidade desta sessão de debates temáticos, a Presidência declara o seu encerramento.
Gratidão mais uma vez e até a próxima.
Obrigada! (Palmas.)
(Levanta-se a sessão às 13 horas e 11 minutos.)