2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
57ª LEGISLATURA
Em 15 de abril de 2024
(segunda-feira)
Às 14 horas
40ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência.) - Declaro aberta esta sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão de debates temáticos foi convocada, em atendimento ao Requerimento nº 234, de 2024, de minha autoria e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A sessão é destinada a receber os seguintes convidados, a fim de debater a PEC nº 45, de 2023, que, aspas, "altera o art. 5º da Constituição Federal para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar."
Serão nossos debatedores:
- Sra. Camila Magalhães Silveira, médica psiquiatra e pesquisadora do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica da Universidade de São Paulo;
- Sr. Ronaldo Laranjeira, Coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp);
- Sr. Ubiracir Lima, Coordenador do Grupo de Trabalho para Cannabis do Conselho Federal de Química;
- Sr. Antônio Geraldo da Silva, Presidente da Associação dos Psiquiatras da América Latina (Apal), que entrará pelo sistema remoto;
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- Sra. Andrea Galassi, Professora e membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência;
- Exmo. Sr. Deputado Federal Osmar Terra, Deputado pelo Rio Grande do Sul;
- Sr. Marcelo Leonardo, Conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa;
- Sra. Silvia Souza, Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB;
- Sr. Jan Jarab, representante regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que entrará remotamente;
- Sr. Sérgio de Paula Ramos, médico psiquiatra;
- Sr. Fábio Gomes de Matos, psiquiatra.
A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento da sessão: será inicialmente dada a palavra a cada convidado, por dez minutos; após, será aberta a fase de interpelação pelos Senadores inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de cinco minutos para suas perguntas; os convidados disporão de cinco minutos para responder à totalidade das questões do bloco.
Eu queria convidar o Senador Efraim, se quiser fazer parte aqui da mesa, e o Senador Girão também. Estou admitindo o 2 a 1, mas entendendo que nós todos faremos isso da forma mais tranquila.
Senador Marcos Rogério, me perdoe. Aqui eu não estou enxergando. Não quer vir, não? É, 3 a 1 é fogo. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar - Presidente.) - Bom, eu vou fazer rápidas palavras aqui. Eu não quero entrar no tema, porque, para mim, me interessa que os debatedores possam se externar.
Esta sessão tem por objetivo discutir a PEC nº 45, de 2023, que altera o art. 5º da Constituição Federal para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
O simples fato de que estamos propondo uma alteração no art. 5º da nossa Constituição, justamente aquele que estabelece os direitos e garantias fundamentais, é justificativa suficiente para que dediquemos a esta proposta uma atenção especial.
A discussão de criminalização das drogas é complexa devido à sua relação com questões profundamente enraizadas na sociedade, como saúde pública, na qual o país necessita avançar nas pesquisas para medicações e tratamentos médicos, direitos individuais e políticas de segurança. A abordagem simplista de criminalização muitas vezes não considera as raízes do problema, podendo perpetuar um ciclo de violência e marginalização.
Além disso, a criminalização de drogas e entorpecentes pode dificultar os estudos sobre seu uso medicinal devido à restrição de acesso, barreiras regulatórias, escassez de financiamento, limitação da pesquisa pré-clínica, representando um obstáculo significativo para o desenvolvimento de tratamentos medicinais baseados nessas substâncias.
Mais ainda, o debate público muitas vezes confunde a questão da criminalização do porte com outra questão, que é a da legalização das drogas. Nesse estado de confusão, o debate fica travado, e as soluções de que precisamos não aparecem.
Este é o momento - e esta é a minha intenção - para esclarecermos conceitos, enriquecermos nosso conhecimento técnico, apreciarmos efeitos e consequências de nossas decisões, antes da deliberação que eventualmente resultará em alteração relevante em nossa legislação, já que estamos tratando de uma proposta de emenda à Constituição que, se aprovada, vai modificar nossa declaração de direitos.
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Para tanto, teremos a oportunidade de ouvir e debater com os especialistas, a quem agradeço, desde já, a disponibilidade para participar desta sessão.
A todos e a todas, muito obrigado.
Registro aqui a presença também dos Senadores que já convidei à mesa, do Senador Marcos Rogério.
Tenhamos todos um profícuo debate. Eu quero dizer que, objetivamente, os que me conhecem na Casa sabem que o meu objetivo sempre é este de tentar esmiuçar o máximo, antes que cada um de nós... Nós já sabemos que amanhã é a última sessão e, provavelmente, a votação pode acontecer ou deve acontecer na tarde de amanhã, em primeiro turno. É evidente que, depois, teríamos mais três sessões para adentrarmos a votação em segundo turno, só para que saibamos qual é o quadro que nós temos pela frente.
Registro também a presença da Senadora Damares. (Pausa.)
Senador Beto Faro, perdão. Você eu já tinha visto. O Senador Rogério Carvalho também está aqui. Se eu sentir muita desigualdade na mesa, eu vou convidar vocês dois também para sentar aqui, a depender de como é que eu seja tratado pelos amigos. (Risos.)
Estou falando isso de brincadeira... É porque os dois é que estão muito neste debate.
Eu vou convidar, então, a primeira inscrita. Evidentemente, nós vamos fazer isso, alternando um de cada vez. Eu convido a Sra. Camila Magalhães Silveira, Pesquisadora do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica da Universidade de São Paulo, que terá o tempo de dez minutos.
Cada um de vocês convidados poderá ocupar a tribuna para o seu pronunciamento. Uma campainha sempre toca com dois minutos... (Pausa.)
Com dois minutos. Evidentemente, se for conclusão de um raciocínio... Como nós temos 11 debatedores, então, eu vou pedir que a gente se concentre e tente chegar àquilo que quer transmitir.
A senhora tem a palavra.
A SRA. CAMILA MAGALHÃES SILVEIRA (Para exposição de convidado.) - Obrigada.
Boa tarde a todos e todas.
Srs. Senadores e Sra. Senadora, Presidente requerente desta sessão, Sr. Jaques Wagner, o meu nome é Camila Magalhães e eu falo aqui como médica psiquiatra e pesquisadora do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica da USP.
Eu conheço as drogas, pois, há mais de 25 anos, trato usuários de drogas e seus familiares, assim como nós, do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica da USP, que pesquisamos o impacto do uso das substâncias psicoativas na vida do indivíduo e na sociedade, com o intuito de orientarmos as políticas públicas. A minha tese de doutorado ganhou o prêmio de melhor tese no Instituto de Psiquiatria da USP e menção honrosa da Capes por, justamente, avaliar quais são os fatores de risco para que as pessoas transitem desde o uso experimental do álcool para o abuso e depois se tornem dependentes dessa substância.
No que tange à PEC, eu discordo, veementemente, da criminalização da posse e porte de drogas por uso pessoal. Primeiramente, porque o uso de drogas acompanha a história da humanidade e seria utópico o mundo sem drogas. São inúmeras as motivações pelas quais as pessoas fazem uso de drogas, sejam lícitas ou ilícitas, desde a busca de um alívio para a nossa existência imperfeita até a redução do estresse, enfrentamento de problemas, relaxamento ou por ter o diagnóstico de abuso e dependência.
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Em segundo lugar, a questão do uso de drogas é um problema multifatorial, portanto é inconveniente que o sistema criminal seja utilizado como principal instrumento da política de drogas. Com base na literatura científica, são inúmeros os fatores relacionados ao aparecimento de problemas decorrentes do uso de drogas. Entre eles, por exemplo, estão o tipo e a qualidade da droga consumida; a quantidade e a frequência consumida, ou seja, quanto maior a quantidade, maior a frequência do uso de determinada substância, mais problemas o indivíduo vai ter; a idade de início, ou seja, quanto antes alguém começa a fazer uso de uma substância, antes ele vai ter dependência e outros problemas; fatores socioculturais do país também estão envolvidos, por exemplo, quanto maior a desigualdade social, mais as pessoas terão problemas com o uso de substâncias e dependência, assim como a qualidade da lei que regulamenta o uso.
Então, vamos falar que, a exemplo da regulamentação do álcool - e nunca pensamos em criminalizar um indivíduo usuário dessa droga -, que traz mais problemas do que todas as outras drogas somadas, visto que hoje o álcool está associado a mais de 200 tipos de doenças e lesões, nós temos o quê? Uma política que foca nos fatores de risco, e regulamenta e tenta impedir o uso e venda para menores, sabendo que esse uso é do acesso de todos. Portanto, a gente tem de definir contexto de uso, alertar sobre os riscos do consumo, de bebida e direção, de operar máquinas; proibir a publicidade; limitar pontos de venda; e alertar sobre os riscos do uso combinado de drogas. É melhor focarmos na diminuição dos riscos a acreditarmos que a criminalização protegeria o usuário de drogas.
Em terceiro lugar, a prestigiosa revista The Lancet, na sua edição de novembro do ano passado, reiterou que as evidências científicas que mostram que a criminalização falhou são esmagadoras. Abordagens punitivistas são ineficazes e prejudiciais. Décadas de criminalização não só falharam em desincentivar o consumo de drogas, como também impulsionaram as epidemias globais de HIV e hepatite, além de diminuir a procura de tratamento por medo da discriminação e do estigma. A Comissão Johns Hopkins-Lancet - tem uma Comissão, então, para avaliar as políticas de drogas há tempos - sobre Política de Drogas e Saúde não encontrou provas de que a ameaça de prisão seja um elemento eficaz contra o consumo de drogas. Muito pelo contrário, o encarceramento reduz o acesso aos cuidados: na prisão, os dependentes de drogas têm maiores riscos de hepatite viral, tuberculose, transmissão do HIV, e há um aumento da população de rua após a liberdade prisional. Um relatório de 2019 sobre o consumo global de opiáceos - que só aumenta - concluiu que apenas duas intervenções resultaram no aumento do consumo de opiáceos: o tratamento compulsório e a criminalização do consumo de drogas.
Em quarto lugar, a gente fez um projeto na Faculdade de Medicina da USP, em parceria com a Faculdade de Direito da USP, em que a gente realizou uma pesquisa sobre o art. 28 da Lei de Drogas, a 11.343, dirigida a 40 mil operadores do direito, entre juízes, promotores, defensores e usuários do sistema judiciário das 26 capitais e do Distrito Federal. A nossa pesquisa, que eu coloco à disposição dos senhores, mostrou que as circunstâncias sociais e pessoais em que ocorreram a apreensão foi o critério mais importante para a aplicação da pena, mais importante do que a droga e a quantidade apreendida, o que só aumenta a nossa preocupação quanto ao aumento da criminalização seletiva de pobres e pretos, injustamente e comumente vistos como bandidos no nosso país.
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Em quinto lugar, no que tange à desigualdade social, o respeitado estudo São Paulo Megacity, do nosso grupo, um estudo que compõe o consórcio mundial do World Mental Health Survey e que usou a mesma metodologia em 27 países, mostrou que o Brasil está entre os países com as maiores taxas de depressão e ansiedade no mundo, sendo que a depressão, ansiedade e dependência de drogas foram mais elevadas nas áreas de maior privação social. O estudo mostrou também que a maior exposição a eventos traumáticos aumentou em seis vezes a chance de o indivíduo ter dependência de drogas.
Para compreender melhor esses índices, nós iniciamos um estudo no distrito de Sapopemba, que é um distrito de alta vulnerabilidade social, com 46 favelas e 50 mil pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Apesar do histórico de Sapopemba de várias lutas e conquistas sociais, o que a gente tem visto frequentemente, são dados da nossa pesquisa recente, é que o crescente desemprego, a precarização do trabalho remunerado, a insegurança alimentar somente têm piorado os indicadores de saúde mental nas periferias urbanas e, consequentemente, tem havido um aumento da violência e do uso prejudicial entre adultos e jovens. Temos visto melhora nos indicadores de saúde mental ao proporcionarmos ações psicossociais e de acolhimento no projeto Gente Precisa de Gente, como mostra a melhor literatura científica. Ou seja, ao invés de culpabilizarmos o indivíduo pelo seu sofrimento emocional e intensificarmos a atual perspectiva patologizante, ele passa a compreender que saúde mental é um fenômeno biopsicossocial.
Vale dizer que iniciativas psicossociais como hortas urbanas, cozinha coletiva, que são promovidas pelos centros comunitários como o Joilson de Jesus, em Sapopemba, têm mostrado efetividade no tratamento dos jovens que fazem uso de droga e na aderência deles no cumprimento das medidas socioeducativas, a partir de rodas de conversa sobre saúde mental, sobre drogas, sobre violência e na articulação da Rede Socioassistencial existente. Esses jovens estão, 80% deles, em cumprimento de medida, têm problemas graves pelo uso múltiplo de drogas. Eles precisam ser acolhidos, ter uma chance e muito menos criminalizados.
Em sexto lugar, os dados do São Paulo Megacity, dessa pesquisa com usuários de maconha, mostraram que um quarto deles são usuários problemáticos. Então, da amostra total, quem são os usuários problemáticos de maconha? Quais são os fatores de risco para o uso prejudicial dos usuários de maconha? Usar em quantidades elevadas, elevada quantidade e frequência, começar a usar antes dos 16 anos e fazer uso pesado do álcool, do tabaco, e ter uma dependência do álcool, assim como residir em áreas de elevada privação social, como há muitas no nosso país. Ou seja, a regulamentação precisa se preocupar em evitar o consumo por menores e compreender que o prejuízo está associado a essa dinâmica de uso combinado em contextos de vulnerabilidade.
Também precisamos saber...
(Soa a campainha.)
A SRA. CAMILA MAGALHÃES SILVEIRA - ... que a discriminação por si só não basta. É preciso uma política que promova acolhimento e quebra de estigma, é preciso orientar que a dependência é uma condição de saúde, promover apoio médico, psicológico e social, afastar as pessoas que consomem as drogas do sistema judicial, além de discutirmos os problemas que levam ao consumo de drogas, como situações de moradores de rua, problemas de habitação, problemas de saúde mental, desigualdades sociais e desigualdades raciais. Não podemos culpabilizar o indivíduo por questões que são pertinentes à nossa sociedade.
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Coloco-me à disposição de V. Exa. para contribuir na construção de uma política de drogas embasada, que considere a complexidade do tema e que promova um modelo regulatório justo para o Brasil e modelo para o mundo.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu agradeço a Dra. Camila pela sua fala e pela precisão do uso do tempo.
Concedo agora a palavra ao Sr. Ronaldo Laranjeira, Coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. O senhor tem o tempo de dez minutos também.
Obrigado.
O SR. RONALDO LARANJEIRA (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador Jaques Wagner. É um grande privilégio para mim estar aqui, mais uma vez, nesse debate.
Eu tenho 47 anos de experiência na área de dependência química, tenho PhD em psiquiatria pela Universidade de Londres, nessa área.
Nós tivemos um experimento no mundo todo que foi a tentativa de os Estados Unidos e de o Canadá fazerem a paz com as drogas. Nunca, na história da humanidade, um país ou dois países tentaram fazer a paz com o crime organizado, com as pessoas que vendem vários derivados da maconha, e tentaram a legalização nos Estados Unidos e no Canadá.
Qual foi o impacto da legalização nos Estados Unidos? Nós já temos esses dados, não precisamos de mais pesquisas, Deputado Osmar Terra, Senador Girão, para entender qual foi o impacto dessa tentativa de paz com as drogas: 20% dos jovens nos Estados Unidos usando maconha, uma queda de 7% do quociente de inteligência pelo uso da maconha e um prejuízo da competitividade dos jovens pela diminuição da memória, pela diminuição da função executiva. Esse foi o impacto da paz com as drogas.
Nos Estados Unidos e no Canadá, aumentou o crime organizado, aumentou o tráfico. Essa tentativa de paz criou mais traficantes, mais disponibilização de drogas nesses dois países. E, por isso, junto com o crime organizado, criou-se a maior indústria de derivados da maconha, que é uma indústria canadense, que vende não só maconha na forma de cigarro fumado, mas na forma de doce, na forma de derivados medicamentosos "travestis" de medicamentos, que é uma combinação de THC com canabidiol; então, eu só posso chamar de um "travesti" do melhor da medicina, poder usar medicamentos para diminuir algumas condições que possam ser melhoradas com esses derivados da maconha - muito poucos! O próprio FDA só... Os casos de epilepsia muito refratários que possam ter o uso compassivo dos derivados canabidioides.
A Associação Americana de Psiquiatria e a Associação Brasileira de Psiquiatria não acham nenhuma indicação, do ponto de vista psiquiátrico, para se ter uma indicação desses derivados da maconha.
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Muito bem. Qual foi a consequência dessa paz com as drogas nos Estados Unidos? Um aumento de 1.500% nos casos de overdose, com a entrada do fentanil. Então, não foi à toa que recentemente o Estado de Oregon reverteu essa paz com as drogas nos Estados Unidos. Tendo sido o primeiro estado a legalizar as drogas lá, ele reverteu essa decisão, o Senado do Estado de Oregon, em março, reverteu essa situação. Na semana passada, a Governadora do Estado de Oregon assinou um termo voltando a proibição, voltando a criminalização da posse de maconha e todas as drogas no Estado de Oregon.
Esse, no meu modo de ver, foi o fim da tentativa de paz com as drogas nos Estados Unidos, Senador Girão. É emblemático que nós tenhamos visto acontecer na minha geração. Eu vi a legalização e estou vendo a oposição da legalização, a volta da criminalização. Por quê? Porque os Estados Unidos são um país pragmático e viram que o aumento da morte pela epidemia de opiáceos por que os Estados Unidos passaram, revertendo já, porque não tem mais condições do aumento da mortalidade nos Estados Unidos devido aos opiáceos e também às várias formas de maconha.
Quando a gente fala de maconha, a gente fala de um produto só, o cigarro de maconha, mas eu insisto que se vendem balas, chicletes e o cigarro eletrônico de maconha, que é um produto que já existe nos Estados Unidos e existe aqui no Brasil. Nós tivemos um grande fato desse final de semana no jornal Folha de S.Paulo, oito ex-ministros da saúde do Brasil, que vai do José Serra até vários partidos, assinaram o mesmo artigo contra o cigarro eletrônico. De uma maneira geral, no caso de cigarro, nós temos uma história positiva no Brasil em relação ao cigarro. E todos esses oito ex-ministros de vários partidos são responsáveis por termos revertido a epidemia de cigarro por que nós passamos por mais de 30 anos. Esse artigo desses oito ex-ministros mostra um consenso de que nós não podemos tolerar essa nova tecnologia, como cigarro eletrônico e, do meu modo de ver, também o uso de derivados canabinoides da maconha, que têm um prejuízo enorme.
Na cidade de São Paulo, só na cidade de São Paulo, tem derivados sintéticos da maconha que são os K9, K8... São derivados sintéticos da maconha. As pessoas falam assim: "A maconha não produz mortalidade". Vai lá ver, 20% das pessoas que estão na cracolândia de São Paulo usam esse tal de K9, com uma mortalidade absurda quando comparado com o cigarrinho de maconha.
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Então, o meu apoio à PEC 45 tem esse contexto de que nós estamos falando não só do cigarrinho de maconha e muito menos de eventualmente derivados que possam ser usados para uma criança que tem convulsões que não respondem a medicações comuns, esse é outro contexto... Estamos falando de um produto que tem todas as variações, e o cigarro eletrônico de maconha, se nós não o incluirmos à PEC 45 e deixarmos como está, de uma forma precisa, de uma forma clara de intolerância em relação a esses produtos, nós vamos estar seguindo o caminho que o Supremo Tribunal Federal estava querendo impor à sociedade brasileira. Se prevalecer, Senador Girão, a visão do Supremo Tribunal Federal, nós vamos continuar com o aumento de usuários de drogas no Brasil, vamos estar facilitando a vida do crime organizado, vamos estar facilitando os cigarros eletrônicos, o que vai consumir a nossa juventude.
Então, este é o momento em que o Senado da República tem um papel extremamente importante, pois 80% da população brasileira é favorável à PEC 45. Não precisamos fazer mais pesquisa do que já foi feito. A própria Folha de S.Paulo recentemente mostrou que...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO LARANJEIRA - ... contra talvez a visão do próprio editorial do jornal, a maioria da população é favorável à PEC 45 e não a essa aventura que o Supremo Tribunal Federal estava tentando impor sobre a sociedade brasileira, ainda mais agora, quando a gente vê que os Estados Unidos desistiram dessa paz com as drogas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu agradeço ao Dr. Ronaldo Laranjeira a sua contribuição.
Convido agora o Sr. Ubiracir Lima, Coordenador do Grupo de Trabalho Cannabis do Conselho Federal de Química, por também dez minutos.
O SR. UBIRACIR LIMA (Para exposição de convidado.) - Boa tarde, boa tarde, pessoal. Boa tarde, Senador Girão, Senador Efraim e Senador Jaques Wagner.
Senador Jaques Wagner, na década de 90, eu fui à Lauro de Freitas tratar de boas práticas de fabricação de uma das grandes empresas de produtos de limpeza do Brasil e elogiei bastante a estrutura, principalmente a industrial-química da região, e me informaram que o então Governador havia trabalhado na petroquímica e teria uma passagem na diretoria do Sindicato das Indústrias. Então, nós entendemos lá o porquê desse apoio, desse entendimento da estrutura química e a necessidade para o crescimento da indústria nacional e um pouco até da soberania, porque a gente teve problemas na época agora da covid, com uma ausência muito grande, uma deficiência muito grande de produtos, porque a gente não produzia o suficiente para demanda. Então, meus parabéns, Senador!
Eu sou químico industrial, sou mestre em Química de Produtos Naturais, eu estudo plantas já tem um bom tempo. Fiz um doutorado em Vigilância Sanitária na Fundação Oswaldo Cruz, no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, e um pós-doutorado em Tecnologia de Formulações na UFRJ. Nós não desenvolvemos, enquanto químicos, junto do Conselho Federal de Química, competência suficiente para políticas públicas, mas a gente desenvolve profundamente algumas competências para dar suporte a algumas tomadas de decisão e, até mesmo, para a racionalização de temas que são importantes para a população, para a sociedade brasileira.
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Nesse sentido, o que a gente traz para contribuir? Aspectos químicos e tecnológicos como ferramentas para a racionalização e aplicação de insumos, seja lá qual for o insumo.
Mais um eslaide, por favor.
E da justificação menciona-se: restrição de acesso, estigma, barreiras regulatórias, escassez de financiamento, limitação da pesquisa pré-clínica, desencorajamento de inovação. Isso representa obstáculo significativo para o desenvolvimento de tratamentos medicinais baseados nessas substâncias.
Mais um, por favor.
Gostaríamos de incluir, além de desenvolvimento e tratamento medicinal, aplicações industriais. Algumas aplicações, que a gente vai ver um pouquinho mais tarde, já estão bastante desenvolvidas no mundo, e nós estamos importando - produtos em que eu tenho aplicações de insumos dessa planta.
Por favor, mais um eslaide.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. UBIRACIR LIMA - Opa, qual?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. UBIRACIR LIMA - Este aqui?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. UBIRACIR LIMA - Isso, o.k.
Então, nós do Conselho Federal de Química temos uma missão e pretendemos cumpri-la, Senador, como o senhor conhece, a própria indústria química: promover a atividade plena da química com vistas a contribuir para o desenvolvimento sustentável do nosso país.
Nesse sentido, nós químicos trabalhamos com o que tem dentro de todas as estruturas, inclusive da estrutura de uma planta. Para nós a diferença entre o boldo, que eu costumo citar, e a Cannabis é simplesmente o metabolismo que é utilizado por essas plantas para gerar alguns metabólitos secundários, que, primariamente, servem para a defesa e algumas funções daquela planta.
O que nós estamos fazendo? O que nós temos feito com alguns grupos que são subsetoriais? Estamos tentando desenvolver metodologias para desenvolvimento e avaliação de biomarcadores da planta. Com esses biomarcadores muito bem trabalhados, muito bem avaliados, Deputado, o que a gente busca fazer? Certificar diversas plantas e certificar diversas variedades da própria planta. Se nós conseguirmos certificá-las a partir de um trabalho muito bem feito, nós podemos rastrear qualquer uma delas. E, enfim, chegar, de alguma forma, a um medicamento ou a uma outra aplicação de forma segura e de forma que seja muito bem conduzida pelas legislações propostas.
Pessoal, um pouquinho de paciência. Isso é um dendrograma.
Em um trabalho original, que não é nosso - nós ainda não conseguimos desenvolver esse trabalho aqui no Brasil até onde eu sei, até este momento -, foram avaliadas mais de 80 plantas diferentes, com variações diferentes, e três quimiotipos: um quimiotipo rico em tetrahidrocanabinol, um quimiotipo rico em canabidiol e um quimiotipo que é intermediário.
Quanto mais vermelho for verificado ali nesse dendrograma, eu tenho alta concentração de uma daquelas substâncias que estão ali na coluna esquerda e, quanto mais azul, eu tenho maior escassez ou estou reduzindo consideravelmente a concentração, a quantidade de uma daquelas substâncias, de novo, na coluna da esquerda.
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E eu consigo... É verificada a impressão digital para cada cultivar. Então é possível verificar se um determinado cultivo tem um desses três quimiotipos, rico em um desses três metabólitos. Muito bem.
Limpando agora, se a gente observar - ainda mantendo em mente que: quanto mais vermelho, tem alta concentração; quanto mais azul, baixa concentração -, eu verifico que aquelas três plantas são completamente diferentes. Isso é quimicamente. Isso é um fato, em cima, analítico daquela avaliação dos componentes do metabólito que estão ali na coluna esquerda.
E o que é que isso significa para a gente? Que, olha, se eu tenho agora aquela planta da coluna do meio, eu tenho o metabólito CBD, rico em CBD, ou seja, está lá em vermelho, e eu tenho uma quantidade muito baixa de tetrahidrocanabinol e, na planta intermediária, eu tenho uma condição lá em que eu tenho nem mais, nem menos do que THC ou de CBD. Se eu for verificar agora o metabólito tetrahidrocanabinol, eu encontro uma planta rica nesse metabólito, uma planta em que eu não tenho esse metabólito e uma planta intermediária, em que eu posso ter certos metabólitos.
E eu pego para vocês também o cariofileno, que é um outro terpeno, um nome bastante comum, já trabalhado nessa ciência dessas plantas, em que eu tenho também quantidades intermediárias de cada um desses metabólitos. E, gente, o que é que a gente precisa pensar também? Um desses quimiotipos, que é chamado de cânhamo, vai apresentar no máximo 0,3% do metabólito tetrahidrocanabinol. Então, teoricamente eu posso utilizá-lo em algumas destinações controladas terapeuticamente, ou seja, estudos farmacológicos, estudos clínicos controlados.
E o que é que nós temos hoje por aqui também? Aqui na própria, do outro lado, na Câmara dos Deputados, nós tivemos, um tempo atrás, a apresentação de uma exposição, que houve também na Assembleia Legislativa de São Paulo, na semana retrasada, sobre produtos que podem ser fabricados, que podem ser originados desse próprio metabólito, desse próprio quimiotipo - desculpa, metabólito não -, quimiotipo, que é o cânhamo. Então temos aplicações desde a construção civil até a cosmética, até alimentos.
E na semana passada também, nós tivemos uma apresentação, num jornal, cujo título era: "A Embrapa quer permissão para fazer pesquisas com a planta proibida no Brasil". E três grandes profissionais, o Bruno, o Lorenzo e a Beatriz - Beatriz, essa última agora, uma pesquisadora da Embrapa -, simplesmente demonstraram, foi reduzido, foi simplesmente, como se diz, resumido pela empresa, veículo de comunicação... Vou pegar aqui, porque eu não estou enxergando muito bem.
Olha, de flores, extratos para cosméticos e óleos medicinais; de caules, fibra para indústria têxtil, adubo, concretos e cordas; ainda, de folhas, indústria de alimentação e ração, sementes; e também, regeneração de solo, das raízes.
(Soa a campainha.)
O SR. UBIRACIR LIMA - Pessoal, na Forbes, foi verificado que até 2028, há a possibilidade de essa indústria legal, no mundo, alcançar 290 milhões.
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O Presidente da Associação Nacional do Cânhamo diz: "É uma questão de soberania nacional e conhecimento tecnológico importar e subsidiar o desenvolvimento tecnológico de países alheiros, deixando o mercado brasileiro à mercê de um cenário geopolítico. Estamos ficando atrasados, precisamos de pensamentos estratégicos".
Eu trouxe para os senhores uma relação de algumas empresas tradicionais, de indústrias farmacêuticas tradicionais...
(Soa a campainha.)
O SR. UBIRACIR LIMA - ... que já têm os seus produtos regularizados na agência, a partir da Resolução 327, que são chamados de produtos de Cannabis.
E, ainda, da pesquisadora Daniella Bittencourt, da Embrapa também: "Eu, como cientista, não posso deixar de dizer que o conhecimento ilumina caminhos, abre portas, quebra paradigmas e, porque não dizer, inclusive, preconceitos. Por que não começamos de forma correta e incentivamos a pesquisa com a Cannabis no Brasil?".
Lembrando que a Cannabis tem uma série de quimiotipos diferentes. Estigmatizá-la pode, simplesmente, inibir essas pesquisas e inibir o crescimento industrial. Pode ser controlado, pode ser legalizado e alguns dispositivos para regulamentar exatamente essa legislação podem nos dar chance de alcançar esse tipo de trabalho que vai gerar, além de muita renda e empregos no país.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu agradeço ao Sr. Ubiracir Lima pela sua contribuição.
Convido agora o Deputado Federal Osmar Terra, Deputado Federal pelo Estado do Rio Grande do Sul, para fazer a sua intervenção. (Palmas.)
O SR. OSMAR TERRA (Para exposição de convidado.) - Queria agradecer o convite ao Presidente Jaques Wagner, meu conhecido de longa data. Quero cumprimentar o Senador Efraim Filho por sua postura, por sua coragem de enfrentar essa questão e estendo esse cumprimento, também, ao Presidente Rodrigo Pacheco. É muito importante esse trabalho e essa posição que o Senado, eu imagino, assumirá, a partir de amanhã, com a votação da PEC. Quero cumprimentar o Senador Girão, o Senador Rogério, vários Senadores, o nosso querido Marcos Rogério.
Isso aqui eu não vou ler, só para ninguém ficar preocupado. Eu trouxe isso aqui para mostrar. A gente discute muito evidências científicas. Isso aqui é a metade... Cada volume desse tem, em média, em cada página, seis trabalhos publicados. Isso aqui é do PubMed, que é uma plataforma que recolhe todas as pesquisas científicas que tem no mundo sobre determinado tema.
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Então, se vocês pesquisarem lá no PubMed e botarem Cannabis, vão aparecer 33 mil trabalhos publicados. Vão aparecer 33 mil trabalhos publicados. E nesses 33 mil... Aqui tem 15 mil trabalhos. Não é o trabalho escrito, é só a referência ao trabalho, que dá para depois procurar. Eu vou deixar à disposição do Senado depois essa...
Vocês vão ver que a grande maioria dos trabalhos publicados científicos veem danos importantes que a maconha causa tanto na estrutura mental quanto na questão física. A maconha não é isenta de produzir danos no aparelho cardiovascular, na parte pulmonar, é tão ou mais prejudicial que o tabaco nesta parte.
Mas não é isso que nós estamos discutindo aqui. Nós estamos discutindo a descriminalização. Eu me sinto impelido aqui a vir falar sobre isso, porque eu sou autor da atualização da lei que foi aprovada em 2019. É um assunto a que eu me dedico desde que saí da Secretaria de Saúde. É um assunto de saúde, sim, mas ele tem muitas conotações. Ele não pode ser resolvido só com redução de danos, legalizando-se as drogas. Pelo contrário, isso vai aumentar o número de pessoas doentes. E eu me dedico a fazer esse debate, porque eu entendo que há muita desinformação.
Começa pelas palavras. Cannabis, parece que Cannabis é uma outra coisa. A Cannabis medicinal, o canabidiol... Aí misturam como se fossem a mesma coisa. E não é. O canabidiol é uma das 480 substâncias que tem na Cannabis, que é a velha maconha. Não tem diferença nenhuma. Nós estamos falando aqui da maconha, não é de uma planta nova que surgiu aí, que é a Cannabis, que produz coisas maravilhosas. Não. É a maconha, que produz danos permanentes, que produz esquizofrenia. Ela é a única droga que desencadeia esquizofrenia, que desencadeia a psicose canábica, que dá o transtorno bipolar, que dá depressão e aumenta suicídios. Ela é uma droga extremamente danosa e, principalmente, e aí a única concordância que eu tenho com a Doutora que me antecedeu, é que quanto mais cedo se usa, pior é. E, infelizmente, o maior consumo de drogas começa na idade de 14 anos no Brasil.
O Dr. Sérgio de Paula Ramos tem um trabalho sobre isso. Depois ele vai falar.
Todos os estudos longitudinais mostram danos enormes que a maconha... Por isso que ela é proibida. E nós estamos falando de descriminalizar o uso. O uso já está descriminalizado no sentido da prisão. Ninguém vai preso porque a usa. Quem está preso é porque vende maconha, é porque transmite o vírus, é o vírus que transmite a doença, que leva a maconha para aquele estudante que não entende nada, que está lá bem-intencionado e tal e vem o coleguinha dele "Não, mas é bom. Tu vais ver o prazer que tu sentes quando usa" e tal. E quando vai ver está dependente químico, está ficando com sinais de psicose. A maior causa de interdição de jovens entre 18 e 30 anos são as psicoses causadas pela Cannabis. Podem perguntar para qualquer juiz de família.
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É disso que nós estamos falando. Nós estamos falando: "Ah, mas o álcool produz mais dano". Claro que produz, é legal! A gente sai do trabalho, passa no barzinho, compra o álcool, bebe e, chegando em casa, pode cometer violência doméstica. É claro! É legal! Se legalizar e se transformar, na prática, a legalização, com as outras drogas, vai ser muito pior. É ruim como está, vai ser muito pior se se descriminalizar. É óbvio!
Eu vejo aqui raciocínios muito bonitos feitos na Torre de Marfim, fora do mundo real. Eu fui Secretário de Saúde, eu vivi o drama das famílias. Eu não me preocupava com essa questão de drogas, eu passei a me preocupar depois que eu fui, durante oito anos, Secretário Estadual de Saúde e vi a explosão da epidemia do crack, o aumento do consumo da maconha; 84% das pessoas que usam crack, cocaína, heroína começaram com a maconha. A maconha é um poderoso indutor do consumo de drogas.
(Manifestação da plateia.)
O SR. OSMAR TERRA - Então, nós não estamos falando aqui de um assunto qualquer.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Osmar, só um minutinho.
Eu vou pedir a ambos os lados da galeria que, se quiserem se manifestar com palmas, o.k., mas que evitem vaias a quem quer que seja aqui para a gente manter o nível do debate. Eu faria esse pedido a vocês. (Palmas.)
O SR. OSMAR TERRA - A maior causa de acidentes, com vítimas fatais, de automóvel, de carro, na Grande Porto Alegre, é pela maconha, não é pelo álcool; isso porque ela não é legal. Imagine se legalizá-la ou se descriminalizá-la?
Então, nós estamos discutindo aqui um assunto que já foi discutido nesta Casa. Em qualquer pesquisa, até na da Folha de S.Paulo, que faz propaganda para a liberação da maconha, mostra quase 80% das pessoas contra a legalização, contra qualquer forma de legalização. Quem sabe, sofre na carne esse problema. As famílias sofrem. São milhões de famílias hoje afetadas por isso.
Nós não vamos ter sensibilidade? Esta Casa já discutiu e já decidiu duas vezes, em 18 anos; a última foi em 2019. Agora o Supremo está querendo levantar esse assunto de novo? Quem o Supremo representa para levantar esse assunto de novo? A sociedade? A sociedade quem representa somos nós, nós somos eleitos para isso. Como não se pode reunir 200 milhões de pessoas toda semana para decidir, a sociedade elege as pessoas que vão decidir por ela, e somos nós. Nós já decidimos. Agora, volta e meia, torna esse assunto vir à tona.
Tem um lobby, minha gente - não vamos ignorá-lo -, tem grandes empresas canadenses - a Canopy Growth, a VerdeMed - que botam propaganda paga na Folha de S.Paulo - propaganda paga! - dizendo que a maconha cura 30 doenças, cura até o câncer. Eu já ouvi um Deputado falar isto: cura câncer. Aqui está a ciência. Nós vamos discutir ciência? Vamos discutir o que tem de publicação científica. São 33 mil trabalhos publicados; a grande maioria mostra os danos que a maconha causa.
E essa história de descriminalizar - e eu vou me encaminhando já para o final, porque eu vou respeitar o tempo, meu querido Senador Jaques Wagner -, se descriminalizá-la, quem vai vender?
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - É o primeiro passo para liberar tudo. É óbvio!
Quem vive na Torre de Marfim da universidade não vê e não conhece o mundo real, não sabe o drama que é isso nas famílias, não sabe a piora do desempenho escolar dos meninos para sempre. São danos permanentes! A dependência química é permanente, a esquizofrenia é permanente, a psicose, o transtorno bipolar é permanente, a depressão grave, o risco de suicídio é muito maior em usuários de drogas.
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Então, nós estamos aqui discutindo uma coisa que mexe com a vida de todo mundo, por isso tem que ser decidido por quem representa a sociedade brasileira, que são vocês, Senadores, somos nós, Deputados, e nós vamos decidir isso, vocês vão decidir e depois lá na Câmara nós vamos acompanhar.
A última coisa que eu queria falar, Senador, todos nós... Eu tive problemas... Não tem uma pessoa aqui que não tenha tido ou não conheça...
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - ... uma pessoa ou uma família com problema de drogas ou que teve problema de drogas em casa, e a gente sabe que isso não tem volta. Os meninos têm a vida destruída para sempre, é muito difícil, o dano à capacidade cognitiva fica diminuída, são os que têm menos diplomas, são os que têm menos empregos, são os que mais precisam da assistência social. É isso que nós estamos discutindo.
Então, eu queria terminar dizendo que, em homenagem ao meu afilhado, com 21 anos de idade, no quarto ano de Medicina, um gênio, uma das pessoas mais brilhantes que eu conheci em minha vida, que estava andando na calçada, indo para a casa de um amigo dele para estudar e foi atropelado em cima da calçada por uma caminhonete, com um sujeito que fez o teste de bafômetro e não deu em nada. Aí o delegado...
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - ... desconfiou e fez um teste para ver se tinha alguma outra droga, estava de THC até o teto.
Tem remédio com canabidiol, tem na farmácia remédio com canabidiol, não precisa legalizar a maconha para isso. Tem remédio para pressão alta à base do veneno da jararaca, é só separar a molécula e usar como remédio, não precisa criar jararaca para tratar a pressão alta. É isso que nós estamos discutindo aqui.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Deputado Federal Osmar Terra, pela sua contribuição e pela precisão também no tempo.
Concedo, agora, a palavra à Sra. Andrea Galassi, Professora e Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
A SRA. ANDREA GALASSI (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todas e a todos.
Queria agradecer ao Senador Jaques Wagner por esta sessão, para mim é uma honra estar aqui e poder falar com as senhoras e com os senhores a respeito de um tema, enfim, muito importante, que impacta a vida de muitas pessoas, como a gente já vem falando.
E eu queria só registrar e ressaltar que o título desse requerimento é debater a criminalização do porte de drogas para uso pessoal, que é uma proposta de emenda à Constituição do Senador, Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco. Nós não estamos debatendo legalização de maconha, nós não estamos falando sobre isso. (Palmas.)
Eu queria registrar isso porque todo o trabalho, toda a discussão e todo o fundamento que os meus colegas e as minhas colegas que me antecederam ficaram restritos ao tema ao qual a gente vem falando.
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Portanto, dito isso, acho que é bem importante que a gente fale dessa prática, que é o uso de substâncias, que existe desde a história da humanidade... As pessoas usam substâncias, usam drogas, de diferentes formas, em diferentes quantidades, por diferentes propósitos. E a gente está discutindo a possibilidade de esse Estado brasileiro punir penalmente - já pune militarmente - a produção, o comércio e o consumo de drogas, com justificativas ingênuas e descoladas da realidade; ou seja, pensa-se, presume-se que, ao proibir e criminalizar o uso de drogas, a gente vai, então, coibir o uso de drogas e, consequentemente, proteger a vida das pessoas. E a realidade - que nos coloca fora das instituições, da universidade de marfim, ou dos gabinetes de marfim - é que... A realidade impõe um caminho bastante diferente disso: as pessoas seguem usando drogas, e com muitos riscos à saúde - e é disso que a gente tem que falar.
O modelo de criminalização, Senador, foi base da legislação de vários países desde a década de 1970. E, ao longo do século passado, já começaram a revisar esse modelo para deixar de considerar crime essa conduta, pensando que deveríamos propor outras medidas para tratar um problema que é majoritariamente de saúde, ou seja, pensar no tratamento fora da esfera criminal, com medidas que sejam administrativas, de trabalhos voluntários, enfim.
A gente tem um cenário mundial dos países que criminalizam ainda, que têm uma conduta de criminalizar as pessoas que usam drogas e, da América do Sul - é uma posição vergonhosa, porque nós somos, no Brasil, um país expoente; o Brasil é o principal país da América do Sul -, nós somos, junto com Suriname, com Guiana, os únicos países que proíbem, desculpa, que criminalizam o porte de drogas para uso pessoal. Então, nós estamos falando que Argentina, Colômbia, Equador, Peru, Chile... Enfim - vou ficar falando aqui e não vou falar nem de Europa, vou falar da nossa realidade local -, nenhum desses países criminaliza a conduta do porte de drogas para uso pessoal.
E a pergunta que se coloca - e que eu imagino que fique na cabeça de muitas Senadoras e Senadores - é: bom, se a gente descriminalizar - ou se a gente não colocar criminalização -, a gente vai abrir a porteira; as pessoas vão começar a usar, vai aumentar o consumo? E a gente tem muitas evidências - científicas, sim - de que a conduta criminal - você abordar pessoas que usam drogas na perspectiva criminal - não é a medida a ser adotada numa perspectiva de saúde orientada pela saúde pública. Não há evidências que sustentem a afirmativa nos países que descriminalizaram o uso; ou seja, não há o aumento do consumo.
E, no caso de Portugal - que é sempre um país que a gente olha no horizonte, pensando que é um grande inspirador nesse modelo -, eles descriminalizaram o uso desde 2001, e o consumo de drogas ilícitas - isso são estudos científicos... Inclusive, entregamos um dossiê para o Senador Rodrigo Pacheco e o Senador Jaques Wagner, em que a gente apresenta esses estudos realizados. Em Portugal, que descriminalizou em 2001, eles fizeram um estudo até 2012 demonstrando que o consumo de substâncias não só não aumentou como diminuiu nesse período. Não houve redução do preço de drogas - que é um outro mito que se coloca, o de que vai diminuir o preço e que, portanto, as pessoas vão ter um livre acesso - e houve uma diminuição, colocada pela minha colega, Dra. Camila, de infecção por HIV, quando essa política foi orientada nessa perspectiva... (Palmas.)
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E em Portugal, Senador Jaques, e outros Senadores e Senadoras, eles estabeleceram critérios objetivos para distinguir traficante de usuário de drogas, justamente por quê? Porque eles reorganizaram o investimento no aparato de justiça e de segurança pública e voltaram todo esse investimento para serviços de saúde, de tratamento, além de ampla ação de prevenção para conscientizar sobre os riscos do uso de drogas. Quando o tema é tratado na perspectiva da saúde pública, é possível abordá-lo de forma pragmática, com medidas efetivas e não por meio de medidas populistas. A criminalização afasta as pessoas que usam drogas dos sistemas de saúde e de assistência social.
A possibilidade de um processo penal...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDREA GALASSI - ... marginaliza os usuários de forma simbólica e de forma concreta. Quando é tratado como crime, o uso de drogas é visto prioritariamente como questão de justiça criminal e que é agravada sobremaneira a violência, o encarceramento e a diminuição de investimentos em saúde, ou seja, você tem um aumento no investimento, na repressão em detrimento de ações de prevenção, tratamento e reinserção social.
Considerando que eu tenho um minuto para finalizar...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. ANDREA GALASSI - Cinco minutos.... Ah, apita com cinco, gente. Quem que apitou? Desculpa. Eu tinha olhado ali. Eu falei: "Ué?"
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Deixa eu lhe explicar, espere aí.
A SRA. ANDREA GALASSI - Por favor.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - A culpa é minha.
A SRA. ANDREA GALASSI - Não interrompe o meu tempo, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não, calma.
Deixe eu lhe explicar: quando eu fiz a bobagem de derramar água, deve ter descido a água aqui e desarmou o sistema.
A SRA. ANDREA GALASSI - Então, está bom.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Você terá o mesmo tempo que todos tiveram...
A SRA. ANDREA GALASSI - Obrigada. Não, eu olhei ali e falei: "Opa, tocou a campainha."
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não. A Mesa é... Não, eu também achei que estava curto demais.
A SRA. ANDREA GALASSI - Então, está bom. Então, vou prosseguir...
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - É que caiu o sistema.
A SRA. ANDREA GALASSI - Então, eu vou prosseguir. Voltando, não é?
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu derramei água aqui.
A SRA. ANDREA GALASSI - A criminalização, portanto, é um obstáculo importante na realização de pesquisas científicas - não estou falando só do uso de substâncias proscritas, não, como a maconha - para você fazer inquérito populacional para saber quantas pessoas têm problema com álcool e outras drogas no nosso país. Isso é um impeditivo, se você criminaliza essa conduta, quem é que vai dizer que faz uso de drogas num inquérito que é populacional para saber quantas pessoas usam?
O estigma e o preconceito associado às pessoas que usam drogas trazem consequências negativas de rejeição e no cuidado também dessas pessoas pelos profissionais de saúde. As pessoas passam a ter uma atitude preconceituosa de rejeição e desejo por punição dessas pessoas e acabam reprovando qualquer investimento público que não seja na esfera criminal, que não seja na esfera punitiva e, portanto, a saúde vai ser muito prejudicada em investimentos dessa natureza. Além disso, ela dificulta, sim, o uso medicinal de Cannabis, de maconha, como queiramos chamar.
Por mais que o texto desta PEC contemple o uso medicinal... Imaginem os Srs. e as Sras. prescreverem um medicamento em que essa conduta de quem porta drogas é crime, quem vai prescrever e quem vai receber é uma conduta que acaba diminuindo, desencorajando as pessoas a prescreverem e, portanto, optarem por medidas ou por, enfim, medicamentos que são menos efetivos para tratar esses problemas. Existe um medo, cria-se um medo, cria-se toda uma atmosfera desfavorável para que você trate o tema à altura da complexidade que ele é.
Bom, nós enviamos - como eu disse, na ocasião da audiência que tivemos com o Senador Rodrigo Pacheco - um dossiê com uma série de estudos de saúde, estudos, enfim, da esfera criminal; e um desses eu vou destacar aqui para ressaltar, a minha colega Dra. Camila ressaltou um desses, e eu vou ressaltar dois trechos que eu acho que resumem bastante toda a discussão que eu venho colocando.
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Esse editorial é da revista The Lancet. A revista The Lancet é uma revista científica do campo da saúde, que é indiscutível do ponto de vista da sua qualidade, é das melhores revistas, está ali no hall, junto com a Science, como as melhores revistas científicas do mundo. Ela coloca no seu texto editorial, numa publicação, a seguinte coisa: "Políticas destinadas a proibir ou suprimir fortemente as drogas apresentam um grande paradoxo. Os formuladores de política dizem que elas são necessárias para preservar a saúde e a segurança pública, mas, na prática, o que elas fazem é aumentar a violência letal, as doenças, a discriminação, as injustiças e o enfraquecimento do direito das pessoas à saúde".
Em um outro artigo que foi publicado no ano passado pela Associação Americana de Farmácia, eles dizem o seguinte: "A descriminalização combinada com o progressivo aumento no cuidado em saúde para permitir a extensiva intervenção em saúde na perspectiva de redução de danos é a melhor solução para a crise de overdose que acontece nas Américas, especialmente nos Estados Unidos".
A Lei de Drogas - a nossa Lei 11.343, de 2006, como ela está, da forma como ela está - teve um impacto negativo na população. Ela provocou um superencarceramento, justamente porque ela deixou nas mãos da autoridade policial a decisão sobre quem é traficante e quem é usuário.
O agravante desse cenário foi que, nesse pacote de classificação de quem é usuário e de quem é traficante, entraram os estereótipos, o estigma e o preconceito que alimentam o racismo estrutural no Brasil. Negro de periferia pego com a mesma quantidade de drogas que o branco da zona nobre é caracterizado como traficante; e o branco, como usuário.
Esse disparate tem que ser corrigido e não é por meio de uma PEC que nós iremos corrigir isso que criminaliza, ou seja, que aumenta, que agrava essa conduta.
Portanto, o estabelecimento de critérios objetivos para diferenciar o usuário do traficante é uma das medidas vistas...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDREA GALASSI - ... como positivas para diminuir a ingerência da autoridade policial na abordagem das pessoas que portam drogas.
Portanto, é preciso corrigir a legislação que temos e não agravar por meio de uma PEC que coloca no texto constitucional que as pessoas que portam drogas para uso pessoal são criminosas.
Eu vou finalizar dizendo que, então, essa PEC 45 ignora evidências e lições aprendidas com experiências nacionais e internacionais, e vai contra a tendência global e a necessidade de políticas baseadas em evidências científicas que priorizam a saúde pública, os direitos humanos e a segurança social.
Em resumo, a PEC 45 representa um enorme retrocesso em termos de direitos humanos, saúde pública, justiça social e eficácia.
As evidências disponíveis sugerem fortemente que uma abordagem mais humanitária, baseada em saúde, educação e respeito aos direitos humanos...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDREA GALASSI - ... seria não apenas mais eficaz, mas também mais alinhada com os valores fundamentais da sociedade brasileira, e garantidos pela Constituição Federal a todas as pessoas residentes no país.
Muito obrigada. (Palmas.)
(Manifestação da plateia.)
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu agradeço à Sra. Andrea Galassi pelo seu pronunciamento, peço escusas pelo acidente aqui - que creio foi recomposto em termos do seu tempo - e concedo agora a palavra ao Sr. Sérgio de Paula Ramos, médico psiquiatra, por também dez minutos.
O SR. SÉRGIO DE PAULA RAMOS (Para exposição de convidado.) - Na pessoa do Senador Jaques Wagner eu cumprimento todos os presentes e quero dizer-vos que eu tenho mestrado, doutorado, sou psiquiatra, psicanalista, membro titular da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina e membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos sobre o Álcool e outras Drogas.
Aqui se falou até agora do usuário de droga, e eu vou dar uma olhada em quem não é usuário de droga. E tenho para dizer para os senhores quais são as respostas de um adolescente que não usa droga. Por que ele não usa? E as respostas são sempre as mesmas: por que faz mal e por que é proibido.
A minha apresentação vai se centrar na coisa do proibido, porque esses adolescentes que não usam droga evocam que o fato de ser proibido é um dos elementos que seguram a experimentação. Então, o conceito do proibido está intimamente ligado à percepção de risco e esse, senhoras e senhores, é um conceito nodal em dependência química. Pode-se dizer que, quanto maior for a percepção de risco, menor será o consumo; caso inverso, quanto menor for a percepção de risco, maior será o consumo.
A indústria da maconha sabe disso e justamente por isso insiste na bobagem da maconha medicinal. Não existe maconha medicinal, existe canabidiol, que é útil para algumas poucas doenças e bastante raras. Mas por que a indústria da maconha insiste, insiste, insiste em maconha medicinal? Para baixar a percepção de risco. Baixando a percepção de risco, aumenta-se o consumo.
Aliás, Deputado Osmar Terra já falou sobre a jararaca, e do veneno da jararaca, Deputado, isola-se uma substância, captopril, que V. Exa. citou, mas também recentemente estão pesquisando a crotoxina, que é outra substância da jararaca que agora está sendo experimentada no tratamento do câncer, e ninguém diz "jararaca medicinal" e muito menos se pleiteia ter até três jararacas em casa. Então, eu acho que nós devemos colocar as coisas nos devidos lugares.
E o que está bem documentado sobre a percepção de risco? Notem vocês que no Brasil a idade do primeiro consumo de drogas ocorre com 13,7 anos de idade. Por que? Porque há um consenso - e em geral por maconha - de que maconha não dá nada e, se não dá nada, "eu quero usar". Toda vez que nós diminuímos a percepção de risco, aumentamos o consumo.
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Citaram há pouco a situação dos países latino-americanos, que permitiram a legalização da maconha. É pena que não tem o apontador aqui, mas veja você que ali tem Argentina, Chile e Uruguai. Desde que foi legalizada, principalmente no Uruguai, a maconha, o consumo por adolescentes disparou. Então esse gráfico está publicado desde 2018, se não me falha a memória, e está ali a referência. Não é discurso, é dado. Quer dizer: o consumo disparou depois que foi legalizada. E aqui tem a comparação - vocês vejam o primeiro ponto com o último: aumenta o consumo na medida em que diminui a percepção de risco, também no Uruguai.
E o que acaba acontecendo? Vamos pegar de novo o nosso vizinho aqui, o Uruguai, não é? Eu, como moro no Rio Grande do Sul, passo férias no Uruguai, conheço muito bem o país. Se você pegar qualquer parâmetro epidemiológico de consumo de drogas ali na barra vertical, em preto, está o momento em que a maconha foi legalizada no Uruguai. Vejam vocês que, desde então, o consumo não para de aumentar.
E quais são as consequências da legalização da maconha, da Cannabis? O aumento do uso, muito bem documentado - Estados Unidos, Uruguai, Portugal, onde não teve aumento do uso, teve aumento da gravidade do uso -, e aumento dos problemas decorrentes desse uso. Já foi falado aqui: psicose, dependência de drogas, queda do rendimento escolar, internações hospitalares, intoxicações de crianças e acidentes de trânsito.
A escalada da droga... O brasileirinho que experimenta droga aos 13,7, notadamente é a maconha... Se ele experimenta maconha antes dos 14 anos, aos 16 ele vai querer experimentar cocaína. Então essa lei que, em alguns lugares, legalizou a maconha - e acabei de dizer que eu conheço a situação uruguaia... A violência lá não é que aumentou, explodiu depois da legalização. Explodiu. E eles não sabem mais o que fazer com isso.
Então, o que demonstram os dados a seguir, das consequências do uso de drogas, notadamente da maconha? O uso de Cannabis, depressão e ansiedade. Essa é uma metanálise muito rigorosa. E vejam vocês que, tanto para a ansiedade quanto para a depressão, o usuário de maconha tem de duas a três vezes mais chance de ter depressão, de ter transtorno ansioso do que não usuários. Então, se nós queremos diminuir internações psiquiátricas, uma boa forma é baixar consumo de drogas. Como baixar consumo de drogas? Estamos discutindo hoje à tarde.
E o negócio da maconha, o Deputado Osmar Terra já evocou isso, está claramente associado ao aumento da ideação suicida e ao aumento vigoroso da tentativa de suicídio. Vejam vocês, na linha debaixo, que é quase cinco vezes mais frequente tentativa de suicídio em jovens que usam maconha contra jovens que não usam. Cannabis e psicose: psicose ocorre com maior frequência em usuários de Cannabis. E veja que qualquer uso de Cannabis aumenta em 40% a chance de quadros psicóticos e, em dependentes de Cannabis, em 340%.
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Quer dizer, nós não estamos falando de água que passarinho bebe, estamos falando de droga. Usuários de Cannabis tendem a apresentar psicose antes dos não usuários e a ter mais recaídas e hospitalizações.
Nós, sinceramente, não sabemos mais onde colocar doentes, porque não tem leito psiquiátrico neste país, e estamos fabricando cada vez mais pacientes psiquiátricos decorrentes do uso de drogas. Está aí a referência, para os que quiserem.
Quanto à violência, eu vou pegar um dado singelo, a violência no trânsito. No Uruguai, nosso vizinho: aumento de 60,4% em acidentes de trânsito e 52,4% em mortes no trânsito depois que a maconha foi legalizada.
O Dr. Ronaldo Laranjeira já citou o estado do Oregon, nos Estados Unidos, que foi o quarto estado a legalizar a Cannabis e descriminalizar o porte de arma, coisa que nós estamos discutindo nessa PEC. O que é o que ocorreu? Está aí a notícia do Estadão, no fim de semana passado: "Oregon, nos EUA, está recriminalizando as drogas", entenda o porquê, diz ele - agora em março de 2024.
Quer dizer, eles já fizeram esse experimento e já mostraram que não deu certo. Para que nós vamos repetir isso? Do conjunto desses dados, o que eu posso concluir? Primeiro...
(Soa a campainha.)
O SR. SÉRGIO DE PAULA RAMOS - ... descriminalizar o porte de drogas é rebaixar a percepção de risco e, com isso, aumentará o consumo de drogas. Aos pacientes pegos portando drogas deve-se oferecer a alternativa de tratamento.
E, como disse o Deputado Osmar Terra, é muito importante que seja clareado que ninguém é preso neste país por estar consumindo maconha. Quem vai para a cadeia por causa de maconha é porque está traficando maconha.
Muito obrigado pelo convite para expor as observações de quem trabalha há 50 anos com dependência química.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu agradeço ao Dr. Sérgio de Paula Ramos pela sua contribuição e também pelo rigor no cumprimento do tempo.
Concedo a palavra, agora, ao Sr. Marcelo Leonardo, Conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, por também dez minutos. (Palmas.)
O SR. MARCELO LEONARDO (Para exposição de convidado.) - Exmo. Senador Jaques Wagner, que preside esta sessão e que ajudou a criar oportunidade para esses debates, na sua pessoa, eu quero cumprimentar também o Presidente do Senado, o Senador Rodrigo Pacheco, meu colega de advocacia criminal em Minas Gerais, trabalhamos juntos em inúmeros casos ao longo de nossas vidas profissionais; Senador Efraim Filho; Senador Girão, Sras. Senadoras e Srs. Senadores.
Em primeiro lugar, nós queremos registrar que a proposta da PEC 45, de 2003, trata da criminalização da posse e porte de entorpecentes, especialmente preocupada com a manutenção do tipo que criminaliza a conduta do usuário.
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Daí porque José Carlos Dias, ex-Ministro da Justiça, em carta ao Presidente Rodrigo Pacheco, diz: "O nome adequado para a proposta seria 'PEC dos usuários' e não 'PEC das drogas'".
A ementa da proposta é a seguinte: "altera o art. 5º da Constituição Federal para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal".
É importante rever o texto do art. 5º da Constituição, pelo seu significado histórico e pela sua importância para a democracia brasileira:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade [...] e à propriedade, nos termos seguintes: (Palmas.)
O art. 5º abre o Título II, "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", e o Capítulo I, "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos". Está naquilo que a doutrina constitucional brasileira chama de "cláusula pétrea", fruto do poder constituinte originário.
Em 13 de março de 2024, nos termos do parecer do Relator, Senador Efraim Filho, a PEC passou a ter a seguinte redação, conforme a Emenda nº 2, acrescentando o inciso LXXX ao art. 5º:
Art. 5º .....................................................
................................................................
LXXX - a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência.
Na realidade, o texto atual da PEC ratifica a redação atual do art. 28 da Lei 11.343, de 2006, que prevê como crime o "ato de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com a regulamentação legal ou regulamentar".
Na evolução da Lei 6.368, de 1976, para a Lei 11.343, a diferença entre o velho art. 16 para o atual art. 28 é que não se prevê pena privativa da liberdade, mas "advertência, prestação de serviço à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo".
Então, o legislador, em 2006, deu um passo no sentido de tratar de forma diferenciada o usuário, não prevendo para ele pena privativa de liberdade.
Na justificativa da PEC, há uma referência a que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso 635.659, de São Paulo, que teve repercussão geral reconhecida no Tema 506, estaria, indiretamente, descriminalizando a conduta do art. 28.
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Na realidade, os votos postos, até aqui, no julgamento do Supremo Tribunal Federal, são bastante complexos e variados. Não tem uma unidade ou unanimidade. E tem as mais variadas referências, por incrível que pareça - a quantidade da droga, de plantas etc. - para caracterizar ou não caracterizar a infração.
O caso concreto. É interessante que todo mundo tenha em mente: por que que esse recurso está no Supremo Tribunal Federal? Ele diz respeito a um acusado, Francisco Benedito de Souza, que foi preso por ter em depósito 3g de maconha. Ele foi denunciado no art. 28 e condenado pelo art. 28, numa sentença de primeira instância, em 26 de fevereiro de 2010. A condenação foi confirmada num acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial. Não é nem tribunal, é a Turma Recursal do Juizado, porque isso é tratado como infração de menor potencial ofensivo. O acórdão é de 18 de outubro de 2010. Nesse processo, foi reconhecida a repercussão geral, Tema 506.
Eu estou aqui, não propriamente como advogado criminalista ou professor da Faculdade de Direito da UFMG que sou, mas como Conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Incrível esse nome, não é? Mas ele foi criado em 2000, por Márcio Thomaz Bastos, ilustre advogado criminalista e ex-Ministro da Justiça, porque sentia a necessidade de ter uma entidade que fosse defender o direito de defesa. E está evidenciado, até para os dias atuais, 24 anos depois da criação, que nós precisamos defender o direito de defesa.
O instituto se habilitou como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário referido, e fez uma manifestação escrita e uma sustentação oral favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 28, sustentando que ele viola o art. 5º, inciso X, da Constituição que diz: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
A manifestação favorável no recurso extraordinário feito pelo IDDD é de 2012. Foi subscrita pelos ilustres advogados: Arnaldo Malheiros Filho, Marina Dias, Augusto de Arruda Botelho e Roberto Soares Garcia. E a sustentação oral foi feita por Augusto de Arruda Botelho.
Nesta oportunidade, como Conselheiro do IDDD e seu representante nesta sessão temática do Senado Federal, eu ratifico o entendimento do IDDD, sustentado perante o Supremo Tribunal Federal, para afirmar a inconstitucionalidade do art. 28, que viola a garantia constitucional individual da intimidade e da vida privada. Em vista desse entendimento, com o devido respeito e consideração a esta Casa e ao Presidente, Senador Rodrigo Pacheco, autor da proposta, o IDDD sustenta a inconstitucionalidade da PEC...
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(Soa a campainha.) (Palmas.)
O SR. MARCELO LEONARDO - ... na medida em que ela tem uma incompatibilidade com o art. 5º, inciso X, que é cláusula pétrea e que trata da garantia individual já mencionada.
O art. 5º é um dos núcleos duros da Constituição na questão do Estado democrático de direito. A tentativa de colocar no art. 5º algo que é restrição, quando o art. 5º cuida de direitos e garantias que devem ser ampliados, nos leva a sustentar a sua inconstitucionalidade. E isso permite pensar, se o Senado aprovar a PEC - diz o Presidente que pode ser, inicialmente, na sessão de amanhã -, nada permite pensar o contrário...
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO LEONARDO - Se o Supremo está entendendo, por maioria, que o art. 28 viola uma disposição constitucional, o art. 5º inciso X, naturalmente, vai dizer que o inciso LXXX - novo - viola a Constituição por contrariar este mesmo dispositivo.
Além disso, na realidade, o que a gente tem é uma arguição de inconstitucionalidade incidental num caso concreto. Nós não podemos cercear o direito de defesa para impedir que se faça a arguição de inconstitucionalidade, que é o que o Supremo está discutindo. É claro que seria melhor caminho se isso estivesse sendo colocado em uma ação direta de inconstitucionalidade, não em um recurso extraordinário.
Mas eu gostaria de observar, com a minha vivência de advogado criminalista, há 47 anos, que...
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO LEONARDO - ... esse recurso extraordinário já era para ter sido julgado prejudicado. A última causa interruptiva da prescrição aconteceu há 13 anos, e o Supremo sempre entende que, se há prescrição, ela deve ser declarada, primeiro, de ordem pública, e até de ofício, e fica prejudicado o julgamento de mérito, mas isso não aconteceu.
É preciso, então, que a gente, dentro do prazo, ratifique o entendimento do IDDD pela inconstitucionalidade da PEC, sem prejuízo de o Senado, por outros caminhos, fazer valer a defesa de suas prerrogativas, que devem ser respeitadas por todos os Poderes da República.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado ao Dr. Marcelo Leonardo.
Eu concedo a palavra, agora, ao Sr. Fábio Gomes de Matos, psiquiatra, por dez minutos.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todos e a todas. Senador Wagner, Senador Efraim, cumprimento-os pela coragem, e o meu colega cearense.
Eu sou Fábio Gomes de Matos e Souza, tenho mestrado em Farmácia e Farmacologia, tenho doutorado no Reino Unido e, há 15 anos, sou professor titular da Universidade Federal do Ceará.
A primeira coisa que eu gostaria de mostrar - muita gente citou países aqui, então, eu tive o cuidado de fazer essa revisão, agora, de 2024 -, em vermelho: todos os países em que a maconha é ilegal. Foram citados o Suriname e a Guiana, até com certo desdém, até de uma forma pejorativa. Eu prefiro citar a Noruega, a Suécia, a Dinamarca, a Coreia e o Japão, nos quais a maconha é ilegal. Então, nós vamos estar em excelente posição também nisso. E por que lá nunca foi legalizado? Porque existem estudos epidemiológicos bem mais sérios, coortes que acompanham de uma forma sistemática e veem os prejuízos que essas drogas causam para os jovens.
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Foram citados também alguns artigos, e eu trouxe este aqui, que é do JAMA (Journal of American Medical Association), que é um dos mais respeitados do mundo. Traduzindo este artigo, ele diz: "Será que a legalização e a comercialização da Cannabis aumentam a incidência e a prevalência da psicose?". A resposta, obviamente, foi sim, entre n dados.
Eu faço da jararaca outra analogia. Existe papoula medicinal? Porque da papoula vêm o ópio e a heroína, mas também vêm a morfina e a codeína. Ninguém nunca propôs papoula medicinal; não existe. Inclusive, é proibido no Brasil desde 1998 o plantio dessa droga.
Então, a gente tem que ter cuidado com a quantidade de THC. É muito interessante, porque, quando o Jimi Hendrix, lá em Woodstock, fumava a maconha dele, eram 3% de THC; hoje, na média, são 10%; e em Colorado têm 70% de THC algumas drogas. E o que aconteceu de riscos e de problemas? Eu tinha preparado os eslaides, mas infelizmente não deu para projetar. Então, nós vamos aqui falar sobre esses riscos, que são tão graves e tão comuns.
Com o aumento da potência lá nos Estados Unidos, o que aconteceu? Nove por cento da população jovem usava maconha; hoje, são 30%; e é a droga mais consumida. E tem um dado muito interessante: os bebedores, os alcoolistas que usam diariamente o álcool são de um para quinze, enquanto as pessoas que usam maconha são de um para três. Isso significa dizer que ela tem um poder de adicção extremamente importante.
Houve essa questão bem interessante em relação ao Colorado - você citou o Uruguai; eu vou citar o Colorado. O aumento da dose não intencional em pessoas dirigindo aumenta em 50% os acidentes e em 31% os acidentes fatais. É isso que a gente quer, mais acidentes, mais mortes? A gente já mata 50 mil pessoas no trânsito. A gente quer mais mortes, então, do que isso?
Obviamente, todos os meus colegas já disseram do prejuízo cognitivo, porque a maconha desliga o cérebro em muitos aspectos. Ela faz essa desconexão, que causa dificuldade no aprendizado, aumento do risco de depressão e suicídio, psicose nem se fala. E não vamos esquecer o tabaco, que foi, em um determinado momento, considerado seguro - era até charmoso fumar. E não existe carga tabágica segura, tal qual não existe carga de maconha segura. É uma indústria multimilionária, e a projeção, agora para 2025, é que eles vão lucrar US$66 bilhões.
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É interessante também a gente observar alguns dados epidemiológicos. A incidência de esquizofrenia dobrou, em Londres, entre 1965 e 1999; na Dinamarca, a incidência de psicose dobrou entre 2006 e 2016; e, em Portugal, o tão citado Portugal, nossos queridos portugueses, houve um aumento de 29 vezes na taxa de hospitalização por transtornos ligados à droga - 29 vezes! É isso que nós queremos para a nossa juventude, para o nosso país? Então, essas questões... Vamos agora a Amsterdã, que é outro caso importante: 50% de aumento, nos últimos dez anos, de psicose, que poderia ter sido evitada. Você não pode falar, por exemplo, de uma droga que ela é medicinal sem ter passado por uma agência como a EMA, que é europeia, e a FDA, americana, por exemplo. Não existe nenhum estudo controlado por placebo que ateste realmente que aquela droga é um remédio.
E eu queria lembrar aqui dois fatos que eu acho muito interessantes - ainda tenho quatro minutos, dá para desenvolver esse raciocínio -, e eu desenvolvi isso com meus estudantes, quero desenvolver com vocês. A mãe, durante 40 semanas, está com o seu bebezinho ali na gravidez, e cuida dele; ela não usa álcool, não usa maconha, não usa fumo, não usa nenhuma droga, porque ela quer que esse bebê seja saudável. E ele nasce, normalmente, com o coraçãozinho bem, o fígado, o intestino, mas o cérebro não está formado; o cérebro só fica formado com 25 anos. Então, com 12, 13 anos, Professor, a gente tem os nossos centros de recompensa imediata, que são o núcleo accumbens e a área tegmental ventral, prontos, mas nós só vamos ter o córtex pré-frontal pronto aos 25 anos. Então, esse é o período complicado para que você possa expor esses adolescentes.
O Professor sabe, porque ele é um estudioso disso: no condado de Dunedin, na Nova Zelândia, um estudo prolongado, um corte muito... feito, digamos assim, sistematicamente com os adolescentes viu o quê? Viu o quê? Se essa maconha fosse apresentada a um jovem de 12, 13 anos, ele tinha 20% a 30% de probabilidade de ficar dependente; mas, se fosse apresentada aos 27 anos, eram 2% a 3%. Então, o que é que eu proponho para os meus estudantes? É que eles façam... guardem essa gravidez cerebral, porque eles são responsáveis por essa gravidez cerebral. Mas não só eles; nós, a sociedade, também somos.
E como é que eu acho que no Ceará a gente está fazendo a coisa correta? Escola tem que ser em tempo integral. Não dá para ter, uma parte do dia, esses adolescentes expostos a traficantes, a malandros de todo tipo. A gente tem que demonstrar responsabilidade com a nossa juventude, fazendo com que a escola seja integral em todos os níveis. E aí a gente protege essa gravidez cerebral e protege... E não há, talvez, nem necessidade de que a gente possa partir para uma questão mais complicada, que seria essa PEC. E eu acho de uma enorme coragem - viu, Senador Efraim? - o senhor colocar isso em pauta, juntamente com o Presidente do Senado.
Mas, para finalizar, o que a gente precisa entender é que não existe um traficante que seja especialista só em vender maconha; pelo menos eu não conheço nenhum no Ceará. Eles vendem de tudo e querem que, obviamente, você comece com um e passe para outro, e outro, e outro, e outro. Então, não existe loja específica para maconha e não existe loja específica para cocaína, nem nada disso. O que eu acho é que a gente, do mesmo jeito que foi muito competente ao diminuir de 60% da população adulta brasileira que fumava, e hoje é só 9% - a gente foi muito competente com isso -, a gente tem que fazer isso com o álcool, para evitar essa coisa da televisão, isso de o esporte ser ligado ao álcool, e a gente tem que ter a coragem também de enfrentar esse problema de drogas com programas de reeducação para todos esses jovens que são envolvidos, infelizmente, muito cedo, com essa problemática.
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(Soa a campainha.)
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA - Eu encerro aqui porque eu acho que esse é um problema de todos nós, da nossa sociedade, e que nós precisamos cuidar desses jovens e ajudá-los a não entrar na droga e, aos que estão, a sair dela.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Dr. Fábio Gomes de Matos, pela sua contribuição.
Agora nós vamos ter a participação do Sr. Jan Jarab, Representante Regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que vai entrar remotamente, virtualmente, porque não pôde estar aqui conosco. (Pausa.)
Ah, perdão, permita-me, porque o Relator da matéria tem outro compromisso e me pede para se retirar. Evidentemente, como Relator, vou dar a ele o direito da palavra, para comentar os oito debatedores que falaram até agora, pedindo ao meu querido Senador Efraim que possa também controlar seu tempo, sem cercear sua fala.
O SR. EFRAIM FILHO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PB. Para interpelar convidado.) - Sem dúvida nenhuma, Presidente Jaques Wagner.
Agradeço a possibilidade de interação, neste momento, com a plateia, com a audiência pública, afinal já é a terceira audiência pública que trazemos para o debate do tema. Uma foi realizada na CCJ, na Comissão de Constituição e Justiça; outra já foi realizada aqui neste mesmo Plenário, ainda no início dos debates; tivemos cinco sessões de debates aqui nas sessões ordinárias do Senado Federal e, sob seu convite, esta sessão de debates, para praticamente encerrar este ciclo de debates, o que é muito bem-vindo, posições convergentes, posições divergentes, posições pró, posições contra, até porque isso é um reflexo daquilo que a gente encontra na sociedade. As pesquisas de opinião pública, Senador Girão, que vieram à tona durante o interregno desta discussão trouxeram que, na sociedade brasileira, você tem uma média em torno de 70% da sociedade que é contrária à descriminalização das drogas e 30% da sociedade que traz uma posição favorável ao que está representado aqui nos argumentos que vieram a favor e contra.
Como Relator da matéria, nos aprofundamos neste debate. A CCJ fez uma primeira avaliação sobre o tema, dos 27 votos, foram 23 a favor da PEC, 4 contrários à PEC, ou seja, 23 dos 27 votos foram contrários à descriminalização das drogas, o que, na opinião do Relator, significa uma sintonia com aquilo que pensa e defende a sociedade brasileira, fruto do que a gente vem ouvindo, escutando, estudando, respeitando os debates, as posições divergentes. Esse foi um dos temas em que ficou muito claro, um debate com maturidade, Senador Jaques Wagner, um debate que não foi levado para a questão da ideologia, foi levado para a questão da serenidade, da maturidade, com quem defende a favor defende trazendo seus pontos e quem é contrário, da mesma forma também o fazendo.
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Por diversas vezes já usei aqui esta tribuna. E cabe agora, dentro desse tempo, que era dez minutos, não é isso, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - É que, na verdade, nos nossos debates, os debatedores falam dez, e os Senadores, cinco.
O SR. EFRAIM FILHO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PB) - Mas, como Relator, tem dobrado.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não, V. Exa. terá o tempo...
O SR. EFRAIM FILHO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PB) - Peço, se puder, ter o mesmo tempo dos debatedores aqui do Plenário.
E, nessa linha de ação, deixo claro os argumentos que constam na PEC. Dois pilares são importantes na linha do nosso relatório. O primeiro deles: o fato de que a descriminalização das drogas não traz benefício para a sociedade brasileira, para a família brasileira. Primeiro, ela impacta a saúde pública e, segundo, ela impacta a segurança pública.
Na saúde pública, é importante citar que, eu já disse, a sociedade brasileira não quer e o Estado brasileiro não está preparado para o aumento da dependência. Isso é inegável, é inquestionável. Até quem defende concorda. Se você descriminalizar as drogas, é natural que haverá um aumento do consumo. O aumento do consumo fará explodir a dependência e a dependência química é um mal no seio da família brasileira.
Só a família que tem um dependente químico e que convive sabe o quão nocivo e desestruturante para a relação familiar é aquele ambiente. São inegáveis. Todos nós conhecemos testemunhos de aumento da violência doméstica, casos de roubo e de furto dentro da própria família para poder financiar a aquisição da droga. Então, para a família, nada, nada, nada de útil traz a descriminalização das drogas.
Para o equipamento brasileiro, as casas de reabilitação, os centros terapêuticos, as casas que cuidam da saúde mental já não suportam a demanda que existe hoje. O aumento, ao nosso entender, será só prejudicial. Países que o fizeram, não por decisão de tribunais, mas que o fizeram por políticas públicas, investiram bilhões de euros para tentar dar condições do tratamento digno ao aumento da dependência e não conseguiram. É só estudar os casos de Portugal e da Holanda, para citar alguns exemplos.
Além da saúde pública, o problema na segurança pública também é inegável, porque uma decisão feita por tribunais descriminalizando as drogas não torna a droga ilícita. Não se compra droga em farmácia nem em mercado. Quem vai consumir terá que adquirir do tráfico e fortalecer o tráfico é financiar o crime organizado, responsável pela escalada da violência e as barbáries da sociedade moderna. Então, também para a segurança pública, descriminalizar as drogas não traz nenhuma vantagem.
É importante citar dos argumentos que alguns debatedores trouxeram aqui. O fato de ter utilizado droga não é crime, ter utilizado droga não é crime. Nenhum cidadão brasileiro precisa ter receio algum de poder ir a qualquer centro de dependência e responder por processo penal. Isso é falácia, isso é fake news.
Qualquer um cidadão que fizer um exame toxicológico e provar que no seu sangue teve drogas não vai responder por crime porque, no Brasil, o que é crime é o porte da droga. É a droga em si mesma que é ilícita. No Brasil, desde 2006, a lei já diz: "o usuário não deve ser tratado com a pena de encarceramento, com a pena de prisão". A pena de prisão é para o traficante. Ao traficante, sim, as penas mais rigorosas, o rigor da lei; ao usuário penas alternativas à prisão, penas restritivas de direito, penas de prestação de serviço à comunidade. "Ah, Senador, mas o que a gente vê na vida real é que, na periferia, se tem uma aplicação e, na elite, se tem outra aplicação, nos bairros nobres". A culpa não é da lei, a culpa é da aplicação da lei. A lei não discrimina, a lei não diz que deve ser aplicada de forma diferenciada por raça, cor, condição social, e quem aplica a lei é autoridade policial, é juiz e é promotor. Eu nunca vi o CNJ ou o STF chamar os juízes para dizer que está errado, "A forma como vocês estão aplicando está equivocada. É para ser aplicada de forma diferente, é para ser aplicada de forma justa". No Brasil, o usuário já não é punido com crime de prisão ou encarceramento pela lei desde 2006. Se existe erro na aplicação da lei, de uma coisa eu tenho convicção: a saída não é descriminalizar, isso é um atestado de incompetência do Estado brasileiro para dizer eu fui à falência, eu não consigo coibir, eu não consigo fiscalizar, então vamos descriminalizar para retirar a obrigação do Estado. (Palmas.)
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Vamos descriminalizar para retirar a obrigação do Estado e passar para que a família possa apontar essa responsabilidade. Como foi dito aqui, como fica um pátrio poder para poder dizer a um jovem para não consumir drogas, se ele vai dizer: "Até o Estado brasileiro permite que se possa consumir, como é que você quer me negar esse direito?".
Então, pela compreensão de que não há nenhum benefício para a família, para a sociedade brasileira, o nosso entendimento, e a PEC aponta nesse sentido, e aí concluo, Presidente, neste minuto final, primeiro, que a PEC não inova em nenhuma regra do ponto de vista penal, ela simplesmente traz para o seio constitucional aquilo que já existe hoje na lei, ela diferencia traficante do usuário: para o traficante, as penas mais rigorosas, o encarceramento e as penas de prisão...
(Soa a campainha.)
O SR. EFRAIM FILHO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PB) - ... para o usuário, nós temos a pena alternativa à prisão, restritiva de direitos, prestação de serviços à comunidade. Primeiro ponto, abre-se a janela para o tratamento da dependência. É prioridade, sim, para que o próprio Estado brasileiro possa fornecer as condições para que essa dependência seja tratada, mas para isso não é necessário a descriminalização das drogas, porque ela apontaria ao Brasil um caminho que outros Estados já estão fazendo.
E concluo dizendo isto: para mim, parece-me bem enigmático o tema que foi trazido aqui e é o mais recente. Os Estados Unidos, mais particularmente Oregon, em 2020, abriu a proposta de descriminalização das drogas. Em 2024, um Estado que investiu muito mais em equipamentos de saúde do que o brasileiro teve que, pela própria lei...
(Soa a campainha.)
O SR. EFRAIM FILHO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PB) - ... desfazer essa aprovação, teve que - eles usam a palavra - "recriminalizar" as drogas, porque viu que os efeitos foram totalmente diferentes daqueles que se pregavam.
É essa a contribuição que o Relator traz à matéria, Presidente. O parecer que foi votado e aprovado na CCJ será apresentado amanhã e esperamos que amanhã o Plenário do Senado Federal se debruce sobre um tema que impacta a vida real do cidadão, da família, da sociedade e da nação brasileira.
Meu muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Senador Efraim, pela sua contribuição, como Relator desta PEC.
Agora, sim, eu convido o Sr. Jan Jarab, Representante Regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que falará através do sistema virtual. Com a palavra, V. Exa.
O SR. JAN JARAB (Para exposição de convidado. Por videoconferência.) - Exmo. Senador Wagner, estimadas Senadoras e Senadores, autoridades presentes nesta audiência, é para mim uma honra participar deste debate tão importante para o Brasil e, por isso, agradeço o convite feito ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Nosso escritório tem a missão de observar, promover e proteger os direitos humanos em todos os países do mundo, incluindo o Brasil. O nosso Escritório Regional para a América do Sul trabalha no Brasil a partir do Marco de Cooperação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável para o período de 2023 a 2027, e parte desse marco de cooperação entre o Estado brasileiro e o Sistema da ONU é debater, a partir de exemplos internacionais, a descriminalização do uso de drogas e fornecer assessoria técnica para a construção de outra abordagem sobre o assunto, sobretudo que considere os direitos humanos que tenham a pessoa como o centro das ações. Por isso, nossa participação no presente debate não é apenas oportuna, mas parte do compromisso que fizemos com o país.
O que está em apreciação pelo Senado é uma reforma constitucional que possibilite a criminalização da posse e de porte de drogas, independentemente da sua quantidade, classificando o uso de drogas como crime. Irei aqui apresentar as razões pelas quais a ONU Direitos Humanos se opõe a essa proposta, sobretudo porque vai em direção contrária aos debates, às decisões, às recomendações feitas no âmbito internacional, sobretudo no âmbito da Organização das Nações Unidas. Vou resumir brevemente nossa posição sobre duas ideias principais: primeiro, abordagem sobre a perspectiva do direito à saúde individual, assim como à saúde pública; e, segundo, necessidade de reduzir as violações de direitos humanos que ocorrem no contexto punitivo da criminalização e do encarceramento, desde o uso do perfilamento social, o uso excessivo da força, as condições degradantes no sistema penitenciário e outros efeitos nocivos.
Em 2019, a equipe de trabalho das Nações Unidas sobre a implementação de uma posição comum sobre questões relacionadas com as drogas produziu um resumo que se chamava: O que aprendemos nos últimos dez anos: um resumo de conhecimentos adquiridos e produzidos pelo Sistema das Nações Unidas sobre questões relacionadas com as drogas. Esse documento concluiu que as abordagens dos Estados para lidar com o problema mundial das drogas não devem ser exclusivamente punitivas, devem ser reconfiguradas para levar em conta os direitos humanos e as preocupações de saúde pública para que sejam eficazes.
O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, está entre aqueles que pediram aos Estados que considerem alternativas à criminalização das medidas de custódia para pessoas que usam drogas e que enfatizem o foco na saúde pública, prevenção, tratamento e cuidados.
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No ano passado, a pedido do Conselho de Direitos Humanos da ONU - do qual o Brasil é membro -, a ONU Direitos Humanos preparou um estudo sobre os desafios dos direitos humanos no enfrentamento e combate a todos os aspectos do problema mundial das drogas. Esse estudo traz experiências do mundo todo e recomendações relevantes ao debate de hoje.
No relatório, constatou-se que o uso desproporcional de penalidades criminais desencoraja as pessoas que usam drogas a buscar tratamento e alimenta o estigma e a exclusão social. Por exemplo, de acordo com as estatísticas mais recentes disponíveis no Relatório Mundial sobre Drogas, de 2023, as pessoas que usam drogas são desproporcionalmente afetadas por vírus transmitidos pelo sangue; 10% de todas as novas infecções por HIV, globalmente, em 2021, foram entre pessoas que injetam drogas.
A ênfase excessiva na incoerção está alimentando um aumento das violações dos direitos humanos, apesar de as crescentes evidências de que décadas da chamada "guerra às drogas" não proteger o bem-estar das pessoas nem coibir o crime relacionado às drogas.
Temos observado o impacto de políticas de caráter punitivo, sobretudo o impacto da violência policial na vida de moradores de favelas e outras comunidades periféricas, onde a maioria da população é negra e empobrecida, e o efeito sobre o encarceramento no Brasil.
É importante notar que o encarceramento no Brasil aumentou, em parte desde a adoção, em 2006, da Lei das Drogas. Desde 2000, a população carcerária aumentou mais de 200% e continua em crescimento. No final de 2023, o Brasil, segundo a Senapred, registrou uma população carcerária de 852 mil pessoas - estima-se que até 40% pode ter vínculo com drogas.
O Brasil tem um déficit de mais de 300 mil vagas no sistema. O encarceramento é imenso e expõe muitos jovens diariamente à violência e ao recrutamento por parte do crime organizado dentro do sistema penitenciário. Com a criminalização geral do usuário, isso só irá piorar.
Pessoas negras representam 68% dos réus processados por tráfico de drogas. Como já se mencionou, há uma aplicação desigual das regras e dos procedimentos judiciais. Vários estudos demonstram que o fato de não haver critérios claros e objetivos da diferenciação de consumo e tráfico faz com que a lei seja aplicada de forma subjetiva e muitas vezes discriminatória, pois a população negra acaba por receber mais condenações e sentenças mais severas do que pessoas brancas.
No caso de prisão de mulheres, estima-se que, no Brasil, mais de 50% das mulheres em detenção estão lá devido à questão de drogas, e esse número está, em todas as regiões - não só no Brasil -, crescendo ainda mais que entre os homens, produzindo impacto negativo também na paternidade e na primeira infância - impactos desse tipo também piorariam com a criminalização geral do usuário.
Senhoras e senhores, tanto a posição comum do Sistema das Nações Unidas sobre Drogas, quanto a posição comum da ONU sobre o encarceramento estão a favor de descriminalizar o uso e a posse de drogas para uso pessoal e reduzir o uso de penas de prisão.
O relatório apresentado ao Conselho dos Direitos Humanos também mostra que um número crescente de países, em várias regiões do mundo, está adotando políticas e práticas que descriminalizam o uso de drogas ou tratam o uso de drogas como uma questão de saúde pública e de direitos humanos, aplicando abordagens baseadas em evidências sensíveis ao gênero e à redução de danos.
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A descriminalização implica que os países eliminem as penas criminais pelo uso, a posse, ou, por vezes, o cultivo de pequenas quantidades de droga para uso pessoal. Aqui tivemos certa confusão entre descriminalização dos usuários e a legalização. Descriminalização não é sinônimo de legalização. A legalização implica o cultivo ou a venda legal de substâncias controladas, dentro de determinados parâmetros. E esta é outra discussão. Não estamos discutindo uma proposta de legalização, estamos discutindo um projeto para constitucionalizar a criminalização de porte e uso, o que inevitavelmente restringiria as opções de políticas públicas do futuro.
Senhoras e senhores, não se trata de minimizar os efeitos negativos do uso de drogas. Trata-se de definir qual é a melhor estratégia para enfrentar essa questão de forma mais humana, mais justa, mais inteligente e mais eficaz.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu que agradeço ao Sr. Jan Jarab pela sua contribuição aqui, como representante das Nações Unidas para os direitos humanos.
Agora eu concedo a palavra, também remotamente, ao Sr. Antônio Geraldo da Silva, Presidente da Associação dos Psiquiatras da América Latina (Apal), também por dez minutos.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA (Para exposição de convidado. Por videoconferência.) - Bom, boa tarde a todos. Cumprimento o Senador Jaques Wagner, cumprimento o Senador Girão e exalto o trabalho realizado pelo Senador Efraim, de extrema importância para todos nós.
Bom, eu gostaria de falar que em relação à questão de as pessoas defenderem a presença, de estudar substâncias como a maconha mostra que nós estamos muito atrasados. Estamos atrasados, sim. Estamos atrasados até com o que citamos, ou até com o que nós estamos propondo. É preciso entender que nós já temos canabidiol sintético. Então, se o CBD sintético já existe, não tem razão para ficar discutindo mais por questões, entre aspas, "medicinais". Por que nós não discutimos mais isso em relação ao captopril, que vem da jararaca? À morfina, que vem do leite da papoula? À exenatida, que vem da saliva do monstro-de-gila, que é um lagarto? Nós não falamos da lepirudina, que vem da saliva de uma sanguessuga e que é usada como anticoagulante. Da aspirina, do ácido acetilsalicílico, que vem de quê? Vem da folha e da casca do salgueiro. Nós não falamos mais disso. Existem várias outras plantas que têm também canabinoides, e também não discutimos isso.
Então está atrasado esse discurso de falar de cultivo dessas substâncias, com a justificativa de que nós vamos trabalhar em cima dessas substâncias. Já existem sintéticas. Isso acabou.
Em relação a citar, por exemplo, a Lei das Drogas e dizer que isso aumentou o encarceramento, não faz sentido, porque os próprios juristas dizem claramente que nós não temos mais presos, pessoas que são usuárias, que desde 2006, aqueles que são presos são apenas os traficantes. Então também é um assunto vencido.
Quando se cita o The Lancet e se apresenta um artigo de opinião, Senador Jaques Wagner, falando que, nesse artigo de opinião, o The Lancet mostra isso, mostra aquilo, está bom, vamos citar o The Lancet, mas não vamos levar o artigo antigo. Vamos pegar um artigo agora, de abril de 2024, novinho, prontinho. Feito por quem? Feito exatamente por um grupo canadense. E o que diz esse artigo, Senador Jaques Wagner? É o seguinte: entre as análises incluídas houve associações positivas consistentes entre o maior acesso ao varejo de Cannabis e um aumento do uso de serviços de saúde ou chamados do controle de intoxicações diretamente devidas à Cannabis. Foram 10 de 12 casos, 10 de 12 análises: isso significa 83%; um aumento do uso de Cannabis e hospitalização relacionada a Cannabis durante a gravidez: foram 4 de 4 casos, isso significa 100%; e o uso frequente de Cannabis em adultos e em adultos jovens, um aumento de 7 para 11 casos, um aumento de 64%. De quando é esse artigo? Ele é de abril de 2024, de agora, deste momento. Isso é uma revisão sistemática canadense, avaliando a relação entre disponibilidade comercial de Cannabis legalizada e desfechos de saúde. Isso é de hoje, isso é atual.
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Tudo o que é dito vem falar de coisas atrasadas. Chega, não tem sentido mais. Não vamos ficar citando países: "Ah, tentou isso, tentou isso." Essa discussão foi dez anos atrás. Hoje, os Estados Unidos, que erraram na escolha, estão voltando atrás. Estão dizendo que é importante recriminalizar.
Por que, Senador? Por motivos simples. Quando você aumenta a possibilidade de a pessoa ter acesso às drogas, você vai usar mais drogas, você vai diminuir a percepção de risco que é o uso da droga. Quando é proibido fica claro: isso é proibido, não pode, faz mal à saúde. Não tem nada de medicinal em nada disso. O que é medicinal tem sintético. Ninguém planta papoula para poder ter morfina, codeína. Ninguém fica plantando salgueiro para tirar o nosso conhecido AAS (ácido acetilsalicílico). Não precisa mais disso. Por quê? Porque já existe sintético. E uma vez que existe sintético, não tem mais conversa.
Quando outros países ou outras pessoas de outros países vêm trazer regras para o funcionamento do nosso país - onde nós temos um SUS que está com péssimas condições de atendimento na área de saúde mental, para marcar uma consulta leva-se meses, meses e meses, porque nós não temos sistema ambulatorial -, vêm trazer para a gente umas questões e ficam atrás das mesas para citar regras, mas não conhecem a realidade como os políticos brasileiros que vão lá e veem, no dia a dia, pais e mães e irmãos pedindo ajuda. Por quê? Por causa do alto índice de dependência química. Esses, sim, sabem o que vem a ser a realidade brasileira.
Não existe dizer que descriminalizar as drogas diminui aos que dizem que há diminuição. Sabem por quê? Porque a droga, quando está no tráfico, é muito mais barata, porque não tem imposto. E se não tem imposto, as pessoas vão continuar comprando ali. Descriminalizar é só aumentar os pontos de venda. Descriminalizar é só facilitar a capilaridade da distribuição. Mas ninguém vai comprar em nenhum ponto de venda, até porque nem tem, nem pode plantar, nem pode cultivar e nem deve, porque se tem uma substância que deve ser banida da face da Terra, uma planta que deve ser banida da face da Terra é a Cannabis. Não tem sentido que ela tenha existência, por que ela existe, porque ela só traz males.
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Nós lutamos e conseguimos reduzir de 48,5% a população que usava cigarro para 10%, 11%. Por quê? Restringimos o uso, dificultamos o uso. Nós temos que fazer a mesma coisa em relação às outras drogas, dificultar o uso. Facilitar o uso é aumentar o uso, aumentar o acesso, facilitar que mais pessoas venham a consumir e ter problemas graves.
Então, esse artigo de Cantor e colaboradores da McMaster University mostra claramente - claramente -, é o estudo mais novo que temos, publicado na melhor revista, citada aqui por duas vezes. Está claro isso. O aumento no uso de serviços de saúde, o aumento de intoxicações pelo uso, o aumento de Cannabis e hospitalização, o uso frequente de Cannabis de adultos e jovens também aumentado. O artigo, agora, é só abrir a The Lancet, está lá.
Então, do que nós precisamos? Aprovar essa PEC sem mudanças. Ela foi muito bem estudada, avaliada. Não tem razão nenhuma para modificarmos esta PEC. Ela está muito bem feita e vem, simplesmente, complementar o que já foi discutido nestas Casas por duas, três vezes.
Eu agradeço demais por ver hoje que estamos caminhando para votar uma PEC que vai reduzir o sofrimento das famílias brasileiras, que vai reduzir o adoecimento mental do povo brasileiro. Um país que não tem nem sequer um psicotrópico na farmácia popular não pode legalizar drogas para ter mais doentes e continuar tendo menos acesso a tratamento, menos possibilidade de tratar. Se dez causas do afastamento do trabalho são por doenças mentais e não temos um - um - psicotrópico sequer disponível para tratamento de depressão, ansiedade, bipolaridade, da própria dependência química na farmácia popular, como é que nós queremos legalizar drogas? Por que essa preocupação em legalizar drogas? Nos deem acesso a tratamento daqueles que padecem de doença mental! Vamos criar leis colocando psicotrópicos na farmácia popular! Todos têm patentes. Todos. Os comprimidos custam centavos. Estamos lutando diariamente, pedindo por isso.
Nós estamos gastando um absurdo por grupo de doenças. As doenças mentais são as que mais estão impactando o estudo realizado por mim e colaboradores publicado na Brazilian Journal of Psychiatry, onde mostramos claramente - claramente - que o maior grupo de doenças que levam ao maior afastamento do trabalho e à aposentadoria são as doenças mentais.
Por favor, Senador Jaques Wagner, nos ajude, levando esta PEC como está, integral, para a votação para que a gente salve muitas vidas!
Nós precisamos disso.
No Brasil, o suicídio só aumenta. A dependência química é a segunda causa de morte por suicídio neste país.
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Chega de tanta gente morrer por doenças mentais tratáveis, por situações tratáveis!
Muito obrigado, Senador Jaques Wagner. Muito obrigado, Senador Girão. Muito obrigado, Senador Efraim, e a todos os Senadores que votaram a favor dessa PEC. Muito obrigado, de coração. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu agradeço ao Sr. Antônio Geraldo da Silva, pela sua participação e também pela atenção ao nosso tempo.
Concedo a palavra à nossa última debatedora, a Sra. Silvia Souza, Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB. (Palmas.)
A SRA. SILVIA SOUZA (Para exposição de convidado.) - Exmo. Senador Jaques Wagner, Exmo. Senador Eduardo Girão, Senadores e Senadoras presentes nesta sessão e todas as pessoas que acompanham a sessão, boa tarde.
Eu falo aqui em nome da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, da qual sou Presidente. Nesse ato, também estou sendo honrada em representar o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e trago os cumprimentos do Dr. Renato Vieira, que é o Presidente do Instituto, a esta Casa.
Em primeiro lugar, eu gostaria de, mais uma vez, situar o debate, do que nós estamos falando.
Esta é uma sessão de debates, em que nós estamos discutindo o mandado de criminalização da posse e do porte de entorpecentes, de drogas e afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regular; está escrito bem ali, no painel. (Palmas.)
Portanto, não estamos discutindo descriminalização de droga nenhuma, nem de maconha, nem de qualquer outra droga. É bastante importante que nós possamos situar este debate para que nós não sejamos levados a nenhum equívoco. Não estamos discutindo descriminalização - quem dera! -, mas nós só estamos discutindo a possibilidade da criminalização do usuário. Essa PEC é a PEC da criminalização do usuário.
É muito triste para nós, que trabalhamos com a defesa de direitos humanos, para quem é jurista e, enfim, para a sociedade brasileira ver a possibilidade de ser inserida, no art. 5º, que é o artigo que trata das garantias e dos direitos fundamentais, uma previsão de criminalização. O art. 5º, senhoras e senhores, traz para nós direitos inegociáveis, duramente conquistados após o período da ditadura: o direito à liberdade, o direito à vida - o direito à vida. Não é nesse artigo que se insere uma reprimenda, uma restrição. É flagrantemente inconstitucional inserir, no art. 5º, a criminalização do usuário. Isso atenta contra princípios constitucionais, como o princípio da proporcionalidade, como o princípio da lesividade, previsto no direito penal. Para quem não sabe, rapidamente, o princípio da lesividade diz que o ato, o fato praticado só pode ser punido se ele causar lesão ao bem jurídico tutelado ou a terceiros, o que não é o caso, porque o porte, a posse que se discute aqui é para uso pessoal, para uso próprio.
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Então, se a nossa legislação não proíbe a tentativa de suicídio, que é, talvez, o ápice de causar uma autolesão, por que vai, então, punir... Se não pune a tentativa de suicídio, pune a incitação ao suicídio, por que, então, vai punir o porte e a posse de drogas ou qualquer outra droga? É bem importante que nós possamos situar. (Palmas.)
Ainda sobre a criminalização, é bem importante também que a gente traga dados e rebata alguns argumentos, com todo o respeito e com a devida vênia, sobre a não prisão de pessoas que portam drogas, do usuário.
Foi dito dessa tribuna que, desde 2006, não se pune usuários de drogas. Falácia! Nós temos inúmeros processos e dados que demonstram que a comunidade prisional cresceu exponencialmente após a aprovação da Lei de Drogas, que tentou, o legislador - é importante que se diga -, fazer essa diferenciação do usuário para o traficante, mas na aplicação da lei, quando ele previu o critério subjetivo, deixando a critério do juiz estabelecer quem era o usuário e quem era o traficante, infelizmente, o resultado da aplicação da lei se deu na maior criminalização de pessoas que portam drogas para uso próprio, sim.
Vamos olhar para o sistema prisional, que hoje tem aproximadamente, segundo o CNJ diz, quase 800 mil pessoas presas: 63% dessa população prisional é relacionada a crimes que estão previstos na Lei de Drogas; 68,7%, segundo a pesquisa realizada pelo Ipea e pelo Ministério da Justiça, em 2019, olhando para os processos no Estado de São Paulo, apenas no Estado de São Paulo, sobre processos que envolvem a legislação de drogas, são pessoas negras; 63% são pessoas com menos de 30 anos; e 73% são pessoas pobres.
Então, essa PEC tem uma outra característica, que é difícil de dizer, mas é necessário que se diga. A PEC 45, senhoras e senhores, é racista (Palmas.)... porque a PEC 45 vai reforçar e vai fazer com que o estereótipo que nós já conhecemos de pessoas que são presas por estarem portando drogas, por estarem portando qualquer tipo de drogas, seja aumentado.
E aí eu vou trazer um caso concreto que foi discutido recentemente, que é sobre o perfilamento racial na abordagem, que tratou... A questão era a quantidade que se portava. A pessoa que foi abordada estava na calçada e portava 1,5g de cocaína. Este saquinho de açúcar tem 5g, então, a quantidade era bem menor, mas ele estava em uma região pobre, era uma pessoa negra e foi condenado a 7 anos por portar drogas. Ele não era reincidente, não tinha condenações, não era reincidente e se afirmou como dependente químico desde os 14 anos. Então, nós não estamos aqui oferecendo para a sociedade a melhor solução para o porte e para o usuário, a melhor solução está inserida no campo da saúde pública, não da política criminal e não da criminalização do usuário.
Nós sabemos, e já foi falado aqui sobre os efeitos de vários tipos de drogas, foi falado sobre os efeitos da K9. Eu sou de São Paulo e, quando a gente anda lá no centro de São Paulo, a gente vê várias pessoas sob o efeito dessa droga que retira a coordenação motora. Mas oferecer a cadeia como solução para esse tipo de droga não é a melhor saída. A melhor solução está inserida no campo da política de saúde pública, e não no da criminalização. O Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) tem uma pesquisa, muito importante, que trata dos dados do orçamento público destinado para a política de criminalização - essa política proibicionista que, infelizmente, retira muitos recursos dos cofres públicos que deveriam ser destinados para a saúde e para a educação. A pesquisa do Cesec - esta pesquisa aqui - analisa os investimentos do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro na política... Os investimentos do orçamento público despendido na política de drogas. Em 2019 foram gastos, do orçamento público, R$5,2 bilhões apenas com o sistema de Justiça, numa política que não resolveu e não resolve a questão das drogas. Este é um problema complexo, multifacetado, interdisciplinar - nós sabemos -, mas a criminalização, por meio da Constituição brasileira, não é a solução.
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Esta pesquisa mostra que, com o dinheiro do orçamento público do Estado de São Paulo, por exemplo, que foi de R$4,2 bilhões, poderiam ter sido construídas 462 novas escolas; poderiam ter sido feitos a manutenção e o funcionamento de dois hospitais estaduais de referência do Estado de São Paulo, como é o Hospital das Clínicas; poderiam ter sido compradas 27 mil ambulâncias com UTI móvel. Então, a resposta que está sendo oferecida à sociedade, a solução que está sendo oferecida já se mostrou ineficaz.
Manter a criminalização, ou melhor, inserir a criminalização...
(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA SOUZA - ... do porte, do uso de drogas na Constituição Federal não é o caminho. Nós não estamos tratando de descriminalização, lembrem bem; nós estamos tratando de criminalizar pessoas que, na sua maioria, são pessoas negras, pobres e que vivem nas regiões periféricas. Eu falo aqui como membro do IBCCrim, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos, mas eu quero me situar como uma pessoa, uma mulher negra, da cidade de Itapevi, da periferia de São Paulo, que conviveu e convive, até hoje, com a criminalização dos seus vizinhos, dos seus parentes - e não é esse o caminho que nós queremos oferecer à sociedade. Não é essa a solução que nós queremos entregar à sociedade.
Infelizmente, a guerra às drogas tem promovido ampliação das desigualdades...
(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA SOUZA - ... tem promovido o encarceramento - sim, de pessoas negras, de pessoas pobres -, e os dados do CNJ têm demonstrado isso para nós de forma irrefutável.
Então, amanhã, este Senado Federal vai se reunir para votar a PEC 45, para votar sobre a criminalização das drogas, e eu queria registrar, aqui, sobre o que foi dito do Estado de Oregon, nos Estados Unidos - é importante que a gente traga informações que possam elucidar... Ao contrário do que foi afirmado, não há correlação entre a descriminalização de drogas e as altas taxas de overdose. As estatísticas mostram que a alta nos casos de overdose nesse estado segue a tendência nacional dos Estados Unidos. Desde 2006, as mortes por overdose aumentaram 279% no país, amplificada, sobretudo...
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(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA SOUZA - ... pela pandemia da covid-19.
Além disso, o Estado vizinho Washington, onde as drogas ainda são criminalizadas, até mesmo superiores ao Estado de Oregon, demonstrou um número de overdoses superior ao do Estado de Oregon, e lá as drogas são criminalizadas. Há um enorme déficit na oferta de serviços de assistência, de saúde mental, de políticas de moradia, e Oregon tem, historicamente, a segunda maior taxa de pessoas que fazem uso problemático de drogas e a menor taxa de acessos a serviços de tratamento no país.
Portanto, é importante observar esses dados também quando a gente vai trazer essa estatística.
Amanhã, este Senado Federal se reunirá para a votação da PEC 45. E, em nome da sociedade civil, que aqui também está representada (Palmas.)... em nome do IBCCrim, da Comissão Nacional de Direitos Humanos e de todos os colegas que estão aqui e que falaram antes de mim...
(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA SOUZA - ... nós pedimos para que essa PEC não seja aprovada.
E eu reforço: não sendo aprovada a PEC, a legislação vigente, a legislação existente continuará vigente. Então, nós não estamos tratando de descriminalização, repito mais uma vez. Nós estamos tratando da criminalização de pessoas que precisam de ajuda e que precisam da presença do Estado, não da presença do braço forte da polícia, criminalizando pessoas que não são traficantes, e são apenas usuários e precisam de outro tipo de atendimento e de atenção.
Eu agradeço a oportunidade, Senador.
Agradeço a todos, muito obrigada. (Palmas.)
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Como é o nome dela? (Pausa.)
Obrigado à Sra. Silvia Souza, pela sua contribuição e o atendimento ao horário.
Terminada a lista dos nossos debatedores, nós passaremos agora a ouvir os nossos Senadores. Como é de praxe, o debatedor tem dez minutos; o Senador tem cinco.
Eu peço vênia aos colegas, porque eu estou com o exame marcado e gostaria de encerrar a sessão.
De qualquer forma, eu quero, muito rapidamente, antes do primeiro inscrito - que é o Senador Esperidião Amin, que vai participar remotamente -, primeiro, dar as boas-vindas a todos vocês que aqui comparecem ao Senado da República, independentemente da convicção de cada agrupamento.
Eu sei que aqui há aqueles que defendem a PEC, outros que são contra a votação da PEC, mas eu agradeço de qualquer forma, porque eu acho que isso enriquece o debate e, para mim, é um motivo de orgulho, e eu falo isso em relação a todos os debatedores, porque o debate foi de alto nível. Aqui poucos usaram adjetivos; e foram muito substantivos na defesa, cada qual, das suas convicções.
E eu, como um democrata convicto, continuo dizendo - e os colegas sabem do meu comportamento aqui nesta Casa como Líder de Governo - que o melhor caminho para a democracia é o debate franco de ideias. É para isso que esta Casa existe, é para isso que as nossas diferenças estão aí e nós precisamos saber tratá-las. Toda vez que as diferenças são levadas para o campo da polarização ou da simplificação do debate, quem perde, na minha opinião, é a sociedade e a democracia. A democracia depende desse fermento do debate de ideias, e cada qual aqui dos debatedores pôde afirmar as suas convicções, como eu disse, sem adjetivação. A simplificação - vou repetir - não ajuda.
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Eu quero dizer que algumas falas aqui... todas as falas me orgulham pelo nível do debate, mas algumas falas - eu comentava com o Senador Girão - chamaram-me a atenção. Uma delas, se não me engano, foi a do Dr. Sérgio de Paula e também a do Fábio Gomes, porque ambos tocaram na questão do risco, que a não percepção do risco poderia incrementar o uso. E o Dr. Fábio colocou ainda a questão da juventude no começo do uso, ou da tenra idade no uso dessa. E a mim me chama a atenção, porque, aqui também neste debate, foi citado o êxito que o Brasil teve na redução do número de fumantes - eu não lembro quem dos debatedores citou isso. E eu estava dizendo para o Senador Girão que, no entanto, até hoje nós nunca enveredamos para explicar substantivamente os problemas eventualmente causados pelo uso dessa ou daquela droga, pode ser do álcool, pode ser da maconha ou da cocaína, qualquer droga que pode provocar alterações no corpo do ser humano. A gente nunca enveredou por isso.
Eu insisto que aqui nós não estamos tratando de legalização, nem de descriminalização. A lei já existe desde 2006. É óbvio que esse movimento que acabou nascendo, aqui no Congresso Nacional, foi em função de uma decisão num caso particular do Supremo Tribunal Federal - e a mim não cabe fazer aqui juízo de valor sobre o seu julgamento -, que estabeleceu um determinado quantitativo para se classificar quem é usuário e quem é traficante.
A realidade dos bairros é o que já foi dito aqui por alguns. Eu fui Governador durante oito anos e, apesar de todo o meu esforço de humanização das polícias do meu Estado, é óbvio que também, muitas vezes, mora o preconceito na cabeça dos agentes de Estado que vão atuar na ponta e, por conta disso, assim como aqui nós vamos ter, do lado dos que concordam com a PEC, além de outros motivos, aqueles que conhecem famílias que foram destroçadas por conta do uso das drogas e do álcool, da maconha, da droga que for, evidentemente nós encontraremos aqui também famílias que têm um usuário, e não um traficante, preso irregularmente, porque a aplicação da lei é feita, às vezes, por um agente público que não sabe ou que deixa vazar o seu preconceito. Cenas como essas nós vimos, nos Estados Unidos, naquele episódio do policial que matou um negro exatamente botando o joelho em cima do seu pescoço e em outras cenas. Eu conheço isso, porque fui obrigado a comandar, com muito orgulho, por oito anos, a Polícia Militar do Estado da Bahia e a Polícia Civil.
Então, eu quero parabenizar os dois, todos os 11 debatedores que aqui estiveram. Eu acho que isso enriquece. Vou repetir, porque eu acho importante: não houve adjetivação nem tratamento, vamos dizer, baixo, de baixo nível com qualquer uma das ideias. Então, eu quero primeiro agradecer e vou passar a palavra, então, ao Senador Esperidião Amin, que vai nos falar através do sistema remoto.
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Senador Esperidião Amin, se V. Exa. atender ao meu apelo e puder se manter nos cinco minutos que são destinados aos Senadores, seu amigo aqui, do outro lado do rio, lhe agradeceria. Porque eu sou judeu e ele tem origem árabe; então, nós brincamos que somos dos dois lados do rio. (Risos.)
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Por videoconferência.) - Eu vejo aqui.
Muito boa tarde, eu quero cumprimentar todos os companheiros de...
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - A sua câmera está fechada, Senador.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Por videoconferência.) - Eu estou no ar. Não sei se estou sendo visto.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não, visto, não! Talvez a sua câmera esteja... A voz está aberta... (Pausa.)
Agora!
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Para discursar. Por videoconferência.) - Então, eu quero dar um boa-tarde a V. Exa., que, com muita serenidade, apesar da eloquência quase italiana que fez vítima o copo de água - ainda bem que foi de água...
Eu queria cumprimentar todos, cumprimentar todos os debatedores, todos aqueles que procuraram iluminar o assunto. Eu não vou fazer o resumo do que nós estamos procurando no Senado, mas quero apenas dizer que reforcei a minha convicção, que será expressa amanhã, através do voto.
Eu quero cumprimentá-lo, eu repito. Eu quero cumprimentar o Senador Efraim e, na pessoa de ambos, cumprimentar todos os Parlamentares, assim como os demais debatedores e ressaltar - viu, Senador Jaques Wagner? - que eu recebi um telefonema agora do meu colega de Senado Eduardo Suplicy, Deputado Estadual de São Paulo, que telefonou querendo antecipar a minha posição a respeito do assunto.
Eu tenho certeza de que amanhã não decepcionarei a todos, mas confirmarei o meu voto na Comissão de Constituição e Justiça. Eu acho que o Senador Efraim fez uma exposição muito clara do que nós estamos debatendo e as circunstâncias em que este debate está acontecendo, especialmente em face das iniciativas do Judiciário a respeito da questão. Creio que é do nosso dever dar a palavra como legisladores, e eu o farei.
Então, quero cumprimentá-lo pela mediação. V. Exa., mais uma vez, deu uma demonstração do espírito democrático de respeito à opinião de todos, e apenas fazer um registro que não deveria fazer parte desta sessão. Nós estamos vivendo aqui em Santa Catarina um momento muito difícil. A principal rodovia federal do Estado está praticamente bloqueada desde sábado à noite, a BR-101, na altura do Morro dos Cavalos. E eu quero reiterar o apelo para que o nosso Ministro dos Transportes, nosso colega Senador Renan Filho, aqui esteja, como já anunciou, no dia 18 próximo, quinta-feira, não apenas para abrir ao uso o ponto de parada e descanso de motoristas, mas, acima de tudo, para nos ajudar a ter uma solução definitiva para a BR-101, na altura do Morro dos Cavalos, que hoje ainda coexiste com uma solução improvisada ainda numa época em que o nosso comum amigo José Eduardo Cardozo, então Ministro da Justiça, negociou, em nome do Ministério da Justiça, uma construção de uma precária terceira faixa, ao longo do Morro dos Cavalos, em função de uma possível homologação de uma terra indígena - homologação essa mais do que discutível, caso viesse a ocorrer.
Então, lamento por trazer uma situação presente, atual, do meu estado, num debate que é eminentemente legislativo, e que amanhã terá o seu momento mais elevado com a votação no Plenário do Senado.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Senador Esperidião Amin, pelas palavras. Eu espero que realmente se encontre uma solução definitiva. Nós, na Bahia, também vivemos esse problema em algumas BRs. Toda vez que você tem uma elevação em que se trafegam caminhões, os caminhões inevitavelmente reduzem muito, e a agonia de ultrapassar muitas vezes é causadora de vários dramas com perda de vida. Eu espero que se chegue a uma solução que realmente pacifique esse problema.
Eu passo a palavra agora ao Senador Rogério Carvalho, para a sua intervenção.
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discursar.) - Meus cumprimentos ao Sr. Presidente, Senador Jaques Wagner.
Em primeiro lugar, eu quero chamar a atenção, na condição de médico, para que uma das primeiras coisas que a gente aprende é que nenhum evento de saúde é causa-efeito. São várias causas que produzem uma doença ou que produzem uma dismorfia ou uma alteração fisiológica.
Eu quero também chamar a atenção para que os problemas de saúde mental não podem ser todos colocados na mesma corrente, como se todos eles fossem decorrentes do uso de substâncias que tenham um efeito alucinógeno ou que tenham algum efeito de mudança do funcionamento do cérebro.
Eu quero também chamar a atenção para que, quando a gente fala da proibição, e eu quero aqui resgatar a proibição da Lei Seca, nos Estados Unidos; foi onde nasceu a máfia... A máfia, como nós conhecemos, nasceu da Lei Seca nos Estados Unidos e, por isso, ninguém deixou de consumir álcool nos Estados Unidos no período da Lei Seca.
Eu quero também chamar a atenção para que nós não estamos tratando de descriminalizar o uso, quer dizer, de descriminalizar as drogas, porque a ideia que está se passando aqui é a de que nós estamos descriminalizando as drogas. Ninguém está descriminalizando droga nenhuma, nem a maconha, nem nenhum outro tipo de drogas psicoativas, nenhum tipo! (Palmas.)
É preciso dizer isso de forma clara, para não enganar a sociedade, porque depois vem fake news: "Ah, o Senador Rogério foi a favor da descriminalização das drogas", porque esse não é o debate. O debate é: o uso e o que é quantidade para uso individual, que está no âmbito das liberdades individuais, que está garantido pela Constituição como cláusula pétrea, e o que é quantidade, o que é considerado tráfico de drogas.
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Eu quero chamar a atenção dos Srs. Parlamentares e das Sras. Parlamentares, porque, aqui, nós estamos fazendo um debate dizendo que nós estamos reagindo ao STF. E nós estamos deixando em aberto para que agentes públicos aumentem o seu poder discricionário sobre a vida dos indivíduos e sobre as liberdades individuais. Isto é muito grave: você transferir para autoridades, sejam elas quais forem, de forma discricionária, a definição sobre o futuro das pessoas.
Eu vou contar um fato, Sr. Presidente.
(Soa a campainha.)
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Essa semana, instalaram uma tecnologia de identificação facial. Tudo bem: a tecnologia veio para ajudar na segurança. Mas foi uma mulher preta e um homem preto que foram presos: num evento público, uma mulher preta e, num jogo de futebol, um homem preto, por discricionariedade. Não foi a tecnologia. Foi a discricionariedade de um agente público, que foi lá e separou, no meio da multidão, como separam, no meio da multidão, quem são os pobres e os pretos, que estão mais vulneráveis.
E vou lhes dizer, para concluir, porque o nosso tempo é mais curto: 40% das mulheres que estão encarceradas foram condenadas por tráfico de drogas. Houve um aumento significativo.
(Soa a campainha.)
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - São dados. Então, eu não estou entendendo. E por quê? Porque aumentou a discricionariedade. A maioria são pretos periféricos ou pretas periféricas, porque aumentou a discricionariedade!
Então, nós temos que discutir aqui o tema central desta PEC: aumentamos ou não aumentamos a discricionariedade dos agentes públicos através de uma PEC? Ao fazer isso, nós estamos tirando da cláusula pétrea, que diz que a gente tem que ter a liberdade, e dando a nossa liberdade para o agente público estabelecer qual é o tamanho dela. Vamos ser honestos! Quando a gente quer - para concluir, Sr. Presidente - resolver um problema, a gente resolve...
(Soa a campainha.)
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - ... encarando o problema.
Eu vou dar um exemplo: aleitamento materno. E, aqui, tem um médico: Osmar Terra, pediatra. O aleitamento materno foi criminalizado no Brasil, criminalizado, porque diziam que o leite materno era fraco e introduziram o leite de vaca, com várias fórmulas. E nós revertemos. Sabem por quê? Porque a gente assumiu que o aleitamento materno era o melhor para a criança. Quando a gente assumiu que o tabaco fazia mal - e foi o sistema público de saúde, o Brasil é campeão nisso -, a gente reduziu o tabagismo. Então, quando a gente pega determinados problemas e coloca debaixo do tapete, a gente só aumenta a discriminação, a gente não resolve o problema, a gente adia o problema e aumenta o sofrimento social...
(Soa a campainha.)
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - ... humano e de saúde pública da população brasileira.
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Pelo amor de Deus, a hipocrisia não vai salvar o povo brasileiro. Abaixo a hipocrisia que domina a política brasileira neste momento! (Palmas.)
Por isso, o que está em discussão é, concluindo, o excesso de discricionariedade. O que é discricionariedade? É dar para o agente público dizer o que é certo e o que é errado. Transferir para o outro a sua própria liberdade. E, disso, nós não podemos ser a favor. Não estamos aqui tratando de descriminalização de nenhum tipo de droga.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Senador Rogério Carvalho.
Eu passo a palavra agora à Senadora Damares Alves, para o seu pronunciamento.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Pela ordem.) - Presidente, me permite falar da bancada?
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Claro.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Para discursar.) - Aí eu ganho tempo.
Sr. Presidente, quero cumprimentar todos os debatedores. Parabéns pela apresentação!
Confesso que fiquei sentada aqui esperando mudar o meu voto, amanhã, mudar o meu convencimento, mas nenhum elemento novo foi trazido que me tirasse do que eu acredito.
Quando eu leio ali, quero chamar a atenção: a PEC é para criminalizar a posse e o porte do crack, da heroína, da cocaína, da merla e do K9. Eu acho que preciso dar nomes aos entorpecentes e às drogas. Eu não entendo muito de maconha, mas eu entendo bem de crack. Aos 14 anos de idade eu já estava...
(Manifestação da plateia.)
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Aos 14 anos de idade eu já estava cuidando...
Aos 14 anos de idade eu já estava cuidando...
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Oh, amigo...
(Manifestação da plateia.)
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - ... de usuários. Aos 14 anos de idade eu já estava cuidando de usuários. Eu perdi um irmão para a droga.
Eu sei o que são as drogas. Eu trabalho com mães de dependentes químicos, há quase 45 anos.
Aqui no auditório, eu peço que a TV Senado não mostre o lado de cá da galeria, nós temos ex-usuários que estão aqui dizendo: "Não façam isso! Não brinquem com drogas!". Porque nós estamos numa guerra e a guerra é contra as drogas. (Palmas.)
E em guerras, Presidente, a gente toma medidas duras; em guerras, a gente usa as armas que a gente tem. E hoje o que está posto não está dando certo. E nós temos aqui uma medida que pode dar certo. É crime portar, é crime ter a posse - é crime - do crack, da merla, da cocaína. É crime.
O que nós não queremos é que os pais não tenham mais o argumento de dizer para os seus filhos: "É crime". Se a gente não criminalizar... Muitos pais só tem esse argumento para dizer para um adolescente: "Não se aproxime do crack, porque é crime. Não se aproxime da cocaína, porque é crime". Infelizmente, esse ainda é o maior argumento que os pais têm no Brasil.
Não temos Caps para tantos adolescentes dependentes de droga no Brasil.
Eu queria que este auditório estivesse cheio de gente lutando por mais Caps, por mais política pública, por mais educação, e não pessoas vindo aqui dizer: "Vamos legalizar geral! Vamos liberar geral".
E eu quero lembrar aos nossos Senadores o seguinte: nós somos uma nação continental, 16 mil quilômetros de fronteira terrestre, 7 mil quilômetros de fronteiras marítimas, fazemos fronteira com dez países, nós temos 207 milhões de habitantes; o Uruguai tem 3 milhões. É fácil descriminalizar as drogas, é fácil liberar no Uruguai. Venham para um país com 16 mil quilômetros de fronteiras. Tudo isso precisa ser considerado, estamos perdendo para as drogas, estamos perdendo essa guerra; e essa PEC é uma arma poderosa nesta guerra, é uma arma poderosa na luta contra as drogas.
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Nenhum que falou aqui me convenceu do contrário. O STF acha que a arma poderosa é legalizar. Nós, que representamos o povo, que estamos nas periferias; eu, que vim da periferia; eu, que vim de família que teve usuários; eu sei qual é o caminho. E o caminho é: crime, portar drogas...
(Soa a campainha.)
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - ... crime, vender drogas; crime, ter a posse das drogas.
Parabéns, Presidente, pelo debate. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Senadora Damares, pela sua intervenção.
Eu passo a palavra agora ao Senador Eduardo Girão.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para discursar.) - Paz e bem, Sr. Presidente, Senador Jaques Wagner, eu queria cumprimentá-lo pelo espírito democrático. Eu confesso que quando a gente aprovou esta sessão de debates aqui, na semana passada, eu disse: "Mas outra? A gente já fez na CCJ, já fez no Plenário do Senado, outra é para protelar, é para...". Mas eu quero lhe pedir desculpa, pedir desculpa, porque eu acho que foi muito importante este debate. Todos os palestrantes aqui estão de parabéns.
Eu quero saudar segmentos da sociedade brasileira que aqui vieram, de um lado, do outro lado também. Quero saudar as comunidades terapêuticas de Goiás aqui presentes (Palmas.) e dizer que esse é o espírito: o respeito. Ficaram lado a lado grupos que pensam diferente, e se respeitando. Eu acho que é isso que a gente precisa no Brasil.
Mas nós precisamos entender por que nós estamos aqui. É porque o Supremo Tribunal Federal invadiu a competência desta Casa, que já votou duas vezes sobre a matéria, dizendo: "Tolerância zero". E um detalhe: uma no Governo Lula, em 2006; e outra no Governo Bolsonaro; em 2019. E outro detalhe: os dois Presidentes da República, Lula e Bolsonaro, sancionaram a lei criminalizando o porte e posse de droga. Por isso nós estamos aqui, porque precisa desenhar. Infelizmente, com essa invasão de competência, precisa desenhar.
Estava conversando com o Senador Jaques Wagner: "Mas já existe uma lei para isso, nós estamos apenas reforçando algo que existe". Não deveria realmente precisar, porque a lei contempla. A lei é uma lei em que ninguém hoje é preso pelo porte e droga. Não é, é fato. Nós fizemos debates sobre isso, analisamos dados sobre isso.
Agora, eu fico extremamente preocupado quando eu vejo alguns argumentos... Respeito, é o direito de cada um colocar. Agora, há argumentos aqui dizendo que a história da humanidade sempre teve droga, querendo dar uma glamourizada, querendo dar uma flexibilizada. Eu até anotei aqui e amanhã eu vou falar também. Eu quero respeitar o tempo, porque o Senador Jaques Wagner tem um exame para fazer, mas eu vou fazer uma alegoria com vocês aqui. Aí falaram do álcool: "Não, mas o álcool está liberado. Por que é que a maconha não pode ser descriminalizada?". Eu quero fazer uma alegoria bem simples: um carro está descendo em uma ladeira, o freio está ruim, aí você diz: "Não, vamos resolver o problema! Tira o freio! Deixa descer!". Essa é uma alegoria bem clássica do que está acontecendo aqui! O álcool nós temos que restringir! Eu tenho um projeto de lei nesse sentido, para evitar dentro de estádio de futebol, para não ter propaganda em certos horários, como foi feito com cigarro. Então, Sr. Presidente, deixando muito claro: para o trabalho do Senador Efraim, a gente tem que tirar o chapéu. Ele ouviu - e eu sou testemunha -, exaustivamente, os dois lados. A iniciativa é do Presidente desta Casa, que tem um histórico, que conhece, é um jurista dessa área também, criminal, está amadurecido.
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Eu acho que amanhã o Brasil vai receber desta Casa uma resposta firme daquilo que nós - 513 Deputados, 81 Senadores e dois Presidentes da República - já deliberamos: deixar claro que essa é prerrogativa desta Casa.
Eu vi, em algumas apresentações também aqui, com todo o respeito, que me parece existir conflito de interesse, porque, de uma certa forma, representam empresas de venda de questão de medicamentos... Nesse tipo de coisa, a gente tem que deixar muito claro os conflitos de interesse.
Então, Sr. Presidente, quero lhe agradecer muito pela oportunidade e dizer que este debate ratificou, em quem está assistindo - eu estou recebendo o tempo todo aqui mensagens - o conceito importante de que a tolerância à droga tem que ser zero.
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muita paz! Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Senador Girão, pela sua intervenção.
Com a fala do Senador Girão, estão encerradas as inscrições de Senadores e, portanto, entendo, cumprida a finalidade. Como não foi feita por nenhum Senador pergunta direcionada a qualquer um dos 11 debatedores, eu não vou fazer o que seria convencional de chamar a réplica e, eventualmente, tréplica, na medida em que se externaram conceitos, ora concordando com alguns, ora concordando com os outros, mas não foi feita pergunta.
Então, nesse sentido, eu quero agradecer muito a todos os debatedores. Eu insisto que o único caminho que eu enxergo para a democracia é o aprofundamento das questões, é o debate mais verdadeiro, tentando digerir e esclarecer para a sociedade. Eu acho que o processo de fake news ou qualquer coisa desse tipo não nos ajuda e nem a mera simplificação de um debate tão complexo quanto este que nós estamos fazendo agora. Existem argumentos pró e contra, todos eles foram muito bem colocados aqui. E, evidentemente, os Srs. Senadores e as Sras. Senadoras amanhã externarão cada qual a sua convicção, através do voto.
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É a primeira rodada de votação. Se for cumprido o Regimento, nós teremos ainda três sessões de debates aqui na Casa, internamente, entre os Senadores; e, aí sim, iremos para o segundo turno da votação. E, depois, a PEC será - se for aprovada aqui - levada à Câmara dos Deputados para a votação na outra Casa, lembrando que as emendas constitucionais só são aprovadas quando o texto do Senado e da Câmara são absolutamente coincidentes. Diferentemente do processo legislativo em leis ordinárias ou mesmo leis complementares, em que sempre se volta à Casa de origem, no caso da PEC ela vai e volta, em tese, tantas vezes quantas forem necessárias para que as duas Casas coincidam exatamente no texto da votação.
Dito isso, eu agradeço a presença de todos vocês que aqui vieram assistir ao debate, e considero cumprida a finalidade e, portanto, encerrada esta sessão. (Palmas.)
(Levanta-se a sessão às 17 horas e 25 minutos.)