2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
57ª LEGISLATURA
Em 4 de julho de 2024
(quinta-feira)
Às 14 horas
96ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão especial foi convocada em atendimento ao Requerimento nº 115, de 2024, de minha autoria e de outros Senadores e Senadoras do conjunto da Casa, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A sessão é destinada a celebrar os 200 anos da imigração alemã para o Brasil.
Já fazem parte da mesa, com muita honra, com muita alegria, com uma acolhida enorme desta Casa, os seguintes convidados:
Sra. Bettina Cadenbach, Embaixadora da Alemanha em Brasília.
Seja muito bem-vinda. (Palmas.)
Sr. Arno Wehling, ocupante da 37ª Cadeira da Academia Brasileira de Letras, Professor, Acadêmico, Advogado e um dos grandes especialistas brasileiros na área da História da Imigração. Foi Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de 1996 a 2019. Apresentará um panorama das diversas fases da imigração alemã no Brasil e dos desdobramentos da imigração na formação da nossa sociedade brasileira.
Muito bem-vindo. (Palmas.)
Sr. Márcio Schiefler Fontes, ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça e Juiz Titular em Joinville, Santa Catarina, a maior cidade fundada por colonizadores alemães. Foi Juiz Auxiliar do falecido Ministro Teori Zavascki e é participante de diversas iniciativas de preservação da memória da presença germânica em nosso país. Falará também, como membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, sobre a importância das relações entre Brasil e Alemanha na área do direito.
Seja muito bem-vindo também. (Palmas.)
Sr. Rui Vicente Oppermann, Diretor de Relações Internacionais da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ex-Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professor e Administrador público, que falará sobre a importância das relações acadêmicas entre os dois países. Tecerá algumas considerações sobre desdobramentos dessa cooperação na economia brasileira, desenvolvimento tecnológico, aprimoramento de cadeias produtivas e formas de organização do trabalho e da produção.
Muito bem-vindo também. (Palmas.)
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Sra. Deise Perfeito, Diretora do Colégio Estadual Professora Eliane Martins Dantas Brasil-Alemanha - uma das mais importantes iniciativas públicas de ensino de língua alemã no país -, no Rio de Janeiro. Ela fará um relato sobre a iniciativa exemplar da educação básica fora da Região Sul em uma escola de excelência, em período integral, atendendo, na imensa maioria, alunos socioeconomicamente desfavorecidos.
Seja muito bem-vinda. (Palmas.)
Também farão parte desta iniciativa dois convidados muito estimados, que não estão sentados aqui à mesa, mas estão na bancada, na primeira fileira. Considerem a bancada como se fosse a extensão desta mesa.
Sejam muito bem acolhidos.
Sra. Gisela Spindler, Professora de Alemão, Presidente eleita da Associação Brasileira de Professores de Alemão em Ivoti, Rio Grande do Sul. Ela falará sobre o ensino de alemão hoje em todo o país.
Muito bem-vinda, Gisela. (Palmas.)
Corrija-me: Spindler.
O caro Professor e amigo Paulo Soethe, da Universidade Federal do Paraná. Somos colegas na universidade; eu, já aposentado. O Prof. Paulo, aqui presente, é uma pessoa, assim, da mais alta competência, Pós-Doutor em Letras, Língua e Literatura Alemã, Professor Titular de Língua e Literatura Alemã, cedido, até maio de 2024, para a Universidade Federal Fluminense para o desenvolvimento de projetos de pesquisa. Ele fará uso da palavra para refletir sobre ações para o resgate da memória histórica do idioma alemão em nosso país - o alemão já foi uma das línguas brasileiras -, em especial sobre a digitalização e apresentação de documentos históricos produzidos em alemão, um deles está sobre as bancadas também; ademais, fará considerações sobre a conveniência de oferta de uma segunda licenciatura em Letras Alemão, de alcance nacional, projeto que está em debate com a Capes.
Uma salva de palmas. (Palmas.)
Convido a todos e a todas para, em posição de respeito, acompanharmos o Hino Nacional brasileiro.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Para discursar - Presidente.) - Senhoras e senhores, comemorar os 200 anos da imigração alemã para o Brasil é celebrar uma parte importante da história da construção de nosso país.
Em 1824, quando chegaram os primeiros imigrantes alemães, o Brasil era uma nação que acabara de se tornar independente e, em muitos sentidos, uma nação em construção. Foi também naquele ano que ocorreu a fundação do Senado Federal, que está completando 200 anos, outro marco importantíssimo para a formação de nosso país.
De lá para cá, a contribuição dos imigrantes alemães para a constituição deste novo país foi decisiva. Com eles, vieram novas práticas, novos hábitos e novas visões de mundo que se somaram às contribuições das muitas culturas que já formavam o nosso Brasil. Aos poucos, mesmo não sendo numericamente majoritários, deixaram uma marca imediatamente reconhecível em nossa paisagem cultural, ao mesmo tempo em que souberam preservar e valorizar as suas raízes.
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As centenas de milhares de imigrantes que chegaram ao longo desses 200 anos frutificaram em uma posteridade composta de milhões de descendentes, entre os quais eu me incluo. Ao longo desse tempo, muitos alcançaram grande destaque em diversas frentes, nas artes, nas ciências, na política, nos esportes, na economia ou nos negócios.
É, portanto, com grande satisfação, orgulho e gratidão que celebramos, hoje, nossa herança germânica, trazida pelos imigrantes e tornada parte integrante de nossa nação, Brasil, uma herança que é de todos os brasileiros e brasileiras, não se tratando de uma presença regional, circunscrita aos estados do Sul, mas, sim, de uma participação positiva dessas comunidades em todo o território nacional. Cito, por exemplo, a contribuição de indivíduos de ascendência alemã no combate à escravidão, como foi o caso de João Clapp, membro da Confederação Abolicionista e pioneiro em promover a educação gratuita para ex-escravizados.
Durante o século XIX, o louvor do trabalho livre se tornou o cerne dos debates conduzidos em língua alemã em nosso país, figurando como tema de inúmeros jornais produzidos nesse idioma em diversas cidades brasileiras, não apenas em Joinville, em Blumenau, em Curitiba ou em Porto Alegre, mas também em São Paulo e no Rio de Janeiro. Há de se destacar ainda a influência alemã na expansão de práticas educacionais e formativas voltadas ao trabalho, o que marcou o desenvolvimento de algumas cidades e regiões, mas é hoje legado de todos, contribuindo para a valorização da educação profissionalizante em nosso país.
Ainda no campo educacional, devemos destacar o amplo esforço para oferta do idioma alemão no Brasil em âmbito escolar. Aqui cabe enaltecer o trabalho que vem sendo empreendido pelos departamentos de alemão hoje presentes em 15 instituições de ensino superior brasileiras - como é o caso da Universidade Federal do Paraná (UFPR) -, responsáveis pelos cursos de Licenciatura em Letras Português e Alemão, por meio dos quais são formados professores de alemão em nosso país. Destaco também iniciativas, como o Programa de Desenvolvimento de Professores de Alemão e o Programa de Assistente de Ensino de Língua Alemã para Projetos Institucionais, que oferecem cursos de aperfeiçoamento e de formação continuada para professores do idioma em parceria com instituições alemãs.
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Não há dúvida de que são iniciativas fundamentais para a promoção da língua alemã no Brasil, favorecendo ainda mais a cooperação. Aqui está, inclusive, a Sra. Embaixadora germano-brasileira.
Para concluir, reforço o entendimento, compartilhado pelos membros desta Casa, de que nosso país e nossa cultura se tornaram ainda mais ricos em função da decisiva contribuição dada pelos imigrantes alemães e seus descendentes.
A todos e todas que adotaram o Brasil como sua pátria ao longo desses 200 anos deixo aqui as minhas congratulações e a expressão de minha admiração por sua história e pelo legado que construíram em nosso país.
Muito obrigado. (Palmas.)
Neste momento, solicito à Secretaria-Geral da Mesa a exibição de vídeo institucional preparado pela Embaixada da Alemanha no Brasil.
(Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Em primeiro lugar, nós vamos passar a palavra à Senadora Ivete da Silveira, que representa neste Senado Federal o Estado de Santa Catarina; é oriunda do Município de Joinville e gostaria de fazer uso da palavra.
Então, com a palavra, V. Exa., Senadora Ivete da Silveira.
A SRA. IVETE DA SILVEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SC. Para discursar.) - Boa tarde, Sr. Presidente - muito obrigada pela oportunidade -, Sra. Embaixadora da Alemanha, Bettina Cadenbach; Sr. Juiz de Direito, ex-Conselheiro Nacional de Justiça, Márcio Schiefler; membro da Academia Brasileira de Letras, Sr. Arno Wehling; Sr. Diretor de Relações Internacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Sr. Rui Vicente Oppermann; Sra. Diretora do Colégio Estadual Professora Eliane Martins Dantas Brasil-Alemanha, Deise Perfeito; Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, distintos convidados, este ano comemoramos os 200 anos da imigração alemã no Brasil, cujo marco inicial é a fundação da Colônia de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 25 de julho de 1824.
No século XIX e no século XX, cerca de 260 mil alemães chegaram ao Brasil, dando origem a uma população de aproximadamente 10 milhões de descendentes teuto-brasileiros.
É importante destacar que os imigrantes alemães não vieram ao Brasil com a intenção de explorar nossas riquezas para levá-las a seu país de origem. Pelo contrário, eles vieram com a firme intenção de tornar o Brasil o seu novo "heimat", a sua nova pátria. Nesse contexto, os alemães promoveram uma verdadeira revolução na agricultura brasileira, caracterizada pela predominância de pequenas propriedades e produções diversificadas, nos moldes da cultura camponesa da Europa Central.
A principal característica dos imigrantes alemães foi a sua capacidade de se integrar ao contexto geográfico, social e climático brasileiro, sem abdicar de suas vigorosas raízes culturais. Aonde quer que chegassem, fundavam escolas, hospitais, igrejas e jornais, exercendo uma forte influência sobre a cultura brasileira.
A influência alemã permeia diversas expressões culturais brasileiras, seja na música, na literatura, nas artes plásticas ou na arquitetura. Vejamos alguns exemplos: nossos mais belos prédios foram projetados por Oscar Niemeyer, descendente de Konrad von Niemeyer, nascido em Hanover; nossos mais belos jardins foram criados por Roberto Burle Marx, filho de Wilhelm Marx, nascido em Trier; e nossas mais belas melodias, as Bachianas Brasileiras, foram compostas por Heitor Villa-Lobos, inspirado pela obra de Johann Sebastian Bach, o maior compositor alemão de todos os tempos.
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Talvez a palavra que melhor defina os 200 anos de imigração alemã no Brasil seja integração, uma integração onde a necessidade coletiva de vencer adversidades e de perseguir interesses comuns amalgamou, de forma indissolúvel, o espírito dos imigrantes alemães à sua nova pátria, o Brasil.
Hoje, celebramos este bicentenário e rendemos homenagem a todos os imigrantes que, com coragem e perseverança, construíram um futuro melhor para as suas famílias e para nosso país. Reconhecemos as suas contribuições na área da agricultura, indústria e educação, onde os alemães foram pioneiros e líderes.
Que possamos continuar a honrar a memória de nossos antepassados e trabalhar juntos para construir um Brasil mais justo, próspero e acolhedor para todos, como é a nossa vocação.
A todos, o meu muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço muito, Senadora Ivete. Foram muito interessantes os exemplos. Estamos, aqui, em uma obra projetada por Niemeyer, não só esta, mas toda a cidade de Brasília também, para testemunhar e atestar a influência da arquitetura, do conhecimento, da amizade germânica, nessa integração, como foi dito, com o Brasil.
Quero destacar e agradecer a presença das seguintes autoridades: Andrea Holzwarth, Assessora de Cultura da Embaixada da Alemanha; Claudia Seidler, Chefe do Departamento de Imprensa e Cultura; Daniel Varginchin da equipe técnica; Mariana Holbach, estagiária; Hans-Ulrich von Schroeter, Conselheiro da Embaixada da Alemanha.
Mais ou menos, não é? (Risos.)
Mais ou menos. Então, está bom...
Natascha Heinicke, estagiária da Embaixada Britânica, Sra. Susan Abbott, Secretária de Assuntos Políticos Multilaterais da Embaixada do Líbano; Sra. Carla Jazzar, Chefe de Missão na Embaixada dos Países Baixos; Embaixador André Driessen, Embaixador da Suíça; Sr. Pierre Morier, Encarregado de Negócios; e Sra. Simone Schönenberger, Terceira Secretária; Embaixada da Ucrânia: Sr. Andrii Borodenkov, Conselheiro; Câmara dos Deputados: Deputado Federal Carlos Henrique Gaguim; Universidade de Brasília: Profa. Dra. Adriana Barbosa, professora efetiva de alemão, e Profa. Clara Isabell Le Blanc, professora também, leitora, de alemão; alunos de alemão...
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A Sra. Embaixadora, ontem, conversando sobre os convidados, achou muito interessante essa representação dos diversos aspectos da língua alemã em nosso país, particularmente alunos e professores.
Alunos Alexandre Alcântara de Oliveira e Bárbara Stéfany Menezes dos Santos; Centro Interescolar de Línguas nº 1 de Brasília: Dóris Scolmeister da Silva, diretora, e Núbia Batista de Souza, supervisora; corpo docente: Prof. João Bosco Fontão, Prof. Marvin Kenji Nakagawa e Profa. Renata Portella, coordenadora de alemão; e alunos de alemão Bruno Portella e Letícia Garcez.
Quero também agradecer a presença do Sr. Rodrigo Fachini, ex-Presidente da Câmara de Vereadores de Joinville-SC, do Sr. Marcelo Szynkaruck, da Secretaria de Segurança de Itajaí-SC, e do Sr. Marcelo Osório, Diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Proteína Animal.
Quero cumprimentar todas as demais pessoas, todos os presentes aqui, no Plenário do Senado Federal, também cumprimentar todos e todas que nos acompanham pelos meios de comunicação do Senado Federal pelo Brasil e agradecer a cobertura, inclusive, dos meios de comunicação do Senado Federal para esta sessão especial que celebra - a palavra é bonita - os 200 anos da imigração alemã no Brasil.
Muito bem. Neste momento, concedo a palavra ao Sr. Arno Wehling, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras, por dez minutos.
Pode utilizar, caso deseje, a tribuna aqui da direita, como considerar melhor.
Com a palavra.
O SR. ARNO WEHLING (Para discursar.) - Sr. Senador Flávio Arns, Presidente desta sessão, Sra. Embaixadora Bettina Cadenbach, representante da República Federal da Alemanha, ilustres membros da Mesa, autoridades presentes, Sra. Senadora, eu, em primeiro lugar, quero agradecer o convite que me foi formulado pelo Prof. Paulo Soethe para estar aqui em meu nome pessoal e no da Academia Brasileira de Letras.
Eu quero fazer, nos minutos que me foram concedidos, uma breve reflexão como historiador, sobretudo...
(Soa a campainha.)
O SR. ARNO WEHLING - ... a propósito do início da colonização alemã no Brasil e sobre alguns de seus traços relevantes e questões que ela pode suscitar ao longo de seu desenvolvimento até hoje.
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A comemoração do bicentenário da colonização alemã no Brasil nos recorda que, com a fundação do estabelecimento de São Leopoldo, em 1824, tornou-se mais intensa a presença germânica no Brasil. E por que mais intensa? Porque, ainda no século XVI, houve a participação de mestre João, médico de D. Manuel I, na expedição de Cabral, o engenho depois fundado por Erasmo Schetz, em São Vicente, na década de 1530, e a aventura de Hans Staden, nos anos 1550. E ainda a contribuição da cultura alemã no que já foi chamada a "nova descoberta do Brasil" pela Europa, no início do século XIX, com a vinda, por diferentes motivos, de Eschwege, Pohl, Spix, Martius, Wied-Neuwied, Varnhagen, Neukomm, Natterer e o profundo interesse pelo país revelado na curiosidade universal e insaciável de Goethe.
O início da colonização alemã pode ser considerado o ponto de confluência de dois processos, um no Brasil, outro na Alemanha.
No caso brasileiro, o país saía da condição colonial com a independência e precisava construir a sua soberania, necessitando encontrar alternativas ao sistema colonial, inclusive para o problema da escravidão, que marcava profundamente a economia, a sociedade e a cultura. Buscava também, como já se fazia desde o Governo de D. João VI, alternativa à forte influência inglesa, razão principal da aliança com a Áustria por meio do casamento do Príncipe Herdeiro D. Pedro com a Princesa Leopoldina, filha do Imperador Francisco I.
No caso alemão, ocorria em algumas regiões a Revolução Industrial, com o deslocamento de significativa parcela da população dos campos para as cidades, constituindo um excedente de mão de obra com baixa ou nenhuma remuneração. Sem unidade política, as áreas de língua alemã constituíam um mosaico heterogêneo dos pontos de vista político, econômico, cultural e religioso. Nele conviviam um império, o austríaco, vários reinos, cidades livres e principados leigos e eclesiásticos. Nesse contexto se deu a primeira experiência colonizadora alemã, com a fundação, em 1824, da "colônia alemã de São Leopoldo", no Rio Grande do Sul, denominação que homenageava a então já imperatriz D. Leopoldina e que, de início, consistiu em 39 imigrantes, 33 luteranos e 6 católicos, denotando suas diferentes origens geográficas e culturais.
O marco inicial representou uma primeira conjuntura do processo imigratório alemão, a que se seguiu a colônia Rio Negro, na futura província do Paraná, que ainda não existia. Como todo processo, entretanto, ocorreram outras conjunturas sucessivas e diferentes situações que o caracterizaram. Podem assim ser lembrados outros marcos posteriores, cuja seleção não é exclusiva, podendo existir outros referenciais, como a experiência do sistema de parceria nas terras do Senador Nicolau Vergueiro, em São Paulo - que não foi apenas de alemães -; o ritmo imigratório permanente posterior a 1848, com a fundação sucessiva, na década de 1850, de Blumenau, Joinville, Nova Petrópolis e Brusque; e, a partir da virada do século XIX para o XX, um fluxo relativamente contínuo que teve seus pontos altos nos anos posteriores à Primeira e à Segunda Guerra Mundial.
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A colonização em São Leopoldo, a experiência de Vergueiro e a imigração pós 1848 se explicam, em grande parte, pelo lado brasileiro, na necessidade de extinguir o tráfico de escravizados e abolir a escravidão, substituindo-a pelo trabalho livre. Particularmente, a partir de 1848, o Brasil passava a ter um período longo de estabilidade política, com a consolidação da monarquia e seu encaminhamento institucional para uma réplica do parlamentarismo inglês.
Ao contrário, na Alemanha - ainda apenas uma expressão geográfica e cultural, não política -, havia instabilidade. Aprofundava-se a industrialização, distinguindo-se a área ocidental da oriental, e acentuavam-se as divisões ideológicas que explodiram, aliás, por toda a Europa, nas revoluções de 1848, e acabaram por configurar o Sonderweg alemão, um caminho institucional, social e econômico diverso dos modelos políticos do liberalismo constitucional.
São conhecidos, pelos estudos históricos e por grandes obras literárias, os desafios representados pelas migrações, quer em escala individual, quer coletiva.
Para os imigrantes, há necessidade de adaptação a uma nova língua, a costumes e alimentação diversos, a atividades econômicas que, muitas vezes, também demandavam estratégias adaptativas. A imigração alemã no Brasil concentrou-se, como acontece majoritariamente nessas situações, na construção de sua base material, contribuindo para o delineamento de um novo modelo econômico fundado na pequena propriedade, no trabalho livre e na diversificação de produtos a comercializar. Desde cedo, deixou de ser exclusivamente rural e de alto consumo, disseminando atividades agrícolas e manufatureiras, situação favorecida, na Primeira Guerra Mundial, pela primeira substituição de importações bem-sucedida no Brasil.
O foco na vida material, porém, não significava a ausência de atividade cultural, exemplificada na pujança da imprensa em língua alemã, desde o século XIX, e mesmo a presença, embora menor, na vida política. Deve ser lembrada, neste ponto, a carreira, entre outras, de Lauro Muller, na Primeira República, Governador de Estado, Senador e Ministro de Estado das Relações Exteriores, sucessor, neste cargo, de ninguém menos que o Barão do Rio Branco e também membro da Academia Brasileira de Letras.
Para o Brasil, país que os recebia, os desafios também não eram poucos. A transição para o trabalho livre era um esforço não apenas econômico, mas de reformulação de quadros mentais e estruturas simbólicas, profundamente marcadas pela escravidão e pela consequente desvalorização do trabalho manual.
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No âmbito social, não era menor o problema representado para a organização institucional e jurídica do país do imigrante acatólico num país cuja Constituição no Império permitia a liberdade de culto, mas que tinha o catolicismo como religião oficial - aliás, eu tive um orientando de doutorado que fez a tese dele exatamente sobre esse grande problema de como legitimar a imigração acatólica.
Não é exagero concluir que o registro civil, criado na década de 1850 - anteriormente feito nas paróquias católicas -, o casamento civil e a grande naturalização, estes determinados no início da República, ligaram-se diretamente à necessidade de regularizar a vida de imigrantes e seus descendentes.
Existiu igualmente, como agora se dá na Europa, o temor ao comprometimento e mesmo à perda da identidade nacional com as correntes imigrantes. Esse medo à desnacionalização refletiu-se nos meios intelectuais com manifestações negativas em relação à presença de estrangeiros no país que, se não foram dominantes, foram significativas e tiveram mesmo saldos positivos, como estimular os Governos Federal, estaduais e municipais, já na República, a ampliar a escolarização nas áreas de maior densidade demográfica imigrante, a fim de evitar o isolamento social.
Refletiram também um aspecto negativo: o temor ante a autoridade e a repulsa ao diferente, cujas consequências foram e são, em todo o mundo, recorrentemente perigosas em diferentes situações.
A evidência da imigração alemã para o Brasil, como a de tantos outros povos, demonstra como as migrações, gerando miscigenação biológica e cultural, longe de criar guetos e substituição de uma identidade por outra, foi capaz de estimular o surgimento de uma sociedade afluente e de trazer novos aportes que se incorporaram ao processo permanente de formação do povo brasileiro - como o Senador Arns lembrou -, enriquecendo-o e estimulando atitudes de valorização da complementaridade e da tolerância.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço ao senhor, Dr. Arno Wehling, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras.
Concedo a palavra, em seguida, ao Sr. Márcio Schiefler Fontes, Juiz de Direito em Santa Catarina e ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, por dez minutos também.
O SR. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES (Para discursar.) - Sr. Presidente, Sra. Embaixadora, representando a República Federal da Alemanha, eu me apresento aqui, intimado pelo Prof. Paulo Soethe, para que dissesse algumas palavras sobre as relações entre Brasil e Alemanha na área do Direito, das quais muito já se escreveu, contextualizadas ainda pelo processo de imigração que ora comemoramos e, se não bastasse, com a exigência dele, de que eu, nas minhas considerações, incluísse minha trajetória familiar, naturalmente centrada em Santa Catarina. O único facilitador que me ampara nesse desafio imposto é estarmos no Congresso Nacional, a verdadeira Casa da soberania popular, entre amigos e mesmo entre familiares, como passarei a demonstrar. O meu amigo Paulo, consagrado, em ambos os países, como professor de língua e literatura alemã, é um benemérito das relações culturais Brasil-Alemanha e o principal responsável pelo milagre do renascimento do ensino da língua alemã na rede pública brasileira, a partir de experiência que tenho a felicidade de acompanhar, desde o seu começo, na nossa Joinville.
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Há um segundo milagre operado por ele, menor e certamente insuficiente para a canonização, que foi ter revigorado minha fé no ensino universitário, quando meu professor no mestrado, na árida disciplina de Tradução de Textos Filosóficos.
Sr. Senador Flávio Arns, a quem, desde logo, parabenizo por esta e por outras iniciativas de valorização da memória cultural do nosso país, nesta efeméride tão significativa que, acima de tudo, mantém nosso foco no Rio Grande do Sul, a partir do mesmo Vale do Rio dos Sinos, recém devastado pelas enchentes, onde, há exatos 200 anos, começa a colonização de modo mais estruturado, ou ao menos mais visível, de povos de língua alemã no Brasil, num momento em que o Rio Grande é ou deveria seguir sendo hoje prioridade nacional.
Parabenizo-o também pela condução desses trabalhos e pela extensa folha de serviços prestados ao Paraná, também nosso estado irmão, onde tenho vários familiares, alguns muito próximos, outros mais distantes, como o próprio Senador Flávio Arns, cuja avó Helene Steiner, mãe de seu pai, da inesquecível Dra. Zilda Arns Neumann, cujo nome não vemos a hora de ver aposto à BR-101, em Santa Catarina, de D. Paulo, Cardeal Arns, todos catarinenses, tinha a sua avó Helene, Senador Arns, como uma de suas irmãs, Maria Steiner, que veio a ser a avó da minha sogra. Ambas coautoras da colonização alemã no sul de Santa Catarina, oriundas da região de Koblenz, de onde saíram grandes levas migratórias para o Brasil, perto de onde o Reno recebe as águas do Mosel, rio tornado célebre pelos primeiros estudos do filósofo alemão Karl Marx, segundo o qual, as ideias jamais podem ser separadas dos resultados que produzem na prática, uma regra que, todos sabemos, só não convém aplicar às ideias do próprio Marx.
Quero também saudar os demais integrantes da mesa, que cumprimento na pessoa do Prof. Arno Wehling, da Academia Brasileira de Letras, Presidente de Honra do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a quem busco emular, como grande apoiador que é do contínuo resgate, de que também temos participado ao longo dos anos, da memória do Poder Judiciário brasileiro. E que o acaso nos segue aproximando. Eu, ele, tantos aqui e muitos milhões de brasileiros de origem alemã. Eu, nascido em Florianópolis, com a mãe dele, Helena Ulbricht, e morador que sou de Joinville, a maior cidade brasileira fundada por alemães, como o pai dele, Eugen Theodor Wehling.
Sem querer me estender nos cumprimentos, quero, enfim, saudar a todos que nos acompanham neste Plenário e também pela TV Senado, muito especialmente os Parlamentares aqui presentes, que vejo daqui, a começar pela Senadora Ivete, cujo falecido marido, em mais de uma oportunidade, acompanhei discursar com largos trechos em alemão, o que até pouco tempo atrás, era comum em Santa Catarina.
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Quero lembrar também do Senador Esperidião Amin, que infelizmente não pôde estar presente, cuja sogra, a D. Pêpe Schmitt, prima da minha avó paterna, ambas falecidas e ambas da família - vasta família - de Lauro Müller, vasta família Müller, do Vale do Itajaí, cuja fecundidade estabeleceu a curiosa coincidência de fazer na colônia com que o sobrenome Müller se tornasse quase tão comum quanto nas terras alemãs de origem.
A lembrança, senhores, de Lauro Müller, não é gratuita. Faço-a, em primeiro lugar, como homenagem a este Senado, onde ele pontificou por quase 30 anos, poucas vezes interrompidos.
Jovem oficial do círculo mais próximo ao Marechal Deodoro, testemunha presencial e partícipe do 15 de novembro, sua designação como Governador de Santa Catarina, aos 26 anos, fez de nosso estado exceção, em que famílias de alemães recém-estabelecidas em terra brasileira passassem, literalmente, do dia para a noite, a compor a elite política da província, agora estado, o que, em outros lugares, levaria mais ou menos duas gerações para ocorrer.
Em segundo lugar, lembrar Lauro Müller, no Senado, que foi dele, também nos permite homenagear o Rio Grande, que muito amamos, rivalizando o Lauro notoriamente com o temido líder político gaúcho, Senador Pinheiro Machado, figura galvanizadora - ou polarizadora, como se diria hoje - da República Velha, assassinado no auge da influência política, ao deixar as instalações do velho Senado, no Rio de Janeiro.
Ambos de inteligência viva e espírito mordaz, deixaram que suas personalidades singulares os transformassem em profundos desafetos - apesar de defenderem os mesmos ideais -, não raro trocando farpas e agravos fortemente pejorativos, referindo-se, segundo consta, o segundo ao primeiro, como aquele "alemãozinho de Santa Catarina", enquanto o primeiro, ferido em sua sensibilidade familiar de origem, respondia referindo-se ao segundo como "um desses castelhanos", o que doía sobremaneira ao patriotismo gaúcho sabidamente exaltado.
De sua maneira extremada e representando estados que, na verdade, poderiam ser um só, antecipavam Lauro Müller e Pinheiro Machado as picuinhas e provocações quase infantis que gaúchos e catarinas, como dois vizinhos teimosos, gostam de trocar uns com os outros, mesmo compartilhando a mesma origem, a mesma geografia e até alguns dos nossos modos particulares de falar - onde o "tu" da língua italiana e o "du" da língua alemã seguramente mais acentuaram e mantiveram, dentre todas as regiões brasileiras, o uso do "tu" no cotidiano da nossa língua portuguesa.
Uma terceira lembrança que traz Lauro Müller é a do período a que agora nos reportamos, quando a dívida de um código civil nacional não tinha mais como ser procrastinada, e o modelo de que se valiam os países do chamado mundo civilizado, da América Latina ao Japão, não era outro, senão o Código Civil alemão, o famoso BGB, que entrara em vigor em 1º de janeiro de 1900.
Também ele, o Bürgerliches Gesetzbuch, foi objeto dos mais acalorados debates na Alemanha recém-unificada, desde a própria ideia de codificar o direito civil, contra a qual se bateu tenazmente Savigny, mas cujas ideias marcariam profundamente o código de seu país e os daqueles que nele buscaram inspiração, como o nosso.
O debate parlamentar de quase 25 anos, que levou ao ainda vigente Código Civil alemão, exigiu mais de uma comissão, na primeira das quais destacava-se Bernhard Windscheid, cuja linha de pensamento se notabilizou por defender a autonomia da ação frente ao direito subjetivo e, por via de consequência, a autonomia do direito processual frente ao direito material, nota que passou a distinguir praticamente todos os sistemas jurídicos europeus e latino-americanos e alcançou, no Brasil, uma evolução muito viva e, dirão alguns, excessiva.
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Poucos anos depois, paradoxalmente, a eclosão da Primeira Guerra Mundial mais fez acentuar a influência da Europa, de cujos escombros muitos países passam a caminhar em direção a terríveis experiências totalitárias, a começar pela Rússia, pela Itália e pela Alemanha.
A América Latina não passou incólume a esse processo e, já no final da República Velha, como lembra Raymundo Faoro, de família gaúcha, mas criado em Santa Catarina, como o Ministro Teori Zavascki, muitas vozes se levantavam em favor de um Poder Executivo dominante, livre de amarras parlamentares, a fim de promover o mais rápido progresso material do país, pregação que nisso não diferia muito dos propagandistas republicanos anteriores, para quem o Governo do Brasil, no parlamentarismo monárquico, retardava as rápidas mudanças exigidas pela complexidade das sociedades modernas.
Nesse sentido, não podemos dizer que tenha sido um completo imprevisto a Revolução de 30 e o longo governo provisório do ditador Getúlio Vargas, provisório, como se sabe, que durou 15 anos, com diferentes roupagens, a confirmar outra frase de Lauro Müller, falecido em 1926, mas que passou a ser lembrado com frequência: "Coloque um desses castelhanos na Presidência e, dali, ele não sairá mais".
É debaixo da ditadura Vargas que o país vai atravessar os difíceis anos 30 e 40 do século passado, ora absorvendo o constitucionalismo de Weimar, na Constituição de 34, ora nos inclinando perigosamente para o lado do eixo, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. É nesse período que os descendentes de alemães mais vão sofrer provações e hostilidades que até então ninguém imaginaria pudessem acontecer.
Não nos esqueçamos de que, só depois da desgraça do nazismo e da Segunda Guerra, consolidou-se a visão dos alemães como um povo organizado e produtivo, governado por uma elite universitária. Há 200 anos, quando começa a grande imigração alemã para a América, principalmente para os Estados Unidos, mas também significativamente para o Brasil, o estereótipo dos povos dos estados alemães, sobretudo tal como propagado na Inglaterra e na França, era de uma gente rude, bruta, violenta.
Assim é que a crescente presença de alemães em países de cultura latina, já no século XIX, provocava, como muito bem lembrou o Prof. Arno, episódios difíceis, ainda que isolados. Não é segredo que o irascível escritor Raul Pompeia, propagandista republicano e ardoroso defensor da ditadura Floriano Peixoto - que terminaria cometendo suicídio, numa noite de Natal, diante da própria mãe -, depois consagrado patrono de uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras, aqui bem representada, fora reprovado, quando jovem estudante na disciplina de Língua Grega, no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, por um rigoroso professor alemão. Descreveu em detalhes esse fato o Dr. Eloy Chaves, político paulista, em famosa biografia que resgatou caricaturas e vitupérios de conotação racista, com que ainda, anos depois, o escritor ofendia esse professor alemão, equiparando-o, por exemplo, a um caçador de javalis da Floresta Negra. Concluiu o biógrafo que Raul Pompeia, abre aspas, "nunca mais perderia de vista o Dr. Theodoro Schiefler", fecha aspas, o qual, como vocês podem adivinhar, é antepassado direto deste que lhes fala.
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Doutor em Direito em Göttingen, onde foi contemporâneo dos irmãos Grimm e dos Sete de Göttingen, que inflamaram o romantismo de juventude fracassado na Revolução Liberal de 1848, já lembrada pelo Prof. Arno, resolveu emigrar para a América como tantos desapontados com os rumos de uma unificação que mostrava só podia ser autoritária, feita de cima para baixo. Pois esse mesmo homem, chegado ao Brasil, se tornaria admirador incondicional da monarquia liberal de Pedro II, professor de seus netos, afeiçoando-se de tal modo ao nosso país que, segundo a tradição oral da minha família, Prof. Paulo, até no leito de morte, fez questão de insistir com os filhos: "Sejam brasileiros!".
A Primeira Guerra Mundial, de todo modo, seria já um momento de inflexão na percepção das comunidades alemãs por parte da sociedade brasileira. Após os alemães terem afundado navios brasileiros em 1917, a participação do Brasil no conflito se tornou inevitável, e Lauro Müller, filho de alemães, perdeu a condição de protagonista da política nacional como sucessor ungido do quase mítico Barão do Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores e na Academia Brasileira de Letras, como já lembrado, e quase-possível-ex-futuro-candidato à Presidência. Não chegou, é verdade, a haver aqui o clima antigermânico que se observou nos Estados Unidos, com participação muito mais ampla e intensa no conflito, ondas de alteração de sobrenomes, em que os Müller com o trema, o umlaut, se tornaram os tantos norte-americanos que conhecemos, os Miller com "i". Enquanto outros, como, segundo consta, a família do ex-Presidente Trump, preferiam omitir a origem alemã, classificando-a como escandinava.
Nada disso, porém, se compara às perseguições abertas que sofreram as colônias italianas e alemãs no Brasil, sobretudo no Estado Novo, a partir de 1937, quando a repressão policial, a violação de domicílios, a extorsão, a tortura e até assassinatos se tornam uma constante que poucos hoje se mostram dispostos a relembrar.
Assim, o sentimento com que muitos filhos e netos de alemães se voluntariaram para a Força Expedicionária Brasileira, na década de 40, para comprovar a condição de brasileiros leais de suas próprias famílias, foi bastante diferente do dos batalhões formados por colonos alemães para lutarem por sua nova pátria já durante a Guerra do Paraguai, mais de meio século antes. Não é difícil encontrar, em cidades do Sul do país, nomes de rua de expedicionários, os nossos pracinhas, filhos ou netos de alemães, mortos combatendo alemães pelo Brasil, na Itália, ao lado de outros compatriotas brasileiros de todas as origens.
A memória logo traz, Senador Arns, do Paraná, uma Rua Sargento Max Wolf; de Santa Catarina, uma Rua Expedicionário Holz; do Rio Grande, uma Rua Expedicionário Weber. Não faltam até mesmo casos em que parentes próximos lutaram dos dois lados do conflito: um pelo Brasil, e outro pela Alemanha hitlerista.
Encerrado o conflito, com a divisão do mundo entre Estados Unidos e União Soviética, o pós-guerra do direito no Ocidente costuma ser associado a alguns fenômenos, como aquele rotulado de ex post facto, como neoconstitucionalismo, sobre o qual é especialista o Senador Sergio Moro - que também nos honra aqui com a sua presença -, em que se pretende que uma interpretação mais principiológica dos parâmetros normativos seja necessária para evitar a repetição de tragédias humanas como as engendradas pelo fascismo a partir da Itália, e principalmente da Alemanha, ou do menos lembrado comunismo a partir da Rússia.
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - Essa corrente de pensamento, ou a aplicação variável que dela se tem visto, de um lado, foi refreada, nos Estados Unidos, pela divisão já arraigada entre originalismo e pragmatismo, sem esquecer que o chamado ativismo judicial já era assim criticado, pelo menos, desde 1947.
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De outro lado, esse proceder, sem nenhuma dúvida, deslegitima o legislador, justamente o ramo do poder político mais democrático, no qual a representação popular se faz mais plena.
Veio 64 e, se não falta quem enxergue a maior proximidade entre o pensamento de Francisco Campos, jurista-chave do regime militar, e o de Carl Schmitt, também não há nenhuma dúvida de que os debates das últimas décadas acerca do alcance...
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - ... e dos limites do constitucionalismo, sobretudo a partir de 88, encontram na Alemanha, novamente, inspiração recorrente para o direito brasileiro.
Tendo experimentado os dois terríveis totalitarismos do século XX, o nazismo e o comunismo, o controle de constitucionalidade e a própria corte constitucional da Alemanha servem continuamente de parâmetro e também, de algum modo, de contraste com o controle de constitucionalidade e com a dinâmica da suprema corte norte-americana, à imagem da qual nosso Supremo Tribunal Federal foi criado.
Finalmente, não posso deixar de mencionar o direito penal brasileiro, fortemente influenciado, assim como o de outros países, pelo direito penal alemão. E, para o comprovar, não é necessário mencionar mais do que o nome do príncipe dos penalistas brasileiros, Nelson Hungria Hoffbauer, principal revisor e comentador do Código Penal ainda em vigor.
A propósito, Senador Arns...
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - ... recentemente participei, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, de interessante debate em torno de algumas das Ideias do emérito Prof. Bernd Schünemann, considerado um dos últimos papas do direito penal e com o qual, como Claus Roxin, há anos atrás, todos no Brasil parecem ter se tornado repentinamente familiarizados. Eu, que nunca estudei ambos, temo que ele repita Roxin e apareça por aqui dizendo que entenderam tudo errado.
Quero concluir, Sr. Presidente, com o papa alemão stricto sensu ou o pastor alemão, como seus detratores fizeram colar à sua figura pacata, porém firme, e recordar uma das antigas lições do Cardeal Ratzinger, essenciais ao reencontro com a fé cristã católica, quando dizia ele, mais ou menos neste sentido: a parte fácil é perceber que as pessoas têm diferentes níveis de santidade, a rotina que desmancha...
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - ... ilusões, o pouco apego a padrões éticos, que, até a geração passada, eram dados como inegociáveis, sem esquecer da política e, devo admitir, também a vida judicial, infelizmente, nos tem oferecido numerosos exemplos do que o Papa anterior queria dizer. Mas Bento XVI, indo mais além, explica que mais difícil é perceber e viver uma realidade em que as pessoas, individualmente consideradas ou em diferentes lugares e diferentes circunstâncias, manifestam naturalmente também diferentes níveis de fé.
Digo isso, para finalizar, ao lembrar que um de meus antepassados protestantes, ao deixar a Saxônia para atravessar o oceano rumo ao Brasil, escreveu despretensiosamente ao lado do requerimento de desligamento da sua função de guarda florestal: "Hoffnung auf eine bessere Zukunft"...
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - ... ("esperança de um futuro melhor"). Algo que quase todos os migrantes, de qualquer época e de qualquer lugar, poderiam manifestar.
Pergunto então: diante dos desafios e tragédias que nossos antepassados europeus, africanos e indígenas venceram, que dificuldades podem ser capazes de nos amedrontar?
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Tenhamos fé, fé no futuro, fé nas pessoas e no nosso país. Que este Bicentenário, que merece ser comemorado, nos inspire a cumprir com confiança a jornada de nossa forte e poderosa nacionalidade, na metade deste continente que a Providência nos legou por nossa história, que é de busca da justiça, da liberdade e da paz.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço ao Sr. Márcio Schiefler Fontes.
Passo, em seguida, a palavra ao Sr. Rui Vicente Oppermann, Diretor de Relações Internacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), por dez minutos.
O SR. RUI VICENTE OPPERMANN (Para discursar.) - Sr. Presidente, Senador Flávio Arns; Sra. Embaixadora da República Federal da Alemanha, Bettina Cadenbach; e, na pessoa dela, cumprimento os demais membros da mesa.
Senador, se eu fosse cumprir tudo aquilo que o senhor me atribuiu na apresentação, eu precisaria de bem mais de dez minutos, tamanha é a envergadura das relações educacionais, científicas, acadêmicas e industriais que a Alemanha e o Brasil construíram nesses 200 anos. Mas eu vou tentar me manter no tempo de dez minutos.
Trago aqui uma saudação muito especial da Presidente da Capes, Profa. Denise Pires de Carvalho, cumprimentando a todos, especialmente ao Senador, pela iniciativa desta sessão comemorativa.
Permita que eu dedique minha presença neste evento aos meus falecidos pais, José Floribaldo Oppermann e Maria Julieta Krause Oppermann - o Flori e a Chulchie -, e também aos meus 11 irmãos: somos germanicamente divididos em 6 irmãos e 6 irmãs, originários do pequeno e lindo Município de São Vendelino, à beira do Rio Forromeco, no Rio Grande do Sul - convido a todos a visitarem -, que, além da arquitetura típica, uma praça florida e das belezas naturais, possui uma culinária típica, com chucrute, schnitzel, joelho de porco e uma deliciosa cerveja produzida na localidade, a exemplo de muitas localidades alemãs.
Nosso pai, dentista prático licenciado, foi um pioneiro no aprimoramento na criação de suínos e um ativo participante das primeiras caixas de crédito rural, precursor das cooperativas. Com a nossa mãe como auxiliar, teve uma carreira profissional digna e suficiente para criar seus 12 filhos e filhas.
Nossos pais nos deixaram como herança a oportunidade da educação e, assim, nos tornamos profissionais liberais, empresários, mas, acima de tudo, professores e professoras. Esta foi a nossa herança: uma educação libertadora que, a duros sacrifícios, o Flori e a Chulchie nos legaram. A educação sempre esteve na base das atividades dos nossos antepassados, se estendendo a todos os níveis, da educação básica à pós-graduação.
O Acordo Básico de Cooperação Técnica entre Brasil e Alemanha foi instituído no ano de 1963. Desde então, Comissões Mistas têm se reunido periodicamente para discutir parcerias e programas conjuntos. Agora, em junho, se reuniu a Comissão Mista de Ciência e Tecnologia no MCTI. A pauta discutiu projetos conjuntos bilaterais para os próximos anos, em setores como bioeconomia e energias renováveis. Na área espacial, uma das cooperações a serem desenvolvidas é a de satélites com objetivos científicos e tecnológicos de qualificar emissões de dióxido de carbono e metano provenientes das centrais elétricas e barragens hidroelétricas, entre outras fontes emissoras desses gases. A parceria envolve o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e o Centro Aeroespacial Alemão.
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Outras cooperações avaliadas foram a parceria do Observatório de Torre Alta, da Amazônia, conduzida pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, além da parceria entre o CNpem e o Instituto Roberto Koch, no laboratório de nível máximo de biossegurança biológica (NB-4), que está em construção no Brasil e será o primeiro conectado a uma fonte de luz síncrotron, o Sirius.
Há uma diversidade de parcerias de instituições alemãs e brasileiras envolvidas e todos são avaliados positivamente pela comunidade científica internacional, em função da formação de recursos humanos de alto nível para ambos os países e pela produção de ciência, tecnologia e inovação.
São muitas as áreas de cooperação entre Brasil e Alemanha, mas a educação ocupa um papel estratégico para todas as demais. A minha posição de fala como Diretor de Relações Internacionais da Capes se dá nesse contexto. Desde o ano passado, estamos empenhados em reconstruir e expandir as nossas relações na área da pós-graduação e pesquisa. A Alemanha é um dos principais endereços de envio de alunos e alunas bolsistas para completarem sua formação acadêmica em praticamente todas as áreas de conhecimento humano. Além disso, é com a Alemanha que temos uma intensa cooperação acadêmica e científica entre nossos professores e pesquisadores.
Nesse sentido, quero aqui reconhecer a excelente relação de cooperação que a Capes tem com a Embaixada alemã, uma relação de cooperação importante para o desenvolvimento de nossas parcerias. A Capes tem cooperação com as principais agências, instituições e universidades na Alemanha.
Com a Fundação Alexander Von Humboldt temos Bolsas para Pesquisadores e o Bragfost, um encontro de pesquisa de altíssimo nível. Com a Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG) temos o Programa Iniciativa de Pesquisa Colaborativa (PIPC) e estamos construindo programas de pós-graduação Internacionais envolvendo outros países.
Temos cátedras com algumas universidades alemãs - Bonn, Münster, e o programa de cátedra Capes-Universidade de Tübingen, onde se encontra o Centro Brasileiro e Latino-Americano de Baden-Württemberg da Universidade de Tübingen, que realiza, com o apoio da Capes, o Simpósio Brasil-Alemanha de Desenvolvimento Sustentável anualmente.
Um grande parceiro da Capes é o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) e seu Centro Alemão de Ciência e Inovação (DWIH), com os quais desenvolvemos múltiplas iniciativas, auxílio para estágios de curta duração de doutorandos e pesquisadores, programas de doutorado pleno na Alemanha; o Capes Probral, importante iniciativa para a promoção de parcerias entre pesquisadores no desenvolvimento de estudos em todas as áreas do conhecimento; Programa de Assistente de Ensino de Língua Alemã para Projetos Institucionais (GTA), garantindo a presença de leitores e professores alemães em universidades e institutos federais, promovendo o ensino do alemão e da cultura alemã.
Como Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tive a honra de inaugurar, junto com o Magnífico Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e meu querido amigo, Irmão Evilázio Teixeira, o Centro de Estudos Alemães e Europeus (CDEA), sediado na PUC e na UFRGS, o primeiro da sua natureza no Hemisfério Sul, atualmente coordenado pela Profa. Claudia Lima Marques, pela UFRGS, e pelo querido Prof. Draiton Souza, pela PUCRS.
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O CDEA é um centro científico de ensino, pesquisa e informação, fomentado pelo DAAD com a verba do Ministério das Relações Exteriores alemão e também pela Capes. O CDEA visa fomentar uma nova geração de cientistas e pesquisadores brasileiros, europeus e de outras nacionalidades em estudos interdisciplinares sobre temas atuais da Europa e Alemanha úteis ao contexto brasileiro e latino-americano.
O CDEA dedica-se, de maneira interdisciplinar, à discussão de três fenômenos-chave: globalização, desenvolvimento sustentável e diversidade cultural.
O CDEA, ainda, promove uma intensa mobilidade, tanto para fora do Brasil como também trazendo para o Brasil estudantes e pesquisadores em linha com nosso esforço na Capes em equilibrar os fluxos, aumentando a presença de estrangeiros nas nossas universidades.
Desde 2019 até 2024, 1.567 bolsistas brasileiros foram à Alemanha financiados pela Capes, para doutorados, como professores visitantes, pesquisadores parceiros, representando um investimento de mais de R$110 milhões. Somente no ano de 2023 foram R$20,7 milhões. Além disso, há um número pelo menos equivalente de estudantes e pesquisadores que viajam à Alemanha a partir de iniciativas bilaterais das universidades, institutos de pesquisa e outas entidades.
Finalmente, em tempos de comemorações, quero mencionar minha admiração pelo projeto Lemmbra.de. O projeto, que tem como título "Imprensa de língua alemã no Brasil, 1852-1941"...
(Soa a campainha.)
O SR. RUI VICENTE OPPERMANN - ... visa registrar, digitalizar, catalogar e avaliar cientificamente os periódicos brasileiros - e o Prof. Paulo certamente terá a oportunidade de mencionar e falar sobre essa questão. Isso é apenas para comentar que a melhor maneira de se comemorar o passado é mantê-lo vivo pela memória, atributo essencial para a evolução das sociedades humanas.
Um último comentário de caráter pessoal: minha família é apenas um dos muitos exemplos de como imigrantes, a maioria deles com um ofício ou nem isso, contribuíram e contribuem para o progresso do nosso país. Recuperamos o orgulho de nossa ascendência e estamos aqui festejando o que se pode dizer que foi o início das relações públicas entre Brasil e Alemanha.
Permitam-me, ao finalizar, reconhecer e agradecer a solidariedade demonstrada por todo o Brasil e mesmo vinda do estrangeiro para com o povo do Rio Grande do Sul atingido pelas inundações, que produziram morte e destruição em grande parte do estado.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço ao senhor, Dr. Rui Vicente Oppermann, também por insistir no grande mutirão de solidariedade do Brasil a favor do Rio Grande do Sul. Obrigado, Dr. Oppermann.
Passo, em seguida, a palavra à Profa. Dra. Gisela Spindler, Presidente da Associação Brasileira de Associações de Professores de Alemão, por até dez minutos.
A SRA. GISELA SPINDLER (Para discursar.) - Exmo. Sr. Flávio Arns, Senador da República; Exma. Sra. Bettina Cadenbach, Embaixadora da Alemanha; ao cumprimentá-los, estendo meus cumprimentos a todas as autoridades e a todos aqui presentes.
Sinto-me lisonjeada em poder participar deste momento, reforçando os laços que nos unem nos festejos do Bicentenário da Imigração Alemã no Brasil. Como muitos brasileiros, possuo antepassados que imigraram de territórios distantes para o nosso país. Sou neta de alemães russos que emigraram em 1929 e filha de alemão, nascido na travessia. Sou profundamente grata por meus antepassados terem sido acolhidos por esta nação. Como muitos outros brasileiros descendentes, orgulho-me da trajetória dos que me antecederam, de suas batalhas por uma vida melhor e por suas contribuições ao meu país.
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Falante e amante da língua alemã, envolvo-me há muitos anos em trabalho voluntário em prol da preservação da cultura e ensino do idioma, como membro da Associação Brasileira de Professores de Alemão, fundada em 1989 para integrar, representar e coordenar outras seis associações regionais que já existiam em nível nacional: a Associação Riograndense de Professores de Alemão, a Catarinense, a Paranaense, a Paulista, a do Rio de Janeiro e a de Minas Gerais.
Temos, entre os associados, pesquisadores, professores de universidades, de escolas públicas e privadas, estudantes de Letras e Germanística.
Como Associação Nacional, vinculamo-nos à Associação Internacional de Professores de Alemão (Internationaler Deutschlehrerinnen-und Deutschlehrerverband), com sede em Leipzig, na Alemanha.
Em parceria com a Associação Internacional e com as outras associações da América Latina, acabamos de realizar o 1º Congresso Continental para Professores de Alemão, agora em junho de 2024.
Além disso, estamos em contato com as demais línguas estrangeiras. Por um lado, com o Eunic-Brasil, alimentando o sonho de realizarmos um evento conjuntamente no futuro. Por outro lado, com a Federação Internacional de Professores de Línguas Estrangeiras Modernas.
Entre os principais objetivos da associação e de suas afiliadas regionais, destacamos a preocupação com a qualidade de ensino da língua. Por isso o foco principal está na formação continuada dos docentes.
Entre os momentos mais significativos, destaco a formação online Deutsch Vemetzt (Alemão Conecta), que existe desde 2020.
A associação também é responsável por organizar o Congresso Brasileiro de Professores de Alemão, a cada três anos. O último, ocorrido em 2023, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis.
Pautamos o nosso trabalho em parcerias com as demais instituições que trabalham em prol da preservação da cultura e da língua alemã no Brasil e na cooperação entre os professores, no fomento, na troca de ideias, pela formação colaborativa e compartilhada, com a premissa de que uma formação linguística plurilíngue amplia as possibilidades e os horizontes de nossos alunos.
Gostaria ainda de utilizar este momento para falar das ações desenvolvidas por ocasião dos festejos do Bicentenário da Imigração Alemã.
A convite do Subsecretário de Justiça, Sr. Rafael Gessinger, Presidente da Comissão do Bicentenário no Rio Grande do Sul, tivemos a oportunidade de coordenar a Subcomissão de Língua Alemã, juntamente com a Associação Riograndense de Professores de Alemão, de agosto de 2023 a 14 de março de 2024, quando se deu o lançamento da programação oficial.
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Escolas, universidades e institutos culturais participaram dessa subcomissão planejando, compartilhando e complementando as ações que seriam e estão sendo desenvolvidas ao longo de todo este ano.
De nossa parte, gostaria de destacar três projetos, entre tantos outros:
O primeiro é o concurso intitulado "Von Lehrkräfte für Lehrkräfte", "De Professores para Professores", que propôs a criação de planejamentos de aulas e de projetos com relação à temática da imigração alemã, disponibilizados a todos os demais professores no site do bicentenário. Seis projetos foram selecionados e premiados.
O segundo é o projeto intitulado "Regenbogenfisch erzählt und gesungen", qual seja a apresentação de 12 edições do Musical Regenbogenfisch, em cinco estados, para alunos do ensino fundamental I. O musical, de autoria de Markus Pfister, numa adaptação da Profa. Magda Balsan e do músico Ailton de Oliveira, conta a história de um peixe muito egoísta, que precisa aprender a conviver com a diversidade. O objetivo desse projeto é o fomento da língua alemã e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. As apresentações já ocorreram no Paraná em São Paulo em escolas públicas e privadas. No segundo semestre, estão agendadas apresentações no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul; essas últimas, infelizmente, reagendadas em função das enchentes de maio.
Por último, mas não menos significativo, quero destacar o projeto da Associação Riograndense "Conte um conto", que reúne narrativas contadas por alunos sobre os seus antepassados, que serão compiladas em livro a ser lançado e distribuído aos alunos e escolas durante os festejos do bicentenário.
Queremos fomentar a educação plurilíngue, em específico o ensino da língua alemã de qualidade. Por isso, uma preocupação constante é a escassez de professores, uma realidade mundial pelo que temos visto nos relatos de inúmeros outros países na Comissão Internacional de Políticas Públicas para a Língua Alemã.
Embora não sejamos um órgão formador, temos apoiado iniciativas que vêm ao encontro da resolução ou mitigação do problema: contato direto com universitários em formação, melhorias na qualidade dos currículos, treinamentos, financiamento de estudantes em formação por parte de mantenedoras de escolas e criação de novos formatos de cursos, que nós vamos ver a seguir, visando a suprir a necessidade existente.
Gostaríamos de contar com o apoio dos nossos representantes para a valorização da docência, pois professores motivados e competentes são essenciais para a sobrevivência de uma nação.
Queremos, ainda, a manutenção e a ampliação do ensino de línguas adicionais, em especial da língua alemã, nos currículos educacionais. Por isso, nós nos manifestamos em prol do plurilinguismo e da liberdade de escolha da segunda língua estrangeira moderna a ser ensinada, respeitando cada movimento migratório em respeito à diversidade linguística e cultural do Brasil.
Agradeço-lhes pela atenção.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradecemos à senhora, Profa. Gisela Spindler.
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Queremos saudar, com muita alegria, a presença aqui nas galerias dos alunos e alunas do ensino fundamental do Centro de Ensino Fundamental 01 do Varjão, aqui de Brasília.
Podem dar um tchau aí para as câmeras também. Vocês estão dando um alô para o Brasil inteiro.
Uma salva de palmas para vocês. (Palmas.)
Que bom que vocês estão dentro do Congresso Nacional, aqui no Plenário do Senado Federal.
Vários grupos já passaram, e queremos, através de vocês, saudar todos os anteriores também.
Nós temos, com muita alegria, a presença aqui no Plenário, também, do Senador pelo nosso Estado do Paraná, o Senador Sergio Moro, a quem passo a palavra também para a manifestação. (Palmas.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) - Boa tarde a todos.
Primeiro, eu quero cumprimentar aqui o Presidente da sessão, o Senador Flávio Arns, e felicitá-lo por essa iniciativa muito feliz.
Não dá para passarem em branco os 200 anos de imigração alemã pela importância que teve na formação do Brasil. O Brasil é este país multicultural, multiétnico, e nós tivemos, além, claro, da população originária, da imigração africana, portuguesa, a imigração europeia, a presença alemã, que foi muito marcante.
Quero cumprimentar aqui a Sra. Embaixadora da Alemanha, Sra. Bettina Cadenbach - tive o prazer de conhecê-la ainda hoje -; o nosso amigo aqui, o Juiz de Direito Márcio Schiefler, foi um prazer revê-lo na ocasião; Sr. Arno Wehling, membro da Academia Brasileira de Letras; Sr. Rui Vicente Oppermann; Sra.Deise Perfeito; e todos os convidados aqui presentes.
Eu vou falar aqui brevemente, mas não poderia deixar de comparecer, porque também sou fruto da imigração alemã, da parte da minha mãe, cujo sobrenome é Starke e de quem os ascendentes vieram da Alemanha. Tenho muito orgulho dessa tradição alemã, embora tenha herdado o sobrenome italiano do meu pai, Moro. E, como se não bastasse, casei-me com uma Wolff, também de origem alemã, Rosangela Wolff Moro, a minha esposa. Então, tenho bastante presente a tradição alemã na minha casa.
Venho de um estado no qual a Alemanha é sinônimo de indústria e pujança. Temos, lá no Paraná, a Audi, a Volkswagen, a Bosch, que são empresas que engrandecem o nosso Paraná e mostram toda a operosidade, toda a engenhosidade, todo o conhecimento e a precisão da indústria alemã, da ciência alemã e do povo alemão.
Venho de uma cidade - e isso já foi mencionado pelo Juiz Schiefler - na qual a Alemanha é sinônimo de herói. Temos lá perto, inclusive, da minha residência o 20º Batalhão de Infantaria Blindada, Sargento Max Wolf Filho, que foi um herói brasileiro, de origem e descendência alemã, na Segunda Guerra Mundial.
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E todos nós - e aqui não me refiro apenas ao Brasil - temos um grande orgulho e respeito pela Alemanha, porque a Alemanha vivenciou, no século passado, aquilo que talvez seja o que houve de mais tenebroso na história, mas é aquele país que tem uma marca de um país que deu a volta por cima, um país que mostrou não só a possibilidade de se reerguer economicamente, como a locomotiva da Europa, mas também um país que hoje é um dos mais representativos no que se refere aos valores da liberal democracia. A Alemanha é um exemplo, para o mundo, de ressurgimento, de como um país pode se reerguer assim, de uma maneira tão dinâmica. Não à toa, no século passado, houve quem dissesse que todos eram berlinenses, "ich bin ein Berliner", e nós poderíamos dizer, também: "ich bin ein Deutscher", considerando o exemplo que nós temos da Alemanha para o mundo.
E, hoje, num mundo cada vez mais complexo, as democracias ocidentais - as western democracies, como se diz - precisam permanecer juntas. E, nesse ponto, o Brasil partilha de muitos valores e de muitos princípios da Alemanha democrática. É um país também liberal, é um país que preza pela democracia, é um país que busca o seu lugar no mundo e que busca influenciar positivamente o mundo.
Neste mundo complexo, em que, infelizmente, nós vemos até algumas ameaças autoritárias surgindo, inclusive com a lamentável guerra da Rússia contra a Ucrânia, na qual a Alemanha adotou uma posição muito clara e firme de condenar essa agressão, o Brasil tem que estar junto. O Brasil tem que também cerrar essas fileiras da valorização e da defesa dos nossos valores democráticos e liberais no mundo inteiro.
Por isso, fiz questão aqui de, ainda com estas breves palavras, não só render as minhas homenagens à imigração alemã, que faz 200 anos e tão bem influenciou aqui a cultura e o povo brasileiro, mas igualmente também render a nossa admiração à Alemanha, esse país tão digno, esse país que conseguiu, num período tão curto no século passado, reerguer-se e que hoje é um grande exemplo para o mundo.
Muito obrigado e agradeço a todos pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço ao Senador Sergio Moro pelas palavras muito bem colocadas também. O Senador Sergio Moro, inclusive, é membro do Grupo Parlamentar Brasil-Ucrânia, então isso é muito importante.
Só quero destacar que nem todas as lembranças da Alemanha são muito boas, algumas, particularmente no futebol, a gente quer esquecer, de alguns anos atrás, a derrota do Brasil no futebol. (Risos.)
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Muito bem, que bom!
Eu passo, em seguida, a palavra à senhora... Antes de passar a palavra à Sra. Deise, eu quero lembrar aqui também, enaltecer a presença da Diretora-Geral do Arquivo Nacional, a Sra. Ana Flávia Magalhães.
Seja muito bem-vinda - está aqui presente.
Muito bem.
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Concedo a palavra em seguida à Senhora Deise Perfeito, que é Diretora do Colégio Estadual Professora Eliane Martins Dantas Brasil-Alemanha, na cidade do Rio de Janeiro, por dez minutos.
A SRA. DEISE PERFEITO (Para discursar.) - Boa tarde a todos.
Boa tarde à mesa.
Agradeço o convite ao Senador Flávio Arns.
Cumprimento a Embaixadora Bettina, a todos da mesa e a todos os presentes.
Meu nome é Deise Perfeito. Neste ano, eu faço 30 anos no Governo do Estado do Rio de Janeiro. Sou diretora de colégios estaduais desde 2012 e, desde o início de 2022, fui convidada a ser gestora do Colégio Estadual Professora Eliane Martins Dantas Brasil-Alemanha.
Somos um colégio público, intercultural, de horário integral, que fica no subúrbio do Rio de Janeiro, no bairro de Vista Alegre, o pioneiro a ter um contrato assinado com o consulado alemão no Rio de Janeiro.
Também temos como parceiro o Instituto Goethe, que disponibiliza cursos de idioma para professores e equipe; também fornece suporte pedagógico, realiza concursos para os alunos, participa de atividades em nossa escola e já enviou quatro professores para cursos de especialização na Alemanha.
Como parceiros também, temos a UFF - Universidade Federal Fluminense -, que levou para a nossa escola um grupo de bolsistas e estudantes de Letras Português-Alemão, orientados pela Profa. Giovanna Chaves. Além disso, uma professora nossa fez um curso de aperfeiçoamento do idioma na Alemanha, na Universidade de Leipzig, financiado pela Embaixada da Alemanha, juntamente com professores que fizeram e fazem a segunda licenciatura em Alemão na Universidade Federal do Paraná.
Em nossa escola, começamos com 105 alunos no 1º ano do ensino médio e, neste ano, formaremos esses alunos, que se encontram no terceiro ano. Temos, ao todo, aproximadamente 250 alunos que, em sua maioria, deixarão a escola com o nível B1 no idioma alemão.
Nossa escola também tem, além do idioma, outro eixo de aprendizagem: o meio ambiente e a sustentabilidade. A Alemanha é, há anos, um dos países líderes em termos de sustentabilidade. Não teria como ser diferente a proposta de formar jovens para um futuro sustentável. São desenvolvidos, juntamente com professores e alunos, diversos projetos nessa área.
O ingresso dos alunos na nossa escola acontece pelo sistema da Secretaria de Estado de Educação, o Matrícula Fácil. O aluno se inscreve concorrendo à vaga, a seleção é automática pelo sistema e os critérios são: a proximidade, ter vindo de escola pública e, por último, o aluno em menor idade.
Pessoalmente, não tenho vínculo nenhum com a comunidade alemã. Esse é o caso também de quase todos os alunos e professores. A busca pela escola aconteceu e acontece pelo interesse em aprender o idioma alemão, a cultura alemã, o interesse pelo novo, pelas possibilidades profissionais, humanas e culturais que o aluno poderá ter aqui no Brasil ou na Alemanha. Mas é importante dizer que conhecemos e valorizamos a presença histórica de cidadãos de língua alemã em nosso país, por isso, sinto-me muito honrada, em nome da Secretaria de Educação, em participar deste momento, e, na pessoa da Profa. Secretária de Educação, Roberta Barreto, de sua superintendente, Profa. Cristina Silveira, quero saudar e cumprimentar milhões de brasileiros e brasileiras que descendem de alemães.
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Somos hoje uma nação, um país. A língua e a cultura são uma herança de todos nós, hoje e cada vez mais.
Por último, sei que sou suspeita para falar - pois amo a minha escola, meus alunos, minha equipe, meus professores -, mas o CPEMD Brasil-Alemanha, como carinhosamente chamamos, verdadeiramente tem sido uma escola que tem impactado não só a vida dos alunos e de seus familiares, mas também toda a comunidade ao redor.
As demais prefeituras têm buscado parceria com o Instituto Gunter com o propósito de difundir o idioma e oferecer novas possibilidades de aprendizagens inovadoras em seus sistemas educacionais. Eu recomendo, como cidadã e como profissional, que essas parcerias cresçam e deem bons frutos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço a Deise Perfeito, que é Diretora do Colégio Estadual Professora Eliane Martins Dantas. As parcerias são muito importantes.
Passo em seguida a palavra para o Professor Dr. Paulo Soethe, grande amigo, já foi mencionado várias vezes. É Professor da Universidade Federal do Paraná e da Universidade Federal Fluminense, também mencionada agora há pouco, também como uma universidade parceira.
Com a palavra, Prof. Paulo.
O SR. PAULO SOETHE (Para discursar.) - Sr. Presidente, estimado Senador Professor Flávio Arns, Senhora Embaixadora, demais autoridades presentes, estimados e generosos membros da mesa, senhoras e senhores, o bicentenário da imigração alemã no Brasil coloca-nos, a meu ver, diante de um duplo desafio. Em primeiro lugar, cabe-nos recordar e celebrar os poucos mais de cem anos em que, de fato, houve um movimento constante e intenso de migração em massa da Europa de língua alemã para o Brasil. Nesse período, houve ainda um aumento interno da população já brasileira de falantes de alemão e uma participação sempre crescente de indivíduos de língua alemã na formação de nossa sociedade, que até então era notadamente multilíngue.
Em segundo lugar, nosso desafio é ter presente e compreender que vivemos nos últimos quase cem anos sob o signo de uma ruptura repentina do processo vivido nos cem anos anteriores. Essa ruptura foi imposta pela proibição autoritária do alemão e de todos os demais idiomas estrangeiros durante o Estado Novo e pela interrupção do acolhimento sistemático de imigrantes, em nosso país, como política de povoamento de nosso território e fonte de aumento populacional.
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No caso alemão, a ruptura viu-se intensificada pela catástrofe política que se abateu sobre a Alemanha e a Áustria, com o advento do nazismo, é claro, mas não é esse o meu ponto, senão as decisões internas da política brasileira, durante a nacionalização getulista, que proibiram o uso público de todos os idiomas que, até então, eram correntes, no dia a dia de milhões de brasileiros e que também eram, portanto, línguas brasileiras que, repentinamente, deixaram de ser.
Calcula-se que, no final da década de 1920, quando o Brasil tinha pouco menos de 40 milhões de habitantes, a imprensa de língua alemã produzida no país contava com cerca de 800 mil leitores falantes desse idioma. O alemão foi uma das línguas brasileiras e, abruptamente, deixou de ser.
Assim, entendo caber, neste bicentenário da imigração alemã, ao menos duas dimensões que se desdobram ambas em uma terceira. Uma delas é a do resgate de documentos brasileiros em língua alemã ainda disponíveis e de seu acesso público a todas e todos os brasileiros. Penso aqui, especialmente, em documentos de caráter público que revelem a participação dos cidadãos de língua alemã, em debates internos na nação brasileira e em grandes debates internacionais.
As senhoras e os senhores têm, diante de si, na bancada sobre a mesa, um fac-símile da edição de 24 de julho de 1886, do jornal brasileiro DerPionier, que circulou, em Curitiba, de 1881 a 1892. No verso do fac-símile, encontra-se a tradução do artigo intitulado Um Exemplo para o Brasil. É um comentário da obra A Democracia Triunfante, do norte-americano Andrew Kennedy, um imigrante irlandês que fez fortuna nos Estados Unidos e que, até hoje, conhecemos, por exemplo, pela frequente menção do Carnegie Hall, em Nova York, uma das salas de espetáculos musicais mais importantes dos Estados Unidos e do mundo, patrocinada por ele. O editor do jornal curitibano de língua alemã apresenta uma resenha competente do livro de Andrew Kennedy, A Democracia Triunfante, que consiste na descrição e louvor da pujança econômica, social e cultural dos Estados Unidos, como nação republicana - o Brasil ainda era uma monarquia -, que, duas décadas antes, havia extirpado, de seu tecido social, a escravização de cidadãos negros, logo após o final da Guerra da Secessão. Esse país era o exemplo para o Brasil, naquela ocasião, segundo a perspectiva do periodista alemão, liberal e progressista, Adolph Lindeniann.
Lindeniann, ao escrever seu artigo, também tinha em mente a intensa participação de imigrantes e descendentes de alemães no movimento abolicionista norte-americano, fonte de inspiração para muitos imigrantes descendentes de alemães politicamente ativos, no Brasil, que não eram poucos. O exemplo cabe bem, nesta data de 4 de julho, e destaca haver ocorrido, também nas Américas, um debate internacional, em língua alemã, sobre direitos humanos, democracia e valores republicanos.
Ora, um dos resultados desejáveis da comemoração do bicentenário deve ser, portanto, a incorporação da documentação brasileira de língua alemã à nossa historiografia e à nossa memória corrente em meio digital. Entre as várias iniciativas nesse sentido, menciono aqui o Laboratório de Estudos da Memória Multilíngue Brasileira, na sessão "alemão", o Lembra DE - o Prof. Rui, gentilmente, já o mencionou -, um grupo de pesquisa criado por iniciativa das universidades Universidades Federais Fluminense e do Paraná, em colaboração com diversos arquivos no Brasil, além de instituições alemãs, em especial o Instituto Ibero-Americano de Berlim, a Academia de Ciências de Berlim-Brandenburgo e universidades, como a de Tübingen.
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O grupo dedica-se à pesquisa sobre os jornais e ao desenvolvimento de tecnologia para a área de pesquisa em Humanidades, em parceria com a Alemanha. Houve fases precedentes de organização apoiadas pela Fundação Fritz Thyssen, pela Capes e pelo Consulado da Alemanha no Rio de Janeiro, e em breve teremos a honra de participar, por exemplo, de um evento no Arquivo Nacional, em agosto próximo, quando se apresentarão a imprensa brasileira de língua alemã e a imprensa negra brasileira, de língua portuguesa, lado a lado, em sua luta compartilhada contra o libelo da escravidão nos anos 1880.
Eu saúdo aqui de maneira particular a colega Ana Flávia, Diretora do Arquivo Nacional.
É importante e necessário, a meu ver, que a sociedade brasileira e, em particular, os cidadãos descendentes de alemães no Brasil possam, todos, orgulhar-se da ampla tradição progressista, democrática e republicana que marcou, durante muito tempo, essa comunidade em nosso país. Não é nada casual que figuras públicas como Zilda Arns. Leonardo Boff e D. Paulo Evaristo Arns, Brasil: nunca mais, provenham de famílias de ascendência alemã.
A segunda dimensão a que quero me dedicar no contexto do bicentenário é a do resgate da língua alemã como idioma de importância para a sociedade brasileira hoje. Se nossos cidadãos já participaram ativamente de debates pan-americanos e transatlânticos conduzidos em língua alemã, no século XIX, cabe também agora que muitos de nós voltem a ter acesso pleno e ativo ao diálogo que se estabelece internacionalmente em língua alemã, em diversas áreas, e, de modo especial, neste momento, como já foi dito aqui, em favor da democracia, do respeito à diversidade e da consciência ambiental, entre outros temas. Chances de trabalho e atuação profissional são importantes, mas para a sociedade brasileira importa também, e muito, resgatar a participação de nossas cidadãs e cidadãos no universo social e cultural que se dá internacionalmente a partir dos países de língua alemã. A presença de instituições mantidas com recursos alemães em nosso meio, seja o escritório da Fundação Heinrich Böll, no Rio de Janeiro, seja o Centro de Estudos Alemães e Europeus, em Porto Alegre, seja o Centro Alemão de Ciência e Inovação, em São Paulo, entre muitos outros, tudo isso nos integra a debates centrais, dos quais, inclusive, podemos participar falando português, aqui, no Brasil, mas tanto mais falando português e alemão também.
Nosso país, infelizmente, viu-se recentemente aviltado por um gesto autoritário quando o capítulo Línguas Estrangeiras da Base Nacional Comum Curricular, produzido por um grupo de expertos, de especialistas, foi, inesperada e monocraticamente, substituído pelo capítulo Língua Inglesa, poucos meses antes da votação do documento. Nossa sociedade recupera-se hoje dessa surpresa e, pelas vias legislativas e democráticas, preenche passo a passo o vazio criado na legislação quanto à oferta conveniente e desejável do ensino de outros idiomas, entre eles o alemão.
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Não podemos mais ter a ilusão de uma oferta universal de todos os idiomas, comparável à oferta universal, sim, claro, de inglês, nem mesmo a ilusão de uma oferta ampla e abrangente como a de espanhol, mas seria mais que desejável, estratégico para nosso país e correspondente à demanda social e cultural que existe, se, nesse bicentenário, lográssemos conceber uma oferta de língua alemã viável, sólida e de qualidade na rede pública de ensino de nosso país, sobretudo a partir de um programa nacional de formação de professores e de acompanhamento pedagógico do ensino de alemão na rede pública de educação básica, concebido e realizado por profissionais brasileiros especializados na matéria, os docentes de ensino superior das áreas de letras alemão em todo o país, naturalmente, em diálogo com as redes públicas de ensino que optassem pela oferta desse idioma e em colaboração com parceiros europeus, em especial a República Federal da Alemanha, que tem sido particularmente generosa e presente em iniciativas assim.
É uma grande alegria para mim ter também aqui o Prof. Rui Oppermann, através do qual posso saudar a Capes, com a imensa abertura que a agência tem para apoiar esse grande projeto educacional, com naturalmente o grande apoio também já manifestado pelo Senador Flávio Arns, que nos motiva a investir tempo e energia nessa demanda da sociedade brasileira.
Unidades administrativas no Sul do Brasil, mas também estados e municípios de outras regiões, como o Estado do Rio de Janeiro ou a cidade fluminense de Maricá, para outro exemplo, entre muitas outras, assumem como seu o legado deixado pela presença alemã em nosso país, em especial a relevância desse idioma em nosso meio.
Cabe ao poder público brasileiro, de fato, conceber de moto próprio uma oferta estruturada do ensino desse idioma...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO SOETHE - ... para que um número significativo de cidadãos brasileiros esteja apto a participar em língua alemã de interações e debates internacionais conduzidos nesse idioma em diversas áreas.
Essa é a terceira dimensão de que falei, decorrente da memória que celebramos no bicentenário: garantir um futuro para aspectos honrosos do passado da comunidade alemã, um futuro vivo e construído democraticamente no presente. Trata-se, no caso, da oferta sustentável de língua alemã em nossa rede pública de ensino, trata-se de encontrar uma visão ambiciosa e estruturada para ações que são complexas, amplas e sustentáveis e que talvez sirvam de referência para o ensino de outros idiomas. É o que queremos? Eu creio que sim e, justamente por ser algo complexo e desafiador, não podemos prescindir de querer muito que isso se conceba e se realize. Talvez sejam desejos como esse, a dedicação a que coisas desafiadoras e complexas se tornem realidade...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO SOETHE - ... e o senso de responsabilidade inquebrantável que nasce daí, a maior herança que recebemos dos nossos antepassados de língua alemã. Hoje essa herança é de todos nós brasileiras e brasileiros.
Muito obrigado por sua atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço, Prof. Dr. Paulo Soethe, da mais antiga universidade brasileira, que é a Universidade Federal do Paraná, e o agradecimento também pela grande colaboração na organização deste evento que celebra os 200 anos da imigração alemã. Parabéns pelo trabalho desenvolvido.
Passamos em seguida a palavra à Sra. Embaixadora Bettina Cadenbach, Embaixadora da Alemanha em nosso país.
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A SRA. BETTINA CADENBACH (Para discursar.) - Sras. Senadoras, Srs. Senadores, prezados colegas das embaixadas aqui, em Brasília, prezadas senhoras e senhores, cumprimento a todos os presentes. É, para mim, uma grande honra estar aqui. Agradeço a todos a oportunidade de poder dirigir algumas palavras a esta respeitosa Casa.
Caro Senador Flávio Arns, muito obrigada pela iniciativa.
Em 2024, comemoramos os 200 anos da imigração alemã para o Brasil. O Brasil é um mosaico de culturas, idiomas e tradições, caracterizado pela imigração de muitas nações diferentes.
Entre os imigrantes que vieram para o Brasil para ajudar a construir um país jovem, estavam também os imigrantes alemães, que contribuíram de várias maneiras para a criação do Brasil de hoje. Eles trouxeram consigo não apenas mão de obra, mas também conhecimentos técnicos e suas próprias tradições. Primeiro, como agricultores e ex-soldados e, mais tarde, como artesãos, engenheiros, intelectuais e empresários, os imigrantes alemães vieram principalmente para o Sul do Brasil e ajudaram a moldar o país.
Essa diversidade do Brasil é algo especial e também se reflete em muitos aspectos da imigração alemã, se mostra em costumes mantidos e misturados ao modo de vida brasileiro, na língua alemã ainda falada em partes do Brasil e em empresas alemãs no país. Essa integração alemã na vida brasileira e a preservação de alguns hábitos culturais alemães levaram a vínculos que continuam até hoje.
É com enorme preocupação que observamos as consequências devastadoras das enchentes no Rio Grande do Sul, uma região caracterizada pela imigração alemã. Naturalmente, estamos fornecendo apoio, com medidas imediatas e ajuda para a reconstrução, em coordenação com as autoridades locais responsáveis. Também estamos em diálogo com a Cruz Vermelha alemã para apoiar com vários milhões de reais a Cruz Vermelha brasileira em seus esforços de mitigar os efeitos devastadores da catástrofe natural.
Senhoras e senhores, os laços bilaterais que unem os nossos países são fortes e cada vez mais estreitos. Relações familiares e comerciais não são evidentes apenas aqui, no Brasil, mas também na Alemanha. É claro que muitas brasileiras e brasileiros também vivem e trabalham hoje na Alemanha.
Histórias de sucesso da migração teuto-brasileira estão presentes em ambos os lados do Atlântico. Sem elas, o dinamismo e a diversidade das nossas relações seriam inconcebíveis.
Juntos olhamos para a frente. Hoje há mais de mil empresas alemãs no Brasil. Somos parceiros estratégicos e queremos juntos enfrentar os grandes desafios do futuro.
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Por esta razão, o Chanceler alemão Scholz e o Presidente Lula instituíram, no ano passado, uma parceria para uma transformação ecológica e socialmente justa. Com essa parceria, trabalhamos juntos nas áreas de inovação e tecnologia, pesquisa, economia, mudanças climáticas, cultura e desenvolvimento.
Nós apoiamos o Brasil na Presidência do G20, neste ano, e queremos ser parceiros para a organização da COP 30, em Belém, no próximo ano.
Excelentíssimos membros do Senado, caros aqui presentes, agradeço novamente esta oportunidade de reiterar os laços estreitos e amistosos entre o Brasil e a Alemanha.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço à Sra. Embaixadora Bettina Cadenbach pela palavra e, principalmente, pela demonstração de que a solidariedade ao Estado do Rio Grande do Sul é mundial - brasileira e mundial. Parabéns e obrigado! Seja sempre muito bem-vinda aqui ao Congresso Nacional!
Antes do encerramento desta sessão, convido a todos a acompanharem um vídeo com a apresentação do Coral Santa Cecília. Em 10 de outubro de 1915, durante uma missa celebrada por padres palotinos vindos de Cerro Largo, na cidade de Santo Cristo, Rio Grande do Sul, um grupo se juntou espontaneamente para animar a celebração. Assim surgiu o Coral Santa Cecília, fundado por Peter Brod. E eu quero dizer que o Jaime Brod está aqui presente, que é bisneto do Peter Brod. Seja muito bem-vindo também, Sr. Jaime!
Surgiu o Coral Santa Cecília, fundado por Peter - Peter, no caso - Brod, nascido na Alemanha, e outros 14 membros de descendência alemã, formando um coral composto exclusivamente por vozes masculinas, que animava eventos, mantendo viva a tradição alemã, não é, Jaime?
Em 1986, o coral criou a Sociedade Cultural Santa Cecília. E em 2018, inaugurou sua sede de ensaios e convivo, no Parque Municipal, construção totalmente em estilo enxaimel, típica dos imigrantes.
Em 2021, a sociedade ampliou a sede e fundou a Escola de Canto e Música. Desde então, a sociedade cultural conta com dois corais: um misto e um masculino.
O coral nunca interrompeu suas atividades, nem agora, não é? Ou na... (Risos.)
Em 2015, nos festejos do seu centenário, lançou o seu segundo CD e um livro contando sua história.
Atualmente tem, em seu repertório, canções em seis idiomas e conta com três regentes: primeiro regente, Guido Laurentino Stein; segundo regente, Misael Assmann; e terceiro regente, Marcos Brod, neto do fundador do coral. Neto, o bisneto está aqui presente.
Então vamos acompanhar o vídeo.
(Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Nossos cumprimentos e o nosso aplauso - não é, Jaime? - ao Coral Santa Cecília.
Quero agradecer a presença dos expositores e expositoras na pessoa da Embaixadora da Alemanha no Brasil, a Sra. Bettina Cadenbach. Foi muito bom! Quero também agradecer a presença de todos e todas aqui, no Plenário do Senado Federal; todos e todas que nos acompanharam pelo Brasil - em particular, a Senadora Ivete da Silveira, que já se manifestou, nesta sessão, de Joinville, em Santa Catarina, e que continua aqui presente -; os meios de comunicação do Senado; todo o apoio da infraestrutura para que, em conjunto, pudéssemos celebrar os 200 anos de imigração alemã para o Brasil, uma ocasião importante, de muita celebração, de muita união, de muita integração, como a Senadora Ivete colocou; uma soma a favor de todos nós sermos melhores, mais desenvolvidos, pujantes economicamente, socialmente, e que possamos ainda abrir novas perspectivas nessa caminhada conjunta, Brasil-Alemanha.
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Duzentos anos! Quantas coisas boas aconteceram nesse período, para os dois países? Há um impacto, sempre, nessa diversidade, para os dois lados: tanto para nós, como para a Alemanha também.
Então, cumprida a finalidade desta sessão especial do Senado Federal, agradeço, novamente, a todos os meios de comunicação, em especial, que puderam levar para todos os cantos do Brasil esta iniciativa.
Declaro encerrada a presente sessão.
Obrigado. (Palmas.)
(Levanta-se a sessão às 16 horas e 04 minutos.)