2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 24 de novembro de 2016
(quinta-feira)
Às 11 horas
180ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia a todos!
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
Declaro aberta a Sessão Especial do Senado Federal destinada a comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e à entrega da Comenda Senador Abdias Nascimento, em sua 3ª edição.
Antes mesmo de terminar com o protocolo inicial, faço questão de convidar para a Mesa a Senadora Lídice da Mata, uma das mentoras - e por que não dizer? -, a principal mentora da Comenda Abdias Nascimento. (Palmas.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ela foi a Primeira Presidenta. Neste mandato sou eu. Vamos dividir aqui os trabalhos, nós dois.
A Comenda Senador Abdias Nascimento, instituída pela Resolução nº 47, de 2003, de autoria da Senadora Lídice da Mata e coautoria deste Senador, é destinada a agraciar personalidades que tenham oferecido contribuições relevantes à proteção e à promoção da cultura afro-brasileira.
Nesta Sessão, serão agraciados o Instituto de Mulheres Negras do Mato Grosso do Sul (Imune); o Sr. Lázaro Jerônimo Ferreira - Lazzo Matumbi; a Srª Maria José Motta de Oliveira - Zezé Motta.
O Conselho decidiu, por unanimidade, prestar homenagem, in memorian, ao Sr. Juvenal de Holanda Vasconcelos, mais conhecido como Naná Vasconcelos.
Vamos, neste momento, à composição da Mesa dos trabalhos. Já está conosco a nobre Senadora, mentora da Comenda, Lídice da Mata.
Convido o Secretário-Executivo de Assuntos Legislativos e da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, no período 2014 a 2016, Sr. Marivaldo de Castro Pereira. Seja bem-vindo! (Palmas.)
Convidamos a Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Justiça, Srª Deise Benedito. (Palmas.)
Convidamos a Presidenta da Fundação Palmares, no exercício 2015/2016, Srª Cida Abreu. (Palmas.)
R
Convidamos o pesquisador associado do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, Sr. Felipe Freitas. (Palmas.)
Estão conosco, nesta atividade da Comenda Abdias Nascimento, representando o Instituto de Mulheres Negras do Mato Grosso (Imune), a Srª Jackeline Silva; o Sr. Lázaro Jerônimo Ferreira - Lazzo Matumbi; representando a homenageada Maria Zezé Motta, o Sr. Vinícius Belo; e representando o homenageado Naná Vasconcelos, a Srª Maria da Paz.
Demais autoridades presentes: a representante do Governador do Estado do Ceará, Srª Luciana da Mata Vasconcellos; e o Presidente Nacional do Partido Progressista Afro, Sr. Bruno Teté.
Neste momento, em posição de respeito, nós vamos cantar o Hino Nacional.
Esta sessão conta a com a participação especial do cantor, produtor musical e professor de canto Denilson Bhastos, do DF. Aos 8 anos de idade, Denilson descobriu a vocação musical. Além de cantar, ele toca bateria, teclado e violão. Em outubro, fez uma apresentação de tirar o fôlego dos jurados e da plateia em um programa nacional de competição musical, que seleciona e premia os melhores cantores do País.
Convido todos para que, de pé, ouçamos, na voz de Denilson, o Hino Nacional.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o cantor Denilson Bhastos, que nos presenteou com essa bela interpretação do Hino Nacional. No encerramento, dizem, estará com a gente para nos dar mais oportunidade de ouvi-lo.
Eu queria cumprimentar no plenário, também, o ex-Senador João Pedro, para quem peço uma salva de palmas. (Palmas.)
É um batalhador por essas causas, que fez questão de estar aqui.
Neste momento, eu convidaria a Senadora Lídice da Mata a fazer o seu pronunciamento. Pode optar pela tribuna ou aqui, fique à vontade.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Meu caro Presidente e companheiro de lutas, Senador Paulo Paim, uma das principais referências da luta contra o racismo no Parlamento brasileiro porque dedicou todos os seus mandatos a esta causa, entre outras, e que recebeu, recentemente, no 20 de novembro deste ano, na nossa terra, na Bahia, o título de cidadão baiano por sua participação destacada, como aqui disse, por ser reconhecidamente um dos principais líderes nacionais da luta antirracismo no Brasil.
Quero saudar a todos os companheiros, companheiras, representantes dos movimentos, da sociedade civil organizada, líderes, que estão aqui conosco na Mesa, ou fora dela, entendendo este Plenário como uma extensão desta Mesa.
R
Dizer da nossa alegria de poder estar aqui hoje, marcando essa data no Senado Federal, marcando essa data que é de luta do povo negro da sociedade brasileira democrática no País inteiro e que, neste ano, aconteceu em um dia de domingo. Nós não tivemos a oportunidade de poder, portanto, fazê-lo exatamente na data de 20 de novembro.
Eu quero iniciar o meu pronunciamento com uma frase de uma pessoa muito conhecida na Bahia: “Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados” (Makota Valdina).
Com essa frase de Makota Valdina, líder comunitária, militante da liberdade religiosa e porta-voz das religiões de matriz africana, dos direitos das mulheres e da população negra, abro este pronunciamento. Essa frase representa o rompimento de uma cultura ainda existente em nosso País e em todo o mundo: a do racismo institucionalizado, que permeia frases como as que dizem que o negro descende de escravos.
Senhoras e senhores, hoje esta sessão homenageia pessoas que contribuem para a proteção da população negra e a promoção da cultura afro-brasileira.
Hoje entregamos a Comenda Senador Abdias Nascimento, que leva o nome de um negro que liderou projetos pioneiros na luta pela igualdade racial, como o teatro experimental do negro e o Jornal Quilombo, e que passou 13 anos de sua vida no exílio após a edição do Ato Institucional nº 5 pelo regime militar em 1968. Também foi um dos principais idealizadores do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro - que também marca as comemorações desta sessão -, de que tive a honra, juntamente com o Senador Paulo Paim, de ser a autora em 2013.
Assim, nossas homenagens hoje com esta Comenda vão para o cantor Lazzo Matumbi, indicado por mim e representando o movimento negro da Bahia; para o Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune); para a atriz Zezé Motta; in memoriam, para o percussionista Naná Vasconcelos, de tanta contribuição à cultura afro-brasileira no Brasil e à música brasileira; e também para o ator Lázaro Ramos, que foi indicado e declinou de participar desta homenagem, em uma referência aos momentos difíceis por que passa a política no Brasil.
Eu concordo com a dificuldade dos momentos em que vivemos. No entanto, escolho a manutenção desta sessão e destes homenageados todos, inclusive do Lázaro, para mostrar à sociedade brasileira, dar visibilidade à sociedade brasileira da contribuição destas pessoas à vida do povo brasileiro, com sua contribuição na cultura, com sua contribuição na religião, com sua contribuição nas artes, na educação, na arquitetura, em tudo. O negro brasileiro contribuiu para a formação do Brasil de maneira tão especial.
R
Afinal, em 300 anos de escravidão, há um legado extremamente doloroso para a civilização; há um legado extremamente nefasto à identidade, à formação deste País, escravizando seres humanos. Mas, por outro lado, há o legado dessa população enorme que veio para o Brasil e conseguiu erguer esta Nação.
Sobre Lazzo Matumbi, o nosso homenageado pela Bahia, quero falar de maneira especial. Quero lembrar que esse cantor e compositor da música baiana se tornou referência para uma geração de cantores de blocos afro-baianos desde a década de 1980. Os blocos afro da Bahia são expressão dessa cultura de resistência e, ao mesmo tempo, da denúncia do racismo no Brasil.
Quando nós tínhamos blocos em que havia quase exclusivamente a presença de brancos no nosso Carnaval, surgem, com a força, com o vigor da resistência política, democrática e de combate ao racismo, os blocos afro da Bahia, para dizer que a negritude tinha e tem uma enorme contribuição na nossa sociedade soteropolitana, baiana e no Brasil, especialmente nos seus ritmos e na sua música.
A música de Lazzo tem a cadência do samba, a pulsação do coração do jazz, o batuque dos tambores africanos, a mandinga da capoeira, a pegada do maracatu, ijexá, agoerê, alujá e tantas outras células rítmicas da nação iorubaiana, e, por toda a sua contribuição, ele é merecedor desta comenda, assim como todos os outros homenageados.
Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, homenageados, convidados, eu gostaria de pontuar algumas questões que permeiam a reflexão sobre a vida dos negros e a negritude no Brasil e o Dia da Consciência Negra. O Dia da Consciência Negra foi iniciativa do poeta e militante do movimento negro gaúcho Oliveira Silveira, no ano de 1971, do grupo Palmares de Porto Alegre. A celebração do dia 20 de novembro, como data maior da luta contra a escravidão e o racismo no Brasil, corresponde à importância que o movimento quilombola, simbolizado pelo Quilombo dos Palmares, possui para a história do Brasil.
Zumbi é a representação viva da resistência permanente, da luta contra a escravidão, e sua morte representou um legado da luta sem tréguas em defesa da liberdade. Em verdade, a celebração do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra representa, a um só tempo, tanto aqueles que morreram lutando quanto aqueles que, liderando o maior movimento de massa do século XIX, também obtiveram grande vitória com a abolição da escravatura no Brasil em 1888, assinada pela Princesa Isabel, mas que foi também uma conquista da luta abolicionista.
R
Nós não podemos nos esquecer de que a abolição, independentemente de quem a proclamou, libertou mais de 800 mil pessoas, mesmo não tendo dado a elas as condições de cidadania necessárias.
Foram todos movimentos históricos que se completaram, o Movimento Quilombola e o Movimento Abolicionista, que são, na verdade, filhos da mesma matriz: a luta pela liberdade plena do ser humano.
O movimento negro, neste momento, sofre, como todos os outros movimentos sociais do nosso Partido, as dores e as vicissitudes da situação política conjuntural, que é muito singular, porque tivemos em curso um processo de mudança traumático do Governo brasileiro.
Não quero transformar isso aqui em um debate sobre impeachment ou não impeachment, mas é impossível discutir-se um movimento popular neste dito momento no Brasil sem levar em conta que houve uma ruptura de acordos, de programas, de políticas que estavam sendo desenvolvidas por um governo que foi eleito e que, portanto, pactuou essas políticas públicas com a sociedade brasileira e com o movimento negro, que, neste momento, sofre um revés nessas conquistas; um revés que, às vezes, me assusta. Eu vinha para esta sessão, Senador Paulo Paim - estava dizendo isso a V. Exª -, e me assustei com o que vi pela televisão.
Sabia que ia haver uma audiência pública para discutir a implantação da EBC no País. A criação da TV Brasil, no País, foi um debate político e ideológico. Muitos eram contra o Brasil ter um canal de televisão, que o Governo brasileiro pudesse adotar como política ter um canal de televisão, embora diversos países do mundo desenvolvido e capitalista o tenham. Os principais países da Europa o têm como um vetor ou canal essencial de divulgação e de transmissão de notícias confiáveis para o seu país e para o mundo.
Vi na televisão, ao dirigir-me a esta Casa, um verdadeiro processo de censura - e mais do que isso -, de discurso de ódio e de perseguição, identificando pessoas que faziam parte da EBC, quais os seus salários, quais os salários dos jornalistas, se são grandes ou se são pequenos.
Quem discute isso não é mais o Sindicato dos Jornalistas, que, aliás - coitado! -, diante da situação da Comunicação no Brasil, está hoje bastante fragilizado, nem a Federação Nacional dos Jornalistas. Ele é, em si e em princípio, condenado por alguns que apontam: o jornalista tal é filiado ao partido tal; o cantor ou o artista tal também é filiado ao partido tal. Ora, isso é típico dos regimes ditatoriais. É uma situação que o Brasil e o mundo conheceu nas décadas de 40, 50 e 60. É fruto do ideário do ódio do mundo que viveu o fascismo. Essa foi uma política dos fascistas que se estendeu nos Estados Unidos para o macartismo, e que aqui no Brasil - não se espantem! - está presente nesse discurso do ódio e da perseguição em apontar as pessoas pelo partido a que elas foram ou são filiadas ou pelo tipo de pensamento que têm. Tempos difíceis, companheiros do movimento social! Tempos difíceis! E esses tempos porão as nossas lutas e a nossa capacidade de resistir à prova.
R
Como legados importantes deste momento por que passamos, que vivemos, é preciso lembrar o Decreto nº 4.887, de 2003, que regulamenta as terras quilombolas; a Lei nº 10.639, de 2004, que inclui, na grade curricular do ensino fundamental, as disciplinas de História da África e Cultura Africana; a Lei de Cotas para o Ensino Superior, aprovada, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal.
É importante também a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, cujo autor está presente aqui na Mesa, e que, embora incompleto pelas necessidades de negociação do Parlamento, não deixa de ser um avanço que precisa ser aprimorado com a criação do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial; a inclusão da questão racial na agenda política da sociedade brasileira, bem como a própria instituição desta Comenda Abdias Nascimento pelo Senado, como a mais alta condecoração dada pelo Legislativo àqueles que lutam pelas causas da negritude.
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Essas são igualmente iniciativas que contribuem para o combate ao racismo e pela igualdade racial promovidas por pessoas e entidades da sociedade brasileira.
Quero ressaltar, para finalizar, problemas atuais. Fui Presidente, Sr. Presidente, há pouco tempo, da CPI que investigou a morte de jovens no Brasil. A radiografia daquela CPI é absolutamente chocante em relação à situação da juventude negra do nosso País. São mais de 50 mil jovens que são assassinados por ano no Brasil; destes, mais de 80% são jovens negros. Nós estamos finalizando, na gráfica, o relatório para que possamos, juntamente com o Relator, o Senador Lindbergh, entregar ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público Federal o resultado desses debates e dessas investigações.
Durante os trabalhos da CPI, nós pudemos constatar que um jovem negro é morto a cada 23 minutos no Brasil. Dados divulgados pelo IBGE da Anistia Internacional e da Secretaria de Segurança Pública mostram que os negros são 76% dos mais pobres, o que significa dizer que três em cada quatro pessoas que estão no grupo dos dez mais pobres são negras. Essa população possui renda média 2,5 vezes menor que a população branca e soma mais de 60% da população penitenciária. Há um processo fortíssimo de discriminação, com recrudescimento do racismo na sociedade brasileira, em particular, nas redes sociais e nos esportes de massa, a exemplo do futebol e do vôlei, em que os nossos atletas são xingados.
R
Além disso, tem se ampliado, de forma perigosa, a intolerância religiosa em relação às religiões de matriz africana e seus adeptos, ensejando, inclusive, invasões e expulsões de regiões controladas pelo tráfico e agressões físicas aos adeptos dessas religiões. O nosso País é um País em que a Constituição garante a liberdade de culto. E é esta Constituição que precisa ser garantida ao povo negro e branco que pratica a religião de matriz africana.
Como retrocessos, temos a reação dos setores conservadores aos avanços conquistados pelos negros. Em particular, nas Casas Legislativas, surge com muita força a discussão da redução da maioridade penal, sem que se discuta em que população vão incidir as consequências dessa redução da maioridade penal.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que tem havido uma convivência - ora sutil, ora explícita - dos mais variados setores dos Poderes constituídos - no Legislativo, no Executivo, no Judiciário -, ao desclassificar manifestações da condição de racismo para a famigerada injúria racial, promovendo, assim, a impunidade.
Diante disso, meus amigos e meus companheiros, nós temos que resistir e estabelecer a nossa nova agenda de luta.
Na próxima terça-feira, tenho notícias que será lançado aqui, em Brasília, um novo Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro do Brasil, que se reorganizou para, com uma pauta nova e antiga, garantir a aplicação daquilo que nós já conquistamos na lei no nosso País e pôr adiante uma pauta de novos avanços na luta contra o preconceito.
Eu destaco algumas delas e finalizo: políticas de permanência dos cotistas nas universidades, com o objetivo de consolidar uma classe média negra intelectual, com vistas ao enfrentamento ideológica e cultural, visando estabelecer uma nova narrativa histórica para a presença negra no Brasil; a inclusão, no mercado de trabalho, de jovens negros, oriundos, muitos deles, das políticas de cotas no ensino superior; criação de políticas públicas no campo econômico para estimular os empreendedores e empresários negros; ocupação de espaços políticos, com o objetivo de defesa da legislação antirracista existente e ampliação de mecanismos de proteção à diversidade racial, religiosa e cultural da sociedade brasileira; luta pela redução da violência, em particular contra a juventude negra, por meio de políticas públicas de inclusão, de educação e cultura; inclusão de uma agenda específica das mulheres negras, em particular a luta contra o machismo e o empoderamento feminino negro; combate à intolerância religiosa em todos os campos - já temos o dia 21 de janeiro como o Dia Nacional de Luta Contra a Intolerância Religiosa e vamos torná-lo efetivo.
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Liberdade religiosa, liberdade de ter acesso à vida e dignidade à vida, é isso que exigem os negros do Brasil.
R
Para finalizar, Sr. Presidente, diferente do que alguns analistas dizem - que Trump venceu nos Estados Unidos, porque a maioria branca não queria continuar sendo governada pela minoria negra -, no Brasil nós somos maioria, somos 52% da população, e... (Palmas.)
... isso não se reflete nas conquistas, no Parlamento, no Executivo, no Poder Judiciário, na participação em nenhum dos Poderes e nem nas oportunidades para o povo negro do nosso País.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus amigos, minhas amigas, depois do brilhante pronunciamento da nossa querida Senadora Lídice da Mata, neste momento, nós passaremos à entrega da comenda.
Cada homenageado que queira usar a palavra poderá fazê-lo da tribuna depois de receber a homenagem.
Eu convido, de imediato, nosso querido amigo, comprometido com as causas dos direitos humanos, o Senador Elmano Férrer, para entregar a placa e o diploma à representante do Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune), Srª Jackeline Maria da Silva. (Palmas.)
O Senador Elmano vem aqui neste momento, e também a Srª Jackeline Maria da Silva.
(Procede-se à entrega da Comenda Senador Abdias Nascimento à Srª Jackeline Maria da Silva.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deem uma canjinha para a Mesa, venham os dois para trás, vamos tirar uma foto. Agora, tira com a Mesa toda aqui. (Pausa.)
Muito obrigado. (Palmas.)
O Instituto de Mulheres Negras do Mato Grosso (Imune) é uma Organização Social sem fins lucrativos, criada em 2002, que busca o reconhecimento dos valores históricos, da ancestralidade e da cultura das comunidades afrodescendentes do Mato Grosso como estratégia para enfrentar o racismo, a discriminação de gênero, as igualdades raciais e sociais.
O Imune-Mato Grosso é composto majoritariamente por mulheres afrodescendentes e luta permanentemente contra a discriminação racial de gênero, que foram os fatores que motivaram a criação do Instituto.
(Intervenção fora do microfone.)
R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu tinha combinado o jogo com a Jackeline. Ela disse: "Meu pronunciamento está lá em baixo". Eu disse: "Vá lá pegar, enquanto isso eu falo do Instituto."
A palavra é sua.
Nós vamos dar cinco minutos para cada um, mas sem nenhum controle rígido. Se você chegar a dez minutos, chegou bem.
A palavra é sua.
(Interrupção do som.)
A SRª JACKELINE SILVA - Senhoras e senhores, bom dia.
O Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune MT) dedica esta comenda a todas as mulheres... (Fora do microfone.) ... de coração valente, do passado e do presente, que resistiram às crueldades, aos insultos, aos abusos, às violências e que, apesar de todas as animosidades vividas, das quais foram vítimas, resistiram bravamente - algumas lutaram até a própria morte. Foram essas mulheres que permitiram que hoje estivéssemos aqui.
As mulheres negras de Mato Grosso trazem no sangue a força da nossa ancestral mais ilustre - Teresa de Benguela -, líder do Quilombo do Quariterê, localizado hoje no Município de Vila Bela da Santíssima Trindade, que foi a primeira capital do Estado de Mato Grosso.
Assim, em nome das mulheres negras cuiabanas, mato-grossenses, quilombolas, urbanas, idosas, jovens e LGBT, nós agradecemos esta honraria, que traz, em seu nome, a personalidade que lutou contra o racismo, defendeu políticas de inclusão e os direitos da população negra, promoveu a valorização da cultura afro-brasileira, Abdias Nascimento, orgulho e inspiração para o movimento negro.
Nós agradecemos também ao Senador Paulo Paim e ao Senador por Mato Grosso Wellington Fagundes pela indicação.
Aceitar esta comenda significa honrar Abdias do Nascimento e o seu legado, demonstra o nosso profundo respeito às pessoas que lutam contra a discriminação racial, mas significa também uma reparação por todos os 516 anos em que nós, negras e negros, ouvimos que o preconceito racial não existe, que não precisa existir o Dia da Consciência Negra, nem ações compensatórias para garantir a igualdade de condições.
Nós aceitamos a retratação que esta comenda simboliza. Entretanto, não podemos deixar de mencionar o delicado momento que estamos vivendo neste País, em que emendas à Constituição são feitas em gabinetes, sem consulta popular - como a PEC 55. São atos injustificáveis, que atentam contra a Constituição Federal.
Em apenas três meses, sofremos vários retrocessos, como a eliminação das instâncias responsáveis pelas políticas públicas de gênero, igualdade racial e direitos humanos. Tais fatos constituem ameaça a uma população que já se encontra desfavorecida social e economicamente.
Sabemos que boa parte dos ocupantes deste espaço institucional, no qual estamos hoje, posicionam-se abertamente contrários aos ideais que Abdias defendeu. Hoje, em 2016, vemos os Poderes Executivo e Legislativo Federal destruindo todos os direitos conquistados em décadas de luta, do povo e dos movimentos sociais, aniquilando as políticas públicas de equidade para a população negra, o que atinge diretamente as mulheres negras.
Precisamos lembrar que, dentro dos grupos sociais historicamente marginalizados e excluídos das políticas sociais, as mulheres negras são maioria. Lamentavelmente, nós mulheres não conseguimos nos ver representadas e incluídas nas instâncias de Poder, como bem disse a Senadora Lídice, mesmo constituindo a maioria no País e também em Mato Grosso.
Somos professoras, cozinheiras, administradoras, enfermeiras, atletas, donas de casa, artesãs, vendedoras, estudantes, artistas, mestres e doutoras; somos filhas, avós, tias, irmãs, madrinhas, esposas e mães, que criam e cuidam de uma Nação brasileira, que se volta contra nós. (Palmas.)
R
Foram 388 anos de escravidão, sofrimento e tortura; contra apenas 128 anos de abolição. Agora, no século XXI, quando começávamos a superar as desigualdades de 516 anos, nos deparamos com um sistema oligárquico, conservador, patriarcal, machista e discriminatório, que oprime a população negra, principalmente as mulheres.
O que nós faremos? Resistência - resistência! Vamos continuar a luta de nossos ancestrais, para garantir e tornar real uma reparação justa e necessária.
Em memória de Abdias, axé. Salve às mulheres negras e aos afrodescendentes de todo o Brasil. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos à Srª Jackeline Maria da Silva, que fez um discurso que com certeza mexeu com a alma, o coração e a emoção de todos.
Está conosco, já à Mesa, a representante do Movimento Nacional Mães de Maio, Srª Débora Maria da Silva. (Palmas.)
A nossa próxima homenageada, agraciada, é Zezé Motta.
Como ela não pôde estar presente por motivos profissionais, enviou-nos um vídeo agradecendo a premiação. Nós vamos exibi-lo neste momento, mas, ao mesmo tempo, convido para vir à Mesa o seu representante, o Sr. Vinicius Oliveira Belo.
Eu peço que o vídeo seja passado neste momento.
Fique ao meu lado, porque eu mesmo vou entregar o diploma e a medalha a você.
Vamos assistir ao vídeo.
(Procede-se à apresentação de vídeo)
(Procede-se à entrega da Comenda Senador Abdias Nascimento ao Sr. Vinicius Oliveira Belo, representante da Srª Zezé Mota.)
R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Neste momento fizemos uma homenagem in memoriam ao Sr. Juvenal de Holanda Vasconcelos, mais conhecido como Naná Vasconcelos.
Convidamos a representante do homenageado, Maria da Paz dos Santos Brandão.
A Senadora Lídice da Mata vai entregar aqui a homenagem.
(Procede-se à entrega da Comenda Senador Abdias Nascimento à Srª Maria da Paz dos Santos Brandão, representante do Sr. Juvenal de Holanda Vasconcelos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fazendo soar a campainha.) - Neste momento, convidamos a Senadora Lídice da Mata, porque foi dela inclusive a indicação, para entregar a placa e o diploma ao Sr. Lazzo Matumbi.
Lazzo Matumbi é cantor e compositor, dono de uma rica musicalidade, que veio do samba ao jazz, passando por ritmos como reggae, soul e todos os outros batuques de origem africana.
(Procede-se à entrega da Comenda Senador Abdias Nascimento ao Sr. Lazzo Matumbi.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A pedido da Senadora Lídice da Mata, ele vai dar um recado e uma "canjinha" como dizem.
O SR. LAZZO MATUMBI - Primeiramente, quero agradecer aos meus deuses ancestrais por terem me conduzido até esta premiação; depois, agradecer a indicação da Senadora Lídice da Mata. Sem palavras. Tudo certo! É isso aí mesmo.
R
Quero agradeço aos Senadores que aprovaram, em nome do Senador Paulo Paim, e dizer que para mim é uma grande honra poder receber uma comenda que leva o nome de um grande líder, que morreu exatamente lutando pela nossa causa e que deixou exatamente um ensinamento profundo para todos nós: continuem lutando, resistindo para que o nosso País, chamado Brasil, possa se olhar no espelho, possa se enxergar, miscigenado, possa respeitar as suas etnias e, lá na frente, quando tiver acontecido tudo isso, ele possa dizer "agora, sim, eu sou uma grande Nação, respeitando as diferenças". (Palmas.)
Lá na Bahia, com quase 80% da população negra, a todo momento, a todo instante, a gente discute, a gente conversa, a gente tenta chegar a uma solução, a uma denominação de como resolver isso. E aí a gente se questiona: por que tanta desigualdade? Por que tanta indiferença conosco, povos "negríndios", que somos abandonados? Enquanto nós negros ainda estamos na tribuna discutindo as nossas vidas, os nossos irmãos indígenas estão sendo mortos na rua como objeto, como qualquer coisa.
E aí eu me reporto a um poema de um parceiro de música, chamado André Luiz Oliveira, que diz mais ou menos assim:
Quinhentos anos se passaram e tudo continua igual
O açoite agora é mais sutil e natural
Eternas noites de sufoco no porão, na construção
O braço, a força, o pilar desse Brasil, ingratidão
E ninguém fala, ninguém grita, ninguém quer ver
Nossa gente abandonada hoje sabendo por quê
Favelados, indigentes, sem dinheiro
Todos ou quase todos descendentes de nobres guerreiros
Africanos, indígenas. Homens livres para amar
Tantos anos, nem um teto para morar
Ei! Ei! Abram caminho!
Branca é a dor que passa
Negra é a paixão, é Alvorada.
Eu sei que sem a noite não vai haver dia
Por isso, não vamos adiar mais nossa alegria
E canto:
No dia 14 de maio eu sair por aí
Não tinha trabalho nem casa nem para onde ir
Levando a senzala na alma, subi a favela
Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci
Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia
Um dia com fome, no outro sem o que comer
Sem nome, sem identidade, sem fotografia
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver
R
No dia 14 de maio ninguém me deu bola
Eu tive que ser bom de bola para sobreviver
Nenhuma lição, não havia lugar na escola
Pensaram que poderiam me fazer perder
Mas minha alma resiste meu corpo é de luta
Eu sei o que é bom, e o que é bom também deve ser meu
A coisa mais certa tem que ser a coisa mais justa
Eu sou o que sou pois agora eu sei quem sou eu
Será que deu para entender a mensagem?
Se ligue no Ilê Aiyê
Se ligue no Ilê Aiyê
Agora que você me vê
Repare como é belo ver nosso povo lindo
Repare que é o maior prazer
Bom pra mim, bom pra você
Estou de olho aberto
Olha, moço, fique esperto, que eu não sou menino!
Olha, moço, fique esperto, que eu não sou menino!
Olha, moço, fique esperto, que eu não sou menino!
Axé para todos!
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu diria muito, muito obrigado, Lazzo Matumbi.
Foi muito forte. A verdade contada em verso e em poesia e cantada é muito forte. Por isso, eu vou tomar a liberdade de pedir mais uma salva de palmas. (Palmas.)
Passamos a palavra, neste momento, aos nossos representantes na Mesa.
Passamos a palavra, de imediato, ao Sr. Marivaldo de Castro Pereira, que é Secretário Executivo de Assuntos Legislativos e de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, no período de 2014 a 2016.
O pedido vai na mesma linha: cinco minutos para cada um. Se necessário, chegaremos a dez.
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Muito bom dia todos.
Inicialmente, gostaria de cumprimentar o Senador Paim e a Senadora Lídice por criarem este espaço. Acho que este espaço, como a Senadora colocou muito bem, é imprescindível, essencial, porque nós não temos espaço para colocar nossas pautas. Nós vivemos um momento muito difícil em nosso País, em que os poucos espaços que havíamos conquistado começam a se fechar, espaços em que a população negra poderia colocar suas pautas, suas reivindicações. Então, a manutenção, o acontecimento deste evento, abrir este espaço para que façamos um debate sobre os temas que afligem a nossa população é imprescindível, é fundamental, tendo em vista nossa sub-representação em todos os Poderes. Hoje, no Executivo, nossa sub-representação talvez seja uma das maiores pós-período autoritário. Talvez, no período democrático, a população negra nunca tenha estado tão mal representada no Executivo como hoje.
R
Eu queria cumprimentar os companheiros de Mesa, cumprimentar os agraciados e trazer um tema que não pode passar batido neste mês da Consciência Negra, que é o tema dos homicídios. Nós temos hoje, no Brasil, um problema seriíssimo com os homicídios. Dados divulgados recentemente demonstram que o Brasil ultrapassa mais de 58.400 homicídios. Nós temos, de 2011 a 2015, mais mortos do que a Síria, que está em plena guerra - assistimos a imagens todos os dias -, um país completamente devastado, e tem menos mortos do que o Brasil.
Mas quem se importa? Nós não vemos essas mortes, não vemos esses dados o tempo todo na televisão, não vemos isso sendo divulgado, não vemos isso sendo explorado pelos grandes jornais. Por quê? Ora, talvez porque grande parte da sociedade saiba quem são esses mortos. Talvez porque quem controle o Poder econômico, quem controle a grande mídia, quem controle o poder político saiba quem são as principais vítimas desses homicídios.
Eu sei que os jovens da periferia sabem quem são. Os jovens da periferia sabem quem são as principais vítimas desses homicídios e há muito tempo gritam por isso. Há muito tempo, por meio das suas manifestações culturais, têm denunciado, têm gritado, têm clamado por ajuda em relação a isso, como uma música que eu gostaria de mencionar, do grupo de rap Racionais Mc's, um grupo que foi muito importante para a minha formação, que dizia, ao analisar uma cena em frente ao cemitério no Dia de Finados. Ela dizia:
2 de Novembro era finados. Eu parei em frente ao São Luís do outro lado
e durante uma meia hora olhei um por um e o que todas as Senhoras
tinham em comum: a roupa humilde, a pele escura, o rosto abatido pela
vida dura. Colocando flores sobre a sepultura. ("podia ser a minha mãe").
Que loucura.
Creio que esses versos dizem bem o que sente o jovem da periferia. Nós somos as principais vítimas dessa onda de homicídio, somos as principais vítimas da violência no nosso País. A cada 10 homicídios registrados no Brasil, ao menos sete são de negros, e essa proporção segue aumentando, de acordo com os dados recentes, enquanto o homicídio de brancos segue estabilizado ou até mesmo caindo. Enquanto os índices seguem crescendo, nós temos uma completa ausência de discussão sobre o tema. Quem se importa? Quem se importa com o tema?
Nós temos, com urgência, que firmar um pacto pela redução desses homicídios.
E o Governo anterior, democraticamente eleito, estava travando esse debate, estava construindo esse debate...
(Soa a campainha.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - ... dando sequência às políticas de inclusão social que vínhamos tendo até então. O próximo passo era fazer esse enfrentamento; buscar Estados, Municípios e construir uma política que enfrentasse o problema de homicídios. Mas quem se importa?
Nós levantamos, de acordo com os dados, que 50% dos homicídios do País ocorrem em apenas 81 Municípios, ou seja, o problema é extremamente concentrado. Logo, o problema é possível de ser enfrentado.
Dentro dessas cidades que concentram esses homicídios, estes estão concentrados nos bairros mais pobres. Quem habita esses bairros mais pobres? Obviamente, a população mais pobre. De acordo com relatório da ONU, como a Senadora Lídice colocou aqui, mais de 70% da população miserável do País é negra. É essa população que é vítima dessa violência. Mas quem se importa com esse problema?
Questionado, recentemente, sobre a implementação do pacto pela redução de homicídios, o Ministro da Justiça disse: "não faz parte da pauta deste Governo". E não faz mesmo, por várias razões que foram colocadas aqui.
R
Vivemos um momento muito difícil. Vivemos um momento em que os espaços que havíamos conquistado estão sendo reduzidos. Vivemos um momento em que as políticas que conquistamos correm sério perigo. Vivemos um momento em que nossas políticas, que antes haviam sido pacificadas na sociedade, hoje voltam a ser contestadas.
O que seriam as causas desses homicídios? Também estudamos, pesquisamos, trouxemos especialistas, debatemos com a sociedade à época e verificamos que são múltiplas as causas dos homicídios: porte de armas, violência contra a mulher, tráfico de drogas. Mas uma dessas causas é central: é a violência policial, a violência do agente do Estado. O agente do Estado que deveria proteger acaba se tornando o agente da violência, aquele que pratica a violência. E debater a violência policial não é ser contra a polícia. É importante deixar isso claro. Ao contrário, debater a violência é querer ter uma instituição que seja legítima perante a sociedade, uma instituição que tenha o respeito da sociedade, uma instituição que não desperte medo naqueles a quem ela deve defender.
Uma das discussões que a gente fez, levantando os dados, é que - aliás, dados recentes -, em 2015, foram 3.345 pessoas mortas pela polícia, nove por dia, uma alta de 6,3%. Ao mesmo tempo, nós tivemos uma redução de 4% do número de policiais mortos em ação. Ou seja, temos um problema. Precisamos avaliar.
Por que temos este problema? Temos este problema porque nós temos uma situação... E aí mais um poeta, o rapper Gog, sintetiza isso muito bem: poder demais na mão de um indivíduo, poder para matar e não ser punido. Esse é o problema. As mortes causadas pela violência policial hoje não são apuradas na maioria dos Estados. São registradas em um documento chamado auto de resistência, um documento no qual a vítima acaba se tornando o agressor e a vítima passa a ser investigada. E aí você não tem investigação nenhuma.
Ora, Senador, é importante dizer, não são todos os policiais, não é um problema generalizado nas polícias, são poucos. Aliás, uma obra que estudou esse tema, o livro Rota 66, do jornalista Caco Barcelos, foi um dos primeiros a estudar este tema e apontou que o número de policiais que praticam esses atos de violência, que praticam o extermínio, é muito reduzido, mas a sua consequência na periferia, na sociedade, nas famílias que...
(Soa a campainha.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - ... têm seu jovens mortos por esses policiais é drástica, é desastrosa. Suas consequências diante da perda de legitimidade da instituição policial na periferia é desastrosa. Nós temos que debater este tema.
Foi por isso que após o debate - inclusive Débora, da instituição Mães de Maio - com a sociedade civil, um debate com a Seppir, com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, um debate com o Conselho Nacional do Ministério Público, nós elaboramos uma proposta que diz simplesmente o seguinte: toda morte ocorrida durante a atuação policial deve ser investigada. Toda morte ocorrida durante a atuação policial deve ser investigada. Muitos podem olhar e pensar: "como assim? Isso é óbvio." É óbvio, mas não é o que ocorre, não é a realidade.
Elaboramos uma proposta que deu origem ao Projeto de Lei nº 4.471, de 2012, apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira e mais três Parlamentares. Essa proposta determinava que essa investigação acontecesse, determinava que o local do fato ...
(Soa a campainha.)
R
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - ... fosse preservado para que fosse feita uma perícia científica e determinava que os órgãos responsáveis pelo controle da atividade policial fossem notificados para acompanhar a apuração. Infelizmente essa proposta está há quatro anos parada na Câmara dos Deputados. Infelizmente um dos primeiros atos desse Governo ilegítimo que tomou posse foi retirar a urgência da tramitação desse projeto, que foi solicitada pela Presidenta anterior, pela Presidenta Dilma, democraticamente eleita.
Quem se importa? Quem se importa? Nós nos importamos. Se nós nos importamos, é um momento em que nós devemos existir. Devemos ocupar cada espaço que nos for dada a oportunidade, para clamar pela aprovação desse projeto, para defender nossas conquistas, para clamar que a gente não tenha nenhum direito a menos. Nenhum direito a menos! Não podemos consentir com isso. Eu tenho certeza de que a maioria dos que estão aqui presentes,...
(Soa a campainha.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - ... a maioria dos companheiros que estiveram junto conosco nessa luta de construção desse projeto, pela aprovação desse projeto, estaremos unidos, fazendo frente a esse retrocesso que infelizmente vem tomando conta do País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Passamos a palavra agora à perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Justiça, Srª Deise Benedito.
Mas anuncio já a presença conosco do Senador Wellington Fagundes, que foi quem indicou o prêmio para as mulheres negras do Mato Grosso e que fez um belo pronunciamento aqui, inclusive as lágrimas rolaram. Uma salva de palmas pela tua bela indicação. (Palmas.)
Você usa a palavra no momento que entender mais adequado.
Quero registrar a presença da nobre e querida Senadora Regina Sousa, que também usará a palavra no momento que entender mais adequado. (Palmas.)
E o Senador Elmano Férrer também, se quiser usar a palavra, o fará no momento que entender mais adequado.
A palavra é sua.
A SRª DEISE BENEDITO - Bom dia a todos e a todas! Eu quero agradecer mais uma vez o (Fora do microfone.) convite feito pelo Senador Paulo Paim, para estar aqui presente nesta sessão solene alusiva ao Dia da Consciência Negra. Cumprimento os agraciados. É mais do que merecido o prêmio que receberam, pelo seu trabalho, pelo seu compromisso, pela luta dos direitos humanos e existenciais da população negra deste País.
Eu fiquei muito emocionada com a sua fala, Jackeline, porque é uma fala que vem com um conteúdo ancestral, que vem com força, coragem, dor, amor, resistência e resignação. Uma das coisas em que você tocou foi a questão da tortura.
Eu sou membro do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Esse órgão foi criado pela Lei nº 12.847, em 2013. Uma das funções dos onze peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é prevenir a tortura e fazer inspeções a locais de privação de liberdade - manicômios, presídios, locais onde existe cumprimento de sentenças socioeducativas, asilos, e também comunidades terapêuticas.
Quando a gente vai abordar a questão da tortura neste País, lamentavelmente a tortura tem cor. E quando a gente fala de tortura e cor da tortura, a gente não pode deixar de lembrar que os primeiros corpos torturados neste País, os primeiros corpos que foram violados no seu direito de existência, os primeiros corpos que foram aprisionados neste País, neste continente, foram dos povos indígenas. Como bem lembrou Lázaro, dos nossos "negríndios."
R
Não podemos deixar de nos lembrar, não podemos falar de violência contra a mulher, se não falarmos do que foi a violência contra as mulheres indígenas. Não podemos falar da questão da violência e da exploração contra a criança, se não nos lembrarmos das crianças indígenas. Não podemos falar de extermínio de juventude neste País, se não levarmos em consideração o que foi feito com os jovens indígenas. Então, a gente vive um processo secular do uso desses corpos, como aqueles que podem ser torturados, dizimados ou exterminados, porque são corpos de menos valor humano.
Aí, não podemos deixar de falar sobre o que foi feito com a população negra, com os jovens africanos aqui escravizados, até porque as mãos que vieram para este País, para a construção deste País, para o desenvolvimento da economia, eram de jovens africanos. Esses jovens tiveram seus corpos torturados, castigados, marcados com ferro em brasa, assim como as jovens africanas, que foram vilipendiadas na sua essência, no sentido mais profundo da alma. A essência humana era despersonalizada durante todo o período da escravização deste País.
Quando a gente em tortura, a gente não pode se reportar apenas à questão da prática dessa tortura no físico dessas pessoas, mas às marcas deixadas na alma dessas criaturas, porque a tortura, além de inferiorizar, diminuir e submeter um indivíduo a uma condição inumana, despersonaliza a essência da dignidade da pessoa, porque não basta apenas açoitar; você tem que reduzir aquela pessoa à condição de não existência. Essa condição de não existência enquanto pessoa perdurou em nosso País por mais de 300 anos.
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - Obviamente, essa prática do castigo corporal, utilizado amplamente dentro do sistema de um Estado escravagista, que eu chamo de "ferro a ferro", perpetua-se lamentavelmente ainda nos dias de hoje.
Mas, hoje, essa tortura tem requintes de crueldade. Nós, que fazemos inspeções nos locais de privação de liberdade, vemos que essa tortura não é só o tapa, não é só pendurar na cela, não são só choques elétricos. Essa tortura vem através da forma e dos locais em que essas pessoas ficam, muitas vezes, em condições insuportáveis de existir. Nem os porcos conseguem viver em determinados locais de privação de liberdade, podendo ser manicômios, assim como os presídios, diante da superlotação, da condição da alimentação oferecida.
Há repunição ao indivíduo que já foi sentenciado ou, então, está aguardando a sentença na qualidade de preso provisório. A punição, o estado punitivo no Estado brasileiro... Lamentavelmente, a cor da pele define a sua pena neste País. Lamentavelmente, ainda temos a grande questão do acesso à justiça, a dificuldade de se acessar um advogado, de se acessar essa justiça, de comprovação da prática da tortura e dos maus tratos, que passam pela ausência de colchão, pela ausência de médicos, assim como pela ausência, muitas vezes, de corpo de funcionários que possam levar ou escoltar homens e mulheres em cumprimento de pena; as condições pelas quais muitas mulheres que estão cumprindo pena nos presídios, quando são mães, passam, principalmente durante a gravidez, em locais superlotados; as condições do socioeducativo neste País, ainda, em que muitos jovens são sistematicamente torturados fisicamente, são humilhados, ficando, às vezes, mais de 22 horas sem poder tomar banho de sol, que é um direito mais do que humano, o direito ao sol. É sempre bom lembrar que esses corpos têm nome, esses corpos têm RG e esses copos têm cor.
R
Então, uma das formas de também se trabalhar com a tortura é desumanizar essas pessoas na sua essência. E aí, quando se fala dessa questão da desumanização, remete-se à questão do extermínio. Eu tenho o hábito de dizer que o extermínio da juventude negra neste País se dá no momento em que ancora o primeiro navio negreiro aqui.
Com o primeiro navio que aportou neste País, deu-se início à grande saga de todos os povos africanos e seus descendentes na luta de sobrevivência digna. E aí, quando a gente vê do ferro ao ferro, esse ferro que marcou em brasa, esse ferro se traduz hoje nas grades de ferro dos presídios, transforma-se nas algemas do dia a dia, em que nós vemos as mortes desses jovens, porque estar preso é aquela morte lenta gradual, segura e eficaz. Por outro lado, nós também temos que ver que, como bem lembrou Marivaldo: se nós temos maus policiais, temos bons policiais, temos bons agentes públicos; mas também temos, do outro lado, infelizmente, a questão dos territórios defendidos pelo tráfico de drogas, em que a morte é certa na divisão de territórios, em que vemos tantos jovens tombando.
Nós não podemos também deixar de falar de uma questão. Quando a gente se reporta à questão do extermínio, do número de jovens que morre, há a questão do impacto social, o impacto que, daqui a alguns anos, a morte de 60, 70, 80 mil jovens por ano neste País fará na Previdência Social, Senador, porque eram jovens que poderiam estar trabalhando, contribuindo para a Previdência Social, e que são covardemente mortos com os diversos métodos hoje que há para matar esses jovens.
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - Outra questão também que nós não podemos deixar de lembrar é o impacto da morte desses jovens para as famílias, porque não morre só um jovem, mas morre uma mãe, morre uma irmã, morre uma tia, morre uma filha; desencadeiam-se doenças dentro da família, como hipertensão, como infarto, como AVCs, pela perda, pela dor. Ninguém pode ter a dosimetria da dor de um ente que perde o filho num confronto em que a bala só vem; a bala não vai. Então, essa é uma das grandes questões.
Por outro lado, quando a gente fala de acesso à Justiça, nós não podemos deixar de sempre falar das dificuldades, e também lembrar o esforço, o compromisso das Defensorias Públicas estaduais em busca de justiça; das dificuldades dos defensores públicos, que se esforçam em condições, muitas vezes, sobre-humanas para atender uma população que foi desumanizada quanto ao acesso à Justiça, em que não é permitido o acesso à Justiça. E esses defensores públicos têm o compromisso sério também na luta contra o extermínio.
Senador, também eu quero colocar que a gente teve avanços significativos dessa juventude, como nas políticas das ações afirmativas, na questão do Prouni, na questão do Fies. Eu não poderia deixar de lembrar aqui jovens que desempenharam e que desempenham um papel fundamental, os quais considero jovens sobreviventes de uma saga, de uma sentença já declarada por serem negros e por serem pobres.
R
E eu quero, no dia de hoje, fazer esta homenagem a esses negros, a essas jovens meninas negras e às jovens viúvas negras, infelizmente, vítimas desse extermínio.
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - Quero saudar, primeiramente, ao jovem Marivaldo Pereira, que me antecedeu na fala, pela história de luta, de resistência e de compromisso com a juventude negra. Marivaldo vem de uma das regiões mais violentas da década dos anos 70 e 80, onde atuavam os grupos de extermínio. Marivaldo sobreviveu à atuação dos "pés-de-pato", sobreviveu à Rota e trocou uma cela do Pavilhão nº 9 da Casa de Detenção, que era o destino dos jovens, infelizmente, do nosso Estado em São Paulo, por uma vaga numa cadeira da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde está a elite paulista. Esse jovem fez o curso da Poli, esforçou-se, fez militância e, hoje, é um exemplo: o primeiro jovem negro deste País a assumir o cargo de Secretário-Executivo do Ministério da Justiça da República Federativa do País. (Palmas.)
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - Marivaldo é um exemplo de luta, de determinação. A bala não atingiu Marivaldo. E um dos exemplos de ele não admitir que essa bala o atingisse foi o seu empenho nesse Projeto de Lei nº 4.771, de 2012, pelo fim dos autos de resistência, porque ele sabe que cada jovem negro que tomba é um pedaço dele que vai junto. Chegar como sobrevivente, aos 33 anos, passando pela Rota e pelo grupo de extermínio? Ele é um vitorioso! Chegar aonde ele chegou? É um vitorioso!
Eu também não poderia deixar de falar de Gabriel Sampaio, outro jovem negro que trabalha aqui no Senado, formado em Direito.
Eu não poderia deixar de falar de Douglas Belchior, outro jovem negro que foi um dos fundadores da Uneafro, de São Paulo; hoje é historiador e leva firme a luta contra o extermínio da juventude negra não só em São Paulo, mas em todo País.
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - Eu não poderia deixar de falar de Alan da Rosa, um jovem que foi criado no bairro do Jabaquara, foi feirante, ambulante, limpador de carro. Hoje ele é poeta e doutor em Letras da USP, em São Paulo. A bala não o atingiu também.
Outro jovem, Frenilson Batista, da cidade de Tiradentes, fundador da Aliança Negra Posse, hoje é diretor de uma escola pública.
Também não posso deixar de falar de Bruno Renato Teixeira, o primeiro ouvidor negro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, desde a sua fundação, há mais de 16 anos, que também é do Rio de Janeiro e escapou dessa bala que vem com endereço certo.
Não posso deixar de falar de Big Richard, um dos grandes ícones do hip hop, que hoje é doutorando em Jornalismo na UnB.
Acredito que esses jovens negros que se beneficiaram das cotas, das ações afirmativas do Prouni, assim como vários jovens negros deste País, são um exemplo a ser seguido e devem ser respeitados por sua perseverança e autoestima.
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - A questão da oportunidade de não permitir que uma bala transfixasse a alma deles.
E também mulheres, meninas jovens negras que sentiram dentro das suas famílias a violência, que conviveram com isso muito de perto. Posso destacar entre elas, Andréa Lisboa, hoje, doutora; Rosália Lemos, hoje, professora doutora da UERJ; Larissa Amorim, hoje, também doutora na Universidade Federal de Minas Gerais; Vitória Izaú, da favela da Rocinha, hoje, professora doutora da Universidade de Minas Gerais; Tiely Queen; Mabel Assis; e Sandra Silveira.
São tantas jovens mulheres negras que desafiaram o contato com a violência e, através de políticas públicas de ação afirmativa, hoje estão ocupando esses lugares dentro dos bancos da universidade.
R
Dizer que o preconceito acabou? Não acaba, porque, infelizmente, a cor da nossa pele define os locais por que nós devemos transitar e de que forma por eles devemos transitar, porque ainda a nossa cor da pele nos reconduz a uma condição não humana. Mas nós sabemos que somos humanos.
O exemplo de Marivaldo e de todos esses jovens... Como diz o Durkheim, o campo onde essas pessoas estão não justifica o meio; quer dizer, não é o meio que vai transformar essas pessoas. E, no nosso caso, a questão de oportunidades, a questão da valorização de direitos humanos, porque nós, como negros, homens e mulheres, não somos mais humanos que outros humanos. Simplesmente queremos ser aceitos como cidadãos e cidadãs que construíram este País, que a todo tempo estão construindo este País com políticas que possam permitir que todos tenham vida, direito, acesso à justiça e à plenitude da nossa cidadania.
Eu quero agradecer, mais uma vez, ao Senador Paulo Paim...
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - ... agradecer a todos vocês e dizer que a nossa luta é todo dia, toda hora. Acredito que em um dia veremos um admirável mundo novo.
Quero aproveitar a oportunidade, Senador, e passar para o senhor o primeiro relatório que foi feito pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em que foram visitadas várias unidades de privação de liberdade, e, aqui, nós narramos as mais de 700 recomendações para o Poder Público estadual no sentido da prevenção e combate à tortura em todo o Território nacional.
Muito obrigada a todos vocês.
Beijo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Essa foi Deise Benedito, Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, do Ministério da Justiça.
Passamos a palavra, de imediato, à Presidente da Fundação Palmares no exercício de 2015/2016, Srª Cida Abreu.
A SRª CIDA ABREU - Eu quero cumprimentar todos e todas e agradecer o convite, em primeiro lugar, ao Paim, que está presidindo esta sessão e que abriu, dentro dessa sessão tão especial, solene, a oportunidade de se travar um debate e se colocarem posições sobre as relações raciais no Brasil.
Cumprimento a Senadora Lídice e a Senadora Regina, que está aqui, conosco, além do Senador Elmano, que está na Mesa, todos os nossos homenageados, em memória do Naná, que é uma figura extremamente importante para o País e para o mundo, e também cumprimentar o Instituto de Mulheres Negras, o Lazzo Matumbi, e o representante da nossa querida Zezé.
Cumprimento todos e todas, especialmente a Liderança do PT, que me fez o convite, para que, neste momento, fizéssemos uma reflexão sobre o impacto da PEC 55 nas políticas públicas de promoção da igualdade racial no País.
R
Falar do impacto da PEC 55: para construir esse pensamento, em primeiro lugar, eu quis fazer uma consideração histórica que acho que vale porque vivemos um momento de conquista para a qual se lutou muito. Em poucas ocasiões, vemos toda uma conquista sendo desmontada, sendo reduzida a um processo inicial.
Se nós pegarmos o contexto histórico das relações raciais no nosso País, temos de considerar o aspecto sócio-histórico que foi a primeira relação entre negros, indígenas e europeus no Brasil. Nós criamos uma relação...
Ah! Também o Senador Wellington Fagundes, que está na Mesa. Desculpe.
Esse contexto sócio-histórico trouxe um estranhamento e criou uma hierarquia no nosso País entre brancos, negros e indígenas, desconsiderando todo o seu aspecto de diversidade.
Nós também temos de considerar, nesse espaço temporal, que se presume que, em 1538, os negros chegaram ao País. Assim, em 2016, nós temos um tempo de 478 anos de luta pelas relações raciais no Brasil, de afirmação pelas relações raciais. São quase 500 anos tratando desse tema, porque a nossa luta não começou com o movimento negro contemporâneo; ela começou no contexto histórico, porque houve também um posicionamento de negros e negras naquele período, que era a organização quilombola, que foi a primeira organização do movimento negro.
Também temos de considerar que, na década de 30, no século XX, nós vivenciamos o marco da afirmação e consolidação da denúncia e existência do mito da democracia racial. E nós também firmamos, nesse período contemporâneo, a primeira organização de movimento negro no Brasil, que foi o MNU.
Se considerarmos as décadas de 70, 80 e 90, ainda no século XX, vamos entender a influência da cultura afro-brasileira e black americana na resistência contra a ditadura e pela organização dos movimentos negros. Estou dizendo isso porque nós estamos retornando a um processo de cercear essas organizações, de cercear esses direitos conquistados. Por isso, acho que essa linha temporal é importante para entendermos aonde a PEC quer chegar.
Em 1972, nasce a segunda organização de movimento negro, que é o MNU. Em 1988, há a criação da Fundação Cultural Palmares, que é o primeiro organismo de relações institucionais no governo brasileiro. Em 1995, acontece a Marcha Nacional Zumbi 300 anos - de 300 anos da morte de Zumbi - contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida.
Nesse período de 1995, com a organização do movimento negro, em um decreto, foi instituído o grupo de trabalho interministerial com a finalidade de desenvolver políticas para valorização da população negra. Temos de prestar atenção que há um período - de 1538 até agora - de vitória do movimento negro, de vitória da luta pelas relações raciais no Brasil.
Em 1997, houve a convocação da Primeira Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa pelas Nações Unidas, em que ela reconhece que é necessário, no nosso País e no mundo, discutir as relações sociais, considerando o racismo. Isso foi feito pelas Nações Unidas, em 1997. Em 2001, realiza-se a Primeira Conferência contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Conexa na África do Sul. Em 2003, a Lei nº 10.639 é instituída. Em 2003, no século XXI, cria-se o primeiro organismo no mundo que cuida de políticas públicas para a população negra. No mundo! Nunca houve um espaço, no mundo, com o status da CPIR, que, além disso, cuidava de indígenas de indígenas, ciganos e comunidades tradicionais.
R
Nós temos ainda, nesse período do século XXI, a aprovação, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal, do reconhecimento da Política de Ações Afirmativas para Negros. Só o Ministro Dias Tofolli não votou porque disse que não tinha segurança para votar sobre a matéria, mas foram unânimes os outros votos.
Em 2008, houve a instalação do fenômeno de adesão ao sistema de cotas raciais nas universidades públicas - isso tudo vitória do Movimento Negro e das organizações sociais.
Em 2010, os dados do Censo do IBGE revelam que, pela primeira vez no País, o número de pessoas negras é maior do que o número de pessoas brancas. Então, afirma-se, estatisticamente, que o povo negro é a maioria do povo brasileiro. Em 2010 ainda, há a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.
Eu fiz todo esse contexto histórico para poder abrir a minha fala dizendo que o impeachment é um programa organizado para desconstruir a oportunidade, a inclusão, o desenvolvimento humano, o desenvolvimento social da população negra e pobre em nosso País. Então, a PEC é um dos programas do impeachment. Na minha reflexão a respeito da construção desse momento de discutir a PEC, eu acho muito raso só colocarmos sobre a PEC a responsabilidade de o que vai acontecer no nosso País.
Antes da PEC 55, tivemos a MP 476, que foi a reforma administrativa do Governo. Foi o primeiro ato do Presidente, logo que houve o impedimento pleno da Presidenta Dilma. Esse foi o grande ato da reforma administrativa com a 476.
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - Então, nós temos de entender que já estava pensado o afastamento da Presidenta, a reforma administrativa e, agora, a PEC 55, que influencia plenamente na maioria da população brasileira.
Quando falamos que a PEC 55 impacta, estamos dizendo que ela materializa, como instrumento público que representa - pelas duas esferas, legislativa e executiva, no Brasil, - os sintomas da intolerância ao momento importante que o tema das relações raciais estabeleceu no Brasil e todas as suas estruturas institucionais e sociais. A PEC é uma organização de pensamento hierárquico, conservador a essas vitórias, a essas organizações, a essas pessoas negras e à maioria do nosso País. A PEC incide no estrangulamento das políticas públicas afirmativas. Por quê? Ela vem, gradativamente. Quando se exterminam o Ministério da Igualdade Racial, a Secretaria de Juventude, a Secretaria de Mulheres, o MDS, e o MDA, é só entender aonde isso vai chegar! Então, a PEC tem a tarefa de colocar essa população fora de uma educação de qualidade.
R
Quando você tem educação você tem reconhecimento da sua cultura, não só sua cultura como manifestação artística, mas como nação. A nossa Nação pertence a uma cultura; e a nossa cultura é preservada pela nossa consciência; e a nossa consciência é qualificada pela educação. Quando você desvaloriza um trabalhador que ganha um salário mínimo, você está mexendo com que classe, com que cor?
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - Nós temos que entender que a PEC é um dos programas que vêm organizados para poder desconstruir as políticas públicas voltadas à população negra.
Por que isso acontece? Como o Marivaldo perguntou aqui, a quem importa?
As políticas públicas de ações afirmativas com recorte racial no Brasil trouxeram o fortalecimento do debate verdadeiro sobre a discriminação racial no Brasil, sua consciência, a diversidade e como o nosso País se organiza. O Movimento Negro, com as organizações sociais, teve essa competência de organizar esse pensamento em nosso País. E todas as vitórias mexeram com o lugar de fala dessa população e mexeram com o lugar de ocupação da elite brasileira. Então, temos que fazer essa reflexão: a quem interessa e por que está sendo feita essa proposta?
As políticas de ações afirmativas não acabam com o racismo.
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - Há um equívoco quando as pessoas dizem: "Ah, como vocês vão acabar com o racismo com política afirmativa?" Não vai acabar, porque o racismo é uma questão consciente, é uma questão educativa, é uma questão ideológica, é estruturada. Mas as políticas de ações afirmativas nos colocam à frente de um debate sobre esse crime, sobre essa postura racista.
E se essas medidas visam a atender os grupos historicamente discriminados e a promover oportunidade de reparação às mazelas sociais, econômicas e políticas impostas a este ou aquele grupo, o que hoje incomoda é a população negra ter status ministerial, ter tido a oportunidade de ter acesso a bens, de ter oportunidade de entender os seus direitos e de criar uma consciência de maioria no País, a entender de fato a sua diversidade, a entender de fato quem a representa.
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - Se nós tivéssemos tempo de construir essa política, essa correlação de forças, no Congresso Nacional, mudaria. Este é o grande pensamento: desconstruir.
Eu acho que, antes de tudo, a PEC materializa um processo que já é vencido no nosso País: o mito da democracia racial, que foi denunciado e desconstruído pelo Movimento Negro a partir da década de 30. A minha preocupação hoje é que a PEC não só impacta investimentos de saúde e educação, ela não só impacta o salário mínimo, mas ela impacta também um processo de identidade da Nação brasileira.
(Soa a campainha.)
R
A SRª CIDA ABREU - A estratégia da PEC 55, para a população negra - ao meu ver -, ao desenvolver esse pensamento, é desmontar todas as conquistas citadas acima, as políticas públicas de ação afirmativas com recorte racial, assim como enfraquecer as organizações negras. Essa é a grande estratégia, para mim, em relação à população negra. A PEC 55, sutilmente, fortalece a ressurreição de um mito já vencido, que foi denunciado - como eu disse antes -, que foi o mito da democracia racial.
Eu quero fechar a minha reflexão, colocando, Paim, a todos os Senadores que aqui estão, às organizações e pessoas importantes que aqui estão, que o momento que nós vivemos no nosso País é um momento de grande reflexão e de grande responsabilidade para nós todos. Não importa se você está instituído de um poder...
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - ... de governo, de parlamentar ou de organização. O que você tem que entender é que você é brasileiro, e que tudo importa para nós que somos brasileiros, e que não concordamos com esse processo.
A grande preocupação hoje é conseguirmos travar um debate, um debate franco, que não seja só no período alusivo às comemorações de conquista, porque o retrocesso vai ser dado com esse processo de organização desse modelo de governo.
O que não dá é para nós termos vencido uma ditadura, é para nós termos conquistado tudo o que nós conquistamos e permitir isso. Como Lazzo falou, nós temos que dizer para eles: "Olha, moço, fique esperto, porque nós não somos meninos; nós já passamos por isso."
A minha mensagem hoje é esta: a PEC é uma estratégia, a PEC é uma organização sistemática, que...
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - ... nós temos que denunciar onde nós estivermos.
E esta Casa tem uma tarefa importante: eu não sei se de força de não deixar aprovar, mas de força de resistir e de conscientizar o povo de qual é a estratégia verdadeira dessa organização institucional que vem do Executivo para o Legislativo e do Legislativo para o Executivo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, essa foi a ex-Presidente da Fundação Palmares, Srª Cida Abreu.
Neste momento, passamos a palavra ao Senador Wellington Fagundes.
E registro, com muita alegria, a presença no plenário do grande cineasta Joel Zito. Entre suas obras, eu sou obrigado a falar do filme Raça, porque eu fiz parte. Palmas para ele. (Palmas.)
São centenas de obras.
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Moderador/PR - MT) - Meu caro companheiro, Presidente Paulo Paim, Presidente e requerente desta presente sessão especial, cumprimento V. Exª.
Senadora Lídice da Mata, quero cumprimentá-la também aqui como baiana. Eu sou filho de baianos - meu pai foi da Bahia para Mato Grosso a pé - e faço sempre questão de registrar isso e faço com muita honra.
Quero cumprimentar todos da Mesa, o Sr. Marivaldo de Castro Pereira, a Srª Deise Benedito, a Srª Cida Abreu, o Sr. Felipe Freitas e também a Srª Débora Maria da Silva.
Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, fico muito feliz de estar aqui, nesta tribuna, para - junto com V. Exª, com a Senadora Lídice da Mata e com todos da Mesa - homenagear personalidades que se destacaram na proteção e promoção da cultura afro-brasileira. É uma ocasião importante, já que este tempo pode ser utilizado para a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, razão pela qual foi instituída a data de 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra no Brasil.
R
Muito me honra estar aqui presente, Sr. Presidente, porque, no meu Estado, Mato Grosso, a luta pela igualdade e contra o preconceito é fortalecida, neste ato, com a entrega da Comenda Abdias Nascimento ao Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune), aqui representado pela jovem estudante Jackeline Silva.
Cumprimento o Conselho da Comenda, presidido pelo ilustre Senador Paulo Paim, por essa escolha e também dos demais agraciados: o cantor Lazzo Matumbi, a atriz Zezé Motta e o percussionista Naná Vasconcelos, in memoriam.
Sr. Presidente, o Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso faz jus a essa honraria. Daí a minha iniciativa de indicar essa entidade para receber essa comenda de reconhecimento.
Trata-se de uma organização social, fundada em 2002, que tem como objetivo orientar dinamicamente o processo de crescimento das mulheres negras e que também busca o reconhecimento dos valores históricos, sociais e culturais das comunidades afrodescendentes em todo o meu Estado. Além disso, tem sido incansável para alcançar seus objetivos de superação das desigualdades sociais e de discriminação de gênero, sendo operante na luta contra o preconceito.
Em verdade, Sr. Presidente - aqui destaco -, são duas lutas associadas: busca-se, de forma determinada, a conscientização sobre a importância e o papel do negro e da mulher negra na sociedade. O instituto faz isso de uma forma excepcional, plantando consciência, com um trabalho afirmativo junto aos jovens, através das tradicionais rodas de cidadanias, em que o debate se consolida como a principal ferramenta de luta. Trata-se de um belo exemplo! Afinal, na minha opinião, não se planta consciência com ódio ou com gritos, muito menos com decreto. Planta-se consciência, senhoras e senhores, com diálogo, trabalho e superação.
Nossa jovem Jackeline Silva, mato-grossense, recebe essa homenagem como mulher e como negra.
Aliás, permitam-me destacar que é de Mato Grosso, meu Estado, que tanto me orgulho de aqui representar e pelo qual tenho lutado, uma das mais espetaculares histórias de resistência e luta e que tem como símbolo uma mulher negra. Falo da brava Tereza de Benguela.
A trajetória de Tereza de Benguela remonta ao século XVIII, quando Vila Bela da Santíssima Trindade, uma cidade projetada em Portugal, às margens do Rio Guaporé, foi primeira capital do interior brasileiro, da costa fluvial brasileira.
Tereza de Benguela liderou a comunidade, resistindo bravamente à escravidão por mais de 20 anos. Ela reinou, comandando a estrutura política, econômica e administrativa e enfrentando diversos ataques da coroa portuguesa.
R
É importante dizer aqui que a nossa querida Vila Bela da Santíssima Trindade - hoje a capital é Cuiabá -, ainda é uma cidade que tem a predominância da população negra. Eu diria, Sr. Presidente, que os negros mais lindos do Brasil estão lá em Vila Bela da Santíssima Trindade, onde há, todo ano, festas, festejos. Todo ano também há transferência da capital para a nossa querida cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade.
A história de Teresa de Benguela demorou a ganhar projeção. Passados quase 250 anos de que o Quilombo foi destruído - em 1770 -, veio o reconhecimento. O nome dessa grande líder, inclusive, foi referenciado em um dos maiores palcos de festejos populares do Brasil, a Marquês de Sapucaí, emprestando a sua história ao samba-enredo da Escola de Samba Unidos do Viradouro, que dizia:
No seio de Mato Grosso, a festança começava
Com o parlamento, a rainha negra governava
Índios, caboclos e mestiços, numa civilização
O sangue latino vem na miscigenação
A invasão gananciosa, um ideal aniquilava
A rainha enlouqueceu, foi sacrificada
Quando a maldição, a opressão exterminou
No infinito uma estrela cintilou
Quero, aqui, homenagear também o Joãosinho Trinta, que ontem faria 83 anos - nasceu em 1933 -, que foi o maior carnavalesco da história do Brasil.
Sob a inspiração dos ideais de Tereza de Benguela, gostaria, também, com a devida permissão do nosso Presidente, de dizer que, no último dia 18, em Rondonópolis, a minha cidade natal, estive em um evento da Unegro, que foi fundada este ano, ocasião em que foram homenageadas algumas personalidades dessa luta.
Aqui, faço questão de citar a ex-Vereadora Vilma Moreira dos Santos, a primeira Deputada negra de Mato Grosso, que marcou uma bela atuação legislativa; também a líder comunitária Carmem de Sá, uma mulher que foi para aquela cidade e fez um grande movimento, principalmente social, trazendo mais dignidade às pessoas mais carentes daquela cidade.
Também quero aqui lembrar outro homenageado, o filho do saudoso Marinho Franco, o nosso companheiro Maestro Crisóstomo Franco, músico e criador de uma das mais antigas bandas brasileiras regionais, a Banda Marinho & seus Beat Boys.
Lembro também o meu amigo, companheiro, Dr. Walfredo Brito, que é Professor da Universidade Federal de Mato Grosso, com várias especializações. Foi meu colega de escola, contemporâneo, nascemos, praticamente, um em frente ao outro. Aliás, a minha história tem muito a ver com a do Prof. Walfredo Brito
Quando minha mãe morava na roça e estava muito doente, foi lá um mascate, o Sr. Lafayette, que disse: "Olha, João Baiano", assim era chamado o meu pai, "você tem que levar essa moça para tratar, senão ela vai morrer, e lá está surgindo uma nova comunidade, a Rondonópolis, que tem um doutor muito afamado"...
(Soa a campainha.)
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Moderador/PR - MT) - ... "o Dr. Conrado Sales de Brito, farmacêutico".
R
Meu pai levou a minha mãe no cavalo, mas, ao bater intensamente a barriga na cabeça do arreio, quando ela chegou lá, a criança já estava morta.
Foi exatamente com essa história que nós acabamos indo morar em Rondonópolis. E hoje estou aqui e tenho a honra de ser Senador da República, depois de seis mandatos como Deputado Federal. E, com certeza, a família Sales de Brito foi sempre uma grande companheira e ajudou-me muito.
Por isso, Sr. Presidente, eu quero também aqui cumprimentar a professora Luzia Aparecida do Nascimento, fundadora e coordenadora da Unegro em Rondonópolis - esposa do professor Manoel Mota, professor da universidade federal, aposentado e meu suplente como Senador.
Senhoras e senhores, eu quero aqui, finalmente, pedindo desculpas por ter me alongado e já finalizando, destacar que no Brasil, infelizmente, não fomos educados como uma nação multicultural e pluriétnica.
Contudo, como sempre, sou um homem de fé, que carrega grande otimismo e confia no afloramento dos valores éticos e morais. E nesse sentido quero crer que se realizem as palavras do pensador Thiago Saraiva, que um dia escreveu: “Não precisamos de um dia da consciência negra, branca, parda, amarela, albina... Precisamos de 365 dias de consciência humana".
Que seja com diálogo, trabalho e muito respeito.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela oportunidade de estar aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senador Wellington Fagundes.
Passamos, de imediato, a palavra ao pesquisador associado do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, Sr. Felipe Freitas.
O SR. FELIPE FREITAS - Bom dia a todas e a todos.
Queria cumprimentar o Senado Federal na pessoa do Presidente desta sessão, Senador Paulo Paim; cumprimentar também a todas as Senadoras e Senadores presentes na pessoa da Senadora Lídice da Mata, minha Senadora, Senadora pelo Estado da Bahia; cumprimentar meus colegas de Mesa, os companheiros e companheiras do movimento negro que vêm aqui contribuir com esta sessão especial; e, também, cumprimentar os homenageados e homenageadas nesta celebração da consciência negra, que recebe esta comenda que leva o nome do nosso grande Abdias do Nascimento.
Queria também agradecer à equipe de assessoria do Senado Federal, que, através do assessor Jefferson Lima, formulou o convite para que eu estivesse nesta sessão. E, ainda nesta fase de agradecimentos e de registros importantes, presto aqui também uma homenagem que me parece muito importante para o movimento negro brasileiro, neste 20 de novembro de 2016, que é uma homenagem à Srª Luiza Bairros, ex-Ministra da Igualdade Racial. (Palmas.)
Ativista do movimento negro e do movimento de mulheres negras que, assim como Abdias do Nascimento, prestou ao Brasil um serviço, de tentar com a sua vida conciliar o Brasil com uma experiência democrática. A memória de Luiza é, neste sentido, assim como a memória de Abdias e de tantas e tantos lutadores, inspiração para este momento político que todas e todos nós vivemos.
R
A luta contra o racismo tem, no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, um importante ponto de inflexão. Ao lado de celebrar a memória do líder negro Zumbi dos Palmares e de resgatar seu legado de luta, o dia 20 de novembro é também um momento de balanço político do movimento negro acerca das conquistas e dos desafios que se encontram em cada período.
Nas últimas décadas, registramos ano a ano significativos esforços dos movimentos negros para pressionar para que marcos institucionais de combate ao racismo no âmbito dos governos fossem capazes de contribuir para corrigir desigualdades históricas. A aprovação de legislações de enfrentamento ao racismo, a defesa de políticas de ações afirmativas nos mais variados espaços da sociedade brasileira, a luta por políticas específicas de valorização das mulheres negras para o atendimento às suas demandas têm sido, ao longo dos anos, temas que, num longo ciclo, foram sendo pautados pelas organizações de luta das pessoas negras para que se pudesse produzir no Brasil uma política racial.
Este ano celebramos o dia 20 de novembro, que em outras ocasiões foi momento de celebrar conquistas e de pensar sobre limites, num contexto em que, ao invés de falarmos de possibilidades, falamos de interdições, falamos de recuos, falamos de retrocesso. Diferentemente dos anos em que chegávamos ao dia 20 de novembro para avançar na pauta, nesse contexto buscamos não recuar, ou buscamos que os retrocessos tenham seus efeitos minimizados em relação à população negra.
Nesse sentido, entendo, valorizo e reconheço posturas como a do ator Lázaro Ramos, que, com muita deferência a esta Casa e respeito aos Senadores e às Senadoras que o indicaram para esta homenagem, e com muito respeito ao patrono desta comenda, Abdias do Nascimento, se recusou a estar presente nesta sessão, como forma de dizer que não é momento no qual nenhuma comemoração possa ser desacompanhada...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE FREITAS - ... de uma crítica radical à violência que se percebe em relação à população brasileira. (Palmas.)
Do ponto de vista institucional, esse dia 20 de novembro coincide com a redução da política racial a uma mera secretaria especial no âmbito do Ministério da Justiça, um retrocesso institucional semelhante ao que vivíamos há mais de 13 anos. Esse espaço da secretaria especial em que se transformou a antiga Seppir, é hoje um ajuntamento de valorosos servidores públicos federais que, infelizmente, não têm respaldo institucional para conseguir executar a política pública que ao longo de tantos anos foi sendo construída no Brasil.
Esse cenário se torna ainda mais grave se considerarmos a PEC 55, que trata do teto dos gastos públicos e que corrobora para uma acentuada, uma gravíssima tendência de redução de direitos iniciada a partir da deposição política da Presidenta Dilma Rousseff.
A Constituição de 1988 foi um pacto de transição do regime autoritário para a democracia, e nesse pacto o Estado assumiu a responsabilidade pela garantia de direitos sociais e políticos, pela separação e a autonomia dos Poderes e pelas liberdades individuais. É por esse pacto que a população negra, que as mulheres, que os trabalhadores e trabalhadoras conseguiram avançar na pauta dos direitos.
A PEC 55 não é apenas uma alteração de medida orçamentária em matéria fiscal; a PEC 55 é um golpe sobre o pacto celebrado na Constituição Federal, porque cria um novo regime fiscal por meio de uma mudança constitucional, o que viola a ideia de garantia de direitos e o princípio do não retrocesso em matéria de direitos sociais.
R
Isso importará na ampliação de judicialização para a garantia de direitos nas políticas públicas e não produzirá condições para que a população possa ter os seus direitos garantidos.
A gravidade do que se percebe na PEC 55 é tamanha, que nós podemos falar, inclusive com base em estudos da consultoria do Senado Federal, da inconstitucionalidade da PEC. Vejamos, que absurdo! Estamos na semana da Consciência Negra, com um debate acelerado de uma medida que é tida por muitos analistas, por muitos estudiosos do direito brasileiro como uma matéria inconstitucional, porque fere o sentido que organizou a Constituição brasileira.
Então, nesse sentido, é importante frisar que são as pessoas negras os principais beneficiários das políticas sociais que serão afetadas prioritariamente pelo congelamento dos gastos públicos...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE FREITAS - ... por meio de uma emenda à Constituição.
Vejamos: política econômica, política orçamentária e política fiscal o Estado tem mecanismos para fazer, pela lei ordinária e pela lei orçamentária. A escolha de fazê-lo por via constitucional é de uma radicalidade, para atender os interesses do mercado e violar os direitos dos trabalhadores, jamais vista nos últimos anos no Brasil.
Nesse sentido, é importante que consideremos sempre que este dia 20 de novembro vem sombreado pelo risco de que se viole, de modo definitivo, o pacto que a Constituição Federal celebrou.
Não temos nenhuma dúvida de que a população negra não vivia bem e passa a viver mal. Não é disso que estamos falando. A população negra sempre viveu grandes dificuldades, mas, nessa conjuntura, pode viver em situação ainda pior, sendo necessário que a denúncia sobre essa violência seja dura, firme e contundente.
Nesse sentido, encerro falando do que me parece ser a visão mais imediata do sucateamento da política de igualdade racial no Brasil, que é a extinção do Plano Juventude Viva, plano de prevenção à violência contra a juventude negra, instituído no Governo da Presidenta Dilma... (Palmas.)
...e coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
O sucateamento desse programa federal, ao lado do abandono da agenda do pacto pela redução de homicídios que vinha sendo discutido pelo Ministério da Justiça, revela um "autorizo" público à ampliação da violência que hoje mata 60 mil pessoas por ano; é um "autorizo" à violência policial, quando o Governo Federal retira a urgência constitucional referente ao Projeto de Lei nº 4.471, de autoria do Deputado Paulo Teixeira, em parceria com os movimentos sociais, que tinha como objetivo conter a violência policial a partir de mecanismos públicos de fiscalização e de ação de investigação nos casos em que houvesse morte decorrente de intervenção policial. Não é possível conviver silenciosamente com essas autorizações públicas de violência emanadas das instituições.
R
Assim, o dia 20 de novembro deste ano é manchado com sangue: com o sangue dos meninos e meninas da Zona Leste de São Paulo; com o sangue das pessoas vítimas de violência na chacina do Cabula, na Bahia; com o sangue dos meninos e meninas mortos no Rio de Janeiro, nas desastradas operações da suposta guerra às drogas, que no fundo são operações para matar pessoas negras com a conivência, com o silêncio do Ministério Público, do Judiciário e das autoridades do Rio de Janeiro.
(Soa a campainha.) (Palmas.)
O SR. FELIPE FREITAS - Que o sangue que hoje mancha o dia 20 de novembro seja também o sangue que nos inspira para a luta, seja o sangue que nos desafia - como nos ensina Lazzo, que embalou tantas gerações, que embalou a minha adolescência, cantando Coração Rastafari, no carnaval de Salvador, ou nos shows feitos no Feira Tênis Clube, em Feira de Santana, em que eu nasci e fui criado! Que as palavras de Lazzo nos inspirem neste momento a dizer que, "apesar de tanto não, tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade"!
Viva Zumbi dos Palmares e viva Abdias do Nascimento! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns ao Felipe Freitas, que é pesquisador do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana.
Senadora Regina Sousa, V. Exª está convidada a usar a palavra.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Vou falar daqui mesmo. É um pronunciamento breve.
Quero até justificar que não cheguei em tempo porque estava na Comissão de Orçamento e aproveito para comunicar que o Orçamento já foi adaptado à PEC 55. Hoje apresentaram um novo relatório, e um dos Relatores estava até aqui - o Senador Wellington Fagundes, que é um dos Relatores. Mas o Senador Eduardo Braga apresentou o seu relatório já devidamente adaptado. Ontem aqui nós falamos que, em 2017, ainda não íamos sentir, porque o Orçamento já estava formatado, mas nós vamos sentir, sim.
Quero cumprimentar a Mesa, na pessoa do Presidente Paulo Paim; cumprimentar os convidados e convidadas, em nome da Cida, minha companheira de jornada, de trajetória; cumprimentar os homenageados e homenageadas; e dizer que mais que um prêmio é um desafio. É como se fosse um convite a fazer mais: vocês já fizeram muito, mas não fizeram tudo. Então, estão sendo desafiados a fazer mais, porque nós somos poucos.
Aqui se disse: "Quem se importa?" - um dos convidados falou e repetiu muito isso. Já somos muitos a nos importar, mas ainda somos poucos em relação à sociedade brasileira. Então, precisamos mais; mais um, mais dois. Como já dizia Beto Guedes, "um mais um é sempre mais que dois". Então, vamos trazer mais gente para a nossa causa.
Eu digo para vocês que, na minha trajetória, eu não tinha sentido o racismo muito presente. Havia aquele racismo velado, das piadinhas que a gente já se acostumou a ouvir e a não responder. Mas, depois que eu estou no Senado, eu já senti e nunca imaginei. Dizem que eu não tenho cara de Senadora - não sei qual é a cara de Senadora, mas eu não tenho cara de Senadora -; chamam-me de analfabeta, apesar de eu ter curso superior e especialização; já recebi jornalistas, pseudojornalistas, malhando-me muito nos meus discursos no período do impeachment da Presidente Dilma. Quer dizer, eu vim a sentir mais fortemente aqui - é impressionante! É por isso que, um dia desses, eu postei que o racismo no Brasil não se esconde mais, perdeu a vergonha; apresenta-se agora desavergonhadamente.
R
No Século XXI, uma Senadora ainda sofrer pelo fato... só pode ser pelos meus cabelos pixains, não é? Qual é o motivo para me retaliarem?
Vou dizer para vocês, gente: eu sinto que nós chegamos a quase sermos protagonistas, conquistamos espaços públicos muito importantes. Mas a gente está voltando à situação de coadjuvante, no momento em que se extinguem exatamente todos os Ministérios e Secretarias onde a gente se enxergava. Como é que vou me enxergar no Ministério da Justiça? Com o perdão da companheira, mas como é que vou me enxergar no Ministério da Justiça? Porque você fala em Ministério da Justiça, você só lembra Polícia Federal e Lava Jato. Você não lembra outra coisa. Acho que a maioria das pessoas nem sabem que algumas Secretarias que a gente protagonizava estão lá.
Então, acho que é mais para nos dizer que "vocês não vêm ao caso". Porque a despesa que gasta em um lugar gastaria no outro, mas a gente tinha o nosso espaço, onde a gente ia debater com as pessoas iguais a nós. Então, acho que isso é um descaso sim, você fazer essa extinção.
No orçamento, a gente percebe. Acho que a gente pode ter certeza que não vai mais ter que conferência, pelo menos nos moldes, no tamanho que a gente fazia, porque não consta. Vão nos dizer assim: "não cabe no orçamento". Se já disseram que o Sistema Único de Saúde não cabe no orçamento,...
(Soa a campainha.)
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - ... imagina se vai caber uma conferência de igualdade racial, uma conferência nacional de mulheres, que nasce de baixo para cima, onde a gente formulava as políticas públicas que a gente achava importantes - ou que a gente acha importantes para os nossos segmentos. Então, acho que é um grande retrocesso.
E com essa PEC que está aí, podemos ter certeza que nós não vamos caber no orçamento desta Nação. A briga vai ser grande, muito maior. Se já enfrentamos muita coisa, vamos ter que enfrentar muito mais.
Muito obrigada.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senadora Regina Sousa.
Registro a presença, conosco, do ex-Senador e ex-Deputado Federal, Prof. Osvaldo Sobrinho, e também do Presidente do Sindicato dos Bancários do DF, Eduardo. Parabéns Eduardo, sei que a tua luta foi grande para chegar lá.
Passamos a palavra, agora, à participante do movimento nacional Mães de Maio, Srª Débora Maria da Silva.
Depois dela, por fim, o Mário Theodoro, que é Relator da Comissão da Verdade e Consultor número um do Senado. (Risos.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Boa tarde a todos e a todas! Quero cumprimentar os Srs. Deputados, na presença do Senador Paim, e quero também cumprimentar o Senador Edson. Eu jamais esquecerei o seu nome, porque é o primeiro nome do meu filho. Quero também cumprimentar a Jackeline, que me fez chorar, mais uma vez, pelo útero. Com as suas belas palavras, me emocionou muito, porque a luta do movimento Mães de Maio é uma luta pelo útero, pelo direito à vida. As suas palavras são as minhas palavras, são as palavras das Mães de Maio.
R
Quero cumprimentar também os meus companheiros que me antecederam, que também me fizeram chorar. E eu tive essa responsabilidade, Paulo Paim, de ser a penúltima, mas quero dizer que os que me antecederam não falaram por eles mesmos, mas, sim, pelos nossos mortos. É a voz dos nossos mortos, que, em qualquer canto deste País, grita, não só pelas bocas das mães, mas, sim, pelas bocas dos irmãos, desses irmãos que foram assassinados injustamente, e foi selada uma impunidade nesse País.
Por isso que a marcha fúnebre prossegue. Um peso muito grande, eu, mãe de vítima, mãe de Edson, que poderia ser um acadêmico formado, que era o sonho do meu filho, mesmo ele sendo um gari, um negro que recebeu uma sentença numa abordagem policial. Mesmo trabalhando de atestado médico, com 15 pontos na boca, ele recebeu a pena de morte num posto de gasolina pela boca de um policial, que deveria dar proteção a ele, porque eu sou cidadã, eu pago meus impostos e pago salário. E a bala que mata meu filho, que mata nossos filhos, porque eu falo que mata nossos filhos, porque não cessou na morte de Edson, mas continua a todo vapor no nosso País.
E quem se importa? Quem se importa com a carne mais barata do mercado que é a carne preta? Mas a carne preta do meu filho importa para mim, como mãe! Ela importa para mim, como mãe! E aqui é um grito. Aqui é um grito, que eu estava tentando segurar. É difícil, é muito difícil eu estar aqui, falando num dia desse. É muito difícil para mim, porque a nossa luta como mãe é traçada nos 365 dias do ano, traçada e gritante, dizendo: basta de racismo neste País! Basta de racismo nesse País! Esse foi o papel deste País, de contemplar a escravatura deste País - é com a pena de morte decretada na ponta da metralhadora de um policial.
Como diz quem me antecedeu:
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - "Nós não somos contra todos os policiais". Pelo contrário, o Movimento Mães de Maio acolheu mãe de policial assassinado pela sua própria farda, porque uma dor de uma mãe não se mede. A dor de uma mãe não tem peso, os pesos são iguais, porque elas são mulheres, porque elas pariram. Elas não pariram um filho para uma morte. Quem tem que nos enterrar são nossos filhos. Nós somos um cadáver ambulante, porque eles não matam só nossos filhos. Eles matam uma família inteira, porque a gente adquire doenças oportunistas.
R
Eu, antes de receber esse convite, pensei 300 vezes sobre qual era a minha decisão em participar de atividades no dia 20 de novembro, porque a gente luta nos 365 dias do ano, não é só no dia 20 de novembro, porque a marcha fúnebre prossegue. Ela prossegue! Eu venho do Estado de São Paulo, onde é implantado o racismo. Lá as autoridades abusam. Lá tem uma Câmara dos Deputados que não respeita o seu decoro parlamentar. É difícil você escutar de um Deputado que "bala de chumbo trocado não é doido", em uma peça teatral o artista mostra a violência dos maus policiais. É dos maus policiais que nós estamos falando, porque foram esses maus policiais que mataram meu filho e continuam matando, com aval das autoridades, que têm que cobrar e não cobram. As autoridades viraram partidárias. Elas tinham que ser independentes, e a gente clama muito por isso.
Quando a gente vê uma Fundação Casa, onde só há meninas, meninas sendo torturadas pelos agentes... As mães estão clamando. Meninas, mulheres saem, de sábado para domingo, apanhando, todas arrebentadas. E nós levamos essas mães a fazer um núcleo de mães, para acabar com a tortura dentro do da Fundação Casa, que é uma das fundações que é modelo no Estado de São Paulo, porque tem uma piscina. Será que aquela piscina do modelo não são as lágrimas daquelas crianças?
A gente vê a perseguição de secundarista. Os secundaristas querem uma educação de qualidade que eles nunca tiveram - ela era amenizada. É uma educação que ninguém quer: a escola estadual. Ninguém quer!
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - As autoridades colocam os seus filhos em escola particular. Eles só pensam na escola pública quando é a federal, a universidade federal, que tira o direito do pobre e do negro.
O negro incomodou, entrando em uma universidade. Como incomodou! Eu, como dona de casa, estou incomodando por ser uma bolsista, por ter conseguido uma bolsa para fazer a pesquisa da morte do meu próprio filho, porque o Estado não teve a capacidade de trazer à tona.
Quem foi que matou mais de 600 jovens, no espaço de uma semana no Estado de São Paulo? E eu vou pesquisar. Já estamos pesquisando, já está em curso. Eu nunca pensei que eu conseguisse, com 58 anos, entrar em uma universidade. E hoje eu tenho esse orgulho.
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Esse orgulho bate dentro do meu peito, porque eu vou mostrar a verdadeira história dos crimes de maio. E quando a gente vê que a gente tem um Estado burguês, que é o Estado que dá exemplo para o resto do nosso País de tudo o que é mazela, a gente vem aqui clamar para este Senado: que a Comissão de Direitos Humanos do Senado vá a São Paulo e que os Senadores acompanhem essa diligência.
Vamos fazer uma audiência, vamos escutar esses secundaristas, o que esses secundaristas estão passando. Eles estão sendo torturados, estão colocando meninas secundaristas dentro de ônibus, rodando com essas meninas no centro de São Paulo e falando: "Aqui é o batalhão de estupradores". Onde já se viu uma coisa dessas? Não podemos aceitar! Jamais podemos aceitar, como mães!
(Soa a campainha.)
R
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Eles colocam saco de plástico na cabeça de secundarista e torturando secundarista para poder o secundarista ficar em choque e apontar quem é a liderança das ocupações. Isso é um absurdo em nosso País: colocar saco de plástico na cabeça de criança! A gente está executando nossos jovens, nosso futuro e a gente tem que ficar de braços cruzados, assistindo de camarote? Que País é esse? Que País é esse? Que País é esse? Que Estado é esse, que se acha independente do resto do Brasil? Então, eu acho que o clamor da minha vinda não é um clamor por extenso porque quando a gente vê o Judiciário dizendo que movimento de direitos humanos tem uma ponte com o crime organizado, é difícil.
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - É difícil, porque o movimento de direitos humanos mais honesto neste País é o movimento das mães que lutam por vidas humanas! É o movimento de mães, porque damos a luz, damos a vida, e isso jamais ninguém vai fazer a gente esquecer.
E nós não temos muito o que comemorar, como diz Felipe, vendo o sangue dos nossos filhos correndo pelas vielas, vendo nossos filhos sendo torturados vivos, vendo nossos filhos sendo executados e, no Estado de São Paulo, a geografia é outra. Basta ser pobre, basta ser pobre, porque dá uma olhada quem é o grupo Mães de Maio de São Paulo. No resto do Brasil, elas são negras, elas têm cor, mas em São Paulo elas são brancas porque são pobres, elas não têm uma conta bancária porque a nossa justiça tem dois pesos e duas medidas e ela mata dez vezes com uma canetada, o pedido de arquivamento dos inquéritos, como aconteceu com o do Eduardo, lá no Rio de Janeiro. A base, que é a polícia judiciária, que tem o dever de fazer as investigações não faz, porque no Brasil a prática é: política não investiga polícia. É por isso que o Judiciário dá o selo da impunidade com uma canetada pedindo o arquivamento.
Então, eu acho que já passou da hora deste Senado - este clamor é desta mãe - fazer uma visita de diligência, porque a gente estava com a secunda aqui ontem.
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Ela viajou porque estamos nos mobilizando porque o Estado não deixa a gente dormir e a gente também não vai deixar o Estado dormir. E a secunda veio e denunciou, ela já denunciou aqui. Teve uma audiência pública na Câmara de Vereadores ontem com os secundaristas, teve uma audiência pública também na Alesp em que eles foram retirados a força de dentro do Plenário.
Eu vou dizer que, quando nós lançamos, dia 17, esse livro dos dez anos dos crimes de maio, caminhamos, após o lançamento do livro, até a frente da Secretaria de Segurança Pública e nos deparamos, pela primeira vez, com o estado de exceção: vários policiais esperando o Movimento Mães de Maio.
(Interrupção do som.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - O Movimento Mães de Maio é lei no Estado de São Paulo e, mesmo sendo lei, estávamos (Fora do microfone.) sendo hostilizados.
R
E nós não podemos ter medo. Quero dizer que vou deixar aqui registrado o filme Apelo, que nós fizemos, e nós vamos falar o texto, porque ele é para reflexão:
Levaram nossos filhos, nossos irmãos, nossos pais, nossos avós e nossos bisavós [...]
Todos mortos no mesmo dia.
Esse dia longo do ano que persiste em não acabar.
Foram mortos pelas mesmas mãos que mudam de corpo,
Mão do mando de gente que tem as leis, o dinheiro e as armas a seu favor.
É a mão do capitão do mato, que está atrás de cada homem fardado.
(Interrupção do som.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA -
É mão de gente que dá nome a avenidas e estradas que atravessam essas terras. (Fora do microfone.)
Mas lembrem-se: [...]
Foram nossos filhos que morreram, não tiveram funeral, não viraram monumento nem nome de rua.
[Foram os nossos filhos que morreram sem a satisfação das leis e sem a proteção do dinheiro.]
Eles viveram! Eles viveram 13, 15, 20, 30 e 40 anos.
Nós carregamos eles em nossa barriga, nós demos à luz, nós demos a vida e isso nós não vamos esquecer.
[Como eles ousam negar que a gente fale o nome dos nossos filhos? Por que se proíbe os corpos serem enterrados sem nome, que se acumulam pelos cantos?]
Por que querem arrancar esse pedaço de nós?
Não esqueceremos essa parte amputada,
Essa dor que dói como uma fisgada,
Desse membro que já não existe mais…
E vocês? Vão ajudar a erguer os mortos? Vão ajudar a erguer esses túmulos?
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA -
Não deixe que meu grito se transforme em uma palavra muda a ecoar pela paisagem.
Me ajude a barrar as rajadas das metralhadoras.
[Mas lembrem-se:] [...] eles morreram como filhos, irmãos, pais e avós, não como terroristas e nem como escravos.
[...]
Não podemos ter medo.
Não podemos ter medo da bala.
Não podemos ter medo do açoite.
Eles não vão viver alimentados [...] [do medo das Mães de Maio.]
Salve Mães de Maio!
E Abdias vive! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Srª Débora Maria da Silva, que representou aqui o Movimento Nacional Mães de Maio.
E, como último convidado a usar a palavra, o Consultor do Senado e Relator da Comissão da Verdade do DF, Sr. Mário Theodoro.
O SR. MÁRIO THEODORO - Bom dia a todos e todas.
Eu queria, inicialmente, saudar a Mesa na figura do Senador Paulo Paim e falar da satisfação e, ao mesmo tempo, da responsabilidade de estar aqui hoje nesta comemoração do Troféu Abdias, que é um resgate da memória, mas também um resgate do trabalho e da luta. Como foi dito aqui, é um momento de reflexão em função de uma situação e de um retorno de algumas conquistas, o refluxo de algumas lutas que foram feitas.
R
Falo hoje como membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no DF, que, no âmbito do 20 de novembro, esta Comissão está lançando a primeira versão do relatório que foi elaborado neste ano todo sobre a questão racial no DF. Esse relatório foi feito, resgatando a história dos negros, no território do Distrito Federal e entorno, que é a história dos quilombos.
Tivemos a grata satisfação de entender que essa região do DF e do entorno foi eivada, foi palco de muitos quilombos históricos desde o século XVIII. É muito interessante isso. Nós vamos fazer a apresentação desse relatório. É um relatório preliminar, porque a ideia é de ele seja, antes de publicado, revisto pelas 11 comunidades que foram visitadas por nós. Vamos fazer essa leitura e convidamos todos. A apresentação será no Teatro dos Bancários, segunda-feira, dia 28, às 19 horas, com a presença dos líderes das comunidades.
A nossa ideia é de que, a partir desse relatório, se componha um grupo para que a realidade dos quilombos seja levada às instâncias judiciais - alguns problemas que nós estamos vivenciando nesses quilombos, sejam problemas de violência, sejam problemas de acesso à terra, acesso ao trabalho.
Gostaríamos de convidar todos e, mais uma vez, saudar esta Mesa, saudar o Senador Paim pela iniciativa e falar da nossa grande alegria de ter a oportunidade de estar aqui e de observar e escutar esses discursos, essas falas muito fortes, falas muito verdadeiras e falas que nos animam à luta por um Brasil melhor, por uma sociedade melhor, sem racismo, sem preconceito, uma sociedade de iguais, efetivamente, uma sociedade democrática.
Queria muito agradecer, renovando o pedido e o convite para o lançamento, segunda-feira, dia 28, no Teatro dos Bancários.
Muito obrigado.
Obrigado Senador.
É isso. (Palmas.)
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vocês ainda terão hoje - são 13h46... (Fora do microfone.)
... um sacrifício e um presente. O sacrifício é ouvir o discurso oficial que eu tenho de fazer em nome da Casa. E o presente é que quem vai encerrar - ele está aqui ainda, não é? Para não me deixar mal. Está aqui - a sessão será o nosso querido cantor Denilson, com a música Primavera, de Tim Maia.
Segure aí, Denilson. É uma notícia boa e uma ruim; primeiro, a ruim. A boa será você no encerramento. Só um minutinho, pessoal, mas eu o farei o mais rápido possível.
R
Em nome do Presidente do Senado e da Presidência da Comissão de Direitos Humanos, no encerramento desta sessão, fazemos o seguinte pronunciamento: no último domingo, lembramos todos o dia 20 de novembro, Dia de Zumbi dos Palmares.
A celebração da consciência negra, contudo, para muito além das questões pessoais ou do interesse do conjunto de afrodescendentes, é algo a ser relembrado e comemorado por toda a sociedade brasileira.
Senhoras e senhores, a despeito das tantas mazelas presentes em nossa história, no fio dos séculos, desde a chegada dos portugueses até a atualidade, a miscigenação representa um verdadeiro ativo de nossa cultura, que é real. O encontro de tantos povos nas terras brasileiras resultou nesse povo lindo, com a participação fundamental do povo negro e com uma mentalidade aberta e inclinada à aceitação das diferenças.
Dos portugueses, herdamos a língua mãe, as instituições e a curiosidade para desbravar o mundo e investigar o novo. Poucos povos apresentaram tamanha coragem para transpor os mares e caminhar em terras desconhecidas.
No Brasil, foi a nefasta escravidão que garantiu a Portugal o sucesso na impressionante tarefa de domínio da monumental colônia na América do Sul.
A cultura portuguesa, todavia, guarda uma saudade lacrimosa e um recato entristecido, tão bem retratados nas melodias do fado. Eis porque o brilhante escritor Jorge Amado, certa vez, afirmou terem sido os negros os que nos salvaram da melancolia dos portugueses.
Longe de nós - entendam bem -, senhoras e senhores, Senadores e Senadoras, aqui reforçar qualquer tipo de estereótipo ou opinião negativa em relação ao povo português, que nós tanto conhecemos, mas a verdade é que a carga humana dos navios negreiros despejou, em nosso litoral, muito mais do que os braços para o cultivo da terra. O que de mais valioso nos chegou foi toda uma luz bela, bonita, de culturas africanas, que, imersas na dor do trabalho forçado e no sentimento de saudade da terra, souberam imprimir máxima expressividade à nossa cultura tão solar.
Somos, de fato, uma terra de enormes expressões culturais; somos esse samba longínquo esculpido em tambores e percussão imemoriais, porém cantado na expressiva língua de Camões. Somos, sim, a África; somos, sim, a Europa; somos, sim, um povo formado por italianos, alemães, portugueses, espanhóis e por tantas etnias; somos a Ásia dos japoneses que aqui também chegaram no início do século XX; somos o povo formado pelos indígenas; somos os povos que chegaram aqui não só da África, mas também dos cinco continentes. O Brasil, como eu disse antes, acolhe todos os continentes, todos que aqui chegaram.
Fiquem com a canção de um cantor e poeta brasileiro que diz que o mundo cabe num abraço, e esse abraço o Brasil tem dado a muitos imigrantes que estão chegando ao País. Espero que eles encontrem aqui a sua nova pátria. A nossa luta pelos direitos humanos, podem crer, não tem fronteira, porque, afinal, pátria somos todos!
R
Muito antes do que conhecemos como história da humanidade, já se desenrolava neste Planeta uma história...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... geológica talvez só perceptível aos olhos de Deus.
E, antes deste minúsculo Planeta azul se configurar como no presente, havia, em sua superfície quente, a imensa massa de terra denominada Pangeia, que, então, reunia os cinco continentes, tal qual sabemos.
Mesmo ao exame vivaz de uma criança na interpretação cuidadosa do globo terrestre ou do mapa-múndi, não escapa a perfeita coincidência do recorte da pátria mãe, África, com a silhueta da América do Sul, que da África se desprendeu na noite dos tempos.
Terras e mares moveram-se no passado e ainda se movem, porém o Brasil e a África jamais se desprenderam, porque apresentam forte amarração espiritual, afetiva e intelectual.
Hoje, aqui, tanto quanto reconhecer em um País edificado no modo de produção escravista e agrário-exportador, reconhecemos a imensa felicidade de nossa pluralidade.
Celebramos o reflexo humano de nossos olhos e faces nos olhos e faces de mulheres e homens diferentes de nós, e, a um só tempo, tão iguais a nós. Sim, tão iguais a todos nós.
Senhoras e senhores, a consciência negra tem como preceito básico a liberdade que, por sua vez, tem como pré-requisito políticas de igualdade.
Liberdade e igualdade são os ideais da força predominantes na trajetória do grande Zumbi, um inquestionável símbolo da grande luta dos negros contra a escravidão. Zumbi, sim, Zumbi, para mim, foi o maior líder de todos os tempos da história deste País. Zumbi dos Palmares já sabia que outro mundo é possível; por isso, lutou por um quilombo igualitário. No Quilombo de Zumbi dos Palmares, negros, brancos e índios, todos eram bem vistos, e ele os recebia.
Enfim, amigos, nesta sessão especial, o Senado Federal homenageia, personalidades que se destacaram na luta tão bem representada pela figura daquele líder negro, mas que revelou outras figuras notáveis; figuras como a de um homem que tão bem utilizou as tribunas do Congresso como Deputado Federal e como Senador da República, alguém que se tornou um dos mais Importantes ativistas dos direitos do Brasil e do mundo; um idealista que escolheu a luta contra a discriminação e contra o preconceito como a razão de sua própria vida; um poeta, um ator, um escritor, um artista, um professor universitário, um secretário de Governo, um Parlamentar, tudo isso, mas, acima de tudo, um incansável lutador, um guerreiro na defesa da cultura e da igualdade de direitos para a população afrodescendente. Refiro-me, claro, ao único e grande líder, a quem eu peço uma salva de palmas, Abdias do Nascimento. (Palmas.)
R
Abdias Nascimento, receba, lá no alto, as palmas desta sessão.
A concessão da Comenda Senador Abdias Nascimento consolida, por parte desta Casa, o reconhecimento dessa magnífica figura, mas é ainda uma insígnia destinada a homenagear pessoas ou organizações que têm oferecido contribuições relevantes à proteção e à promoção da cultura afro-brasileira.
Este ano, o Conselho da Comenda Senador Abdias Nascimento, que tenho a honra de presidir, decidiu agraciar, em sua 3ª edição, o Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune), o cantor Lazzo Matumbi - ambos nos brindaram com belas oratórias, tanto a representante do Mato Grosso como também o cantor Lazzo Matumbi -, a atriz Zezé Motta e o percussionista Naná Vasconcelos, in memoriam.
Fundado em 2002, o Imune se autodefine como uma organização social que tem como objetivo orientar dinamicamente o processo de crescimento das mulheres negras. Para além desta modéstia, de fato o Imune consolidou-se como uma organização sem fins lucrativos, que prioriza as questões de gênero, sem abrir mão de buscar o reconhecimento dos valores históricos, sociais e culturais das comunidades afrodescendentes de Mato Grosso e do Brasil.
Verbete do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, refiro-me, agora, ao grande Lazzo Matumbi. Baiano de Salvador, mas um menino de Cotegipe, não fugiria jamais do destino e da sua própria história - de soteropolitano a afrodescendente, cantor e compositor, poeta com vários álbuns gravados, sendo um deles classificado como um dos 100 melhores CDs do Brasil no ano de 2013. Lázaro Jerônimo Ferreira, o Lazzo, em 1978 foi convidado para integrar o Ilê Aiyê. Depois de alguns anos, dedicou-se a fazer ação social dentro do carnaval de Salvador. Pensando na importância do trabalho coletivo para que a comunidade negra continue conquistando dias melhores, criou o seu próprio bloco, Coração Rastafari, que troca alimentos não perecíveis por camisas, sempre tocando reggae e o coração dos brasileiros.
Vamos em frente.
"Tem gente que me chama Xica, outros de Zezé, podem me chamar como quiser", essa é a nossa Zezé Motta, que, em 2017, sentirá a emoção de ser homenageada na Marquês de Sapucaí. A Escola de Samba Acadêmicos do Sossego, de Niterói, escolheu, como tema do seu próximo enredo, "Zezé Motta - A Deusa de Ébano". Nada mais justo em se tratando dessa fluminense de Campos, mas carioca da Gema desde os dois anos de idade. Aluna do tablado, começou a carreira de atriz em 1967, estrelando a peça Roda Viva, de Chico Buarque. Zezé, Zezé, além de se imortalizar como Xica da Silva, atuou em incontáveis obras artísticas, peças de teatro, telenovelas, filmes, shows, discos, sendo considerada uma das mais importantes atrizes negras do Brasil.
R
Um dos maiores percussionistas da música mundial, Juvenal de Holanda Vasconcelos, nosso querido Naná, que morreu em 9 de março deste ano, é uma referência internacional. Naná Vasconcelos venceu oito prêmios Grammy e também foi escolhido pela revista americana DownBeat, em oito oportunidades, como o melhor percussionista do mundo. Responsável por quase toda a trilha sonora de O Menino e o Mundo, animação brasileira de Alê Abreu indicada ao Oscar de 2016, Naná, em 2013, ao ser o grande homenageado do Carnaval do Recife, declarou: "Ser homenageado vivo já é uma vitória; na minha terra, são duas. O que mais posso querer?" Infelizmente para nós, não deu tempo, Naná. Mas você está aqui entre nós, tão presente que dispensa maiores comentários. Dada sua grandeza, meu caro doutor honoris causa pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, o seu percussivo nome ecoará sempre em nossas mentes - não apenas nesta sessão, mas por toda nossa existência.
Por tudo isso eu digo: vida longa, vida longa aos ideais de Abdias Nascimento! Vida longa, vida longa aos discípulos de Abdias Nascimento! Que as causas de Abdias Nascimento se eternizem nas nossas lutas.
Gostaria muito, muito que a humanidade fosse uma aquarela, em que todas as cores brilhassem de forma natural, numa grande integração - até porque os grandes diamantes se confundem pela beleza das cores, sejam brancos ou sejam negros.
Adoro tanto a visão do encontro de raças, que termino esta minha fala com um poema de canção que tem norteado muito também o meu próprio caminhar ao longo da minha vida. Eu só acredito num Brasil novo, numa grande Nação, quando negros, brancos e índios sentarem à mesma mesa e comerem do mesmo pão - parafraseando Martin Luther King. Por isso, esse é o eixo deste meu pronunciamento.
Termino lendo um poema, que é uma verdadeira canção, que leva o nome de Eu só peço a Deus, imortalizado na voz de Mercedes Sosa, La Negra, na minha visão de que os direitos humanos não têm fronteira:
Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário, sem ter feito [tudo] o q'eu queria
Eu só peço a Deus
Que a injustiça não me seja indiferente
Pois não posso dar a outra face
Se já fui machucada brutalmente
Eu só peço a Deus
Que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e pisa forte
Toda a pobre inocência dessa [nossa querida] gente
Eu só peço a Deus
Que a mentira não me seja indiferente
Se um só traidor tem mais poder que um povo
Que este povo não esqueça facilmente
Eu só peço a Deus
Que o futuro não me seja indiferente
Sem ter que fugir desenganando
Pra viver uma cultura diferente
R
E termino com a última estrofe, que cai muito neste momento:
Eu só peço a Deus
Que a mentira não me seja indiferente
Se um só traidor tem mais poder que um povo
Que este povo não esqueça facilmente
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
Está encerrada a nossa sessão de homenagem com a fala - tenho certeza - emocionante, na voz do querido Denilson, lembrando Tim Maia, com a música Primavera.
(Procede-se à interpretação da música.)
R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Grande Denilson Bhastos!
Uma salva de palmas de pé para o Denilson por essa bela interpretação! (Palmas.)
Está encerrada a sessão de homenagem ao nosso líder inesquecível, o grande Abdias Nascimento.
Palmas ao movimento e à consciência negra. (Palmas.)
(Levanta-se a sessão às 14 horas e 09 minutos.)