2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 1º de dezembro de 2016
(quinta-feira)
Às 11 horas
186ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão, como todos sabem, destina-se a debate temático sobre o Projeto de Lei nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.
Eu tenho a satisfação de convidar, para compor a Mesa, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. (Pausa.)
Tenho igual satisfação de convidar, para compor a Mesa, o Exmo Sr. Juiz Federal titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro. (Pausa.)
Convido para compor a Mesa o Exmo Juiz Federal titular da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Silvio Luís Ferreira da Rocha.
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Convido para compor a Mesa o Exmo Senador Roberto Requião, que é o Relator do PLS 280, de 2016, do Senado Federal. (Pausa.)
Senhores convidados, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, como expressado, em meu nome e em nome do Senado Federal, o sincero agradecimento aos eminentes juristas que, em uma demonstração de elevado espírito público e desprendimento, aceitaram interromper suas árduas rotinas profissionais para colaborar com o processo legislativo e com o Brasil, expondo suas ideias e sugestões e, sobretudo, qualificando este debate.
O objetivo desta sessão temática é, como todos sabem, debater o abuso de autoridade. A legislação que se pretende aprimorar foi editada sob os influxos de um regime ditatorial, violento, que perdurou por 20 anos e que, nesse período, recusou a assinar pactos internacionais de proteção aos direitos humanos.
As sessões temáticas foram instituídas pela atual Mesa do Senado Federal para proporcionar o adensamento dos debates sem as limitações temporais do Regimento Interno da Casa. Aqui, senhores convidados e Srs. Senadores, foram debatidas as mudanças na Petrobras, na legislação político-eleitoral, na terceirização; na semana passada, foram discutidas a PEC do teto dos gastos públicos e, também, o abuso de autoridade. Nós fizemos uma primeira sessão temática, em que debatemos o abuso de autoridade, e, hoje, realizamos a segunda sessão temática.
A minha segunda palavra, Exmo Juiz Sergio Moro, é de reflexão. O consenso supera o confronto, a concórdia prevalece sobre o dissenso, a compreensão e o entendimento afastam a discórdia. As soluções negociadas para as divergências são sempre possíveis, por mais distantes que possam parecer. Nas mais variadas vertentes da vida, existe espaço para a convergência de opiniões e de interesses, e é justamente o diálogo, sempre preferível à hostilidade, que nos permite identificá-lo. Não são, como todos sabem, os homens que brigam, mas as ideias, como gostava de repetir o grande político brasileiro que foi Tancredo Neves.
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Como afirmei na sessão temática realizada no dia 23 de novembro, a atividade de fazer leis talvez seja uma das mais difíceis e complexas da vida jurídica. Norberto Bobbio, a cujos ensinamentos não cansamos de recorrer, dizia que é preciso lutar muito para fazer descer a democracia do céu dos princípios para a terra onde se chocam adensados interesses.
A história da humanidade gira em torno da dominação. A barbárie, porém, foi substituída por relações civilizadas entre os detentores do poder e aqueles que são seus destinatários sob a disciplina de uma ordem jurídica que preserve os direitos individuais fundamentais. O mesmo povo do qual emana o poder, conforme está explícito logo no pórtico da nossa Constituição, é aquele que demarca as fronteiras de proteção aos seus direitos essenciais.
Geraldo Ataliba nos ensinou que as liberdades públicas inscritas na Constituição são as mais expressivas balizas ao poder do Estado. Configura usurpação, constitui-se na mais grave violação constitucional o exercício, seja pelo Legislativo, seja pelo Executivo, seja pelo Judiciário, de ato de poder de todo tipo ou de qualquer ato de força voltado contra os cidadãos ultrapassando essas mesmas barreiras. Esclarecia o eminente professor que a força desamparada do direito é mais repugnante em um Estado democrático do que em qualquer outro. O Estado tem a força que os cidadãos lhe conferem. O seu uso contra o cidadão deve ser, portanto, repelido. O bem jurídico tutelado pela legislação que pune o abuso de autoridade é constituído pelos direitos fundamentais do cidadão cuja liberdade individual, intimidade e domicílio são invioláveis. Sua importância é tanta que possui status de cláusula pétrea.
Para Heleno Cláudio Fragoso, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão afirmava a existência de certos princípios superiores imutáveis que se impõem em todo os tempos a todos os povos. Tais princípios os homens deveriam ter sempre diante dos olhos: os legisladores para lhes servir de guia, os cidadãos, de salvaguarda. Porém, não basta declarar - como todos sabem -, é preciso garantir, tornar efetiva a proteção.
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A preocupação mundial, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, é produzir um sistema legal que, efetivamente, assegure os direitos fundamentais e as liberdades públicas. Nelson Mandela, um dos maiores líderes políticos de todos os tempos, advertiu que não há caminho fácil para a liberdade.
A prevenção do abuso de autoridade é compromisso do Estado democrático de direito e dever essencial do Poder Público. Trata-se de ilícito grave, repreendido nas esferas penal, civil e administrativa. Na esmagadora maioria dos casos envolve relações entre pessoas simples e esferas inferiores ou intermediárias de poder.
O abuso de autoridade surge da apropriação dos centros de dominação para servir aos desejos pessoais, fragilidade a qual todo ser humano está sujeito. E nenhum de nós, absolutamente nenhum de nós, está imune aos sistemas de controle legalmente instituídos.
O ilícito pode advir do indevido uso de algemas, passando pela detenção de desafetos por motivos pessoais, interceptações telefônicas, ambientais e telemáticas clandestinas, até prisão sem as cautelas legais ou quebra de sigilo de jornalista para violentar o princípio constitucional do sigilo da fonte. Não quero mais citar aqui, para não delongar essa apresentação, o caso da jornalista Andreza Matais, nem o caso do repórter da revista Época, pois já o fiz ontem.
Tenho visto na mídia algumas associações externarem preocupação com a eventual interferência que a legislação do abuso de autoridade poderia ter na independência da magistratura ou para inviabilizar investigações policiais. Respeitosamente, quero, de pronto, declarar que não vejo assim. O projeto abrange os servidores públicos dos três Poderes que ultrapassarem os limites de suas atribuições para fazer o que a lei veda ou constranger alguém a fazer algo que a lei não manda em detrimento dos direitos fundamentais, ao contrário do que vem sendo indevidamente propagado - e nem poderia - de que seria iniciativa para embaçar a Operação Lava Jato ou qualquer outra investigação legalmente constituída.
Eu tenho dito e aproveito esta oportunidade para repetir que eu considero a Operação Lava Jato sagrada - sagrada. A Operação Lava Jato definiu alguns avanços civilizatórios e precisa, sim, ser estimulada para que, com ela e com outras que possam ser conduzidas na mesma direção, possa colaborar com a diminuição da impunidade no Brasil, que é uma grande chaga.
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Apenas serão punidas as autoridades que, livre e conscientemente, fizerem mau uso dos seus poderes. O julgamento é feito pelo Poder Judiciário, que se orienta e age segundo a lei. Eu sigo acreditando no Judiciário. E duvidar da aplicação dessa lei, em outras palavras, significa duvidar do próprio Poder Judiciário.
No caso dos magistrados e membros do Ministério Público, eventual punição por abuso de autoridade decorreria necessariamente de acórdão de um tribunal, haja vista a prerrogativa de foro que constitucionalmente lhes é consagrada. O Ministério Público tem, portanto - e é bom que todos fiquem atentos -, a blindagem do Procurador-Geral da República, de cuja vontade depende a continuidade de investigação contra qualquer de seus membros - um privilégio, mas tem essa blindagem.
Acho ilusório supor que mero projeto de lei versando sobre abuso de autoridade, aliado e compatível com as legislações de outros países democráticos, possa colocar em risco a atividade de juízes e de procuradores, dotados que são de prerrogativas que asseguram sua independência funcional. As funções no serviço público são exercidas por seres humanos que, como tais, são sujeitos a desvios de caráter e suscetíveis de praticar excessos pelo fascínio causado pelo poder que ostentam. A Constituição da República não confere a ninguém o regime da irresponsabilidade, nem se compraz com imunidade absoluta.
É bom reiterar que o texto do projeto foi elaborado por uma insuspeita comissão de juristas da mais elevada qualidade técnica e moral. O amadurecimento do projeto teve, como todos sabem, a colaboração do Comitê Gestor do II Pacto Republicano e efetiva participação do Poder Judiciário. O Poder Executivo foi ouvido em várias oportunidades, por intermédio do Ministério da Justiça. Assim, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, é equivocado navegar nas águas das teorias conspiratórias, passando a falsa imagem de que o projeto teria por objeto a intimidação de autoridades no exercício regular de suas funções. Aliás, no estágio civilizatório atual, com técnicas e equipamentos avançados de investigação, bem como com a qualificação profissional de policiais, promotores, juízes, lançar mão do abuso de autoridade para desvendar crimes só se justifica por pura maldade, preconceito ou grave psicopatia.
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Tenha-se a santa paciência! Não se pune a autoridade, mas o abuso, exatamente para garantir a autoridade.
A meu ver, Ministro Gilmar Mendes, diante da majestade do bem jurídico tutelado, os direitos fundamentais e as liberdades públicas, o projeto ainda é ameno, bastante ameno. O tema é, seguramente importante, tanto que, em 1985, mereceu da Organização das Nações Unidas uma resolução sobre os princípios fundamentais de justiça relativos às vítimas da criminalidade de abuso de poder. Por isso, os agentes públicos e aplicadores da lei, envolvidos na persecução penal, estão sujeitos a limites na sua atuação.
Essas fronteiras estão postas na Constituição Federal e são do conhecimento de todos, especialmente dos que integram ou integraram bancas examinadoras de concursos públicos.
Outro dia, um aluno do curso de Direito me falava que, na faculdade, estava estudando a parte das garantias e direitos individuais da Constituição de 1988 e não entendia como seria possível, nos tempos de hoje, tolerar o abuso de autoridade e, pior, que as pessoas esclarecidas o defendessem, ainda que por via oblíqua.
O Senado Federal, instituição da democracia, foi vítima, como todos sabem, de excessos de juízes que, usurpando competência do Supremo Tribunal Federal, determinaram diligências reservadas exclusivamente à Corte Constitucional. Protestamos, em algumas oportunidades, de maneira até muito enfática, mas buscamos o restabelecimento da ordem no Poder Judiciário percorrendo o caminho institucional.
A reapresentação do projeto de 2009, atualizando a Lei de Abuso de Autoridade, foi às claras. A sua discussão acontece mais uma vez numa sessão temática, como os senhores estão vendo, a céu aberto, com a honrosa participação de todos.
O Congresso Nacional está, Ministro Gilmar, Juiz Sérgio Moro, receptivo ao diálogo e permeável às críticas e sugestões para corrigir eventuais falhas na proposta legislativa em debate, é claro. Só não pode o Congresso Nacional ser omisso neste momento histórico, nem de conivência com atentados contra as liberdades públicas, às quais tenho o dever de proteger.
Nessas colocações iniciais, agradeço a todos pela atenção que dispensaram a essas palavras e renovo aqui, com sinceridade, as justas homenagens aos eminentes juristas que certamente, não tenho nenhuma dúvida, vão enriquecer esse debate com suas luzes e experiências, ajudando a aprimorar essa lei e ajudando, sobretudo, a melhorar o Brasil.
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Como todos sabem, nós vamos ter a primeira parte.
Vamos conceder a palavra a cada um dos convidados por 20 minutos. Se for necessário um tempo maior, nós o concederemos com satisfação, em benefício da profundidade do debate.
Esta Sessão Temática foi recriada para tentar, sem a limitações regimentais, devolver, Ministro Gilmar, ao Senado Federal os grandes debates, as grandes discussões, para que possamos fundamentalmente, da melhor forma possível, cumprir o nosso papel legislativo, qualificar o processo legislativo e entregar à sociedade, depois de exaustivamente discutidas, as melhores leis, as leis que são exatamente cobradas pela sociedade.
Concedo a palavra, com muita satisfação, ao Exmo Sr. Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Juiz Federal Titular da 10ª Vara de São Paulo.
Se desejar, pode falar daqui mesmo ou, se quiser, pode ir à tribuna.
Por favor.
O SR. SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA - Se V. Exª me permitir, falo daqui mesmo.
Exmo Sr. Senador Renan Calheiros, Exmo Sr. Senador Roberto Requião, Exmo Sr. Ministro Gilmar Mendes, Exmo Sr. Juiz Federal Sérgio Moro, Exmas Srªs Senadoras e Senadores, assessores, membros da imprensa, nosso querido Presidente da Ajufe, Roberto Veloso, em primeiro lugar, é uma satisfação estar nesta Casa, debatendo este importante projeto que atualiza, vamos dizer assim, os crimes contra o abuso de autoridade.
Também partilho da opinião que foi externada pelo Senador Renan. Não me parece que o intuito de se discutir esse projeto, que foi elaborado por uma comissão na data de 2009, tenha outra finalidade senão a de efetivamente reforçar o sistema de proteção dos direitos fundamentais no nosso ordenamento jurídico, mas gostaria apenas de lembrar que, às vezes - não é o caso evidentemente, mas se fosse -, até maus propósitos produzem boas leis, não é? Faço menção ao que ocorreu em novembro de 1973 com a lei que colocou fim à presunção de culpabilidade, que obrigava necessariamente o réu condenado em primeira instância a se recolher à prisão e permitiu que aquele que fosse primário e tivesse bons antecedentes pudesse recorrer em liberdade.
Na época, os que já eram nascidos lembram que se dizia que essa lei foi feita efetivamente para beneficiar um réu que, pelas suas supostas atividades junto a esquadrões da morte, ao ser condenado teria que se recolher à prisão. Mas, na época, penalistas e constitucionalistas consideraram a nova lei um avanço jurídico.
Então, independentemente da motivação que possa existir por trás desse projeto, eu diria que considero esse projeto muito importante, exatamente para consolidar um sistema adequado de proteção aos direitos fundamentais contra o exercício abusivo do poder. Não é contra o exercício do poder, mas contra o exercício abusivo do poder.
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Cumpre rememorar que o modelo republicano adotado pela nossa Constituição induz obrigatoriamente a uma série de institutos importantes para concretizá-lo: a tripartição de funções, a alternância de poder, a eletividade, os mandatos políticos, a proteção aos direitos fundamentais, a centralidade dos direitos fundamentais, o poder contramajoritário que muitas vezes se reconhece ao Poder Judiciário, exatamente para proteger os direitos fundamentais contra decisões majoritárias, e a responsabilidade dos agentes.
Segundo lição de Geraldo Ataliba, Professor da saudosa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a responsabilidade é inerente ao regime republicano. Não há exercente de cargo ou função ou membro de Poder que possa se subtrair ao regime da responsabilidade.
Não é por outra razão que a Constituição vai exatamente colocar como um direito fundamental o direito de petição aos poderes públicos contra a ilegalidade ou o abuso de poder.
Por isso, no nosso ordenamento jurídico, desde 1965, nós já tínhamos a Lei nº 4.898, que tratava exatamente do direito de representação - e trata - e do processo de responsabilidade ou de responsabilização administrativa, civil e penal nos casos do abuso de autoridade. Se as senhoras e os senhores tiverem a curiosidade de consultar essa lei, vão verificar que os crimes ali tipificados, tanto no art. 3º quanto no art. 4º, são crimes que estão relacionados ao exercício do poder e à violação de direitos fundamentais, como a liberdade de locomoção, como a inviolabilidade do domicílio, como a liberdade de reunião, de associação, de livre pensamento. Só que, do ponto de vista da segurança jurídica - e todos nós estamos submetidos a essa lei, tanto magistrados como autoridades que exercem função -, diferentemente do projeto, os tipos ali são abertos, tipos que trazem uma insegurança jurídica no sentido de uma possível divergência de interpretações.
O que o projeto faz - e aqui eu considero que isso é uma conquista, inclusive para os agentes públicos - é definir de forma minuciosa, de forma detalhada, de forma precisa quais comportamentos podem, se violados, caracterizar o abuso de autoridade e quais comportamentos foram excluídos.
Então, até do ponto de vista institucional - e aqui eu me coloco sob a perspectiva da magistratura -, é interessante que haja uma atualização da legislação para que hoje nós não fiquemos sujeitos a uma legislação que não cumpre, vamos dizer assim, o requisito da estrita legalidade.
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Então, a primeira observação que eu gostaria de fazer é que me parece que a discussão desse projeto por esta Casa é extremamente oportuna e relevante do ponto de vista da centralidade e da defesa dos direitos fundamentais em nosso País.
Eu tenho algumas sugestões de aperfeiçoamento. Tive até oportunidade de encaminhar essas sugestões previamente ao Senador Requião.
A primeira sugestão.
O projeto procura ser globalizante. Ele fala tanto de membros do Poder como de agentes da Administração Pública. E ali deixou claro que a lei se aplica aos membros do Poder Legislativo, aos membros do Poder Judiciário, aos membros do Ministério Público e aos demais agentes da Administração Pública.
Dada a quantidade de tipos penais que foram descritos no projeto, em tese, seria possível alguma violação, não todas, por membros dos Tribunais de Contas, que hoje têm um protagonismo muito grande. Então, a minha sugestão é que se incluam também os membros dos Tribunais de Contas nesse art. 2º, que trata das autoridades que estão submetidas a esse regime.
O art. 3º trata daqueles que estariam legitimados a fazer a representação caso a vítima já estivesse morta, no caso de morte real ou presumida. E aqui se lembraram do cônjuge, do ascendente, do descendente e do irmão, mas esqueceram-se do convivente ou do companheiro, que é uma realidade hoje também em função das mudanças nas relações familiares. Então, a minha sugestão é que se acrescente aqui também a possibilidade do convivente como legitimado para propor a representação em substituição à vítima.
O mais importante desse projeto é o capítulo que cuida dos crimes e das penas. E aqui eu já falarei que, em relação às penas, o projeto foi muito ponderado no sentido de que as penas máximas que podem ser aplicadas vão até quatro anos e, indo até quatro anos, elas permitem necessariamente a sua substituição, desde que presentes outros requisitos, por penas restritivas de direito. De modo que me parece que, em termos de sanções, o projeto está bem construído.
A sanção de que talvez o agente público se ressinta mais, que seria a destituição do cargo ou da função, esta só existe no caso de reincidência. Então não é a condenação pelo crime de abuso de autoridade que vai levar necessariamente à perda do cargo, mas o projeto também teve o cuidado de exigir uma reincidência, coisa que, salvo melhor juízo, a lei atual não faz.
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Nesse sentido, o projeto também é interessante do ponto de vista da proteção dos agentes públicos.
Esses artigos, do 9º ao 38, descrevem vários comportamentos que atentam, como eu disse aos senhores e às senhoras, contra a liberdade de locomoção, a dignidade do preso, a incolumidade física da pessoa, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício do culto religioso, a liberdade do direito de associação, do direito de reunião e os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. Isto é uma outra crítica que eu ouvi nos meios de comunicação: de que haveria, então, agora a criminalização pela violação de prerrogativas, especialmente da classe dos advogados.
Isso não é uma novidade construída por esse projeto; isso já está na lei em vigor, só que ela não fala especificamente de prerrogativas da classe ou da nobre classe dos advogados; ela fala de direitos assegurados ao exercício profissional que compreende, evidentemente, os advogados.
Esses comportamentos todos, que estão proibidos, em boa hora protegem o que eu chamo de núcleo essencial dos direitos fundamentais, que estão todos previstos nos incisos do art. 5º. A inovação, como eu já mencionei, é exatamente trazer uma descrição mais detalhada desses possíveis comportamentos atentatórios aos direitos fundamentais. E o ponto positivo do projeto é que ele traz mais densidade normativa a isso, de forma que esses comportamentos estão explicitados.
Eu tenho algumas outras sugestões pontuais.
O art. 9º trata de atentados contra a liberdade de locomoção. O que diz o projeto? "Ordenar ou executar captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais ou sem o cumprimento ou a observância de suas formalidades". Aqui acho que há uma omissão do projeto. Não sou eu que vou resolver isso, esta Casa é que tem que deliberar sobre isso. Qual é a omissão do projeto? Ele não enfrenta o delicado problema - que é uma realidade de hoje - das conduções coercitivas. Uma prática que vem se disseminando de, sem prévia intimação e sem que ocorra um injustificado motivo para o não comparecimento, ordenar-se a condução coercitiva das pessoas.
Na minha opinião, isso é um atentado contra a liberdade de locomoção. Eu sei que há decisões nesse sentido, é uma questão controvertida, mas cabe a esta Casa deliberar.
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A minha sugestão é que se incluísse no art. 9º "ordenar ou executar captura, detenção, prisão ou condução coercitiva, fora das hipóteses estritamente legais", porque as hipóteses de condução coercitiva estão presentes no Código de Processo Penal, mas elas dependem de prévia intimação, de não atendimento da intimação e de não apresentação de um justo motivo para o não comparecimento.
Este me parece, já que nós vamos atualizar o projeto, um tema que precisa ser enfrentado.
No inciso II do art. 9º, eu vejo um problema também sério, ao que me parece, quando ele criminaliza a conduta da autoridade judicial: "II - deixa de conceder ao preso liberdade provisória, com ou sem fiança, quando assim admitir a lei e estiverem inequivocamente presentes seus requisitos;" Aqui, nós podemos criar uma espécie do que Ruy Barbosa chamou de crime hermenêutico. O que significa isso? Significa que, pelo fato de a parte, a vítima entender que ela teria o direito à liberdade provisória, e essa não ter sido concedida, a autoridade judiciária já teria cometido o crime de abuso de autoridade. Não pode ser dessa forma.
O chamado crime hermenêutico é algo que surgiu, vamos dizer assim, no século retrasado, e o próprio Supremo Tribunal Federal não aceitou esse tipo de criminalização.
No caso, o que houve foi: o magistrado Alcides de Mendonça Lima, do Rio Grande do Sul, considerando uma lei inconstitucional porque fazia alterações no modelo do tribunal do júri, não aplicou a lei; e o Governador, então, determinou ao Procurador-Geral que abrisse ou instaurasse uma ação penal por crime de abuso de autoridade. E, aí, a defesa dele é assumida por Ruy Barbosa, e Ruy Barbosa cunha essa expressão de crime hermenêutico.
De fato, nós não podemos permitir isso no projeto. Eu proporia a seguinte redação:
II - deixa de conceder ao preso liberdade provisória, com ou sem fiança, quando assim admitir a lei e estiverem inequivocamente presentes os seus requisitos, segundo reconhecido expressamente pelo tribunal que apreciou o recurso ou o habeas corpus interposto contra o indeferimento do pedido de liberdade provisória.
Quer dizer, não é um problema de divergência, porque, se há divergência - se pode conceder ou se não pode conceder -, é evidente que não se caracteriza o crime, mas é uma situação em que o próprio tribunal, em segunda instância, diz: "Aqui não era hipótese de deixar de se conceder ao preso a liberdade provisória".
No inciso IV do art. 10, há uma criminalização da conduta da autoridade que:
IV- prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária ou preventiva, ou de medida de segurança, deixando de executar, no próprio dia em que expedido o respectivo alvará ou esgotado o prazo judicial ou legal, a soltura do preso;
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Aqui qual é o problema? Primeiro, o termo inicial. Não me parece que deva ser no mesmo dia em que expedido o alvará, porque, entre...
(Soa a campainha.)
O SR. SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA - ... a expedição e a recepção do alvará, pode haver um lapso de tempo. Então, o termo Inicial tem que ser o dia do recebimento. E, vejam, o sistema carcerário, às vezes, está superlotado. Não tem como a autoridade do presídio ingressar à noite, quando os presos já estão trancados, para tirar o preso da cela para cumprir aquele alvará.
Então, eu colocaria uma exceção: no próprio dia em que recebido o respectivo alvará, salvo se, pelo adiantado da hora, não for possível, sem risco à segurança do estabelecimento prisional, devidamente certificada pela autoridade competente - ela tem que atestar isso -, o cumprimento daquela soltura do preso.
Nós não podemos ser mais realistas do que o rei.
Seria essa a minha sugestão.
No inciso V do art. 10, há o mesmo problema do crime hermenêutico. Não é só deixar de relaxar a prisão em flagrante formal ou materialmente ilegal. É preciso que isso tenha sido também reconhecido expressamente pelo tribunal que apreciou o recurso ou o habeas corpus.
Eu já vou para o final, Presidente.
O art. 26 - uma outra sugestão - criminaliza a figura do flagrante preparado. Não há nenhuma objeção em relação a isso, nós temos até uma súmula do Supremo Tribunal Federal contra o flagrante preparado. Agora, o tipo penal não ressalvou a figura do flagrante esperado, que é uma situação diferenciada do flagrante preparado, e situações de ação controlada, em que intervenção policial devidamente autorizada pelo juiz, essa intervenção é retardada, porque o agente está infiltrado numa organização criminosa. Eu proponho transformar o parágrafo único em §1º e adicionar um §2º: "§2º O dispositivo previsto neste artigo não se aplica a situações de flagrante esperado ou flagrante retardado", que também é chamado de prorrogado ou diferido.
O art. 30, talvez um artigo também muito polêmico, diz: "Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada". Estou vendo aqui o Dr. Miro Teixeira, que sabe que existe um conceito doutrinário de justa causa. Vamos colocar isso na lei. A minha sugestão é: "Parágrafo único. Há justa causa quando houver lastro probatório mínimo e firme indicativo da autoria e da materialidade da infração penal."
Então, quando tem justa causa, isto é, quando você tem um lastro probatório mínimo que indica tanto a materialidade da infração penal, como a autoria, não há problema.
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Para terminar, eu diria o seguinte: o projeto tem forte aderência ao texto constitucional. Ele procura disciplinar o inciso XXXIV do art. 5º. Comparado com a lei atual, ele ganha em densidade normativa, ao explicitar, de forma minudente e detalhada, os possíveis comportamentos considerados como abuso de poder e...
(Soa a campainha.)
O SR. SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA - ... penas proporcionais, sobretudo, a que subordina a perda do cargo ao devido processo legal, à prévia ocorrência de reincidência e conduzido perante o Poder Judiciário.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção do Exmo Sr. Luís Ferreira da Rocha, que é, como todos sabem, Juiz Federal titular da 10ª Vara Federal de São Paulo.
E, com satisfação, concedemos a palavra ao Exmo Sr. Juiz Sérgio Moro, que, mais uma vez, repito, nos honra com a sua presença neste debate.
Com a palavra V. Exª.
O SR. SERGIO MORO - Bom dia a todos os presentes.
Eu vou pedir escusas e falar da mesa também, porque eu trouxe vários papéis aqui.
Eu gostaria de, inicialmente, cumprimentar o Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros, cumprimentar o Ministro Gilmar Mendes, cumprimentar também o Senador Roberto Requião, aqui presente, e o ilustre colega Juiz Federal Sílvio Rocha. Vários colegas juízes federais fizeram a gentileza de me acompanhar nesse evento, sabendo da sua importância. E eu gostaria de externar um cumprimento especial aos Srs. Senadores e às Srªs Senadoras aqui presentes.
Eu gostaria de dizer que, para mim, é uma honra estar presente nesta Casa Legislativa e ter essa oportunidade que me foi gentilmente concedida para debater esse projeto.
Eu vou falar sobre o Projeto de Lei do Senado nº 280. Não se trata aqui de falar sobre o projeto que veio da Câmara - eu gostaria de deixar isso bem claro no momento. E, ao final, talvez permita alguma reflexão sobre esse projeto da Câmara.
É evidente que nenhum juiz, nenhuma autoridade judicial é conivente com o abuso de autoridade. É uma contradição evidente qualquer juiz ser favorável a esse abuso de autoridade. Portanto, qualquer legislação que venha a aprimorar e reduzir desvios é sempre muito bem-vinda.
Não obstante, há que se ter um cuidado todo especial para que, a pretexto de se coibir o abuso de autoridade, a legislação prevista não tenha o efeito prático contrário de cercear não o abuso, mas, sim, o mero cumprimento do dever. E não importa, nesse aspecto, a intenção do legislador. Há um velho ditado que diz que a lei tem as suas próprias pernas. E, ainda que a legislação seja movida pelas melhores das intenções, o que vai acontecer com ela no futuro - como ela vai ser aplicada, como vai ser interpretada - é uma questão em aberto que o legislador tem poucas possibilidades de antever.
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Diante disso, eu teria várias sugestões sobre esse projeto, mas eu vim aqui com o propósito de fazer apenas uma sugestão, e essa sugestão exatamente visa a preservar que o agente da lei, seja ele o juiz, seja ele o membro do Ministério Público, de todas as instâncias, seja juiz, desembargador ou ministro, ou seja promotor, procurador ou Procurador-Geral da República, assim como todos os policiais, que muitas vezes estão na linha de frente do combate à criminalidade, que são aqueles que mais sofrem o impacto desse enfrentamento da criminalidade, não venham a ser penalizados por uma interpretação equivocada ou uma aplicação errada de uma lei de abuso de autoridade, que, a pretexto de coibir abusos, venha puni-los pelo correto exercício da função.
E nesse aspecto, na minha sugestão, eu fico muito feliz por falar nesta Casa e sob a estátua do nosso maior jurista, maior advogado, e que foi também um notável Senador, um dos pais fundadores da República, o advogado Rui Barbosa.
Rui Barbosa, como adiantou aqui o colega Silvio Rocha, um dos nossos pais fundadores, no final do século XIX, assumiu uma causa em que um juiz de direito do Rio Grande do Sul, Alcides de Mendonça Lima, havia sido condenado, àquele tempo, por abuso de autoridade. O Alcides de Mendonça Lima, ao decidir um caso concreto, entendeu que uma lei então promulgada no Rio Grande do Sul, uma lei estadual, era inconstitucional, porque estabelecia um regramento do tribunal do júri, que ele reputava incompatível com a garantia da instituição do júri, prevista na então Constituição de 1891, no art. 72. Por exemplo, dizia que o voto dos jurados não seria mais secreto. Isso submetia os jurados, com aquele voto aberto, a pressões econômicas, locais, de interesses poderosos, nas localidades onde os júris seriam desenvolvidos.
E Alcides de Mendonça Lima, na primeira oportunidade que teve de decidir um caso, de aplicar essa lei estadual ao caso, disse: a lei é inconstitucional.
Na época, o Presidente do Estado, o Júlio de Castilhos, ficou revoltado com a posição daquele juiz e oficiou ao então Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, solicitando - as expressas palavras dele foram essas - que o juiz faccioso fosse punido - nem processado, fosse punido. E ele foi de fato condenado pelo então crime de abuso de autoridade, que constava do primeiro Código Criminal republicano, art. 226, por abuso de autoridade.
Rui Barbosa, advogado, mas ciente da importância para o funcionamento da Justiça da independência da magistratura, assumiu essa causa e levou essa causa até o Supremo Tribunal Federal. Apresentou um texto, que depois se tornou célebre, "O júri e a responsabilidade penal dos juízes", no qual ele defendeu, com todo o vigor e a eloquência de Rui Barbosa, que todos nós conhecemos, que divergências na interpretação da lei não poderiam ser jamais criminalizadas, sob pena de transformar o juiz em um servo, sob pena de retirar aquilo que é um dos fundamentos da liberdade de qualquer Nação, que é uma justiça independente.
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Então, com essa defesa de Rui Barbosa - vejam, lá em 1896, ela foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal -, restou sepultada entre nós, há mais de um século, a possibilidade do crime de hermenêutica. Isso foi uma conquista da República brasileira que jamais se pode pensar em deixar a perder no presente momento.
Nessa linha, ouvindo vários colegas magistrados e também tendo presente as minhas próprias preocupações, urge um dispositivo, uma salvaguarda nesse projeto de lei que limite a possibilidade da reinstituição entre nós do assim chamado crime de hermenêutica.
Eu preparei aqui um ofício e, nesse momento, eu tomo a liberdade de entregar, em caráter oficial, ao Senado Federal. É um ofício com a minha singela sugestão.
Eu peço escusas porque não trouxe cópias para todos os presentes da Mesa, mas gostaria de passar aqui para o Ministro Gilmar Mendes e também para o Senador Requião, em que eu veiculo essa sugestão, que seria a simples adição de uma norma de salvaguarda nesse projeto com o seguinte texto, bastante singelo:
“Não configura crime previsto nesta lei a divergência na interpretação da lei penal ou processual penal ou na avaliação de fatos e provas”.
Com essa salvaguarda, eu diria que grande parte dos receios de uma aplicação equivocada desse projeto de lei provavelmente possam ser evitados, mas eu reputo - e, por isso, quis trazer uma única sugestão - essa adição fundamental, inclusive para afastar eventuais receios de que isso, de alguma forma, venha a ser utilizado para criminalizar a jurisdição ou a atuação independente do Ministério Público ou o dever da polícia de apuração das infrações penais, independentemente dos interesses que sejam afetados.
É claro que, para alguns dispositivos da lei isso não é uma preocupação. Por exemplo, o texto da lei tem lá o art. 19: “Constranger preso com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”. Não há nenhuma dúvida quanto a esse tipo penal, que se alguém cometer qualquer conduta dessa espécie, comete abuso de autoridade.
Mas existem outros tipos que não são assim tão óbvios e que podem sugerir essas dificuldades. Para colocar um exemplo, que não diz respeito ainda à magistratura, mas um exemplo muito simples e que afeta, inclusive, aqueles que estão lá na linha de frente do combate à criminalidade.
"Art. 15. Submeter o preso ao uso de algemas, ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja ou impeça a locomoção, quando não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso ou de terceiro."
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Ninguém discorda dessa norma. Ninguém discorda que as algemas devem ser utilizadas apenas em casos necessários, mas a grande indagação é: a quem cabe fazer essa avaliação? Ao juiz, sentado na sua poltrona confortável no seu gabinete? Ou ao Senador, que elabora um projeto de lei contendo uma norma dessa espécie? Ou ao policial, que vai realizar aquela prisão e aquela locomoção e tem que - muitas vezes, sem qualquer espécie de informação mais concreta a respeito do comportamento do preso - decidir, naquele momento, se utiliza ou não utiliza algemas em relação àquele preso? E o que a lei faz é estabelecer que se ele comete um erro de avaliação, se ele eventualmente utiliza as algemas em um caso que se mostra desnecessário, fica sujeito a uma ação penal por crime de abuso de autoridade.
Então, é importante, se for manter uma norma dessa, que diz claramente que as algemas só devem ser utilizadas em casos necessários, mas que haja uma salvaguarda ao policial para que ele não seja penalizado, se eventualmente ele cometeu um erro de interpretação ou de avaliação dos fatos, quanto à necessidade ou não da utilização dessas algemas. Do contrário, o policial eventualmente vai utilizar o caminho mais fácil para não ser responsabilizado, ou seja, não utilizar as algemas e, eventualmente, o que pode acontecer se era um caso em que elas eram realmente necessárias.
Da mesma forma, um dispositivo do art. 30: "dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada". Qualquer ação penal, seja ação penal privada ou seja uma denúncia, tem que ter justa causa, que é mais ou menos entendido como um substrato probatório, que não precisa ser cabal naquele momento, mas precisa ter um substrato probatório para formular uma acusação contra qualquer pessoa. Não há nenhuma disputa quanto a isso. Mas o que a lei estabelece? Quando, por exemplo, o Ministério Público oferece uma denúncia, isso vai ao juiz, que avalia se tem ou não a justa causa e, não havendo a justa causa, o juiz tem a possibilidade de rejeitar. Esse é o sistema de salvaguarda que foi estabelecido pela nossa legislação.
O que significa esse dispositivo? Se o juiz rejeitar a denúncia ou a queixa, isso significa que o promotor ou o procurador cometeu abuso de autoridade? Ou será que não houve apenas uma divergência de avaliação de fatos e provas? E nós vamos criminalizá-los, então, pelos erros de avaliação de fatos e provas cometidos pelos promotores ou procuradores? Isso não vai ter um impacto na liberdade e autonomia do Ministério Público em oferecer essas denúncias e ações penais, quando entender ele que existe esse substrato probatório, sem que haja qualquer intencionalidade negativa, malévola, má intenção na atuação desse membro do Ministério Público? Então, é importante ter uma norma de salvaguarda que estabeleça que erros, divergências na avaliação de fatos e provas não representam abuso de autoridade.
E aqui indo para a parte do Judiciário, da prisão: ordenar ou executar captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais ou sem o cumprimento e observância de suas formalidades (redação do art. 9º).
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Pois bem, os fundamentos da decretação das prisões cautelares são objeto de inúmeras controvérsias no âmbito dos tribunais. Não raramente nas próprias sessões do Supremo Tribunal Federal Ministros divergem na concessão ou denegação de habeas corpus, havendo, não raramente, julgamentos que não são por unanimidade, minorias e maiorias.
O que significa esse dispositivo? Se o juiz de primeira instância, se o juiz de segunda instância, se o juiz dos tribunais superiores decretar uma prisão cautelar e ela vier a ser reformada, ainda que seja na última instância, ainda que seja por voto de maioria e minoria, vai ficar ele sujeito a persecução penal por abuso de autoridade? Ou seja, nós estamos ignorando a herança de um dos nossos pais fundadores, Rui Barbosa? Vamos tolher a independência da magistratura?
Então, é importante que haja uma salvaguarda que deixe claro que divergências na interpretação da lei, divergências na avaliação de fatos e provas não representam abuso de autoridade.
Foi mencionado aqui pelo colega que me antecedeu o caso da condução coercitiva. Alguns juízes utilizam esse instrumento; outros entendem que ele não é cabível. Há uma divergência de interpretação.
Ilustrativamente, há não muito tempo, este ano, em abril de 2016, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, num processo com um número um tanto quanto longo, Processo nº 501510958, entendeu que a condução coercitiva era uma medida que encontrava abrigo legal, inclusive mesmo sem haver uma intimação prévia.
Cometeram esses magistrados - seis magistrados de seção do tribunal de apelação, tribunal federal, de Porto Alegre, um tribunal renomado, conhecido - abuso de autoridade? Ou se trata aqui de mera divergência de interpretação a respeito do significado da nossa lei?
Então, - e esta é a sugestão que apresento -, reputo fundamental que, caso seja decisão, e é a decisão desta Casa Legislativa, do Parlamento, caso haja, realmente, essa intenção de atualizar a Lei de Abuso de Autoridade, que essa lei seja muito bem refletida.
Há inúmeras sugestões. Eu ouvi sugestões do Ministério Público, ouvi sugestões da associação de juízes, tive conhecimento, inclusive, de um substitutivo apresentado. Eu acho que isso tudo tem que ser objeto de uma ampla deliberação para que não sejam tomadas decisões precipitadas a respeito de um tema tão delicado que trata, indiretamente, da independência da magistratura, da autonomia do Ministério Público e do dever do agente policial de cumprimento da lei.
Mas, em qualquer aspecto, é essencial uma norma de salvaguarda como essa que sugeri, invocando aqui, com toda a humildade, o espírito, o trabalho e o exemplo do maior jurista brasileiro, pai fundador da República, também Senador, Rui Barbosa, que nos ensinou isto ainda no século XIX. Ou seja, não configura crime previsto nessa lei a divergência na interpretação da lei penal ou processual penal ou na avaliação de fatos e provas.
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Também tenho alguma preocupação - e aqui a faço como uma preocupação externa -, com todo o respeito, de que, talvez não seja o melhor momento para deliberação a respeito de uma nova lei de abuso de autoridade, considerando o contexto de que existe uma investigação importante, não só a chamada Operação Lava Jato, mas várias outras investigações importantes e, talvez, independentemente das intenções dos ilustres Senadores e Senadoras, uma nova lei de abuso de autoridade poderia ser interpretada no presente momento como tendo o efeito prático de tolher investigações e persecuções penais.
Faço essa sugestão, Presidente, com extrema humildade. Não me cabe aqui censurar o que deve o Senado ou não deve o Senado deliberar...
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO - ...mas eu acredito que, talvez, não seja o melhor momento e o Senado Federal pode passar uma mensagem errada à sociedade brasileira.
O que se assiste é a sociedade brasileira ansiosa diante de casos graves de corrupção que vêm sendo revelados não só nessa Operação Lava Jato, mas pelo trabalho de investigação de policiais, de membros do Ministério Público e com atuação de magistrados espalhados em todo o País. O que a sociedade anseia no presente momento é o enfrentamento mais efetivo - claro que com resguardo dos direitos fundamentais e do devido processo legal - desse tipo de criminalidade, e a aprovação de um projeto neste presente momento, poderia dar uma mensagem errada à sociedade.
Essas são as considerações...
(Interrupção do som.)
O SR. SERGIO MORO - ...a fazer a respeito do projeto de lei do Senado e, aqui me permito, porque chegou ao Senado esse recente projeto da Câmara que tem algumas exposições similares, uma breve reflexão.
Caminho, realmente, ao final.
Não quero também censurar a Câmara de maneira nenhuma, mas esse tipo de provisão - como foi colocado no chamado projeto das dez medidas, que acabaram se tornando um número muito menor - no projeto da Câmara de crime de responsabilidade para juízes e promotores teria que ser objeto de um debate, de uma reflexão maior por parte do Parlamento, seja da Câmara ou seja do Senado. Essas emendas - e, aqui, não quero ser ofensivo, mas de certa maneira retrata um pouco o que aconteceu -, emendas da meia-noite, que não permitem uma avaliação por parte da sociedade, que não permitem um debate mais aprofundado por parte do Parlamento, não são apropriadas tratando de temas assim tão sensíveis.
E aqui fica, até em comparação, o elogio ao Senado, a esse projeto que está sendo debatido com abertura, com transparência. Eu acho que essa tem que ser a postura desta Casa, principalmente envolvendo esses temas tão sensíveis.
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Então, a minha sugestão: que esse projeto que foi aprovado na Câmara, responsabilidade de juízes e promotores... Tenho severas críticas, acho que há coisas ali sobre as quais não tem nem cabimento se falar em crime de responsabilidade, como juiz que acumula mais um cargo de magistério. Isso é algo que é proibido pela lei e merece, sim, censura. Mas crime? Crime? É crime o juiz acumular outro cargo de professor? Ou o juiz externar opinião? Estamos então criminalizando a opinião? Eu concordo que o juiz não deve opinar sobre casos pendentes, ainda que perante outros foros, mas criar um crime, me parece que é um tanto quanto exagero.
Além disso, há também naquele projeto, alguns tipos abertos: juiz ou promotor que viola o decoro, que é algo que não sabemos exatamente o que significa, erigido a conduta criminosa.
Ou seja, há que se tomar todo um cuidado para evitar a criminalização do exercício da jurisdição, do exercício da autonomia do Ministério Público e também da vinculação do agente policial à lei. Não digo isso por conta da Operação Lava Jato, não digo isso por conta de qualquer outra operação; mas digo isso porque esses são fundamentos nos quais se esteia a nossa liberdade: independência da Justiça, autonomia do Ministério Público e vinculação da polícia à lei, assim como nossa liberdade se esteia na soberania da Constituição e também na liberdade e na soberania constitucional, limitada pela Constituição, apenas, destas Casas Legislativas.
Agradeço mais uma vez a atenção de todos os presentes, em especial dos Srs. e das Srªs Senadores e Senadoras. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção inicial do Exmo Juiz Federal Sérgio Moro. Registramos com muita satisfação as presenças honrosas do presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Carvalho Veloso, da presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe), Patrícia Lopes Panasolo. E registro também, com muita satisfação, a honrosa presença, aqui no plenário do Senado Federal, do Juiz Federal de Alagoas André Granja, sem dúvida nenhuma um grande magistrado, um grande alagoano. E eu quero, em cumprimentando o André, cumprimentar todos os juízes que estão aqui presentes.
Eu queria desde logo, em duas palavras, dizer que ontem o Senado Federal decidiu, por 44 votos a 14, que a matéria vinda da Câmara dos Deputados não será tratada em regime de urgência. Ela se submeterá a um debate transparente, à luz do dia, como este debate que nós fazemos hoje aqui. Em benefício do Senado, é importante dizer que, desde 2013, das manifestações de junho de 2013, nós votamos uma agenda para aparelhar a legislação cada vez mais no combate ao crime de corrupção.
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Nós chegamos a aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição quase por unanimidade aqui, que está tramitando na Câmara dos Deputados, que agrava a pena do crime de corrupção, talvez a mais importante daquelas dez medidas que foram sugeridas pelo Ministério Público Federal. Talvez a mais importante.
Eu tenho a satisfação de conceder a palavra ao Exmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes.
V. Exª dispõe de 20 minutos. Se precisar prorrogar, teremos a máxima satisfação.
O SR. GILMAR MENDES FERREIRA - Sr. Presidente, ilustre Senador Requião, caro Juiz Sérgio Moro, caro Dr. Silvio Rocha, Srs. Senadores, Srs. Juízes aqui presentes. É com imensa satisfação que retorno a esta Casa para participar de mais um desses debates temáticos, agora sobre a Lei de Abuso de Autoridade.
Eu começo tendo como pano de fundo as questões que se tem colocado nesse contexto, referentes, inclusive, à minha experiência como Presidente do Supremo e do CNJ. Pouco antes de assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, ainda na condição de Vice-Presidente, recebi a visita de uma Comissária da ONU para Direitos Humanos. Ela veio para discutir vários assuntos, claro, sempre com o sistema prisional do Brasil sempre à frente. Ela estava muito impressionada com o episódio de Abaetetuba, aquele episódio no Pará em que uma moça foi colocada num presídio de homens e foi sistematicamente violentada. Lá pelas tantas ela introduziu o tema e disse que queria conversar sobre isso. Eu dei aquelas explicações, que nós não tínhamos o controle efetivo sobre o sistema prisional, as más condições dos presídios e tudo o mais. E, com aquele jeito anglo-saxão de ser, ela, então, depois de ouvir com paciência as minhas explicações, perguntou: o senhor não acha que levar trinta dias para descobrir esse malfeito é algo demais? E não me restou outra coisa senão dizer "yes", porque, de fato, isso tinha ocorrido e só foi descoberto trinta dias após.
Eu pelo menos prometi a mim mesmo, Presidente, que, quando chegasse ao CNJ, enfrentaria a questão do sistema prisional. E o fiz. Começamos com os mutirões carcerários e libertamos, nesse período, 22 mil pessoas que estavam presas indevidamente. Encontramos um caso no Ceará, Senador Tasso, de um sujeito preso há 11 anos provisoriamente. Pensávamos que isso já era o fim de todas as violações, quando, num outro mutirão carcerário, no Espírito Santo, encontramos, Senador Caiado, um sujeito preso há 14 anos provisoriamente. Isso fala da responsabilidade de nós, magistrados, que não estávamos sequer acompanhando esse processo ou casos como tais, Juiz Sérgio Moro, de evidente abuso de autoridade.
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Foi nesse contexto, inclusive, que começamos a discutir a necessidade do refazimento da Lei de Abuso de Autoridade, estabelecendo inclusive aquilo que antes não acontecia: a obrigatoriedade. Quando comecei esse trabalho no Supremo, encontrei muitos juízes, talvez a maioria dos juízes da execução penal, que nunca tinham visitado um presídio, Senador Jorge Viana. Essa é uma realidade, e isso se procurou mudar. Portanto, essa é uma história.
Quanto à questão das algemas, foi o Supremo Tribunal Federal que colocou essa questão na agenda ao aprovar uma súmula, para dizer que não era necessário usar as algemas, a não ser naqueles casos recomendados.
É claro que haverá discussão. Para isso, o Tribunal estabeleceu que era preciso que houvesse a devida fundamentação. Nada mais do que isso. Poderá ser uma apreensão errada dos fatos ou não, mas era preciso que houvesse a fundamentação.
Esse é um caso até irônico, porque foi um caso de São Paulo, Senador Aloysio, em que uma juíza manteve um réu no júri algemado durante todo o tempo. E o argumento do seu defensor é o de que aquela condição de algemado perante o Tribunal do Júri já era quase a resignação, a confissão, da prática do crime e da responsabilidade pelo crime em toda a sua extensão. O Tribunal, então, entendeu que era preciso anular o júri, e outro deveria ser realizado.
Construíram-se, então, a partir desse entendimento, as bases para a edição de uma súmula. Em suma, vejam, portanto, os senhores que há bases, hoje, muito fortes que legitimam essa iniciativa.
Então, estou bastante tranquilo quanto à iniciativa que se deu naquele contexto do Pacto Republicano, em 2009, com o objetivo de fortalecer a defesa dos direitos fundamentais. Quanto isso, parece-me que é bastante pacífica essa orientação.
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Por outro lado, o que acontece hoje? E vou falar, agora, da visão de quem está na Presidência do Superior Tribunal Eleitoral. Temos agora - os Srs. Senadores certamente convivem com isso - a questão da lei de inelegibilidade. É muito comum, agora, com a decisão de segundo grau, ter-se alguém por inelegível em caso de improbidade, em caso de condenações em segundo grau ou mesmo, como já foi lembrado aqui muito oportunamente pelo Juiz Silvio, em casos de decisões do Tribunal de Contas da União ou de Tribunais de Contas dos Estados ou Tribunais de Contas dos Municípios. Isso leva à inelegibilidade, o que é uma pena muito grave para quem milita na vida política. Essa lei, como os senhores sabem, que é uma lei complementar de 2010, foi aprovada também no contexto de lei objeto de um grande apoio popular, de iniciativa popular. Pouco antes do limite do princípio da anualidade, da aplicação do princípio da anualidade, os senhores tiveram de fazer uma aprovação. E essa lei tem coisas interessantíssimas. Por exemplo, se o sujeito for excluído de uma entidade associativa, um conselho de contabilidade ou a própria OAB, ele fica inelegível. Quase se esqueceram de dizer que, por exclusão da Sociedade Corinthians, ficaria também inelegível. E isso veio de uma lei de iniciativa popular. E há os casos de renúncia para evitar um processo. Nós tivemos, recentemente, um caso no Paraná em que o indivíduo detentor do mandato renunciou ao mandato para não ser submetido a um processo. Depois, a Justiça veio e disse que ele não praticara aquele crime - era crime de costumes, questão de pedofilia ou coisa do tipo. Ele, então, pediu que fosse anulada aquela inelegibilidade que se estava lhe aplicando, e o tribunal acolheu. Acho que a vida é muito mais complexa.
E aí vem o argumento: "Ah, mas é lei de iniciativa popular". Com todo o respeito, precisamos olhar com atenção também os projetos de iniciativa popular. Hoje, frequento muito São Paulo e aprendi que quem contrata o Sindicato dos Camelôs, em uma semana, consegue 300 mil assinaturas. Portanto, não vamos canonizar iniciativas populares.
A propósito do tema objeto da preocupação, eu concordo com as observações aqui feitas de que o projeto pode e deve ser aprimorado, de que nós devemos, tanto quanto possível, trabalhar na ideia de tipos cerrados e certamente encontrar a melhor condição para que, de fato, possamos distinguir práticas comuns, rotineiras - e eu vou, inclusive, fazer chegar ao Senador Requião e ao Presidente do Senado propostas nesse sentido, que nós elaboramos no âmbito do meu gabinete no Supremo Tribunal Federal, inclusive com a assessoria de juízes, em casos que já foram aqui versados, sobre a impropriedade do art. 9º ou a possibilidade de um crime de hermenêutica. Acho que é preciso que haja um esforço no sentido desse aperfeiçoamento. Concordo que haja esforços nesse sentido, porque o propósito, obviamente, não é criminalizar a atividade do juiz, do promotor, do integrante de CPI, no âmbito do Congresso Nacional, embora nós saibamos que isso ocorre. Quantas vezes o Supremo já concedeu habeas corpus para impedir que alguém que compareceu na condição de testemunha fosse convolado na condição, agora, de investigado e sofresse, às vezes, coação no próprio âmbito do Congresso Nacional? Portanto, a pretensão não foi excluir nenhum setor ou Poder.
Acho bem-vinda, inclusive, a sugestão de trazer o Tribunal de Contas, porque ele hoje exerce um poder significativo e, muitas vezes, capaz de perpetrar abuso de autoridade. Estou absolutamente convencido em relação a isso.
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Eu gostaria também de dizer que, com a experiência já de anos que nós temos nessas questões e nesses debates, nós agentes públicos, agentes políticos e do Judiciário - e aqui hoje já foi citado Bobbio -, não devemos ceder à tentação de procedermos ao combate ao crime mediante qualquer prática abusiva. Há um texto histórico de Bobbio em que ele dizia "Se a lei ceder". Era uma reclamação ou uma reflexão sobre a situação na Itália no combate ao terrorismo, e ele recomendava que não fossem aprovadas leis excepcionais para o combate ao terrorismo, porque esse era o valor do Estado de direito, isso não poderia ser feito.
Por isso, também não compactuo, não compartilho da ideia de que este não seja o momento azado para aprovar a lei. Qual seria o momento azado? Qual seria o momento adequado para discutir esse tema de um projeto que já tramita no Congresso há mais de sete anos? Como se fazer esse tipo de escolha do momento? Acho, inclusive, Sergio Moro, com toda a honestidade intelectual... E, para que ninguém suspeite de que nós tenhamos relação de inimizade, estou até contribuindo com um artigo em um livro que sai em homenagem ao Sergio. Qual é o momento? A Lava Jato não precisa de licença especial para fazer suas investigações. Os instrumentos que aí estão são mais do que suficientes, como qualquer outra operação.
A rigor, se nós formos olhar, a própria legislação - eu acompanhei isso, à época, ainda na condição de agente de governo -, a lei que veio complementando a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei nº 10.028, introduziu o art. 339 no Código Penal e deu uma nova redação - acho que é um dispositivo ao qual não se tem prestado atenção - dizendo o seguinte, denunciação caluniosa: "Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente." Esse dispositivo está hoje no Código Penal, é o art. 339. Portanto, hoje, já existe uma norma positivada com esse perfil.
É claro que sempre haverá aquelas situações limítrofes em que vai se dizer: "Mas qual é a situação adequada?" Ao lado dessas situações limítrofes, temos também as situações inequívocas de abuso. Quando alguém ficar preso, Senador Requião, por 11 anos, provisoriamente, creio que não há dúvida de que há abuso. E não se pode falar de crime de hermenêutica. Aqui, de fato, há uma negligência realmente contumaz e irresponsável.
A mim me parece que é oportuno que se discuta esse projeto com toda a abertura mental, com toda a abertura de espírito, e que se discuta neste momento, até porque operações vão continuar ocorrendo. Teríamos que, daqui a pouco, então, buscar um ano sabático das operações para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este? Não faz sentido algum. O que todos nós temos que ter é a consciência de que devemos atuar dentro dos parâmetros estabelecidos.
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Se os senhores repararem - abram o art. 5º -, os senhores vão ver que, desde o art. 5º, inciso XXXV, até a sua parte final, são direitos processuais ou processuais penais. O que esta lei está fazendo é nada mais, nada menos do que estabelecer que esses direitos, que frequentemente são vilipendiados, não sejam mais vilipendiados ou do que se dar um instrumento de defesa, de proteção. E ela não foca, necessariamente, em juiz e Ministério Público; ela atinge o guarda da esquina, onde se cometem abusos a toda hora. Recentemente, eu participei de um curso sobre cidadania para alunos do nível secundário. E, colocando lá várias questões - valor da Constituição e tudo o mais -, um deles me perguntou, um menino que vem aqui do Paranoá: "Professor, o senhor sabe explicar por que a gente" - e aí era um menino de cor - "está vindo da escola com uma mochila e o carro da polícia nos vê e já manda a gente entrar no camburão?" Esta é a realidade das pessoas: é a entrada na favela sem mandado. É isso que a lei está punindo. Portanto, nós estamos desfocando o debate. Ou há esse mandado coletivo que se dá, porque não se sabe exatamente o endereço onde mora alguém. Portanto, a violação de domicílio ocorre de maneira sistêmica e sistemática. É isso, é essa a nossa realidade.
Srs. Senadores, eu encerro dizendo que estou absolutamente convencido da necessidade dessa lei. E quanto mais operações nós tivermos, mais nós necessitamos de limites.
Vou tocar em um outro tema sensível: a questão do vazamento de informações. Eu, com minhas andanças internacionais, esses dias, estava em Portugal. E um dos meus colegas, português, dizia: "É engraçado vocês brasileiros: vocês divulgam as interceptações na televisão". Eu disse: "A nossa ordem jurídica não permite, mas nós nos acostumamos a essa violação". Ora, ele não sabia, ele achava que a nossa Constituição e as leis autorizavam esse tipo de vazamento, tantas vezes ele, passando pelo Brasil, tinha visto isso na Rede Globo. É preciso que haja limites para isso, de forma inequívoca. É preciso que chamemos as coisas pelo nome.
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Eu encerro, Presidente, dando uma palavra sobre as dez medidas propostas na Câmara. Sergio, com toda a franqueza, se esse projeto que foi apresentado sobre habeas corpus tivesse sido chancelado na Câmara, nós teríamos supresso a garantia do habeas corpus. Isso eu já falei em sessão do Supremo. Portanto, de fato, era uma concepção autoritária.
Vejam os senhores o que se diz. Nisso aqui, há um trick, uma técnica muito interessante, se os senhores lerem.
Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal que prejudique diretamente sua liberdade atual de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Até aí, permite-se o habeas corpus. Agora, vejam o seguinte - começam, então, as negativas:
§1º A ordem de habeas corpus não será concedida:
I - de ofício [Veja: proíbe a concessão de habeas corpus de ofício], salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente...............................................................................................................
Portanto, uma restrição ao habeas corpus de ofício.
Não será concedido:
II - em caráter liminar, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente...............................
Portanto, em todas essas hipóteses de nulidade do procedimento, das hipóteses de instauração de inquérito indevido, tudo isso seria vedado por esse modelo, concepção claramente autoritária.
Vou me permitir, Srs. Juízes, Srs. Procuradores: será que as pessoas que lá no Viaduto do Chá assinaram esses documentos correriam o risco com esse modelo? Tinham consciência de que estavam aprovando isso? Claro que não. Vamos ser honestos. Portanto, não venham com o argumento de chancela de 2 milhões de pessoas, porque duvido que esses 2 milhões de pessoas tivessem consciência disso ou de aproveitamento de prova ilícita.
III - com supressão de instância;
Quantas vezes nós no Supremo Tribunal Federal concedemos de ofício, porque vimos que era uma rombuda ilegalidade? Proibido conceder.
IV - sem prévia requisição de informações ao promotor natural da instância de origem da ação penal, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente;
Também é proibido o habeas corpus. Isso aqui, na verdade, acabava com o habeas corpus tal como nós o conhecemos hoje. E isso foi apresentado nas dez medidas. Felizmente, nesse ponto, a Câmara houve por bem rejeitar, porque, de fato, era um atentado. Não quero nem investigar a origem, mas quem escreveu esse dispositivo tem propósitos autoritários.
É proibido o habeas corpus:
V - para discutir nulidade, trancar investigação ou processo penal em curso, salvo se o paciente estiver preso ou na iminência de o ser e o reconhecimento da nulidade ou da ilegalidade da decisão que deu causa à instauração de investigação ou de processo penal tenha efeito direto e imediato no direito de ir e vir.
Portanto, sempre que o sujeito não estivesse preso, não se concederia habeas corpus. Acabava com o habeas corpus tal como nós o conhecemos hoje. Proposta popular. Será que as pessoas discutiram isso? O senhor sabe que não. Portanto, é uma recomendação, inclusive, uma sugestão que eu faço: que as propostas populares também tenham que ser devidamente escrutinadas, sob pena de nós validarmos coisas como essa. Nesse ponto, não tenho a menor dúvida, a Câmara andou bem em rejeitar isso, como andou bem em rejeitar a ideia do aproveitamento de prova ilícita, como também aquela coisa do teste de integridade, a tal pegadinha que se concedeu, de feição claramente autoritária.
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Presidente, eu encerro.
Desculpe-me por ter extravasado eventualmente o tempo, mas eu queria deixar essas anotações e essas considerações. E vou passar também, preocupado com um contorno mais preciso, sugestões a V. Exª e, claro, muitas delas concordam, coincidem com as propostas aqui feitas pelo Sérgio e pelo Silvio.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção inicial do Ministro Gilmar Mendes e passamos agora à segunda fase da sessão temática, em que os Senadores poderão fazer perguntas e sugestões e usar da palavra por até dez minutos.
Eu queria, antes de chamar o primeiro orador inscrito, fazer um registro.
Eu li, há alguns anos, um artigo muito bem escrito pelo Juiz Sérgio Moro, analisando a Operação Mãos Limpas, na Itália, em que fazia um paralelo entre o que aconteceu na Itália e o que acontecia no Brasil.
Muitas vezes, Sérgio Moro, nós mudamos para ser coerentes com aquilo que nós defendemos. Eu mesmo já mudei algumas vezes para ser coerente...
Eu vou aguardar os cumprimentos dos Senadores.
Em seguida, vou retomar a sessão temática. (Pausa.)
Em seguida, você muda, para manter coerência com aquilo que você defende.
No artigo, tinha lá algumas coisas que seria o caso de, no decorrer do tempo, nós aproveitarmos a honrosa presença do Juiz Sérgio Moro para indagarmos se aquelas interpretações que ele fazia da circunstância italiana comparada com a circunstância brasileira ainda perduram ou mudaram.
No artigo, eram colocadas algumas coisas: que era fundamental na investigação da Itália, como aqui no Brasil, o vazamento seletivo para a imprensa amiga; que a presunção da inocência não é um valor absoluto. A presunção de inocência tem que ser limitada, independentemente do que diz a Constituição Federal.
Seria fundamental que nós conversássemos também sobre isso. Nós estamos tratando da Lei de Autoridade, mas a presença honrosa do Juiz Sérgio Moro nesta Casa é sobretudo uma oportunidade para que nós possamos esclarecer isso.
A outra coisa que me causa uma preocupação muito grande é que a Constituição Federal estabelece que é competência exclusiva do Congresso Nacional fazer anistia. Só o Congresso Nacional pode fazer anistia.
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Pode o Poder Judiciário fazer anistia de patrimônios privados usurpados do patrimônio público depois de uma delação onde parte fica com o Ministério Público e a outra parte, que é anistiada, fica com aquele que a usurpou? Acaba limpando um patrimônio que, como todos sabem, foi montado através de mal feitos. Pode o Poder Judiciário fazer anistia? Dizer: "Você desviou 500 milhões, 700 milhões. Você contribui na delação com 50 milhões." Pode o Judiciário limpar o restante do dinheiro que foi desviado? (Fora do microfone.)
E a Constituição, que diz que a anistia é competência exclusiva do Congresso Nacional?
Eu acho que essa é uma oportunidade para que nós possamos conversar sobre essas coisas e lamentar a proposta que foi mandada para a Câmara dos Deputados, porque lá na Câmara dos Deputados já estava uma proposta de emenda à Constituição que agravava a pena contra a corrupção.
Não dá para discutir, num regime democrático... No estado de exceção talvez seja mais fácil, como aqui colocou o Ministro Gilmar. Não dá para discutir teste de integridade.
Eu acho até que algumas dessas coisas vão fazer falta evidentemente: o reportante do bem, o teste de integridade, o fim do habeas corpus, a validação da prova ilícita.
Talvez, se tivéssemos o teste de integridade, nós poderíamos aplicá-lo em primeiríssimo lugar ao Relator da matéria na Câmara dos Deputados, porque é uma insanidade injustificável que, em um regime democrático, alguém possa propor uma insanidade dessa.
Eu vou conceder a palavra ao Senador Alvaro Dias.
V. Exª dispõe de até 10 minutos. (Pausa.)
O Senador Requião tem preferência, pede a palavra.
Não é prioridade que eu estou dando ao Requião contra o Senador Alvaro Dias, mas o Requião é o Relator da matéria.
Senador Roberto Requião tem a palavra por 10 minutos.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Na verdade, o meu papel aqui, como Relator, fundamentalmente era escutar as exposições.
Em primeiro lugar, quero agradecer as contribuições que já recebi do Ministro Gilmar Mendes, do Juiz Sérgio Moro e do Juiz Silvio Rocha.
Agora, algumas reflexões sobre o momento.
Em chinês, o ideograma que grafa a palavra "crise" é o mesmo ideograma que grafa a palavra "oportunidade". E essa crise nos dá, sem dúvida alguma, a oportunidade de uma mudança concreta na legislação do abuso de autoridade.
Se nós considerássemos, por exemplo, que essa crise, o andamento de investigações sérias seria criador de um ambiente que desaconselharia a mudança da legislação, isso valeria fundamentalmente para a proposta da rapaziada da Lava Jato no Paraná, que propôs as dez medidas.
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Ontem, por exemplo, eu votei a favor da urgência da análise do projeto da Câmara e me ofereci para relatá-lo se a urgência fosse aprovada em plenário. E eu pretendia fundi-lo com aquilo que nós já estamos fazendo no Congresso, que tramita aqui há sete anos, aproveitando aspectos positivos e viabilizando, se tivesse o apoio dos demais Senadores, a consecução da validade do poder moderador do Senado.
Não é por estarmos num momento de pânico que nós devemos evitar a responsabilidade da reflexão e da votação.
A urgência tem sido pedida a cada momento, a cada dia, pelos procuradores da Lava Jato. Não é à toa que até contrataram uma agência de publicidade, a OpusMúltipla, do Paraná, para pressionar a velocidade do Congresso Nacional.
Então, eu não vejo por que o Senado não devesse assumir a sua responsabilidade de uma reflexão e iniciar uma grande discussão.
A minha preocupação, de certa forma, é a mesma preocupação do Juiz Sérgio Moro e do Juiz Silvio Rocha, colocadas no material que me ofereceram para reflexão e modificação daquele projeto básico original que foi redigido, se não me engano, pelo Everardo Maciel, pelo Ministro Teori e com a participação inclusive do próprio Ministro Gilmar Mendes.
A hermenêutica me preocupa. Mas, se por um lado nós temos que evitar o comprometimento da independência dos juízes no exercício da sua jurisdição, nós não podemos transformar a crise na possibilidade de um avanço corporativo, afinal o corporativismo é a manifestação coletiva do individualismo. E o individualismo será sempre egoístico. O avanço de prerrogativas, a exacerbação do poder... E, sem nenhum escrúpulo, eu diria que nós avançamos nas tais dez medidas, numa visão que incorporava aspectos fascistas do exercício do poder das corporações.
Nós temos que evitar interpretações hermenêuticas, mas temos que estabelecer o equilíbrio nesse processo. Então me resta agradecer a oportunidade de ouvir as intervenções dos nossos três Juízes nesta tarde e pedir que continuem colaborando. Acho que nós temos a possibilidade de redigir uma bela peça legal que evite os exageros corporativos. Há uma ambição desmedida por exageros corporativos.
Ontem, eu assisti perplexo na televisão aos rapazes do Ministério Público ameaçarem renunciar. Ao quê? Como se renuncia a um mandato o funcionário público que é designado pela Procuradoria para estabelecer uma certa tarefa?
A pressão pela urgência foi feita pelo Ministério Público da Lava Jato. E, de repente, quando o Senado propõe que a discussão se estabeleça, eles são levados ao desespero: "Renunciaremos. Querem demolir a Operação".
As primeiras manifestações a favor da Lava Jato, feitas neste plenário, foram minhas. É fácil constatar isso consultando os Anais do Congresso. E eu acho que foi um dos movimentos mais importantes que nós vivemos nos últimos anos.
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O sistema político está viciado e ele, de certa forma, acabou abarcando um grande número de Parlamentares que, de uma forma mais inocente ou menos inocente, com dolo ou com culpa, foram envolvidos nisso.
Isso tem que acabar! E a colaboração da Lava Jato, as atitudes do Juiz Sérgio Moro têm que ser respeitadas e consideradas fundamentais para a modificação da prática política na República, mas não nos venham de borzeguins ao leito. A pressa não era nossa; a pressa era do Ministério Público do Paraná. E quando votei favoravelmente à urgência, eu estava atendendo aos reclamos da OpusMúltipla, da grande mobilização.
Para finalizar, reitero a minha posição, semelhante à do Ministro Gilmar Mendes: não há iniciativa popular, ninguém leu as 10 medidas, que, na verdade, sempre foram 17. E elas são criticadas no próprio âmbito do Ministério Público Federal.
Eu reproduzi, aqui no Senado, algumas observações críticas do Procurador Celso Três, que foi o procurador que, a partir de uma denúncia do meu Governo, levantou os problemas da CC5 do Banestado.
É evidente que nós não podemos nem imaginar prejudicar o tipo de investigação que se realiza no Brasil hoje e que eu, a cada dia, saúdo com satisfação, mas não vamos transformar essa oportunidade, esta crise num espaço para avanços corporativos. Vamos viabilizar uma legislação que contenha os abusos.
Incorporei praticamente todas as observações do Juiz Sérgio Moro no meu projeto inicial, mas eu tenho alguma resistência com a indulgência plenária que me parece estabelecida no último artigo que ele propõe. A indulgência plenária existe no Código Teológico, mas só quem pode viabilizar a concessão da indulgência plenária é o Papa, e eu não sou papa. Eu não represento aqui os procuradores, eu não represento a magistratura, mas muito menos estou representando um movimento de contenção ou restrição.
Eu represento os meus eleitores, a cidadania e os represento contra os abusos de autoridade em qualquer instância. Eu represento, neste relatório, os 45% de presos provisórios que estão nas penitenciárias, sem nenhuma condição de contratar um advogado, sem nenhuma atenção do Judiciário e que foram objeto das ações providenciadas pelo Conselho Nacional de Justiça em diversos momentos. Mas acredito que com tranquilidade, com a colaboração de todos, nós vamos poder construir uma bela peça que não impeça investigações, mas que contenha o desejo absurdo de avanços corporativos que raiam as marcas do fascismo.
Agradeço mais uma vez a presença de todos e reitero a minha solicitação: vamos manter a colaboração e provavelmente até o dia 6 a gente pode votar um belo projeto, incorporando algumas coisas extraordinariamente positivas do próprio projeto da Câmara e aperfeiçoando, dessa maneira, o projeto que tramita no Senado há sete anos, não começou ontem.
Muito obrigado, Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Alvaro Dias.
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O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - A minha saudação respeitosa aos membros da Mesa, ao Presidente mentor desta proposta, Senador Renan Calheiros, Senador Roberto Requião, Relator da matéria, Ministro Gilmar Mendes, Juiz Sergio Moro, Dr. Silvio, Srs. Senadores, visitantes.
Eu creio que não há ninguém que discorde da necessidade de aprimorarmos a legislação vigente no País, inclusive, no que diz respeito a abuso de autoridade. Mas há uma pergunta que deve ser formulada preliminarmente: é esse o momento? É possível produzir uma boa legislação em um ambiente de tensões expostas, em uma circunstância de revanchismo inevitável? É esse o momento adequado? É essa a prioridade? A meu juízo, discordando do Ministro Gilmar Mendes, esse não é o momento adequado. Não creio ser possível produzir uma boa legislação, nessa hora, a esse respeito.
Aliás, nós somos constantemente acusados de legislarmos mal ou até de não legislarmos, obrigando o Supremo Tribunal Federal a assumir a nossa posição e legislar naquilo que constantemente se reitera abuso, invasão de competência.
É preciso legislar bem, e o Presidente Renan Calheiros, nos últimos tempos, tem adotado a prática salutar de constituir comissões de especialistas, integrando-as a Parlamentares, para elaboração de pré-projetos, que são depois submetidos à análise do Senado Federal. Uma iniciativa que tenta corrigir exatamente esse conceito de que legislamos mal, compartilhando a responsabilidade do ato de legislar.
O apelo que eu formulo é no sentido de retirarmos esse regime de urgência. Eu não estava presente quando esse requerimento foi aprovado, e consta que apenas seis Senadores se encontravam no plenário do Senado Federal quando se aprovou o regime de urgência - essa é a informação que recebi ainda agora. De qualquer forma, Presidente, com seis ou com mais, eu acredito que não foi um ato feliz aprovar um regime de urgência para matéria dessa natureza. Por isso, respeitosamente, humildemente, eu faço o apelo ou a sugestão de que o regime de urgência seja retirado, para que esse debate possa ganhar dimensão e profundidade, para que a proposta, que tem V. Exª como mentor, possa ser aprimorada, ouvindo os especialistas - que V. Exª convida e já estiveram aqui e outros que certamente se pronunciarão - e oferecendo aos Srs. Senadores a oportunidade também de debater essa matéria.
Acho importante fazer a leitura correta do que a população escreve na manifestação das suas aspirações legítimas. Eu posso estar equivocado, mas leio que o que a população deseja, nesse momento, é a conclusão da Operação Lava Jato com eficiência e competência. Essa é a prioridade.
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Eu não creio que essa proposta vá comprometer a Operação Lava Jato, mas, como afirmou o Juiz Sérgio Moro, essa ação atropelada na deliberação de uma matéria de tamanha importância pode, sim, passar a ideia de que estamos tentando comprometer o trabalho da Operação Lava Jato.
É preciso entender que o Brasil é uma nação em movimento, que a mudança é irreversível. Ela começou no povo, passou a instituições essenciais ao Estado de direito democrático, como o Ministério Público, a Polícia Federal, a Justiça, e essa manifestação do desejo incontido de mudança no País há de chegar ao Congresso Nacional, à atividade pública, à política do País com a mudança da cultura política e com esse esforço que se deve fazer para que a leitura das aspirações populares seja correta.
Nós teríamos mais tempo para o debate.
Vejam, por exemplo, o que eu retiro de uma nota técnica do Ministério Público Federal.
Da forma como está redigido, o projeto, a pretexto de aperfeiçoar a legislação vigente, poderá embaraçar o regular andamento das atribuições de cada órgão do Estado, resultado diverso daquele almejado pelo autor.
A bem da verdade, os responsáveis pela persecução penal e condução do processo penal estarão expostos a retaliação por parte do investigado ou acusado em razão não do abuso do poder praticado por eles, mas em razão da redação excessivamente aberta e subjetiva dos tipos penais.
Outro tópico.
Há de se reconhecer que os tipos penais arrolados no projeto são um curinga hermenêutico de conteúdo vago e impreciso que podem encontrar preenchimento naquilo que a parte quiser.
Se entenderem necessário, os nossos convidados poderão se manifestar a respeito dessas afirmações.
O que é importante destacar, quando se discorda da pressa, é que já existe legislação para coibir o abuso de autoridade. Não só a Lei de Abuso de Autoridade, mas também a Lei Complementar nº 35, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que, no art. 49, diz que "responderá por perdas e danos o magistrado quando...", e aí elenca as motivações que levarão o magistrado a responder por perdas e danos, e a Lei nº 13.105, Código de Processo Civil, que diz que o juiz também responderá civil e regressivamente por perdas e danos.
É evidente que nós temos que aprimorar essa legislação sobre abuso de poder, mas, evidentemente, não há um vácuo. Há uma legislação em vigor. E o que é importante agora para a sociedade brasileira é a conclusão da Operação Lava Jato, que, certamente, nos inspirará a propor uma legislação mais adequada nesse caso.
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Eu poderia analisar o conteúdo da proposta.
Sobre o art. 15, as considerações já foram aqui, didaticamente e com clareza, expostas pelo Juiz Sérgio Moro.
O art. 22 deixo de abordar em razão do tempo.
Restrinjo-me ao art. 38, que propõe a criminalização do agente público que se exceder, sem justa causa, ainda que não se valha de meio violento, no cumprimento de ordem legal, de mandado de prisão ou de mandado de busca e apreensão.
Na prática, o que poderá ser considerado excesso? Como se dará essa valoração da conduta do agente no caso concreto? No momento da ação, o agente, antes de mais nada, precisa se precaver para proteger sua vida e as daqueles que com ele atua, afinal, salvo raras exceções de erro judicial, os...
(Soa a campainha.)
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - ... agentes estão lidando com bandidos que praticaram crimes diversos, como corrupção, tráfico de influência, formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes, fraudes em geral, etc.
Com preocupação, podemos verificar que os tipos penais construídos não primam por uma clareza de definição que permita que o caso concreto seja bem identificado e delineado em face à norma posta. Alguns tipos penais são genéricos, a ponto de deixar ao critério de doutrinadores e de operadores do Direito a qualificação e enquadramento da ação à norma. Ao construir tipos penais com expressões vagas ou imprecisas, o legislador acaba por deixar a própria lei frágil e ao sabor das interpretações. Fica a lei refém do subjetivismo conceitual, e não cabe nem mesmo ao juiz substituir o legislador que não construiu tipo penal claro.
Os tipos penais abertos, com infrações formuladas de maneira vaga, em que podem ser enquadrados atos variados, não apenas provoca a insegurança jurídica, mas...
(Interrupção do som.)
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - Vou concluir.
... mas afronta o princípio da legalidade, que exige objetividade dos tipos penais.
No caso do projeto em análise, a situação ganha contornos preocupantes, visto que atualmente vários agentes públicos estão confrontando interesses de grandes corporações privadas - diversos agentes políticos poderosos e, inclusive, outros agentes públicos bem posicionados na estrutura administrativa do Estado.
Existem outras observações, mas em razão do tempo não as farei.
Aliás, o tempo exíguo é o retrato do que nós estamos vivendo: é um tempo exíguo para uma matéria tão importante. Por isso, Sr. Presidente, mais uma vez, o apelo para que se retire o regime de urgência e possamos debater adequadamente essa proposta.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu vou conceder a palavra, em primeiro lugar, ao Juiz Sergio Moro.
Eu queria só dizer que há um livro e, eu recomendo a todos, do Conde Afonso Celso, um notório Parlamentar da República, Oito Anos de Parlamento. Em muitos momentos eu me lembro desse livro, sobretudo quando diz que há, no Parlamento, infelizmente, pessoas que vivem da honra dos colegas e da própria Instituição.
Eu concedo a palavra...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Sr. Presidente, eu ia sugerir que nós fizéssemos bloco de cinco Senadores. Eu acho que flui melhor porque, senão...
Tudo bem? Tudo bem? (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Lasier Martins.
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O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr. Relator, eminentes magistrados que hoje aqui comparecem para contribuir com o nosso trabalho no exame de dois projetos - o que a Câmara mandou para cá ontem, com as emendas da meia-noite, e o projeto do abuso de autoridade -, eu tenho uma pergunta para o Dr. Silvio Rocha, tenho duas ou três perguntas para o Dr. Moro e uma pergunta para o Ministro Gilmar.
Em primeiro lugar, eu queria dizer o seguinte: as falas V. Exªs aqui, até agora, convergem para a unanimidade. V. Exªs demonstraram que os projetos, tanto o que veio da Câmara, como o daqui, precisam de aperfeiçoamentos. Essas posições nos confortam e nos dispensam muitas perguntas, porque realmente nós não podemos tomar decisões em matérias tão importantes - e que estavam ameaçadas - de uma avaliação muito açodada. Felizmente essa ameaça está afastada.
Ao Dr. Sílvio Rocha eu queria realçar o que ele disse aqui, que se tem falado muito nos membros dos Poderes, que estariam sendo mencionados nos projetos, e que o art. 2º do projeto do abuso fala nos Poderes e fala nos agentes da Administração Pública, mas omite os tribunais de contas. Eu queria perguntar ao Dr. Sílvio se também não houve uma omissão com relação às Polícias Militares no art. 2º, quando sabemos que é muito comum no Território brasileiro haver seguidamente abusos, violências de policiais militares. Não deveria também se incluir a hipótese dos militares?
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O Dr. Moro, que eu ouvi atentamente, propôs aqui uma norma de salvaguarda, que diria mais ou menos o seguinte: não configura crime interpretação da lei penal. O Dr. Sergio Moro contesta, evita o que se tem falado muito ultimamente: o crime hermenêutico, que é uma ameaça. E o Dr. Sergio Moro invoca, inclusive, um caso célebre ocorrido no meu Estado, o Rio Grande do Sul, e que envolveu o Magistrado Alcides de Mendonça Lima, que teria dado uma sentença, que foi corrigida pelo Presidente do Estado da época, o Júlio de Castilhos, e que foi combatido esse alegado erro, essa decisão do Magistrado, pelo nosso Patrono da Casa, que está encimando esta Mesa, ao qual devemos o maior respeito, porque é o nosso guia, o nosso orientador: Rui Barbosa. Então, devemos, efetivamente, Dr. Sergio Moro, combater de todas as formas para que não haja crime hermenêutico. Que se permita a autonomia do Judiciário, a independência do Ministério Público, a liberdade do trabalho da categoria dos policiais. Se eventualmente cometerem excessos, e tem havido excessos, a legislação antiga já tem prevenção, e nós podemos corrigir, melhorar, mas não com a pressa que está se pretendendo agora.
Essa matéria é extremamente importante! Vou na mesma linha do Senador Alvaro Dias e de um conjunto muito grande de Senadores, que ontem aqui reverberou, rejeitou, devidamente, o regime de urgência para aquele monstrengo que veio da Câmara dos Deputados para avaliarmos ontem à noite, na véspera da vinda aqui de V. Exªs. Então, temos certeza de que, no próximo ano - porque agora não dá mais, estamos escoando o ano legislativo -, teremos tempo para vermos isso com toda calma, inclusive como V. Exª recomendou.
Eu pergunto, Dr. Sergio Moro: V. Exª tem sentido ameaça, constrangimento direto na instrução de sua jurisdição no Paraná? V. Exª tem sentido problemas?
Outra coisa que queria perguntar a V. Exª é sobre a Mãos Limpas. V. Exª se enfronhou muito nesse caso e escreveu artigos sobre esse caso. Há uma extraordinária semelhança, pois também há uma empresa petrolífera, também propinas para partidos, para políticos, 5 mil pessoas investigadas, a metade dessas pessoas condenada, o Presidente da petrolífera se suicidou, houve de tudo. Antonio Di Pietro, em Milão, Sergio Moro, em Curitiba, tudo muito parecido. A Mani Pulite, como diziam os italianos, estava indo muito bem. Eu estava lá na época, Dr. Sergio Moro, como jornalista, acompanhei muito a Operação Mãos Limpas. Estava tudo muito bem quando começaram os entraves: influências, medidas legislativas. A Operação Mãos Limpas foi bem quase até o fim, mas não terminou tudo o que tinha para terminar. Então, eu pergunto a V. Exª: V. Exª está percebendo semelhanças entre o que está acontecendo agora, na Operação Lava Jato, com o que aconteceu na Operação Mãos Limpas? Estaríamos fadados a ter um desfecho semelhante, em que se fez um trabalho bom até certo ponto, mas que não teve o melhor desfecho, como quer a sociedade brasileira, que acompanha como nunca? Em nenhuma atividade judiciária, policial, do Ministério Público, na história deste País, teve o acompanhamento que vem tendo a Operação Lava Jato.
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E pergunto ao eminente Ministro Gilmar Mendes - ele já falou mais ou menos, mas eu queria perguntar de novo -, como Ministro da Suprema Corte, como Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, onde, aliás, os processos têm andado muito vagarosamente, o que têm contrariado os anseios da opinião pública, enquanto o Juiz Sergio Moro tem andado rápido e apoiado, em suas decisões, com a confirmação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região: V. Exª não entende que, pelo transe em que estamos vivendo, não é de realmente termos mais paciência, ganharmos mais tempo e examinarmos com mais cuidado esses projetos, tanto o que veio de lá da Câmara, como este que está em andamento aqui?
São as minhas perguntas muito objetivas, Sr. Presidente Renan. E cumprimento V. Exª pela iniciativa. Foi uma iniciativa inteligente, oportuníssima, corajosa de trazer as autoridades que aqui já estiveram na terça-feira passada e comparecem hoje nos ajudando.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu quero agradecer ao Senador Lasier Martins e dizer que vamos dar a palavra a outros três Senadores, que, se puderem objetivar, seria melhor.
Eu queria só, em favor da Operação Lava Jato, dizer que não há como comparar a Operação Mani Pulite com a Operação Lava Jato - em favor da Operação Lava Jato - e não há muito menos como comparar o Juiz Sergio Moro, que tem o respeito e o carinho da população, com o Antonio Di Pietro. Não sei se V. Exª sabe, Senador Lasier Martins, mas ele acabou de receber uma condenação brutal do Poder Judiciário da Itália.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Depois que entrou para a política.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu não sei! (Risos.)
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Enquanto magistrado, não.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Em favor do Juiz Sergio Moro, só quero dizer a V. Exª que, quando compara, não o faz bem.
Concedo a palavra ao Senador Lindbergh Farias.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu queria começar cumprimentando o Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros; o Relator, o Senador Roberto Requião; o Exmo Sr. Juiz Sergio Moro, o Exmo Sr. Juiz Silvio da Rocha; o Exmo Sr. Ministro Gilmar Mendes.
Este debate não é recente. Na verdade, ele é fruto de um trabalho produzido por uma comissão integrada pelo então Desembargador Rui Stoco, pelo agora Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, por Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita. Na época, ela foi chamada a Comissão da República, que foi uma iniciativa do ilustre Ministro Gilmar Mendes, que está aqui presente.
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Uma lei contra abuso de autoridade no Brasil é uma necessidade. Por isso, acho que este é o momento de discuti-la. E mais do que uma necessidade, uma nova lei de abuso de autoridade é uma urgência. Diariamente, o povo brasileiro sofre na pele o abuso de autoridade. Segundo dados do CNJ, Presidente, 21 mil casos de abuso de autoridade foram catalogados em 2015.
Ontem, Ministro Gilmar, houve aqui a votação da audiência de custódia. Nós temos 600 mil presos; desses, 240 mil em prisão preventiva. A sorte é que o CNJ implantou a audiência de custódia, porque, antes, existia a prisão em flagrante, e o preso demorava uma média de seis meses para ser levado ao juiz.
V. Exª também falou da violência. Eu fui o Relator da CPI sobre assassinato de jovens. Há um verdadeiro genocídio no País. Morrem 59 mil pessoas por ano assassinadas; metade é de jovens; 77% são jovens, negros, moradores das periferias. E lá, como bem falou V. Exª, não tem mandado de busca e apreensão para entrar na casa do cidadão morador da favela; é pé na porta.
Eu trago aqui as palavras de Pedro Aleixo a Costa e Silva no dia da assinatura do AI-5. Diz ele: "O problema de uma lei assim não é o senhor nem os que com o senhor governam o País, o problema é o guarda da esquina".
Agora, na minha avaliação, tem que ter abuso de autoridade para todo mundo: para a polícia, para o Deputado, para o Senador, também para o Ministério Público e para o Judiciário. Impressionam-me algumas corporações entrarem nesse debate dizendo o seguinte: "Ah, não; Ministério Público e Judiciário ficam fora do abuso de autoridade". Impressionam-me também algumas entidades de classe dizerem que é ataque ao Judiciário, quando aqui foi formada uma Comissão de Senadores para discutir salários acima do teto. Há desembargador e juiz ganhando R$90 mil, R$100 mil. Isso não é ataque ao Judiciário. Agora, a discussão não é abuso de autoridade tirando Ministério Público e Poder Judiciário; a discussão tinha de ser outra: como construir uma lei de abuso de autoridade que não atrapalhe as investigações. É nisso que nós temos de nos deter aqui.
Eu conversei com os membros do Ministério Público e concordo com eles quando dizem o seguinte: "O Ministério Público é responsável por abrir o inquérito. Se eu não consigo colher provas mais à frente para apresentar uma denúncia..." Ele não pode ser responsabilizado, porque ele está trabalhando, inicialmente, com indícios. Eu falo aqui, porque nós queremos investigações amplas neste País. Agora, investigações dentro da lei, respeitando a Constituição.
Eu falo isso com autoridade, por fazer parte de um Partido que é muito atacado, mas não teríamos essa legislação de combate às investigações sem os governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma: a Lei de Organizações Criminosas, e aí estão as delações; a Lei de Transparência; a Lei de Acesso à Informação; a Constituição do CGU; a nomeação do promotor do Ministério Público mais votado. Antes, eu lembro, na época do governo do Fernando Henrique Cardoso, havia o "Engavetador-Geral" da República. O Brindeiro foi o sétimo votado. Não! Conosco, é autonomia do Ministério Público plena, colocando o mais votado. E as operações da Polícia Federal em oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso? Sabem quantas foram? Foram 48, 6 por ano. Nós aparelhamos a Polícia Federal. Sabem para quantas saltaram? De uma média de 6 por ano, para 385. Por isso, eu digo que nós queremos investigação, mas tem que haver o respeito à lei e o respeito à Constituição.
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E nos impressiona e nos preocupa a generalização de medidas de exceção, o uso abusivo de prisões preventivas para forçar delação, o uso abusivo de interceptações telefônicas, vazamentos, a discussão sobre direitos e garantias individuais, a presunção da inocência. Preocupa-nos a seletividade quando se trata de agentes públicos, porque está na cara que tratam as organizações de esquerda, o PT, de forma diferenciada nesse processo todo.
E aí eu digo com todo o respeito ao Juiz Sergio Moro: não deixa de ser interessante a presença de V. Exª para discutir aqui abuso de autoridade, e eu quero mostrar que há abuso de autoridade no Judiciário também. Eu digo no caso das conduções coercitivas, algo em torno de 200 na Lava Jato. No caso do Presidente Lula, não podia ter intimado o Presidente? Ele iria lá depor. A lei é clara. O art. 260 do Código de Processo Penal diz o seguinte:
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer [...] ato [...] poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Isso se ele não atender à intimação. No caso do Lula, o que fizeram? Um grande espetáculo atacando o Presidente Lula, conflagração das ruas, passeatas.
E o pior, Dr. Sergio Moro, é o argumento de V. Exª, que disse o seguinte: "Foi para garantir a segurança do Lula, a fim de evitar a perturbação da ordem pública". Aí o senhor o levou para o aeroporto. E o que houve? Brigas de grupos rivais lá na frente.
Eu falo isso, porque o Ministro Marco Aurélio foi muito claro...
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (Bloco Social Democrata/PSDB - TO. Fora do microfone.) - Esta não é a discussão, Sr. Presidente.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - ... naquele caso, Dr. Sergio Moro, com todo o respeito.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu só queria que V. Exª garantisse o meu tempo, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - O tempo de V. Exª está garantido.
Senador Ataídes, calma, chegará a sua vez. Por favor, não interrompa o Senador Lindbergh.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Naquele caso daquela condução coercitiva do Lula, o Ministro Marco Aurélio disse o seguinte: "Eu não entendo. Um mandado de condução coercitiva só é aplicável quando o indivíduo apresenta resistência e não aparece para depor. E Lula não recebeu intimação". E diz mais: "Será que ele, Lula, quer esse tipo de proteção oferecida pelo Juiz Sergio Moro? Eu acredito que, na verdade, este argumento foi dado para justificar um ato de força. Esse é um revés e não um progresso. Somos juízes, e não legisladores, ou vingadores."
Eu vou mais adiante, Dr. Juiz Sergio Moro, para mostrar abuso no Judiciário: interceptação telefônica de uma conversa da Presidenta Dilma com o Presidente Lula. V. Exª gosta muito dos Estados Unidos, vai muito e fala muito dos Estados Unidos. Imagine, nos Estados Unidos, um juiz de primeira instância do Texas gravar uma conversa de Bill Clinton com Obama e divulgá-la em horário nobre horas depois da gravação?! Foi isso o que houve naquele caso. E o senhor sabe que a gravação foi ilegal, porque o senhor já tinha mandado interromper a interceptação às 11h12. A gravação foi às 13h32 e, às 18h, estava na Globo News. Dá para aceitar isso? Naquele caso, o Ministro Teori fez o seguinte: determinou que as razões dadas pelo Juiz Moro eram insuficientes para justificar essas medidas excepcionais, que foram tomadas por razões meramente abusivas. Quem diz é o Ministro Teori.
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Diz mais o Ministro Teori:
Em linhas gerais, houve usurpação de competência do STF [...] No curso de interceptação telefônica deferida pelo juízo reclamado, tendo como investigado Luiz Inácio Lula da Silva, foram captadas conversas com a Presidente da República; o magistrado de primeira instância, "ao constatar a presença de conversas de autoridade com prerrogativa de foro, como é o caso da Presidenta da República, [...] deveria encaminhar essas conversas interceptadas para o Supremo Tribunal Federal".
Vai mais o Ministro Teori - porque há uma lei de interceptação telefônica, cujo art. 8º diz que não pode haver vazamento. E diz o Ministro Teori:
A divulgação pública das conversas é inaceitável. Contra uma regra constitucional expressa, não é razoável dizer que o interesse público justifica a divulgação ou que as partes afetadas são figuras públicas. [...] É preciso reconhecer a irreversibilidade dos efeitos práticos decorrentes...
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) -
... da divulgação indevida de conversas telefônicas.
Há mais, para que divulgar conversa da ex-Primeira-Dama, D. Marisa, com seus filhos. Conversas íntimas. De sua nora. Nós não podemos aceitar isso. Estou discutindo abusos.
Há mais: interceptação de advogados. Isso no mundo inteiro, em canto nenhum, é aceito. Há uma nota da OAB. Interceptaram e gravaram o escritório de advocacia que defendia o Presidente Lula: 25 advogados gravados; 300 clientes. Há uma nota da OAB contra isso.
Prisões preventivas abusivas. Há um caso, agora, de um funcionário da OAS. Foi preso preventivamente por nove meses. Condenado pelo Juiz Sergio Moro a 11 anos de prisão. O caso foi para o TRF. Sabe o que aconteceu? Absolvido por unanimidade. Agora, o senhor prendeu por nove meses: prisão preventiva. Como restituir isso? Como restituir...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Presidente, esse uso abusivo de prisão preventiva está acontecendo a todo o instante. Eu falo isso, Sr. Presidente, para encerrar aqui os meus questionamentos.
Volto a dizer, nós defendemos investigações amplas, mas nós achamos que investigações amplas podem ser conduzidas respeitando a lei. Então é isso que está em jogo aqui. Eu estou tendo coragem de vir aqui para dizer o seguinte: eu acho que vivemos uma escalada autoritária. Há ameaça ao Estado democrático de direito. Há elementos de um Estado de exceção se construindo.
Há um filósofo italiano, chamado Giorgio Agamben, que fala da convivência do Estado de exceção com o Estado de direito. Muitos falaram de Rui Barbosa, e eu encerro, Sr. Presidente, pedindo 30 segundos.
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu citei Giorgio Agamben, porque me impressionou. No caso, quando houve a reclamação do Presidente Lula no TRF4, disseram o seguinte - a decisão do TRF: "No caso da Lava Jato, é uma situação excepcional". Como situação excepcional? Toda investigação tem que respeitar a lei. No caso da interceptação telefônica, não houve respeito à lei.
Eu encerro falando de Rui Barbosa, que muitos falaram. Rui Barbosa dizia: "A pior ditadura é a ditadura do Judiciário. Porque, contra ela, você não tem a quem recorrer." (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Obrigado ao Senador Lindbergh.
O Senador citou nominalmente o Juiz Sergio Moro. Portanto, eu concedo a palavra, em primeiro lugar, ao Juiz Sergio Moro, atendendo a um pedido.
O SR. SERGIO MORO - Agradeço a oportunidade, Sr. Senador.
Eu sou um magistrado. E esse caso da Operação Lava Jato envolve casos que já foram julgados e casos, no entanto, que se encontram pendentes. Não seria prudente da minha parte discutir esses casos pendentes, porque isso poderia ter interferência no meu julgamento desses casos. Mantenho, então, essa imparcialidade.
Teria o prazer de discutir esses casos, o que foi feito especificamente com a Petrobras, quando isso fosse encerrado, e dar a minha opinião sobre o saque que foi feito em cima da Petrobras.
Eu fico preocupado - e aqui eu externo essa posição - sobre essa afirmação de que a Lei de Abuso de Autoridade, o projeto, não tem nenhuma intenção de frear a Operação Lava Jato, sobre essas afirmações de que a Operação Lava Jato é sagrada. Mas, não obstante, com todo o respeito ao eminente Senador, fica claro aqui que se está afirmando que eu, na condução do caso, cometi abuso de autoridade e devo ser punido.
Parece-me claro que a intenção que subjaz - não digo em relação a todos - é de que o Projeto de Lei de Abuso de Autoridade seja utilizado especificamente para criminalizar condutas de autoridades envolvidas na Operação Lava Jato. Para mim, ficou evidente, com o discurso do eminente Senador, que o propósito é exatamente esse, ao afirmar aqui categoricamente que eu teria cometido atos de abuso de autoridade na condução dessa operação.
Então, a questão a ser colocada é saber exatamente se é essa a intenção do projeto ou não é. Se for essa a intenção do projeto, eu insisto na necessidade ou do adiamento - que vai passar um recado errado para a população - ou, pelo menos, Senador, da colocação dessas normas de salvaguarda, para o juiz saber.
E eu não me refiro aqui só ao juiz de primeira instância. Várias das minhas decisões que foram proferidas - e pode sempre haver discordância em relação a essas decisões - foram mantidas pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, foram mantidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, foram mantidas várias vezes, por unanimidade, mesmo em relação a prisões preventivas decretadas na Operação Lava Jato, pelo Supremo Tribunal Federal.
Então, a intenção é esta? Criminalizar todas essas autoridades, porque há divergência eventual na interpretação que foi adotada pelos juízes? Então, em relação a essa questão de que a Operação Lava Jato, como muitos dizem, é de fato sagrada, tem que se pensar realmente acerca da proposição dessa inovação da Lei de Abuso de Autoridade e da intenção aparentemente explícita de que sejam criminalizados agentes envolvidos nessa operação.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Sr. Presidente, eu só quis dizer que ninguém está acima da lei. No caso da interceptação telefônica,...
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (Bloco Social Democrata/PSDB - TO) - Sr. Presidente, aí, não; isso não é debate!
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - ... houve uma reprimenda do Ministro Teori, no caso ao Juiz Sergio Moro.
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Se não é debate, o que é?
V. Exª tem direito a réplica. Então o faça rapidamente.
Se não é debate, o que é?
Senador Lindbergh, se desejar... Senão, eu vou conceder a palavra ao Ministro Gilmar Mendes.
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O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu desejo, Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Ataídes, está ali escrito: Sessão de Debates Temáticos.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Sr. Presidente, o que eu quis dizer aqui é que ninguém está acima da lei, nem o juiz, nem um Senador, ninguém está acima da lei.
Então, o Dr. Juiz Sergio Moro tem que conduzir as investigações, mas respeitando a lei. Eu, inclusive, tive acesso, não é a primeira vez - sobre interceptação telefônica de advogados e prisões preventivas abusivas -, a um habeas corpus de 2013 cujo Relator, no caso, era o Ministro Eros Grau e o Redator era o Ministro Gilmar Mendes. Esses casos já aconteciam em 2013.
Então, isso não pode ser uma prática.
Volto a dizer, nós temos que ter investigações amplas e profundas respeitando a lei. Foi por isso que eu questionei V. Exª. Citei vários casos em que houve desrespeito à lei
Então, eu sei que V. Exª é uma figura muito importante, mas não está acima da lei, como nós também não estamos acima da lei.
O SR. SERGIO MORO - Olha, nunca tive a pretensão de estar acima da lei. Eu sempre profiro minhas decisões com a pretensão de cumprir a lei, mas apenas o que eu peço, então, a esta Casa Legislativa é que juízes, magistrados não sejam punidos porque pessoas divergem a respeito da interpretação da lei.
Para mim, ficou clara a intenção, pelo menos... E eu não digo aqui, não generalizo de forma nenhuma. Sei das melhores intenções do projeto quando foi formulado, em 2009, mas para mim fica evidente que a intenção de parte dos Parlamentares é de criminalização da Operação Lava Jato.
E, como disse, a lei caminha, a lei tem as suas próprias pernas. Quem sabe o que vai ser feito dessa lei, se aprovada, especialmente sem norma de salvaguarda?
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Sr. Presidente, eu só queria 30 segundos, não é para fazer a tréplica, é porque eu falei de um habeas corpus, de 2013, cujo Redator foi o Ministro Gilmar Mendes, que diz o seguinte - no caso, do Juiz Sergio Moro, foi uma representação, uma petição contra ele. Diz o seguinte, diz o Redator:
Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional.
E fala sobre prisão preventiva.
Isso é de 2013.
Redação do Ministro Gilmar. O Relator era Eros Grau.
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Sobre prisão preventiva:
Incomum, porque não me parece razoável admitir que, em causas que versem sobre crimes não violentos, por mais graves e repugnantes que sejam, se justifiquem repetidos decretos de prisão, salvo, evidentemente, circunstâncias extraordinárias, pois reiteradamente essa Corte tem assentado o caráter...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Lindbergh, é evidente que não há necessidade da leitura da decisão.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) -
... excepcional da prisão antecipada.
Eu agradeço a V. Exª, Senador Renan Calheiros, mas é importante, porque essa é uma prática que vem de antes.
Então, eu queria registrar isso aqui.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu concedo a palavra ao Ministro Gilmar Mendes.
O SR. GILMAR MENDES FERREIRA - Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros, Senador Requião, Sergio Moro e Silvio Rocha, eu queria começar, destacando a importância desse trabalho realizado pelo Juiz Sergio Moro na condução desse processo.
Temos que reconhecer que se trata de uma atividade extremamente complexa, desafiadora. Pode, aqui ou acolá, ocorrer um equívoco ou outro de interpretação, mas tem-se que reconhecer que é um trabalho singular, peculiar por todos os títulos. E falo, acredito nesse contexto, não em meu nome pessoal, mas em nome, acredito, do próprio Supremo Tribunal Federal. Trata-se, realmente, de um trabalho magno, digno de todos os encômios.
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Eu gostaria de fazer dois reparos... Bem, quanto à questão da avaliação de momento, é claro, cabe aos senhores fazer a avaliação do momento de votação do projeto. Só não acho que se possa dizer que há um momento melhor para isso ou para aquilo. A toda hora os senhores votam, por exemplo, leis aumentando... Agora mesmo, a questão da corrupção como crime hediondo e tudo mais, em função, exatamente, de repetição de determinadas práticas ou a tipificação de determinados crimes como crimes hediondos, como até lei resposta a determinados episódios.
Aqui, o que lei faz, na verdade, em grande estilo, é tentar consolidar algumas práticas que já estão previstas em uma legislação bastante variada. Então, é uma tentativa de ter um catálogo, um diploma tratando e renovando o tema do abuso de autoridade.
Também não concordo com a observação do Senador Lasier, quanto à espera para a tramitação, tendo em vista a conclusão dessa operação. Hoje, estamos falando da Operação Lava Jato, mas já há várias operações, e sempre haverá operações. Então, certamente, teremos dificuldades em escolher um momento para isso.
O que é importante, e aí eu concordo, é que haja aperfeiçoamento do projeto; é que, de fato, essas sugestões que estão sendo feitas... Eu não vou detalhar aqui, mas há muita concordância entre o que apresentou o Juiz Sílvio Rocha e as sugestões que estou trazendo. A preocupação que ele trouxe a respeito da condução coercitiva ainda não foi discutida no Supremo, mas é preciso ser realmente discutido e delineado quais são os casos em que cabe e os casos em que não cabe. Em suma, acho que isso precisa ser colocado.
Senador Lasier, sobre a lentidão do Supremo, aqui há muita lenda urbana, infelizmente, e, às vezes, por assimetria de informação. O que temos hoje em tramitação no Supremo? Os dados que me chegam mostram que nós temos, em tramitação, 81 inquéritos. Portanto, investigações a propósito da Lava Jato, tendo em vista pessoas com prerrogativa de foro. Oitenta e um.
Desses 81 inquéritos, investigações, tivemos 15 denúncias formuladas. Quinze denúncias. Três recebidas já na Turma. Quatro recebidas na Turma. Portanto, remanescem...
(Soa a campainha.)
O SR. GILMAR MENDES FERREIRA - ... 11 denúncias ainda não apreciadas. O mais, estamos na fase das investigações.
Não é de se imputar ao Supremo, portanto, qualquer lentidão. E aí não estou fazendo defesa específica desse eminente, correto, exemplar Magistrado que é o Ministro Teori; ele não precisa disso.
Mas, de fato, ele está dedicado a isso, a despeito de todas as outras tarefas. Ele é hoje Juiz Substituto do Eleitoral, continua com a distribuição regular. Portanto, não há comparar atividades. E, aí, sem qualquer menoscabo ao trabalho relevante que o Juiz Sergio Moro está... E a presença inclusive de seus colegas aqui mostra um reconhecimento por esse trabalho singular que ele realiza.
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Mas, de fato, não são situações comparáveis. As denúncias entre nós, no Supremo, por conta da legislação, têm que ser recebidas em sede plenária ou na Turma, com contraditório, com todo o debate. São acórdãos verdadeiramente detalhados, que se têm que escrever. O juiz faz uma análise muito mais sintética. Quantas denúncias, acredito que os dados precisam ser atualizados, mas metade, os senhores têm experiência das denúncias em função às vezes de querelas políticas que os envolvem, metade dessas denúncias formuladas são rejeitadas, mas a partir de um debate muito intenso no plenário do Supremo, às vezes com pedido de vista.
Portanto, a demora aqui se explica.
Não vamos esquecer também, e vamos fazer justiça ao Tribunal, que este foi o Tribunal que julgou o caso do mensalão, com todo o respeito às regras do jogo. E que, acho, abriu a oportunidade para que nós fizéssemos esse avanço no combate à criminalidade. Isso precisa ser reconhecido. E não é fácil. Vejam os senhores que nós paramos sete meses, sete meses nós paramos dedicados exclusivamente ao julgamento da Lava Jato.
Portanto, é preciso que haja realmente a devida informação. Não houve ainda denúncias em relação aos inquéritos. Muitos inquéritos que foram abertos, os senhores têm exemplos todos os dias, agora estão se encerrando por pedido de arquivamento. Logo não vão se transformar em denúncia. Então, tudo isso precisa ser olhado.
Não se pode imputar aqui lentidão ao Supremo. Agora, nós temos, sem dúvida nenhuma, um procedimento muito mais cauteloso, e não é nosso, é do modelo processual. Nós só podemos receber uma denúncia no Plenário ou na Turma, agora por mudança regimental, mas num contraditório, num processo, portanto, extremamente mais difícil em que as partes têm direito à sustentação, o Ministério Público tem direito à sustentação. E nós participamos de um debate intenso, tanto é que, muitas vezes, as denúncias que não são consideradas minimamente plausíveis, são rejeitas ad limine, mas a partir de vários anos de discussão e de elaboração desse processo, a partir de muitas investigações.
De modo que eu gostaria de fazer esse registro. Concordo que é preciso que outros atores importantes na seara, se não estiverem abrangidos no art. 2º, possam ser explicitados.
E sem procuração também, Senador Lindbergh, eu gostaria de fazer justiça ao ex-colega, meu colega de UnB, Geraldo Brindeiro. Ele é vítima, ele tem sido vítima, dessa cantilena que se repete e que vira verdade.
Um homem correto, extremamente dedicado e que não propunha denúncias aventureiras, tanto é que não tinha casos de rejeição de forma sistemática. Então, um homem decente, que tem sofrido, e sem mecanismo de defesa, por conta dessas repercussões gerais. Na verdade, o procurador-geral e qualquer membro do Ministério Público não deve dar curso à investigação se a sabe desde logo que ela não é adequada, que ela não vai resultar. É a obrigação dele!
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Portanto, o título de engavetador-geral, em certa medida, é até digno, quer dizer, ter a coragem de arquivar aquilo que não tem procedência, que já é aventura. Pior é fazer a denúncia... Os senhores certamente, muito dos senhores, já conviveram com isso, uma denúncia que depois vai ser rejeitada, mas consome três, quatro anos da vida dos senhores, expostos com isso, para ao final, às vezes por unanimidade, serem rejeitadas - mais de 50% das denúncias são rejeitadas!
Então, vejam os senhores a delicadeza, o título - hoje até acho que é uma oportunidade de fazer justiça - de engavetador-geral é injusto, mas acho que até mostra a coragem de quem tem que arquivar aquilo que não é devido. Com todo o respeito que eu tenho por V. Exª, gostaria de fazer também esse registro.
Agradeço, mais uma vez, Presidente Renan, por esta oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos ao Senador Lindbergh e nós não podemos fazer, de forma nenhuma, a inversão. Na verdade, ao tratar pejorativamente o Procurador Brindeiro, V. Exª, talvez, o tivesse estimulando a ter praticado abuso de autoridade.
Da mesma forma que as colocações feitas aqui pelo Senador Lasier, elas não estão atendendo a um raciocínio lógico, porque, se nós só pudermos votar essa lei quando não houver nenhuma operação no Brasil, aí será o caso do abuso de autoridade por omissão.
Nós temos é que estimular as operações, as investigações, a transparência, e o Legislativo, na medida do possível, tem aparelhado a legislação para que isso efetivamente se faça.
Foi aqui, nunca devemos esquecer, que nós aprovamos a Lei da Delação, que não foi regulamentada - que não foi regulamentada.
Outro dia eu defendi, com ênfase, a necessidade de regulamentar a Lei de Delação, e alguém disse que eu não poderia fazer isso porque, ao defender a regulamentação da Lei de Delação, eu estaria obstruindo a Justiça.
Este debate não pode se situar neste patamar. E esta é uma oportunidade que nós temos que aproveitar ao máximo para que daqui saia a melhor lei.
O Ministro Gilmar já o disse muito bem, o ideal era que nós não mudássemos as leis, o ideal era que as leis envelhecessem com a sociedade, mas como isso não acontece, de quando em vez nós somos obrigados a, em nome da sociedade, atualizar as leis.
Senador Humberto Costa. (Pausa.)
Com a aquiescência do Senador Humberto Costa, V. Exª está convidado para vir aqui, nós vamos conceder a palavra ao convidado Sérgio Mota - perdão! -, Dr. Silvio Rocha, que, como todos sabem, é um Juiz Federal, de São Paulo, que gentilmente fez questão de comparecer, a exemplo do Juiz Sergio Moro e do Ministro Gilmar Mendes, a esta sessão temática, que está discutindo a Lei de Abuso de Autoridade.
Com a palavra V. Exª.
O SR. SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA - O Senador Lasier Martins fez uma indagação. A mim me parece que os policiais militares já estão contemplados, mas, existindo alguma dúvida, seria melhor incluí-los expressamente.
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Mas o que eu gostaria de chamar a atenção desta Casa - eu acho que, claro, cabe a ela deliberar sobre a oportunidade de debater esse tema ou não - é sobre a centralidade dos direitos fundamentais no Texto Constitucional. E este projeto significa a possibilidade de um aperfeiçoamento exatamente de sistemas de garantias e de proteção dos direitos fundamentais.
Eu não estou preocupado com eventuais abusos que possam ter atingido réus de determinadas operações, porque esses réus, seja pelo prestígio social que ocupam, seja eventualmente pelo poder econômico que têm, têm condições de constituir bons advogados e defender os seus interesses nas instâncias judiciárias.
Eu estou preocupado um pouco com aquilo que foi dito pelo Senador Lindbergh e por outros Senadores, estou preocupado com os jovens pobres das nossas cidades. Aquilo que foi referido pelo Ministro Gilmar Mendes. Eu estou preocupado é com o advogado, sem a devida projeção social, que sistematicamente tem os seus direitos violados por qualquer tipo de autoridade. E se V. Exªs perguntarem, forem por exemplo às comunidades pobres das periferias das cidades e conversarem com os jovens, terão uma exata noção de como eles são tratados pelos agentes públicos.
Uma outra exposição também de que eu chamo a atenção é que já existe uma Lei de Abuso de Autoridade e que se, no caso, alguma vítima de um suposto abuso seja por uma medida judicial decretada, seja por uma violação considerada indevida de um sigilo, se ela quiser processar a autoridade, ela já pode fazê-lo, ela tem fundamento para isso, que é exatamente a Lei nº 4.898, de 1965, e outras leis existentes no ordenamento.
Acontece que a Lei nº 4.898, de 1965, é pior do que o projeto existente. Foi feito aqui referência pelo Senador Alvaro Dias, o texto da lei em vigor hoje é muito mais lacônico do que o projeto apresentado. Então, na verdade, para o próprio agente investido na função, é melhor ter um projeto como esse que está sendo debatido do que ter efetivamente a lei em vigor.
Então, não se trata da possibilidade de, com a aprovação desse projeto, eventualmente se criminalizar determinada autoridade, porque essa possibilidade já existe no ordenamento jurídico sem as garantias devidas de uma correta tipificação.
Então, eu queria deixar isso bem claro, porque me parece que há um desvirtuamento da questão, e o Congresso perde uma oportunidade excelente de colocar esse tema novamente em pauta e proteger não as autoridades efetivamente, mas proteger a população empobrecida, que sofre sistematicamente a violação pelas diversas autoridades que exercem função pública neste País.
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Para citar um exemplo, a esposa de um advogado, colega meu, professor da universidade, sofreu um acidente de trânsito, com uma colisão na traseira de seu carro. Ele, então, acionou um amigo advogado criminalista para acompanhá-la na elaboração do B.O., e a autoridade policial não permitiu que o advogado acompanhasse o depoimento da vítima num B.O.
Então, é esse tipo de abuso de autoridade que deve ser combatido com esse projeto, e já há essa possibilidade, e não, efetivamente, eventuais outros tipos de abuso de autoridade.
Senador.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Humberto Costa, com a palavra, por favor.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, senhores integrantes da Mesa, debatedores, eu quero, em primeiro lugar, parabenizar todos pelo nível do debate e parabenizar, inclusive, o nosso Relator pela sua colocação inicial.
Acho que este debate nos mostra como as coisas devem ser feitas. O Congresso Nacional é uma casa aberta ao debate, e acho que é por esse caminho que vamos construir alguma coisa que seja capaz de atender aos interesses da sociedade sem criar qualquer tipo de prejuízo a quem quer que seja. Aliás, são muitas as vezes que nós conseguimos fazer isso. Projetos polêmicos terminam se transformando num entendimento, e eu acho que é isso que temos que trabalhar aqui.
Eu quero, inicialmente, me ater à fala do Ministro Gilmar Mendes, que é, para mim, absolutamente insuspeito quanto à sua postura em relação a todas essas operações que têm acontecido até agora. Não me parece que ele seja uma pessoa interessada em enterrar a Lava Jato ou qualquer outra operação que exista aqui.
Parece-me muito razoável a colocação que ele faz de que nós não podemos discutir o melhor momento em que devemos debater e aprovar mudanças na legislação. Até porque a própria Lava Jato, por outro lado, interferiu, está interferindo para outras mudanças. Não sei se V. Exªs sabem, mas ontem nós votamos, na Comissão de Constituição e Justiça, o fim do foro especial - e vamos debater aqui de que forma isso vai acontecer - e isso também é reflexo do que, hoje, é repercussão da Lava Jato sobre a sociedade. Não teremos mais ministros do Supremo, membros do Ministério Público, Parlamentares, governadores ou Presidente da República com foro especial. E é natural que também os fatos que acontecem e que, por outro lado, possam representar algum tipo de desrespeito aos direitos individuais também sejam objeto de maior clarificação. É isso que nós estamos querendo fazer aqui. Aliás, do ponto de vista da maioria da população, nós estamos atrasados. Para aquilo que disseram o Senador Lindbergh e o juiz Silvio Rocha, nós estamos atrasados.
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Essas pessoas que estão lá sofrendo o abuso do guarda da esquina ou o funcionário público que tem que aguentar a carteirada do Parlamentar para ter algum tipo de benefício e privilégio ilegal precisam ser amparados pelo exercício do seu trabalho. Então, acho que essa é uma questão fundamental. Não se pode aqui fazer uma discussão que é assim: se se discute isso é porque está querendo enterrar a Lava Jato. Não, essa é uma forma equivocada de se construir um entendimento em cima de uma proposta que ajude inclusive a dar mais representatividade e legitimidade à Lava Jato e a todas as outras operações que estão aí.
Segundo, também sou favorável à ideia de que não podemos deixar nenhum conceito vago que interfira no direito do juiz de julgar, de interpretar a lei, mas eu me dirijo inclusive ao Dr. Rocha para que ele me responda. Existem coisas que são muito objetivas. Se a lei fala que um prazo é um prazo de dez dias são dez dias. Eu posso multiplicar isso por horas para dizer de outra maneira, mas são dez dias. Está escrito na lei. Eu não tenho que interpretar. Se a lei diz que a condução coercitiva, a condução sob vara só deve acontecer quando há uma prévia convocação e não há o comparecimento daquele indicado, isso é um problema de interpretação da lei ou é um problema de não cumprimento do que a lei está prevendo?
Sabem V. Exªs qual é a repercussão de gente como nós, como os magistrados, como os que estão no Executivo, como os integrantes do Ministério Público, que vivem inclusive da sua credibilidade social, qual é a repercussão de ser conduzido sob vara? Qual é a repercussão para uma personalidade mundial como o Presidente Lula, personalidade mundial, ser coagido coercitivamente para prestar um depoimento? E ele já prestou vários! Por que era necessário aquele tipo de atitude? Então, eu pergunto a V. Exª se esse é um problema de interpretação ou se é um problema de entendimento que extrapola o que a lei coloca. Eu entendo dessa maneira.
Há outra questão: a espetacularização. Eu fui vítima disso, Presidente Renan, em 2006, quando disputava a eleição para governador. Tinha toda a chance de ser eleito governador do meu Estado, tinha feito uma denúncia de um fato de corrupção no Ministério da Saúde, no inquérito sequer meu nome foi citado. Dois anos depois, não por coincidência no momento da eleição, esse critério é reaberto e eu fui indiciado pela Polícia Federal e denunciado num prazo de três semanas. O integrante do Ministério Público que fez a denúncia convocou uma entrevista coletiva nacional faltando uma semana para a realização da eleição. E dos meus adversários, uma média de 20 comerciais por dia dizendo que eu era vampiro, que eu tinha roubado, que eu ia ser preso... Três anos depois, eu fui julgado pelo TRF, o Ministério Público pediu minha absolvição e fui absolvido por unanimidade. Como se paga esse prejuízo? Então, quando nós estamos discutindo isso, temos que levar em consideração todas essas coisas.
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O Juiz Sérgio Moro hoje é uma personalidade internacional. Vive da credibilidade dele também. Então todos nós temos que pensar em situações como essa, levando tudo isso em consideração.
Quero concluir, dizendo que nem a Magistratura, nem o Ministério Público, nem o povo brasileiro devem estar preocupados com o que vai sair daqui. E digo isso porque conheço o Relator. O Senador Roberto Requião é uma pessoa equilibrada, é uma pessoa que conhece...
(Intervenção fora do microfone.) (Risos.)
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu diria que uma certa verve, mas não significa desequilíbrio. Não, pelo contrário. Que já viveu a experiência, como Governador, de lidar inclusive com o Ministério Público, com o Poder Judiciário. Aqui é um Parlamentar altamente respeitado. Daqui vai sair uma coisa boa para a sociedade brasileira. Mas nem podemos nós aqui colocar a faca no pescoço do Ministério Público e da Magistratura, nem podemos também aceitar que uma faca seja colocada sobre nós.
Ontem houve aquela votação em que se discutia a urgência. Não estávamos discutindo o mérito. O relator seria também o Senador Requião, e a grande maioria dos que votaram aqui votou daquele jeito porque não teve a coragem de fazer o que disse a vários de nós. A realidade é essa.
Um Congresso intimidado não é bom para a democracia.
(Soa a campainha.)
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Não é bom para o País.
Portanto, eu entendo que nós temos que discutir esse tema da espetacularização. Esse fato que eu disse foi o mesmo que aconteceu com o Presidente Lula. Como é que se pode, no final daquela coisa convocada para o mundo assistir, dizer: "Olha, eu tenho convicção absoluta de que ele é chefe de uma quadrilha, mas eu não tenho uma prova para apresentar." Como é que pode? E se depois for provado que ele não era o chefe da quadrilha, não é o chefe da quadrilha? Quem vai repor esse prejuízo à imagem de uma pessoa que vive dessa imagem?
Por isso nós temos que construir com calma, com tranquilidade, sem exageros, mas nós temos que construir essa legislação. E mais, eu tenho certeza de que, se o Senador Roberto Requião sentir que não estamos maduros para fazer a votação de um relatório que possa o máximo possível reunir consensos, ele será o primeiro a dizer que nós precisaremos de mais tempo para aprofundar essa questão.
Meus parabéns, Presidente Renan, por ter trazido aqui debatedores tão qualificados, que puderam nos dar as suas visões. Todos nós respeitamos. E o mais importante de tudo: todos os que aqui estão querem fazer o melhor. Todos os que aqui estão querem fazer o melhor. Não creio que o endeusamento de alguns deve servir para a desqualificação de outros.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção do Senador Humberto Costa.
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Eu queria mais uma vez dizer que todos nós concordamos com a intervenção do Juiz Sérgio Moro. Não há como objetivarmos este debate discutindo casos concretos. Não vamos discutir casos concretos, mas quero aproveitar um minuto, enquanto chamo o próximo orador, para falar de um fato que a imprensa não fala, porque talvez não seja notícia. Certamente não é notícia. Eu sempre me equivoco quando faço uma avaliação do que é notícia e do que não é notícia. Geralmente erro nessa avaliação e deixo de levar em conta o padrão brasileiro de informar, mas uma notícia importante, que diga para todos.
O Senado Federal, não sei por que razão, porque essa não é uma decisão do plenário, é uma decisão da Presidência, no dia 30/06/2009, rejeitou o Procurador Nicolao Dino de Castro. No dia 03/07/2013, pela maioria da Casa, rejeitou o Procurador Vladimir Aras e, no dia 07/08/2013, rejeitou o Procurador Wellington Saraiva. Dois para o Conselho Nacional do Ministério Público e um, Wellington Saraiva, para o Conselho Nacional de Justiça.
Seria o caso de perguntarmos para todo o Brasil, já que esta sessão temática já foi acessada por mais de 600 mil pessoas e 50 mil pessoas acompanham, em tempo real, o debate que aqui está acontecendo: seria abuso de autoridade essa força-tarefa do Ministério Público da Lava Jato recomendar medidas restritivas não apenas a Senador, mas à própria instituição, como a prisão da polícia? Ou isso caracteriza abuso? Ou não seria recomendável que as outras instâncias da investigação e da decisão entendessem que seria o caso de recomendar a não participação deles, sobretudo no pedido de decisões contra uma instituição que os rejeitou?
É evidente que isso não é notícia, mas, nesses momentos importantes dessas sessões temáticas, é fundamental que nós levemos à sociedade essas informações que, não sei por que, não chegam à população.
Concedo a palavra ao Senador Ronaldo Caiado.
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Social Democrata/DEM - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Exmo componentes da Mesa, Dr. Silvio, Exmo Sr. Juiz Sérgio Moro, Ministro Gilmar Mendes, Senador Requião, Senadores e Senadoras aqui presentes, como também os demais visitantes da Casa, o momento é de um debate importante. O Presidente teve a coragem de buscar esse tema para colocá-lo na pauta.
Eu trago aqui, Sr. Presidente, demais expositores, a experiência que acumulei durante esses vinte e dois anos no Congresso Nacional.
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No primeiro momento, quero dizer que nós vivemos uma situação delicada na política nacional. Em segundo lugar, quero deixar claro para toda a população que esta é uma Casa que tem a função de ser revisora e também moderadora. É uma Casa... Talvez eu tenha aqui um dos menores currículos na política. São ex-Governadores, ex-Ministros, pessoas que realmente tiveram uma trajetória e chegaram à Alta Corte do Parlamento brasileiro.
Quero dizer que meu velho professor - e falo da minha experiência na área da cirurgia - me ensinou que é muito fácil operar no papel. É uma maravilha: não sangra; não se confunde nervo com tendão, não tem infecção e os resultados são sempre maravilhosos. No momento em que você realmente se depara com um paciente em estado grave, você joga de lado todas as regras básicas de assepsia e enfia o dedo na ferida para estancar um sangramento e a rotura de uma artéria.
Eu falo isso, Sr. Presidente, analisando o momento em que nós estamos vivendo, dentro de condições normais de pressão e temperatura, debater esse assunto na pauta normal. O que eu quero agora analisar é um momento maior do que este.
A sociedade brasileira está com nervos à flor da pele. A sociedade brasileira quando apoia um projeto Ficha Limpa, é lógico que ela não tem a capacidade de analisar todos os itens que vêm ali. Cabe ao Congresso Nacional corrigi-los, mas o cidadão apoia aquele tema principal.
Quando a sociedade apoia as 10 medidas de combate à corrupção, é lógico que ela também não sabe todos os detalhes daquele projeto. Ela apoia aquele tema principal como sendo o mote do sentimento da população brasileira.
Depois de todos os escândalos que vieram, do cidadão, do aposentado a todos os níveis da sociedade brasileira que se sentiram aviltados, violentados com o assalto à estrutura de Governo, com o assalto à máquina do Estado, respeitando sequer o cidadão mais carente, seja ele o aposentado, esse processo começa a irradiar pela sociedade brasileira um clima de intolerância a toda e qualquer motivação que possa, amanhã, dar a entender que o processo seria de obstrução do avanço ao combate da corrupção no País. Essa é a tese.
Eu tenho muita tranquilidade em dizer isso, porque o próprio Presidente colocou aqui, com muita competência, que estamos discutindo temas maiores.
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Nós não temos o direito de diminuir o Senado Federal, muito menos de fulanizar o debate. Isso é inadmissível em uma Casa de homens e mulheres que têm responsabilidade neste momento em que nós vivemos uma crise grave. E nós sabemos muito bem que essa decisão foi, infelizmente, polarizada.
Nós estamos, Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Juízes, chegando a um momento delicado da política nacional, com Poderes se estranhando, uns apontando o dedo a outros - e não é bom, não é aconselhável. As decisões desta Casa têm de ser decisões moderadoras, têm de ser decisões com coragem, com independência, mas com sabedoria, a sabedoria de nós não levarmos adiante um processo de enfrentamento. Não vamos produzir nada aqui estimulando ou instigando cada vez mais uma queda de braço entre os Poderes.
Esta Casa hoje - com a decisão, que nós tomamos ontem, de levar para a Comissão de Constituição e Justiça, como também com esta matéria que está sendo discutida hoje - deveria também ter a humildade de, já que existe um processo de contaminação, já que existe um processo de irritação em que cada um é visto como defensor dos interesses próprios ou da corporação, pensar na governabilidade do País. Nós vamos produzir alguma coisa positiva para o País, sendo que ele vai interpretar que aquilo é uma afronta à sociedade? "Ah, mas o Congresso tem de recuar diante disso?" Não, o Congresso não precisa recuar; o Congresso precisa explicar à sociedade que nós temos aqui de ter postura, sim, de debate, de coragem, mas também a humildade de ouvir pessoas que estejam imunes a este momento. E quais são?
Eu, Sr. Presidente, vou requerer, sim, que possamos trazer ao Senado Federal a Academia, homens que já ocuparam os cargos mais relevantes no País e que são grandes estudiosos da República, dos Poderes, para que possam, aí, sim, produzir aquilo que seria aceitável e que daria condições de governabilidade ao País.
O que se fomenta hoje é mais uma desestabilização da governabilidade? Como um Presidente da República, neste momento, com uma crise grave dessa instalada no País, uma crise econômica se agravando a todo momento - ontem e hoje, por exemplo, com os sinais do dólar aumentando, da bolsa caindo, do desemprego se ampliando... Como nós vamos levar temas que, neste momento, são totalmente inoportunos perante a sociedade brasileira? Como ele será retratado? Para quebrar todas as estruturas que existem no Estado - invadir, dilapidar, quebrar? Ampliar cada vez mais a insegurança jurídica no País?
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É momento de achar que o Congresso Nacional...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Social Democrata/DEM - GO) - ... estaria - para concluir, Presidente - refluindo da sua posição e da sua autonomia de poder? Não, pelo contrário: esta Casa tem a responsabilidade de garantir as regras democráticas do País. Essa é a responsabilidade de todos nós, 81 Senadores da República.
Nós não temos aqui que ouvir imposições de quem quer que seja. Temos a nossa independência moral e intelectual, mas nós temos acima a responsabilidade de buscarmos a governabilidade neste momento. Não temos o direito de ampliar uma crise. Não temos o direito de fomentar a discórdia e muito menos o enfrentamento entre os Poderes constituídos. São independentes, mas são interligados. São independentes, mas cada um tem que conviver harmônica e respeitosamente com os demais.
Esta é a ponderação que faço a V. Exª, Sr. Presidente: eu busco aqui esse momento.
Vejam bem: sempre deram a mim o rótulo...
(Interrupção do som.)
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Social Democrata/DEM - GO) - ... de, muitas vezes, estar (Fora do microfone.)
fomentando a luta como uma pessoa intransigente em sua posição. Pelo contrário: o momento é de preocupação; é grave o momento que o Brasil vive.
Nesta hora, eu peço a V. Exª... Sei que todos nós temos andado pelo Brasil afora, e o sentimento é de nós entendermos que o Brasil mudou. E o Brasil mudou no sentido de buscar transparência a todos os atos de todo e qualquer cidadão. Vão ter que prestar conta, sim. E esta Casa - como nenhum Poder - não poderá amanhã fazer nenhuma injunção que seja vista com o interesse de atrapalhar qualquer ação de combate à corrupção no País.
Eu encerro...
(Interrupção do som.)
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Social Democrata/DEM - GO. Fora do microfone.) - ... dizendo a V. Exª...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Para concluir.
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Social Democrata/DEM - GO) - Para concluir.
Com todo o respeito, a nossa responsabilidade é muito grande. Não quero aqui repetir Juscelino Kubitschek, mas digo como ele: "Deus poupou-me o sentimento do medo", mas, nesta hora, não é apenas a coragem; é o bom senso, é a humildade de podermos entender o sentimento da sociedade brasileira e de ampliarmos aqui esse debate ouvindo a Academia brasileira, além de produzirmos, na hora certa, o que deve ser o abuso de autoridade, o que deve ser o aumento de salários de todos os Poderes e o que deve ser todo e qualquer tema que precisa ser discutido nesta Casa.
A ponderação que faço é que adiemos essa discussão.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Agradecemos a intervenção do Senador Ronaldo Caiado. S. Exª é uma das unanimidades desta Casa. Todos nós enxergamos no Senador Caiado muitas virtudes, a melhor delas é esta nova versão do Caiado contemporizador.
Concedo a palavra ao Senador Ricardo Ferraço. (Pausa.)
Concedo a palavra ao Senador Tasso Jereissati. (Pausa.)
Concedo a palavra ao Senador Randolfe Rodrigues. (Pausa.)
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Concedo a palavra ao Senador José Medeiros.
Senador Medeiros, com a palavra V. Exª.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Juiz Sergio Moro, nosso moderado Relator, Ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Dr. Silvio da Rocha, juiz de direito, a todos que nos acompanham neste momento - e são muitos - pelas redes sociais, pela Agência Senado, enfim, os meus cumprimentos a todos, bem como às Srªs e aos Srs. Senadores.
Sr. Presidente, pelo que ouvi aqui das palavras do Senador Lindbergh, está fácil resolver o problema do Brasil, e acho que está nas mãos do Juiz Sergio Moro. Se ele for lá e prender o FHC, está resolvido, porque aqui tudo que acontece é culpa do FHC. Ô homem malvado!
Falo isso, obviamente, de forma irônica, porque nós precisamos nos debruçar sobre os nossos temas de agora. Não é o momento para esse negócio de ficar jogando para trás, jogando culpas, apontando o dedo. O momento agora é realmente de buscarmos uma saída. E louvo principalmente este debate, embora tenha sido criticado por defendê-lo. O debate é importantíssimo. Isso não significa que esse projeto vá ser aprovado amanhã, ou depois, ou em outra data.
Ontem um filósofo, no Senado, disse o seguinte: "Não morramos de véspera. Não sejamos tão ansiosos com relação aos temas." Aliás, a Casa, o Parlamento se dá na sua plenitude justamente na discussão dos temas. Se nós não discutirmos...
E louvo aqui a coragem do Presidente de trazer isso. Eu confesso que eu não teria coragem, visto este caldo complexo que está o País. Mas sinto que o projeto está tomando um caminho bom de discussão, quando vejo na Mesa os mais relevantes cabeças do pensamento brasileiro neste momento. E aqui não vou ironizar. Vai um elogio ao Relator, que é um dos Senadores mais estudiosos. Obviamente, é controverso, complexo, mas não se pode negar que ele é um estudioso dos temas e gosta de se aprofundar neles. E foi dada a S. Exª, com certeza, com muita justeza, a relatoria deste tema.
Mas, como eu dizia, este momento complexo traz o debate, às vezes, a uma dicotomia, a um maniqueísmo: ou você está de um lado, ou você está do outro; ou você é Moro, ou você é... Não, nós somos seres complexos e temos que pensar que o trabalho da construção legislativa é mais complexo ainda.
Eu não sou nenhum jurista, mas todos nós sabemos que, às vezes, a lei vem dos costumes, vem daquele anseio popular. E, às vezes, vem também de formas casuísticas. Mas é neste momento que precisamos ter maturidade para ouvirmos até ficarmos roucos. Neste caso, o nosso Presidente tem essa qualidade.
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Há pouco, ouvi um Senador falando sobre esse nervo quase exposto que está a sociedade brasileira. Isso é uma verdade. Eu ouvi até um comediante fazer uma comparação com a "esposinha", aquela cujo marido é um folgado e sempre deixa a toalha em cima da cama, sempre larga o sapato pela casa. É aquele que quer a comida na hora, fica só assistindo à TV e não ajuda em casa. E ela vai se enchendo com aquilo. E aí, um certo dia, ele está no banho e pede para ela lhe trazer o xampu. E ela quebra o box, joga as coisas pela casa, quebra tudo, faz a mala e vai embora. E ele olha e fala: "Por causa de um xampu?". Não, não foi o xampu. É que, às vezes, o cidadão está trabalhando, as coisas vão acontecendo.
Aí eu prometo salvar a Petrobras, depois eu cato a Petrobras para mim. Aí eu prometo salvar o Brasil da corrupção e cato Pasadena para mim. Isso vai enchendo a paciência. De repente, eles explodem, e aí está o problema para se resolver.
Por isto eu digo que esse debate está tomando um bom caminho: está sendo feito, acima de tudo, com transparência; está sendo feito com ponderação. E está acontecendo um milagre: o Senador Renan Calheiros falou que nós já temos a versão Caiado light, já temos a versão Requião light. Está havendo uma transformação aqui, viu, Senador Garibaldi? Está tudo se transformando.
Queria, acima de tudo, parabenizar o Juiz Sergio Moro por duas coisas. Primeiro, porque tenho observado, ao longo desse processo, que ele tem se mantido, acima de tudo, muito ponderado em relação às declarações. Isso significa que o juiz não pode falar? Não. O juiz deve se expressar e pode falar sobre os temas que quiser. Mas, com relação ao processo, ele tem falado pouco, e isso é importante. E parabenizá-lo por mais: por ter vindo ao Senado; não ter, em vez disso, tomado uma postura, digamos assim, de jogar para a galera e começar a chantagear o Legislativo. Isso é muito importante, demonstra amadurecimento e é um ponto para o Judiciário. A pior coisa é você, às vezes, ir naquela linha de "eu não conheço e não gosto", ou de ter preconceito das instituições. É possível que aqui, no Parlamento, haja pessoas que trabalhem contra a sociedade, assim como é possível que haja no Judiciário ou em qualquer instância ou em qualquer lugar deste País.
Lembro-me, certa feita, de quando perguntaram a Nelson Carneiro sobre um Parlamentar que estava sendo cassado por um envolvimento dos seus familiares com cocaína, alguma coisa assim. E a jornalista perguntou: "O senhor acha normal isso acontecer no Parlamento?". Ele falou: "Olha, normal pode ser que não seja, mas não é de se estranhar, porque aqui está a essência da sociedade. Esses Parlamentares não caem de Marte ou de qualquer outro planeta, eles vêm do seio social, e é possível que, também, os traficantes estejam aqui representados." Isto aqui é a essência da sociedade.
Eu tenho visto a demonização da classe política, mas eu digo: aqui está todo mundo representado. Há gente de bem; e pode ser que pessoas que trabalham contra a sociedade também estejam aqui representadas. Por isso, as coisas não são fáceis. O próprio ser humano é muito complexo.
Eu fico muito reticente quando se tenta simplificar, simplesmente rotular. E aqui não quero citar partidos, mas vejo que há algumas linhas políticas aqui que gostam de rotular. Sou contra o pensamento do Juiz Silvio Rocha, então eu o rotulo. Eu não combato seus argumentos. Eu o rotulo. Isso não faz bem para o debate político e, talvez seja por isso que, às vezes, nós temos reações muito graves da sociedade, com quebra-quebra e tudo. Temos que pensar muito no que falamos desta tribuna.
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Existe também nesse debate muita lenda urbana, como disse o eminente Ministro. Há poucos dias, eu recebi uma mensagem extremamente agressiva na rede social, dizendo: "Vocês, seus vagabundos, vão aprovar o caixa dois simplesmente para inocentar os que cometeram crime de caixa dois." Eu falei: "Como isso?" Como é que pode? Se não é crime hoje, como é que eu vou criminalizar o caixa dois e vai ter retroatividade essa lei? Parece-me uma confusão de senso muito comum, com uma corruptela jurídica. Quem está na Lava Jato está respondendo por vários outros crimes - corrupção ativa, corrupção passiva -, mas não por caixa dois, porque não existe.
Então, existe muita confusão nesse debate. Por isso a importância dessas audiências, para ir aclarando, porque neste momento a audiência está imensa, está no pico, tanto nas redes sociais como na TV e no rádio. É por isso que é importante o aclaramento.
Sobre o projeto em tela, a mim me parece que talvez a gente tenha que se debruçar - e aí vai ter a colaboração de todos - sobre o art. 9º, porque me preocupou quando disse ali a respeito...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Já caminho para o final, Presidente, me dando uma tolerância de mais 30 segundos e mais os 60 que o Lindbergh ganhou.
Sobre a possibilidade, por exemplo, de o juiz decretar a prisão do indivíduo. Vamos dizer que o desembargador, por exemplo, entenda que aquela prisão não foi correta. E aí, me preocupa que, de repente, se pode dizer: "Esse juiz agiu com abuso de autoridade?" Porque não dá para dizer também que a magistratura vai acertar sempre. Então, no mais, eu penso que é só louvar esse debate, que ele possa continuar, obviamente, sem esse maniqueísmo.
Só para finalizar, Presidente, eu digo que não vamos dizer que os abusos não existem. Eu vi o último discurso do Senador Luiz Henrique aqui desta tribuna, eminente Juiz Sérgio Moro, um homem que passou 44 anos na vida pública, cuja ficha era uma folha A4 em branco.
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Ele disse, certa feita, que estava... Começavam os jornais a dizer que ia sair a lista da Lava Jato. Justamente no dia em que estava para sair, ele, sentado com seus netos, assistindo ao Jornal Nacional, saiu: "Foi aberto inquérito no STF contra o Senador Luiz Henrique." Ele disse que não caiu porque estava sentado. E os netos do lado. "Tudo o que eu fiz na minha vida, tudo o que eu construí, e tudo o que eu não tive, tudo o que eu não tinha se devia, em boa parte, à forma como eu conduzia a minha vida" - ele falou - "para eu ter, no final da minha vida, os meus filhos e os meus netos assistirem em rede nacional que o Senador Luiz Henrique foi denunciado no STF."
Para concluir, Sr. Presidente, sabe o que aconteceu? Esse foi o último discurso, com aparte de todos os Senadores.
(Interrupção do som.)
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - "A política é como uma rosa, (Fora do microfone.) mas, como uma rosa, ela também tem os seus espinhos." E ele morreu uma semana depois.
E eu nunca vi uma nota sequer de algum órgão da imprensa ou do próprio Ministério Público, sugerindo na sabatina do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que ele merece isso. Espero que o Ministério Público ainda faça isso, porque foi constatado depois, Ministro Gilmar Mendes, que se tratava de um erro, de algum funcionário que não mandou verificar. Sabe por quê? Porque era uma conversa fiada. Ele não tinha nada a ver com aquilo. Era uma rádio que tinha dito, por acaso, "vamos pedir ajuda ao Senador Luiz Henrique". E aí, Senador Renan, pegaram esse boato, o Ministério Público não verificou a veracidade. Ele não tinha nada a ver com a coisa. O próprio Ministério Público, o próprio Janot pediu desculpas para ele, mas desculpas em público.
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(Interrupção do som.)
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - ... público e não por telefone.
No mais, agradeço o tempo e eu creio que o debate é muito importante, e que possamos continuar com ele.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós temos sessão extraordinária convocada para 14h30.
Como consequência, nós vamos conceder a palavra ao Exmo Sr. Ministro Gilmar Mendes, para que possa apresentar suas considerações finais.
O SR. GILMAR MENDES FERREIRA - Presidente Renan, caro Senador Requião, Sérgio Moro, Silvio Rocha, Srs. Senadores, gostaria de, mais uma vez, agradecer a oportunidade que se me ofereceu de participar desse debate.
Acho que é um tema relevante, relevantíssimo. Eu já destaquei isso em várias manifestações minhas na imprensa, porque no Brasil se comete abuso de autoridade de A a Z.
É claro que temos leis variadas, mas é preciso que esse tema seja devidamente ordenado e, até, que o cidadão seja conscientizado, advertido dos seus direitos quando sofre abuso.
Como se destacou aqui, o tema está longe de afetar apenas as classes mais elevadas. Na verdade, quem sofre o efeito do abuso de autoridade é aquele sujeito que bate às portas, na madrugada, do INSS, que procura um serviço de saúde, que sofre violências policiais.
Em suma, na verdade, temos aí uma prática continuada e acho extremamente oportuno que se discuta esse tema e que se tenha a oportunidade de levar avante, claro que com toda essa consciência de que o tema é complexo, de que o projeto merece e deve ser aperfeiçoado, e acho que essa é a tarefa dos senhores.
Neste momento, eu me lembro de uma frase célebre de Victor Nunes Leal, que disse que quem lida com legislação é como acondicionar-se explosivos; os resultados podem não ser tão espetaculares, mas podem ser igualmente desastrosos. Daí, a necessidade, realmente, de meditação, de reflexão.
Quero, de novo, reiterar aqui a minha admiração e o meu apreço pelo trabalho realizado pela magistratura federal, pelos procuradores, especialmente pelo Juiz Sergio Moro, como já tinha destacado, que tem uma tarefa de Sísifo, uma tarefa imensa e, por isso, a toda hora, certamente, vai ser desafiado a tomar decisões.
Este é um problema, inclusive, que marca todos aqueles que têm que tomar decisão e, às vezes, decisão num tempo muito angusto, num tempo muito curto. Os alemães chamam isso de das Entscheidungskreuz, a cruz da decisão, porque, de fato, é extremamente difícil.
É muito fácil nós, por exemplo, quando estamos na academia, darmos palpites e fazermos considerações, primeiro, porque isso, em geral, é inofensivo e nós não estamos tomando decisões, mas, aqui, há sempre essa questão que se coloca.
Eu gostaria, realmente, de congratular-me com o Senado, com V. Exª por essa iniciativa e dizer da abertura que tivemos aqui de debater e de ouvir também posições contrárias, com todo o respeito e dentro também da fidalguia que marca essas relações.
Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Concedo a palavra ao Juiz Silvio Luís Ferreira da Rocha, para as suas considerações finais.
O SR. SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA - Eu começaria fazendo referência à fala do Senador José Medeiros, dizendo que mais importante, Senador - acho que foi posto por V. Exª -, é que é preciso que esse debate seja feito com racionalidade. E o que a gente percebeu nos últimos tempos é que, infelizmente, essa racionalidade foi deixada de lado.
Evidentemente, uma Casa Legislativa, e mesmo o Poder Judiciário - tendo em vista essa temática a que eu já fiz referência, a centralidade dos direitos humanos - precisa muitas vezes, Senador Caiado, exercer o seu papel contramajoritário e, às vezes, ir contra a opinião pública.
É claro que se nós pudermos atender a opinião pública, isso é sempre um fator positivo. Mas, muitas vezes, é preciso ter coragem, tanto a magistratura quanto o Poder Legislativo, para dizer que, em uma sociedade democrática, em uma sociedade plural, em uma sociedade que preza a defesa dos direitos humanos, efetivamente, às vezes, é preciso se opor a essa maioria.
Eu gosto muito de exemplos históricos. Acho que se Pilatos não tivesse lavado a mão no Credo, talvez Jesus não tivesse sido crucificado. Lembrando que, efetivamente, eles optaram por soltar Barrabás e manter Jesus preso. Então, precisamos ter essa dimensão e essa coragem.
Acho, Senador Humberto Costa, a situação que V. Exª colocou é realmente preocupante. Não deve haver a espetacularização do processo penal. A dignidade da pessoa humana e a presunção da inocência exigem das autoridades envolvidas, tanto no processo da investigação como no processo de apuração das responsabilidades, o devido resguardo da intimidade e da privacidade.
Isso não significa, em nenhum momento, bloquear o papel da imprensa, que também exerce um papel fundamental em uma sociedade democrática. Mas há uma diferença muito grande em você alimentar as fontes jornalísticas e se proteger eventualmente em torno do anonimato ou você permitir o acesso das informações pelos meios legítimos, quando não há o devido segredo sobre o processo. Agora, causa realmente estranheza que muitas vezes os advogados não tenham acesso aos autos sob a justificativa de que os autos estão sob sigilo, e ele tem acesso depois a todas as informações por meio dos principais noticiários.
Acho que V. Exª também tem razão quando... As coisas, às vezes, têm uma zona de certeza positiva e uma zona de certeza negativa. Não é um problema exclusivamente de interpretação. A interpretação surge exatamente quando você não tem esses polos de zona de certeza positiva ou zona de certeza negativa, isto é, isso é permitido ou isto é não é permitido.
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Eu me posicionei contra o chamado crime hermenêutico, e não deve existir mesmo, mas não basta que a divergência seja da autoridade que vai prolatar a decisão, porque, se eu entender como sujeito divergente a autoridade que vai prolatar a decisão, então não precisamos votar nada em torno do abuso de autoridade, porque ela sempre poderá invocar uma dúvida razoável sobre uma interpretação da lei.
Quando falo de divergência e quando evito o chamado crime hermenêutico, é preciso que um terceiro, um outro órgão do Poder Judiciário, já tenha se pronunciado sobre aquele caso e, eventualmente, tenha admitido aquela medida que se reputa controversa.
Eu diria, voltando à questão, que, se V. Exª quisesse, poderia muito bem até provocar uma representação por crime de abuso de autoridade porque a lei atual veda como abuso de autoridade o ato lesivo à honra quando praticado com abuso ou desvio de poder.
(Soa a campainha.)
O SR. SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA - É só para mostrar que todas essas situações que estão sendo discutidas hoje no projeto já estão positivadas. O que esse projeto visa, a meu ver, com muita qualidade, é aperfeiçoar isso.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Concedo a palavra ao Exmo. Sr. Juiz Sergio Moro para as suas considerações finais.
O SR. SERGIO MORO - Obrigado, Senador Renan Calheiros, por esta oportunidade.
Aqui só umas reflexões mais gerais. Essa Operação, assim chamada Operação Lava Jato, com toda a sua notoriedade, tem levado a um apreço positivo em geral da sociedade, também aqui refletida nos vários cumprimentos que foram recebidos, por pessoas nas ruas, as pessoas vêm cumprimentar, elogiar o trabalho do Poder Judiciário - e o trabalho não é só meu, é de várias instâncias, altos juízes também, mesmo na Operação Lava Jato trabalhando em outros locais, também do Ministério Público, também da polícia, de vários órgãos envolvidos.
As pessoas às vezes me perguntam: "E o Congresso?" Eu sempre digo para elas: "Tenha fé". Tem que ter fé nas suas instituições democráticas. O Congresso vai ser sensível a essas revelações, a esse nível de corrupção que tem sido revelado pela assim chamada Operação Lava Jato.
Nessa linha, o que eu humildemente aqui tomarei a liberdade de sugerir, sem qualquer pretexto de intimidar o Congresso... Acho que o Congresso é soberano nas suas competências. Não se trata de intimidar, mas de sensibilizar com sugestões. O que a população, o que a sociedade espera são legislações que aprimorem a efetividade do sistema de justiça criminal, legislações que diminuam oportunidades de práticas de corrupção - e isso não é só lei criminal, isso é muito mais amplo.
Nessa linha havia lá as chamadas propostas do Ministério Público das dez medidas. Claro que é possível sempre discutir parte dessas medidas. Não é necessário haver unanimidade, concordância em relação a todas elas, mas havia várias dessas propostas que eram boas e não foram aprovadas. Há possibilidade de resgate de várias delas. Por exemplo, confisco alargado, o enriquecimento ilícito do servidor público, a ação de extinção de domínio, a questão das regras que previnem a ocorrência da prescrição. Hoje o projeto está no Senado. O Senado tem essa possibilidade de resgatar.
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Vamos deixar aquelas medidas talvez mais controversas, como foi colocado aqui, não existe nenhum problema nisso. Tem a liberdade o Parlamento para decidir, mas existiam vários institutos que eram importantes, e a sociedade tinha uma ansiedade. Claro que, como foi dito aqui, nem todo mundo leu o projeto inteiro e não havia... O apoio de 2 milhões de pessoas não quer dizer que era um apoio integral a toda frase e a toda linha, mas o fato também é que um projeto com apoio de 2 milhões não pode ser simplesmente ignorado.
Eu acho que, com todo o respeito à Câmara dos Deputados, houve um certo açodamento no final na votação, e várias das medidas que não eram tão controvertidas acabaram ficando indevidamente de fora.
Por outro lado, em um tema como este, suscitando tantas polêmicas, tantas discussões de limites da atuação das autoridades públicas, judiciais, policiais, do Ministério Público, a meu ver, e aqui também com todo o respeito à Câmara - não se trata de intimidar ou nada mais, mas também como cidadão eu tenho condições de opinar sobre legislação -, houve uma certa precipitação na votação daquela emenda que instituiu o crime de responsabilidade para promotores e para autoridades judiciais, gerando uma certa indignação na sociedade e até condutas, não sei se precipitadas, dos procuradores realizando aquela reunião. Não me cabe aqui censurar, mas eu compreendo a posição deles em formular esse projeto, ver esses planos - após contar com tanto apoio popular - serem frustrados e, ao contrário, ser inserida uma medida muito pouco debatida, muito pouco pensada e que tem vários problemas. Isso não sou eu que falo, inclusive falam os Presidentes dos Tribunais Superiores. São vários problemas de constitucionalidade, de crimes de responsabilidade vagos, crimes que podem ter o efeito prático de intimidar a atuação dessas autoridades.
Eu rogo aqui ao Senado, humildemente, que, na análise desse projeto que veio da Câmara, reprove - reprove no sentido de não aprovar - essas propostas de crimes de responsabilidade ou não sei como foi rotulado o crime de autoridade dos juízes e promotores. Eu acho que isso merece um debate de melhor qualidade, como o que se está realizando aqui em relação ao PLS 280.
Com relação ao PLS 280, aqui, mais uma vez... E isto não foi dito por mim, mas por vários dos Srs. Senadores: que há um apreço à Operação Lava Jato, que a Operação Lava Jato é sagrada. Eu rogo também aqui, humildemente, que ouçam, então, a opinião de um dos juízes envolvidos, a minha opinião, porque o projeto, se aprovado, nos termos como está, independentemente das intenções, pode ter o efeito prático de intimidar agentes da lei envolvidos no seu cumprimento. Daí a necessidade de se aprimorar a redação, com deliberação ponderada. Não sei se este é o momento mais apropriado para esse tipo de deliberação. E, especialmente, se a opção for realmente de aprovação, é necessário ter salvaguarda, como aquela que eu sugeri e aqui insisto nela, para que a lei deixe claro que a divergência na interpretação da lei processual penal e penal e que a divergência na avaliação de fatos e provas não constitui crime de abuso de autoridade. Acho que isso é fundamental para que esta Casa deixe claro que ela não tem nenhuma intenção de vulnerar a independência judicial, a autonomia do Ministério Público e a vinculação do agente policial à lei e, com isso, afetar as garantias e liberdades não dos magistrados ou agentes da lei, mas de toda a sociedade, de toda pessoa. Fica essa minha sugestão.
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Por fim, eu gostaria aqui de fazer uma breve referência apenas ainda relativa ao projeto da Câmara: um elogio ao Relator, o Deputado Federal Onyx Lorenzoni, que buscou aprovar aquelas medidas em uma maior extensão e foi atacado. Eu acho que até esses ataques a um membro da Casa refletem esse clima de animosidade e certa intolerância em relação a essas questões. Não que as medidas não poderiam ser discutidas, não que eventualmente nós não tenhamos discordâncias em relação a elas, mas refletem talvez essa situação de que talvez não seja o momento mais oportuno, dada a contaminação das paixões, para discutir essa questão.
Enfim, agradeço, mais uma vez, a oportunidade que me foi dada em poder falar livremente nesta Casa.
Mais uma vez, aqui reitero que não era meu objetivo falar sobre a Operação Lava Jato. Eu não tenho liberdade para discutir esses casos. As minhas decisões são sujeitas a críticas, evidentemente, não há nenhum problema em relação a isso, há liberdade de expressão. No entanto, eu também acho que eu não posso ser acusado de abuso de autoridade, considerando que as minhas decisões vêm sendo sufragadas pelas cortes recursais e cortes superiores, salvo se também estendida essa acusação, então, a essas cortes. Eu acredito que apenas aí há uma situação que até ilustra o risco desse projeto em se qualificar como crime mera divergência na interpretação da lei e na avaliação dos fatos e das provas.
Muito obrigado a todos os Senadores e as Senadoras e aos demais presentes.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Sr. Presidente, o senhor me concede, pela ordem, um minuto?
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu não posso conceder, porque...
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Eu estava inscrito.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Roberto Requião, Relator da matéria.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Eu só queria agradecer, Sr. Presidente...
(Interrupção do som.)
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - Eu estava inscrito e esperei...
Eu quero pelo menos agradecer ao Dr. Sergio Moro por ter vindo, agradecer... Eu estava inscrito.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Estava inscrito, foi chamado e não estava aqui.
Eu vou encerrar. V. Exª terá prioridade, como primeiro orador, na próxima sessão temática.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - Dr. Moro, muito obrigado...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Com a palavra V. Exª, Senador Roberto Requião.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - V. Exª já está inscrito na próxima sessão temática, prioritariamente como orador número um.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Requião, com a palavra.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu quero cumprimentar os nossos expositores e dizer que eu estou convencido de que, neste momento importante, o Senado vai exercitar a sua condição de Poder Moderador e de que nós vamos conseguir, com clareza, um documento jurídico praticamente consensual, que não agrida o trabalho que vem sendo feito pela Lava Jato, mas que não possibilite que essa visão de abuso se espraie para o comportamento do Ministério Público e do Judiciário em todo o País. Essa é a minha maior preocupação.
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A colaboração do Juiz Sergio Moro, em parte, já foi acatada no modelo de legislação que redigi; a mesma coisa em relação ao Juiz Silvio Rocha; o Ministro Gilmar me entregou, agora há pouco, algumas sugestões de colaboração. E o Senado da República vai fazer o que a Câmara não fez. Nós vamos redigir um projeto com a participação de todos os Senadores, consensual, para melhorar a legislação brasileira e contemplar o abuso de poder, principalmente na perspectiva do abuso contra a população mais pobre, sem condição de proteção de advogado no Brasil.
A Lava Jato, para mim, é periférica nesse problema. Nós estamos cuidando do direito da cidadania, mas nós teremos também a preocupação de fazer com que todas essas operações de limpeza da política brasileira possam prosseguir com tranquilidade, e a tranquilidade só se consegue dentro da absoluta legalidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós queremos, sinceramente, agradecer as honrosas participações do jurista Gilmar Mendes, patriota conhecido na Casa, que, quando pode, vem sempre colaborar com o aperfeiçoamento das leis e, inclusive, trouxe sugestões. Queremos agradecer ao Juiz Silvio Luís Ferreira da Rocha, que, da mesma forma, colaborou com o debate e também fez questão de apresentar propostas para, sem dúvida, melhorar o projeto. E queremos agradecer muito ao Juiz Sergio Moro, que, demonstrando o seu foco com o Brasil, o seu espírito público, a sua grande capacidade como juiz, em um momento difícil da vida nacional, com gentileza, fez questão de vir aqui, ao Senado Federal, participar deste debate e responder todas as perguntas. E ele se coloca à disposição para, se aqui for necessário, voltar outras vezes.
Antes de encerrar, eu queria dizer apenas que não houve aqui agressão ao Relator da matéria na Câmara dos Deputados, ao Onyx Lorenzetti.
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Parece nome de chuveiro, mas não é nome de chuveiro. Com todo respeito e em favor dele, eu queria dizer que o teste de integridade vai fazer falta, porque pesava sobre ele uma acusação de ter recebido caixa dois de indústria de armas, e seria uma oportunidade para que ele, nesse teste, pudesse demonstrar o contrário, com o meu apoio.
Está encerrada a sessão.
(Levanta-se a sessão às 15 horas e 11 minutos.)