3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
57ª LEGISLATURA
Em 18 de março de 2025
(terça-feira)
Às 10 horas
8ª SESSÃO
(Sessão Especial)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
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A presente sessão especial foi convocada em atendimento ao Requerimento nº 36, de autoria do Senador Jorge Kajuru e outros Senadores, e foi aprovado, à unanimidade, pelo Plenário do Senado Federal.
Esta sessão é destinada a homenagear a redemocratização do Brasil.
Compõem a mesa, nesta sessão especial, os seguintes convidados: o nosso querido Presidente José Sarney. (Palmas.)
O Senador Jorge Kajuru, autor do requerimento desta sessão especial. (Palmas.)
O Líder Senador Randolfe Rodrigues, Presidente do Conselho Editorial do Senado Federal. (Palmas.)
O ex-Senador desta Casa e Deputado Federal Aécio Neves, que representa, nesta sessão, a família do Presidente Tancredo Neves. (Palmas.)
Convido a todos para, em posição de respeito, acompanharmos o Hino Nacional, que será interpretado pelo dueto do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.
(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Solicito à Secretaria-Geral da Mesa que faça a exibição de um vídeo institucional que foi produzido pela TV Senado.
(Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Gostaria de fazer o registro da presença nesta sessão especial de algumas autoridades que fazem parte deste momento: Sr. Embaixador de El Salvador, Luis Alberto Aparicio; Sr. Presidente do Senado Federal no período de 2001, Senador Edison Lobão; (Palmas.) Sr. Presidente do Senado Federal no período de 2017 a 2019, Deputado Federal Eunício Oliveira; (Palmas.) Sr. Presidente do Senado Federal no período de 2023 a 2025, Sr. Rodrigo Pacheco. (Palmas.) Ao tempo, quero fazer o registro também da presença no Senado Federal do ex-Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros; (Palmas.) da Sra. Ministra de Estado da Cultura, Margareth Menezes; (Palmas.) do Sr. Ministro de Estado das Comunicações, Juscelino Filho; (Palmas.) representando a Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Relações Institucionais, o Sr. Secretário Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais, Deputado André Ceciliano; (Palmas.) do Sr. Presidente em exercício do Superior Tribunal Militar, Ministro Tenente-Brigadeiro do Ar Francisco Joseli Parente Camelo; (Palmas.) do Sr. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Paulo Sergio Domingues; (Palmas.) do Sr. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca; (Palmas.) do Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Dr. Rodrigo Badaró; (Palmas.) do Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Desembargador José de Ribamar Froz Sobrinho; (Palmas.) da Sra. Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Maria da Graça Peres Soares Amorim; (Palmas.) do Sr. Secretário de Relações Institucionais do Governo do Distrito Federal, Agaciel Maia; (Palmas.) do Sr. Vice-Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Fernando Sarney; (Palmas.)
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e da Sra. Presidente do Instituto Mulheres Solidárias, Ana Karin Andrade. (Palmas.) Também registro a presença do ex-Deputado e ex-Ministro da Casa Civil da Presidência da República, no período de 2003 a 2005, Ministro José Dirceu; (Palmas.) e registro também a presença do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, no período de 1990 a 2006, Ministro Carlos Mário da Silva Velloso. (Palmas.)
Senhoras e senhores, celebramos, nesta sessão solene, os 40 anos de redemocratização do Brasil, um momento decisivo da nossa história recente, no qual o país reafirmou o seu compromisso com a democracia.
Agradeço ao Senador Jorge Kajuru e a todos os outros Parlamentares que apoiaram esta homenagem, que nos recorda que a democracia é uma conquista coletiva, fruto do esforço de homens e mulheres que, com diálogo e determinação, ajudaram a construir o Brasil que temos hoje.
O processo de transição democrática culminou na eleição de Tancredo Neves, um líder cuja trajetória foi marcada pelo compromisso com a conciliação e com a estabilidade institucional. Sua eleição simbolizava a esperança de um Brasil mais plural e democrático. No entanto, sua morte antes da posse causou grande comoção e incerteza no nosso país.
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Coube então ao Presidente José Sarney a responsabilidade de conduzir essa transição democrática, assumindo a Presidência da República em um período de grandes desafios. Com serenidade e compromisso, garantiu a estabilidade do país, pavimentando o caminho para a Constituição de 1988 e consolidando as bases do Estado democrático de direito.
O Presidente José Sarney desempenhou um papel crucial em um dos períodos mais desafiadores e transformadores da história brasileira. Sua habilidade política permitiu a manutenção do diálogo entre diferentes forças partidárias, garantindo a governabilidade em um período de profundas mudanças institucionais.
Presidente Sarney, poucos governantes foram tão desafiados como na sua gestão.
E Sarney sempre respondeu com respeito, com serenidade e sobretudo com dignidade. Jamais se valeu da agressão, da ofensa ou da censura. Ouviu tudo e todos.
Sob a sua liderança, Presidente Sarney, foram consolidadas as bases para um Estado democrático de direito. Com a sua ajuda, os debates da Assembleia Nacional Constituinte transcorreram com civilidade e tranquilidade. Durante seu mandato, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, a nossa Constituição cidadã, que deu início à mais longeva era democrática do Brasil.
Meu respeito e o meu reconhecimento, Presidente Sarney - e tenho certeza de que falo não apenas em meu nome, mas em nome do Congresso Nacional. Obrigado, Presidente Sarney. V. Exa. foi o penhor do processo de redemocratização. V. Exa., seja como Presidente da República, seja como Senador, seja como Presidente do Senado Federal, sempre demonstrou estar à altura do que a ocasião lhe exigia. Serviu a todos de farol e de modelo. Parabéns novamente pela sua trajetória.
A democracia não se sustenta sem diálogo, sem respeito às instituições e sem o compromisso diário com a pluralidade e a harmonia entre os Poderes. O Congresso Nacional, como representante legítimo da vontade popular, segue firme em sua missão de garantir o equilíbrio institucional e a estabilidade do país.
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Que esta sessão sirva não apenas para relembrar o passado, mas para reafirmarmos o nosso compromisso com o futuro do Brasil, com o fortalecimento da democracia e com a busca permanente por um país mais justo e mais próspero para todos.
Vida longa à democracia!
Muito obrigado. (Palmas.)
Gostaria, em tempo, de agradecer e convidar para compor a mesa nesta sessão especial o Exmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal Ministro Dias Toffoli. (Palmas.)
Neste momento gostaria de convidar o Coral do Senado Federal, que irá apresentar a canção Menestrel das Alagoas, de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant.
(Procede-se à apresentação musical.)
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O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Neste momento, convido o Presidente José Sarney para receber uma placa de homenagem por sua atuação no processo de redemocratização do país e pelo legado de luta pelos valores de liberdade e cidadania.
(Procede-se à entrega de placa de homenagem ao Sr. Presidente José Sarney.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Convido o Sr. Deputado Federal Aécio Neves para receber a placa de homenagem ao Presidente Tancredo Neves por sua atuação no processo de redemocratização do país e pelo legado de luta pelos valores de liberdade e cidadania.
(Procede-se à entrega de placa de homenagem ao Sr. Deputado Federal Aécio Neves, representando o Sr. Presidente Tancredo Neves, in memoriam.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Concedo a palavra ao Senador Jorge Kajuru, autor do requerimento desta sessão especial.
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO. Para discursar.) - Brasileiras e brasileiros, minhas únicas vossas excelências, desde já, o maior elogio dos meus 50 anos de carreira nacional na televisão brasileira foi de quem está ao meu lado, o Presidente Sarney, em uma das duas maiores entrevistas que fiz na minha vida, com ele e com Tancredo Neves, em 1982, quando trabalhava na Rádio Itatiaia. Eu e a Senadora Leila do Vôlei, minha irmã, fizemos recentemente uma entrevista histórica, e o Presidente falou que gostava muito de me ver na tribuna falando primeiro brasileiras e brasileiros e não, brasileiros e brasileiras.
Bem, no dia 15 de março completamos 40 anos da redemocratização do Brasil, 40 anos em que os ventos da liberdade embalam o auriverde pavilhão da Pátria. Sob essa brisa da democracia, o povo brasileiro pôde eleger, sem restrições, todos os seus representantes, de Vereadores ao Presidente da República.
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Nenhum partido político está na ilegalidade. Eleições livres e periódicas tornaram-se rotina. As instituições funcionam dentro da normalidade. Se hoje estamos aqui celebrando estas quatro décadas de conquistas democráticas, é porque podemos contar com a experiência, com a determinação e com a ousadia de um irretocável homem público, dos maiores nascidos nas terras brasileiras. Refiro-me prazerosamente, em nome de mamãe, ao ex-Presidente, ex-Senador, ex-Governador, eterno José Sarney, a quem cumprimento nesta oportunidade.
Por esse motivo, apresentei o requerimento e lembro, como se fosse hoje, na reunião dos Líderes, quando fiz a proposta, que o nosso Presidente Davi Alcolumbre na hora concordou. E não vou esquecer que um amigo de uma das reservas morais desta Casa, o Senador amazonense Eduardo Braga, meu amigo pessoal, olhou para mim emocionado e bateu palmas pela ideia.
Então, apoiado por diversas Senadoras e Senadores, por todos, por unanimidade, para que o Senado Federal realizasse esta sessão especial com o objetivo de prestar justa homenagem a esse extraordinário homem público brasileiro, neste momento, além de reconhecermos o incomparável legado do ex-Presidente José Sarney, celebramos a própria redemocratização e o esforço coletivo do povo brasileiro para garantir a consolidação das instituições democráticas.
O então Senador José Sarney foi peça-chave para a transição democrática e para o nascimento da nova República. Ao romper com o extinto PDS, herdeiro da antiga Arena, partido que dera sustentação política ao regime militar, José Sarney se transformou no maior fiador da redemocratização, integrando a chapa presidencial de oposição ao lado de Tancredo Neves, outro homem público histórico, inesquecível e eterno. Quiseram Deus e o destino que, após a sua eleição indireta pelo Congresso Nacional, o Dr. Tancredo Neves não tomasse posse e nos deixasse naquele fatídico dia 21 de abril de 1985. Eu estava em um teatro vendo uma peça de Marcelo Rubens Paiva e fui evidentemente às lágrimas em Belo Horizonte. Coube, então, senhoras e senhores, meus únicos patrões, ao agora Presidente José Sarney levar adiante o processo de transição democrática - e o fez com inegável maestria.
O período era de grandes turbulências. Vivíamos pressionados por uma inflação de preços galopantes que minavam o poder de compra do trabalhador. Havia um intenso e legítimo anseio por liberdade, que precisava ser habilidosamente conduzida, para não comprometer todo o processo de redemocratização.
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A frase que veste o caráter de José Sarney, entre tantas, é que a liberdade de expressão é o maior pilar de uma democracia. E Sarney sempre teve a responsabilidade com a liberdade de expressão, como bem colocou o Presidente Davi.
Graças à sua apurada sensibilidade e incomparável experiência política, Sarney logrou realizar uma transição sem traumas para a vida democrática. Durante seu Governo, convocou a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a nova Carta Magna do Brasil, a Constituição Cidadã, sabiamente assim denominada pelo nosso saudoso e também raro homem público Dr. Ulysses Guimarães, abrigando importantes direitos civis, políticos e sociais, vários deles inéditos em nosso arcabouço jurídico.
Sarney ampliou as liberdades civis e políticas, acabando com a censura e legalizando os partidos políticos que haviam sido banidos durante a ditadura.
Sua inestimável contribuição para redemocratizar o Brasil pontua uma trajetória de mais de 60 anos de vida pública. Além de Presidente da República, foi Deputado Federal, Governador, Senador por 40 anos - e depois dele, atrás de nós, o eterno Ruy Barbosa, que chegou aos 34 anos de mandato -, por vários mandatos, e Presidente desta Casa em diversas ocasiões, sempre participando ativamente dos debates mais relevantes para a nossa pátria amada.
Saúdo, portanto, o nosso querido Presidente José Sarney nesses 40 anos de nossa redemocratização. Seu legado jamais será esquecido - jamais! Está perenemente insculpido nas páginas da nossa história e em nossos corações.
Agradecidíssimo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Concedo a palavra ao Senador Randolfe Rodrigues, Presidente do Conselho Editorial do Senado Federal.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - AP. Para discursar.) - Sr. Presidente Davi Alcolumbre, saúdo V. Exa. e saúdo também o Senador Jorge Kajuru pela iniciativa desta sessão que ora o senhor preside.
Saúdo também o Sr. Ministro Dias Toffoli e, na sua pessoa, saúdo o Supremo Tribunal Federal, fruto da épica luta pela redemocratização, que completa neste mês 40 anos.
De igual forma, saúdo aqui o Sr. Ministro de Estado Juscelino, do Ministério das Comunicações, e a querida Ministra Margareth Menezes, Ministra da Cultura do Governo brasileiro.
Saúdo os ex-Presidentes desta Casa, Senador Renan Calheiros, Senador Edison Lobão, caríssimo Senador Eunício Oliveira, queridíssimo Senador Rodrigo Pacheco.
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Saúdo, assim, todas as demais autoridades aqui presentes.
Faço um registro especial, em primeiro lugar, a uma instituição fundamental pela luta pela redemocratização, que é o Clube de Engenharia, na pessoa do Sr. Francis Bogossian.
De igual forma, saúdo aqui um dos líderes das caminhadas cívicas da campanha pelas diretas e um dos organizadores do primeiro comício das diretas, ocorrido em 27 de novembro de 1983, ao lado do Estádio do Pacaembu. Saúdo, dessa forma, o Ministro José Dirceu. É uma enorme honra a sua presença aqui para todos nós. (Palmas.)
Saúdo com especial ênfase, Presidente Davi, os dois que cercam V. Exa. na Presidência do Senado, nesta mesa, no dia de hoje: o Deputado e ex-Senador desta Casa Aécio Neves - e na sua pessoa saúdo a memória do inesquecível Tancredo de Almeida Neves -, e o Presidente José Sarney, principal pilar e realizador dos compromissos de Tancredo, dos compromissos da Aliança Democrática, dos compromissos da redemocratização. E o faço, Presidente Sarney, recuperando um pronunciamento que V. Exa. fez na madrugada de 22 de abril de 1985. A nação, naquele momento entristecida pela morte de Tancredo, ouviu de V. Exa. naquele momento a primeira referência e menção de tranquilidade. No começo daquele pronunciamento, naquela triste madrugada, Presidente Sarney, disse o senhor:
Tancredo [...] morreu.
Eterniza-se com ele a legenda de idealismo que comoveu, num movimento sem precedentes na nossa história, as praças e as ruas do Brasil com a bandeira da Nova República.
Ninguém o excedeu no amor do povo, que acompanhou o seu longo e santificado martírio que teve fim nesse dia simbólico para a Pátria, 21 de abril, com a evocação do herói da [...] [Inconfidência], Tiradentes.
Quis o tempo e o destino que o mesmo Tancredo, que no seu discurso de eleição no colégio eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, tenha citado Tiradentes e dito naquele momento: "Se todos quisermos, podemos fazer deste país [desta terra] uma grande nação. [Que o façamos]". Quis o tempo e o destino que a despedida do Presidente Tancredo fosse exatamente nesse 21 de abril daquele 1985.
Neste momento, Presidente Sarney e Presidente Davi, nós fazemos pelo Conselho Editorial do Senado, junto com esta sessão solene que rememora a redemocratização, o lançamento de duas obras: a primeira da lavra do próprio Presidente José Sarney, que está sobre a bancada de cada um dos Senadores: Amapá: Terra Onde o Brasil Começa. No meu entender, Presidente Sarney, a melhor obra que descreve a história e a trajetória da terra que forneceu e a qual tanto eu quanto o Presidente Davi representamos aqui no Congresso Nacional lhe sucedendo.
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Desta obra, a mais eminente obra de sua lavra sobre a história de nossa terra, fazemos o relançamento no dia de hoje. Junto com o relançamento desta obra, lançamos também, relançamos este livro de 1984, aqui no seu original, um livro do jornalista Ricardo Kotscho: Explode um Novo Brasil - Diário da Campanha das Diretas. No fim desse livro, Presidente Davi, tem um trecho do original do Ricardo Kotscho, na sua versão atualizada que estamos lançando no dia de hoje. Diz, nesse livro, Ricardo Kotscho: "Essa campanha não tem donos, nem astros. E se algum herói há na história da travessia, este herói é o povo brasileiro, o homem anônimo, a mulher, moça ou velha, as crianças, sim, as crianças. Nunca vi tantas crianças em tantos comícios".
Permita-me dizer, Presidente Davi, eu era uma daquelas, no comício que ocorreu em Macapá, em 14 de fevereiro de 1984. Tive a alegria de assistir, com oito anos de idade, o discurso de Doutel de Andrade e de Ulysses Guimarães, em nossa terra, nessa que foi a campanha épica e o batismo do mais longevo período democrático que hoje vivemos. Neste livro, Presidente Davi, está descrito, com a primazia e com o detalhamento de Kotscho, cada um dos momentos, cada um dos 32 comícios daquela época, na campanha.
Eu quero aqui fazer dois agradecimentos. O primeiro ao jornalista Fernando Mitre, que faz o posfácio desta obra que estamos relançando no dia de hoje. O outro ao escritor e historiador Oscar Pilagallo, que é responsável por uma das mais belas obras e um dos melhores documentos sobre a história da campanha das diretas. Convido ambos para no final desta sessão, no café do Senado, oferecerem o autógrafo àqueles que o quiserem, para testemunhar, nesta obra, a reedição deste documento, que talvez seja um dos melhores presentes, junto com esta sessão, Presidente Davi, a esses 40 anos de redemocratização.
Quero completar aqui fazendo as devidas homenagens àquele que consolidou a redemocratização: o Presidente José Sarney. O Brasil, especialmente aqueles que compreendem a relevância da boa política para superar os momentos mais desafiadores da nossa história, celebra hoje esses 40 anos de redemocratização. O senhor, Presidente, homem público de trajetória singular, dedicou sua vida à política com firmeza de princípios e com espírito conciliador. Sempre comprometido com o desenvolvimento nacional e com a estabilidade da democracia, teve a coragem, naquele momento crucial de nossa história, de unir os democratas e de unir a frente liderada pelo Presidente Tancredo Neves.
Presidente José Sarney, no dia da promulgação da Constituição que ora juramos obedecer, o Presidente Ulysses Guimarães disse, ao seu lado, o seguinte: "O Sr. Presidente José Sarney cumpriu amplamente o compromisso do saudoso Tancredo Neves, de V. Exa. e da Aliança Democrática, ao convocar a Assembleia Nacional Constituinte".
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A Emenda Constitucional nº 26 teve origem em mensagem do Governo de V. Exa., vinculando V. Exa. à efeméride que hoje a nação celebra.
Sr. Presidente José Sarney, legatário do tributo de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, o regime político da democracia plena, de cuja fundação V. Exa. participou, foi alicerçado em dois pilares centrais. São esses pilares centrais: convocar uma Assembleia Nacional Constituinte para restaurar a ordem democrática e as liberdades no Brasil e entregar o poder, pela eleição livre, direta, pelo sufrágio universal, a um sucessor seu. Os dois pilares e os dois compromissos da Aliança Democrática, Presidente Sarney.
E, 40 anos depois, nós estamos aqui reunidos para agradecer ao senhor e para dizer que o senhor cumpriu com enorme amor, com extrema dedicação, com zelo e devoção à pátria. Ao senhor somos gratos em tributo pelo que foi feito. O senhor convocou a Assembleia Nacional Constituinte. O Brasil realizou a mais ampla Assembleia Nacional Constituinte de sua história. Nenhuma teve a participação popular que esta teve. O Brasil deu luz, com essa Assembleia Nacional Constituinte, à melhor de todas as constituições de toda a nossa existência: no seu capítulo sobre os direitos individuais, na inovação sobre o capítulo do meio ambiente, na organização do Estado democrático de direito, na consolidação dos direitos políticos, pioneiramente no direito dos povos indígenas. Em uma palavra: no restabelecimento da democracia.
Mas, além disso, Presidente José Sarney, o senhor presidiu, o senhor conduziu o Brasil, a despeito e sob a intempérie de tanques naquele momento. É importante dizer que o senhor assumia o Governo da nação em um momento turbulento: naquele instante, 70% das Forças Armadas ainda eram reticentes à redemocratização. Sem o seu empenho e sem sua dedicação, a obra de Tancredo e de tantos que ocuparam as praças do Brasil não teria sido consolidada.
O senhor injustamente recebeu todos os ataques da campanha presidencial de 1989. Mesmo assim, resiliente como o senhor foi, o senhor passou a faixa presidencial, pela primeira vez, através de uma eleição direta para Presidente, a um sucessor seu, que era seu opositor e que o atacara durante a campanha presidencial.
É esta a referência, Presidente Sarney, e é esta a homenagem: quem se reporta aqui ao senhor não é hoje apenas um Senador da República; é aquela criança que, em fevereiro de 1984, assistiu, na Praça Azevedo Costa, em Macapá, aos discursos de Doutel de Andrade e Ulysses Guimarães, aquela criança que começou, naquele momento, a compreender a política e que é fruto - tanto eu como o Presidente Davi - daquele movimento que foi construído naquele verão de 1985.
Ao senhor, ao Presidente Tancredo Neves, a José Dirceu, a nossa geração tem um pleito de gratidão. Vivemos sob o mais longevo período da democracia brasileira. Ele não teria ocorrido se não tivesse sido fecundado, Deputado José Dirceu, pelas praças cívicas de 1984. Ele não teria ocorrido se não fosse o compromisso de V. Exa., Presidente José Sarney.
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Ele não teria ocorrido sem o idealismo de Tancredo Neves, de Ulysses Guimarães e de tantos outros.
Essa democracia sobreviveu a dois impeachments de Presidente da República e sobreviveu, no 8 de janeiro, a uma tentativa de golpe de Estado.
Longa vida à democracia brasileira, longa vida à semente que foi deixada aqui pelos senhores há 40 anos! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Gostaria de convidar para compor a mesa desta sessão especial, representando o Poder Executivo, S. Exa. a Ministra de Estado da Cultura, Ministra Margareth Menezes. (Palmas.) (Pausa.)
Concedo a palavra ao Exmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli. (Palmas.)
O SR. DIAS TOFFOLI (Para discursar.) - Presidente Davi Alcolumbre, poderia falar... fazer uso da tribuna?
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Claro.
O SR. DIAS TOFFOLI - Um bom dia a todas e a todos.
Para mim é uma honra enorme sempre que eu entro no Senado da República, Presidente Rodrigo Pacheco - eu que venho de uma instituição secular, centenária. O constitucionalismo tem dois séculos, dois séculos e meio. E, quando eu entro no Senado, eu vejo uma instituição que tem 2 mil anos de idade, uma instituição que, já na Roma antiga... Presidente Sarney, V. Exa., com quem eu tenho o privilégio de trocar tantas histórias e tantas histórias sobre o mundo, sobre a vida e sobre a política - não é? - tanto brasileira quanto mundial, sabe muito bem, o Senado da República é uma instituição bimilenar. Então é assim, com esse respeito, que eu me dirijo, Presidente Davi Alcolumbre - meu amigo, Davi Alcolumbre -, a essa instituição, uma instituição milenar, e saúdo, na pessoa de V. Exa., as Sras. Senadoras e os Srs. Senadores.
Gostaria de saudar o nosso Presidente Sarney, mas vou deixar para falar desse meu amigo também - Presidente Sarney - mais à frente e, com muita emoção, falarei.
Querido Presidente, Senador Aécio Neves, tive a oportunidade de ser assessor da Bancada do Partido dos Trabalhadores - Jaques Wagner que me trouxe para cá em 1985, quando foi Líder da Bancada do PT - e tive a oportunidade de atuar lá como assessor, quando V. Exa. foi, inclusive, eleito Presidente daquela Casa Legislativa. Meus cumprimentos a V. Exa., em especial aqui na memória do seu avô Tancredo Neves, do qual eu recebo tantas histórias através de um amigo comum, o Marco Aurélio Costa, que conviveu com o seu avô cotidianamente no restaurante Piantella, do qual ele era proprietário. Então, são aquelas histórias não escritas, não contadas, algumas delas virão à luz agora em um livro de memórias que Fernando Morais está escrevendo sobre o Piantella. Então, eu conheci o seu avô, me sinto amigo do seu avô, ouvia as histórias através do Marco Aurélio Costa.
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Cumprimento e respeito muito a iniciativa do Senador Kajuru, que foi o autor desta proposição legislativa desta sessão solene, em especial com essa característica de homenagear dois brasileiros da melhor qualidade, da melhor política, daquela época da política do fio do bigode, em que Tancredo e Ulysses, no restaurante Piantella, discutiam: "Se for direta, Ulysses, você é o candidato; se for indireta, Tancredo, você é o candidato". Ministro Velloso, esse é o tipo de história que a gente recebe ouvindo aqueles que a testemunharam diretamente no diálogo entre estes dois grandes brasileiros: Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.
E aqui também fica a saudação ao Deputado Ulysses Guimarães e a todos aqueles que atuaram, evidentemente, como já mencionado pelo Senador Randolfe Rodrigues, a quem também agora cumprimento e quero dizer o seguinte: a nossa geração, Randolfe - você é um pouquinho... eu vou trazer você para a minha geração, para eu me sentir mais novo; eu não tinha oito, mas eu tinha uns 14 anos -, a nossa geração dessa época, Senador Eunício, Senador Eduardo Braga, Presidente Renan Calheiros, essa geração, nós nos denominamos Geração Henfil, aquela geração que se formou no centro-esquerda na época de combater a ditadura militar, na época de lutar pelas Diretas Já, ir às ruas, como eu fui, como tantos foram, como tantos brasileiros foram pedir pela Emenda Dante de Oliveira, pela sua aprovação. Nós nos autoproclamamos Geração Henfil, em homenagem a esse grande brasileiro, cujas cartas à mãe dele, naquela época publicadas na revista IstoÉ, marcaram época, marcaram história, assim como os seus cartoons.
Pois bem, cumprimento a todos aqueles que lutaram e especialmente aos que tombaram, aqueles que perderam suas vidas, aqueles que foram presos, aqueles que foram torturados na defesa da democracia, pois, se nós temos uma democracia e nós temos uma Constituição, é porque muitos foram à luta primeiro. Não estou a dizer aqui que certo ou erradamente, mas foram lutar por liberdade, por igualdade, e evidentemente não podemos, numa cerimônia de 40 anos de redemocratização, esquecer aqueles que nos deixaram ou aqueles que até hoje sofrem com as lembranças de momentos de prisão e de tortura.
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Pois bem, a todo o Poder Judiciário aqui presente, meus cumprimentos na pessoa do Ministro de sempre do STJ e Ministro de sempre do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso. E assim cumprimento a todos os integrantes do STJ que eu vejo aqui, do Tribunal Militar, nosso comandante, o Brigadeiro Joseli, e a todas as pessoas que estão aqui presentes nesta cerimônia.
E sempre cumprimento os servidores da Casa, porque servidor eu fui deste Congresso Nacional com muito orgulho. E sempre digo que o lugar em que eu mais aprendi, o lugar em que eu mais aprendi o que é Brasil foi dentro deste Congresso Nacional - dentro deste Congresso Nacional -, ouvindo a pluralidade, ouvindo a diversidade, o que só é possível graças à democracia. E eu sempre digo o seguinte, nas minhas falas de muito tempo, e também no Supremo Tribunal Federal, que a democracia é fruto da cultura e, como tudo que é fruto da cultura, ela precisa ser regada, porque ela não é um dado da natureza - a gente não é uma coisa que nos foi legada pela natureza -, ela é fruto de uma construção. Não existe democracia perfeita, Kajuru. Não existe um sistema democrático que seja a perfeição. Estamos sempre a discutir reformas políticas, reformas partidárias para aprimorar a democracia. Cada país democrático do mundo tem a sua solução e o seu funcionamento. Mas uma coisa é certa: a não democracia são as trevas, é a falta de luz, é a falta de liberdade. Só há crítica no local em que há democracia, no país em que há democracia.
Eu estava ontem, Sr. Presidente José Sarney, relembrando com o jornalista Márcio Chaer, com quem me encontrei em São Paulo, o jantar de sábado à noite, em que honrosamente tive a participação, pelo convite de V. Exa., na recepção ao seu colega de transição, Presidente Sanguinetti, do Uruguai. E dizia a ele sobre as conversas que ouvi nas saudações e a emoção nos olhos de José Sarney, e a emoção nos olhos do Presidente Sanguinetti, que inclusive, quando V. Exa. o saudou, chegou a marejar nas nossas frentes, lembrando-se de todo o trabalho da transição. E, conversando com o jornalista Márcio Chaer, ele disse o seguinte: que ele - naquela oportunidade em que ele escrevia em um determinado jornal de São Paulo, criticando o Presidente Sarney, criticando o Governo Sarney, falando abertamente o que ele pensava em relação ao Governo Sarney -, ao entrevistar o Presidente Sanguinetti, sentiu algo que o fez refletir sobre a posição dele enquanto jornalista. Porque, ao responder a uma pergunta dele - e o Sanguinetti, que também no Uruguai recebia os mesmos ataques, as mesmas críticas, as mesmas dificuldades sobre governabilidade, etc. -, o Sanguinetti responde a ele o seguinte: "Eu fico impressionado como tem tanta gente que se cala em uma ditadura, mas tem coragem de atacar os democratas injustamente". E gostaria de trazer esse testemunho a V. Exa., Presidente Sarney, porque muita gente que se calou atacou injustamente V. Exa.
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Então, mais do que merecida esta homenagem a V. Exa., ao se homenagearem os 40 anos de democracia no Brasil, porque não há dúvida nenhuma de que, se não fosse esse condutor da transição democrática que o destino quis, em razão do infortúnio que sofreu o cabeça da chapa, Tancredo Neves... E V. Exa. foi esse condutor tão paciente, tão resiliente, tão tranquilo, mas ao mesmo tempo tão firme, porque V. Exa. não deixou morrer em suas mãos a democracia. Se a democracia não morreu é porque V. Exa. teve a capacidade de sofrer todos os tipos de ataques, todos os tipos de críticas e todos os tipos de agressões, de maneira calma, pacífica, sem jamais erguer a voz. V. Exa. merece todos os elogios.
Eu vejo que V. Exa. está numa maratona de comemoração e fico muito feliz porque V. Exa. se energiza de povo. V. Exa. se energiza e renasce com este sentimento que todos nós transmitimos de muito orgulho e honra que V. Exa. merece.
E gostaria de dizer, Senador Randolfe Rodrigues... Desculpe-me atrapalhar aí o diálogo, mas gostaria de lembrar, Senador Randolfe Rodrigues, que V. Exa. lembrou muito bem que a Emenda Constitucional 26 à Constituição de 1967, que teve a Emenda 1, que é a Constituição de 1969, mas ainda numerada em relação à de 1967, a Emenda Constitucional nº 26 foi proposição encaminhada ao Congresso Nacional pelo Presidente José Sarney. Mas, para além da convocação da Constituinte, também teve a proposição da Emenda 25, anterior a essa, que previu o multipartidarismo, ampliando a possibilidade de multipartidarismo, e, o mais importante de tudo, o voto do analfabeto, pois como se fazer uma Constituinte e se eleger um Congresso Constituinte em um país ainda com uma população de cerca de 20% de analfabetos ou mais? - que seriam excluídos do processo eleitoral.
Pouca gente se dá conta de que foi o Presidente José Sarney que acabou com a Lei Saraiva, que, em 1891, ao dizer que o voto era livre, só o permitiu aos letrados - é assim que foi escrita a Lei Saraiva. E com isso excluiu, Ministro José Dirceu, de toda a história democrática do Brasil até as eleições de 1986, ou seja, por 105 anos, os analfabetos, os iletrados, que foram excluídos do direito de voto, do direito de participação política, do direito de votar em seus representantes ao longo da República Velha, ao longo de todo o processo da Segunda República, da Constituição de 1934, da Constituição de 1945 e de todas as eleições que existiram até as eleições de 1986. E foi V. Exa...
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(Soa a campainha.)
O SR. DIAS TOFFOLI - ... Sr. Presidente José Sarney, que encaminhou a proposição aprovada pela Câmara dos Deputados e aprovada por esta Casa, que permitiu aos iletrados, aos analfabetos votar e ter participação política. Não há dúvida de que isso transforma, porque foi altamente democrático e inclusivo.
Muito haveria a falar, Presidente Davi Alcolumbre, mas sei que tem tantas pessoas para falar que eu queria aqui, só por último, registrar, em nome do Poder Judiciário brasileiro, os nossos respeitos pelo Congresso Nacional e por esta Casa, pelo Senado da República, e a nossa obrigação de fazer cumprir aquilo que V. Exas., no Congresso Constituinte de 1987 e 1988 escreveram, que é a Constituição brasileira, essa carta que, de tão resiliente que é, deu força às nossas instituições para enfrentarmos todos os momentos difíceis pelos quais passamos e que não é o caso aqui de rememorar, porque todos somos contemporâneos.
Que Deus abençoe o Brasil, que Deus abençoe V. Exa., que Deus, ao lado de Tancredo Neves, lado mais alto dos céus, possa abençoar o Brasil e nos iluminar para que nós possamos tomar as nossas melhores decisões enquanto agentes representantes, cada qual nas suas competências, do povo brasileiro! (Palmas.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Concedo a palavra ao Presidente e Senador Renan Calheiros. (Pausa.)
O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Para discursar.) - Senador Davi Alcolumbre, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os Senadores e Senadoras e o Senador José Sarney, Presidente da República, Governador do Maranhão e, por quatro vezes, Presidente do Senado Federal. Ministro Dias Toffoli, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os que fazem parte do Poder Judiciário. Senador Aécio Neves, Presidente da Câmara dos Deputados, Senador da República, Governador de Minas Gerais, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os Deputados Federais presentes nesta sessão de homenagem. Senador Kajuru, autor do requerimento, Ministra Margareth Menezes, querido amigo Senador Randolfe Rodrigues... Meu caro José Dirceu, ex-Deputado e querido amigo, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os convidados e convidadas presentes.
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Viemos, Presidente Davi Alcolumbre, aqui, hoje, para homenagear um ícone, uma referência de homem público, intelectual e ser humano. Não se trata de uma cerimônia meramente protocolar, corriqueira, mas de um ato de extrema significância para saudar e reverenciar o eterno Presidente José Sarney, símbolo, sinônimo e tradução exata da democracia brasileira, da previsibilidade, da sabedoria e da serenidade.
José Sarney, digo absolutamente sem hesitar, é o pai, o coração e os olhos da democracia brasileira moderna. Sem ele não teríamos chegado aqui com nossas instituições fortes, estáveis, que já foram testadas inúmeras vezes, esbanjando vitalidade. Sem ele, seríamos ainda uma republiqueta caótica e atrasada.
Aqui no Senado Federal, salvo engano, só eu e o Senador Paulo Paim somos remanescentes da Assembleia Nacional Constituinte, que foi um divisor de águas para o Estado brasileiro avançar rumo ao futuro, rompendo com o atraso. Éramos, então, um elo perdido, uma nação esquecida e desprezada no contexto global. Eu e o Senador Paim éramos muito jovens e tivemos o privilégio de frequentar esta universidade única e rica que foi elaborar a nossa Carta Cidadã, uma verdadeira revolução brasileira que lançou as bases da moderna democracia.
Por trás desta Carta redentora, da Constituição que resgatou o Brasil das trevas institucionais, estão as mãos corajosas e transformadoras de José Sarney. Alçado ao cargo máximo da República, após uma tragédia que paralisou o país, em uma longa agonia de quase 40 dias que pareciam noites eternas, Sarney honrou todos os compromissos da Aliança Democrática, que venceu a eleição ao lado de Tancredo Neves, naquela que foi e será lembrada como a última eleição indireta da nossa história, um entulho autoritário, como dizia-se na época.
Sarney, após a tragédia que deixou a todos incrédulos e pesarosos, naquele fatídico 14 de março de 1985, não apenas configurou o ministério com o desenho idealizado por Tancredo Neves, mas também foi leal a todos os compromissos programáticos daquela campanha vitoriosa. Seria compreensível e defensável trocar os ministros ditos da Casa, cuja intimidade com o Presidente é diária, mas Sarney manteve os nomes escolhidos por Tancredo Neves.
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A maior bandeira daquele período foi exatamente a Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana. As pressões não foram poucas; as desconfianças, igualmente; os sobressaltos, inúmeros, mas José Sarney os administrou com temperança, fidalguia, liturgia, sempre norteado por propósitos saneadores: a estabilidade política, a redemocratização com a descentralização do poder e uma nova Constituição, já que então vigorava - e foi citado aqui há pouco pelo Ministro Dias Toffoli - a Carta de 1967, carregada com as tintas impuras do autoritarismo. Sarney teve sucesso em todos os eixos, e, por isso, nós seremos eternamente agradecidos.
Do alto do cargo mais poderoso do país, com poderes presidenciais abrangentes, quase que imperiais naquela época, naquele momento, Sarney poderia, se fosse da sua natureza, delongar o compromisso da Constituinte, adiá-la, evitá-la ou mesmo sabotá-la. Não fez nada disso, fez exatamente o contrário. A alma democrática deste estadista sabia da necessidade e da urgência de uma transformação social.
Os Poderes estavam garroteados, de joelhos, a censura era regra, os segredos imperavam, a opressão sufocava nosso cotidiano e as garantias individuais eram desrespeitadas covardemente. O país chorava seus mortos, desaparecidos e torturados. Rubens Paiva e tantos outros pereceram, mas nós, os democratas, como o Presidente Sarney e como o saudoso Presidente Tancredo Neves, ainda estávamos aqui.
José Sarney, com as mãos firmes e altivas, nos guiou na transição dos 21 anos de escuridão autoritária para a luminosidade democrática, e o fez com tanta destreza e habilidade que pareceu que sempre vivêramos em um país democrático. Quem há de se esquecer de José Sarney enterrando a censura de Estado ao lado do Ministro da Justiça Fernando Lyra? Quem há de se esquecer da legalização dos partidos atirados na clandestinidade e da recepção no Palácio dos líderes comunistas João Amazonas e Giocondo Dias? Quem há de se esquecer da luta inglória contra a inflação cruel e persistente? Quem há de se esquecer dos fiscais do Sarney?
Sarney, por vezes incompreendido, muitas vezes injustiçado, não se intimidou jamais. Uma mente sempre irrequieta que tentou e persistiu inúmeras vezes, como um herói grego que cumpre sua missão de empurrar uma pedra morro acima, mesmo que o esforço pareça inútil e repetitivo. José Sarney herdou uma nação arruinada social e economicamente; institucionalmente, era um escombro, um país sofrido, pesado, amarrotado pela humilhação. A inflação estratosférica esfolava os trabalhadores e a dívida externa expropriava o suor da nossa gente.
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A tarefa hercúlea de reconstruir a nação, por si só, já seria digna de reverências eternas e múltiplas, apesar de conspiradores que sonegavam produtos, alimentos; agiotas que exploravam a boa índole do povo brasileiro naquela época, cobrando ágios criminosos. A classe produtora brasileira evoluiu muito de lá para cá, mas alguns tiveram, na oportunidade, um comportamento reprovável no Governo do Presidente Sarney. Às vezes, nos ensina a história, é melhor perder entre os bons do que triunfar com os vis.
O legado do Presidente Sarney é incontável. Os números são desapaixonados. Nos cinco anos do Governo de José Sarney, primeiro Governo civil após o regime militar, o PIB cresceu em média 4,5% ao ano, a renda dos trabalhadores expandiu 2,5% ao ano, o Brasil tornou-se a sétima economia do mundo, a dívida externa despencou de 54% para 28% do Produto Interno Bruto e o desemprego médio no mandato do Presidente Sarney foi de apenas 3,89%. Foi criado o seguro-desemprego, reatamos relações diplomáticas rompidas por preconceitos ideológicos, criou-se a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, foi lançado o programa nacional de educação, reconquistamos as diretas, entre tantos avanços, muitos já citados aqui.
Mas o marco da mudança, Presidente Sarney, foi a nova Carta Constitucional. Entre tantas transformações trazidas pela nova Constituição, me parece inequívoco que os direitos fundamentais e as garantias individuais e coletivas são conceitualmente as mais relevantes para a vida rotineira dos cidadãos e das cidadãs. Quando as temos, parece inadmissível viver sem estas premissas legais, e os que nos antecederam sabem o quanto é difícil viver sem essas garantias. O fiador dessa reinserção na democracia chama-se José Sarney, e isso não é pouco.
O nosso MDB, Presidente Sarney, sempre foi o agente transformador da sociedade brasileira e escreveu esta Constituinte sob a condução do eterno timoneiro Ulysses Guimarães, que nos deixou saudosos e pesarosos. A credibilidade do Presidente Sarney em 1985 era tão elevada que o nosso MDB fez 19 das 25 prefeituras das capitais. Em 1986 elegeu Governadores de todos os estados brasileiros, inclusive de Sergipe, onde se elegeu por um partido da Aliança Democrática. E na eleição para o Congresso Nacional, o MDB conquistou 54% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 62% das vagas do Senado Federal. Essa configuração eleitoral possibilitou uma Constituição moderna, progressista e essencialmente democrática.
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Todas as vacinas para contra febres autoritárias estão na própria Constituição. É ela que nos imuniza diariamente, como fez no dia 8 de janeiro, no último 8 de janeiro, posterior à eleição presidencial.
A mente irrequieta, à qual me referi antes, não se sentia confortável militando apenas na política partidária. Queria mais, muito mais, e foi muito além.
José Sarney é um intelectual mundialmente respeitado. Enriquece a galeria dos imortais da Academia Brasileira de Letras e tem livros publicados e traduzidos em todo o mundo. Dono de um talento raro e destreza com as palavras, Sarney tem obras memoráveis. Gosto de todas elas e as admiro, mas, sempre que tenho oportunidade, gosto de elogiar a Saraminda, uma referência de engenhosidade para a literatura conhecida como realismo fantástico.
Meu Presidente José Sarney, meu querido, fraterno amigo, interlocutor frequente e mentor por muitas vezes, gostaria de encerrar estas modestas palavras, insuficientes para expressar o meu respeito e a gratidão que o país lhe deve, dizendo que eu carrego comigo um orgulho enorme de ser seu contemporâneo e de ser seu amigo. Conte comigo sempre, conte comigo toda a vida, da mesma forma como o Brasil sempre contou com o senhor.
Vida longa, Presidente Sarney, saúde e paz. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Gostaria de convidar, para fazer uso da palavra, o Presidente Rodrigo Pacheco.
O SR. RODRIGO PACHECO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Para discursar.) - Sr. Presidente Davi Alcolumbre, saúdo e agradeço a V. Exa. pela oportunidade de ocupar esta tribuna para fazer a saudação devida a uma causa, a uma memória e a uma pessoa.
Na pessoa de V. Exa., cumprimento os meus estimados pares, Senadores e Senadoras. Cumprimento também os Deputados Federais e Deputadas Federais na pessoa do Deputado, meu conterrâneo, ex-Governador e Presidente da Câmara, Aécio Neves. Saúdo os representantes do Poder Executivo e Judiciário, Ministra Margareth Menezes e Ministro Dias Toffoli, a quem cumprimento pelo belo pronunciamento feito da tribuna, na data de hoje. Cumprimento, de maneira muito especial, o Senador Jorge Kajuru pela felicidade de seu requerimento apropriado, adequado, importante, num momento em que devemos reverenciar a democracia.
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Quero cumprimentar também o Senador Randolfe Rodrigues e aqui dar o testemunho do seu belíssimo trabalho à frente do Conselho Editorial do Senado Federal, agora nos brindando com mais uma obra publicada, que eu ressinto de não ter sido feita na minha Presidência, mas igualmente importante da Presidência do Presidente Davi Alcolumbre. Que assim seja, valorizando aquilo que precisa ser valorizado pelo Senado no seu Conselho Editorial, aqui trazendo a história sobre a redemocratização!
Quero fazer um cumprimento especial ao Presidente José Sarney, seguramente aquele que personifica o que é a causa e razão de ser desta homenagem, desta sessão, que é a redemocratização do Brasil depois de um período consideravelmente longo de exceções, de privações e de limitações democráticas.
Eu me lembro, Presidente Sarney, mais jovem que sou que o Senador Randolfe e que o Ministro Dias Toffoli, mas aos dez anos de idade, quando tudo aconteceu: a eleição de Tancredo Neves, um orgulho e marco para nós mineiros, seguida de uma grande tristeza para todo o Brasil, meu caro Aécio. Eu me lembro da minha família chorando a morte de Tancredo Neves, que representava uma grande esperança para o Brasil e repito, em especial para nós mineiros. E vindo, então, aquela circunstância que impunha e colocava sobre os ombros de V. Exa., Presidente José Sarney, os rumos da nação: um período de exceção, de uma ditadura; a não aprovação das eleições diretas, porque faltaram alguns votos para aquela emenda constitucional; a morte de Tancredo Neves; e a necessidade absoluta de se ter o processo de redemocratização consolidado. E o marco aqui celebrado, por iniciativa do Senador Jorge Kajuru, tendo a sua posse como esse marco de redemocratização, foi, na sequência, consolidado por uma iniciativa do Presidente Sarney de instituição e de convocação de uma Assembleia Constituinte, que veio a culminar, Ministro Carlos Velloso, com a Constituição Cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988 e que trazia aquilo tudo por que se ansiava ao longo de décadas no Brasil: as liberdades públicas, os direitos fundamentais, os direitos sociais, as garantias de cidadania.
E, para além da premissa e do preceito de que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, para além da premissa de que o Brasil deve ser união indissolúvel dos estados, Distrito Federal e municípios, há uma premissa absolutamente essencial naquela Constituição, Presidente Sarney, que certamente, seguramente, contou com o seu apoio e com o seu apreço: que o Brasil é um Estado democrático de direito. E, aí, V. Exa. então proporciona aquilo que era a consolidação do processo democrático para afastar de vez qualquer perspectiva de retrocesso, trazendo, portanto, a Constituição promulgada pelo Parlamento brasileiro e tendo o Presidente José Sarney como um grande apoiador.
E todos reverenciaram isso como um grande marco da democracia brasileira, mas, ao longo de 48 anos, eu gostaria de destacar outras duas questões igualmente importantes, porque a democracia, para ser bem-compreendida, precisa de ser assimilada pela sociedade. E, anos depois, Presidente Sarney, V. Exa. já no Parlamento foi um grande colaborador para que esta Casa pudesse proporcionar, já no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a estabilidade monetária tão desejada, erradicando de vez a inflação, tendo no Congresso Nacional e na figura de V. Exa. - por vezes, inclusive, como Presidente desta Casa - o fiador necessário para que tivéssemos, então, uma estabilidade monetária que pudesse proporcionar o desenvolvimento da nossa nação e igualmente o desenvolvimento da democracia. E, anos depois, num outro governo, diferente daquele Governo que passava de Fernando Henrique Cardoso, o Governo do Presidente Lula igualmente teve V. Exa. como fiador no Parlamento das políticas de inclusão social, de combate à fome, de moradia para todos, para poder se dar cidadania, que é um fundamento da República, segundo a Constituição Federal, para a população brasileira.
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Portanto, a presença de V. Exa., Presidente Sarney, ao longo desses anos e dessas décadas, se confunde com esse processo de amadurecimento democrático que vai, repito, desde a interrupção do momento e da fase ditatorial, mas que passa por uma promulgação de Constituição, pela estabilidade monetária com o plano real, que passa por políticas sociais, para se conferir cidadania e o mínimo de dignidade à pessoa humana, de acordo com aquela Constituição que V. Exa. ajudou a conceber.
Então, V. Exa., Presidente Sarney, pode ter o sentimento absoluto de dever cumprido pelo que prestou a esta nação ao longo dessas décadas, como Presidente da República, como Presidente do Senado e do Congresso Nacional, como intelectual, advogado, jornalista e como exímio político que nos inspira a todos nós.
E, para terminar, Presidente Sarney, quero dizer que, ao longo dos meus quatro anos como Presidente do Senado, só tenho a agradecer V. Exa. não só pela inspiração, que veio de fato desde aquele menino de dez anos de idade que via V. Exa. se pronunciar dizendo uma palavra sempre nos seus pronunciamentos... Até quando ia falar de economia, o senhor falava sempre de democracia. E era uma palavra que evidentemente eu não compreendia naquele momento, mas viria compreender, especialmente quando assumi a cadeira que V. Exa. ocupou e que hoje, com muita honra, ocupa o Presidente Davi, para poder compreender que esta causa da defesa da democracia é a principal causa que deve nos unir. A luta pela democracia é uma luta constante, diária - o monstro não está exterminado daqueles que pensam que outro regime pode ser instalado no Brasil e em outros países do mundo -, de modo que homens públicos de uma nova geração devem se inspirar nesses ensinamentos daqueles que se sacrificaram muito, que foram muito incompreendidos, muito atacados, muito ofendidos, mas que jamais baixaram a guarda para aqueles autoritários que, se apregoando perfeitos, são na verdade irresponsáveis por pretenderem exterminar com a nossa democracia.
Portanto, esse reconhecimento de quem mereceu do Presidente Sarney palavras de estímulo, palavras de conforto, aconselhamentos que foram muito relevantes eu gostaria de deixar aqui registrado nesta oportunidade e reafirmar que esta causa da defesa da democracia certamente é a principal causa da nação, e ela cuidará e será cuidada por todos nós aqui no Parlamento, em nome sempre de nosso querido José Sarney, hoje homenageado.
Muita saúde a V. Exa., à sua família.
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E conte conosco aqui no Senado, a exemplo do que aqui disse o Presidente Renan Calheiros, que tem uma longa história com V. Exa.; a minha é mais curta, mas todos nós aqui somos seus discípulos em defesa da democracia brasileira.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Concedo a palavra ao Líder do MDB, Senador Eduardo Braga.
O SR. EDUARDO BRAGA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AM. Para discursar.) - Meu queridíssimo Presidente Davi Alcolumbre, na figura de V. Exa. eu quero cumprimentar todos os Srs. Senadores e Sras. Senadoras.
Meu querido sempre Presidente do Senado, Presidente da República, liderança ímpar deste país e do nosso querido MDB, Presidente José Sarney, é uma honra estar hoje aqui como Líder do MDB para poder saudá-lo e prestar esta justíssima homenagem a V. Exa.
Meu querido amigo Ministro Dias Toffoli, Ministro do Supremo Tribunal Federal, na pessoa de V. Exa. eu quero saudar todos os representantes do Judiciário presentes aqui nesta sessão.
Meu querido colega Senador e autor da proposição, querido amigo Jorge Kajuru, digo a V. Exa. que V. Exa. teve, talvez, nesta iniciativa uma das mais importantes iniciativas na sua passagem aqui pelo Senado, que tem sido marcada por uma grande lealdade ao seu Estado de Goiás e ao povo brasileiro.
Meu querido sempre amigo, colega Governador de estado durante oito anos, colega Senador da República durante oito anos, amigo, neto de Tancredo Neves, figura ímpar nesse processo de redemocratização, ao lado do Presidente Sarney, ao lado de Ulysses Guimarães, quero, através de você, Aécio, prestar as minhas homenagens à família Tancredo Neves e à relevância e importância que Tancredo tem no Brasil para as futuras gerações, para as presentes gerações, para que nós pudéssemos ter conseguido a construção da transição democrática, consolidada pelo Presidente Sarney.
Quero saudar e cumprimentar meu colega, Senador Líder do Governo no Congresso, aqui hoje representando a editoria do nosso Senado da República, Senador Randolfe Rodrigues.
Nossa querida Ministra da Cultura, Margareth Menezes, na pessoa de V. Exa. eu quero cumprimentar todos os representantes do Executivo hoje aqui neste Plenário.
Quero saudar os nossos ex-Presidentes da Casa, meu querido Senador Renan Calheiros, meu amigo de MDB, meu amigo de uma trajetória de tantos anos e de tantas jornadas; meu querido amigo Rodrigo Pacheco, com quem tivemos a oportunidade de atravessar a quadra dos últimos quatro anos, quando a democracia esteve em vários momentos sendo colocada em xeque e o Estado democrático de direito esteve ali, mantido graças a posicionamentos de V. Exa. e das instituições democráticas construídas a partir da coragem e do espírito democrata de uma liderança pacífica como a do Presidente José Sarney; meu colega Eunício Oliveira, que estava presente até há pouco aqui, ex-Presidente desta Casa; e Edison Lobão, também ex-Presidente desta Casa.
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Quero aqui, entre meus amigos, poder cumprimentar e saudar o meu querido amigo José Dirceu, que hoje nos honra com a sua presença nesta solenidade que comemora 40 anos de democracia no Brasil.
Presidente José Sarney, se o Brasil está comemorando hoje os 40 anos de redemocratização brasileira, o período democrático mais longevo de nossa história - isso é preciso ser dito, porque este é o período democrático mais longevo da nossa história -, devemos isso em grande parte ao papel de V. Exa. e ao papel que V. Exa. assumiu como grande condutor pacífico de 21 anos de ditadura militar para a democracia. V. Exa. não fez uma transição apenas; V. Exa. fez uma transição pacífica, num país que estava conflitado. E esta talvez seja a palavra mais importante que V. Exa. deixa como legado: o pacificador de nosso país. V. Exa., como líder do nosso país, trouxe, com sabedoria, com uma personalidade única e com uma capacidade de absorção única, a pacificação tão necessária para o nosso país. Que o ensinamento de V. Exa. esteja presente hoje novamente em nosso país, porque nunca foi tão importante lembrar os ensinamentos de V. Exa. para que o povo brasileiro volte a estar pacificado com a instituição da democracia brasileira!
Como Líder da bancada no Senado e na condição de filiado histórico ao Movimento Democrático Brasileiro, nosso MDB, me sinto honrado de participar desta homenagem mais do que merecida, que resgata um momento histórico da trajetória democrática do Brasil, que teve início no dia 15 de março de 1985, como data formal, quando V. Exa. tomou posse como Presidente interino, encerrando mais de duas décadas de regime autoritário.
Para os mais jovens, o filme Ainda Estou Aqui, que obteve o primeiro Oscar da história do cinema brasileiro, oferece uma imagem da vida sob ditadura que se impôs a todos nós. Muitos dos nossos jovens nem sequer sabem do que aconteceu durante esses 27 anos de ditadura, mas minha geração foi testemunha de momentos de apreensão que tomaram conta do país.
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Naquele dia 15 de março, com a notícia de que o então Presidente eleito, Tancredo Neves, havia sido internado e V. Exa. tomaria posse em seu lugar, houve apreensão, aliás, que depois se transformou em comoção nacional, com a morte do eminente Presidente Tancredo Neves, no dia 21 de abril daquele ano. A mão do destino o escolheu para colocar em prática aquela engenharia política costurada e liderada até então pelo Presidente Tancredo.
Hoje, 40 anos depois, os brasileiros reconhecem que só alguém com a sua experiência e habilidade política, com o seu equilíbrio e temperamento, poderia concluir aquela missão com tamanho sucesso. Sua coragem e determinação, sem valentia, mas com perseverança, Presidente Sarney, nos garantiram a Constituição Cidadã de 1988, consolidando não só a retomada das eleições diretas para todos os níveis em nosso país, como também os direitos e garantias individuais, abrindo o horizonte do país para outras conquistas. Sem a Constituição Cidadã, nós não estaríamos hoje discutindo direitos inovadores para uma sociedade moderna, democrática, livre e soberana. Mas é importante lembrar que isso se deu graças à decisão de V. Exa. de assinar a Mensagem nº 330, de 28 de junho de 1985, convocando a Assembleia Nacional Constituinte.
Quero aqui dizer que o Ministro Dias Toffoli já nos lembrou de momentos importantes e de atos e decisões importantes proferidos por V. Exa. O nosso eminente Senador, sempre Presidente, Renan Calheiros, desta Casa, também relatou a história como avançamos na direção da Assembleia Nacional Constituinte e, finalmente, a promulgação, que não foi só sob aplausos, foi também sob protestos. Mas com a coragem, com a firmeza de V. Exa., a Comissão constitucional da Constituinte promulgou aquela Constituição Cidadã, com a presença do Presidente da República jurando cumpri-la e fazendo cumprir. Portanto, o binóculo da distância dos fatos finalmente lhe faz jus e justiça, como um grande democrata e um grande pacificador que V. Exa. sempre foi.
Coube ao Presidente Sarney ainda garantir ao país as condições para uma reconciliação nacional dos brasileiros, depois de duas décadas de autoritarismo. Algo, aliás, que deve nos inspirar nos dias de hoje, neste cenário de polarização política que compromete o avanço de novas conquistas para o Brasil.
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Eu vou repetir: algo, aliás, que deve nos inspirar nos dias de hoje, neste cenário de polarização política que compromete o avanço de novas conquistas para o Brasil, de certa forma, se traduz na homenagem que promovemos nesta terça-feira, fruto de um requerimento formalizado pelo meu colega Jorge Kajuru, que contou com a assinatura de outros 18 Senadores e Senadoras de oito diferentes partidos, Presidente Sarney.
Veja o tamanho do legado de V. Exa.: assinaram o requerimento do nosso querido Jorge Kajuru os Senadores do MDB; os Senadores do Partido Socialista Brasileiro; os Senadores do Partido dos Trabalhadores; os Senadores do Partido Social Democrático; os Senadores do Partido Liberal; os Senadores do Partido Democrático Trabalhista; os Senadores do Republicanos; e os Senadores do Progressistas; ou seja, assinaram esta homenagem a V. Exa. Senadores de todos os matizes ideológicos representados no Senado da República. Isso mostra o tamanho do legado e o tamanho da importância que a vida de V. Exa. e a liderança de V. Exa. representam para a democracia.
Essa abrangência partidária, Sr. Presidente, essa amplitude ideológica nos mostra que a política defendida pelo ilustre homenageado, nas suas seis décadas de carreira, sempre foi a política da construção de pontes, e não de muros, de silêncio, de discórdia e de enfrentamentos, que apenas servem para dividir e enfraquecer. Uma política altiva, que implica a arte de estabelecer interações com todos, independentemente de suas posições. Tudo com base na crença e na esperança de que cabe a todos nós construir, juntos, um Brasil melhor, mais justo, desenvolvido e democrático para cada brasileira e cada brasileiro.
Muitos dos colegas com certeza vão destacar, e já destacaram, aspectos da trajetória do Presidente Sarney no Senado, a sua Casa; a Casa que também presidiu por quatro vezes em sua longa carreira política. Outros vão analisar a sua atuação na política local do Maranhão, uma vez que o homenageado também governou o Maranhão. Em qualquer hipótese, cabe ressaltar que a vasta experiência o credenciou a se tornar uma espécie de conselheiro informal da República - e que conselheiro! -, a quem todos recorremos, inclusive os Presidentes da República, inclusive o Presidente Lula, sempre que se colocam, diante de nós, os desafios da política e da democracia.
Por tudo o que se possa mencionar e evocar nesta sessão especial, o melhor que podemos desejar é que a política nacional tenha cada vez mais políticos com a perspicácia, com o histórico de feitos e com as conquistas de José Sarney, a quem rendemos as homenagens no dia de hoje.
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Mas, Presidente José Sarney, me permita: esta homenagem não seria completa se não prestássemos uma homenagem também à sua eterna companheira, à sua esposa, D. Marly Sarney, que, nas horas mais difíceis de todos esses anos da sua vida pública, esteve ali, sempre ao seu lado, muitas vezes comemorando, muitas vezes sofrendo, muitas vezes sorrindo, muitas vezes chorando, mas sempre com a mão carinhosa, amorosa a lhe abraçar e a lhe dar forças para que, com a sua família, resistisse a todas as calúnias, as infâmias, as difamações que hoje o Senado da República resgata, estabelecendo o verdadeiro legado de V. Exa. à vida pública e à sua família.
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO BRAGA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AM) - Muito obrigado. (Palmas.)
Parabéns! Vida longa ao Presidente José Sarney! E viva a democracia!
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Solicito à Secretaria-Geral da Mesa que faça a exibição de um vídeo em homenagem ao Presidente Tancredo Neves.
(Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Concedo a palavra ao Deputado Federal Aécio Neves.
O SR. AÉCIO NEVES (Para discursar.) - Presidente e amigo Davi Alcolumbre, a quem agradeço pela realização desta histórica sessão; caríssimo Presidente José Sarney, justamente homenageado por tantos que aqui usaram desta tribuna... Saúdo o Ministro Dias Toffoli, aqui representando o Poder Judiciário brasileiro. Saúdo e cumprimento o Senador Jorge Kajuru pela iniciativa desta histórica sessão. Meus cumprimentos ao Senador Randolfe Rodrigues, Presidente do Conselho Editorial do Senado Federal; também à Ministra Margareth Menezes, representando aqui o Poder Executivo; e aos Srs. Senadores, ex-Presidentes desta Casa - conterrâneo Rodrigo Pacheco, Renan Calheiros, Edison Lobão -, Líder Eduardo Braga. E me permitam saudar todas as autoridades e convidados desta sessão através da figura para mim extremamente emblemática da vida mineira, Ministro Carlos Velloso, cuja presença aqui é motivo - sabe V. Exa. -, para mim, de extrema honra e alegria. (Palmas.)
Contenho aqui um pouco a emoção após revisitarmos todo esse momento tão sublime, tão bonito da história brasileira.
Mas eu volto a esta tribuna, que já ocupei, Senador Davi, tantas e tantas vezes, para celebrar ao lado de V. Exas. os 40 anos da redemocratização do Brasil. Triste o povo, Presidente Sarney, que não conhece e não valoriza a sua história, porque ele terá muito maior dificuldade para construir o seu futuro.
E muitos, muitíssimos brasileiros merecem hoje ser aqui homenageados, mulheres, homens e jovens de todas as partes do país que, com seu apoio e sua mobilização, tornaram possível que a transição ocorresse. Homens públicos como Ulysses, Teotônio, Montoro e tantos outros devem também ser sempre lembrados e homenageados, porque foram fundamentais para que chegássemos até aqui.
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Mas peço licença às senhoras e aos senhores, neste meu despretensioso pronunciamento, para me ater ao Presidente Tancredo Neves e ao seu decisivo papel em todo esse processo que nos trouxe ao mais longo período democrático da nossa história.
Mas, antes disso, eu devo deixar, por dever de justiça, uma palavra de reconhecimento afetivo, mas também político, ao papel essencial e decisivo desempenhado por V. Exa., Presidente José Sarney, que todos nós hoje homenageamos na consolidação do processo de redemocratização do Brasil. Sua absoluta fidelidade aos compromissos democráticos de Tancredo e sua liderança na garantia da elaboração de uma Constituição democrática e justa nos permitiram chegar até os dias de hoje, mesmo atravessando turbulências e enfrentando, V. Exa., inúmeras incompreensões. Portanto, a V. Exa., Presidente José Sarney, em nome da minha família, mas também como homem público e como cidadão brasileiro, o meu mais profundo reconhecimento.
Peço, neste instante, às Sras. e aos Srs. Parlamentares aqui presentes licença para trazer um depoimento muito pessoal, Senador Renan, que eu tive oportunidade de fazer em alguns momentos nesses 40 anos que nos separam daquele histórico 15 de março de 1985. Eu gostaria de falar hoje, caro Fernando Mitre, sobre Tancredo homem, sobre Tancredo líder, que em silêncio nos relembrou uma antiga, verdadeira e valiosa lição, a de que existem causas que valem mais do que nós mesmos. Não vou me ater à biografia formal do Presidente Tancredo. Em homenagem a ele e aos desafios que, como Parlamentares, enfrentamos todos os dias no Congresso Nacional, vou falar de escolhas, porque foram as escolhas que Tancredo fez ao longo de sua vida que o transformaram no homem que ele foi, um homem capaz de liderar multidões e de enternecer os indivíduos. Dizem que os verdadeiros líderes são raros, porque são poucos os homens capazes de se fundir e de se confundir em determinado momento da história com o seu próprio povo. Líderes são fundamentais, não apenas pelas decisões que são capazes de tomar, mas também por aquilo que são capazes de representar. Tancredo foi um líder na acepção maior que essa palavra possa trazer e, por ser um líder, fez as escolhas que fez, e as escolhas que fez fizeram dele um líder ainda maior.
À primeira vista, Presidente Sarney, parece existirem dois Tancredos: um, extremamente ameno no trato e nas palavras; outro, corajosamente radical nas ações e nos gestos. A fusão dos dois fez um homem por inteiro, comprometido sempre com a ordem democrática, absolutamente leal aos compromissos assumidos. Honrando sempre a palavra empenhada, transformou-se num interlocutor necessário na cena política brasileira durante décadas. E ele nunca buscava os holofotes. Ele costumava dizer: "Na política, só se lembram de mim na hora da tempestade".
Tancredo assumiu lugar de importância nacional em 1953, Ministro Dias Toffoli. Com apenas 43 anos de idade, foi escolhido pelo Presidente Getúlio Vargas como seu Ministro da Justiça. Havia sido opositor do Estado Novo, advogara para trabalhadores e chegou a ser preso duas vezes naquele período, mas considerava que Getúlio, ao ser eleito, ganhara legitimidade popular. Foi fiel ao Presidente Vargas até o fim.
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Em 1954, na última reunião do ministério, quando ministros e militares já se afastavam de Getúlio e do cumprimento da Constituição defendendo o afastamento do Presidente, Tancredo pediu autorização a Getúlio para ir pessoalmente dar voz de prisão aos militares rebelados. "Mas você pode ser morto!", disse um dos ministros presentes. Respondeu Tancredo: "A vida nos reserva poucas oportunidades de morrer por uma boa causa, e essa é uma delas".
Tancredo costumava se lembrar da última noite de Getúlio com enorme emoção. Sempre nos dizia que não conhecera ninguém em que o senso de dever e o amor ao país fossem tão fortes. Em reuniões de família nos lembrava da noite em que já se preparava para sair do Palácio do Catete, quando o Presidente Vargas o chamou e lhe entregou sua caneta pessoal, que guardamos com muito carinho até hoje: "Uma lembrança desses dias conturbados", disse a ele o Presidente. Tancredo guardou a caneta que, viria a saber mais tarde, o Presidente havia acabado de a utilizar para assinar a carta-testamento. Minutos depois, quando já saía do prédio, escutou o tiro com que Getúlio se suicidara. Correu aos seus aposentos e ajudou a filha dele Alzira a socorrer o pai. Dizia que os olhos do Presidente circularam pelo quarto, passaram pelos dele, até se fixarem nos da filha. Ele morreu olhando para ela.
Extremamente abalado, Tancredo chegou para o enterro do Presidente Vargas em São Borja, no Rio Grande do Sul. Fazia muito frio. Oswaldo Aranha lhe emprestou um cachecol, que ele guardou dobrado na sua gaveta de memórias por toda a sua vida - está lá até hoje. De São Borja, enviou um telegrama ao então Governador de Minas, Juscelino Kubitschek, denunciando a ação das forças golpistas. Há quem pense que o suicídio de Getúlio tenha atrasado em dez anos o golpe militar. O ano de 1964, Presidente Davi, poderia ter chegado em 1954.
Em 1961, a renúncia do Presidente Jânio Quadros surpreendeu todo o país. O Vice-Presidente, João Goulart, se encontrava na China, e começaram as articulações para impedir a sua posse. Tancredo divulgou um manifesto à nação, pedindo respeito à ordem democrática e que fosse garantida a posse do Vice-Presidente. O ambiente político se agravava. Prioritário naquele momento era garantir que Jango chegasse ao país e tomasse posse. Diante da radicalização de setores militares, surgiu a solução parlamentarista. Tancredo vai de avião ao encontro de Jango no Uruguai. Haviam sido ambos Ministros de Getúlio, a confiança entre os dois fora selada na antecâmara de uma tragédia, em um momento de crise em que o caráter e a fibra de um homem não podem se ocultar atrás de discursos ou de palavras. Por isso, tinha que ser Tancredo e não outro a entrar naquele avião. Importante naquele momento era garantir que o Presidente tomasse posse, era evitar que 1964 chegasse em 1961.
Jango tomou posse, Tancredo foi indicado Primeiro-Ministro. Deixou o posto de Chefe de Governo em 1962 para disputar as eleições para a Câmara dos Deputados. Eleito, transformou-se em Líder do Governo João Goulart.
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Chegou 1964. O Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declara vaga a Presidência da República, apesar de o Presidente João Goulart se encontrar em solo brasileiro. Diante de uma Casa silenciosamente acovardada, escutam-se algumas vozes e gritos inconformados no Plenário. Quem ouvir com atenção o áudio dessa sessão vai escutar, nesses gritos, as vozes da consciência nacional - eu já ouvi algumas vezes -, e uma voz se destaca: "Canalhas! Canalhas! Canalhas!". Era Tancredo.
Naquela época, também Deputado, Almino Afonso conta - abro aspas para ele -: "Até hoje me recordo com espanto do Deputado Tancredo Neves, em protestos de uma violência verbal inacreditável para quantos acostumados à sua elegância no trato o vissem encarnando a revolta que sacudia a consciência democrática do país. Não deixava de ser chocante ver a altivez da indignação de Tancredo e o silêncio conivente de muitas lideranças do PSD", encerra Almino.
O jornalista José Augusto Ribeiro, caro Fernando, disse que, ao sair dessa sessão, o indignado Tancredo deu uma entrevista premonitória: "Acabam de entregar o Brasil a 20 anos de ditadura militar". Foram 21.
Tancredo enfrentou os soldados para se despedir pessoalmente de Jango, e o 1964 adiado tantas vezes finalmente chegara. O primeiro momento fortemente simbólico foi a eleição do Marechal Castelo Branco. Tancredo foi o único Deputado do PSD a negar seu voto ao Marechal.
Vieram as cassações, os inquéritos policiais militares. Nem ex-Presidentes da República foram poupados. Juscelino foi convocado a depor, mas não foi sozinho. Tancredo acompanhou cada um dos depoimentos, solidário e solitário. Exilado, o talvez mais festejado Presidente que o Brasil já tivera se dirigiu ao aeroporto para deixar o Brasil. Era o ex-Presidente bossa nova, era o ex-Presidente da República que seguia rumo ao exílio. Apenas três pessoas acompanharam, meu caro Davi, JK até o avião - duas eram da família; a outra era Tancredo.
E uma das primeiras cartas escritas de próprio punho - que guardamos até hoje - pelo ex-Presidente, logo após desembarcar no exílio, foi dirigida exatamente a Tancredo. Escreveu Juscelino: "Lembro-me bem de que a sua, Tancredo, foi a última mão que apertei antes de me dirigir ao avião. Creio que a democracia terá forças para se levantar sobretudo porque sobraram homens como você, que a poderão irrigar, mantendo-lhe o vigor para novas arrancadas". Ele estava certo.
Seguem-se depois anos de um paciente ostracismo para Tancredo.
Morre o Presidente João Goulart, no Uruguai.
O Governo militar, a princípio, se recusa a permitir que ele seja enterrado no Brasil. Começam diversas articulações. Tancredo recusa conselhos e vai ao General Golbery do Couto e Silva: "Ninguém pode negar a um Presidente o direito de descansar entre o seu povo", disse ele. E, quando a conveniência indicava o contrário, lá estava Tancredo, de novo, em São Borja. Mais uma vez, contamos com a memória de Almino Afonso que relembrava: "Tancredo era a única liderança de porte nacional presente no cemitério". Era o ano duro de 1976.
Juscelino morre. De pé, durante toda a noite e toda a madrugada, como numa reverência cívica, Tancredo velou o Presidente, e é de Tancredo o mais forte e emocionado discurso em homenagem ao ex-Presidente.
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Trinta anos depois, Presidente José Sarney, é a vez de 1984. A campanha das Diretas Já ocupou as ruas e o coração de todo o país. Tancredo participou, articulou, discursou, mas conhecia, como ninguém, a história, a política e o Brasil. Ali estavam maduras as condições para deixar 1964 para trás. Ideal que fosse pelo voto direto, claro, mas, se não pudesse ser, que fosse por um outro caminho. Importante era abrir a porta de saída, apenas protestar não fazia mais sentido naquele momento.
Os anos de 1954 e 1961 ainda estavam muito vivos em sua memória. Mas a travessia, Senador Kajuru, não foi feita sem riscos e sobressaltos. A arquitetura daquele processo - olhe, como eu acompanhei de tão perto! - precisava de estratégia, coragem e, principalmente, do apoio da sociedade e de todas as forças democráticas do país, independentemente de suas diferenças ou convicções ideológicas. O que estava em jogo, a ruptura definitiva com os 21 anos de autoritarismo, justificava toda essa união.
Logo após, Senador Eduardo Braga, a homologação de seu nome como candidato das oposições no Colégio Eleitoral - V. Exa. se lembrará disso -, sob o olhar incrédulo de alguns assessores e de várias lideranças políticas que acreditavam que Tancredo, naquele momento, deveria concentrar seus esforços na obtenção dos votos do Colégio Eleitoral, Tancredo marca - e eu tive a honra de redigir as suas escolhas pessoais - uma intensa agenda de comícios e atos públicos por todo o Brasil. "Precisamos que as pessoas continuem mobilizadas nas ruas", dizia ele, serenamente alerta.
A transição ainda não se concluíra. Mesmo após sua vitória no Colégio Eleitoral, ele manteve a vigilância. Ter sido testemunha de outros episódios marcantes da história o obrigava a isso.
E, rapidamente, sem alarde, organizou, como se lembra o Presidente Sarney, uma viagem ao exterior com um grupo muito pequeno de assessores - éramos oito pessoas apenas - para se encontrar com as principais lideranças democráticas da Europa e das Américas, buscando ali o testemunho e o apoio desses líderes à transição que se iniciara no Brasil, mas que para ele só estaria concluída com sua posse no histórico 15 de março que celebramos hoje. E em um ato extremo de amor ao Brasil e à democracia, retardou quanto pôde a cirurgia a que deveria se submeter, com receio de que sua eventual ausência viesse a estimular forças reacionárias, ainda inconformadas com o eminente fim do regime, a algum ato extremo de retrocesso. O restante da história todos nós conhecemos.
Mas me permito aqui, Sr. Presidente, um registro pessoal, acreditando que os erros nos devem servir de lição exatamente para não voltarmos a cometê-los. Lembro-me de que até na véspera da eleição que ocorreria no dia seguinte, em 14 de janeiro de 1985, decolamos aqui de Brasília para uma reunião em Minas com o Senador Itamar Franco. Era, Ministro Toffoli, último ato político antes da eleição que ocorreria já na manhã seguinte. Fomos e voltamos naquela mesma noite.
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Ao entrarmos no avião para decolarmos de volta, ele perguntou a mim e a outras duas pessoas que o acompanhavam: "Notícias do PT?". Não, nós não tínhamos.
Até o último instante, Tancredo aguardou que o Partido dos Trabalhadores, cuja criação ele saudara cinco anos antes e considerava sincera e extremamente importante para o país e para a democracia, se unisse aos demais democratas para todos juntos derrotarmos definitivamente o regime autoritário no Brasil. Não era uma questão votos - ele já os tinha -, mas o simbolismo que a união de todas as forças democráticas traria naquele momento, ainda carregado de incertezas.
Mas, não, o PT negou a Tancredo e ao Brasil o seu apoio e, mais do que isso, expulsou seus três Deputados - José Eudes, Airton Soares e Bete Mendes, que homenageio neste ato - que ousaram ouvir naquele instante a consciência nacional e as suas próprias para que o Presidente Tancredo pudesse, no primeiro instante, logo após declarada a sua vitória, subir à tribuna do Congresso e anunciar: "Esta foi a última eleição indireta [da história] deste país". A esses Parlamentares e a todos os brasileiros, anônimos ou não, que participaram daquele extraordinário movimento cívico, que nos permitiu estar aqui hoje, o meu reconhecimento.
Mas a história, senhoras e senhores, seguiu o seu curso, e, de novo, era ele, Tancredo, que precisava tomar e conduzir aquele avião, um novo voo para um novo resgate da ordem democrática. E ele nos lembrava sempre: "A pátria não é a aposentadoria dos heróis, mas permanente tarefa a cumprir". Getúlio, Juscelino e Jango sabiam muito bem do que ele estava falando, sabiam o que havia custado chegar até ali. O avião, em busca da rota democrática, decolou novamente. Dessa vez, o piloto não desembarcou, mas conduziu o voo a um pouso seguro, e foi seguro porque estava lá V. Exa. para aguardá-lo.
Afonso Arinos, certa vez, disse que "alguns homens dão a vida pelo país. Tancredo deu mais, deu a morte".
Lembro-me, senhoras e senhores, Presidente José Sarney, caminhando para encerrar as minhas palavras, dos olhos marejados do meu avô Tancredo recordando com respeito e reconhecimento o extremado senso de compromisso de Getúlio com o país. "Ele sabia o que estava em risco", costumava nos dizer nos almoços de família. "Vocês não imaginam o que foi a multidão que acompanhou o funeral do Presidente [Vargas] [quase que o vejo repetindo essas palavras hoje]. Foi ela, em torno do caixão do Presidente, que selou o pacto que impediu, naquele momento, o retrocesso da ordem democrática", insistia ele em nos explicar e ensinar.
Mal sabia Tancredo que, 31 anos depois, em 1985, uma outra multidão velaria o corpo de um outro Presidente da República e que ele também deixaria a vida para entrar na história.
Muito obrigado. (Palmas.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Neste momento, gostaria de conceder a palavra ao Presidente José Sarney. (Palmas.)
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O SR. JOSÉ SARNEY (Para discursar.) - Sr. Presidente da Davi Alcolumbre, a quem eu agradeço por presidir esta sessão, eu quero dar uma saudação comovida de agradecimento maior ao Senador Kajuru, que convocou esta sessão e, ao mesmo tempo, às suas palavras tão generosas a meu respeito.
Muito obrigado, Senador Kajuru.
Quero agradecer, e muito me comoveu pela presença, ao Ministro Dias Toffoli, que falou aqui em nome do Poder Judiciário e enriqueceu esta sessão com a visão da unidade, que existe, democrática entre os três Poderes.
Deputado Aécio Neves, meu querido - posso chamá-lo assim: Aecinho, dos tempos do Tancredo, em que juntos estávamos; ele sempre objeto de um carinho especial do seu avô -; Sr. Senador Randolfe Rodrigues, do meu Estado do Amapá - tenho até hoje uma saudade, que não passa, dos tempos em que eu que eu vivi no Amapá -; Sr. Senador Renan Calheiros, este amigo de tantos anos que me levou ao extremo de uma comoção grande nesta manhã aqui, com suas palavras de amigo e, ao mesmo tempo, de Senador; Eduardo Braga, meu querido amigo desta Casa; Ministra da Cultura, Margareth Menezes; meu caro amigo Zé Dirceu; meus senhores e minhas senhoras, brasileiras e brasileiros (Palmas.), volto a esta tribuna, que eu considero sagrada, do Senado Federal com a recordação das tradições desta Casa e de sua história, que se confunde com a história do Brasil.
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Escolhi este lado porque foi sempre aqui que ocupei, nos meus pronunciamentos, ao longo dos 40 anos que passei nesta Casa, sendo o Senador mais longevo da história da República. E se nós pegássemos o Senado do Império, que era um Senado vitalício, sou o segundo desde aqueles tempos.
Foi Deus e o destino que me trouxeram até aqui, nesta manhã, aos 95 anos, tendo a felicidade de receber as palavras tão generosas daqueles oradores que me saudaram.
O Senado - todos os historiadores registram - foi um dos pilares da unidade nacional. Eu sou um estudioso da sua história; muitas vezes, escrevi sobre ela, e deixo aqui um livro sobre a história do Brasil, a história do Senado, que ajudei a que fosse escrito, para que todos que aqui chegassem compreendessem o que ele significa naquilo que o Brasil tem de maior na sua história.
Foi o Senado um dos pilares da unidade nacional. Por ser um Senado vitalício, ele projetava, depois da independência, não a longevidade, mas a perpetuidade do nosso país. E isso era importante num país que começava a existir graças ao delineamento de José Bonifácio, patriarca da independência, que tão bem construiu aquele momento.
O Senado fazia parte dos objetivos que levariam à unidade territorial deste país, num tempo em que não se sabia onde eram as suas fronteiras, não se sabia onde terminava o país, nem começava o novo país. O Senado foi, ao lado do Conselho de Estado - dizem todos os historiadores -, um importante e decisivo órgão que assegurou a perpetuidade nacional do nosso território.
Também, durante esse tempo da construção, ele teve a ajuda do Conselho de Estado, que era presidido pelo Imperador, na sua formação daquele tempo, com os ministros e com algumas pessoas de destaque do país, que ele escolhera, para justamente, junto à nossa Casa, ele ter oportunidade de assegurar as tradições e, ao mesmo tempo, assegurar a unidade do país.
A essa tradição, nós tivemos também, depois, a vinda do Duque de Caxias, que assegurou acabar com aquelas rebeliões regionais que podiam ameaçar a integridade territorial do país.
Nesta semana, comemoramos 40 anos da transição democrática. Aécio Neves teve a oportunidade de fazer um depoimento extraordinário sobre o que representou Tancredo para todos nós e para o país naquele instante. Aécio, você falou da participação do Getúlio nos episódios da nossa história. Eu quero falar do Tancredo, da participação nestes episódios.
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Quando você fala que, no tempo do Presidente Vargas, ele foi de uma coragem extraordinária, mas ao mesmo tempo, quando ele fala... E você falou da sua participação no enterro; eu vou falar do seu discurso no túmulo de Vargas. E ele então o que é que faz? Mantém a sua coragem que sempre foi dizendo: "Eu não tergiverso nos princípios". Mas, na costura política, ele era inexcedível. Então, no túmulo do Getúlio, o que ele diz, o que Tancredo fala? Ele levanta a sua voz e diz: "Que o sangue do Presidente não sirva para dividir o país!". Já era o conciliador que vinha desde aquele tempo. (Palmas.)
Depois, no tempo do Juscelino - ele, que era ameaçado de não assumir o seu cargo, porque havia uma resistência muito grande de uma parte pequena das Forças Armadas e muito maior dos partidos políticos que não desejavam que Juscelino assumisse a Presidência da República -, quem é escolhido para fazer a negociação para ultrapassar aquele período? Foi justamente Tancredo Neves quem fez essa costura de modo a que o Juscelino pudesse assumir a Presidência da República. É ele quem toma conta de fazer dessa maneira. É ele quem participa, ao lado do Presidente Juscelino, dessa transição, que finalmente ocorreu graças a Tancredo Neves.
Pois bem, quando chegamos aos episódios de Jango Goulart, eis o Tancredo, como disse Aecinho, viajando para o Uruguai, mas, sobretudo, voltando ao Brasil e costurando com os partidos de oposição, costurando com todos. E eu digo que eu estava no meio deles, que recebi a costura do Tancredo, para dizer que eu preferia que o Jango Goulart terminasse o seu Governo e eu o combatesse como Presidente do que ser objeto de qualquer manifestação contrária à continuidade da democracia no nosso país. Mas é Tancredo que é escolhido para Ministro, Primeiro-Ministro do regime, que então foi feito, o regime parlamentarista. Pois bem, ele, quando foi escolhido para ser o Primeiro-Ministro, assegurou a posse do Jango, porque todos concordaram que Tancredo era um homem que sabia cumprir os princípios e, ao mesmo tempo, cumprir todas as articulações que ele tinha feito. E era ele quem inspirava confiança a todo o país e era o homem que, portanto, também assegurou que nós aceitássemos, que o país aceitasse a posse do Presidente João Goulart.
Portanto, esse é Tancredo Neves, com o que eu quero dividir esta sessão, porque sem ele, evidentemente nós não teríamos esta sessão hoje no Brasil e estaríamos, talvez, mergulhados no escuro, sem saber o que poderia ocorrer.
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Pois bem, nesta semana comemoramos esses 40 anos da transição democrática, e Aécio me antecipou aquilo que eu ia dizer neste discurso, a frase de Afonso Arinos: "Muitos brasileiros deram a vida pelo país, mas Tancredo deu a sua morte". Afonso Arinos que é o responsável, é bom a gente lembrar, por dois capítulos fundamentais da nossa Constituição, que são o capítulo dos direitos humanos e o capítulo dos direitos civis e políticos.
Na continuidade da nossa história, hoje comemoramos a democracia, cujo coração é a liberdade, essa liberdade que deságua na formação do Congresso Nacional, que são verdadeiramente os representantes do povo brasileiro - o Senado e a Câmara dos Deputados. É o período maior do nosso país como Estado de direito sem hiatos sob a égide, como se disse, da Constituição de 1988, que assegurou o exercício da cidadania em profundidade com direitos individuais e direitos civis. Mas há um ponto importante nesta Constituição que, na sua convocação, eu já advertia: a necessidade de implantarmos direitos sociais no Brasil, porque, até então, nós tínhamos... Quando o João VI trouxe, fez o Supremo - o primeiro não era o Supremo Tribunal, mas o Tribunal de Justiça -, para assegurar os direitos, as Ordenações Filipinas, porque eles não tinham ainda Constituição... É claro que, quando nós tivemos também os direitos individuais na República, tivemos os direitos, mas não tínhamos tido direitos sociais. Pela primeira vez, nós temos na nossa Constituição direitos sociais e aquilo que aqui também foi falado: nunca, em nenhuma Constituição do mundo inteiro, àquele tempo, nós tínhamos introduzido a questão ambiental, e ela tem a proteção ao meio ambiente.
Todos sabem as circunstâncias com que eu assumi a Presidência da República, as minhas perplexidades, o meu sofrimento ao assumir o cargo sem ter escolhido nem o ministério nem participado da elaboração do programa de governo. (Pausa.)
Desculpem, a idade já faz com que a gente tenha que beber um pouco d'água nesta tribuna. (Palmas.)
Mas Deus não me havia trazido de tão longe para abandonar-me. Graças a ele, devo repetir, estou aqui com 95 anos, ainda com a honra e a gratidão, prestando minha reverência ao Senado, que, como ontem e hoje, é uma instituição forte, apesar de ter sido vítima de vandalismos condenáveis, como ocorreu em 8 de janeiro de 2023. (Palmas.)
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Aqui nesta Casa, eu participei de muitos episódios dramáticos, como a renúncia do Jânio, a posse do Jango, a crise da maioria absoluta, em que muito foi ameaçada a posse e o Governo Kubitschek, o fechamento do Congresso em 1964 e, por último, a ruptura do Estado democrático de direito, que teve como consequência 21 anos de regime militar. Em tudo isso, modestamente, eu posso dizer que tive participação, às vezes como assistente, outras como testemunha, ou, e por último, até como protagonista. E eu devo dizer: com o apoio de Aureliano Chaves, de Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Guilherme Palmeira, Antonio Carlos Magalhães e muitos outros, criamos a Frente Liberal, para assegurar a Tancredo Neves a maioria necessária à sua vitória no colégio eleitoral.
Tancredo foi o homem que a história tinha preparado para aquele momento. Era o homem que podia assegurar um governo de paz e de conciliação para o país. E foi assim, ele era um conciliador. Renunciava, como eu disse, jamais a princípios, e o seu ídolo político era Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná, que no Império tinha presidido o Ministério da Conciliação - ele sempre falava no Marquês do Paraná. Tancredo uniu todos, militares e civis, num processo de engenharia política capaz de possibilitar a transição democrática.
Mas eis que, por esses desígnios do destino, a 15 de março de 1985, um raio desaba sobre nós todos e sobre o país. Esse dia se transforma em tragédia: era a sua doença e depois a sua morte. E ele só se permitiu ser operado assim que o seu sobrinho, Francisco Dornelles, disse-lhe que o Presidente Figueiredo havia concordado em passar o Governo para mim. Era uma inverdade, mas era necessária naquela noite para que Tancredo aceitasse operar-se. Daí eu dizia a frase do Afonso Arinos: ele deu a morte, quando muitos brasileiros tinham dado a vida. Daí o fim da grande e última ruptura do Estado democrático de direito, que teve como consequência 21 anos de regime militar.
Essa resistência à cirurgia não era uma vaidade pessoal, não era o desejo de assumir a Presidência; era o contrário: a visão de que, se ele não assumisse a Presidência naquele momento, nós teríamos sem dúvida um retrocesso, e ele sabia que estavam preparando isso, ele tinha notícia de que a interrupção desse processo iria funcionar.
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O General Walter Pires, que era o então Ministro do Exército do Presidente Figueiredo, assegurou ao Ministro Leitão de Abreu, Chefe da Casa Civil da Presidência, que iria imediatamente para os quartéis, mobilizaria para não permitir a minha posse, pois ele queria a continuidade do regime militar. Mas, com paciência e experiência, conseguimos presidir à volta da democracia, com a participação de muitos companheiros que se juntaram a Tancredo, como Ulysses; José Hugo Castelo Branco, notável homem público que morreu quando ocupava o Ministério da Indústria e Comércio; Almir Pazzianotto; Prisco Viana; José Fragelli; Paes de Andrade; Heráclito Fortes; Thales Ramalho; Aécio Neves, que está aqui presente; e muitos outros que aqui não tenho tempo de relatar. O Padre Vieira dizia: "Eu não tenho tempo de ser tão breve". (Risos.)
A democracia chegou, devendo comemorá-la e, ao mesmo tempo, zelar por ela.
O Brasil é hoje a sétima economia do mundo, a segunda democracia do mundo ocidental. Implantamos, no meu Governo, a universalização da saúde, o mercado seguro, o Atlântico Sul como zona de paz, com os Presidentes Raúl Alfonsín e Sanguinetti, que estava ontem aqui no Brasil e que veio para comemorar conosco os nossos 40 anos de democracia. E eu dizia a eles: "Somos os sobreviventes daquele tempo em que percorremos todos os países da América do Sul para que fossem eles todos democratas". E colocamos, no tratado do Mercado Comum, a cláusula que exige que, para entrar no Mercosul, eles sejam democracia. (Palmas.)
Transformamos as relações de Brasil e Argentina, encerrando nossas divergências históricas e nos juntando para fundar o que veio a ser o Mercosul, depois Tratado de Buenos Aires, e acabamos com a disputa nuclear, o que possibilitou sermos um único continente livre de armas nucleares. Eu quero aqui ressaltar perante o Senado e dizer aos Srs. Senadores que este é um ponto talvez o mais importante em nível mundial que eu consegui, nós conseguimos fazer com o Alfonsín, também tendo o apoio das Forças Armadas: acabar com armas nucleares e aquela corrida que não tinha motivo entre o Brasil e a Argentina. Isto nós fizemos e mandamos para as Nações Unidas uma proposta do Brasil: Atlântico, zona de paz, para que também lá não passasse nenhuma arma nuclear. E assim nós demos um exemplo que o mundo esqueceu: que somos o único continente do mundo onde não existem armas nucleares. E, enquanto existir uma arma nuclear, ninguém pode dormir tranquilo. (Palmas.)
Somos uma democracia de massa - é preciso que se diga sempre isso -, onde o povo participa, a cidadania exerce todos os seus direitos civis e individuais. Somos uma democracia de massa. Posso dizer como Fernando Pessoa dizia: "Contra o destino, eu cumpri com o meu dever". (Palmas.)
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Mas temos a responsabilidade de ter a democracia como um dogma, uma consciência pessoal.
O escritor norte-americano Francis Fukuyama disse que atualmente nós chegamos a um ponto que ele podia considerar o fim da história. Ele escreveu esse livro há vários anos, antes ainda de conhecer o segundo mandato do Trump. Como dizia Francis Fukuyama, chegamos ao fim da história, em que o mundo ancorou em duas coisas que são irreversíveis. A primeira, a democracia em todos os países do mundo; e onde ela não existe se procura implantá-la. E nós o fizemos aqui na América do Sul, quando foi implantado o Mercosul.
Então, eu aqui paro porque estou vendo Joaquim Campelo, grande dicionarista brasileiro, que em grande parte escreveu o dicionário do Aurélio Buarque e que é um grande filólogo do Brasil. (Palmas.)
Pois bem, Campelo foi meu colega de turma no Marista, quando nós começávamos o curso ginasial. Somos remanescentes quatro; e, entre esses quatro, dois - a metade - estão aqui: eu e Campelo. (Risos.) (Palmas.)
O coração - repito - da democracia é a liberdade, e esta tem seu poder criativo. Por sua vez, nos permitiu criar instituições fortes: Congresso forte e livre, sem o qual não há democracia forte; o Senado, esta Casa, que eu guardo em meu coração. Se todos pudessem encontrar o ponto mais alto dos meus quereres, do meu bem-querer, encontraria lá o Senado Federal, o Senado da República.
Aqui, como disse, depois de Presidente da República, passei mais três mandatos. Foram 21 anos e antes tinha passado 16 anos. Portanto, na sua soma, nós chegamos, com mais um pouco, a 40 anos. E o Senado está no meu coração. Eu falo aqui como se estivesse em minha casa, sem estar em minha casa, para referendar esta Casa extraordinária, que é o coração da democracia.
Disse, na Academia Brasileira de Letras, quando entrei, em 1980, há 45 anos - e lá sou o decano -, que a gratidão é a memória do coração. Portanto, eu quero repetir aqui hoje, Srs. Senadores, sinceramente, com a maior emoção, que eu recebo esta sessão, esta homenagem do Senado com extrema gratidão, com a memória do meu coração.
Agradeço às Sras. e aos Srs. Senadores e a todos os presentes nesta homenagem as palavras generosas a meu respeito. E desejo a esta Casa, ao Sr. Presidente e aos Srs. Senadores o maior êxito e o caminho de que eles zelem sempre pela democracia e pelas instituições, princípio histórico pelo qual o Senado tem zelado ao longo da nossa história.
Muito obrigado. (Palmas.)
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Muito obrigado! Não arrebentem o coração do velho. (Palmas.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Queria, rapidamente, conceder a palavra ao Senador Kajuru.
O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO. Para discursar.) - Presidente, eu vou ser rápido. Eu queria apenas que o Presidente José Sarney soubesse de algo que vai fazer com que ele fique mais feliz por este dia, o mais emocionante que eu vivi em seis anos de mandato, neste dia histórico.
Presidente, eu conversei com dezenas de servidores desta Casa e fiquei impressionado e fico arrepiado, em nome de minha mãe: todos os servidores desta Casa falam maravilhas do senhor, têm memórias incríveis a seu respeito, pela sua simplicidade, pela forma como o senhor valorizava esses servidores, que são o maior patrimônio do nosso Senado Federal.
E concluo dizendo que devo a uma servidora símbolo deste Senado Federal a inspiração do meu requerimento. O nome dela e o meu muito obrigado pelo incansável trabalho dela para que esse dia chegasse: Dra. Ilana, agradecidíssimo. (Palmas.)
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AP) - Cumprida a finalidade desta sessão especial do Senado Federal, agradeço às personalidades que nos honraram com a sua participação.
Muito obrigado, Presidente Sarney.
Está encerrada a sessão.
(Levanta-se a sessão às 13 horas e 31 minutos.)