Notas Taquigráficas
3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
57ª LEGISLATURA
Em 21 de maio de 2025
(quarta-feira)
Às 9 horas
46ª SESSÃO
(Sessão Especial)
Horário | Texto com revisão |
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R | A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos. A presente sessão especial foi convocada em atendimento ao Requerimento nº 262, de 2025, de autoria desta Presidência e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal. A sessão é destinada a celebrar os 25 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Informo que esta sessão contará com a participação dos seguintes convidados: Exmo. Sr. Ministro Gilmar Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal - convido o Ministro Gilmar Mendes para compor a mesa -; Exmo. Sr. Ministro Antonio Anastasia, Ministro do Tribunal de Contas da União e Senador pelo período de 2015 a 2022 - Senador, convido-o para que o senhor venha compor a nossa mesa -; Sr. Guilherme Dias, Secretário-Executivo e Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão no período de 1999 a 2003; Sr. Marcos Mendes, Economista e Consultor Legislativo do Senado Federal; Sr. José Roberto Afonso, Economista, Professor e articulador técnico da proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estará conosco de maneira remota; Sr. Hélio Tollini, Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados aposentado e ex-Secretário de Orçamento Federal; Senador Alvaro Dias - convido o Senador Alvaro Dias para se juntar a nós aqui na mesa. (Pausa.) Vou ler agora o nome de outros convidados que estão aqui presentes: Sr. Hélio Tollini, Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados aposentado e ex-Secretário de Orçamento Federal; Sr. Flavio Diogo Luz, Consultor-Geral de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal; Sr. Eugênio Greggianin, Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados - era titular da Consultoria durante a tramitação da Lei de Responsabilidade Fiscal. (Pausa.) Agradeço aqui a presença de todos. |
R | A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS. Para discursar - Presidente.) - Sras. Senadoras, Srs. Senadores, há 25 anos, o Brasil dava um passo decisivo rumo à maturidade institucional, ao sancionar uma das leis mais emblemáticas da nossa história republicana. Naquele momento, não estávamos apenas criando regras técnicas para o orçamento público; estávamos, acima de tudo, firmando um pacto que atravessaria gerações, um compromisso moral e institucional de que o dinheiro público deve ser tratado com zelo, austeridade e respeito, uma convicção de que os governantes não têm o direito de fazer promessas vazias, gastar sem medida ou deixar dívidas como herança para gerações futuras. Nos anos que antecederam a Lei de Responsabilidade Fiscal, o país vivia sob a sombra do descontrole fiscal: estados e municípios endividados, orçamentos fictícios e uma máquina pública inchada e ineficiente. A Constituição de 1988 havia garantido a descentralização de recursos, o que foi um avanço, mas faltavam freios e contrapesos. O resultado era previsível: gastava-se mal, gastava-se muito, e quem pagava era o cidadão, com inflação, serviços precários e oportunidades comprometidas. Foi nesse cenário que nasceu a LRF, uma lei clara, corajosa e necessária. Ela estabeleceu metas, limites e transparência; fixou que não se pode gastar o que não se tem; que não se pode contratar pessoal a realizar obras públicas sem previsão orçamentária; que é preciso respeitar os limites da receita corrente líquida e que há consequências para quem ignora esses princípios. O Brasil começou, então, a construir uma nova cultura de gestão pública: Prefeitos, Governadores e Presidentes passaram a prestar contas com mais rigor; o planejamento orçamentário deixou de ser uma peça de ficção; o debate sobre finanças públicas ganhou espaço no centro político; e os órgãos de controle, como os tribunais de contas e o Ministério Público, passaram a ter instrumento legítimo e técnico para responsabilizar excessos e abusos. Mas não sejamos ingênuos: esses avanços, sempre sujeitos a recuos, não vieram sem resistência. A história da LRF é também a história das tentativas de driblá-la, de relativizá-la, de politizá-la em momentos de crise. Como na pandemia de 2020, foi compreensível a necessidade das flexibilizações emergenciais, mas, em circunstâncias normais, é inaceitável que a lei seja sistematicamente ignorada por conveniências políticas. Houve até - não nos esqueçamos - tentativas de barrar o nascimento dessa lei no Judiciário. É preocupante ver que, mesmo com a Lei de Responsabilidade Fiscal em vigor, ainda hoje há gestores e agentes políticos que insistem em adotar práticas populistas, prometer o que não podem cumprir, inflar folhas de pagamento sem lastro e mascarar números para fugir do debate real. É de se lamentar que ainda testemunhemos isso em 2025. |
R | Responsabilidade fiscal não é obstáculo à justiça social. Ao contrário: é condição para que o Estado funcione. Nenhuma política pública se sustenta sem planejamento, sem orçamento, sem metas e sem controle. Quem defende os mais vulneráveis não pode tolerar o desperdício, o improviso e a irresponsabilidade. Gastar bem é, também, uma forma de inclusão. A população de baixa renda, mais dependente da assistência do Estado, é justamente a primeira a sofrer as consequências dos desmandos nas contas públicas, pois enfrenta, de forma direta e imediata, os efeitos da inflação, da carestia, dos juros altos, e da desvalorização cambial. Outros instrumentos foram trazidos para a cena nacional com o intuito de contribuir para o debate da responsabilidade fiscal. Já tivemos o chamado teto de gastos e, agora, vivemos sob o frágil arcabouço fiscal. Ambos, com seus vícios e virtudes, deveriam servir como complemento ao trabalho que a Lei de Responsabilidade Fiscal iniciou há 25 anos. A Lei de Responsabilidade Fiscal não pode ser abandonada; é preciso reafirmá-la, fortalecê-la num ambiente institucional mais estável, mais transparente e mais comprometido com o futuro do país. Reforçar a LRF também significa cobrar firmeza das instituições. O Congresso Nacional, os Tribunais de Contas, os Ministérios Públicos, a imprensa e a sociedade civil não podem assistir calados ao desmonte lento e silencioso da cultura da responsabilidade. Onde houver contabilidade criativa, onde houver rombo camuflado, onde houver promessa sem lastro deve haver consequência. Não se trata de punir por punir, mas de proteger a credibilidade do Estado brasileiro. Defender a Lei de Responsabilidade Fiscal é defender a prosperidade da nação, é afirmar que o dinheiro público não é infinito e que o país não suporta mais improvisações. É ter consciência de que o servidor público precisa ser valorizado, sim, mas dentro de uma realidade que garanta o ajuste fiscal. É saber que a saúde, a educação, a segurança e a infraestrutura exigem recursos permanentes, não favores pontuais ou emendas de ocasião. A Lei de Responsabilidade Fiscal, com todos os seus desafios, é o alicerce invisível que sustenta a casa da democracia. Ela não aparece nas manchetes como as grandes obras, não emociona como discursos apaixonados, mas sem ela tudo o mais desmorona. Sua lógica é dura, mas justa: não se gasta o que não se tem, não se promete o que não se pode entregar, não se finge equilíbrio onde há desequilíbrio estrutural. Celebrar seus 25 anos é mais do que um ato simbólico; é um chamado à seriedade, à coragem e ao compromisso com o contribuinte. Hoje celebramos o passado, mas, reafirmo, nosso olhar é para o futuro. Que este marco, meus colegas Senadores, nos inspire a defender sempre no Parlamento um Estado que seja eficiente, transparente e verdadeiramente voltado para o bem comum, pois ter responsabilidade fiscal é, acima de tudo, ter responsabilidade com o Brasil. Muito obrigada. (Palmas.) |
R | Encontram-se sobre as bancadas exemplares do livro Lei de Responsabilidade Fiscal e Normas Correlatas, editado pelo Senado Federal para celebrar os 25 anos da promulgação da lei. Serão entregues agora exemplares para os membros da mesa. Convido também para compor a mesa a Sra. Selene Peres Nunes, Auditora de Finanças e Controle do Tesouro Nacional e articuladora técnica da proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal. (Palmas.) Solicito à Secretaria-Geral da Mesa a exibição de um vídeo institucional. (Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Neste momento, concedo a palavra ao Exmo. Sr. Ministro Gilmar Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, por cinco minutos - mas podendo estender, Ministro. (Risos.) O SR. GILMAR MENDES (Para discursar.) - Bom dia a todos e a todas. Quero cumprimentar nossa Presidente e requerente desta sessão, Senadora Tereza Cristina, que cumprimento especialmente por sua atuação, e ela representa o nosso Mato Grosso, porque, embora representando o Mato Grosso do Sul, ambos somos nascidos no estado inteiro, Mato Grosso. |
R | Cumprimento também o Ministro do Tribunal de Contas, ex-Governador e Senador Antonio Anastasia, com quem tive a honra de conviver durante esse período - somos sobreviventes desse período no Governo Fernando Henrique Cardoso - e com quem tanto aprendi. Cumprimento também o Senador Alvaro Dias, que teve um papel importante nesse projeto, e a Sra. Auditora Federal de Finanças e Controle da Secretaria Selene Peres, articuladora deste projeto. Também tenho a oportunidade de rever depois de tanto tempo, Guilherme Dias, Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão durante o período de 1999 a 2003. Em boa hora e por iniciativa da Senadora Tereza Cristina, o Senado decidiu celebrar os 25 anos da promulgação dessa Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, a nossa Lei de Responsabilidade Fiscal. E, claro, esta é uma ocasião histórica e simbólica para reconhecermos a importância dessa legislação pioneira, que consolidou uma cultura de controle, responsabilidade e transparência na gestão das finanças públicas brasileiras. O Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a adotar um marco fiscal dessa natureza, sendo referência internacional em boas práticas de gestão pública. A LRF introduziu regras claras, objetivos prudenciais e mecanismos de controle capazes de assegurar maior previsibilidade na condução da política fiscal. Não há dúvidas de que ela foi e continua sendo imprescindível para a estabilidade econômica nacional. Eu me lembro de que, quando discutimos esse projeto na Casa Civil, Senadora Tereza Cristina, nós éramos um pouco céticos quanto à sua aprovação, pelo menos a sua aprovação imediata, mas havia um esforço pessoal, inclusive, do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Eu acho que este momento é o de lembrar o grande estadista que é Fernando Henrique Cardoso. Ele tentava explicar com palavras simples aquilo que todos nós sabemos. Ele dizia: "A dona de casa sabe que não pode gastar mais do que tem disponível. E, por isso, também o Estado tem que se pautar por esses critérios". E acho que isso ajudou enormemente que houvesse essa galvanização de apoio no Congresso Nacional. E, de fato, ela realizou, como a senhora acaba de reconhecer no seu pronunciamento, uma mudança cultural e, de fato, criou mecanismos. Todos nós sabemos que temos que olhar a Lei de Responsabilidade Fiscal e devemos nos pautar por seus parâmetros. |
R | Também devo dizer, já que estamos em uma sessão histórica, que ela não foi recebida pacificamente. PT e PCdoB entraram com ações de inconstitucionalidade, as ADINs - uma experiência que a gente tem corriqueiramente, né, Senador Ciro? -, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, por conta dos das limitações que ela estabelecia. Ainda recentemente, eu brincava com o Ministro Toffoli, que era da assessoria do PT à época, dizendo: "Você se lembra de que o PT entrou com uma ação contra a Lei de Responsabilidade Fiscal?". Recentemente, o Supremo encerrou esse julgamento e confirmou, na maior extensão, a constitucionalidade da lei. Mas, como falamos da sua importância, é necessário reconhecer que, mesmo com todo o avanço, há questões regulatórias que precisam ser enfrentadas com urgência. A Constituição e a própria LRF preveem que o Presidente deve propor limites para o endividamento público da União e que cabe ao Congresso e ao Senado fixá-los. No entanto, em 25 anos, tais limites ainda não foram regulamentados no caso da União. O Senado aprovou apenas os limites para entes estaduais e municipais, enquanto o Executivo nunca submeteu ao Congresso proposta específica quanto à dívida federal. Esse vácuo normativo mina a coerência e a completude da disciplina fiscal brasileira. A ausência de parâmetros explícitos de endividamento impede o pleno funcionamento de um dos principais instrumentos de controle fiscal previstos pela LRF. Também destaco aqui outro ponto que se refere à regulamentação das normas gerais sobre planejamento e orçamento, prevista no art. 164, §9º, da Constituição, que depende de lei complementar. Apesar de o Senado já ter aprovado projetos de lei com esse objetivo, estes ainda não foram convertidos em norma legal pela Câmara dos Deputados. Além disso, o art. 67 da LRF instituiu o conselho de gestão fiscal, previsto para garantir a cooperação entre os entes federados e a sociedade civil na condução da política fiscal. Até hoje tal conselho não foi implementado. O Executivo não apresentou o projeto de regulamentação, tampouco houve prioridade política para a matéria. O resultado prático é que diretrizes orçamentárias têm sido fixadas pelos órgãos administrativos federais, como a Secretaria do Tesouro Nacional e a Secretaria de Orçamento Federal, com boa aceitação prática - no entanto, sem respaldo formal legal. A LDO federal é uma base legal de vigência anual, como todos sabem, mas sem a necessária consistência institucional entre os ciclos de planejamento. Nos últimos tempos, o Supremo retomou o julgamento de mais de 20 dispositivos da referida lei. Foi majoritário o entendimento de considerar inconstitucional a redução de salários de servidores como medida de ajuste para cumprimento do teto de gastos com pessoal. Entretanto, esse julgamento não ignora a dura realidade fiscal vivida por diversos entes federativos. |
R | Como Relator da Suspensão de Segurança 3.154, alertei para a impossibilidade de se exigirem obrigações salariais sem reconhecer o estado crítico das finanças públicas. O pensamento do possível deve orientar nossa interpretação jurídica nessas situações excepcionais de crise, em que se impõe a busca por soluções factíveis, inclusive com a regulação excepcional do parcelamento de salários - foi o caso do Rio Grande do Sul. Ademais, o Supremo reconheceu a constitucionalidade do art. 11 da LRF, permitindo que a União bloqueie repasses voluntários a entes inadimplentes com a arrecadação de tributos locais. Também declarou inconstitucionais normas aprovadas pelo Congresso que contrariavam - esse é um passo importante - a LRF, por ausência de demonstração do impacto orçamentário e financeiro, como no caso da prorrogação da desoneração da folha. Essas decisões mostram o compromisso do Supremo com a disciplina fiscal, a estabilidade econômica e a responsabilidade institucional. Os legados da LRF, portanto, são múltiplos e destaco, em nome da concisão, três. Em primeiro lugar, com a LRF, adotou-se no Brasil, de maneira perene, o compromisso com o controle e transparência das contas públicas, por regras comuns a todos os entes federativos, com prazos, limites e procedimentos claros. Afastou-se definitivamente a visão de que o equilíbrio das contas públicas seria contrário ao desenvolvimento econômico social brasileiro. Essa realidade é fruto da atuação dos Poderes da República, inclusive do Supremo, por meio de seus julgados, como destacado. Em segundo lugar, houve outras reformas e diplomas normativos que levaram adiante as diretrizes fixadas pela LRF. Apenas para mencionar alguns exemplos, em ordem cronológica: Lei Complementar 141, de 2012, valores mínimos aplicáveis nas políticas públicas de saúde; Lei Complementar 178, de 2021, estabeleceu o programa de acompanhamento e transparência fiscal e o plano de promoção do equilíbrio fiscal; Lei Complementar 200, de 2023, instituiu o regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país. Houve também emendas à Constituição nesse sentido, destacando-se a Emenda Constitucional 95, de 2016, que inseriu o art. 113 do ADCT, prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro para proposições legislativas; a Emenda Constitucional 109, de 2021, que estabeleceu limites a despesas dos órgãos públicos e determinou a realização de avaliação de políticas e sua integração no ciclo orçamentário; a Emenda Constitucional 128, de 2022, que condiciona a criação de encargos financeiros decorrentes de políticas públicas para os entes federativos à previsão de fonte de custeio. Por fim, como terceiro legado, a experiência bem-sucedida da LRF levanta outras possibilidades de se pensar a relação entre as contas públicas e os serviços efetivamente entregues ao cidadão pelo Estado brasileiro, como V. Exa. acaba de apontar. |
R | Se a LRF foi marco civilizatório para a gestão fiscal, ainda não fizemos o mesmo no âmbito social. Coloco-me na fileira daqueles que estimam que precisamos, urgentemente, de uma lei de responsabilidade social que, à semelhança da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabeleça normas de organização administrativo-federativa voltada para a responsabilidade na elaboração, implementação, consolidação e expansão de políticas públicas sociais de todos os entes federativos. Nessa ordem de ideias, responsabilidade fiscal e responsabilidade social, como V. Exa. também acaba de apontar, não se contrapõem, mas se complementam. É preciso gastar bem, com justiça e com planejamento. A institucionalização dessa responsabilidade social pode ser de grande valia para estabelecer critérios técnicos para a execução de obras e serviços públicos e, por que não, reduzir o desperdício de recursos orçamentários. Nesse sentido, destaco a discussão, neste Senado Federal, do Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2022, apresentado pelo então Senador Alexandre Silveira, que institui regime voltado à responsabilidade social na elaboração, condução e aplicação de políticas públicas que visem ao desenvolvimento e ao bem-estar em âmbito nacional. Nesse projeto, há diversas normas de coordenação federativa em áreas centrais da saúde, educação e segurança pública que podem servir como ponto de partida para uma transformação positiva de como o Estado brasileiro e seus entes federativos trabalham em conjunto para prestar serviços públicos coordenados e de qualidade à sociedade. Concluo, Sra. Presidente, portanto, reforçando a necessidade de atualização e aperfeiçoamento da Lei de Responsabilidade Fiscal com coragem institucional e compromisso democrático. Que este aniversário de 25 anos não seja apenas comemorativo, mas inspirador de novos avanços! Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, Ministro Gilmar Mendes. Concedo a palavra agora ao Exmo. Sr. Ministro Antonio Anastasia, Ministro do Tribunal de Contas da União e Senador pelo período de 2015 a 2022, por cinco minutos. O SR. ANTONIO ANASTASIA (Para discursar.) - Bom dia, senhoras e senhores. Em primeiro lugar, Exma. Sra. Presidente desta sessão, Senadora Tereza Cristina, eu quero agradecer o convite que V. Exa. me formulou de maneira tão amável, me permitindo voltar aqui à tribuna do Senado Federal, de onde guardo tantas boas recordações. Permita-me também cumprimentar S. Exa. o Ministro Gilmar Mendes, Ministro decano do Supremo Tribunal Federal, que acaba de nos oferecer aqui uma belíssima locução sobre o tema. Ele, àquela época, no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, sempre foi a referência jurídica fundamental da administração pública brasileira, do Governo que eu também tive a honra de integrar e deu as balizas para diversas reformas realizadas naquela época, inclusive essa tão importante Lei de Responsabilidade Fiscal. Permita-me saudar também, com grande estima, o Senador Alvaro Dias, caro amigo que aqui revejo, colega do Senado por certo período; cumprimentar o Senador Ciro Nogueira, que está no exercício pleno do mandato, e, na pessoa dele, todos os Parlamentares aqui presentes; a Dra. Selene Peres, Auditora Federal de Finanças, que foi uma das inspiradoras da lei àquela época; caro amigo Ministro Guilherme Dias, que aqui também revejo depois de alguns anos, trabalhamos juntos naquele período, que foi também um dos grandes inspiradores dessa legislação. |
R | Sra. Presidente, permita-me aqui uma saudação ao meu colega do Tribunal de Contas da União, Ministro Weder de Oliveira, que aqui se encontra e que foi também, àquela época, como Consultor da Câmara, um dos autores técnicos dessa lei. Aliás, permita-me um parêntese, Sra. Presidente. A Lei de Responsabilidade Fiscal tem muitos atributos, mas eu quero acrescer um aqui, numa homenagem ao Prof. José Roberto Afonso, que está de maneira remota, ao Ministro Pedro Parente, que aqui revejo também: um esforço de qualidade técnica excepcional. Eu acho que, àquele momento, nós tivemos uma constelação tão positiva de servidores, de técnicos especialistas em finanças públicas, no Governo, no Congresso Nacional, fora do Governo e do Congresso, os professores, todos unidos com a mesma argamassa, com o mesmo intuito, com o mesmo propósito, num ambiente muito reformista, muito positivo, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso proporcionou ao Brasil naquele momento. Grandes reformas tinham sido encetadas nos últimos anos, a exemplo do Proer, que foi tão importante, tão pouco compreendido no primeiro momento, cuja relevância, nós sabemos hoje, se não fosse a qual, nós não teríamos, de fato, uma situação do sistema financeiro como temos hoje. A reforma administrativa, a última que tivemos, que foi exatamente capitaneada pelo Ministro Bresser Pereira, e tivemos também o início da reforma da previdência e outras tantas, num Governo que avançou tanto. Permitam-me também uma referência, se me permitem, ao marco do terceiro setor, Ministro Gilmar, em que V. Exa. tanto trabalhou, capitaneado pela Sra. Ruth Cardoso, que nos dá tanta saudade e tanto orgulho. Eu queria, portanto, fazer essas menções inaugurais exatamente com este propósito: mencionar que um momento tão feliz da história política administrativa brasileira nos legou uma das leis mais relevantes que temos no nosso dia a dia, para a União, para os estados, para os municípios, em todos os seus Poderes. E tenho também, Sra. Presidente, Senadora Tereza Cristina, o orgulho de dizer que, tendo exercido a chefia do Poder Executivo de meu Estado, Minas Gerais, tivemos, naquela oportunidade, a grande responsabilidade de manter as contas do estado rigidamente dentro dos parâmetros da legislação. A Lei de Responsabilidade Fiscal, como lembrou muito bem o eminente Ministro Gilmar Mendes e V. Exa. também no seu discurso, num primeiro momento, foi recebida com certa dúvida, com certas indagações, especialmente na esfera municipal. Temia-se, e me lembro bem naquele momento, que haveria uma paralisia da administração pública, que haveria o sacrifício de questões relativas às políticas públicas, mormente na área da saúde, educação, da segurança pública. Ledo engano, exatamente o inverso foi comprovado, tão somente com a aplicação responsável, com a aplicação planejada, com a indicação de metas, de resultados, com um bom planejamento, é que conseguimos reverter, de fato, debilidades e fragilidades anteriores e conseguimos apresentar resultados extremamente positivos em todas essas políticas públicas. Felizmente, aquele ambiente adverso foi superado e hoje o que nós clamamos, eminente Senadora Tereza Cristina, e V. Exa. bem disse no seu discurso, é exatamente a necessidade de, no futuro, nós concluirmos essa grande obra. |
R | O Ministro Gilmar Mendes, como sempre, muito feliz na sua alocução, apontou aqui diversas etapas que ainda estamos por fazer e que devemos, de fato, congregar esforços nesse sentido, não só numa questão relativa à responsabilidade social, muito bem lembrada aqui - e eu me lembrava, comentando com o Dr. Danilo, eminente Secretário-Geral da Mesa, de um projeto de autoria também do Senador Tasso Jereissati um pouco mais antigo do que o que V. Exa. citava, Ministro Gilmar, também na mesma direção do projeto, à época, do Senador Alexandre Silveira -, mas com o objetivo, de fato, de parametrizar, de enquadrar essas despesas como relevantes, dentro de parâmetros e cânones que pudessem apresentar resultados objetivos. Da mesma forma, nós temos a necessidade de complementarmos uma reforma na área do orçamento e das finanças públicas. A Lei nº 4.320 já se encontra, de fato, antiga, um pouco defasada, e digo isso na presença do nosso Presidente do Instituto Rui Barbosa, que aqui está, e para relembrar a necessidade de que precisamos rever essa legislação. E esse ambiente técnico que naquele momento ocorreu, muito feliz e muito mágico, tenho certeza de que nós temos condições de fazê-lo novamente. Agora, na oportunidade de exercer, por deferência de meus pares do Senado Federal, o nobre encargo de Ministro do Tribunal de Contas da União, tenho lá, juntamente com o Ministro Weder de Oliveira e nossos pares, a missão de acompanhar, de maneira muito fiel, o cumprimento dos ditames e dos comandos da Lei de Responsabilidade Fiscal no que se refere aos recursos federais; ainda sentindo, é verdade, a ausência de instrumentos normativos complementares que poderiam dar, de fato, mais lastro à nossa atuação, mas o que já existe já permite o acompanhamento e resultados que são muito mais positivos hoje do que tivemos no passado. Então, com muita satisfação e alegria, participo desta sessão histórica, desta comemoração do jubileu de prata, do primeiro quartel de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, lembrando, com muita alegria e com muito carinho, aquele período em que tive, também, a oportunidade de integrar o Governo do Presidente Fernando Henrique e de ser testemunha daquele esforço imenso, hercúleo, que congregou tantas mentes brilhantes para doarmos, de maneira muito clara, ao Brasil, uma legislação que nos colocou no patamar de nações civilizadas com responsabilidade naquilo que é mais importante, que é o dinheiro público, que não é o nosso, é o dinheiro do povo, é aquele que precisa ter, de fato, uma qualidade do gasto extremamente cuidadosa, com muito esmero e muita atenção. Portanto, parabéns, em especial, não só aos Parlamentares que, à época, votaram, aos integrantes do Governo que participaram de modo ativo, mas, sobretudo, aos técnicos, aos especialistas que se dedicaram, com sua inteligência e seu labor, à elaboração dessa norma que é tão importante para o Brasil de agora e do futuro! Muito obrigado. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, Ministro Anastasia, pelas suas palavras. Foram tantas mãos também e, como o senhor disse, uma constelação de técnicos preparados, brilhantes, que naquela época fizeram tanto e, também, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Eu não gostaria de me esquecer de citar aqui o Ministro Martus Tavares, que foi importantíssimo. Não pôde estar aqui conosco hoje, mas a lembrança do seu nome é muito importante para o que nós estamos aqui hoje a comemorar. Concedo a palavra ao Sr. Alvaro Dias, Senador pelos períodos de 1983 a 1987 e de 1999 a 2023, e Relator do projeto da LRF no Senado Federal. Por favor, Senador. |
R | O SR. ALVARO DIAS (Para discursar.) - Sra. Senadora Tereza Cristina, que preside esta sessão, meus cumprimentos pela iniciativa inteligente e necessária para restabelecer novos rumos para a Lei de Responsabilidade Fiscal, num momento de importância no Senado Federal; Ministro Gilmar Mendes, um dos grandes artífices desse projeto, ao lado do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que também reputo o grande estatista da nossa história contemporânea, que promoveu mudanças fundamentais para o futuro do nosso país; Ministro Antonio Anastasia, que faz muita falta nesta Casa, mas certamente acrescenta, e muito, no Tribunal de Contas da União; Sra. Auditora Federal Selene Peres; Sr. Guilherme Dias, figuras essenciais na elaboração desta proposta de êxito que é a Lei de Responsabilidade Fiscal... Presidente, depois de mais de dois anos, dois anos e meio, eu volto a esta tribuna, onde vivenciei momentos fundamentais da história do nosso país, entre eles, a votação da Lei de Responsabilidade Fiscal, de que tive a primazia de ser o Relator, e dispus desta tribuna a necessidade imperiosa da sua adoção, no momento de crise fiscal alarmante que vivenciávamos no nosso país - um cenário de irresponsabilidade fiscal, eu diria, um cenário de oportunismo e de imediatismo, em que o horizonte temporal dos que governavam era a duração do seu mandato, e não importava quanto arrecadavam, não importava quanto gastavam. E, com isso, a tragédia fiscal se delineava para o futuro. Veio 1995, se não me falha a memória. A ex-Deputada Rita Camata, do Espírito Santo, teve a primeira iniciativa. A Rita Camata propôs o Projeto de Lei 82, de 1995, em que estabelecia os primeiros limites legais para os gastos com pessoal. A partir dessa iniciativa de Rita Camata, iniciou-se o debate na Câmara dos Deputados, e nós avançamos até chegarmos à Lei de Responsabilidade Fiscal. Antes dela, o Plano Real. Eu vivi um momento de tragédia das finanças públicas no país, talvez, quando governava o Paraná, a maior crise financeira da história da administração pública do Brasil: 80% de inflação ao mês. Era impossível planejar a semana seguinte. E Fernando Henrique, o estadista moderno, trouxe-nos o Plano Real. E, na esteira do Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que realmente muda a cultura da administração pública no país: estabelece, como se viu na narrativa dos que me antecederam na tribuna, freios para dificultar o endividamento público. Eu creio que é um momento para se discutir a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque tivemos uma experiência de 25 anos. É possível verificar a possibilidade de ajustes e modernização, sem perder de vista o rigor que se impõe para evitar a irresponsabilidade fiscal - modernizar sim, aperfeiçoar sim, retroceder jamais. Não basta a Lei de Responsabilidade Fiscal, é preciso alertar para a gravidade do endividamento público no país e adotar providências que possam conter a volúpia desse endividamento. |
R | Aqui no Senado, nós nos acostumamos a aprovar, Anastasia, pedidos de empréstimos para municípios, estados e para a União. Muitas vezes não deveríamos aprovar... (Soa a campainha.) O SR. ALVARO DIAS - ... porque não há a real capacidade de endividamento do ente federado, mas, aí, busca-se aquela alternativa, o expediente da excepcionalidade. E vamos aprovando os empréstimos que fazem avolumar a dívida pública. Neste ano, o Brasil gasta mais de R$1 trilhão com juros da dívida pública. Não é preciso dizer o que seria possível fazer em benefício do nosso povo com mais de R$1 trilhão. A dívida já alcança R$7,5 trilhões e, ao final deste ano, certamente alcançaremos R$8,5 trilhões da dívida pública brasileira - 80% do Produto Interno Bruto. De juros, pagamos cerca de 8,5% do Produto Interno Bruto neste ano. Portanto, são medidas fundamentais, e o Senado é a Casa da maturidade política. Cabe ao Senado iniciativas que possam recolocar o país nos trilhos da responsabilidade fiscal. Eu me lembro de Angela Merkel, que foi citada há pouco pela Presidente, na crise de 2008, na Alemanha. Ela adotou o que chamou de redutor de despesas e promoveu um corte linear de 30% de todas as despesas, para restabelecer a responsabilidade fiscal. Depois me parece que Barack Obama seguiu o mesmo caminho em momento de crise. Lembro-me de que, no início de 2019, eu sugeri aqui desta tribuna também a adoção desse redutor de despesas, e aqui bastariam cerca de 10%; num corte linear de 10% de todas as despesas, nós equilibraríamos as contas, eliminaríamos o déficit que, se não me falha a memória, era de R$138 bilhões naquele ano. E no ano seguinte, com as correções necessárias, com a análise do desperdício em cada área do Governo, nós teríamos um orçamento adequado para preservar a estabilidade fiscal. O superávit seria alcançado, portanto, hipoteticamente, se aquela medida fosse adotada no segundo ano da gestão, a partir de 2019. Enfim, colocamos essas questões exatamente para dar dimensão à gravidade do endividamento público no Brasil. E, evidentemente, é outra tarefa para os nossos representantes do Executivo e do Legislativo cuidar do endividamento das famílias brasileiras - é outra questão da maior gravidade. |
R | Permitam-me citar aqui um Prefeito do interior do Paraná, que me contava, há alguns dias, que, no seu município, aumentou exageradamente o consumo de medicamentos para depressão, que aumentou o número de suicídios e que aumentou também significativamente o número de separação de casais, com uma novidade, segundo ele: as mulheres é que abandonavam o lar e não os homens. E a causa era o endividamento da família, a impossibilidade de saldar compromissos financeiros. Portanto, eu coloco estas duas questões para o Senado Federal, que é a Casa da maturidade política, que tem origem na Grécia como senatus, que quer dizer conselho de anciões sábios: que a sabedoria do Senado Federal possa encontrar caminhos para que medidas possam ser adotadas na direção da solução para o problema do endividamento público no Brasil e também do endividamento das famílias brasileiras. Que o Senado seja feliz! Que caminhemos adiante! Que a Lei de Responsabilidade Fiscal, nestes 25 anos da sua existência, inspire o Senado a adotar medidas que possam significar um mundo melhor para os brasileiros, com fé e esperança no futuro! Muito obrigado, Presidente. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, Senador Alvaro Dias, pelas suas palavras. Que a gente se inspire mesmo na Lei de Responsabilidade Fiscal para o futuro, na Casa aqui da maturidade. Eu quero citar algumas pessoas presentes, agradecendo já a presença de Luis Alberto Aparicio Bermúdez, Sr. Embaixador de El Salvador; representando o Banco Central do Brasil, da Sra. Diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, Izabela Moreira Correa; representando o BNDES, do Sr. Advogado de Assuntos Legislativos e Regulatórios, André Carvalho Teixeira; da Sra. Diretora-Geral interina da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Patricia Baran; do Sr. Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Guilherme Guimarães Feliciano; do Sr. Prefeito de Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, meu estado, Sr. Cassiano Maia; do Senador Ciro Nogueira, que por aqui já passou; do Sr. Daniel Carrara, do Senar; do Deputado Luiz Ovando, de Mato Grosso do Sul; representando o Presidente da Confederação da Agricultura, do Sr. José Mario Schreiner; do Sr. Presidente da Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul, Marcelo Bertoni; do representante da Associação dos Membros de Tribunais de Contas do Brasil, Sr. André Clemente Lara de Oliveira; do Sr. Presidente do Instituto Rui Barbosa, Edilberto Carlos Pontes Lima; e do Sr. Vereador do Município de Amambai Paulo Sergio Locutor. Agradeço a presença de todos. Eu concedo a palavra agora à Sra. Selene Peres Nunes, Auditora de Finanças e Controle do Tesouro Nacional e articuladora técnica da proposta da LRF, para suas considerações. A SRA. SELENE PERES NUNES (Para discursar.) - Eu gostaria de agradecer inicialmente à Senadora Tereza Cristina por esta feliz lembrança da comemoração dos 25 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal ao propor esta sessão especial. |
R | Hoje é um dia de festa, mas é também um dia de reflexão, de profunda reflexão, e acho que nós estamos no lugar certo para fazer essa reflexão, que é o Senado Federal. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi fortemente marcada pela participação do Senado. Eu me recordo, inicialmente, do então Ministro José Serra, que foi também Senador e que, como Constituinte, introduziu o dispositivo do art. 163 na Constituição Federal, prevendo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, foi uma iniciativa do Congresso Nacional a introdução da previsão legal na Constituição Federal. Depois eu me recordo do imprescindível apoio político do grande líder, o Presidente Fernando Henrique Cardoso. O que seríamos nós sem um grande líder a impulsionar esse projeto? Eu me recordo também do brilhantismo do Ministro Martus Tavares, que soube introduzir o tema na agenda política; e dos técnicos - entre eles, o José Roberto Afonso, que nos acompanha remotamente e que é, por assim dizer, o pai da Lei de Responsabilidade Fiscal; também o Alvaro Manoel, que soube fazer toda a costura interna no governo. Foram ouvidos técnicos de todo o governo, do Banco Central, da Secretaria do Tesouro Nacional, da Receita, da Previdência, da Secretaria das Estatais. Foram ouvidos Governadores, secretários de Fazenda dos estados, secretários de finanças dos municípios. Foram ouvidos tribunais de contas. Foi aberta uma consulta pública, como uma iniciativa inédita, pela qual se receberam 5 mil sugestões de incorporação ao texto. Estou aqui apenas falando do início, que era o projeto. Depois o projeto veio para o Congresso Nacional. No Congresso Nacional, foi constituída uma Comissão Especial, que eu tive a honra de acompanhar, como parte da equipe que acompanhava essa negociação no Congresso. Então, no Congresso Nacional, nós tivemos o Deputado Pedro Novais, que foi o Relator na Câmara, o Deputado Joaquim Francisco, que foi o Presidente da Comissão Especial, e o brilhante assessoramento feito pelo Eugênio Greggianin, que nos acompanha aqui, e pelo Ministro Weder de Oliveira, que, na época, era Consultor e depois se tornou Ministro do TCU. E, naturalmente, com muitas emendas, muita colaboração de Deputados, Senadores, nesse processo, nesse aperfeiçoamento do texto. |
R | Então, vejam que foi um momento extremamente profícuo, não só em termos de reunião de saberes, mas de reunião de vontade política e de liderança, tudo isso, concomitantemente, para brindar o país. Uma lei que tem o objetivo de garantir o equilíbrio fiscal não em um exercício, mas numa sequência de exercícios, portanto, permitindo a sustentabilidade das contas públicas. Sei que eu cometo injustiças aqui, porque a lista envolve centenas de pessoas, num esforço hercúleo do Brasil em criar e implementar esse mecanismo. E como eu, de fato, acompanhei esse processo por 25 anos, então eu tenho lembranças muito vívidas, por exemplo, das reuniões com os tribunais de contas, no âmbito do Promoex - e eu vejo aqui o Edilberto, o Edilberto Presidente do Instituto Rui Barbosa, que capitaneou várias dessas reuniões, não é? Lembro da contribuição também dos meus colegas de carreira da Secretaria do Tesouro Nacional, principalmente da contabilidade, que criaram todos os padrões para que a lei pudesse ser cumprida. Foi criado um plano de contas aplicado à federação, que antes não existia. Foram padronizadas contas no orçamento, que antes não existiam. Foi criado um sistema para recepcionar as contas de todos os governos. Foram criados um manual de contabilidade aplicada ao setor público, de mais de 500 páginas, e um manual de demonstrativos fiscais também, de mais de 500 páginas. Imaginem o esforço que isso envolveu de grupos técnicos, que hoje deram origem à câmara técnica, que se constitui num espaço importante para o exercício daquilo que deve prevalecer numa federação, que é a cooperação federativa, naturalmente sob a coordenação da União. Eu me recordo também, com grande carinho, da academia, do Prof. José Conti, da USP, que, no âmbito do Direto Financeiro, capitaneou vários livros e sites, a difusão de ideias, a profusão de ideias na academia, que eu reputo como um dos grandes avanços da Lei de Responsabilidade Fiscal, porque isso também permitiu a mudança de cultura, a mudança da maneira de pensar dos nossos gestores. Eu me recordo também dos vários economistas que, corajosamente, denunciaram todos os artifícios contábeis, as "pedaladas", os "puxadinhos", como queiram chamar... (Risos.) Vejo aqui o Marcos Mendes, que é um deles, mas também o Marcos Lisboa, Felipe Salto, Mansueto Almeida, Fabio Giambiagi, tantos outros, que, no seu exercício profissional, mantiveram o dever de dizer a verdade à sociedade, assim como também os jornalistas. Eu me recordo de vários jornalistas, com os quais convivi ao longo desses 25 anos: Vicente Nunes, Rosana Hessel, Daniel Weterman, Claudia Safatle, Ivanir Bortot, o saudoso Oliveira, Ribamar Oliveira. Enfim, foram muitas as pessoas que nesse esforço nacional, um esforço político extremamente bem conduzido pelo Congresso Nacional, um esforço no Supremo - saúdo aqui o Ministro Gilmar Mendes... E me recordo também, com grande carinho, do Ministro Marco Aurélio de Mello, daquele voto emblemático - e ele mudou o voto na última hora... (Risos.) ... enfim, toda a análise cuidadosa que foi feita pelo Supremo. |
R | Nós temos tanto a agradecer a tantas pessoas que contribuíram ao longo desse processo. Vejo aqui o Ministro Anastasia e me recordo, por exemplo, dos técnicos do TCU. Os técnicos do TCU foram fundamentais nesse processo. Um agradecimento muito caloroso à Lucieni Pereira, que está aqui também, presente, ao Leonardo Albernaz, ao Marcelo Eira, ao Alessandro Caldeira, esses técnicos valorosos que atuaram corajosamente, sobretudo nos momentos mais difíceis, como foram aqueles que antecederam o impeachment, em que as contas tiveram que ser reprovadas. Por falar em impeachment, eu me lembro também dos advogados Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior, que deram a sua contribuição ao propor a ação, e das testemunhas que vieram do TCU, que não nos faltaram nessa hora: o Procurador Júlio Marcelo de Oliveira, o então Auditor D'Ávila, Antônio D'Ávila, hoje Consultor. Ao longo do tempo, portanto, nós conseguimos fazer aquilo que pretendíamos, que era mudar a cultura do país, e esse é o grande ponto a comemorar, muito mais do que resultados - sim, temos resultados... Ao longo dos 25 anos, pelo menos, por 13 anos... (Soa a campainha.) A SRA. SELENE PERES NUNES - ... o Governo Federal teve superávit e os estados tiveram uma dívida decrescente ainda hoje, toda a trajetória de dívida consolidada líquida sobre a receita corrente líquida decrescente. Mas, muito mais do que os números, há mudança de cultura. Há toda a informação nos jornais, que têm continuamente, diariamente, notícias a respeito, como antes não havia. Há toda a massa de informações disponível na internet. Há todos os analistas que contribuem para esse tema, não é? E essa mudança de cultura atravessa fronteiras, porque o Brasil é uma referência na Lei de Responsabilidade Fiscal. Hoje, de acordo com os dados do FMI, há 105 países... |
R | (Soa a campainha.) A SRA. SELENE PERES NUNES - ... que possuem regras fiscais, algumas delas com leis de responsabilidade fiscal e muitas fortemente inspiradas na legislação brasileira. Então, acho que nós temos muito a comemorar, mas temos também, certamente, muito a refletir neste momento de extrema gravidade em que, como disse o Senador Alvaro Dias, que foi nosso Relator na CCJ, nós temos aí R$1 trilhão de pagamentos de juros. O que aconteceu conosco? O que aconteceu com o Brasil, que é referência mundial nessa matéria e que agora precisa honrar os esforços de tantos e precisa retomar o fiel cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal? Muito obrigada a todas essas pessoas. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Concedo a palavra ao Sr. Guilherme Dias, Secretário-Executivo e Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão no período de 1999 a 2003, por cinco minutos. O SR. GUILHERME DIAS (Para discursar.) - Bom dia a todos. Queria dirigir-me à Presidente da sessão, Senadora Tereza Cristina, agradecer a gentileza e a ênfase do convite. Havia muitos anos que eu não vinha a Brasília. De certo modo, eu me desliguei das funções públicas, estou trabalhando no setor privado, empreendendo - eu brinco até que tenho um CNPJ de verdade, de setor produtivo. Mas eu guardo excelentes recordações do longo período na administração pública. De certo modo, eu cuidei de orçamento no âmbito federal, estadual e municipal, então esse assunto fiscal e orçamentário eu tive a oportunidade de ver nos três níveis da Federação. Ministro Gilmar Mendes já saiu. Quero cumprimentar também o Ministro Antonio Anastasia, fomos colegas de Governo Fernando Henrique; o Senador Alvaro Dias, fomos colegas de Governo também, nosso Líder; e a economista Auditora Selene Peres, da equipe do ministério; e, enfim, os aqui presentes. Já foi dito muito sobre o tema, eu vou apenas fazer três observações, talvez colocar ênfase em alguns pontos. Acho que o princípio original é que não há país desenvolvido sem moeda forte, e não há moeda forte sem um Tesouro Nacional confiável e sem as contas públicas em ordem. Eu digo isso por quê? Esse debate sobre responsabilidade fiscal tem sido sequestrado - vou repetir: tem sido sequestrado - por quem não tem responsabilidade fiscal, por quem se opõe, para dizer que responsabilidade fiscal é uma coisa só para atender o mercado, a Faria Lima - o que não é verdade. Responsabilidade é uma questão de constituir um país sólido, com propósito, uma economia de fato que possa plenamente se desenvolver. É lógico que um único instrumento legal não veio para curar todos os males - ninguém é inocente -, mas é um pilar, no mínimo, um tijolão fundamental na construção desse processo. |
R | A responsabilidade fiscal foi uma exigência, uma decorrência de um país que tomou a decisão de ter uma moeda estável, o real. Era uma decorrência lógica, nós cumprimos a obrigação moral, o pacto moral, como a Senadora Tereza Cristina falou. Não é a questão do detalhe da lei, é a questão de acreditar ou não no princípio. Foi dito aqui que foi uma obra de inúmeras mãos. E, de fato, foi um consenso raramente alcançado. Eu acho que muito poucas matérias foram votadas no Congresso Nacional... Na Câmara, foram mais de 400 votos: praticamente a unanimidade. No Senado, o Senador encaminhou e foi aprovado sem emendas, porque se entendia que aquela ampla discussão na Câmara tinha, de certo modo, esgotado as contribuições ao processo. Eu tive a felicidade, justamente, de poder, por parte do Ministério do Planejamento, fazer uma interlocução muito próxima com os Relatores da matéria, Deputado Pedro Novais e Senador Alvaro Dias, na construção da matéria. E olhem que o Governo tinha voto para aprovar só com os partidos da base, mas a orientação do Presidente Fernando Henrique era a seguinte: a gente precisava que aquilo fosse objeto de consenso. E a verdade é que foi quase unanimidade. Só não foi unanimidade porque a bancada do Partido dos Trabalhadores fez questão de encaminhar o voto contra. Foi a única bancada que encaminhou o voto contra. E o pior é que até hoje eles não dão sinal de que mudaram de ideia sobre o tema, não é? Acho que esse é o problema. A outra coisa é que sempre se pergunta se uma lei pegou ou não pegou. Eu afirmo, com certa tranquilidade, que a Lei de Responsabilidade pegou. Basta vermos, principalmente, os estados e municípios. Hoje, na média, nos últimos anos, metade dos estados tem nota A do Tesouro Nacional; há 25 anos, metade estava quebrada. O meu estado de origem, o Estado do Espírito Santo, há 13 anos, renova a nota A no Tesouro. A gente até comenta lá que pode revogar a Lei de Responsabilidade que nada vai mudar, porque esse pacto moral está tão consolidado que não é a lei que vai fazer diferença. Eu ia falar no final, mas vou adiantar. Roberto Campos, o avô, que foi Senador aqui, teve uma frase muito emblemática no Mato Grosso que dizia o seguinte: "Não basta uma lei ser forte. O problema é quando a carne é fraca". Então, assim, a gente tem é que, na verdade, construir uma convergência em torno de fazer valer o que já temos. |
R | Então, eu estava dizendo: há uma simetria. A lei pegou nos estados e municípios, basta consultar as estatísticas do Tesouro Nacional para comprovar o que eu estou dizendo. Onde ela tem sido objeto de maus-tratos é no Governo Federal. E aí é um paradoxo, porque a fonte de desequilíbrio fiscal está na União, que deveria dar o exemplo, e o equilíbrio fiscal está nos estados e municípios. Esse é o ponto. Qual é o desafio? Hoje, o desafio é que, em vez de se atacarem as fontes do desequilíbrio fiscal, aquilo que propaga um crescimento da despesa muito acima do PIB e da inflação, optou-se por criar um mecanismo constitucional, que tem status superior à Lei de Responsabilidade Fiscal, por definição, porque a emenda constitucional vale mais que uma lei complementar, que apenas sanciona e legaliza o déficit orçamentário. Sinceramente, como agora eu não estou mais em função pública, eu tenho uma certa licença para falar certas coisas, né? Aquilo que se chama de arcabouço fiscal é uma licença constitucional para continuar gastando a uma velocidade maior do que comporta a economia. É simples assim. Qualquer coisa fora disso é autoengano. Então, o que está em vigor hoje, para o âmbito federal, é um mecanismo constitucional que impede, de certo modo, aplicar os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vale para todo mundo, menos para o Governo Federal. O resultado disso é conhecido de todos, e os fatos estão aí, a consequência: é um crescimento da dívida pública e da incerteza não sobre o futuro longínquo, mas o futuro até próximo, né? É como se não houvesse futuro. Nós temos que gastar por conta porque não tem futuro. Se isso não é irresponsabilidade, eu não sei mais o que é. Então, eu vou finalizar. Para quem esperava que eu fosse falar de coisa técnica, não, tem gente capaz de fazer isso melhor do que eu. Eu vou aqui emitir uma opinião de um cidadão. A minha esperança é que a democracia brasileira seja capaz, novamente, de gerar lideranças e uma coalizão de forças, de fato, que tenha compromisso claro com a retomada da responsabilidade fiscal. Nós precisamos, novamente, de menos fraqueza e mais coragem moral e determinação para buscar a responsabilidade fiscal. Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, ex-Ministro Guilherme Dias, pelas suas palavras. Temos que refletir sobre o que o senhor colocou aqui, sobre o que todos colocaram. Muito obrigada. Concedo a palavra agora ao Sr. Weder de Oliveira, Ministro-Substituto do Tribunal de Contas da União, que foi Consultor do Orçamento da Câmara dos Deputados quando tramitou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Muito obrigado pela sua presença, Ministro. |
R | O SR. WEDER DE OLIVEIRA (Para discursar.) - Exma. Sra. Senadora Tereza Cristina, que concebeu este evento e preside esta sessão comemorativa - deixo também um cumprimento ao Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, com tantas obras, artigos e votos sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal -; Exmo. Sr. Ministro do Tribunal de Contas da União, ex-Senador da República, Antonio Anastasia - um prazer participar do Tribunal de Contas da União com V. Exa. -; Exmo. Sr. Alvaro Dias, ex-Senador de longa e reconhecida história nesta Casa; Exma. Sra. Selene Peres, que fez um retrospecto e reconhecimento a tantas pessoas e técnicos que participaram e participam do desenvolvimento fiscal do país; Exmo. Sr. Guilherme Dias, ex-Ministro do Planejamento e Orçamento, é uma grande honra participar desta sessão especial do Senado Federal, destinada a celebrar os 25 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Sim, Sra. Senadora Tereza Cristina, é preciso celebrar, é preciso manter viva a lembrança daquele momento histórico, singular, de raros consensos, em que foi pensada, elaborada, discutida e aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, no final dos anos 90. Os anos 90 do século passado foram intensos. Começaram com a posse do primeiro Presidente da República eleito por voto direto, após 25 anos de regime de exceção; terminaram com o país lutando para assegurar a estabilidade econômica. Foram anos em que ocorreram grandes mudanças institucionais. O Presidente eleito diretamente renunciou, alvo de um processo de impeachment. A CPI dos Anões do Orçamento revelou ao país as deficiências do processo orçamentário legislativo, que, em grande parte, foram corrigidas ao longo de mais de 20 anos. A abertura externa se acelerou, vivemos uma hiperinflação, 82% ao mês - que diferença faz hoje quando discutimos uma inflação de 5%! -, surgiu o Plano Real, a inflação caiu e acenderam-se as esperanças da nação. Vieram as imprescindíveis e intensamente resistidas reformas da previdência e da administração. Bancos estaduais foram socorridos pelo Proes, bancos privados socorridos pelo Proer. Grandes empresas estatais foram privatizadas. O monopólio do petróleo foi quebrado, mas a soberania nacional resistiu. A emenda da reeleição foi aprovada, a disputa ideológica se acirrou. Os estados-membros quase foram à falência. As dívidas estaduais foram arduamente renegociadas e isso foi um substrato importantíssimo à Lei de Responsabilidade Fiscal, e os governos se comprometeram com duras medidas de austeridade e reorganização administrativa. Medidas mais radicais para colocar os orçamentos públicos em ordem começaram a ser cogitadas. A disputa ideológica acirrou-se ainda mais. Responsabilidade fiscal, rotulada de política neoliberal, era sinônimo ideológico de irresponsabilidade social. |
R | Três grandes crises econômicas internacionais repercutiram fortemente na nossa economia naqueles anos: a do México, a da Ásia e a da Rússia. O Plano Real foi posto à prova. Os juros foram a 51% ao ano. O Fundo Monetário Internacional foi chamado a socorrer a economia brasileira mais uma vez. Anos difíceis. Foram os anos que gestaram a Lei de Responsabilidade Fiscal como âncora normativa e institucional das finanças públicas; anos que renovaram esperanças e, por que não dizer, que deixaram-nos orgulhosos dos notáveis avanços em muitas direções. Vinte e cinco anos depois, o país vive melhores condições. A responsabilidade fiscal foi alçada à condição necessária da responsabilidade social, um surpreendente avanço cívico de nosso país nesses 25 anos. A Lei de Responsabilidade Fiscal, uma lei, tecnicamente, muito avançada para a realidade das nossas instituições, animou os espíritos mais desejosos de um sistema racional de finanças públicas. Observada com rigor, mudaria substancialmente processos legislativos e orçamentários de geração de despesas e de renúncia de receitas. Induziria à essencial cultura do planejamento fiscal consistente de médio e longo prazo e de controle do endividamento público. Como Consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados à época, tive a honra de integrar a equipe que assessorou o Relator do projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal, o Deputado Pedro Novais. Foram meses ininterruptos de reuniões, audiências públicas e debates entre especialistas, de horas e horas de análise, centenas de emendas propostas pelos diversos setores da administração pública e da sociedade, de intensos esforços técnicos, como bem mencionou o Ministro Antonio Anastasia e bem relembrou a Selene, e de técnica legislativa empreendidos na redação de mais de 20 versões do que veio a ser o texto final, aprovado em dezembro de 1999. Eu era o membro mais novo de um grupo de consultores de larga vivência em finanças públicas dedicado à assessoria do Relator, que devem ser lembrados: Eugênio Greggianin, que aqui está, Diretor da Consultoria à época, Eber Zoehler Santa Helena, Osvaldo Maldonado Sanches, José Fernando Cosentino, Ingo Luger, entre tantos outros. Eu era o consultor mais novo, mas a quem foi dada a responsabilidade pela coordenação operacional dos trabalhos, o que me colocou na privilegiada posição de participar das discussões e redações de cada artigo, parágrafo, inciso e alínea da LRF. Guardei comigo, como um registro daquele momento histórico único, todas as versões do texto, um retrato bibliográfico da evolução das ideias. Poucas vezes na história do país, um projeto de lei, um tema foi debatido no Parlamento. Trinta e oito audiências públicas apenas na Câmara dos Deputados; debatido no Parlamento e na opinião pública com tamanha intensidade e um senso de estar fazendo história. Sim, era este o sentimento daquela época: estávamos fazendo história. O Ministro Guilherme Dias comentava aqui que foi uma grande surpresa imaginar que aquele projeto pudesse ter recebido o debate democrático especializado que recebeu. Estava se introduzindo uma nova instituição na cultura nacional, a responsabilidade na gestão fiscal. As complexidades operacionais e jurídicas envolvidas na aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal eram muitas e desconhecidas, tanto maiores quanto eram as restrições impostas aos legisladores e aos responsáveis pela macrogestão fiscal. A LRF era o ápice de uma pirâmide de complexas e instigantes questões de fundos, submersas na aparência de clareza e simplicidade de seus dispositivos. Aliás, clareza e simplicidade foram premissas definidas pelo Relator em sua interlocução permanente com o Poder Executivo. |
R | Senadora Tereza Cristina, sabemos bem como é difícil legislar, elaborar uma lei seguindo essas premissas. Era um desafio técnico legislativo ao qual toda a equipe do Relator se debruçou durante meses para alcançar esse intento e depois, como mencionado pelo Senador Alvaro Dias, o Senado Federal manteve a quase integralidade do projeto para que pudessem ter, em menos de um ano, uma revolução nas finanças públicas brasileiras. Se o sistema federativo de governança das finanças públicas falhou parcialmente no cumprimento e implementação das normas constitucionais e das leis de finanças públicas, um sistema sob constante tensão e exigência de aprimoramentos, a ideia da gestão fiscal responsável, da sustentabilidade fiscal, não desapareceu. Mencionado pelo Ministro Guilherme Dias, em alguns locais, pode se prescindir de uma legislação dada a cultura que se estabeleceu, mas, em outros, é preciso o contrário, o enforcement da legislação. No sistema político, ninguém mais defende publicamente, impunemente, um sistema orçamentário sem regras fiscais, ninguém mais propugna o retorno ao passado da leniência fiscal. Todos, de algum modo, defendem a responsabilidade fiscal, ainda que responsabilidade fiscal possa ter sentidos e requerer normas diferentes para uns e para outros. Ao finalizar meu pronunciamento, e aqui gostaria novamente de agradecer ao Senador o convite que me fez, gostaria de rememorar um parágrafo da exposição de motivos do projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal, que introduziu sem muito alarde uma ideia inovadora, uma nova forma de compreender as finanças públicas. Explicava-se na exposição de motivos que, com aquele projeto, aquela nova instituição de finanças públicas, a responsabilidade fiscal, buscava-se, abro aspas: "construir compromisso em favor de um regime fiscal capaz de assegurar o equilíbrio intertemporal das contas públicas", e aqui é o destaque, Ministro Anastasia, "entendido como bem coletivo, do interesse geral da sociedade brasileira, por ser condição necessária para a consolidação da estabilidade de preços e a retomada do desenvolvimento sustentável". É esta ideia da sustentabilidade fiscal: como um bem coletivo, colocado no patamar semelhante ao da responsabilidade social; um bem do interesse geral do país, imprescindível ao nosso desenvolvimento socioeconômico; o legado daquele momento histórico, há 25 anos, que o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e este Senado Federal, por votação superior à necessária para aprovação de uma emenda à Constituição - mais de 400 votos - deixou ao país. E é esse legado que precisa ser preservado, consolidado por todas as instituições da República e pela sociedade brasileira. Muito obrigado. |
R | (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, Ministro Weder. Passo então agora a palavra ao Sr. José Roberto Afonso, Economista, Professor e articulador técnico da proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal, que está de maneira remota, a quem agora vamos ouvir com grande atenção, Dr. José Roberto. (Pausa.) Está sem som. O senhor podia falar para ver se nós... Continua sem som. Não. (Pausa.) Dr. José Roberto, eu vou passar ao Ministro Pedro Parente e depois a gente retorna para o senhor. Vamos ver se nós conseguimos arrumar o som. Passo então a palavra ao Sr. Pedro Parente, Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão em 1999; Ministro de Estado de Minas e Energia em 2002; Ministro-Chefe da Casa Civil no período de 1999 a 2003; e Presidente da Petrobras de 2016 a 2018, por cinco minutos. Obrigado, Dr. Pedro Parente. O SR. PEDRO PARENTE (Por videoconferência.) - Bom dia. Pergunto se me escutam. A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - O.k. O SR. PEDRO PARENTE (Para discursar. Por videoconferência.) - Muito obrigado. Sra. Presidente, senhoras e senhores, permitam-me iniciar saudando as autoridades participantes da mesa desta sessão: a Senadora Tereza Cristina, agradecendo o convite para participar desta sessão; o Ministro Gilmar Mendes; o Ministro Antonio Anastasia, meu colega de Governo e depois de outras atuações, agora Ministro do Tribunal de Contas da União; o ex-Senador Alvaro Dias, Relator da Lei de Responsabilidade Fiscal; meu amigo o ex-Ministro Guilherme Dias; e a Sra. Selene Peres - todos que tanto contribuíram em diferentes frentes para o fortalecimento das instituições brasileiras e da responsabilidade na gestão pública. Neste momento em que se celebram os 25 anos da Lei Complementar nº 101, de 2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, é fundamental reconhecer o significado histórico dessa norma para a consolidação da gestão pública no Brasil e para a estabilidade institucional do Estado brasileiro. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi e continua sendo um divisor de águas. Em um país que por décadas conviveu com desequilíbrios fiscais crônicos, inclusive a hiperinflação, ela introduziu regras claras e permanentes para o controle dos gastos públicos, frise-se, em todos os níveis de Governo, exigindo planejamento, transparência e responsabilidade dos gestores. Em outras palavras, deu forma jurídica àquilo que deveria ser um compromisso ético do Estado: zelar pelo futuro das finanças públicas e, por consequência, pelas gerações que virão. |
R | A promulgação da LRF representou, portanto, um salto institucional. E, como toda grande conquista democrática, ela resultou do esforço coletivo de muitos. Sei que hoje estão presentes vários dos protagonistas desse processo, autoridades, técnicos, Parlamentares e membros da sociedade civil que contribuíram decisivamente para a sua construção. Sem diminuir a relevância de todos os já citados, permitam-me destacar, em especial, o ex-Ministro do Planejamento Martus Tavares, cuja ausência nesta cerimônia não diminui em nada sua importância histórica neste processo. Coube a ele uma das contribuições técnicas e políticas, inclusive, mais relevantes para a construção da LRF, conduzindo com firmeza e competência a fidelidade da proposta aos princípios do equilíbrio fiscal, da transparência e da responsabilidade com as futuras gerações, sempre em perfeita sintonia com a decisiva liderança do nosso então, e querido, Presidente Fernando Henrique Cardoso, para que a parlamentasse, a acolhesse e a deliberasse com as suas contribuições, que foram imensas, com espírito público, reconhecendo plenamente o seu alcance estratégico. A LRF se inscreve em uma linha de continuidade de avanços institucionais cruciais, ao lado de momentos como o Plano Real, as reformas da previdência, da legislação trabalhista e tributária, a Lei das Estatais e a independência do Banco Central. Cada uma dessas iniciativas fortaleceu os alicerces da nossa democracia e da nossa economia. Mas vale um alerta: nesses 25 anos, a LRF enfrentou desafios, tensões e tentativas de flexibilização ou mesmo de sua anulação no âmbito judicial. Ainda há lacunas na regulamentação de dispositivos previstos na própria lei. Seu princípio essencial precisa permanecer: a convicção de que a responsabilidade fiscal não é um fim em si mesmo, mas um meio para garantir a justiça social, a sustentabilidade e a confiança no setor público. Cabe, portanto, a todos nós que acreditamos no valor das instituições, especialmente a V. Exas., membros do nosso Parlamento, preservar e renovar este compromisso, especialmente no âmbito federal, como mencionado pelo corajoso pronunciamento da Presidente desta sessão, a Senadora Tereza Cristina, e do ex-Ministro Guilherme Dias, porque, no fundo, a Lei de Responsabilidade Fiscal expressa algo muito maior, um pacto intergeracional de responsabilidade e solidariedade entre o presente e o futuro do Brasil. Portanto, que esta data sirva para celebrar, mas também para refletir sobre a importância de seguirmos firmes neste caminho, com seriedade, diálogo, espírito público e visão de país. Muito obrigado. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, Dr. Pedro Parente, pela sua fala. |
R | Hoje, Senador Anastasia, Senador Alvaro Dias, Selene, Dr. Guilherme Dias, Ministro Gilmar, que já saiu, nós estamos tendo uma aula. E aqui eu quero cumprimentar todos os Prefeitos, Prefeitas, Vereadores que estão aqui, alguns já passaram. Olhem a importância disso para a cultura dos nossos municípios, dos estados e da nossa Federação. Então, eu estou muito feliz com esta sessão aqui, hoje, porque é uma aula para todos nós e mostra que nós precisamos continuar trabalhando para que essa lei continue sendo aprimorada e que o Brasil possa ter cada vez mais esse ambiente de transparência, governança com as nossas finanças. Muito obrigada. Concedo agora a palavra para o Sr. José Roberto Afonso, Economista, Professor, articulador técnico da proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal. Dr. José Afonso. O SR. JOSÉ ROBERTO AFONSO (Para discursar. Por videoconferência.) - Bom dia, Senadora. Agora está o.k.? A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Agora está o.k. O SR. JOSÉ ROBERTO AFONSO (Por videoconferência.) - Que bom! (Risos.) Deixem-me já agradecer ao convite da Senadora e me permitam, ao cumprimentá-la, cumprimentar todos os presentes, muitos amigos e todos os Parlamentares e autoridades. Peço desculpas por falar remoto, estou do outro lado do oceano. Acho que muito aqui já foi colocado. Eu me permitiria focar, já que a gente está falando em 25 anos, na questão da história. Como dizem que os brasileiros têm memória curta, permitam-me aqui resgatar fatos, que são melhores do que relatos, e, com base nesses fatos - já antecipo a minha conclusão -, defender a importância de se repetir o processo que envolveu a Lei de Responsabilidade Fiscal do ponto de vista de conciliar vontade política, suporte técnico e diálogo, que eu acho que todos aqui enfatizaram. Antes de tudo, quero só lembrar: nós temos uma lei geral importante sobre finanças públicas que é de 1964, a famosa Lei 4.320, que continua em vigor. Eu queria lembrar que essa lei foi iniciativa dos Parlamentares, inclusive a pedido de contabilistas dos estados e municípios. O poderoso Dasp do Governo foi contra e, mesmo assim, a lei foi aprovada. O Presidente João Goulart vetou alguns dispositivos da lei e, depois de instalado o regime militar, o Congresso derrubou vetos e republicou a lei, repondo parte da matéria que foi tirada, o que mostra o interesse que teve o Congresso naquela época. Eu só estou citando isso, porque já antecipo a minha conclusão. Quem sabe, passados mais de 50 anos, o dobro do tempo da Lei de Responsabilidade Fiscal, não se consiga repetir esse processo. No caso da Lei de Responsabilidade Fiscal, eu reforçaria muito a importância de que a sua origem está no Congresso Nacional, na origem, na Assembleia Nacional Constituinte. Inicialmente, inclusive, foi chamada de Código de Finanças Públicas pelo então Deputado constituinte José Serra, que eu tive a honra de poder assessorar na época. E ele pensava numa lei geral que juntasse regras e princípios cobrindo não só receitas, despesas, dívidas, ou seja, fazendo um arcabouço todo. Por curiosidade, o Brasil teve um Código Geral de Contabilidade Pública, que seria o embrião desse Código, em 1920. Bom, muito bem, aprovada a Constituição de 1988 e passados cerca de dez anos, um pouco mais de dez anos, quando o Congresso examinou a emenda da reforma administrativa proposta pelo Governo Fernando Henrique, o Congresso tomou a iniciativa de pedir ao Poder Executivo que enviasse um projeto, no prazo de seis meses, para regulamentar o art. 163 da Constituição. Então, não tem... Inclusive, na época, se dizia: "Ah, foi o FMI que mandou fazer a lei". Não, foi o Congresso. Aliás, o FMI, inclusive, mandou uma carta dizendo que o nosso projeto não ia dar certo e, depois, retificou. |
R | O Presidente Fernando Henrique - acho que já foi colocado aqui, mas eu me permitiria insistir muito neste ponto - optou por, completado o prazo, publicar um anteprojeto, chamar audiências públicas, receber emendas pela internet, muitas resultaram em alterações do projeto, e o principal: abrir negociações com os agentes interessados, estados, municípios, setor financeiro, entidades da sociedade civil... Em particular, com os estados, passaram-se vários dias no BNDES, no Rio de Janeiro, lendo cada dispositivo do anteprojeto e colhendo críticas e sugestões. Por exemplo, o Senador Alvaro Dias estava lembrando a questão do limite de despesa de pessoal, que já tinha na chamada Lei Camata, em que os estados alegaram, com toda a razão: "Olhe, não funciona por conta da autonomia dos Poderes, porque, quando extrapola o limite, o Poder Executivo corta, mas, se o Legislativo e o Judiciário nada fizerem e aumentarem, no final, eu continuo desenquadrado". E foi daí, a pedido dos estados, que se desmembrou o limite de despesa de pessoal por Poder. E isso mostra o porquê, quando o projeto chega ao Congresso, de ele conseguir ter apoio de estados e municípios e ter uma tramitação relativamente rápida. Eu reforçaria também - e vou acelerar aqui para poder concluir - o que já foi colocado aqui: teve um anteprojeto de lei em 1998, o projeto de lei enviado formalmente ao Congresso em 1999 e o projeto aprovado na Câmara, que mudou sensivelmente o projeto proposto pelo Presidente Fernando Henrique, mudou na forma e não na essência. Como a essência era a mesma, o Executivo e a Câmara dos Deputados acordaram e avançaram. Aliás, até como foi lembrado, muitas sugestões, inclusive, vieram - e muito boas e pertinentes - dos partidos de oposição, que depois votaram contra, mas tem lá o DNA deles, como, por exemplo, a proibição de o Banco Central emitir títulos e a exigência - que os Senadores aí bem sabem - de o Presidente do Banco Central e de o Ministro da Fazenda periodicamente irem ao Congresso. A mesma coisa, guardadas as proporções, se espelha nos estados e municípios. Foi um processo muito rico, foram sugestões muito boas. A assessoria da Câmara, que está aí muito bem representada, teve um papel decisivo. Por exemplo, na proposta original do Governo não se tratava da receita. E uma das primeiras coisas que o Relator Pedro Novais falou foi: "Não, como é que pode ter responsabilidade fiscal caso não se cobrem impostos?", sobretudo olhando o caso de prefeituras, pois nem todas na época arrecadavam IPTU. Hoje, a realidade é completamente diferente. No Senado, em que o Senador Alvaro Dias relatou, o projeto foi aprovado com quórum de emenda constitucional. E, como já foi destacado, inclusive, pelo Ministro Gilmar Mendes, em relação ao questionamento não só da lei como um todo, mas de partes dela, ela foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal. Sobre esse processo que envolve diferentes esferas de Governo e que envolve diferentes Poderes, acho que a forma como ele foi conduzido é muito importante a gente retomar nestes dias para, quem sabe, embasar novas mudanças. Eu destacaria aqui, para concluir, pelo menos três. Antes de tudo, não se completou a aplicação de regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, como já foi dito e destacado pelo Ministro Gilmar, não só pela lei. O limite de dívida da União - seja da consolidada, pelo Senado; seja da mobiliária, pelo Congresso - é ditado pela Constituição, não é uma opção da Lei de Responsabilidade Fiscal, e é algo que precisa ser retomado - o Senador Renan Calheiros, inclusive, acho que está retomando neste ano. Segundo, é a urgência de se ter uma lei geral de contas públicas. Fala-se muito sobre orçamento, se fala muito sobre prestação de contas, se discute o que é despesa de pessoal, o que é dívida, o que é emenda parlamentar, tudo isso acho que pode e deve estar sendo disciplinado de uma forma harmônica, revisando uma lei de 1964, extremamente moderna, ousada para a época, mas não é possível que em 2025 não se consiga construir um acordo técnico e político para revisar essa lei. |
R | E, por último, uma eventual hipótese. Nós temos muita matéria no texto constitucional, inclusive, por vezes, tratada de forma contraditória, muita matéria também em diferentes leis complementares, e o coitado do executor, que está lá na ponta, tem uma enorme dificuldade de lidar com todas essas regras. Eu acho que, talvez, pensando num salto de modernidade, o Brasil poderia pensar em ter um Código Fiscal, ou seja, reunir todas as matérias que envolvam contas e coisas públicas num só documento, da mesma forma que acho que poderia e deveria atualizar o Código Tributário - facilitaria tanto a vida dos contribuintes como a dos gestores estaduais e municipais. Em suma, queria aqui, mais uma vez, agradecer a oportunidade e reforçar que acho que o mais importante de se comemorar nesses 25 anos, mais do que números, do que resultados, é a experiência passada, que lições dela a gente pode tirar para novas mudanças para o futuro. E eu sou muito otimista, sobretudo, porque eu acho que o Congresso brasileiro pode vir tomar a iniciativa e a frente dessa nova onda hoje, com geração de reformas. Muito obrigado, Senadora, e um abraço a todos. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, Dr. José Afonso. Foi muito bom ter ouvido o senhor. Já anotamos todas as suas considerações para o futuro, para a gente ver, na Casa, se a gente consegue caminhar com algumas das sugestões que todos vocês aqui nos deram neste dia, que para mim está sendo da maior alegria. Concedo agora a palavra ao Sr. Marcos Mendes, Economista e Consultor Legislativo do Senado Federal, por cinco minutos. (Pausa.) O SR. MARCOS MENDES (Para discursar.) - Bom dia a todos. Cumprimento a todos os presentes, vários colegas aqui presentes, Senadores a quem eu assessorei tantas vezes. Agradeço à Senadora Tereza Cristina, na pessoa de quem eu cumprimento a todos. Eu vou falar aqui um pouco, numa perspectiva histórica, sobre qual foi a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 1994, nós aprovamos o Plano Real - se eu não me engano, oitava ou nona tentativa de estabilizar uma economia que teimava em ser fortemente inflacionária. O Plano Real deu certo, mas viveu, logo em seguida, o desafio do desequilíbrio fiscal, que naquele momento era muito mais grave nos estados e municípios do que na União. Você tinha estados com bancos quebrados, não pagavam a Eletrobras pela energia que consumiam, nem sequer tinham contabilidade. Vivíamos, naquele tempo, também, a forte proliferação de municípios estimulados pela lei do Fundo de Participação dos Municípios. |
R | Então, era necessário, naquele momento, enquadrar e trazer a noção de responsabilidade fiscal para estados e municípios. E foi um plano de governo muito bem-sucedido, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal não veio sozinha; ela veio junto com aquela forte, grande renegociação da dívida de estados e municípios, da Lei 9.496, de 1997, em que se fez um acordo muito bem amarrado: a União renegociou a dívida dos estados e, posteriormente, dos municípios, numa medida provisória de 2001, por 30 anos, assumiu aquela dívida, renegociou com juros fixos, mais baixos, e sob o compromisso de que o estado ou município que não pagasse a sua dívida teria os recursos imediatamente sacados da sua conta, o que tornou aquele mecanismo muito forte. Então, a Lei de Responsabilidade Fiscal veio dar diretrizes, veio auxiliar os estados e municípios que estavam sendo induzidos a fazerem ajustes nas suas contas, e aquilo foi muito bem-sucedido. Nós tivemos, num primeiro momento, uma grande mudança no estilo da gestão estadual e municipal. Agora, o efeito da lei, infelizmente, foi sendo mitigado ao longo do tempo, e eu vejo aqui três fatores. O primeiro, natural de toda lei. Quem é regulado pela lei vai sempre encontrando caminhos para driblar a lei, driblar o conceito de despesa de pessoal, driblar o conceito de dívida e conseguir, ali na margem, escapar aos seus limites. O segundo problema, que a gente não conseguia, num primeiro momento, visualizar quando a lei foi escrita, mas ficou claro depois, é o que a gente chama de limites pró-cíclicos. Todos os limites de dívida, de despesa de pessoal, eles são referenciados na receita corrente líquida. E o que é que aconteceu? O Brasil foi muito beneficiado pelo boom de commodities, teve um período de crescimento muito forte, e a receita de estados e municípios cresceu tremendamente, ali, entre 2005 e 2013. Com isso, foi possível tomar mais dívida, foi possível empregar mais gente, só que, quando a economia virou, lá em 2013, entramos numa recessão em 2014, os estados e municípios estavam com dívida alta, folha de pessoal alta, e não conseguiam resolver aquilo de uma hora para outra. E, aí, foi em 2014 que nós tivemos uma grande perda na Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi a primeira renegociação de... (Soa a campainha.) O SR. MARCOS MENDES - ... dívida de estados e municípios após a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. O art. 35 da lei dizia, expressamente, que era proibido qualquer nova renegociação, e, aí, o artifício que se usou foi não mexer no art. 35, mas aprovar uma lei complementar dizendo que, para fins daquela renegociação, não valia o art. 35. A manobra pegou, e, de lá para cá, já foram sete renegociações, sempre isentando da Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, isso é uma coisa que a gente precisa rever, a precisa rever esse caráter pró-cíclico dos limites, no intuito de conseguir mais 25 anos de eficácia da Lei de Responsabilidade Fiscal. A outra coisa - para concluir - a que eu chamo a atenção é que a lei deu um instrumento muito forte de controle de estados e municípios na mão do Poder Executivo. Então, ela pressupunha que você teria, na operação da lei... (Soa a campainha.) O SR. MARCOS MENDES - ... um Poder Executivo disposto a fazer ajuste fiscal, o que, depois, em alguns casos, não se revelou verdadeiro. |
R | Nós tivemos, de 2003 até 2014, uma gestão, eu diria, um tanto leniente dos limites de endividamento, inclusive com concessão de autorizações excepcionais de endividamento para estados que tinham nota D na classificação de crédito, que era a pior de todas. Então, a gente precisa também reequilibrar a distribuição de Poderes, porque, se deixar todas as responsabilidades na mão do Poder Executivo, se a gente tem o Poder Executivo nas mãos de quem não está preocupado ou não dá a devida importância ao controle fiscal, a lei perde potência. Era esse o meu recado. Mais uma vez, quero agradecer à Senadora Tereza Cristina, sempre à disposição para trabalhar nesse e em outros assuntos de finanças públicas, para que a gente possa ter a estabilidade fiscal do nosso país garantida para os próximos anos. Muito obrigado. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Nós é que agradecemos, Dr. Marcos Mendes. O senhor não poderia estar aqui hoje, mandou um vídeo, e depois pôde estar. Então, muito obrigada aqui pela sua presença. Concedo a palavra agora ao Sr. Hélio Tollini, Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados aposentado e ex-Secretário de Orçamento Federal por cinco minutos. O SR. HÉLIO TOLLINI (Para discursar.) - Bom dia a todos. Queria, inicialmente, agradecer à Senadora Tereza Cristina pelo honroso convite para estar aqui neste momento. Eu quero fazer uma fala breve, mas acho que, primeiramente, gostaria de registrar, de fazer uma homenagem ao saudoso economista Eduardo Guardia, que depois foi Ministro da Fazenda no Governo Michel Temer. No final de 1998, início de 1999, o Brasil precisou renegociar um acordo com o FMI e nós fomos, nós participamos de várias missões - ele, representando o Tesouro; eu, representando a Secretaria de Orçamento, por delegação do Guilherme, delegação do saudoso Secretário Waldemar Giomi. E, numa dessas missões, o Eduardo Guardia me chamou para uma reunião com um economista do FMI chamado George Kopits, que era, naquela ocasião, o maior especialista internacional em leis de responsabilidade fiscal. Nós fomos para essa reunião. Eu não sabia nada de responsabilidade fiscal. Na minha cabeça, eram umas regras de transparência, um negócio lá de regra fiscal. Ficamos lá uma hora, pouco mais de uma hora, conversando, e, quando eu saí da sala, a minha cabeça estava borbulhando de tanta informação que ele passou para a gente, de tantos conceitos novos que ele colocou para a gente. Eu realmente saí e estava meio assim... Não conseguia... Estava tentando processar aquela quantidade de coisa. E, evidentemente, nós fizemos um relato, naquela mesma noite, ao restante da delegação que estava em Washington e, evidentemente, também, na volta, conversamos cada um com seus respectivos secretários e colocamos essas ideias aí para a frente. Então, fica aqui minha homenagem a Eduardo Guardia, que teve essa iniciativa no momento em que ainda se falava muito pouco de responsabilidade fiscal. Um segundo ponto. Eu quero fazer um relato pessoal, porque, logo após a Lei de Responsabilidade, um pouco depois, eu me tornei Secretário da SOF, e, nessa condição, a gente recebia muitas delegações. |
R | Então, eu me lembro nitidamente de que, entre 2001 e 2002, nós recebemos delegação da OCDE, que queria entender a nossa Lei de Responsabilidade, não só a lei, mas, enfim, a gestão das finanças públicas; recebemos delegação - até hoje não entendo o porquê - da National Security Agency, dos Estados Unidos, recebemos delegação da China, recebemos ligação da Coreia e de outros, não sei se da Indonésia, enfim, de alguns países muito interessados em entender a Lei de Responsabilidade Fiscal do Brasil. Depois, no final do Governo Fernando Henrique, eu fui trabalhar no FMI, em Washington, fiquei quatro anos, e quando eu falava lá com os colegas, "ah, brasileiro", ia conhecendo as pessoas, a primeira coisa que eles falavam era: "E a Lei de Responsabilidade, como é que está?". Então era assim, havia um reconhecimento bastante positivo em relação à Lei de Responsabilidade do Brasil. E por que havia esse reconhecimento? Porque a Lei de Responsabilidade Fiscal do Brasil tinha um grau de flexibilidade muito bom, ela não era uma lei rígida. Vários outros países implementaram leis de responsabilidade rígidas e essas leis deixaram de ter vigor logo no ano seguinte ou talvez no segundo ano, são vários casos, porque elas colocaram a meta fiscal explicitamente na lei. No nosso caso, não. Nós tínhamos cláusula de escape, nós tínhamos... A lei falava da necessidade de ter metas fiscais, mas as metas fiscais eram fixadas anualmente na LDO, como se faz até hoje, né? Então, isso gerou um glamour internacional. Eu fiz várias, dezenas de missões do FMI a diversos países e eu estava comentando aqui um pouco antes que, ainda em 2010, a lei aqui no Brasil já enfrentava problemas de contabilidade criativa, mas lá fora ainda tinha um respaldo muito grande. (Soa a campainha.) O SR. HÉLIO TOLLINI - Fiz uma missão às Ilhas Maldivas, e eles faziam questão de que tivesse alguém lá que apresentasse a Lei de Responsabilidade Fiscal do Brasil. Enfim, é interessante saber que houve uma espécie de euforia com a lei brasileira, que perdurou por bastante tempo. Por fim, para concluir no meu último minuto, eu gostaria de falar um pouco, retomando a questão da lei complementar de finanças públicas, que foi aprovada por esta Casa aqui em 2016 e que está "em tramitação", entre aspas, na Câmara dos Deputados, na verdade está paralisada lá. Realmente, como colocou o José Roberto Afonso, seria muito importante que houvesse uma discussão não só da lei complementar de finanças públicas, mas eventualmente de uma revisão da Lei de Responsabilidade Fiscal. Eu lembro que, na proposta inicial que nós fizemos da lei de finanças públicas, a pedido do Senador Tasso Jereissati - trabalhei junto com o José Roberto -, nós tínhamos um capítulo inteiro dedicado a alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal. (Soa a campainha.) O SR. HÉLIO TOLLINI - Eram umas 25 páginas de alterações, para vocês terem uma ideia da quantidade de alterações. É claro que muito das situações já foi resolvido, mas eventualmente ainda existiria espaço para um aperfeiçoamento; depois de 25 anos, a gente poderia incorporar novas ideias e tudo isso. Então, era esse o meu relato. Queria agradecer novamente o convite, é um prazer estar aqui hoje. Obrigado. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Muito obrigada, Dr. Hélio Tollini. Agora eu concedo a palavra ao Sr. Flávio Diogo Luz, Consultor-Geral de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, por cinco minutos. O SR. FLÁVIO DIOGO LUZ (Para discursar.) - Bom dia, senhoras e senhores. Peço licença às autoridades da mesa para cumprimentá-las na pessoa da Exma. Sra. Senadora Tereza Cristina. É uma honra estar nesta sessão de comemoração, de celebração da Lei de Responsabilidade Fiscal. Hoje celebramos 25 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal, um marco na governança fiscal brasileira. Nessa ocasião especial, permitam-me, na condição de Consultor-Geral de Orçamentos do Senado, parabenizar primeiramente os Parlamentares e líderes políticos que tiveram a visão e a coragem de patrocinar essa ideia transformadora para as finanças públicas nacionais. |
R | Junto a essa importante liderança política, é justo destacar também o trabalho dedicado dos técnicos que foram essenciais para a construção dessa legislação. Durante a tramitação da LRF e até mesmo antes, dezenas de técnicos das Consultorias da Câmara, do Senado, do Executivo, dos tribunais de contas mobilizaram-se com rigor e precisão técnica para consolidar mecanismos inovadores em busca de eficácia e transparência nas finanças públicas nacionais. Um exemplo disso foi o aperfeiçoamento da limitação de empenho, nosso conhecido contingenciamento. A LRF representou um divisor de águas ao trazer previsibilidade às contas públicas, impor limites às despesas com pessoal e exigir transparência constante por meio de relatórios de acompanhamento orçamentário e fiscal. Esses avanços possibilitaram maior controle sobre a dívida pública, contribuindo para a sustentabilidade das finanças nacionais. No entanto, após 25 anos, é preciso reconhecer, como já trouxeram alguns colegas aqui e oradores anteriores a mim, que novos desafios se apresentam à LRF. Mudanças no contexto econômico, social e institucional exigem adaptações para garantir que a lei continue efetivamente promovendo a responsabilidade na gestão fiscal. É fundamental, portanto, uniformizar a contabilização das despesas com pessoal, resolvendo divergências que geram insegurança jurídica e prejudicam o controle fiscal. É necessário disciplinar com maior rigor as renúncias de receita, criando instrumentos mais eficazes para a sua implementação. Além disso, é essencial conectar claramente a LRF ao novo arcabouço fiscal, recentemente aprovado, assegurando plena coerência entre metas fiscais e limites de despesa, como comentou aqui o colega Marcos Mendes, garantindo uma gestão fiscal compatível com as realidades econômicas atuais. Celebrar os 25 anos da LRF significa renovar o nosso compromisso histórico com a responsabilidade fiscal, reconhecendo que as leis devem evoluir constantemente para enfrentar novos desafios. Com esse espírito, Senadora Tereza Cristina, aproveito a oportunidade para anunciar que a Consultoria de Orçamentos do Senado trabalha para lançar, nos próximos meses, um livro contendo reflexões e propostas técnicas de aprimoramento para a lei a fim de fomentar um debate público amplo e qualificado. Encerro a minha fala expressando o meu desejo de que possamos entregar às futuras gerações uma Lei de Responsabilidade Fiscal fortalecida, renovada e plenamente preparada para os desafios que estão por vir nos próximos 25 anos. Muito obrigado. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Tereza Cristina. Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS) - Nós é que agradecemos a sua fala. Agora, neste momento, eu faço uma menção especial ao convidado presente nesta sessão, Sr. Eugênio Greggianin, Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, titular da Consultoria na época da tramitação da LRF. |
R | Também faço menção aos convidados que não puderam participar desta sessão especial: Presidente Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República no período de 1995 a 2003; Sr. Pedro Novais Lima, Deputado Federal pelo período de 1991 a 2015 e Relator do projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal na Câmara dos Deputados; Sr. José Serra, Deputado constituinte, Relator do capítulo de finanças públicas que inseriu o tema na Constituição Federal e Senador pelos períodos de 1995 a 2003 e 2015 a 2023; Sr. Martus Tavares, Ministro de Estado do Planejamento no período de 1999 a 2003; Sr. Pedro Malan, Ministro de Estado da Fazenda no período de 1995 a 2003 e Presidente do Banco Central do Brasil no período de 1993 a 1995; Sr. Gustavo Franco, Presidente do Banco Central no período de 1997 a 1999; e Sr. Armínio Fraga, Presidente do Banco Central no período de 1999 a 2003. In memoriam, faço menção aos que participaram da elaboração da Lei de Responsabilidade Fiscal: Sr. Jefferson Peres, Senador pelo período de 1989 a 2008; Sr. Waldemar Giomi, ex-Secretário do Orçamento Federal; e Sr. Fábio de Oliveira Barbosa, Secretário de Tesouro Nacional no período de 1999 a 2002. Cumprida a finalidade desta sessão especial do Senado Federal, agradeço às personalidades que nos honraram aqui com as suas participações. Está encerrada a sessão. Convido a todos para uma foto conjunta na frente da mesa. Agradeço a aula que vocês nos deram aqui hoje. Muito obrigada. (Palmas.) (Levanta-se a sessão às 11 horas e 17 minutos.) |