Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS DIFICULDADES PARA EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE ESTABILIZAÇÃO DO GOVERNO, CONTESTANDO AS RECENTES DECLARAÇÕES DO MINISTRO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SOBRE A INCONSISTENCIA DA CANDIDATURA DE LULA A PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ELEIÇÕES.:
  • CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS DIFICULDADES PARA EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE ESTABILIZAÇÃO DO GOVERNO, CONTESTANDO AS RECENTES DECLARAÇÕES DO MINISTRO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SOBRE A INCONSISTENCIA DA CANDIDATURA DE LULA A PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/01/1994 - Página 142
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), RELAÇÃO, CANDIDATURA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

     O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Nabor Júnior; Srs. Senadores, nesses últimos dias, o Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, tem expressado que, se houver necessidade, aceitará a missão de ser candidato à Presidência da República. Aproximadamente, essas foram as palavras que S. Exª pronunciou em Goiânia. A partir daí, durante os últimos três dias, mais a mais abertamente, colocou-se como um possível candidato do PSDB à Presidência da República.

     Gostaria de assinalar que considero legítimo que o Ministro Fernando Henrique tenha essa aspiração. S. Exª tem todo o direito de ser candidato.

     Gostaria, entretanto, de registrar algumas reflexões, pois temo que essa atitude de nosso colega no Senado, Ministro Fernando Henrique Cardoso, possa ser um sinal de quem esteja querendo jogar a toalha antes de completar uma tarefa muito importante, pois o Ministro Fernando Henrique Cardoso teve a delegação do Presidente Itamar Franco para elaborar o Programa de Estabilização. Então, além do Presidente Itamar Franco, obviamente, ele é o principal responsável por aquilo que se denominou ser o Plano Fernando Henrique Cardoso 2.

          Lembremo-nos de que quando o Ministro Fernando Henrique Cardoso assumiu, em abril passado, o Ministério da Fazenda, a inflação estava na casa dos 25% ao mês e, desde então, ela vem - se elevando gradativamente. Estamos com uma inflação na casa dos 40% ao mês, sempre ou quase sempre crescendo de um mês para outro. Portanto, como avaliar que estaria o Ministro em condições adequadas de se lançar candidato a Presidente antes mesmo de, pelo menos por um mês, já se ver a inflação diminuir?.

     É bem verdade que estamos com a economia um pouco mais dinamizada; é bem verdade que a taxa de crescimento da economia tem sido positiva nos últimos oito meses; há ligeira recuperação do nível de emprego - é preciso ressaltar, apenas ligeira. Existe a preocupação com respeito à questão da solidariedade, da melhoria da distribuição da renda e da riqueza, mas os passos nessa direção são ainda muito precários.

     O próprio Ministro Fernando Henrique Cardoso participou, neste final de semana, em Águas Belas, de um ato de distribuição de cestas básicas. Naquela oportunidade, ressaltou que estavam também sendo feitos os pagamentos para os trabalhadores inscritos nas frentes de trabalho, que estavam ali obtendo suas remunerações, num sábado pela manhã, na agência do Banco do Brasil. Eram cinco mil cento e oitenta trabalhadores do Município de Águas Belas, que, alistados num programa emergencial, receberam Cr$49.380,00 cada um, por um mês de trabalho nas frentes produtivas; ou seja, uma remuneração, aproximadamente igual à metade do salário mínimo do mês que passou, ou menos de 1/3 do salário mínimo do mês vigente.

     Ora, será que o Ministro não estaria se precipitando um pouco?

     Gostaria de relembrar a recomendação que fiz - como seu colega no Senado Federal, e companheiro de tantas lutas, embora de partidos diferentes -, quando da sua primeira visita ao Senado, após ter assumido o cargo de Ministro da Fazenda. Perante os Srs. Líderes, no gabinete do Presidente Humberto Lucena, tive a oportunidade de dizer ao Ministro Fernando Henrique Cardoso que seria importante, para que fosse bem-sucedido como Ministro da Fazenda, que avaliasse que aquela era a sua principal missão, de extraordinária importância para o País, ou seja, a de conseguir compatibilizar a retomada do crescimento, o combate à inflação, a melhoria da distribuição da renda e a erradicação da miséria.

     Transmiti a S. Exª que, na minha avaliação, seria importante que ele delineasse como meta, pelo menos de sua parte, transmitir ao Presidente Itamar Franco, aos brasileiros, ao seu próprio Partido que procuraria se colocar à disposição, até o final do Governo, dada a responsabilidade daquela tarefa que lhe foi atribuída, qual seja, a de conseguir resolver os problemas básicos da economia brasileira.

     O Ministro Fernando Henrique Cardoso, em verdade, precisou de alguns meses para formular um programa de estabilização. Somente depois de praticamente seis meses é que S. Exª delineou aquilo que agora veio a se chamar Programa de Estabilização, que foi anunciado à Nação e está tramitando no Congresso Nacional. Esse programa envolve um aumento nas alíquotas de alguns impostos, como do Imposto de Renda, a entrada em vigor do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras, que já havia sido aprovado anteriormente.

          O Ministro conta, também, com a certeza dos recursos da COFINS, conta com uma ampla mobilização - que é do seu mérito e, também, do Secretário da Receita Federal, Osiris Lopes - num esforço de arrecadação bem maior. Mas seu plano envolve, agora, essas proposições, no sentido de se canalizarem para o Governo Federal 7,5% das contribuições e que iriam para os Estados, que antes eram de 15%, a formação de um Fundo Social de Emergência, fundo esse que colocará nas mãos do Executivo a destinação de recursos para diversas finalidades.

       O Ministro Fernando Henrique Cardoso tem dito que a sua meta é o ajuste fiscal, é conseguir que não haja déficit. Por outro lado, eis que o Ministro Fernando Henrique Cardoso, ontem, após a cerimônia em Águas Belas, em entrevista a uma rádio de Recife, resolveu criticar aquele que está na frente das pesquisas de opinião para se tomar Presidente da República.

          Diz o jornal O GLOBO:

     Depois de ter admitido deixar o Governo para disputar a Presidência da República, Fernando Henrique partiu para a ofensiva e escolheu como alvo o candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, a quem acusou de não ter um projeto consistente para o Brasil, dizendo que Lula transformaria muita coisa boa em ruim.

     E, aqui, pego a declaração do Ministro Fernando Henrique Cardoso, entre aspas:

     Não vejo qual é a proposta de Lula, qual é o modelo de Brasil que o PT quer. É tudo muito confuso, muito ambíguo. Vai ser uma grande Nicarágua, Cuba? Não dá" - afirmou o Ministro.

     Ora, o Ministro Fernando Henrique Cardoso, por diversos meses, embora já Ministro, demorou a colocar para a Nação o seu programa de estabilização, que ainda não resultou em baixa efetiva dos preços, porque esses vêm apenas decrescendo. Com que base, com que autoridade vem ele agora criticar Luiz Inácio Lula da Silva por ausência de programa?

     Sabe perfeitamente o Ministro que Lula e o Partido dos Trabalhadores, inclusive com o apoio do PSDB, já apresentaram um programa para o País, em 1989. E, para 1994, pretende-se dar um salto qualitativo na elaboração desse programa, que, inclusive, vem sendo objeto de debate e discussão com muitos segmentos da sociedade. Ele não está ainda inteiramente formulado.

     Faz parte da elaboração do programa um diagnóstico em profundidade, que todos os segmentos da sociedade, em especial aqueles com maior afinidade com o Partido dos Trabalhadores, estão realizando. O próprio Lula vai realizar, na próxima semana, mais uma etapa do que se denominou "A Caravana da Cidadania". A partir do dia 25 de janeiro, ele participará de uma viagem - com assessores que conhecem a Amazônia - de Manaus a Belém do Pará - passando por várias cidades, dentre elas Santarém. Serão praticamente de dez a onze dias, pelo Rio Amazonas, nesse trajeto de conhecimento, de diagnóstico.

     Temo que o Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, ao estar participando ativamente da distribuição de cestas básicas, em Águas Belas, tenha eventualmente um gesto como aquele do Sr. Fernando Collor de Mello, que caracterizou as eleições de Alagoas em 1990. O Governo Fernando Collor de Mello distribuiu inúmeras cestas básicas, não apenas em Canapi mas também em outros lugares, com a participação ostensiva do seu candidato, o atual Governador Geraldo BuIhões, fato que provocou graves problemas, pois, de acordo com constatações posteriores, a compra de cestas básicas era irregular. Todavia, o próprio Ministro Fernando Henrique Cardoso, enquanto Senador, avaliou que eram adequadas as críticas que se faziam a tais procedimentos. Avaliou e encaminhou, favoravelmente, um projeto que substituiu tal prática. Refiro-me ao Programa de Garantia de Renda Mínima cujo objetivo seria dar a cada cidadão brasileiro um complemento de renda que lhe garantisse o direito à cidadania. Isso evitaria que pessoas miseráveis deste País se encontrassem em tal situação, fato que poderia ser utilizado em campanha eleitoral, como pretexto para a distribuição de um benefício que deve ser considerado um direito daqueles que não têm o mínimo de rendimento. Esse rendimento fornecido possibilitaria a cada cidadão, a seus filhos o direito à educação, à saúde, à moradia, à alimentação e assim por diante.

     Portanto, essa minha colocação é no sentido de que haja uma reflexão construtiva por parte do Ministro Fernando Henrique. Antes que haja indícios de sucesso no Programa de Estabilização antes que se comece a verificar a diminuição efetiva da inflação, acredito que esse lançamento poderá acabar prejudicando, inclusive, os próprios propósitos do Programa de Estabilização.

     O próprio Ministro Fernando Henrique declarou, ontem, a empresários, em Recife, que já não pensa em instituir a Unidade de Referência de Valor em fevereiro, porque a inflação continua a subir. As próprias metas, colocadas por S. Exª, estão tendo que ser adiadas.

     Para começar, não há ainda uma definição clara do que seja a Unidade de Referência de Valor.

     O Secretário de Política Econômica, Winston Fritsch, em entrevista,ontem, ao jornal O Estado de S. Paulo, apesar de ter dito em alguns momentos que a URV será fixada em termos semelhantes ao do dólar, que terá uma identidade com o dólar, não definiu ainda qual será a norma objetiva de medida da Unidade de Referência de Valor.

     Da minha parte, acredito que, se for instituído um índice como a URV, seria racional que fosse baseada em critérios objetivos. Quais seriam esses critérios? Exatamente, a medida da inflação. Se o objetivo é tornar a inflação cada vez mais presente na hora de medi-la, por que não adotar o critério do ajuste diário da Unidade de Referência de Valor, acumulando-se, a cada dia, o que aconteceu nos últimos trinta dias?

     Tempos atrás, talvez fosse difícil adotar uma medida mensal da inflação ajustada diariamente. Entretanto, este dilema, este fenômeno da inflação alta está tão presente entre nós, passamos a depender tanto de uma inflação alta, que mais e mais os institutos especializados como a Fundação Getúlio Vargas, o IBGE, a FIPE, o DIEESE têm aperfeiçoado os seus métodos para medir a inflação.

     Assim, hoje, temos institutos como a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica que mede a inflação a cada dia, acumulada nos últimos 30 dias. Se isto é possível ser feito para São Paulo, o IBGE pode, perfeitamente, adotar critérios semelhantes para fazer uma medida nacional do índice diário acumulado de inflação mensal. Isto seria, no meu entender, uma base objetiva e não sujeita ao arbítrio para uma medida como a Unidade de Referência de Valor.

     Outra coisa que permanece incógnita, ainda não definida no Programa de Estabilização, é como os trabalhadores e empresários vão adotar a Unidade de Referência de Valor como medida para a política salarial ou para o estabelecimento dos níveis de salário que serão negociados por ambas as partes. Considero positivo que o Governo esteja dizendo que não será algo imposto; que será objeto da voluntariedade, da eventual aceitação por parte, tanto de trabalhadores quanto de empresários, do critério da Unidade de Referência de Valor; no entanto, para que este critério seja confiável, acredito seria mais adequado que ele fosse baseado em critérios objetivos.

     Eis, portanto, uma recomendação aqui colocada para o Ministro Fernando Henrique Cardoso: que S. Exª tenha a suficiente prudência e procure não dar sinais de que já esteja "jogando a toalha", desistindo de enfrentar esse monstro, cada vez mais difícil de ser domado, que é a inflação.

     Acredito que será difícil para o atual Ministro da Fazenda considerar-se um candidato forte se, antes mesmo de o Programa de Estabilização começar a dar resultados, S. Exª, simplesmente, já saiu dizendo que não consegue domar a inflação, que seria melhor, então, candidatar-se à Presidência da República. Antes de dar sinais de que efetivamente consegue domar a inflação, e não por métodos artificiais de curto prazo, seria importante para S. Exª procurar convencer a sociedade de que tem meios efetivos de controlá-la, sem provocar a recessão e, ao mesmo tempo, conseguindo erradicar a fome e a miséria.

     No que diz respeito ao plano de Lula e do Partido dos Trabalhadores e dos partidos que poderão se aliar, - e eu não excluo a possibilidade, em especial no segundo turno, de o próprio PSDB do Ministro Fernando Henrique Cardoso apoiar a candidatura de Lula - , eu imagino que serão os próprios técnicos, os próprios formuladores do PSDB que estarão também colaborando criticamente com aquilo que será elaborado mais profundamente.

     Mas o Ministro Fernando Henrique Cardoso pode ter a certeza de que nós estaríamos dando passos mais acelerados na direção de medidas que viessem compatibilizar a queda da inflação com a retomada do crescimento e a erradicação da miséria; medidas como a reforma agrária, que seria muito mais acelerada num governo como o de Lula, do Partido dos Trabalhadores; medidas como a implantação do Programa de Garantia de Renda Mínima, que, no meu entender, pode perfeitamente ser abraçado pelo Governo Itamar Franco, principalmente no que diz respeito à sua aprovação complementarmen te pela Câmara dos Deputados, já que foi aprovado pelo Senado Federal; medidas como a introdução de um sistema tributário mais racional e que garanta maior eqüidade na distribuição da renda e da riqueza.

     Sr. Presidente, Srs. Senadores, para concluir, quero informar que não há fundamento naquilo que vem sendo propalado pela imprensa de que teria havido um acordo entre o Partido dos Trabalhadores e segmentos do PFL ligados ao ex-Presidente José Sarney, no sentido de poupar a Deputada Roseana Sarney de depor na CPI, de terá quebra de seu sigilo bancário e fiscal, muito menos com respeito ao ex-governador e Deputado Miguel Arraes.

     Na verdade, até quero dizer que a minha proposição aberta, que procurei transmitir hoje à Deputada Roseana Sarney, pessoalmente, em telefonema, e ao próprio Deputado Miguel Arraes - não pude entrar em contato pessoalmente, apenas falei com sua assessoria, uma vez que se encontrava fora de Recife -, é no sentido de que ambos tenham a disposição de, por sponte propria, por vontade própria, esclarecerem à CPI quaisquer dúvidas.

     A Deputado Roseana Sarney informou-me que já se dispôs a colocar os dados relativos à sua movimentação financeira e bancária à disposição da CPI e que também esclareceria quaisquer dúvidas.

     Eu trago este esclarecimento como prova de que não houve, em momento algum, da parte do Partido dos Trabalhadores, qualquer atitude como a que o Deputado Luiz Salomão expôs na imprensa. Este assunto será certamente objeto de análise na reunião da CPI que ocorrerá ainda hoje.

     Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/01/1994 - Página 142