Discurso no Senado Federal

FRACASSO DA ORTODOXIA LIBERAL. DEFESA DO MONOPOLIO DAS TELECOMUNICAÇÕES.

Autor
Junia Marise (PRN - Partido da Reconstrução Nacional/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • FRACASSO DA ORTODOXIA LIBERAL. DEFESA DO MONOPOLIO DAS TELECOMUNICAÇÕES.
Publicação
Publicação no DCN2 de 03/02/1994 - Página 473
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, LIBERALISMO, ECONOMIA, AUMENTO, RECESSÃO, DESEMPREGO, AUSENCIA, EFICIENCIA, EMPRESA PRIVADA, REDUÇÃO, PREÇO, MERCADORIA, MELHORIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
  • DEFESA, MONOPOLIO, TELECOMUNICAÇÃO, MANUTENÇÃO, CRESCIMENTO, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS), MELHORIA, COMUNICAÇÕES, PAIS.

    A SRA. JUNIA MARISE (PRN - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no mundo todo, a chamada teoria neoliberal começa a recuar. Finalmente, intelectuais, governos e cidadãos perceberam que a privatização desenfreada não é o melhor - ou o único, como dizem certos teóricos - meio de combater a recessão. Ao contrário, o neoliberalismo, com sua crença cega nas leis do mercado, vem mostrando que pode agravar as conseqüências da recessão sem conseguir a tão almejada estabilidade econômica.

    O liberalismo, pela sua insensibilidade social, pode, isto sim, aprofundar o desemprego sem aumentar a eficiência das empresas privadas, sem reduzir o preço das mercadorias e sem melhorar a prestação de serviços públicos, ao contrário do que alardeiam seus defensores. Na economia, o liberalismo tem como meta a redução do Estado e seu total afastamento da vida econômica, a fim de que os agentes livremente estabeleçam suas regras.

    Acontece que o Estado não é o vilão causador de todos os males socio-econômicos, nem a economia de mercado é a poção mágica para todas as mazelas dos nossos dias. Enfim, chegou o momento de restabelecer a racionalidade. O Estado deve, em muitos casos, interferir na vida econômica para evitar os abusos dos mais fortes. De outro lado, sabe-se que as leis do mercado não estabelecem a verdade definitiva, porque o que as dita é a busca do lucro. E, hoje, busca-se o lucro mesmo com práticas comerciais desleais, como a formação de cartéis e a venda de produtos por preços super ou subfaturados.

    Podemos citar muitos exemplos práticos do fracasso dessa tese. O mais visível é, sem dúvida, a estagnação sofrida pelos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, que ainda hoje paga um elevado custo social pelo liberalismo ortodoxo imposto durante os oito anos da administração Ronald Reagan. Na Europa, a Inglaterra - que sofreu o neoliberalismo imposto a ferro e fogo pela inflexibilidade de Margareth Thatcher - amarga, hoje, elevadas taxas de desemprego, sem que tenha recuperado sua perdida pujança econômica.

    Bem mais perto de nós, temos o caso argentino, onde se deu uma privatização selvagem, com a passagem de um valioso patrimônio público para o controle de empresários internacionais. Mais do que privatização, lá se deu a desnacionalização. A Argentina, é verdade, conseguiu reduzir a inflação e estabilizar sua economia. Mas pagou um preço muito caro: tem um elevado índice de desemprego e suas classes mais pobres sofrem com o custo de vida dolarizado. Equiparados à moeda norte-americana, os produtos argentinos perdem competitividade no mercado internacional.

    Com isso, tivemos oportunidade de ver fracassar no mundo todo a ortodoxia liberal. De outro lado, também pudemos descobrir que em muitos países - e alguns deles dos mais desenvolvidos - o Estado pode gerir com eficiência suas empresas.

    Venho hoje a esta tribuna justamente para denunciar que, apesar de tudo isso, ainda existem entre nós defensores do neoliberalismo ortodoxo. Não se pode dizer que são defensores desinteressados porque, na verdade, não os move a crença nessa teoria econômica. O que os impulsiona é a busca do lucro largo e fácil. Não combatem a presença do Estado na economia por acreditarem que seja ineficiente ou gigantesco. Combatem-no porque querem lucrar com aquelas atividades que são típicas de governo.

    Nos últimos tempos temos visto, em todos os meios de comunicação social, o avanço de uma campanha sistemática e feroz contra os monopólios da União nos setores de telefonia e de petróleo. A justificativa dos que desejam derrubar o monopólio estatal é sempre a mesma: a busca de maior eficiência no serviço prestado e de redução dos preços ao consumidor. No fundo, no fundo mesmo, o que desejam é desalojar o Estado dessas áreas para poderem impor suas regras e buscar lucros exorbitantes.

    Hoje, quero me deter na análise do monopólio das telecomunicações.

    Comecemos com um número. O mercado de telecomunicações movimenta atualmente, no Brasil, cerca de dois por cento do Produto Interno Bruto. Ou seja, gira em torno de 9 bilhões de dólares por ano. Empresários brasileiros, unidos a empresas multinacionais, estão de olho gordo nesse mercado. A conversa sobre eficiência, rentabilidade e modernidade, portanto, não passa de engodo.

    O Brasil tem áreas de acesso muito difícil e de população rarefeita, como a Amazônia e o Pantanal Matogrossense, e zonas de renda média per capita muito baixa, como o interior do Nordeste. Na verdade, a relação brasileira - de 7,31 telefones para cem pessoas - é pouco inferior à média mundial, que é de 9,77.

    O território nacional, apesar de seu gigantismo, está totalmente integrado pelo sistema de telecomunicações. Temos hoje mais de 15 mil localidades servidas pelo sistema TELEBRÁS. No entanto - dizem os técnicos - , se fossem obedecidas apenas as regras de mercado, apenas 3 mil cidades - ou seja, apenas 20 por cento do total nacional - justificariam a instalação de terminais telefônicos. É isso mesmo. Se obedecidas apenas as chamadas regras de mercado, só um quinto das comunidades brasileiras teria os benefícios do uso do telefone.

    Esta é uma verdade que precisa ser dita e, repetida: o Estado age em nome do interesse nacional, as empresas privadas buscam apenas o lucro.

    Essa verdade é especialmente válida no setor de telecomunicações.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que os defensores da quebra do monopólio das comunicações não se lembram de dizer jamais é que o Brasil já teve o setor nas mãos da iniciativa privada. E não faz tanto tempo assim. O controle das telecomunicações só passou para o controle estatal em 1972. E por que motivo? Porque, entregue à iniciativa privada, a nossa telefonia era simplesmente caótica.

    Há vinte anos, quando se deu a estatização, nossa densidade telefônica só era comparável a do Gabão, índia, Paraguai, Bolívia e Marrocos, países de atividade econômica bastante inferior à nossa.

    Vejamos que impacto teve a monopolização do setor pelo Governo: em vinte anos, saltamos de 1,6 telefones para 7,13 aparelhos por 100 habitantes. Esse crescimento tem uma explicação bastante simples: todo o lucro gerado pelo sistema foi nele mesmo reinvestido. Ou seja, foram injetados cerca de 46 bilhões de dólares em apenas duas décadas.

    Outro fato sempre escamoteado pelos que cobiçam o mercado estatal é o de que, na maioria dos países mais ricos e desenvolvidos da Europa, o Estado controla o setor. Isso ocorre, é claro, porque o sistema de telecomunicações tem, acima de tudo, importância estratégica.

    Na Europa, apenas a Inglaterra privatizou suas telecomunicações. De imediato, a passagem do setor para a iniciativa privada significou a perda de 80 mil empregos e o corte das linhas que serviam as comunidades consideradas não rentáveis pelos novos exploradores. Na Argentina, o sistema foi vendido para empresas estatais da Itália, França e Espanha. Foi desnacionalizado e passa por sérias dificuldades, porque os compradores não investiram o que era necessário para modernizá-lo, para dar-lhe eficiência. As informações que nos chegam do Chile não são melhores.

    Na França, o governo fez uma opção pelo emprego. Não vai privatizar sua telefonia, da mesma forma que não vendeu sua empresa de transporte aéreo, Air France, por causa de um movimento grevista dos funcionários. O Estado decidiu não acentuar as taxas de desemprego.

    A Alemanha tem, como a Brasil, seu monopólio das comunicações estabelecido na Constituição. Recentemente, foi decidido que essa situação será mantida. No Uruguai, há pouco tempo, um plebiscito decidiu que a empresa governamental de telecomunicações não será vendida a particulares.

    Este é o panorama mundial. O Brasil não tem porque marchar contra a história.

    O sistema Telebrás precisa ser mantido sob o poder da União porque é o maior da América Latina e o décimo-primeiro no mundo. Porque representa 90 mil empregos diretos. Porque conta com 27 empresas regionais e com a Embratel, operadora nacional e internacional, que este ano ganhou pela sétima vez, da revista Exame - o título de melhor empresa Publica do País.

    O monopólio das telecomunicações deve continuar nas mãos do Estado porque é de fundamental importância estratégica no mundo de hoje. Sua colocação à venda - pelo volume de recursos que demandará - significará a passagem para o domínio de empresas multinacionais ou estatais de outros países. O Brasil não pode vender um patrimônio que tantos sacrifícios custou ao nosso povo .

    Era eu que tinha a dizer, Sr. Presidente.

    Muito obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 03/02/1994 - Página 473