Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INVERSÃO DE VALORES NO BRASIL RELATIVOS A POLITICA, A AGRICULTURA, AS RELAÇÕES COMERCIAIS, E OUTROS. DEMISSÃO DA MINISTRA DOS TRANSPORTES, SRA. MARGARIDA COIMBRA. PREMENCIA DE EXECUÇÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Ronan Tito (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Ronan Tito de Almeida
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA AGRICOLA. REFORMA AGRARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A INVERSÃO DE VALORES NO BRASIL RELATIVOS A POLITICA, A AGRICULTURA, AS RELAÇÕES COMERCIAIS, E OUTROS. DEMISSÃO DA MINISTRA DOS TRANSPORTES, SRA. MARGARIDA COIMBRA. PREMENCIA DE EXECUÇÃO DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Gilberto Miranda, José Fogaça, Jutahy Magalhães, Mansueto de Lavor, Marluce Pinto, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 02/03/1994 - Página 950
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA AGRICOLA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, INCOERENCIA, DEMISSÃO, MARGARIDA COIMBRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR).
  • CRITICA, SITUAÇÃO, PRODUTOR RURAL, SISTEMA, COBRANÇA, CREDITO RURAL, FINANCIAMENTO, BANCO DO BRASIL, AGRICULTURA.
  • SOLICITAÇÃO, PEDRO SIMON, LIDER, GOVERNO, SENADO, SUBSTITUIÇÃO, OSWALDO RUSSO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), OBJETIVO, REFORMA AGRARIA.

     O SR. RONAN TITO (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso, sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, antigamente nós falávamos aqui da tribuna, a Taquigrafia registrava e os jornais publicavam. Agora, os jornais produzem artigos, fabricam os fatos e nós os comentamos aqui. Não gosto muito da inversão não, mas não quero ficar démodé. Por isso, vou entrar um pouquinho na onda.

     Sr. Presidente, li ainda há pouco que o marido da Ministra havia escrito um bilhete para o chefe de Departamento para pagar uma conta do DNER com uma determinada empresa.

     Interessante que eu estava na minha casa, com um diretor de uma empresa nacional que tem frente de serviço no exterior - ele é executivo, empregado da empresa - e ele me disse que nos Estados Unidos isso jamais aconteceria. Eu perguntei por quê. "- Porque lá, quando se contrata um serviço, se paga". Aqui no Brasil não se paga. Só isso. Aqui, o que se questiona é que o sujeito está pedindo pelo amor de Deus que se pague. Por amor de Deus, paguem à empresa que já prestou serviço!

     Senador João Rocha, contarei algo a V. Exª e é possível que V. Exª não acredite. Mas o farei, pedindo a V. Exª que, como Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, confira. Há no Amazonas uma hidrelétrica que gera 500 mil quilowatts/hora, há cinco anos e meio. A proprietária dessa usina revende o quilowatt/hora e recebe, todo final de mês, quantia correspondente ao quilowatt/hora. Quando o usuário não paga até o dia 5 do mês subseqüente eles cortam a energia.

     Fiquei sabendo de uma coisa interessante: a empresa que construiu essa hidroelétrica, há seis anos, ainda não recebeu nem um centavo por esse trabalho. Mas isso não tem nenhuma importância porque, afinal de contas, são essas empreiteiras, empresas corruptas! De corrupção em corrupção construíram Itaipu, e o Governo, honesto, honrado, sério, não paga, dá o calote. E quando alguém pede para que se pague um débito atrasado dizem logo que é preciso tirar a Ministra, porque isso não é possível.

     Não é possível cobrar do Governo que cumpra a sua obrigação? Ah! não, isso não! Isso é muito! Nessa inversão de valores que estamos vivendo atualmente isso é um absurdo. Normalmente, nas democracias, cuja história já estudei, o Legislativo cobra do Executivo. Por quê? Porque só ao Executivo cabe tomar a iniciativa de leis que criem despesas de até um centavo. Essa competência é privativa do Executivo. Aqui não, aqui o Executivo cobra do Legislativo.

     Mário de Andrade, quando começou a analisar o Brasil, só caracterizou um tipo, Macunaíma, um mau caráter, protótipo do brasileiro. Todavia, o Brasil, de lá para cá, evoluiu muito, e Mário de Andrade deve ter dado cambalhotas no seu túmulo. Isso porque o Brasil agora, além de tudo, é um País psicodélico.

     Nas outras democracias, o Presidente, no Regime Presidencialista, tomava as iniciativas. O Legislativo apreciava, discutia, votava e fiscalizava. Bom, dizem alguns, mas isso ocorre nesses países "atrasados", Japão, Estados Unidos, França. Aqui no Brasil, o Executivo ralha - não sei se no Rio Grande do Sul existe o termo ralha, Senador José Fogaça, quando a criança faz arte, o pai ralha com a criança - o Executivo ralha com o Legislativo.

     O Sr. José Fogaça - Passa pito.

     O SR. RONAN TITO - Passa pito, passa carraspana.

     Mas nós não paramos aí. Brasil, terra de Macunaíma, País psicodélico.

     Vejam os senhores: em 1948, os japoneses se reuniram em assembléias, discutiram e chegaram à conclusão que 100 anos depois do manifesto do Marx não mais prevalecia a luta de classes. Como havia anunciado Toynbee, o mundo agora era o grande mercado e a internacionalização não viria, como previu Marx, através do trabalho, viria através do capital, através do mercado, através da empresa. Toynbee preveniu, na década de 40: "A internacionalização virá pelo capital".

     Marx errou. E o Japão fez a interação e disse: "Luta de classes, aqui, não, o que há é luta de mercado, vamos fazer interação: trabalhadores, empresários e Estado. Porque a briga está lá fora, com o mercado".

     E continuamos com a luta de classes, aqui dentro.

     É comum, Sr. Presidente, sindicato aqui no Brasil receber dinheiro de sindicato europeu, sob o pretexto de que é para montar escolas sindicais, para que o sindicato, por exemplo, através dos seus líderes, processe o Presidente do Banco do Brasil, que emprestou dinheiro para usina de açúcar no Nordeste.

     Mas vamos examinar. Isso foi com o Presidente Alcir Calliari, que mandou verificar a operação. O usineiro tinha tradição de honrar os seus compromissos, deu garantia real, os juros estavam de acordo com a lei. Por que o processo? Até hoje, o Presidente Alcir Calliari não entendeu por que estava processado por emprestar dinheiro.

     Vou explicar ao Presidente Alcir Calliari: o açúcar, na Europa, é subsidiado pelo Estado, em até 92% na Inglaterra. E se o Estado puder gastar algum dinheiro para diminuir a produção de açúcar do Brasil, que, sem subsídio nenhum, compete e arrasa com o açúcar europeu, vamos acabar com esses malandros. V. Exªs já viram que conotação triste tem, por exemplo, a figura do usineiro, do empreiteiro?

     Senador Teotonio Vilela Filho, tenho a impressão de que se eu padecesse de uma dessas doenças, preferiria ser diabético. No duro! Usineiro não é uma raça da pior espécie? Empreiteiro?! Pelo menos é isso que estamos construindo no nosso imaginário coletivo.

     Falei que o Brasil é um país psicodélico. Vamos verificar isso. Nós temos a intenção, e essa intenção ficou manifesta na Constituição de 1988, de construir um país capitalista. Um país capitalista que tem nojo do empresário, herói é o trabalhador.

     Por mais que queiram, por mais esforço que façam, jamais verei, no trabalhador, a figura do traidor da pátria, jamais, embora eu seja empresário. Sabem por quê? Primeiro, sou daqueles que acredita seriamente que deve haver prevalência do trabalho sobre o capital. O trabalho tem que ser, verdadeiramente, mais protegido do que o capital, não tenho dúvida disso. Mas daí eu concluir que trabalhador é santo e que empresário é ladrão, fica difícil.

     Ou fica difícil ou vamos partir logo para o capitalismo de Estado, porque aí o grande vilão será o Estado, ou senão para o comunismo, que não deu certo na Rússia, mas pode dar certo aqui, quem sabe? Sessenta e poucos anos de experiência não deram muito resultado lá, mas podem dar aqui. Não podemos é ficar nesse capitalismo com complexo, rotulando atividades e pessoas e, principalmente, nessa luta de classe, cantando hosanas, aleluia, glória ao fracasso, tentando dizer que o sucesso é apenas uma fachada do fracasso,

     Portanto, o empresário, quanto mais bem-sucedido, mais ladrão é. Não importa que ele pague seus funcionários, que contribua com os impostos, que faça uma competição externa correta, que leve os nossos produtos para o exterior, não adianta, ele já está rotulado.

     Senador Gilberto Miranda, V. Exª, já ouvi mais de uma vez, é um empresário no Amazonas. Ainda ouvi um outro dia aqui um colega nosso, dizendo: "Olha, mas lá há incentivos fiscais". Foi V. Exª quem inventou os incentivos fiscais? Foi o Brasil que inventou os incentivos fiscais? Ou os incentivos fiscais são uma criação internacional justamente para estimular áreas deprimidas quanto ao desenvolvimento.

     Aliás, o Amazonas é extraordinário: não se pode pescar, não se pode caçar, não se pode matar jacaré. Dar incentivo para indústria lá, mas quem põe indústria lá é o aproveitador. Aonde vamos parar? Aí, já sei. Lá não se pode derrubar, sequer, uma árvore. E quem fala isso e quem determina essas ordens é justamente quem já dizimou todas as suas florestas. A Inglaterra acabou com as suas florestas no século passado.

     O Sr. Gilberto Miranda - Minério também não se pode retirar.

     O SR. RONAN TITO - Os Estados Unidos da América do Norte, em 1920, já não tinha nenhuma floresta natural.

     Agora, temos que transformar o Amazonas, Senador Gilberto Miranda, num sacrário ecológico em que o jacaré pode comer a criança, mas nunca o homem poderá se alimentar do jacaré. Então, continuo na minha tese: o Brasil é um país psicodélico.

     Vou dar um conselho, mas um conselho para todos aqui. Já estou na idade, Sr. Presidente, em que é permitido dar conselhos. E conselho tem uma vantagem muito grande, pois é igual a água, a gente oferece e aceita-se ou não, mas não machuca, não ofende.

     Não se metam a fazer agricultura neste País, pelo amor de Deus! Não produzam nada, fazer agricultura neste País é crime. Ora, herói é o agente financeiro. Agora, se for fazer agricultura, não caia nunca no desatino de fazer uma grande agricultura, porque isso só pode ser extraordinário no exterior, no Brasil, é crime de lesa-pátria.

     Gostaria de pedir a todos aqueles senhores que detestam a agricultura, o grande agricultor, que cantam ode, que cantam hosanas aos agentes financeiros, que quando acabarem de comer arroz com feijão cuspam no prato, peguem o prato e falem que quem produziu foi um grande agricultor e dêem uma boa escarrada, mas não vá ao campo ver o sofrimento dele, ou se for vá em época de eleição, peça meia dúzia de votos e vire as costas. Irrigar a terra com o suor do rosto é um negócio que cria problemas sérios.

     Estava falando ainda há pouco em receber monetariamente por algum serviço que se presta a órgãos do Governo. Falava sobre o marido da Ministra dos Transportes, uma figura execrada e execranda, porque mandou um bilhete pedindo a uma chefe de departamento que pagasse por um serviço prestado.

     Sr. Presidente, Srs. Senadores, há algumas empresas que prestaram serviços ao Incra, como a construção de estradas vicinais, demarcação de lote. Valeria a pena colocar uma câmara escondida no gabinete do Presidente do Incra, para se ver como é que ele trata o empresário que prestou serviços para a reforma agrária. Mas, caros colegas, ele é intocável! O comunismo não deu certo na Rússia e o Sr. Osvaldo Russo acha que aqui no Brasil dará.

     Já conversei com uma dezena de empresários que foram lá, receberam um trabalho, fizeram concorrência pública, edital, e que, agora, estão cometendo o grave desatino, o crime de querer receber deste Governo. É um absurdo! Se puser alguém para pedir que se pague a uma ou outra pessoa, aí, então, é preciso demitir os parentes.

     O Sr. Jutahy Magalhães - Permite V. Exª um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Com prazer, ouço V. Exª

     O Sr. Jutahy Magalhães - Como sempre, aprecio os pronunciamentos de V. Exª, que pinta um quadro com cores bem fortes e, às vezes, faz até uma caricatura da realidade, mas sempre procurando mostrar a verdade daquilo que vem ocorrendo. V. Exª trata da questão dos empreiteiros, do direito de pedir para receber por aquilo que foi feito. V. Exª sabe o quanto custa ao País o fato de não se ter a certeza do recebimento no dia certo. Sabe quanto o preço é aumentado nas concorrências em virtude dessa certeza de que o seu trabalho não será remunerado no prazo correto?

     O SR. RONAN TITO - Tenho a pretensão de achar que sei.

     O Sr. Jutahy Magalhães - Então, V. Exª sabe que isso custa muito ao País. Há Governadores que, quando assumem, dizem que não vão pagar as dívidas do antecessor. Isso ocorreu na Bahia agora e, depois, ainda disse que conseguiu economizar muito para o Estado. Quer dizer, passa o calote, não se paga e, depois, ainda se vangloria disso, recebendo aplausos.

     O SR. RONAN TITO - Vamos ver se entendi: quer dizer, há quatro anos o Estado era de outro.

     O Sr. Jutahy Magalhães - Era de outro.

     O SR. RONAN TITO - E, agora, o Estado é dele.

     O Sr. Jutahy Magalhães - O dinheiro não é do Estado, o dinheiro é do Governador.

     O SR. RONAN TITO - Sei como é.

     O Sr. Jutahy Magalhães - Inclusive, passa o dinheiro para a família, através de pagamento de publicidade. Isso também acontece. Mas, então, V. Exª referiu-se agora a um caso que está nos jornais a toda hora: estão condenando o marido da Ministra pelo fato de ter escrito um bilhete, quer dizer, ele foi inocente em escrever um bilhete. Era um pedido, porque quantos estão pedindo a cada dia para pagar e quantos, infelizmente, recebem na base de dar alguma comissão, passando na frente da fila. Agora, estamos responsabilizando um inocente, que não está acostumado, talvez, com isso, e fez o bilhete. Isso está errado, o marido da Ministra não tinha o direito de fazer uma coisa dessa, isso está errado. Está sendo condenando pelo País afora, e acho que isso é hipocrisia. Tenha a paciência, mas isso é hipocrisia. Nós sabemos o que ocorre neste País a cada minuto.

     Estou buscando informações a respeito do transporte de gás. V. Exª sabe quantos milhões de dólares foram jogados fora pelo País no transporte de gás? Não consegui ainda, mas espero receber as informações. Agora, o que isso representa para os cofres públicos? É não ter prioridade. Isso não é prioridade! Mas o bilhete do marido da Ministra é uma prioridade nacional. É um exemplo. Estamos aí dando um exemplo da ética, da moral na Administração Pública.

     O SR. RONAN TITO - Senador, deixe-me interrompê-lo um pouco. V. Exª já observou que, no Brasil, só se fala em ética na política? Por que ética só na política? Sempre se vê, na imprensa, falar-se em ética na política. E o resto, não? É engraçado, não?

     O Sr. Jutahy Magalhães - Permita-me falar na obsessão que tenho até hoje na minha vida parlamentar. V. Exª está falando nos problemas que o Brasil tem em dar certos exemplos ao mundo. No Brasil, temos a concessão pública de canais de televisão e rádio e estamos dando um poder tal para essas emissoras que elas estão manipulando a opinião pública, o que é contra qualquer democracia do mundo.

     O SR. RONAN TITO - De pleno acordo!

     O Sr. Jutahy Magalhães - Estamos aqui permitindo que se crie um poder nacional e poderes regionais através de famílias que têm o controle das emissoras de rádio e televisão para formar a opinião pública de acordo com o seu interesse político e econômico; e nós, através de concessões de rádios e tevês, a cada dia estamos aumentando mais esses poderes. No entanto, deveríamos acabar com isso. Esse fenômeno é nacional e também é regional. Em cada Estado, praticamente, tem alguém que controla os meios de comunicação. E como foi obtido esse controle? Através de quê? Senador Ronan Tito, quando V. Exª fala em agricultura, lembro que venho sempre dizendo que não temos política agrícola. Infelizmente, fala-se muito, discute-se muito, cada ano se fala nas dívidas da agricultura, tentam-se soluções para empurrar com a barriga esses dados, e nada se faz com vistas a uma política agrícola do interesse do agricultor. Apenas acho que, infelizmente, ao crédito agrícola têm acesso somente aqueles que têm melhores condições para chegar até lá, e por isso o pequeno agricultor e o médio agricultor, muitas vezes, ficam sem ter as condições de conseguir esse crédito agrícola. Quando falei em crédito subsidiado, V. Exª perguntou: "Quando houve esse crédito subsidiado?" Já houve, e aquelas políticas feitas através do crédito subsidiado - pelos menos hipoteticamente - procuravam fazer uma melhor distribuição fundiária neste País; mas, ao contrário, aumentaram a concentração de renda e a concentração fundiária, pela má aplicação e má gestão daquelas políticas. Por isso é que temos que fazer uma política agrícola voltada para o conjunto. Não condeno o grande produtor. Pelo contrário, o grande produtor tem a maior importância na economia deste País. É através do grande produtor que conseguimos recursos para exportar. Agora, o pequeno agricultor, mais facilmente do que o grande, traz a produção para a mesa de cada um de nós. Mas quero dizer que concordo até quando V. Exª faz a caricatura das realidades nacionais, e acho que V. Exª sempre traz para debate assuntos que mereceriam uma maior atenção, inclusive de todos nós.

     O SR. RONAN TITO - Nobre Senador Jutahy Magalhães, V. Exª sabe a admiração que tenho pela sua atuação. Discordamos muitas vezes - graças a Deus! - mas sou obrigado a dar um testemunho: é muito difícil, quase impossível, vir a este plenário sem encontrar V. Exª atuando. É difícil e quase impossível ir a uma comissão de que V. Exª faça parte, sem que V. Exª lá esteja. Procuro imitar V. Exª na assiduidade, na presença.

     Agora, devo dizer-lhe que tenho uma maneira muito inteligente de ir levando a televisão. os jornais e o rádio, como está acontecendo, porque, em qualquer país civilizado do mundo, é proibido que o dono de uma cadeia de televisão seja dono de um jornal e, ao mesmo tempo, de uma rádio.

     Citizen Kane, obra-prima de Orson Welles, foi uma denúncia do cinema norte-americano, mostrando aquele domínio. Há inclusive um determinado momento em que o cidadão Kane é provocado e diz: "Há guerra em Cuba". "Mas não tem guerra em Cuba." "Precisamos fazê-la" Isso ele mostra numa caricatura.

     Mas V. Exª diz que são usadas para interesses próprios. Vamos admitir um país que tenha isso, uma cadeia de rádio, jornais e televisão, um país pequeno, que não seja importante, em que, depois de muitos anos de ditadura, são apresentados ao povo candidatos a Presidente da República, e candidatos bons. E aí o que faz o cidadão Kane? Apresenta duas novelas: Sassá Mutema e o Herói de Avilã. E o Presidente da República? É o Herói de Avilã. O segundo turno não deu Sassá Mutema e Herói de Avilã? E quando teremos oportunidade de ter tão bons candidatos a Presidente da República como tivemos na última eleição? Dificilmente. E, aí, chorar para quem?

     Tivemos Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Mário Covas, e tantos outros bons candidatos. O Sr. Leonel Brizola, porque não? Um político de larga militância no Brasil. Todos foram ignorados. Duas novelas e se fabrica um Presidente da República. Pronto.

     Ah! Fulano, como diria Jáder Barbalho, nunca administrou um carrinho de pipoca. Isso não tem a mínima importância! Administrar um País de 150 milhões de brasileiros, a 9ª ou a 10ª economia do mundo, isso não tem importância! Não tem experiência, nunca administrou carrinho de pipoca, mas nós vamos experimentar no Brasil. É só se falar um pouco etc. E o outro? Segundo as pessoas lá do seu Estado - aliás, um Estado muito pequeno -, qualquer prefeito do interior fez mais do que ele em seu Estado. Não, mas ele encarna a figura do herói de Avilã. Então, acabou!

     McLuhan, em 1960, nos preveniu a todos: "Ao estabelecer uma rede de televisão, o imaginário é que vale, não é mais a realidade". No Brasil, a realidade é a novela. E como o esquerdismo... Veja! Um dia, já pensei que fosse esquerda. Tem um artigo do Rocard muito interessante, interessantíssimo: "Ou a esquerda se recicla, ou ela morre". Quem escreveu isso foi o Rocard, o Primeiro-Ministro do regime socialista francês.

     Estamos repetindo os nossos discursos de 1960. Estamos pegando o rebotalho daquilo que não deu certo lá fora e colocando aqui nos nossos cargos. E quem ousar, neste momento, sintonizar o seu discurso e as suas propostas com desenvolvimento, esse é retrógrado. Progressista é aquele que abraça a doutrina que não deu certo.

     Progresso, para mim, é a Europa Ocidental; retrocesso, para mim, é a Europa Oriental. Desculpe, mas esta é a leitura. Estive lá, Sr. Presidente, e quis visitar o muro, depois que foi derrubado. O País que teve a maior renda per capita no sistema comunista foi a Alemanha Oriental. Sabe o que estão fazendo em Berlim no momento? Rede de esgoto, água encanada, telefone e escola. É isso que estão fazendo lá, agora. E nós estamos com uma inveja desse povo que só vendo! Nós temos um complexo de não sermos comunistas.

     Reforma agrária é muito importante, e reforma agrária só existe em país capitalista. Pelo amor de Deus, reforma agrária é invenção do capitalismo! Ou fazemos uma reforma agrária séria neste País ou não temos solução, mas colocamos no órgão mais importante deste País alguém que cria um impasse para que não se faça a reforma agrária. Agora, ele é candidato a deputado.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Senador, permite-me V. Exª um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Ouço, com prazer, V. Exª.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Nobre Senador Ronan Tito, são tantos os temas que V. Exª aborda, da maior atualidade e da maior importância, que é difícil escolher um para comentar neste breve aparte. Mas poderia dizer o seguinte: no que se refere ao Incra, seria preciso entender, de uma vez por todas, que ele só cumprirá a sua finalidade quando, à sua frente, com o apoio das forças políticas majoritárias neste País, houver alguém que queira, realmente, fazer a reforma agrária...

     O SR. RONAN TITO - Perfeito!

     O Sr. Mansueto de Lavor - ... e não o discurso de uma facção ideológica superada e derrotada em todo o mundo. Para mim, essas pessoas que estão no Incra, hoje, são tutti buona gente. São pessoas excelentes, mas excelentes para ficar em diretórios do PPS, fazendo discurso nas assembléias ou nos grêmios estudantis.

     O SR. RONAN TITO - O PPS é aquele partido que, de vergonha, mudou de nome?

     O Sr. Mansueto de Lavor - Não sei, não quis assumir a identidade. É como a URV, que se encabula de ser dolarização, mas é. Assim, o PPS é aquele que se encabulou de se dizer PCB e então inventou a sigla PPS. Não tenho nada a ver com isso. São nossos eventuais aliados no Estado. No entanto, para fazer reforma agrária, não dá. Sr. Líder do Governo, Senador Pedro Simon, é uma nulidade a presença do Sr. Russo no INCRA. Realmente, não fez nada, a não ser algumas denúncias...

     O SR. RONAN TITO - Não é para fazer. Se fizer reforma agrária, ele acerta o capitalismo, e aí o capitalismo pode dar certo.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Claro! Sabe quem ia fazer a reforma agrária, se não tivesse havido o acidente? Marcos Freire.

     O SR. RONAN TITO - Acredito.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Marcos Freire estava se constituindo na média do pensamento do País, estava procurando somar as forças políticas do País para conseguir avanços extraordinários. Mas esse Sr. Russo, faccioso, representando uma facção ideológica superada mundialmente e minoritária no País, o que faz? É uma contradição. Agora vou passar ao segundo assunto: é a mesma coisa, essa história dessa senhora, que merece todo o respeito, mas que saiu, não se sabe de onde, para ser Ministra dos Transportes.

     O SR. RONAN TITO - Foi uma invenção política.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Como é que poderia dar certo essa invenção? Não falo nem do Ministro, mas da Ministra, que não pode ocupar esse cargo. Ela deveria ficar lá, na Noronha, trabalhando na Ponte Rio - Niterói. Isso é uma invenção que não pode dar certo. Assim como o Russo. É uma invenção. Quer-se colocar pimenta no Governo Itamar, que está muito direitista, e coIoca-se um comunista lá no Incra, para não fazer absolutamente nada, e o País perde com isso. Agora é no Ministério dos Transportes. Não sei que charme foi, que atração foi, que inspiração foi, ninguém sabe de onde veio. Aí a Ministra trouxe o marido - e tinha que trazer, ela não podia se divorciar por ter sido indicada Ministra -, que é funcionário de uma empresa. Ora, o Governo, que é um pagador assíduo, que gosta de pagar em dia, tem débitos atrasadíssimos com essa empresa; e o marido, que era empregado - não da Ministra, não do Governo, mas dessa empresa -, tinha que defender os seus interesses. E daí? Agora inicio o terceiro assunto, e a principal abordagem que gostaria de fazer era sobre a questão da produção rural e do posicionamento do principal agente financiador da produção rural - por coincidência, o Banco do Brasil, que nós tanto queremos, defendendo sempre a sua permanência, sendo contrários a sua privatização. Mas não queremos que ele, em vez de ser o principal agente financeiro da produção agrícola - que é vital para a economia do País, necessária a que realmente possamos tomar uma posição -, torne-se agente da impostura que se quis fazer em todo o País depois da aprovação do decreto na Câmara, que hoje tramita no Senado. Essa foi a maior impostura de comunicação aqui existente, financiada pelo lobby da Febraban. Como é que o Banco do Brasil se presta a um...

     O SR. RONAN TITO - E pela Anabb, também. Não se esqueça da Anabb - Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Claro! É isso mesmo. Estou falando no conjunto, as Presidências aí se uniram. Ora, como se faz uma impostura dessa? Como é que se faz uma guerra de contra-informação? O Líder José Fogaça nos aconselhou, com toda razão, a termos tranqüilidade, a realmente não levarmos para o emotivo uma questão seriíssima como essa. Vamos obedecê-lo, mas se faz necessário que alguém diga à alta direção do Banco do Brasil que é preciso levar as coisas também com objetividade e não cair nessa onda de contra-informação, de mau serviço. Por exemplo, quando o Banco do Brasil divulga a estatística, já analisada, de que 80% dos devedores inadimplentes do Banco do Brasil são grandes proprietários rurais e que apenas 1% são pequenos proprietários rurais, faz uma análise aterradora, dizendo que todos aqueles que estão defendendo o cancelamento, que nada tem a ver com a anistia - aliás, esse ponto foi muito bem interpretado pelo jornalista Jânio de Freitas, no seu artigo, citado pelo Senador Esperidião Amin -, são considerados anões em defesa dos fazendeiros, dos latifundiários. É a linguagem do Incra, do pessoal que lá está. Dizem que os pequenos proprietários não têm interesse algum nessa história. Ora, essa estatística é um acinte, é um absurdo! Se ela fosse analisada seriamente, seria lida da seguinte maneira: o Banco do Brasil, há vários anos, expulsou do quadro e da relação dos seus financiamentos o pequeno e o médio produtor rural.

     O SR. RONAN TITO - Claro! Evidente! No passado, 30% dos seus tomadores eram formados por pequenos proprietários; hoje, estes representam apenas 1 %.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Então, esse não é mais o Banco do Brasil que nós queremos. Aí, sim, pode ser privatizado, porque é um banco comercial como outro qualquer, que joga fora os principais produtores, pois os pequenos e médios produtores são realmente aqueles que sustentam a produção de alimentos no País, são aqueles que sustentam a explosão econômica e o desenvolvimento de Santa Catarina. E todas as regiões que prosperam o fazem através do pequeno e do médio produtor, em conjunto com os grandes, também. O Banco do Brasil declara, através de uma estatística mal lida, mal interpretada, que realmente já não tem mais entre os seus financiados o pequeno e o médio agricultor. O segundo ponto nessa guerra de contra-informação, nessa verdadeira impostura decidida pela direção do Banco do Brasil, é que o seu Presidente, Dr. Calliari - pessoa por quem temos uma grande simpatia, pelo seu trabalho naquele órgão -, vem sendo conduzido por maus assessores, que são lobistas da Febraban e da Anabb, e repetiu esses números em reunião da Comissão de Assuntos Econômicos. Ou seja, que o impacto financeiro do decreto, se aprovado pelo Senado, seria de 97 bilhões de dólares! (Risos) Senador Pedro Simon, se o Banco do Brasil tivesse esse impacto financeiro, isso significaria que teria roubado dos produtores rurais 97 bilhões de dólares! Porque esse dinheiro não foi recolhido...

     O SR. RONAN TITO - Não existe outra leitura, é só essa.

     O Sr. Mansueto de Lavor - Quanto mais alto o número, maior o roubo praticado pelo Banco do Brasil. Nesse caso, não só iríamos defender a privatização do Banco do Brasil, como também iríamos fazer que o seu enorme patrimônio voltasse àqueles a quem o Banco dilapidou e roubou: os produtores rurais. Essa situação não é possível, ainda mais que essa estatística é falsa. Eu denunciei essa estatística, porque fiz os cálculos e não chegava à metade do anunciado. Então, deduziram que corresponderia à metade de 97, que é 45. Entretanto, também não é 45, é menos de 30 bilhões. E ainda acham pouco? Eu acho muito! Sabe-se, hoje, que esse impacto é nulo. É uma sustação, porque tudo aquilo foi uma assombração. E mesmo que se tivesse algum impacto, se se quisesse retroagir e ressarcir alguns agricultores - conforme corretamente calcula Jânio de Freitas - não chegaria a 6 bilhões de dólares. Esses 6 bilhões de dólares são compensados pelos depósitos sem nenhuma remuneração, os depósitos à vista do Banco do Brasil, que podem cobrir isso plenamente. Então, nesse jogo de contra-informação, o que ocorre? Cria-se uma imagem terrivelmente distorcida do País e do Congresso Nacional, e uma má-vontade, porque se emocionaliza o debate. Senador Ronan Tito, esse ponto é importantíssimo. Temos que destruir esse castelo de contra-informação lançado contra uma decisão do Congresso, que, evidentemente, precisa ser retocada no Senado. Nós temos o papel de aperfeiçoar, de discutir, de negociar; o nosso trabalho é esse. Não devemos nos aterrorizar e fugir com medo da guerra da opinião pública. V. Exª tem razão: temos que enfrentar, com a fronte erguida, essa guerra contra o Congresso Nacional feita mediante um episódio com números falsos fornecidos por uma organização financeira estatal, o Banco do Brasil. Isso é lamentável, isso não pode ocorrer; esses dados, essas estatísticas são distorcidas, não resistem à menor análise criteriosa. Portanto, é preciso repudiar esse expediente produzido, talvez inocentemente, pelo Presidente Calliari, que relutou quando contestei os números, alegando que foram os seus advogados que haviam feito o levantamento. Tenho certeza que se ele voltasse a esta Casa certamente não sustentaria essa estória dos 97 bilhões de dólares; ele não repetiria mais isso. Mas foi um mau serviço. Quantas notícias foram divulgadas, causando desgaste ao Congresso, aos Parlamentares, e até expedientes escusos de quebra ilegal de sigilo bancário para saber, dos membros da CPI do Endividamento Agrícola, quem devia ao Banco do Brasil. Foi um episódio lamentável, tudo isso por conta desses números, desses fatos, que não correspondem à realidade. Vamos ver se o Senado chega à realidade. Parabenizo a V. Exª pela análise que faz de um problema tão grave como é o da produção rural.

     O SR. RONAN TITO - Pergunto ao nobre Líder Pedro Simon se ainda deseja apartear.

     O Sr. Pedro Simon - Se V. Exª me permitir...

     A Srª Júnia Marise - Permite-me V. Exª um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Agradeço primeiro ao Senador Mansueto de Lavor e ouço, com prazer, o nobre Senador Pedro Simon. Em seguida, ouvirei V. Exª, nobre Senadora Júnia Marise.

 

     O Sr. Pedro Simon - Em primeiro lugar, não há dúvida de que a argumentação de V. Exª, com relação à produção agrícola, é da maior importância. Creio que, lamentavelmente, este País, ao longo do tempo, não deu a devida seriedade, a título de análise, a essa matéria. Seria importante se realmente conseguíssemos realizar o que foi sugerido aqui - isso seria mais fácil de se fazer no Senado do que na Câmara, por causa do número -, ou seja, de numa hora como esta sentarmos em torno de uma mesa, com entidades defensoras dos produtores agrícolas, do Congresso Nacional e órgãos do Governo para realizarmos um debate que realmente esclarecesse definitivamente essa matéria. Penso que isso é importante e necessário. Por isso considero seu pronunciamento muito importante. Essa matéria não pode ser considerada apenas como uma tentativa de a imprensa desmoralizar o Congresso Nacional. A decisão deve ser tomada com a profundidade necessária. O que me leva a fazer este aparte é que V. Exª sabe que lhe tenho uma admiração muito grande. V. Exª é um homem de uma dignidade extraordinária, é um homem de luta - e isso vejo com muito carinho -, é um homem de muita garra, muito apaixonado pelas teses que defende; é um homem sério, que desenvolveu toda a sua atividade na hora mais difícil; não era apenas um dirigente de empresa, mas um dirigente de uma entidade patronal; entrou pelo lado difícil, pelo MDB, suportando momentos de dificuldades, momentos amargos, momentos realmente difíceis. V. Exª é um homem que mantém um padrão de dignidade, de seriedade. Desde quando V. Exª pertencia à outra Casa, aprendi a admirá-lo e a respeitá-lo. Vejo a sua paixão; sinto que V. Exª está vivendo uma hora muito importante, aliás, o mundo inteiro está vivendo uma hora de interrogações e V. Exª vem prestando esse serviço, que considero da maior importância, ao Congresso Nacional; V. Exª vem nos acordando, às vezes até - eu diria -, provocando-nos para que despertemos ao debate, à discussão. Sua atitude é absolutamente correta. Que bom se todos fizessem como V. Exª! Vou ser muito sincero: fico estimulado quando há debates nas nossas sessões do Senado. Entretanto, no Congresso Nacional, como são tantos os Parlamentares, não sinto a mesma coisa. Observo que lá há muito barulho - o que me assusta - e, às vezes, não consigo entender que naquela confusão toda possamos chegar a uma conclusão concreta, pois quando um fala, os outros não escutam. Aqui não, aqui temos condições de propiciar um debate civilizado, consciente, que nos leve, tal como se está fazendo agora nesta manhã, à margem de ideologia, à margem de partido, a buscar equações que são realmente importantes para o País. Tenho muito respeito pelo seu pronunciamento, pois creio que V.Exª está absolutamente correto no que tange a um país que não paga as contas, onde as coisas estão praticamente todas erradas. Mas a minha consciência me diz - e sou obrigado a dizer o que penso - que se eu fosse Presidente da República, demitiria a Ministra. Estou apenas dizendo com muita sinceridade: um bilhete naquele estilo envolvendo uma Ministra de Estado, eu a demitiria. A maneira de ser de cada um diverge, mas existem coisas que fazem parte da respeitabilidade do poder. Veja que situação: ele é esposo da Ministra e ambos, marido e mulher, trabalham na mesma firma, sendo que a mulher exerce o cargo de Ministra dos Transportes e, então, ele escreve um bilhete solicitando ao DNER que faça o pagamento para a empresa da qual ele é funcionário. Perdoe-me a sinceridade. Em primeiro lugar, isso é burrice, é ingenuidade, pode-se até dizer que é uma atitude infantil, ridícula e grotesca, mas há algumas coisas que são símbolos. Se permanecer tal Ministra, que autoridade terá este Governo para amanhã ou depois, nos casos que são verdadeiros escândalos e que vêm acontecendo, exigir que as coisas sejam diferentes? Não falei com o Presidente, não tenho idéia da sua opinião; falo, não como Líder do Governo, mas como cidadão. Posso estar errado, não estou afirmando que esteja certo, mas esta é a maneira como encaro essa situação. Sinceramente, se fosse o Presidente, eu a demitiria.

     O SR. RONAN TITO - Senador Pedro Simon, uma vez era Governador de Minas Milton Campos e aconteceu uma greve numa estação de Divinópolis, em que os trabalhadores começaram a quebrar a estação. O Chefe de Gabinete chegou ao Governador Milton Campos e disse: - Sr. Governador, pararam a Rede Mineira de Viação (hoje Rede Ferroviária Federal). Eles estão em greve e estão quebrando tudo. Que tal mandar um vagão de soldados? - Ele falou: - Que tal mandar um vagão de dinheiro e pagá-los?

     O dever de quem deve é pagar.

     No início do meu discurso, eu estava contando que um vizinho meu, morador do mesmo edifício, trabalha como executivo de uma empresa nos Estados Unidos. Segundo ele, isso jamais aconteceria nos Estados Unidos. Perguntei: Por quê? - Porque toda semana, recebo o cheque pelo correio, eu não vou lá. Eu presto um serviço, o fiscal vai à obra, a obra está feita, o cheque vem pelo correio. Mas, por que você recebe semanalmente? - Porque pago os trabalhadores semanalmente.

     O empresário presta serviço, tem os trabalhadores, ele tem que pagar os seus empregados. Se o patrão se recusa a pagar o empregado, ele vai à justiça. Não tem outra maneira; quem deve paga.

     O Sr. Pedro Simon - V. Exª está absolutamente correto, tudo o que V. Exª diz é correto. Por isso nós aprovamos a Lei de Licitações. Pela nova Lei de Licitações, se o serviço foi feito, manda para a pagadoria e entra na fila. O que primeiro fez é o que primeiro recebe. Não há como furar fila. É assim que tem que ser. Essa lei está em vigor. Os pagamentos devem ser feitos de acordo com a prestação do serviço. Quem fez primeiro, recebe primeiro. E o marido da Ministra burlou essa lei. Ele fez exatamente o contrário. V. Exª tem razão. Está tudo errado? Está. Tem que mudar? Tem. O que existe hoje é o bilhetinho, o telefone, vai o Deputado lá, vai o Senador. Está errado? Está. Mas o que não se pode é oficializar o erro. Nós mudamos, fizemos a Lei de Licitações que tenta mudar essa questão. Recebe primeiro quem tem direito a receber primeiro. Mas, com relação à outra parte, não tenho dúvida: fazer sem ter que pagar é uma questão realmente séria a ser analisada.

     O SR. RONAN TITO - impeachment!

     O Sr. Pedro Simon - Pode até dar impeachment.

     O SR. RONAN TITO - Contrata, faz o serviço, não paga!

     O Sr. Pedro Simon - Pode até dar, mas isso não permite que o esposo da Ministra faça um bilhete pedindo para pagar a conta da empresa em que trabalha. Isso não pode existir. São duas coisas completamente diferentes. Pode até dar impeachment para o Presidente que não paga. Quero saber qual é a autoridade que tem essa Ministra ao receber os bilhetinhos das empreiteiras mandando pagar lá, pagar aqui, pagar não sei onde, depois que seu marido deu o exemplo. Não sei, não falei com o Presidente ltamar Franco. Até estou achando meio sem graça este meu aparte, mas como V. Exª trouxe o assunto e pelo respeito e carinho que lhe tenho, estou lhe dizendo meu pensamento. A minha consciência me diz: eu, Pedro Simon, nessa situação, demitiria.

     A Srª Marluce Pinto - Permite V. Exª um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Nobre Senador Pedro Simon, respeito o ponto de vista de V. Exª e ouço a nobre Senadora Marluce Pinto; depois, se V. Exª me permitir, voltarei ao assunto.

 

     

     A Srª Marluce Pinto - Nobre Senador Ronan Tito, o nobre Senador Mansueto de Lavor tem razão ao dizer que o discurso de V. Exª abrangeu muito assuntos. Com relação ao que V. Exª falou sobre a Amazônia, tudo o que foi dito é a realidade. Só que o mais grave - e tenho certeza que V. Exª não desconhece e só não citou por esquecimento - é a demarcação das terras indígenas. Fiquei muito surpresa!

     O SR. RONAN TITO - Permita-me fazer uma revelação a V. Exª, nobre Senadora. Sabe V. Exª que empresas de topografia que mediram as terras não receberam o pagamento até hoje?

     O SR. PRESIDENTE (Lucídio Portella) - Lembro a V.Exª, Senador Ronan tito, que o seu tempo está esgotado.

     A Srª Marluce Pinto - Tem coisas mais graves, Senador. Ontem recebi um jornal do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, onde se lê o seguinte: "A questão da Organização Não-Governamental Maguta é complicada. A entidade dirigida por antropólogos firmou convênio com a Funai para demarcar, por conta própria, 965.150 hectares da área Tikuna".

     O SR. RONAN TITO - Só 960 mil!!!

     A Srª Marluce Pinto - "Para tanto contratou, sem licitação, a empresa Serplan, a mesma que fraudou e superfaturou a demarcação da reserva ianomâmi." Quantas vezes já falei desta tribuna sobre as terras dos ianomâmi, que tomaram quase 50% do Estado de Roraima, e ainda fica a Funai a mandar correspondência para todos os Parlamentares, porque quer demarcar 266 áreas indígenas. No nosso Estado mesmo, ainda querem demarcar a Maloca da Raposa, Serra do Sol, onde está o maior rebanho bovino do Estado, as melhores terras agricultáveis. E nas dos ianomâmi, todos nós sabemos que os minérios nobres do nosso País estão naquela região. E para surpresa nossa, que estávamos esperando que saísse agora o decreto para a implantação das áreas de livre comércio para Pacaraima e Bonfim, que V. Exªs nos ajudaram a aprovar o projeto, telefona-me o Superintendente da Receita dizendo que talvez não implante a de Pacaraima, porque recebeu um comunicado da Funai informando que Pacaraima é terra indígena. Pacaraima é quase uma cidade!

     O SR. RONAN TITO - Tive o privilégio de, juntamente com o Senador Pedro Simon, sobrevoar a área de helicóptero.

     A Srª Marluce Pinto - Se V. Exªs voltassem a Pacaraima ficariam muito surpresos com o crescimento ocorrido lá desde a visita de V. Exªs até o presente momento, porque o Governador estruturou, está até asfaltando a estrada Boa Vista, marco BV-08; são 213 quilômetros, dos quais 130 já estão pavimentados. E agora, porque a Funai dá uma Onformação inverídica, pára tudo. E o Estado fica sacrificado, porque não pode garimpar, não pode cortar uma árvore; tem uma área de livre comércio a ser implantada, também não pode, porque a Funai não deixa. E a própria Funai, sem licitação - como cita aqui o jornal -, contrata a mesma empresa que superfaturou os serviços de demarcação das terras dos ianomâmi. Nós, os Parlamentares, trabalhamos muito; quando não estamos em plenário, estamos cuidando dos interesses dos nossos Estados. No Estado de Roraima, implantado recentemente, temos que ficar correndo atrás de tudo, até de apagar o fogo que a Funai vive provocando. V. Exªs se lembram muito bem daquelas notícias de Haximu, quando disseram que tinha havido uma matança de índios no Brasil. O Presidente da Funai fazia afirmações, na televisão, como se ele mesmo tivesse assistido. Na hora em que ficou comprovado que foi na Venezuela, a informação de que não era no Brasil e sim na Venezuela durou menos de trinta segundos. Ninguém foi defender o Brasil, muito menos o Estado de Roraima. Então, são por essas coisas que hoje nós, políticos, estamos caindo no descrédito dos eleitores, exatamente porque não se resolvem os problemas. E quem está lá no Norte não vai pensar que aqui encontramos empecilhos; as pessoas não sabem que os Parlamentares vivem atrás de resolver os seus problemas, mas não encontram guarida; encontram as portas fechadas. Uma notícia mal contada por um simples antropólogo da Funai tem muito mais validade do que o que nós falamos qui. Esta é a realidade, isto precisa acabar em nosso País. É preciso que o trabalho dos Parlamentares seja considerado. Não podemos ficar só no discurso. Existe o discurso, mas não existe ação. Esta é a realidade.

     O SR. PRESIDENTE (Lucídio Portella) - Senador Ronan Tito, peço-lhe não conceda mais apartes, porque há outros oradores inscritos.

     O SR. RONAN TITO - Vou encerrar, Sr. Presidente, mas o nobre Senador Gilberto Miranda há muito pediu-me um aparte. Eu o ouço e encerrarei, com a complacência de V. Exª

     O Sr. Gilberto Miranda - Senador Ronan Tito, quando V. Exª se pronuncia nesta Casa, com o plenário cheio, pela metade ou quase vazio, todos ficam atentos, e até o final. Nosso representante pelo Rio Grande do Sul comentava sobre a forma como V. Exª até se excita ao falar dos problemas nacionais. Quanto a esse Governo, Senador Ronan Tito, é perda de tempo; até o final dele, nos próximos dez meses, tudo vai ficar do jeitinho que está ou talvez pior. O Presidente não tomou nenhuma decisão com relação a ministros, ao que aconteceu no camarote presidencial. Como disse o Senador Pedro Simon, no caso da Ministra dos Transportes, ele a demitiria; já o teria feito no mesmo dia em que se soube do bilhete. Discordo de V. Exª, com todo o respeito. Tenho um pronunciamento a respeito do assunto pronto para amanhã. Espero que o Presidente Itamar não me deixe fazê-lo, e demita a Ministra ainda hoje, se possível, porque vou falar cobras e lagartos deste Governo. Acho vergonhoso convidar-se para o cargo de ministra pessoa que faz parte de uma firma de engenharia, que traz o seu marido, o marido manda bilhetinho e diz que vai continuar mandando. O País não pode mais conviver com isso. De jeito nenhum. Isso, no mínimo, é vergonhoso. Espero que a primeira notícia do Jornal Nacional, hoje à noite, seja a queda da Ministra dos Transportes Margarida Coimbra. A Ministra Margarida é um capricho do Presidente, que é um homem cheio de caprichos. Não sei por que não nomeia um inistro para a Integração Regional, um ministro para o Ministério das Minas e Energia e um Ministro para o Bem-Estar Social, e por que deixa o Osvaldo Russo sair do Incra, dizendo que aqueles que seriam candidatos deveriam ter saído no final de dezembro. Assistimos praticamente dobrar a inflação no Governo Itamar. Vamos assistir a tudo que nossa imaginação criar até o final do Governo Itamar. O Governo Itamar veio para não fazer nada e, lamentavelmente, vai continuar desse jeito. Mas esperaremos que pelo menos acorde e nomeie ministros o mais rápido possível. O Fundo Social de Emergência, pelo qual tinha tanto interesse, já foi votado, Senador, só falta ser promulgado. Então, nomeie ministros. Tente imprimir alguma velocidade a esses Ministérios. Agora, o que não podemos é ouvir de seu Ministro da Agricultura, que é do nosso partido, vir à Comissão de Economia e dizer que o Governo vai emitir para pagar as perdas do Plano Bresser e tudo mais. Falou bobagem. E depois se irritou quando toquei no assunto com ele. Está na hora de o Presidente Itamar dedicar-se mais ao Governo; está na hora de o Presidente ltamar imprimir uma velocidade que não conseguiu nos quatorze ou dezesseis meses de Governo. Sua Excelência é um homem sério, um homem direito; então, vamos imprimir trabalho. O País precisa de trabalho, o País está com pressa, não podemos ficar só com a URV. Com a URV só um grupo perdeu, o dos 150 milhões de assalariados. Só o salário, Senador Ronan Tito, pela média dos 4 meses é que vai perder. Agora, o preço do feijão que há vinte dias estava em 580 cruzeiros reais o quilo foi para 1.800 cruzeiros reais. Tudo subiu 70%, 80% a 90% de preço. Duvido que o Ministro da Fazenda tenha condições de fazer com que esses preços voltem pela média. O pobre vai pagar, o assalariado vai pagar. O Presidente Itamar não vai pagar, porque nós pagamos as suas contas de comida, casa, bebida, viagem, camarote etc. Muito obrigado por conceder-me o aparte, nobre Senador Ronan Tito.

     O SR. RONAN TITO - Eu é que agradeço, nobre Senador Gilberto Miranda.

     Termino, Sr. Presidente, fazendo um apelo ao Líder Pedro Simon. V. Exª é amigo do Presidente Itamar como eu também sou, mas, por dever de ofício, V. Exª tem de conviver com Sua Excelência. Diga ao Presidente que, na vacância do Sr. Osvaldo Russo que sai para se candidatar, coloque um homem que esteja verdadeiramente interessado em fazer reforma agrária, um homem como o Ministro Fernando Henrique Cardoso, que queira cumprir contratos. E cumprir contratos significa não desrespeitar aquilo que foi escrito.

     Repito, Sr. Presidente, reforma agrária só existe em países capitalista, porque no comunismo tudo é do Estado.

     Mas como eu acredito muito, muito, na reforma agrária, peço que o Ministério responsável tenha lá um homem sério e comprometido com essa reforma.

     Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 02/03/1994 - Página 950