Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONSEQUENCIAS ECONOMICO-SOCIAIS DA MEDIDA PROVISORIA 434, DE 1994, QUE DISPÕE SOBRE O PROGRAMA DE ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA, O SISTEMA MONETARIO NACIONAL, INSTITUI A UNIDADE REAL DE VALOR-URV, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONSEQUENCIAS ECONOMICO-SOCIAIS DA MEDIDA PROVISORIA 434, DE 1994, QUE DISPÕE SOBRE O PROGRAMA DE ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA, O SISTEMA MONETARIO NACIONAL, INSTITUI A UNIDADE REAL DE VALOR-URV, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/03/1994 - Página 919
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), IMPLANTAÇÃO, UNIDADE REAL DE VALOR (URV).
  • CRITICA, PROPOSTA, SISTEMA, CALCULO, MEDIA ARITMETICA, SALARIO, CONTEUDO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), UNIDADE REAL DE VALOR (URV).
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, DEBATE, PARTICIPAÇÃO, MARIO HENRIQUE SIMONSEN, EX MINISTRO, EDMAR LISBOA BACHA, PERSIO ARIDA, PEDRO MALAN, GUSTAVO FRANCO, MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES, PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR, ECONOMISTA, OBJETIVO, ANALISE, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA.

     O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Chagas Rodrigues, Srs. Senadores:

    O Presidente Itamar Franco, o Ministro da Fazenda, o Ministro do Trabalho, o Ministro da Administração e outros fizeram publicar, hoje, a Medida Provisória n° 434, que dispõe sobre o Programa de Estabilização Econômica, o Sistema Monetário Nacional, institui a Unidade Real de Valor e dá outras providências.

    Trata-se de uma das mais significativas medidas anunciadas desde o início do Governo Itamar Franco. Obviamente, concordamos com medidas destinadas a promover a estabilização da economia. Sem dúvida-alguma, combater a inflação, erradicar este fenômeno endêmico é prioritário, ainda mais em função das conseqüências em especial altamente regressivas para a população brasileira no processo de inflação. Mas é necessário assinalar que, além do combate à inflação, esperamos que o Governo ataque concomitantemente o problema da miséria, tome medidas, com igual vigor, para melhorar a distribuição da renda e da riqueza.

    Retomar o crescimento, conseguir a estabilidade dos preços, melhorar a distribuição da renda, erradicar a pobreza, a miséria, combater a fome, são objetivos igualmente importantes que não podem ser esquecidos.

    Na semana passada, Herbert de Souza, o Betinho, Secretário Executivo da Ação da Cidadania contra a Fome e Miséria, chamou a atenção, publicamente, através da imprensa, do Ministro Fernando Henrique Cardoso, dizendo que não se pode simplesmente pensar em estabilização sem tomar medidas de igual vigor, energia e importância, para se combater a miséria e a fome.

    Não há dúvida de que há méritos no Governo Itamar Franco, que aceitou a proposição de se instituir, no Brasil, o Conselho de Segurança Alimentar, coordenado por Dor Mauro Morelli e Herbert de Souza, com vistas ao combate à fome à miséria. Todavia, é preciso que, além do despertar de consciência, além da mobilização voluntária, além da constituição de tantos comitês de combate à fome e à miséria, é preciso, repito, que haja medidas visando erradicar a fome e a implantar uma política de distribuição da renda. 

    No que diz respeito à Medida Provisória n° 434, em primeiro lugar, em relação aos trabalhadores e aos salários, é preciso analisar o que foi dito antes e o que está na Medida Provisória 434, pois o Ministro da Fazenda e a equipe que estava elaborando a medida provisória afirmaram, diversas vezes, que não se iria quebrar contratos; que os agentes privados e todos os agentes da economia, incluindo obviamente os trabalhadores, poderiam utilizar-se ou não, poderiam utilizar-se voluntariamente da Unidade Real de Valor; que todos seriam instados, em função das suas vantagens, a abraçar a utilização da URV. Todavia, o que a Medida Provisória n° 434 de fato aponta é a compulsoriedade de os trabalhadores terem os seus salários definidos em termos de Unidade Real de Valor, com certa margem para negociação a posteriori.

    Poderíamos dizer que, com esta medida provisória, o salário mínimo e os salários para o setor privado e público ficaram definidos. O art. 17 dispõe:

    “Art. 17. O salário mínimo será convertido em URV em 1° de março de 1994:

    I - dividindo-se o valor nominal, vigente em cada um dos quatro meses imediatamente anteriores à conversão, pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV do último dia do mês de competência, de acordo com o Anexo I desta Medida Provisória; e

    II - extraindo-se a média aritmética dos valores resultantes do inciso anterior.

    Parágrafo único. Da aplicação do disposto neste artigo não poderá resultar pagamento de salário inferior ao efetivamente pago ou devido, relativamente ao mês de fevereiro de 1994, em cruzeiros reais, de acordo com o art. 7°, inciso VI, da Constituição.’’

    Segundo o § 2° do art. 1°, a URV, no dia 1° de março de 1994 corresponde a CR$647,50 (seiscentos e quarenta e sete cruzeiros reais e cinqüenta centavos). O salário mínimo, estima o Governo, estará em torno de 65 dólares mensais nesse período.

    Ora, em primeiro lugar, o salário mínimo, em alguns meses do ano de 1993, esteve acima desse valor de 65 dólares. Estimou-se, para definição do salário mínimo, a média dos últimos quatro meses. Não teria sido melhor se se considerasse a média dos últimos doze meses? Ainda mais quando se leva em conta que, em decorrência, em boa parte, do próprio anúncio prévio da URV, a inflação acelerou nos últimos três meses, em especial desde 7 de dezembro de 1993, quando o Governo anunciou que iria criar a URV e que viriam, depois, as fases 2 e 3 do Programa de Estabilização.

    Em segundo lugar, esta legislação substitui a legislação anterior relativamente à política salarial e ao salário mínimo. Ora, a Lei n° 8.700, de 27 de agosto de 1993, que dispõe sobre a política nacional de salários, pelo menos mencionava que o salário mínimo, em termos reais, iria crescer. O Senador Beni Veras certamente se lembra da introdução do art. 2° da Lei, que dizia:

    “Caso a variação real do salário mínimo, calculada na forma do parágrafo único deste artigo, resulte inferior à variação real do Produto Interno Bruto per capita, considerados apenas os casos em que esta variação seja positiva, o salário mínimo incorpora, no mês de maio do ano subseqüente, aumento correspondente à diferença entre essas variações’’.

    Ora, como esta Medida Provisória substitui a Lei n° 8.700, esta parte, ou seja, uma diretriz de crescimento mínimo do valor real do salário mínimo não está incorporada nesta medida provisória. Sem dúvida, isso deve ser objeto de preocupação do Congresso Nacional neste mês em que serão examinadas essas medidas.

    Outro ponto importante referente ao salário dos setores público e privado é o art. 18, em especial, que estabelece o seguinte:

    “Art. 18 - Os salários dos trabalhadores em geral serão convertidos em URV no dia 1° de março de 1994, de acordo com as disposições abaixo:

    I - dividindo-se o valor nominal vigente em cada um dos quatro meses imediatamente anteriores à conversão, pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV, na data do efetivo pagamento, de acordo com o Anexo I desta medida Provisória; e

    II - extraindo-se a média aritmética dos valores resultantes do inciso anterior.’’

    Por que se considerar a média dos últimos quatro meses, quando houve aceleração da inflação, e não a média dos últimos doze meses, opção que o próprio Governo considera como a mais adequada, tanto que propõe, para a data-base, uma compensação de eventuais perdas pela não-utilização dessa média? Por que não se insere no próprio mês de entrada, março de 1994, o valor médio dos últimos 12 meses?

    Em especial, isso deveria ser também considerado para os salários dos servidores públicos. Refiro-me aos arts. 21 a 23. A média dos últimos quatro meses para os servidores públicos resulta em perda mais significativa ainda do que para os trabalhadores do setor privado, tanto é que o Governo considerou um abono de 5%, insuficiente para recuperar as perdas decorrentes dessa metodologia.

    Outro ponto de destaque refere-se à própria metodologia da medida da Unidade Real de Valor. Quero salientar que vi um progresso em relação ao que estava sendo debatido e discutido e o que foi publicado na medida provisória.

    Aliás, hoje, na Comissão de Assuntos Econômicos, teríamos um debate com a presença do Ministro Fernando Henrique Cardoso, dos formuladores desta política de estabilização, Edmar Lisboa Bocha, Pérsio Arida, Pedro Malan, Gustavo Franco, e, do outro lado, alguns dos mais brilhantes economistas deste País, Mário Henrique Simonsen, Maria da Conceição Tavares, Paulo Nogueira Batista Júnior, que justamente estariam levantando essas questões.

    O Ministro Mário Henrique Simonsen tinha já aceito o convite, mas recebeu comunicação do Ministro Fernando Henrique Cardoso de que este não viria hoje. Entramos em contato com o Ministro Fernando Henrique Cardoso no sábado e, ajudando o Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador João Rocha, tivemos a oportunidade de indagar, por intermédio do Embaixador Júlio César, se S. Exª queria manter o debate ou preferiria que não se realizasse; S. Exª ressaltou que quer a realização do debate, mas que hoje não seria o dia mais adequado, em função da necessidade de explicar à opinião pública os detalhes da segunda fase do Plano de Estabilização.

    Como concordou com a realização do debate, de comum acordo com todos os participantes, resolvemos adiá-lo para daqui a duas semanas; portanto, no dia 14 de março, segunda-feira, às 15h, haverá esse importante debate aqui no Senado Federal, que servirá para tirarmos as dúvidas, colocarmos proposições para o Governo e o Congresso Nacional, na formulação dessa Medida Provisória e do Projeto de Conversão da Medida Provisória.

    Em especial, no que diz respeito à Unidade Real de Valor, o economista Paulo Nogueira Batista Filho vinha chamando a atenção para a necessidade de se ter um índice objetivo e transparente. Esta foi uma das perguntas que coloquei para o Diretor da Área Monetária do Banco Central, a ser confirmado, o Professor Alkimar Ribeiro Moura: o que ele achava da URV, que metodologia, que medida deveria ser adotada em relação a ela. Ele respondeu que precisava ser objetiva e transparente, podendo a sociedade conhecê-la.

    Até alguns dias atrás, vínhamos ouvindo o Diretor do Banco Central da Área Internacional - Gustavo Franco - afirmar que poderia a URV ser definida, aproximadamente, de acordo com aquilo que é feito com a taxa cambial e sem, portanto, um critério objetivo.

    Afirmava o Governo, afirmava Pedro Malan que não deveríamos estar tão preocupados, na medida em que a URV, de um lado, serviria como base de unidade de arrecadação de impostos e, de outro, serviria de balizamento para os movimentos no balanço de pagamentos.

    Ora, era necessário que a Unidade Real de Valor fosse definida por uma metodologia clara; que a sua medida fosse trazida mais para o presente; que ela fosse a mais contemporânea possível; que se adotasse como indicador, por exemplo, a inflação acumulada nos últimos trinta dias, a mais presente possível, assim como faz a FIPE ao medir a inflação quadrissemanal ou até diária dos últimos trinta dias, acumulada, publicando a cada dia o resultado.

    Pois bem, o Governo caminhou nessa direção. E aqui vemos, no Diário Oficial de hoje, em especial no art. 4°, o seguinte:

    “Art. 4°. O Banco Central, até a emissão do Real, fixará a paridade diária entre o cruzeiro real e a URV, tomando por base a perda do poder aquisitivo do cruzeiro real.

    § 1°. O Banco Central do Brasil poderá contratar, independentemente do processo licitatório, institutos de pesquisa de preços, de reconhecida reputação, para auxiliá-lo em cálculos pertinentes ao disposto no caput deste artigo.

    § 2°. A perda do poder aquisitivo do cruzeiro real em relação à URV poderá ser usada como índice de correção monetária.

    § 3°. O Poder Executivo publicará metodologia adotada para o cálculo da paridade diária entre o cruzeiro real e a URV.’’

    Há ainda o Decreto n° 1.066, publicado hoje, que dispõe sobre a metodologia de cálculo da Unidade Real de Valor:

    “Art. 1°. A variação diária da expressão em cruzeiros reais da URV será calculada com base em taxas de inflação medidas pelos três índices a seguir:

    I - Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da FIPE, da Universidade de São Paulo, apurada para a terceira quadrissemana;

    II - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-E) do IBGE;

    III - Índice Geral de Preços do mercado (IGP-M) da FGV.’’

    Ou seja, haverá um critério objetivo de definição da URV, o que impedirá, acredito, sua manipulação arbitrária.

    “§ 1°. A variação da expressão em cruzeiros reais da URV, do primeiro ao último dia do mês, deverá situar-se em um intervalo delimitado pela maior e pela menor variação mensal dos últimos três índices mencionados nos incisos I, II e III acima;

    § 2°. A variação diária da expressão em cruzeiros reais da URV será fixada pelo Banco Central do Brasil com base na projeção das taxas de variação dos índices referidos nos incisos acima;...

    § 4°. O Banco Central divulgará diariamente a expressão monetária da URV para o dia útil seguinte, aplicando-se essa mesma expressão aos dias não úteis intermediários.’’

    Aqui está algo importante como há pouco assinalei para o Senador José Fogaça: nós não deveríamos está dizendo que a URV significa exatamente o dólar, porque não seria adequado para a economia brasileira ter uma moeda que não fosse a nacional. Poderá a URV sim, ao longo do tempo, e o Real posteriormente, variar em relação ao dólar, porque, de outra maneira, estaríamos tendo, de fato, o que se poderia denominar de dolarização da economia. Se um Real fosse igual a um dólar, e para sempre, estaríamos presos, assim como está há três anos a economia argentina, a uma meta que pode ter servido aos propósitos da Argentina, mas não seria adequada para o Brasil, no meu entender.

    Para a economia brasileira, convém termos uma moeda estável, uma moeda cujo poder aquisitivo não varie tanto. É preciso que haja a estabilidade dos preços, mas o que acontece com o dólar representa o resultado daquilo que acontece com a economia americana domesticamente e, vis-à-vis ao que acontece com a economia internacional em relação à economia norte-americana. A economia norte-americana tem a sua política de gastos públicos, política orçamentária, política de expansão ou de retração, política monetária adotada pelo Federal Reserve Board, e assim por diante.

    E aquilo que venha a acontecer com o Real não precisa estar atrelado a isso, deve ser definido de forma independente.

    Avalio que, no exame da Medida Provisória, nós deveremos convidar os responsáveis pela FIPE, pela FGV, pelo IBGE, para conosco discutir melhor a metodologia da medida da URV.

    Outro ponto já mencionado é o relativo à questão dos abusos de preço, particularmente nos setores econômicos de alta concentração: os oligopólios e os monopólios. O art. 34 menciona:

    “Art. 34. O Poder Executivo, por intermédio do Ministério da Fazenda, poderá exigir que, em um prazo de cinco dias úteis, sejam justificadas as distorções apuradas quanto a aumentos abusivos de preços em setores de alta concentração econômica, de preços públicos e de tarifas de serviços públicos.

    § 1°. Até a primeira emissão do Real, será considerado como abusivo, para os fins previstos no caput deste artigo, o aumento injustificado que resultar em preço equivalente em URV superior à média dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 1993.

    § 2°. A justificação a que se refere o caput deste artigo far-se-á em câmara setorial respectiva, quando existir.’’

    E quando não existir? Qual será a sanção para o setor oligopolístico ou monopolístico que abusar dos preços? Esse é um tema sobre o qual teremos de pensar juntos para aperfeiçoar o projeto de conversão.

    Outro ponto muito importante é o relativo às regras de emissão e o que vai acontecer com o Real. Qual será a disciplina da oferta da nova moeda quando este vier a substituir o cruzeiro real? Será semelhante ao que é vigente hoje ou haverá modificações nas regras do Banco Central? Estará o Governo porventura cogitando de instituir uma caixa de conversão, um conselho de moeda? Essa é uma questão de grande relevância e que, obviamente, será um dos temas do debate que aqui teremos com o Ministro da Fazenda, sua equipe e os economistas citados, no próximo dia 14 de março.

    Um outro tema importante é o relativo ao art. 9°, que diz:

    “Art. 9°. Até a emissão do Real, é vedado o uso da URV nos orçamentos públicos.’’

    Por que isso? Preocupa-se o Governo em ter o próximo orçamento, a ser discutido e votado nos próximos dias, em termos reais? Afinal, o Real é para valer ou não? Parece-me que vai ser inevitável que tenhamos a definição do Orçamento de 1994, a ser votado nos próximos dias, no equivalente à URV também. Claro, em cruzeiros reais, mas também em URV.

    Assim, Sr. Presidente, gostaria de ressaltar que importante é a estabilização, mas é necessário que sejam dados passos na direção do combate à miséria e da melhoria da distribuição de renda; neste sentido, é preciso ter, também, estratégia clara de definição dos caminhos que venham assegurar o crescimento do salário real das categorias em geral, no Brasil.

    Muito obrigado.   


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/03/1994 - Página 919