Discurso no Senado Federal

CONTRIBUIÇÃO DO PFL A REVISÃO CONSTITUCIONAL. PROPOSTAS REVISIONAIS DE AUTORIA DE S.EXA., ABORDANDO QUESTÕES POLITICAS CONCERNENTES AO PROCESSO ELEITORAL, A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E AO NOVO PACTO FEDERATIVO.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • CONTRIBUIÇÃO DO PFL A REVISÃO CONSTITUCIONAL. PROPOSTAS REVISIONAIS DE AUTORIA DE S.EXA., ABORDANDO QUESTÕES POLITICAS CONCERNENTES AO PROCESSO ELEITORAL, A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E AO NOVO PACTO FEDERATIVO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 03/03/1994 - Página 1003
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), OPORTUNIDADE, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEFESA, REDUÇÃO, MANDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTORIZAÇÃO, REELEIÇÃO, EXTINÇÃO, OBRIGATORIEDADE, VOTO, INGRESSO, CONCURSO PUBLICO, SERVIÇO PUBLICO, REGULAMENTAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), FORMA, NOMEAÇÃO, JUIZ CLASSISTA.

      O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL - AL. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as propostas que apresentei, no processo inicial da revisão constitucional, integram-se ao conjunto encaminhado pelo Partido da Frente Liberal - PFL - e têm como principal objetivo contribuir para o aperfeiçoamento das instituições democráticas, para o estabelecimento de uma Nação mais desenvolvida e de um sistema de distribuição de riqueza mais justo, obedecendo às diretrizes e aos princípios básicos estabelecidos no programa do partido, desde a sua fundação.

      Dentre esses princípios destacam-se a defesa da democracia e de uma justa distribuição da renda e da riqueza entre as pessoas e as regiões, a defesa da livre iniciativa como elemento dinâmico da economia nacional e, finalmente, a aceitação da ingerência do Estado na economia somente dentro de limites bem rígidos, estabelecidos em lei, com a finalidade de promover o desenvolvimento, regular as relações sociais, condicionar o uso da propriedade a seu papel social e conter a exploração predatória dos recursos naturais, evitando constrangimentos espúrios ao livre mercado e o cerceamento das liberdades dos cidadãos.

      As diretrizes, que dão forma aos princípios, defendem o revigoramento da federação, a descentralização administrativa, o aperfeiçoamento de mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado, a instituição do voto livre, direto e secreto, inclusive para os analfabetos, a limitação da atividade empresarial do Estado, a reestruturação do sistema nacional de planejamento.

      Coerente com esses fundamentos programáticos, o Partido promoveu, com vistas à elaboração de suas propostas à revisão constitucional, um processo democrático de consulta às bancadas, que culminou com a formação de uma comissão de estudos, dividida em oito grupos, de acordo com os capítulos da Constituição. O resultado foi um conjunto de proposições que guarda estreita relação com as idéias defendidas pelo partido, respaldado ainda no apoio de seus membros e de suas lideranças.

      Pretende o PFL, com essas propostas, tornar a Constituição mais clara, mais concisa e, principalmente, mais adequada a regular as relações sociais, políticas e econômicas na sociedade brasileira e dela com a ordem econômica mundial. Justificam-se as modificações apresentadas, primeiramente, pela necessidade de adequar o texto constitucional às mudanças ocorridas no Brasil e no mundo, no curtíssimo espaço de tempo que nos separa de sua edição. Não se trata, todavia, de um processo que se pretenda recorrente, de pequenos ajustes periódicos. O momento permite e exige que se promovam grandes ajustes no texto constitucional, de modo a tornar desnecessárias mudanças freqüentes.

      Entendo, como os demais membros do partido, que a Constituição é uma peça fundamental na regulação da sociedade brasileira. Entendo também que por essa mesma razão ela deve ser prática, de fácil entendimento, para que as normas nela contidas sirvam efetivamente de orientação à vida das pessoas. Uma Constituição muito ampla, muito abrangente e de difícil entendimento gera sempre a necessidade de se apelar com maior freqüência aos tribunais, para sua interpretação, o que jurisdiciza em excesso a vida dos cidadãos. É o que vem ocorrendo, infelizmente, na vigência da atual Constituição, no dizer de vários especialistas a mais extensa e a mais analítica de todas as Constituições brasileiras. De fato, reúne 245 artigos em seu corpo principal e 70 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além de um sem número de parágrafos, incisos e alíneas. Essa prolixidade constitucional, inédita na nossa história, finda por comprometer a flexibilidade exigida para que as constituições analíticas tenham mais longa duração.

      Conforme salienta o advogado Rodrigo Carneiro de Oliveira, em brilhante estudo sobre as Constituições brasileiras, "o mérito de um texto constitucional, mais do que reger a forma e o sistema de governo e prescrever detalhes pertinentes à ordem econômica e social, está em granjear a compreensão do povo no tocante ao seu papel de guardião de princípios maiores, mantenedores da ordem e da justiça. Quando um povo alcança essa compreensão, cristaliza-se o respeito à ordem constitucional, pilar mestre de toda grande nação".

      Outra crítica que se faz à atual Constituição é a pretensão de atender, em seu âmbito, a todos os apelos da sociedade no momento de sua edição. O resultado, que ora se busca alterar, é a ausência, no texto constitucional, da necessária flexibilidade para se adaptar às constantes mudanças da realidade social. O pressuposto do constituinte, embora calcado em boas intenções, está muito distante da verdade, por entender que todos os assuntos relevantes devem constar da Carta Magna. Desse exagero de dispositivos espúrios no texto constitucional resultam conseqüências desastrosas para a vida dos cidadãos, pois ao se constitucionalizarem assuntos do cotidiano, gera-se na população a expectativa, de difícil concretização, de que seus problemas, uma vez previstos no texto constitucional, serão por isso mesmo facilmente solucionados. Fica o Poder Legislativo, nessas circunstâncias, impedido de tratar de assuntos normalmente de sua alçada, mas que por terem sido incluídos na Constituição só poderão ser modificados se remetidos ao processo de alteração da Carta Magna. Essa situação produz também outro efeito que ameaça a estabilidade das instituições, pois qualquer sinal de crise põe em risco a ordem institucional e a Constituição que lhe dá sustentação.

      Sr. Presidente, Srs. Senadores:

      O processo de revisão constitucional, se não for bem conduzido pelas lideranças políticas e pela sociedade, corre o risco de repetir os erros que acabo de apontar quanto à atual Constituição. De fato, o constante agravamento da crise brasileira - crise do Estado, crise econômica, crise política e principalmente crise moral - vem direcionando as preocupações enunciadas nas propostas apresentadas na revisão constitucional para dois caminhos principais. Um deles é o de tentar dar solução a todos os problemas não resolvidos no texto de 1988 e que, ao contrário do que muitos julgam, não se resolvem com simples mudanças no texto constitucional. Não basta que as normas estejam enunciadas na Constituição; elas devem estar enraizadas no coração e na prática de vida das pessoas.

      Felizmente, a principal direção em que aponta a revisão constitucional parece ser a da sensatez e se configura na tentativa de promover os necessários ajustes no texto da Constituição de modo a torná-lo mais adequado à realidade nacional, além de mais claro, mais simples, mais enxuto e mais flexível. Nesse sentido, as propostas formuladas pelo PFL atendem a esses requisitos e a alguns princípios gerais, alguns quase consensuais entre os partidos, como os de manter os dispositivos relativos às conquistas sociais; não propor alterações nas cláusulas pétreas; expungir equívocos, falhas, exageros, textos desnecessários e imprecisos.

      Dentre os temas mais gerais e abrangentes que foram objeto das propostas do partido destacam-se: um novo pacto federativo, em que as responsabilidades e competências dos três poderes e das três esferas de governo estejam claramente estabelecidas e diferenciadas; alterações na legislação de orçamento, separando nitidamente o orçamento fiscal do orçamento da previdência social; reforma fiscal profunda e abrangente; alterações no sistema previdenciário; extinção do monopólio estatal dos serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações e sobre pesquisa e lavra de petróleo, gás natural e hidrocarburetos; eliminação do intervencionismo estatal na economia; fim das restrições às empresas estrangeiras; alterações na legislação eleitoral; mudanças na administração pública; instituição de mecanismos de maior controle e periódica avaliação dos atos dos três poderes, em especial o controle externo do Judiciário.

      Ao fortalecer financeiramente os Estados e Municípios, a Constituição de 1988 consagrou o princípio federativo, mas deixou o Governo Federal em posição bastante desconfortável, porque não estabeleceu condições institucionais para que o princípio se materializasse. De fato, o modelo federativo implantado descentralizou recursos mas manteve responsabilidades centralizadas, na maioria dos casos. Em outros, manteve a centralização de recursos e descentralizou responsabilidades. A dotação de recursos da União para entidades filantrópicas, cujos desvios foram investigados na CPI do orçamento, é um contundente exemplo desse federalismo incompleto.

      Um novo pacto federativo precisa definir claramente a distribuição de competências entre a União, os Estados e Municípios, eliminando as competências concorrentes, como propõe o Partido da Frente Liberal. Isto significa estabelecer, por princípio, que uma determinada função passível de ser exercida pela instância hierarquicamente inferior, não deverá ser assumida pela que estiver acima. Outra alteração importante diz respeito ao papel da União e dos Estados na redução dos desequilíbrios regionais. Os Estados devem estar dotados de quadros técnicos em condições de assessorar adequadamente os tomadores de decisões, enquanto a União deve concentrar as funções de coordenação de programas e fundos de investimento destinados a diminuir esses desequilíbrios.

      Algumas dessas proposições incluem-se num quase consenso nacional e suprapartidário, como a necessidade de reduzir o intervencionismo estatal e a excessiva centralização administrativa, o fim do monopólio estatal, a reforma fiscal, o novo pacto federativo, a moralização da atividade política, o maior controle da sociedade sobre os atos e gastos do governo. Outra situação que reúne a unanimidade da sociedade e dos partidos é a necessidade de se dar fim à corrupção, embora existam divergências quanto à forma de consegui-lo. Nesse sentido, tendo a concordar com o relator da revisão, Deputado Nelson Jobim, que em recente entrevista à revista Veja alerta para o fato de que o caminho para eliminar a corrupção não é aumentar a pena contra os corruptos, mas diminuir o tamanho do Estado, quando afirma: "O aumento da máquina repressiva não reduz a corrupção; pelo contrário, amplia a luta de bons contra maus e aumenta a criatividade dos corruptos".

      Outras propostas acirram polêmicas, mas não devem deixar de ser analisadas. Encontram-se nessa situação a reforma tributária, o fim do monopólio estatal, a extinção de privilégios corporativos de grupos e setores da sociedade (em que se incluem mudanças na administração pública, fim da aposentadoria exclusiva por tempo de serviço, controle externo do Judiciário, fim da estabilidade no emprego), a descentralização administrativa, a moralização do serviço público (restringindo-se o acesso a cargos importantes a funcionários de carreira, concursados), as alterações no sistema previdenciário, a privatização de serviços públicos por concessão, o fim da distinção entre empresa nacional e estrangeira.

      O conjunto de propostas que apresentei, no processo inicial da revisão constitucional, aborda justamente questões políticas ligadas ao processo eleitoral, à organização do Estado e ao novo pacto federativo. Dentre as primeiras, destacam-se a redução do mandato presidencial para 4 anos, permitida a reeleição, o sistema eleitoral distrital misto e o voto facultativo. Tratei também de questões ligadas com a revisão do pacto federativo e com os instrumentos de administração pública, como uma definição mas clara de competências das esferas de poder, com vistas a um novo modelo de desenvolvimento para o País e para o Nordeste, o que incluiu também uma proposta de reavaliação dos incentivos fiscais.

      A proposta de redução do mandato de Presidente da República, permitindo-se sua reeleição, tem por objetivo principal fazer com que coincidam as eleições em todos os níveis, possibilitando a aferição da opinião popular sobre seus representantes, além de acarretar sensíveis diminuições dos custos eleitorais.

      A introdução do sistema eleitoral misto, para a composição da Câmara dos Deputados, atende à finalidade de reforçar o sistema de representação de interesses políticos por meio dos partidos. Com efeito, sua adoção, além de evitar a multiplicidade e pulverização de partidos políticos, elide a conseqüente dificuldade que enfrentam os governos para a formação de maiorias parlamentares estáveis.

      A extinção da obrigatoriedade do voto adapta o texto constitucional às exigências das sociedades modernas, de maior democratização da atividade política dos cidadãos. Fundamentais para o funcionamento das instituições numa sociedade politicamente estável, a mobilização e a participação políticas, assim como o afeto, devem nascer do coração, do interesse, da prática, jamais da imposição.

      Outro tema sobre o qual apresentei sugestões à revisão constitucional é o do concurso público como exigência formal apenas para a primeira investidura em cargo ou emprego público. Minha intenção, ao formular a proposta, foi de reabrir a possibilidade de ascensão funcional, instituto da mais alta relevância para o sistema de mérito que estimula o bom funcionamento das organizações complexas. Uma das mais legítimas formas de provimento derivado, a ascensão funcional, aplicada dentro de regras bem determinadas, constitui importante instrumento de valorização dos recursos humanos, porque pressupõe o reconhecimento e a premiação ao bom desempenho profissional.

      Meu objetivo, ao preconizar a redução do número de Ministérios para quinze, foi o de contribuir também para uma maior estabilização das instituições políticas do nosso País, o que poderá ser assegurado mediante a edição de lei complementar, para dispor sobre sua criação, estruturação e atribuições. Conforme salientei ao justificar a proposta, só o interesse público pode servir de critério para eventuais mudanças na máquina administrativa, cuja razão de existência reside na necessidade de atender aos interesses da população e não a interesses espúrios de grupos temporariamente ocupantes do poder.

      A constante reedição de Medidas Provisórias não apreciadas pelo Congresso é um problema recorrente que vem afetando, nos últimos anos, não apenas a vida da população, como principalmente as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo, gerando, em boa parte das vezes, situações que só podem ser resolvidas se remetidas à instância do Judiciário. A limitação que se defende para sua reedição tem por escopo evitar que o Poder Executivo prolongue indevidamente as funções legislativas assumidas temporariamente e que deveriam estar restritas, como a Lei Maior determina, aos casos em que a urgência e a relevância justificam efetivamente sua edição.

      Assunto menos polêmico, porém não menos relevante, é o da proposta de remeter-se à legislação complementar a forma de nomeação dos juízes classistas das Juntas de Conciliação e Julgamento. O texto constitucional, ao regular a matéria, manteve-se vago no que respeita aos pré-requisitos para que esses juízes temporários se habilitem ao cargo. Outro problema, que pretendo solucionado com a presente proposta, é o da indicação desses juízes, que vem sendo feita indevidamente pelos Presidentes dos Tribunais.

      Sou contra a xenofobia que vê na empresa estrangeira um inimigo potencial. Foi por este motivo que julguei adequado propor a supressão do § 3º do artigo 199, que veda a participação de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. A difícil situação que atravessa o setor público de saúde em nosso País não deve ser agravada por manifestações restritivas a qualquer investimento privado, seja ele nacional ou estrangeiro.

      Embora o texto constitucional em vigor tenha previsto que os cargos em comissão e as funções de confiança devam ser exercidos, preferencialmente, por servidores de carreira, na prática isso não vem ocorrendo. Para alterar essa situação, proponho alteração na norma contida no inciso V do artigo 37, objetivando assegurar que os cargos em comissão e as funções de confiança sejam exercidos por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional. Admito a livre nomeação para os cargos essencialmente políticos, como de Ministro de Estado e dirigentes da administração direta, indireta ou fundacional, bem como para os considerados imprescindíveis ao desempenho das funções inerentes ao dirigente de órgão da Administração Pública, conforme me estabeleça a lei.

      A melhor definição de competências dos entes federativos constitui também objeto de proposta que apresentei, paralelamente a outras do PFL que apoiei, no sentido de dar nova formulação ao pacto federativo. Nesse escopo se incluem também as proposições que preconizam avaliações periódicas, pelos poderes executivos da União, dos Estados e dos Municípios, dos subsídios, imunidades, isenções e incentivos de natureza fiscal, remetendo aos respectivos Poderes Legislativos o resultado das avaliações, bem como propostas para aperfeiçoamento.

      Outra proposta reforça o preceito da não-discriminação das regiões, quando propõe percentuais para aplicação de recursos em irrigação nas áreas castigadas pela seca, que se concentram no Nordeste e Centro-Oeste.

      Finalmente, propõe-se alteração dos incisos I e II do artigo 14, parágrafo 8º, no sentido de evitar o tratamento discriminatório dos servidores militares que almejam a função pública, em relação aos servidores civis na mesma situação. A intenção do legislador, certamente de desestimular o interesse dos militares pela atividade política, acaba sacrificando essa categoria profissional, impedindo-a de exercer plenamente sua cidadania.

      Sr. Presidente, Srs. Senadores:

      O mérito da Constituição que resultar deste processo revisional estará em sanar os equívocos apontados e tornar a Lei Magna mais adequada a acompanhar as constantes mudanças de nossa sociedade. O debate , necessário para aprimorar o texto, é fundamental para fazer com que a Constituição penetre nas convicções e no coração do povo.

      Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

      Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 03/03/1994 - Página 1003