Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PARECER DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, DE SUA AUTORIA, AO PROJETO DE LEI DO SENADO 80/93, DO SENADOR JARBAS PASSARINHO, TRAMITANDO EM CONJUNTO COM OS PROJETOS DE LEI DO SENADO 97 E 106, DE 1993, DISPONDO SOBRE A ADIÇÃO DE MICRONUTRIENTES EM ALIMENTOS. A PROBLEMATICA DA ADIÇÃO DE VITAMINA A NO AÇUCAR. O DESAPREÇO DO GOVERNO COM AS AREAS DE SAUDE E EDUCAÇÃO.

Autor
Francisco Rollemberg (PMN - Partido da Mobilização Nacional/SE)
Nome completo: Francisco Guimarães Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PARECER DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, DE SUA AUTORIA, AO PROJETO DE LEI DO SENADO 80/93, DO SENADOR JARBAS PASSARINHO, TRAMITANDO EM CONJUNTO COM OS PROJETOS DE LEI DO SENADO 97 E 106, DE 1993, DISPONDO SOBRE A ADIÇÃO DE MICRONUTRIENTES EM ALIMENTOS. A PROBLEMATICA DA ADIÇÃO DE VITAMINA A NO AÇUCAR. O DESAPREÇO DO GOVERNO COM AS AREAS DE SAUDE E EDUCAÇÃO.
Aparteantes
Carlos Patrocínio, Magno Bacelar.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/03/1994 - Página 1042
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, PARECER, ORADOR, COMISSÃO PERMANENTE, SITUAÇÃO SOCIAL, PROJETO DE LEI, SENADO, AUTORIA, JARBAS PASSARINHO, SENADOR, ADIÇÃO, SUBSTANCIA, NUTRIÇÃO, ALIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, ADIÇÃO, VITAMINA, AÇUCAR, DUVIDA, RESULTADO, SUGESTÃO, ORADOR, INCLUSÃO, PROGRAMA, ALIMENTAÇÃO, INFANCIA, MEDICAMENTOS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, ATENÇÃO, EDUCAÇÃO, SAUDE, PAIS.

    O SR. FRANCISCO ROLLEMBERG (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores:

    Há algum tempo veio ter às minhas mãos projeto de lei do Senador Jarbas Passarinho no qual S. Exª propunha a adição de vitaminas ao leite e ao açúcar.

    Procurei com muito cuidado estudar o tema, haja vista que os propósitos são nobres mas, às vezes, as dificuldades técnicas são de certa forma pouco contornáveis. Decidi, então, ouvir técnicos em alimentação, em engenharia de alimentos, aqueles que produzem alimentos aos quais deveriam ser adicionados vitaminas: na prática, os produtores de leite e de açúcar.

    Eis que no decorrer dos meus estudos chegam a esta Casa projetos similares do Senador Julio Campos e Marco Maciel, respectivamente, que tratam também de adição de micronutrientes aos alimentos como forma de solucionar, em parte, questões relacionadas com a desnutrição de considerável parcela da população.

    Confesso que, a priori, nossa posição foi de entusiasmo ante o fato. Contudo, Sr. Presidente, algumas alterações precisavam ser feitas de acordo com a realidade nacional. Por exemplo, pedia-se para colocar um sal iodado no sal de cozinha. Ora, isso já existe; há portaria do Ministério da Saúde que há longos anos orienta a adição de iodato de potássio ao sal, o que de certa forma veio diminuir, e muito, nas regiões mediterrâneas do Brasil, principalmente do Brasil-Central, o volume dos bócios que aqui eram encontrados a longa manu.

    Em meu parecer naquela ocasião, chamei a atenção para o fato de que não seria por força dessas iniciativas que tais questões encontrariam solução. Na verdade, a predominância de fatores estruturais de inegável profundidade determina a miséria em que se encontra uma parte significativa da população brasileira. As estatísticas apontam a existência de 64 milhões de brasileiros pobres, dentre os quais se encontram 32 milhões de indigentes: um retrato vivo da inoperância administrativa ou do descuido das políticas de governo, em cujas mãos estaria a decisão imediata de garantia de padrões de vida menos vergonhosos aos olhos das sociedades das demais nações.

    Em que pese, no entanto, ao reconhecimento de todo esse descaso, os projetos em exame resguardam o interesse de, pelo menos, restringir tamanha miséria a fatores não-alimentares. Os dados estatísticos apresentados revelam que 44% dos brasileiros são constituídos de pessoas pobres e que 23% são indigentes. Em decorrência disso, 30% dos menores de cinco anos são desnutridos crônicos, ou seja, em cada três crianças uma se inclui nesse vergonhoso patamar.

    A FAO recomenda 2.242 calorias e 53g de proteína per capita, como dentro dos padrões mínimos exigidos. Ora, Sr. Presidente e Srs. Senadores, o potencial de que o Brasil dispõe é de 3.280 calorias e 87g de proteínas, isto é, 46% e 64% a mais em relação ao proposto por aquele organismo internacional. Como se observa, a decisão de corrigir o problema encontra respaldo na própria realidade oferecida pela natureza e pela tecnologia de produção alimentar.

    A questão de fundo, como se pode ver, é estrutural, com raízes na complexidade do quadro sócio-econômico.

    As estatísticas da miséria social vão além. Em torno de 13 milhões de brasileiros adultos - quase 16% - possuem baixo peso. Cerca de 25% dos idosos, num universo de 1,3 milhão de pessoas,

com renda inferior a meio salário mínimo, apresentam baixo peso. Esse número desce para 10% entre os de renda superior a dois salários mínimos. A área rural e as regiões pobres, com destaque para o Nordeste, concentram a desnutrição, fruto da miséria e do descaso do setor público.

    Foi essa a perspectiva que orientou a elaboração dos projetos que tive a honra de examinar. As recomendações por eles oferecidas encontram amparo em determinações similares de órgãos e organismos nacionais e internacionais. As sanções previstas para quem descumpra a lei quanto à adição dos micronutrientes nos níveis indicados são a garantia de sua eficácia.

    Ocorre, no entanto, Sr. Presidente, em nosso País, especialmente no interior longínquo, uma realidade que não pode passar despercebida aos olhos do legislador.

    No caso específico do leite, é sabido que a sua distribuição é feita diretamente pelo produtor ou por pequenas cooperativas servidas por unidades de processamento de baixa capacidade. Assim, negar-lhe a comercialização, e à população, o acesso ao leite, por força das restrições contidas nos projetos, em muitos casos intransponíveis do ponto de vista técnico e econômico, seria tão inconveniente, sob a perspectiva nutricional, quanto desconhecer o elevado alcance das iniciativas.

    Por isso busquei uma redação que considerasse a existência de microusinas responsáveis não só pela produção como pela comercialização de leite a varejo. Aproveitei também a riqueza de sugestões presentes nos três projetos para oferecer, finalmente, um substitutivo para exame daquela Comissão.

    Concluída a tarefa, Sr. Presidente, Srs. Senadores, julgo-me no dever de tecer algumas breves considerações acerca de um ponto relativamente importante. Ao recomendar, em meu substitutivo, a adição de vitamina A ao açúcar, confesso que, ao fazê-lo, tive plena consciência da ocorrência de entraves técnicos capazes de transtornar a completa viabilidade daquela determinação.

    Em verdade, a experiência internacional relativa ao assunto restringe-se à Guatemala, segundo fui informado, onde inexiste um controle efetivo necessário à avaliação de sua eficácia.

    Devo dizer, Sr. Presidente, que a Guatemala - que se diz carente de vitamina A - decidiu colocar uma dosagem suplementar de vitamina A no açúcar. Ora, a vitamina A é uma vitamina dita lipossolúvel, quer dizer, ela se dissolve na gordura. Então, o que se fez na Guatemala? Procedeu-se a uma usina artesanal que torna bem improvável determinar-se qualquer concentração de vitaminas. O processo consiste em fazer-se escorrer sobre o açúcar um óleo que contém vitamina A, sendo misturados num eixo sem fim. Ao final, aquele açúcar, embebido daquele óleo que continha vitamina A, após algum, deixava um sedimento do óleo nas partes inferiores do seu receptáculo.

    Além do mais, este procedimento veio encurtar, em muito, a vida útil do açúcar, haja vista que fica rançoso, pois ocorre a oxidação do óleo, e ninguém vai comer açúcar rançoso, além de o açúcar com a vitamina A turbar os meios líquidos nos quais se procura dissolver esse açúcar.

    Existe ainda uma série de problemas de ordem técnica que não foram devidamente sanados. Aqui, no Brasil, um determinado laboratório multinacional se propôs a fazer a pré-mistura, que mantém como segredo tecnológico, para fornecer às empresas produtoras de açúcar, que, a seguir, o colocariam no mercado.

    Fala-se da possibilidade de se encontrar uma vitamina A desidratada através de ar quente, que perderia, em muito, o seu conteúdo lipídicogorduroso, mas que lhe permitiria uma melhor homogeneização.

    A homogeneização tem variado 18% a 25% em média no teor de vitamina A adicionada. O seu aspecto deixa muito a desejar, o açúcar fica escurecido e há a presença de uma série de grumos esbranquiçados. Tive oportunidade de ver isso na COPERSUCAR, quando acompanhei o desenvolvimento da pesquisa tecnológica para que essa companhia pudesse atingir essa exigência.

    Como se observa, Sr. Presidente, é bastante duvidosa, do ponto de vista comercial, a relação custo-benefício quanto ao fortalecimento do açúcar pela vitamina A. Ao mesmo tempo, torna-se imprescindível, face ao quadro de desnutrição em que se encontra parcela significativa da população, que se encontrem meios de operacionalização do projeto, de modo a não alterar as características nutricionais do açúcar, nem a sua aparência, nem o seu preço ao consumidor.

    Chamo a atenção desse fato, Sr. Presidente, Srs. Senadores, não fazendo a defesa dos produtores de leite e dos produtores de açúcar, porque eles serão fatalmente penalizados com esse projeto, terão que se adaptar rapidamente e apresentar o mínimo de vitaminas A e D e ferro em seus produtos, sem que tenhamos condições nem tecnologia para tanto.

    Uma coisa que me chamou a atenção, e não faz parte desse projeto, deu-me uma idéia interessante: verifiquei que existem uns ruffles, uns biscoitos distribuídos na América Latina, que têm um conteúdo de mebendazol. São biscoitos gostosos, achocolatados, distribuídos nas escolas e as crianças ficam satisfeitas em comê-los. E o resultado é que elas são vermifugadas ao se alimentarem desses biscoitos.

    Acredito que se preparássemos a merenda e os alimentos de uso mais corriqueiro com produtos que vermifugassem, sem essa preocupação de forçar a que elementos outros fossem acrescentados ao leite - quando o distribuidor ou pequeno produtor vai entregá-lo diretamente ao consumidor - ou ao açúcar, já que o seu produtor vai ver a sua produção ser jogada fora, já que ele se torna inútil pela rancificação, teríamos feito um trabalho mais efetivo, ou, talvez, não aprovássemos isso agora, esperássemos mais um pouco o desenvolvimento tecnológico e, nesse ínterim, estaríamos fazendo uma campanha de melhor alimentação.

    Está provado, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que a melhor fonte de vitaminas e sais minerais estão nos alimentos que consumimos. O importante é que saibamos nos alimentar bem e não muito.

    Devemos levar para o sertanejo, por exemplo, o hábito de se comer frutas, pois ele não as planta, nem as consome, perdendo assim uma fonte notável de vitaminas. O sertanejo faz a sua complementação protéica com queijo de coalho e rapadura, mas não toma o leite in natura, que tem vitamina e cálcio.

    A falta de ferro pode ser suprida das mais diversas formas, através de verduras ou com a distribuição de quando em vez do sulfato ferroso, que é um sal de boa absorção, comprovado no mundo inteiro e ainda não foi superado para tratamento das anemias ferroprivas.

    Poderíamos fazer uma série de coisas, as quais completariam este projeto e não obrigaríamos nossa indústria a procurar uma tecnologia que não existe no mundo até agora, e assim evitaríamos fazer um mercado cativo para uma multinacional, que nos venderia a sua vitamina A, dentro de uma fórmula secreta, a ser dissolvida ou misturada ao açúcar a ser distribuído.

    O Sr. Carlos Patrocínio - Permita-me V. Exª um aparte?

    O SR. FRANCISCO ROLLEMBERG - Ouço V. Exª com muita honra.

    O Sr. Carlos Patrocínio - Nobre Senador Francisco Rollemberg, V. Exª aborda um tema de importância fundamental, ao chamar a atenção dos governantes do nosso País no sentido de

procurar aprimorar a alimentação de nosso povo. Sabemos que no Nordeste e até nas regiões mais desenvolvidas do País tem surgido uma verdadeira sub-raça, denominada de "homem gabiru", resultado da deterioração da raça pela subnutrição. Ontem, discutíamos com o Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, a remarcação de produtos por segmentos oligopolizados, cartelizados da economia, muito acima da inflação. V. Exª sabe que o povo brasileiro tem a mania de comprar vitaminas nas farmácias. Compram suplemento vitamínico mineral e, talvez, as vitaminas sejam os medicamentos mais vendidos, porque são adquiridos até sem receita médica. Tornou-se mania comprar vitaminas. Nobre Senador Francisco Rollemberg, o projeto de V. Exª é de suma importância quando chama a atenção das autoridades para esse consumo indiscriminado de vitaminas. Todos sabemos, e V. Exª aborda com muita propriedade, alerta para isso, que o povo brasileiro, principalmente onde existem mais terra para o plantio, não cultiva nem as frutas, que são ricas em vitaminas A, C, complexo B e não tomam o leite in natura, rico em vitamina D. Este tema abordado por V. Exª tem que ser mais discutido, mais aprofundado e mais analisado à luz da real necessidade da população brasileira. Parece haver, hoje, um contraste no Brasil: estamos desenvolvendo uma raça apurada e uma sub-raça. Se V. Exª olhar para um determinado tipo de classe social, média e alta, os jovens que dela fazem parte parecem ser bem mais fortes, mais robustos, mais rígidos, mais altos que os pais, ou seja, são uma raça aprimorada. Tenho certeza de que V. Exª tem filhos com estatura superior à sua, como também meu filho, de dezessete anos, está mais alto que eu. Isso tem acontecido e chama a atenção dos pais. Assim, estamos criando duas raças no Brasil: não diria super-raça, mas uma raça adequada, de acordo com o que sonhamos e, em contrapartida, uma sub-raça, que prolifera, também, em grande escala no nosso País. V. Exª está de parabéns, pois aborda um tema que merece profundas reflexões, um estudo apurado por parte dos membros do Parlamento nacional. Tenho a certeza de que o Presidente, que as autoridades governamentais haverão de copiar isso, porque praticamente copiamos tudo. V. Exª abordou até o fato de bolachas estarem sendo fabricadas em alguns países, contendo um vermífugo, o mebendazol, e isso é muito importante. Elas só não podem ser usadas indiscriminadamente, mas sua administração ocasional evita que se forcem crianças a tomar remédios de gosto ruim, apesar de que, hoje, isso não exista, porque se soube aprimorar as fórmulas. Assim, gostaria de me congratular com V. Exª, dizendo que deveremos nos debruçar sobre essas propostas para facilitar, para suscitar ao Governo a necessidade de se instituir qualidade na alimentação do povo brasileiro, principalmente das crianças.

    O SR. FRANCISCO ROLLEMBERG - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Carlos Patrocínio, que fala com conhecimento de causa, médico competente que é.

    Nobre Senador, estamos vivendo uma época de grande ênfase às vitaminoterapias. Os laboratórios estrangeiros ocupam literalmente o mercado nacional e podemos verificar que todas as casas ditas de importação são mais farmácias de remédios estrangeiros.

    Sabemos que as vitaminas têm o seu valor e que são meras catalisadoras das reações bioquímicas que compõem a estrutura do corpo humano. Caso ele não receba proteínas, glicídios, lipídios, evidentemente não haverá, evidentemente, desenvolvimento orgânico.

    V. Exª menciona a estatura de nossos filhos, que são altos, mas eles nunca tomaram vitaminas, apenas alimentaram-se bem.

    É preciso mudar essa filosofia da vitaminoterapia para alimentoterapia, para proteinoterapia, quer dizer, alimentar-se de carne, ovos, leite, queijo, requeijão ou o que for que traga esses componentes. Nesse caso, teríamos a devida complementação alimentar necessária. Não vamos fazer ninguém crescer tomando açúcar com vitamina A. Não tenha dúvida disso! Não vamos fazer ninguém crescer tomando leite em pó com ferro. Já tivemos um produto, se não me engano, chamado Eledon, que era terrível. Só os recém-nascidos tomavam-no, porque o seu paladar não era apurado. Mas não há ninguém que tome ou que goste de tomar esse medicamento, porque o leite torna-se escuro, cinzento e de gosto amargo.

    Temos que esperar o desenvolvimento tecnológico, mas o mais importante é que levemos à população, talvez através de pregações públicas, de proselitismo na área da Saúde, explicações de como deve ser a alimentação correta. Só assim teremos o povo brasileiro sem essas carências.

    Não temos problemas iguais aos da Guatemala. Produzimos uma série de produtos com grande concentração de vitamina A. Todos no Brasil têm um mamoeiro no fundo de seu quintal, que é uma fonte riquíssima de vitamina A, têm um pé de laranja ou algo parecido. Por conseguinte, temos uma suplementação riquíssima e saborosa que estamos acostumados a comer.

    O que estamos fazendo? Criando um açúcar desagradável, que vai ficar rançoso, obrigando os pequenos produtores de leite a cumprirem uma lei que não têm a menor condições de seguir, pois eles não saberão como dosar adequadamente a vitamina A. Isso seria um trabalho somente para as grandes cooperativas, depois de um estudo apurado e de uma fiscalização técnica, científica, comprovada e idônea, caso contrário será mais uma lei inócua.

    Vou dar um parecer favorável: não posso ser contra isso, mas confesso que acredito que seja uma daquelas leis que não vai pegar, não pode pegar, porque não podemos ter a veleidade de querermos fazer no Brasil aquilo que o mundo ainda não conseguiu fazer. Não há tecnologia para isso.

    Recordo-me, quando do exercício da minha profissão médica, de que surgiu no mercado uma vitamina, chamada Viamite, e que se dizia ser hidrossolúvel. Não sei por que, de repente, esse produto desapareceu do mercado, não interessou a ninguém vender a tal vitamina hidrossolúvel. Talvez uma perspectiva de futuro, uma análise teleológica tenham concluído que, se vendessem a vitamina hidrossolúvel, não venderiam a lipossolúvel, que tinham em maior quantidade. Sendo assim, retiraram-na do mercado.

    De repente vejo um projeto desse tipo, da maior seriedade, da maior profundidade, mas, acredito eu, que será uma daquelas leis que dificilmente irá pegar pela sua inexeqüibilidade.

    O Sr. Magno Bacelar - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

    O SR. FRANCISCO ROLLEMBERG - Concedo o aparte ao nobre Senador Magno Bacelar.

    O Sr. Magno Bacelar - Inicialmente quero cumprimentá-lo, porque somente a sensibilidade de médico e humanista que V. Exª tem, e que muita honra esta Casa, poderia levá-lo, como sempre, a um tema tão importante. Eu observava o aparte que me precedeu e preocupava-me realmente, nobre Senador, com o fato de que, infelizmente, neste País podemos referir-nos a uma super-raça ou a uma supersafra de jovens superdotados, bem alimentados, quando a grande maioria neste País é de miseráveis e de famintos. Isso é assustador. Mas há algo ainda mais assustador, nobre Senador, e por isso pedi permissão para interferir no discurso de V. Exª. Ontem eu defendia aqui um projeto que procurava a equivalência preço/produto para a cesta básica. Este é um País que não se preocupa, infelizmente, com a saúde dos seus cidadãos. Até hoje não saíram os recursos para pagamento das internações de hospitais; até hoje este País não conseguiu atingir o nível ideal de vacinação, de prevenção. Esquecem os seus governantes que é muito melhor prevenir do que ter a despesa da cura. Mas, entra ano sai ano, Presidentes, planos e projetos, planos de emergência social, a educação, a saúde, a moradia popular... é o auge, é o ápice do desencanto da população brasileira! Ao abordar um tema dessa importância, esta Casa deveria estar lotada para ouvi-lo. Deveriam estar aqui sobretudo os ouvidos do Governo para se sensibilizar e se comprometer com os grandes ideais que V. Exª defende. Parabéns a V. Exª

    O SR. FRANCISCO ROLLEMBERG - Senador Magno Bacelar, fico muito sensibilizado com seu aparte. V. Exª confirma o desapreço, o descuido que existe, no que diz respeito a dois pontos capitais neste País: a educação, que vai ter os seus investimentos reduzidos e o Ministério da Saúde, que é uma ficção, que não tem dinheiro nem para fazer as ações básicas de saúde.

    Veja V. Exª: os nossos filhos não foram hospitalizados até hoje e já estão quase adultos, mas os filhos dos nossos conterrâneos começaram a sua vida nos berçários e até hoje freqüentam os hospitais. Estão lá! Começaram desidratados e famintos! Foram colocados nos berçários para que pudessem ser alimentados e sobrevivessem. Voltaram pelas verminoses, pela desnutrição, pela diarréia, pelas doenças cutâneas devido a uma uma série de produtos, por hérnias, pela fragilidade muscular que têm pela deficiência de proteínas.

    Ora, Sr. Presidente, V. Exª me adverte que devo terminar, mas é preciso que se diga algo. Quando falta verba para o Ministério da Saúde, quando não se faz um programa de alimentação sério no País, quando se implanta a URV, que ninguém sabe bem o que é, quando o Governo, na prática, engessa o salário, quando diz que as tarifas não serão aumentadas, quando todos ganharão, se não menos, a mesma coisa e recebemos na calada da noite o aumento de quarenta e poucos por cento com os 5% da tarifa de luz. Vai ser a exaustão da classe média. Vai ser a exaustão dos pobres, que, sendo assalariados, ganhando pouco, já não podem alimentar-se; não vão poder também doravante ter suas casas com luz para que possa gozar o prazer do rádio, da televisão. E, certamente, se assim continuar, terão de cortar a água de suas casas; terão de fazer um poço artesiano em seu fundo de quintal; terão de pegar água nos tanques e nos poços que possam ainda ter água, voltando a um primitivismo doloroso pela insensibilidade, inconsciência e inconseqüência de quem, tendo nascido sempre bem, não sabe o que foi ter nascido mal, pobre e necessitado.

    Sr. Presidente, este País precisa dar uma volta por cima. Este País precisa - Deus há de nos ajudar para isso - no futuro, de um Presidente cujas raízes, cujas origens tenham perpassado e mergulhado na pobreza e na miséria, tenha sentido na sua própria carne a necessidade de comer, vestir, dormir até, porque às vezes nem se dorme de tanta preocupação. E este Presidente, então, assim caldeado, cozinhado, fermentado no sofrimento e na vivência do dia-a-dia, poderá dar a este País aquilo que esperamos. Não é que aqueles outros não tenham sensibilidade, mas para se saber da dor é preciso senti-Ia; e aqueles que nunca sentiram a dor e a necessidade certamente não serão os médicos ideais para tratar daquelas dores, daquelas necessidades.

     Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/03/1994 - Página 1042