Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA E A SUCESSÃO PRESIDENCIAL, NAS ENTRELINHAS DAS DECLARAÇÕES DO MINISTRO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÃO SOBRE A ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA E A SUCESSÃO PRESIDENCIAL, NAS ENTRELINHAS DAS DECLARAÇÕES DO MINISTRO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Almir Gabriel, Amir Lando, Magno Bacelar, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/03/1994 - Página 1045
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), EXIGENCIA, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUSENCIA, ALTERAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, SAIDA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), OBJETIVO, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PREJUIZO, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, PAIS.
  • NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, APERFEIÇOAMENTO, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, PAIS, SETOR, PREÇO, SALARIO.

    O SR. EDUARDO SUPLICY (PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores:

    Ora, quero fazer uma breve reflexão sobre a estabilização e a sucessão presidencial.

    Gostaria de relembrar que, logo após ter sido designado para o Ministério da Fazenda pelo Presidente Itamar Franco, o Ministro Fernando Henrique Cardoso veio fazer uma visita à Casa a que pertence, o Senado Federal. Houve, então, um diálogo entre cerca de 20 Senadores, os Líderes em especial, e o Ministro Fernando Henrique, na sala do Presidente do Senado Federal, Senador Humberto Lucena.

    Diversas considerações ali foram tecidas pelos Senadores, em diálogo com o Ministro Fernando Henrique. Tive a oportunidade de lhe colocar, como companheiro no Senado Federal, como pessoa que muitas vezes esteve batalhando junto com S. Exª por propósitos comuns - havendo algumas diferenças, na medida em que eu aqui era o representante do Partido dos Trabalhadores e S. Exª era um membro do PSDB -, a seguinte reflexão: para que S. Exª tivesse sucesso como Ministro da Fazenda seria importante que tivesse o propósito de continuar, até o fim do Governo Itamar Franco, como Ministro da Fazenda. Avaliava eu, então, que, diante da responsabilidade maior que assumia, por enfrentar os problemas de combate à inflação, de retomada do crescimento, de melhoria da distribuição da renda, fazia-se necessário que S. Exª assumisse o compromisso, a disposição de permanecer até o final do Governo; e que, S. Exª assim o fazendo e tendo sucesso nos seus objetivos, seria natural até que o novo Presidente da República, qualquer que fosse ele, o convidasse para permanecer no Governo, inclusive como um dos principais responsáveis, senão o principal, pela condução da política econômica, obviamente com modificações que decorreriam da chegada de um novo Presidente. Mas haveria, sem dúvida, um certo reconhecimento, se sucesso houvesse na condução da política econômica.

    Desde aquela semana que ingressou no Ministério, até hoje, a inflação aumentou da casa dos 26, 27% para a casa dos 40%.

    Foi em 7 de dezembro que o Governo anunciou o Programa de Estabilização, sendo a sua primeira fase a introdução do Fundo Social de Emergência; a segunda fase, a implantação da URV; e, a terceira fase, a substituição do Cruzeiro Real pelo Real, que advirá da URV.

    Agora, que estamos no meio do caminho, vem o Ministro da Fazenda, a esta altura, dizer: "Ou aceitam a medida provisória que institui a URV praticamente como está, ou saio e me candidato à Presidência da República".

    Quero dizer que não considero essa atitude a melhor em relação ao Congresso Nacional. A atitude mais adequada é a de um Ministro que está disposto a dialogar com o Congresso Nacional sobre melhorias que possam ser adotadas nas segunda e terceira fases desse Programa de Estabilização.

    O SR. MAGNO BACELAR - Permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Magno Bacelar. Gostaria apenas de concluir esta reflexão.

    Quero assinalar que o próprio Ministro da Fazenda - segundo ainda ontem revelou aos Senadores da Comissão de Assuntos Econômicos, que lá estiveram com S. Exª para dialogar sobre o Plano - tinha a perspectiva, originalmente, de não tornar os salários compulsoriamente definidos pelo Programa de Estabilização. Era sua intenção que todos os agentes econômicos - empresários e trabalhadores - viessem a abraçar voluntariamente a URV, em função das suas vantagens. Entretanto, S. Exª mesmo avaliou que precisaria delimitar, disciplinar o comportamento dos salários através dessa medida.

    Pois bem, se o próprio Ministro, entre 7 de dezembro e 28 de fevereiro, modificou o Plano, se no próprio diálogo com o Ministro do Trabalho, ainda no último final de semana, modificou o Programa de Estabilização Econômica, como não vai aceitar mudanças no diálogo com o Congresso Nacional? É responsabilidade do Congresso Nacional propor mudanças no Programa de Estabilização, em especial quando o próprio Ministro da Fazenda, a exemplo do que ocorreu ontem, reconhece que o seu Plano visa apenas à estabilidade dos preços, através de uma sistemática que praticamente deixa no congelador, por algum tempo, a questão da distribuição de renda no País.

    Consideramos muito inadequada - ou melhor, péssima - a distribuição de renda no País, e o Sr. Ministro reconhece isso. S. Exª também reconhece que o valor do salário mínimo só é suficiente para manter as pessoas que o recebem num padrão de vida muito baixo e extremamente impróprio, inclusive para o próprio grau de desenvolvimento do País.

    Assim, faz-se necessário que o Governo Itamar Franco venha a combater a inflação, venha a dar tanta prioridade para a estabilidade dos preços como quanto para o combate à miséria e para a melhoria da distribuição de renda no País.

    Concedo o aparte, com muita honra, ao Senador Magno Bacelar.

    O Sr. Magno Bacelar - Agradeço a V. Exª e peço permissão para interferir, exatamente porque V. Exª convidou para uma reflexão. Nobre Senador Eduardo Suplicy, é estarrecedora a mudança do Ministro Fernando Henrique Cardoso - de origem parlamentar, saído desta Casa - com relação ao Congresso. O Plano -que, no meu entendimento, é muito mais um plano de marketing do que um plano econômico, como já falei outras vezes -, tem sido instrumento do Ministro, que tem tido deste Congresso todo o apoio, em todos os momentos. Jamais houve um Ministro com tanto apoio do Parlamento brasileiro. No entanto, S. Exª sempre traz a culpa para o Congresso. Esse é o programa do "se": se modificarmos, S. Exª não aceita, não permanece no Ministério. Não querendo mais atrapalhar o discurso de V. Exª, finalizo dizendo que acredito tanto na permanência do Ministro Fernando Henrique Cardoso à frente do Ministério da Fazenda quanto no sucesso do seu Plano. S. Exª não engana mais ninguém com a mídia que tem utilizado. O programa é o pré-lançamento de sua candidatura e o País já tem consciência disso. Espero que S. Exª seja bem sucedido, mas que esqueça o Congresso como sua vítima para o insucesso do Plano. Obrigado a V. Exª.

    O SR EDUARDO SUPLICY - Agradeço as suas considerações, Senador Magno Bacelar, mas gostaria de transmitir que permaneço com a mesma convicção que externei por ocasião da visita do Ministro da Fazenda, recém-empossado. Inclusive o Senador Pedro Simon, à época, comentou que S. Exª deveria ter como objetivo servir o Governo Itamar Franco até o final.

    Claro que considero como pleno direito do Ministro Fernando Henrique Cardoso ser candidato a Presidente, assim como de Leonel Brizola, Lula, Pedro Simon, Antônio Britto, Orestes Quércia, Tasso Jereissati, Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf, Esperidião Amin, Jarbas Passarinho, ou de quem quer que seja.

    Inclusive, o jornal O Estado de S. Paulo anuncia hoje que o Ministro Fernando Henrique Cardoso teria uma preferência nas pesquisas de opinião já da ordem de 12%, e está sendo alentado por proclamações de membros do PFL, como os Deputados Inocêncio de Oliveira e Luís Eduardo, que gostariam até de se juntar a Fernando Henrique e ao PSDB.

 

    

    Acredito que há uma opção clara e vou aqui externá-la. O PFL pisca olhos para Fernando Henrique e este pode piscar olhos para esse lado liberal, mais conservador. É uma opção que faz. Agora, o Ministro pode também se juntar ao lado que historicamente tem uma visão mais progressista da sociedade brasileira - e aí incluo inclusive o diálogo com as forças de esquerda, das quais faço parte no Partido dos Trabalhadores. Fernando Henrique poderá fazer a escolha.

    Mas avalio que a opção responsável que S. Exª tem pela frente é a de, com todo o direito de se candidatar à Presidência, permanecer com a encargo - que não acontecerá tão facilmente outra vez - de continuar sendo o Ministro da Fazenda até o final do Governo Itamar Franco. Até porque o período entre 4 de março e 2 de abril é muito curto para que se delineie uma saída concreta tanto para a estabilidade dos preços quanto para distribuir a renda e para combater a miséria.

    Dizer que só tem interesse agora na estabilidade de preços é muito pouco para quem teve a história de Fernando Henrique Cardoso. É muito pouco para S. Exª declarar que, neste instante, deseja apenas a estabilidade dos preços e o combate à inflação, deixando para mais tarde, para outra ocasião - quando, eventualmente, vier a ser Presidente da República, ou para qualquer outro que o seja -, o combate à miséria e a reforma agrária, que se fazem necessários para melhorar a distribuição da renda.

    Mas é necessário dizer, e o faço da tribuna do Senado: Ministro Fernando Henrique, toda a opção está à sua frente. V. Exª tem a opção de relacionar-se às forças políticas mais conservadoras deste País, que farão tudo para deixar as coisas tais como estão ao longo das últimas décadas; ou pode também fazer a opção por um caminho de transformação. Forças de transformação estão, hoje, por exemplo, colocadas na candidatura Luiz Inácio Lula da Silva.

    O SR. PEDRO SIMON - Senador, permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Pedro Simon.

    O Sr. Pedro Simon - Senador Eduardo Suplicy, creio ser muito importante o pronunciamento de V. Exª. Mas penso que, a esta altura, o debate deve ser em cima do momento que estamos vivendo. Tenho conversado muito com o Ministro da Fazenda e não sinto da parte de S. Exª nenhuma outra preocupação, hoje, senão com o plano econômico que o Congresso irá debater. Esse plano é diferente dos anteriores, porque não promete milagre. Será discutido abertamente pela sociedade, e não zera a inflação, não promete salvar a pátria. S. Exª diz que é um plano difícil e que vai ser posto em execução aos poucos. Acredito que, a esta altura, o Plano Fernando Henrique Cardoso, o Plano do Governo -que diz, por um lado, que deixa o salário forte, porque é praticamente equiparado ao dólar, e os preços livres - só poderá dar certo se depois vier uma complementação. Quem tem lido os jornais, quem tem visto as manchetes, ultimamente, está verificando que os preços têm aumentado de uma maneira escandalosa. Disse pessoalmente ao Ministro Fernando Henrique, ontem, em uma reunião - V. Exª estava presente - com os membros da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que hoje, na minha opinião, o passo fundamental de todos nós, tendo o Ministro à frente, é uma análise dos preços e uma fiscalização daqueles que aumentaram, principalmente com relação a alguns oligopólios. Todos nós sabemos - V. Exª sabe, eu sei - que, neste País, os preços não são fixados por mais de 200, 250 pessoas. Com relação a supermercados - e não são mais do que 25 grupos -, penso que o Ministro Fernando Henrique tem a obrigação de, ele próprio - e falei isso a S. Exª pessoalmente -, arregaçar as mangas, assumir o comando da sua equipe e mostrar à Nação, pelo seu trabalho, o esforço necessário no sentido de saber o porquê de alguns preços terem aumentado mil por cento e o porquê de alterações tão profundas. Existem casos - como, por exemplo, o feijão -, em que os preços aumentaram muito, mas é uma questão de frustração de safra - aumentou hoje, abaixa amanhã. Mas sabemos que alguns preços aumentaram escandalosamente e que não há razão para isso. Então, para que o Ministro Fernando Henrique tenha a nossa credibilidade, deve assumir o comando dessa caminhada, a chefia dessa caminhada, que é diferente daquela caminhada do Governo Sarney, à época dos "fiscais do Sarney". É difícil um trabalho como aquele dar resultado positivo. Hoje, o Governo não tem mais estrutura para fazer aquele tipo de fiscalização, em todo supermercado, em toda bodega, pois o Governo Collor desestruturou a máquina administrativa. Mas há outras maneiras de fazê-lo e, a esta altura, parece-me que a mais correta é verificar o preço, não no supermercado, mas no oligopólio, no grande produtor, no grande distribuidor. Se assim o fizer, S. Exª terá condições de saber que, se o produto está saindo a 10 no supermercado, deve ser vendido a 11 ou a 12, e não a 30. Acredito que esse deva ser o trabalho. E posso dizer que falo em nome do Ministro da Fazenda, que esta é a sua preocupação. As reuniões que S. Exª fará hoje, durante todo o dia, são um resultado dessa preocupação. Vamos fazer um esforço dramático nesse sentido. Tenho ao meu lado um grande empresário e Senador, pelo qual tenho muito carinho, que faz parte do grupo de empresários que têm visão positiva do País. Mas há grupos no Brasil, infelizmente, formados por empresários retrógrados, que não têm o espírito de competição necessário ao crescimento de um país que precisa prosperar e aumentar o mercado de consumo, a fim de que os 32 milhões de brasileiros miseráveis possam produzir e consumir, porque, assim, eles também melhorarão. Infelizmente, há um estilo de empresários, principalmente nos setores conservadores, concentradores de produtos, que querem ganhar o máximo possível, sem se preocupar com a situação em que vivemos. Por outro lado, sabemos que há pessoas que vivem da inflação, que dependem da inflação. A coisa mais fantástica, Senador Eduardo Suplicy, é que até hoje há quem me pergunte: "Quer dizer que agora os juros dos bancos vão baixar, podem desaparecer? E como vou ficar, pois tenho o meu dinheirinho na poupança: ele não vai render mais?" Esse coitado nem está entendendo que praticamente não ganha coisa nenhuma, que mal e mal mantém o valor do dinheiro. Esse tipo de pessoa está preocupada porque ganha tantos por cento na poupança e isso vai "deixar" de acontecer. Então, penso que essa é uma campanha de esclarecimento. Concordo que o momento que estamos vivendo é eleitoral, e não podemos fugir disto. Estamos com as candidaturas nas ruas, o que é normal, porque a eleição será no dia 03 de outubro. Inclusive o Lula está fazendo um belíssimo e inteligente trabalho em suas andanças em várias caravanas, porque está visitando lugares aonde nunca se foi; mas a recíproca também é muito importante: ele está conhecendo novas realidades. Ainda outro dia, ele dava uma declaração sobre o Rio Grande do Sul, que é verdadeira. Ele afirmou que não imaginava que encontraria um quadro de tantas dificuldades, pois sempre tivera a imagem de que o Rio Grande do Sul era um Estado rico e próspero e que, infelizmente, vira quadros de fome e de dificuldades. E nisto ele tem razão! Mas isso é normal, poderá ser o Lula, o Brizola, quem quer que seja. O que não acho correto é que nós, a começar pelo Governo, não tenhamos a consciência de que, se este plano der certo, será bom para todo mundo. Não haverá milagre! Este plano não tem como se transformar em Plano Cruzado! É muito difícil o Fernando Henrique virar o Funaro de hoje até o dia 03 de outubro! É muito difícil! Porque a maneira como o Plano está sendo apresentado, como está sendo desenvolvido, mostra que ele não é milagreiro, não é aquele plano que vai fazer com que todos, de repente, fiquem vibrando. Não sei se V. Exª se lembra de quando saiu o Plano Funaro: no dia seguinte, havia uma vibração fantástica. Todo mundo estava feliz, porque havia ganho mais 20%. O dinheiro de todo operário valia mais 20%. Por quê? Porque havia ganho um abono de 20%, e os preços haviam sido congelados. Isso não está acontecendo; pelo contrário, está havendo queixas. V. Exª mesmo participou ontem da reunião que tivemos com o Ministro e assistiu à preocupação do Governo em que não aconteçam os mesmos equívocos do Plano Funaro. Se, de repente, a Campanha do Betinho desse certo, a ONU, mensalmente, remetesse 500 dólares para cada pessoa e, assim, os 32 milhões de brasileiros que passam fome pudessem comprar comida, mesmo assim, faltaria comida - esta é a triste realidade - porque não temos infra-estrutura. Portanto, que se faça crescimento, mas que o abastecimento não fique nessa situação de caos, porque é isso que interessa aos fornecedores; aí, sim, a crise atingirá índices impensáveis. V. Exª está absolutamente correto, quando afirma que o Ministro Fernando Henrique Cardoso e o Governo não devem se preocupar apenas com o problema da inflação, mas também com a infra-estrutura e com os problemas sociais. Se equacionarmos esse problema e crescermos ao ritmo de 7%, em 10 anos poderemos mudar a história deste País. Ao Governo Itamar Franco só resta o caminho da transição; herói ele não será. Se conseguirmos vencer essa primeira etapa, poderá ser o Lula, o Brizola, o PMDB, o PSDB, quem for, o próximo governo será um grande governo.

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V. Exª.

    O Sr. Amir Gabriel - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Almir Gabriel, eu gostaria de responder ao aparte do nobre Senador Pedro Simon e também dar oportunidade ao Senador José Eduardo, mas vejo que S. Exª já se ausentou do plenário.

    O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa gostaria de informar ao eminente Senador Eduardo Suplicy que o Senador José Eduardo deverá dar o seu discurso como lido, se não voltar a tempo de fazê-lo.

    Lembro a V. Exª que o seu tempo já está esgotado.

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Apenas gostaria de responder ao aparte do Líder do Governo, Senador Pedro Simon. nobre Senador, qual é o sentido das palavras do Ministro Fernando Henrique Cardoso, quando afirma: "Se não mudarem o governo, então permaneço"? Alguns objetivos foram ali colocados, como, por exemplo, o controle dos preços ou o que fazer com os abusos nos preços nos setores oligopolizados. Ainda ontem, o Ministro da Fazenda relatou-nos que aproximadamente 25% dos preços são de grupos de oligopólios, correspondendo aproximadamente a 470 preços, que sua equipe teria levantado nos últimos 36 meses.

    A medida provisória considera as maneiras de detectar eventuais abusos, mas não estão descritas as sanções ou a forma de efetivamente conseguir a diminuição dos preços quando constatados como abusivos, a não ser uma menção de que as câmaras setoriais poderão tratar deste assunto. Portanto, é perfeitamente possível ao Congresso Nacional aperfeiçoar essa medida provisória.

    O outro aspecto é a questão de preços e salários. O próprio Ministro reconheceu que, para algumas categorias, o ponto inicial, onde estarão os salários em março, será mais baixo do que normalmente obteriam pela própria regra que acaba de entrar em vigência. Pois bem, cabe ao Congresso Nacional examinar a possibilidade de melhorar essa situação, para que a participação

    dos salários na renda não se deteriore com o Programa de Estabilização.

    Concedo, neste momento, o aparte ao Senador Almir Gabriel.

    O Sr. Almir Gabriel - Senador Eduardo Suplicy, estou atento ao discurso de V. Exª e gostaria de comentá-lo, fazendo uma análise, em separado, de dois pontos. Um é o que V. Exª aborda neste momento, o Plano de Estabilização Econômica; o outro é o que eu chamaria de uma questão menos política e mais eleitoral. V. Exª é uma das poucas pessoas que têm uma larga convivência com o Senador Fernando Henrique Cardoso, atual Ministro da Fazenda, e certamente o conhece bem do ponto de vista não apenas da cultura e da política, mas também do comportamento pessoal do Ministro da Fazenda. V. Exª é testemunha da seriedade, do compromisso social, da larga dedicação às causas nacionais do Ministro Fernando Henrique Cardoso. Em função disso, V. Exª é capaz também de compreender que, ao propor o Plano de Estabilização somente em dezembro, S. Exª não o fez apenas por vontade ou gosto, e, sim, pelas condições em que encontrou o Ministério da Fazenda: absolutamente deteriorado, disperso, perdido, sem informações. Com seu espírito científico, S. Exª teve necessidade de dispor de estatísticas e dados com um bom nível de consistência para propor um Plano de Estabilização Econômica, que não é o Plano Fernando Henrique, nem é o Plano Itamar Franco. No meu entender, é o plano da sociedade brasileira; é o plano do PT, é o plano do PSDB, é o plano dos sindicatos, é o plano de todos. Não digo o Plano que foi apresentado, mas o projeto de estabilização da economia brasileira é certamente um projeto para toda a sociedade e de toda a sociedade brasileira. Nesse aspecto, junta-se aquilo que falei com referência à pessoa de Fernando Henrique às características desse plano. E a característica mais importante é a de democracia de que vem eivado. Nenhum plano neste País, e provavelmente no mundo, teve um debate tão intenso, com uma participação tão significativa do Congresso e da sociedade, quanto o Plano de Estabilização Econômica que hoje está sendo executado. De maneira que coloco em dúvida não a posição do Ministro Fernando Henrique Cardoso, mas o que a imprensa, ou certa imprensa, ou algum jornalista, colocou na boca do Ministro, como se ele estivesse fazendo uma ameaça ou uma coação ao Congresso Nacional. V. Exª conhece o Ministro Fernando Henrique, nosso colega nesta Casa, e sabe que S. Exª não faria uma coação desse tipo, até porque serviria como instrumento contrário à aprovação do próprio Plano. V. Exª, no início, referiu-se à questão de o Congresso mexer no Plano. Há poucos momentos, rebatendo aparte do Senador Pedro Simon, V. Exª substituiu a palavra "mexer" pela palavra "aperfeiçoar". Era este exatamente o apelo que eu faria a V. Exª. O Congresso não tem obrigação de mexer: tem a obrigação de aperfeiçoar, qualquer que seja a lei, venha do Poder Executivo ou nasça aqui mesmo. Essa é, com certeza, a postura de V. Exª, enfim, de todo o Congresso Nacional. A outra questão que eu gostaria de abordar é a questão eleitoral. Claro que Fernando Henrique Cardoso é um nome, como V. Exª relacionou, entre os que têm possibilidade de se candidatar à Presidência da República; não porque queiram simplesmente, mas porque são nomes que criaram condições de visibilidade social para postular a Presidência da República. No nosso entendimento, uma pessoa da dimensão de Fernando Henrique Cardoso é, por natureza, candidata à Presidência. E é muito bom que o País tenha uma pessoa da dimensão do Ministro Fernando Henrique Cardoso, como é muito bom o País contemplar uma pessoa como o Lula, que saiu da condição de metalúrgico para a de líder sindical com profunda expressão nacional, com possibilidades legítimas de pleitear a Presidência da República. De maneira que, com a visibilidade e a respeitabilidade social que o Ministro Fernando Henrique Cardoso tem, e sobretudo com as características de estadista que está apresentando ao conduzir os problemas nacionais num momento dramático da vida brasileira, não há nada que lhe impeça, que lhe dificulte ou que torne estranha a sua condição de estar candidato; não por vontade dele, mas por vontade do nosso Partido, ou por vontade de grande parte da sociedade brasileira. Com relação à questão de fazer alianças à direita e à esquerda, V. Exª sabe das simpatias que tem o PSDB com o PT e demais partidos de esquerda; V. Exª sabe quantos do PSDB têm origem exatamente nessa esquerda. De que maneira se negocia e se articula? Uma coisa é negociar e articular, cada um ganhando e perdendo; outra coisa é um só articular, só ele ganhando; aí realmente fica difícil fazer uma composição. Não creio que Fernando Henrique Cardoso faça opção pela direita. A nossa opção, a opção do PSDB, do Fernando Henrique Cardoso, é pelo Brasil. Queremos fugir um pouco dessa codificação direita/esquerda e sair para um plano nacional que venha resolver isso que V. Exª apresenta como condição essencial: a erradicação da pobreza, da miséria, do analfabetismo, da doença, enfim, desses problemas dramáticos e graves que precisam ser resolvidos. Tenho certeza absoluta de que a posição de V. Exª, ao analisar a medida provisória da URV, será a de colaborar, com a sua inteligência, com o seu saber, com a sua competência na área da economia, no sentido de aperfeiçoar esse plano, sabendo que ele não é milagreiro; é um plano que objetiva levar o conjunto da sociedade a ter uma nova atitude diante da inflação; compreender que a inflação concentra e faz com que os banqueiros fiquem cada vez mais ricos e que a população de brasileiros que têm menor oportunidade de emprego e renda, essa grande população fica cada vez mais pobre, cada vez com dificuldades maiores. Creio que essa será a atitude de V. Exª e, certamente, a atitude do Congresso Nacional.

    O SR. EDUARDO SUPLICY - É muito positivo, Senador Almir Gabriel, ter a oportunidade dessa reflexão, inclusive com membros do PT e do PSDB.

    Reconheço, sim, essa seriedade de propósitos do Senador Fernando Henrique Cardoso, que conheço, de fato, pelo menos há 30 anos, desde estudante, quando o convidei para fazer palestra na Fundação Getúlio Vargas, onde eu era Presidente do Centro Acadêmico e responsável pela realização de atividades culturais.

    Em 1978, por exemplo, quando ambos éramos do MDB, fui candidato a deputado estadual e fiz a opção clara de ajudar a campanha do então candidato ao Senado, Fernando Henrique Cardoso. Portanto, reconheço essa seriedade de propósitos em S. Exª.

    Também avalio que podemos perfeitamente aprimorar o Programa de Estabilização, e isto foi feito nos últimos três meses. Aqui, por exemplo, eu trouxe reflexões do economista Paulo Nogueira Batista Júnior, que mostravam os riscos da armadilha da dolarização - e isto foi considerado, como aconteceu ontem em diálogo conosco, pelo Ministro Fernando Henrique.

    Ainda há muito por avançar na questão relativa ao comportamento dos salários no Programa de Estabilização. Muita energia precisa ser dada pelo Ministro Fernando Henrique Cardoso e pelo Governo Itamar Franco à questão da fome - a meu ver, um ponto ainda não devidamente tocado, a não ser pelas tentativas do Betinho e de Dom Mauro Moreilli de conscientizar os brasileiros nesse sentido. É preciso colocar toda energia na direção dessa grande prioridade, de uma política que transforme esta realidade brasileira.

    Os dez meses que temos pela frente são um tempo enorme para o Governo ltamar Franco e o Ministro Fernando Henrique Cardoso caminharem na direção desses propósitos, e eu os ajudarei nessa caminhada.

    O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço o aparte do nobre Senador Pedro Simon.

    O Sr. Pedro Simon - V. Exª tem razão quando fala na campanha do Betinho e de Dom Mauro Morelli. V. Exª se lembra: o Lula e V. Exª foram ao meu gabinete, porque queriam falar com o Ministro da Fazenda. O Presidente Itamar Franco pediu que essa conversa fosse feita pessoalmente. Várias reuniões foram feitas. Creio que são muitos os méritos do Betinho e de Dom Mauro Morelli, mas não vamos esquecer que é o Governo que está fazendo este plano; é o governo que está desenvolvendo, bancando, pagando a distribuição que hoje atinge 9 milhões de pessoas. Nunca houve um plano como esse. Tenho participado de reuniões que tratam desse assunto. Na quinta-feira, por exemplo, o Ministro Fernando Henrique Cardoso e o Ministro do Planejamento, juntamente com o Betinho e Dom Morelli, estavam em uma reunião do Conselho. Acho que se trata de um esquema fantástico. V. Exª tem razão; todavia, não pode prevalecer a imagem de que apenas o Betinho e Dom Morelli estão trabalhando e o Governo nada está fazendo a respeito. Ao contrário, a máquina, a estrutura, o dinheiro e o esquema são do Governo. Agora, são inegáveis os méritos do Betinho e de Dom Morelli.

    O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) (Fazendo soar a campainha.) -Senador Eduardo Suplicy, a Mesa adverte V. Exª que seu tempo já foi ultrapassado em 30 minutos. Peço a V. Exª que conclua, pois temos necessidade de dar início aos trabalhos da Ordem do Dia.

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Sr. Presidente, concluirei em seguida.

    Gostaria apenas de dizer ao Senador Pedro Simon que depois do périplo Amazonas, Pará, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, considero muito importante que Lula tenha conosco e com V. Exª novo diálogo. Provavelmente, na semana que vem, teremos esse diálogo, que deverá seguir a linha daquele primeiro encontro.

    O Sr. Pedro Simon - Com muito prazer.

    O Sr. Amir Lando - Permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª com aquiescência da Mesa.

    O Sr. Amir Lando - Nobre Senador Eduardo Suplicy, como sempre, V. Exª trata dos temas de interesse nacional com muita propriedade e visão crítica. Realmente, acho que todo plano, programa de governo, projetos precisam de uma certa mistificação. Sem dúvida, é necessário um certo envolvimento da mídia e da mídia em qualquer inovação, sobretudo de uma política econômica como a nossa, em crise. Mas também não se pode fazer política apenas com mistificação - e esse limite é muito pequeno. Não quero aqui, de maneira alguma, ressaltar as qualidades pessoais do Ministro Fernando Henrique Cardoso; devo dizer que não é isso que está em jogo. Tentos que olhar a outra parte, e a outra parte não é boazinha: a outra parte não é complacente, não é humanista, não se preocupa com os 32 milhões de famintos deste País. A outra parte quer ganhar e ganhar sempre, muito e muito mais. Então, o que verificamos até agora, na atuação do Ministro Fernando Henrique e do Governo ltamar Franco nesse particular? Verificamos a existência de um ajuste Fiscal que, fundamentalmente, se resume num fundo de emergência, que não é ainda um aporte de recursos, e há assim um desejo ou até uma determinação de controle das despesas públicas - o que me parece ser um programa normal de qualquer governo: não gastar mais do que arrecada. Posteriormente, teremos o segundo passo, o indexador de salários; nada mais do que isso. É evidente que nesse segundo momento, com o indexador, os salários deverão ganhar; mas perderam necessariamente no primeiro momento. E há uma insatisfação popular porque essa conta, sempre que é lançado um plano, quem primeiro paga são os trabalhadores. Isso não é novidade. Há uma perda, e não há como mistificar que não haja; maior ou a menor, sempre há perda. E essa média, evidentemente, parte de um ponto que rebaixa necessariamente, que é a média dos últimos quatro meses. Só depois teremos a nova moeda, o Real. É evidente que isso é pouco quando o outro lado está solto e não cede um tostão se não se fizer muita pressão. Por quê? Ele está livre, tem o céu e a ambição por limites. Penso que esse Plano, como disse V. Exª, precisa ter muita energia. E o Plano não vale porque academicamente bem feito, não vale porque bem escrito; o Plano vale sobretudo pela sua correta execução. Mas o ganho social, ou seja, o ganho do trabalhador, isso tudo é incógnita. Por isso acho que as observações de V. Exª têm extrema procedência; devemos exercitar a nossa capacidade crítica e desconfiar para alertar e corrigir a rota enquanto é possível. Muito obrigado.

    O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio)(Fazendo soar a campainha) - A Presidência solicita ao nobre Senador que conclua imediatamente o seu pronunciamento.

    O SR. EDUARDO SUPLICY - Concluo, Sr. Presidente, em especial ressaltando que a correção diária dos salários através da URV é algo que pode ser considerado importante apenas para o período de transição. Os salários partem de um ponto que para muitos poderá ser menor do que de outra forma seria e dependem deste período de transição - e apenas por este período é que haverá correção diária. Logo depois de introduzido o Real, a não ser que se garanta que este realmente será muito estável, estaremos a enfrentar novamente os problemas de inflação que têm sido endêmicos no Brasil.

    Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/03/1994 - Página 1045