Discurso no Senado Federal

EXPECTATIVA DO FIM DA ESPECULAÇÃO FINANCEIRA NO BRASIL COM A IMPLANTAÇÃO DO NOVO PLANO DE ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA.

Autor
Jutahy Magalhães (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/BA)
Nome completo: Jutahy Borges Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. BANCOS.:
  • EXPECTATIVA DO FIM DA ESPECULAÇÃO FINANCEIRA NO BRASIL COM A IMPLANTAÇÃO DO NOVO PLANO DE ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/03/1994 - Página 1161
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, MAIORIA, POPULAÇÃO, CLASSE MEDIA, PAIS, RELAÇÃO, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, APLICAÇÃO, FUNDO DE INVESTIMENTO, DEPOSITO, CADERNETA DE POUPANÇA, DEFESA, PROTEÇÃO, SALARIO, INFLAÇÃO.
  • CRITICA, FALTA, JUSTIFICAÇÃO, BANQUEIRO, DEMISSÃO, BANCARIO, TRABALHADOR, PERIODO, EXISTENCIA, EXCESSO, LUCRO, BANCOS, RESULTADO, AUMENTO, MOVIMENTAÇÃO, AGENCIA, REDE BANCARIA, REDUÇÃO, QUALIDADE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, CIDADÃO, PAIS.

    O SR. JUTAHY MAGALHÃES (PSDB - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, obrigado a conviver, nas duas últimas décadas, com uma inflação persistente - que resistiu a incontáveis planos de estabilização - , o brasileiro, de um modo geral, teve de se transformar num financista para não ver simplesmente evaporar-se o seu dinheiro. Estamos falando aqui, evidentemente, da classe média. Mas mesmo os cidadãos mais modestos - o que quer dizer a grande maioria da população - tiveram de desenvolver um mecanismo de defesa para proteger seus salários e suas economias, e esse foi quase que exclusivamente o dos depósitos em cadernetas de poupança. Se quisermos traçar um quadro bastante realista da sociedade brasileira, temos que incluir aqui ainda um outro segmento ponderável, o dos marginalizados, o dos excluídos, o dos que, por não terem nem emprego nem salário, foram condenados à miséria mais hedionda. Estima-se que estes últimos sejam mais de trinta milhões. Por fim, temos os mais ricos que, é consenso geral, beneficiam-se de processo inflacionário e da especulação nele embutida.

    Abrindo qualquer jornal na seção de assuntos econômicos temos uma idéia do intrincado cipoal de opções que é oferecido aos investidores. Para exemplificar, alinho aqui as oportunidades de aplicação que são mencionadas pelo Jornal do Brasil numa reportagem publicada em 26 de dezembro do ano passado, sob o título "Aplicações vão mudar com o lPMF". São elas: dólar, ouro, bolsas, renda fixa, fundo DI, fundo de ações, poupança, carteira livre, CDB, commodities e fundão. Nada menos do que doze modalidades de investimento. Não se trata, na verdade, de investimento, no sentido tradicional do termo, porque, em geral, não se busca lucro. O que mais deseja o aplicador médio brasileiro é perder o menos possível.

    A loucura da ciranda financeira atingiu um estágio tal que vivemos hoje uma situação paradoxal. De um lado, temos bancos que não mais emprestam dinheiro a particulares para que estes desenvolvam atividades produtivas. O dinheiro é canalizado para a compra de papéis do Governo que, por estar quebrado, é obrigado a remunerá-lo regiamente. O cidadão, obviamente, não toma empréstimos porque não pode sustentar as altas taxas pagas pelo Governo. E, atraído pelo aparente lucro das aplicações financeiras, não desvia um só centavo para algo produtivo. Canaliza tudo para a especulação. Deixa até mesmo de comprar bens de que necessita. Culminando esse panorama insólito, verifica-se que o cidadão brasileiro quase nada compra a crédito, a não ser que queira se submeter à cobrança de juros extorsivos. Eis aí o paradoxo: temos bancos que não concedem empréstimos, temos empresários que não aceitam financiamento e temos cidadãos que não consomem.

    A caderneta de poupança, por mais de um século, foi o investimento preferido dos brasileiros. Mas essa instituição foi duramente atingida, em março de 1990, quando o aventureiro Fernando Collor de Mello confiscou os valores aplicados. O golpe na credibilidade das cadernetas foi de tal monta que no final do ano passado, três anos após o confisco, o saldo estimado em poupança no Brasil era da ordem de 20 bilhões de dólares, ou seja, 10 bilhões de dólares abaixo dos valores registrados em fevereiro de 1990. Mesmo assim, 1993 pode ser considerado excelente ano para a modalidade poupança, que cresceu 46 por cento ao longo dos doze meses, saindo de um patamar de 16 bilhões de dólares, em janeiro, para chegar a 20 bilhões de dólares, em dezembro.

    Os especialistas em mercado financeiro não acreditam que a poupança volte mais aos 30 bilhões de dólares de 1990, porque nestes últimos três anos ela passou a enfrentar a concorrência do fundo de renda fixa e do fundo de commodities, bastante difundidos entre os investidores de pequeno e médio porte. Fundamental para essa retração foi ainda, de um lado, o aprofundamento da recessão e, de outro, o achatamento generalizado dos salários. Mas, mesmo assim, a poupança continua a ser uma boa opção devido à simplicidade do seu mecanismo e por ter isenção de imposto de renda e de IOF.

    Só para que se tenha um quadro mais nítido das oscilações entre essas formas de investimento, cito dados publicados pelo jornal O Globo, na sua edição de 27 de dezembro do ano passado, na página de Indicadores Financeiros. Em 1993, para uma inflação estimada em 2.538,07 por cento pelo IGP-M, o IBOVESPA teve um crescimento de 5.064,47 por cento; o IBV cresceu 4.985,03 por cento; o fundo de ações valorizou 3.669,40 por cento; o fundo de commodities teve um ganho de 2.742,74 por cento; o fundo de renda fixa registrou 2.614,52 por cento; o ouro teve valorização de 2.404,14 por cento; o fundão de 2.014,77 por cento; e a cotação do dólar aumentou apenas 1.973,60 por cento.

    Pintado esse rápido esboço do mercado financeiro, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é hora de refletirmos um pouco sobre alguns aspectos subjacentes aos dados aqui apontados.

    Comecemos pelos excluídos. As estatísticas oficiais apontam a existência de cerca de 32 milhões de brasileiros que vivem mergulhados na miséria mais absoluta. São pessoas que não têm emprego fixo nem, em conseqüência, salário; que se alimentam mal ou passam fome; que estão alijadas do mercado de consumo e cujos filhos estão fora das escolas. Temos, na verdade, dentro do Brasil, uma nação de párias. Sem terem onde morar, perambulam pelos campos ou pela periferia das grandes cidades, acossados sempre pelas doenças, pela fome, pela violência. São os que não têm dinheiro para defender da inflação. Qualquer trocado que obtêm é logo trocado por comida. Eis aí sua única aplicação: alimentos.

    Vivendo na fronteira limítrofe com a miséria, temos uma outra legião de brasileiros que sobrevivem de salários aviltados. São os milhões de trabalhadores que ganham o salário mínimo, pouco mais ou menos que isso. Esse salário, que deveria ser o mínimo indispensável para o sustento de uma família, hoje mal serve para a manutenção de uma pessoa. Os brasileiros que vivem de salário mínimo - e entre eles se incluem mais de dez milhões de aposentados e pensionistas - têm que fazer um verdadeiro milagre com recursos tão diminutos. O que a grande maioria faz é comprar alimentos e remédios no dia mesmo em que recebem esse salário ou benefício. Sabem que a cada dia que ficar parado esse dinheiro perderá valor. Todos os que podem cumprir as exigências mínimas dos bancos depositam o que sobra, quando sobra, em cadernetas ou em outro tipo de investimento.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, é impossível medir os prejuízos que este processo inflacionário - e a conseqüente corrida aos mais diversos tipos de investimento - vem causando aos brasileiros nos últimos anos. O que se percebe de pronto é que perdem muito mais os que têm menos. De certa forma, pode-se dizer que o brasileiro, de todos os extratos sócio-econômicos, aprendeu a conviver com a inflação. Ele sabe que está sempre perdendo, mas esforça-se por perder o mínimo possível. E nisso emprega seu talento, sua criatividade.

    Fiquemos apenas com um aspecto da incomensurável perda de energia e de tempo a que é submetida toda uma nação. Vejamos a questão das filas nos bancos.

    Os bancos, na maioria das nações ricas e desenvolvidas, participam com uma percentagem mínima do PIB. Na Alemanha e nos Estados Unidos, por exemplo, esta participação não chega a 4 por cento. No Brasil, a hipertrofia do sistema financeiro fez com que as casas bancárias participassem, em 1992, com 9,3 por cento da riqueza nacional. Essa é uma distorção, uma deformidade, resultante da ciranda da especulação.

    Apesar de os lucros dos bancos serem impressionantes - em 1992, os nove maiores bancos do País tiveram um lucro de 800 milhões de dólares -, o serviço que prestam ao cidadão é péssimo, indigno, indecoroso, aviltante. Em qualquer agência que entramos, a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana, sempre há filas. Filas que são ainda maiores nas sextas e nas segundas-feiras e nos dias de pagamento de tributos. Nos finais de mês, as pessoas perdem horas na fila. Ora, isso ocorre porque os banqueiros não querem reduzir seu lucro contratando mais funcionários para bem atender o público. Na verdade, vêm é diminuindo o número de trabalhadores: entre 1989 e 1992 só os quatro maiores bancos nacionais demitiram mais de um milhão de trabalhadores.

    Os funcionários é que acabam enfrentando a ira dos clientes. Assim, trabalhadores e clientela, que nada têm a ver com o problema, acabam brigando por causa da ganância dos banqueiros.

    Para se ter uma noção da grandeza do problema das filas nos bancos, forjemos um cálculo. Imaginemos que um em cada cem brasileiros vai diariamente ao banco e convencionemos que cada pessoa perde em média meia hora de espera. Temos, então, um milhão e meio de pessoas perdendo trinta minutos por dia, o que corresponde a 750 mil horas jogadas fora. Avancemos na especulação: como um dia de trabalho tem oito horas, verificamos que essas 750 mil horas representam a perda de 93.750 jornadas. Suponhamos, a seguir, que um homem trabalhe 260 dias por ano. Assim, verificamos que um cidadão, permanecendo 8 horas por dia num banco, durante 260 dias por ano, teria de ficar ali por 360 anos para representar a perda de tempo diária dos brasileiros. Pra encerrar, digamos que o nosso cidadão fictício viva 72 anos. Concluímos, daí, que precisamos de cinco homens - que ficariam de braços cruzados, do nascimento à morte, durante 8 horas por dia, cinco dias por semana, durante 72 anos - para representar a perda diária de tempo nas filas dos bancos brasileiros. O cálculo, como já disse, é meramente especulativo. Acho, porém, que a perda é bem maior, tanto em horas quanto em número de pessoas. Desperdiçamos bem mais do que quatro séculos do trabalho de um homem no interior das agências bancárias do nosso País.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, acredito que, dando certo o plano de estabilização do Ministro Fernando Henrique Cardoso, essa verdadeira neurose em relação à aplicação de dinheiro tenderá a cair rapidamente. Os bancos vão ter de voltar a funcionar como financiadores da atividade produtiva. Terão de correr riscos, de competir. E o brasileiro, de volta aos crediários, poderá consumir, fazendo girar a roda da riqueza, nas fábricas e no comércio. Espero, sinceramente, que estejam contados os dias da especulação financeira em nosso Brasil. Muitos bancos quebrarão, é claro, mas a grande maioria da população, em especial os mais pobres, sairá ganhando.

    Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/03/1994 - Página 1161