Discurso no Senado Federal

O PAPEL CONSTITUCIONAL DO CONGRESSO NACIONAL E A DEFESA DA SUA INTOCABILIDADE, A PROPOSITO DA CAMPANHA DIFAMATORIA CONTRA ELE ENGENDRADA PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.

Autor
Aureo Mello (PRN - Partido da Reconstrução Nacional/AM)
Nome completo: Aureo Bringel de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. POLITICA SALARIAL.:
  • O PAPEL CONSTITUCIONAL DO CONGRESSO NACIONAL E A DEFESA DA SUA INTOCABILIDADE, A PROPOSITO DA CAMPANHA DIFAMATORIA CONTRA ELE ENGENDRADA PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
Aparteantes
Jonas Pinheiro, Magno Bacelar.
Publicação
Republicação no DCN2 de 15/09/1994 - Página 5210
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • DEFESA, HONRA, DIGNIDADE, ATUAÇÃO, CONGRESSISTA, CONTESTAÇÃO, CAMPANHA, DIFAMAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, RESPONSABILIDADE, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, RESULTADO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DERRUBADA, VETO (VET), PRESIDENTE DA REPUBLICA, ARTIGO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EQUIPARAÇÃO SALARIAL, VENCIMENTOS, MINISTRO DE ESTADO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

     O SR. AUREO MELLO (PRN - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobres Srs. Senadores, não se pense em oratória epidémica de minha parte neste plenário, possibilitando inclusive ao Senador Odacir Soares tocar em Colegas nossos, julgando até que S. Exªs estão seguindo o mau exemplo de outrora quando, eu, a certas andanças da oratória de plenário, não podendo suportar talvez a veemência e a a vibração daquelas palavras, caía quase desfalecido, quase desmaiado, de tão emocionado, dando a impressão de que estava exercitando um suave cochilo, quando havia apenas, Sr. Presidente, alta emotividade.

     O Senador Odacir Soares é um eterno perseguidor da minha oratória, porque, nos momentos em que eu estava falando sobre jacarés - tema da mais alta profundidade na região amazônica -, vinha ele com seus apartes, querendo transformar a matéria em generalidades políticas que eu, de maneira nenhuma, podia aceitar. Eu refutava de toda maneira, voltando ao meu desaguadouro comum, que eram aqueles anfíbios que continuam ameaçando a serenidade, a saúde e o bem-estar da pobre população amazônica.

     Aqueles anfíbios são tão privilegiados que, quando perdem um dente, nasce outro imediatamente, mas, por não ter língua, eles são obrigados a segurar a presa e matá-la por asfixia no fundo da água, depois de ter-lhe aplicado uma terrível rabanada. Eram essas novidades que eu queria informar ao Plenário, naqueles tempos e o Senador Odacir me impedia de dizer.

     Sr. Presidente, hoje, nós, Parlamentares desta Casa, não podemos deixar de abordar o assunto político que tanto vem sensibilizando e maltratando a coletividade brasileira.

     O Poder Legislativo vem sendo apontado ao grande público, principalmente pela imprensa falada, a dita telecomunicação, como um Poder de miseráveis, de verdadeiros inconscientes que votam em causa própria de maneira a causar um contraste, por ter a nossa população atingido uma situação de quase miserabilidade total, enquanto surgimos aqui como verdadeiros marajás, como se nós do Legislativo - quero referir-me à Câmara e ao Senado - fôssemos pessoas inconscientes e inconseqüentes, votando sempre em função de interesses particulares e deixando o povo de fora.

     Ora, Sr. Presidente, essas coisas provocam um prurido que nos obriga, com todos os riscos que o ato de coragem que constitui hoje em dia usar a tribuna a que temos direito, defender e exaltar o Congresso Nacional? O Congresso Nacional possui méritos que ninguém olha, porque somente serve de saco de pancadas para uma imprensa que está sempre aqui, pedindo nossos informes, recebendo nossa atenção e consideração e observando, em profundidade, o grande desempenho que as duas Casas Legislativas evidenciam todos os dias da semana, todos os dias do ano.

     Não se diga que, na segunda-feira, os parlamentares estão gazeteando essa escola de civismo que é o Poder Legislativo. S. Exªs não estão gazeteando, eles estão em suas bases partidárias, depois de fazerem viagens quase sempre maçantes e, às vezes, perigosas, recebendo centenas e milhares de solicitações de eleitores. O parlamentar, como verdadeiro sacerdote no seu Estado, está num autêntico confessionário, atendendo as pessoas e procurando solucionar seus problemas, quando não está tirando de seu bolso a magra importância que percebe nesta Casa - estamos ganhando cerca de dois milhões de cruzeiros reais por mês para trabalhar, manter a família e realizar todas as obrigações concernentes ao Poder Legislativo, para ajudar os pedidos que vêm em massa e que cresceram extraordinariamente depois que se instalou no Brasil o regime do 31 de março, pois antes disto não se via eleitor pedindo dinheiro, não se via candidato de uma escala legislativa inferior solicitando apoio financeiro para poder prosseguir na sua campanha e na sua luta.

     Essa monstruosidade manifestou-se depois do tempo da ditadura e foi durante esta, naquelas eleições que se fazia talvez para dar uma satisfação ao exterior, que mais se evidenciou a gana, a insaciedade e a carência populares, transformando um deputado, um senador, um governador e até um vereador num postulante a um cargo que era analisado e tido como o recebimento de uma cornucópia de ouro a vazar permanentemente o brilho e o tilintar das suas moedas para o bolso do Parlamentar.

     No entanto, analise-se o que é um Senador, analise-se o que é um Deputado, analise-se o que é um cidadão que tem a sua vocação política da mesma forma que outro tem a sua vocação para o sacerdócio, para um trapézio, para a magistratura, para a atividade militar, para bancário, para navegador dos grandes barcos comerciais. Um cidadão que tem a sua vocação política igual àquela de Diógenes que, quando perguntado na velha Grécia sobre o que sabia fazer, respondeu: "Sei conduzir homens".

     Temos a nossa vocação política e exercitamos essa vocação com o idealismo e com o amor voltados para fazer o bem ao nosso semelhante. E duvido que haja um só Parlamentar ou um só político que, na sua trajetória de luta e de trabalho, não objetive beneficiar, melhorar, assistir às comunidades que lhe são adjacentes e das quais fazem parte. Ele vai de manhã cedo para as comissões técnicas depois de ter estudado em casa, com ou sem a assessoria, os massudos processos que são, às vezes, verdadeiros cipoais pelos quais ele tem que transitar.

     Ele vai para a Comissão discutir com gosto, debater com amor, falar com satisfação e expor ao Presidente da Comissão e a seus Pares o seu ponto de vista, que poderá ser ou não aprovado nessa Comissão.

     Quando chega a tarde, lá está o Parlamentar, ora apreciando projetos que nós mesmos apresentamos, ora estudando matérias que vêm do Executivo, ora deliberando sobre vetos e medidas provisórias.

     E o fazemos tendo, a nosso redor, como satélites, esse elenco maravilhoso de funcionários desta e da outra Casa legislativa, que nos dão o assessoramento necessário para podermos apresentar algo útil e real à grande coletividade brasileira. Sim, porque ela nos observa, assim como os índios observaram quando a primeira caravela de Cabral aportou neste continente. Ela nos observa, embora sem conhecer os meandros e detalhes que caracterizam o Poder Legislativo, mas confiantes em que os órgãos de comunicação sejam capazes de orientá-los devida e honestamente, para que possam ser os nossos julgadores, eles que nos colocaram aqui para representá-los no Congresso Nacional.

     O Sr. Magno Bacelar - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Aureo Mello?

     O SR. AUREO MELLO - Com muita honra, nobre Senador maranhense, Magno Bacelar.

     O SR. MAGNO BACELAR - Nobre Senador Aureo Mello, V. Exª, nesta tarde, esboça, com a coragem que lhe é característica, uma reação contra a campanha difamatória a que vem sendo submetido o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas, enfim, os homens públicos, que, neste momento, passam a ser o bode expiatório de todos os infortúnios deste País. Na realidade, nobre Senador, precisaríamos fazer uma reflexão muito mais profunda sobre o que vem ocorrendo. Começaríamos por esclarecer que quem tem sido omisso é o Poder Executivo. Quem não enviou até hoje o Orçamento para ser votado nesta Casa foi o Poder Executivo. Quem tem criado crises com declarações indevidas tem sido o Poder Executivo. Por outro lado, não está havendo, nesta Casa do Congresso Nacional - é bom que o reconheçamos, nobre Senador - a reação devida, a ocupação do espaço que o povo brasileiro está a exigir de todos nós. Por que isso acontece? Não seria, porventura, nobre Senador, porque elementos desta Casa, capazes de vender a alma para aparecer diante dos refletores, denigrem a imagem de companheiros para merecer espaço na mídia? Lembro aquele mau e infeliz momento em que um Deputado, da tribuna do Congresso, disse que só conseguiríamos fazer com que os Parlamentares aqui permanecessem se houvesse o sorteio de um carro nos finais de semana. Daí para frente isso passou a ser visto como verdade, passou-se a acreditar realmente que o Presidente do Congresso Nacional havia sugerido instituir tal prêmio. Provavelmente, a declaração do nobre Presidente, Senador Humberto Lucena, de que a maneira de aumentar a freqüência seria a volta do jetom levou a imprensa a noticiar que se estava sugerindo mais um ganho para os parlamentares, sem se preocupar em esclarecer que o jetom seria uma das forma de pagamento. Outra causa dessa campanha contra o Congresso talvez seja a falta de coragem de muitos Parlamentares, principalmente das Presidências das duas Casas, que não dão qualquer declaração pública cobrando do Executivo a primeira mensagem do Orçamento, que até hoje não foi votado. Estamos esperando que o Governo se decida e, enquanto isso, apreciando cada mudança de plano - URV, real, e nada de realidade; e, por causa dessa tolerância, estamos pagando perante a opinião pública. Finalmente, nobre Senador, quando os Srs. Deputados votaram pela derrubada do veto presidencial no projeto de reajuste de salários, e a imprensa passou a fiscalizar e a cobrar - assim como muitos Parlamentares o fazem - o Sr. Ministro da Fazenda e até o Senhor Presidente da República passaram a declarar que não recolherão o dinheiro para o pagamento do aumento, porque ele não é legal. Disseram também que o Supremo Tribunal Federal errou. Isso não seria uma provocação ou uma forma de apressar a crise que se avizinha de todo o povo brasileiro? Sem democracia não teremos liberdade nem igualdade social. Neste momento, põem o carro adiante dos bois, fazendo declarações contra o Congresso porque ele votou a favor do aumento. Eu não o aprovo, mas, se houvesse votado, seria lei. Da mesma forma, a decisão do Supremo Tribunal Federal, tão criticada, também é uma decisão interna, de foro íntimo e não pode ser combatida como está sendo: como um confronto contra o plano econômico. O que falta, nobre Senador Aureo Mello, são atitudes como as de V. Exª, que ergue a sua voz, nesta tarde de segunda-feira, em defesa desta Casa. O que falta, sobretudo, é uma condução política mais amadurecida; falta a esta Casa mais coragem para assumir as suas responsabilidades e fiscalizar o Governo Federal, conforme estabelece a Constituição. A cada momento, criam-se fatos novos para denegrir a honra e a dignidade desta Casa; mas nós mesmos não estamos sabendo reagir com fatos, com trabalho, com atitudes como a de V. Exª nesta tarde, de forma que o povo se orgulhe desta Casa, acredite na democracia que perseguimos e se conscientize de que o Congresso Nacional, através da sua atividade permanente, pode ajudar o País a encontrar os seus verdadeiros destinos. Precisamos ter sabedoria para não nos deixar envolver pelas provocações e insinuações de alguns que desejam o retorno ao passado, ao regime de exceção, à falta de liberdade. Cumprimento V. Exª, nobre Senador.

     O SR. AUREO MELLO - Obrigado, nobre Senador. Muito obrigado.

     Realmente, a finalidade do meu discurso é exaltar e destacar o que é o Congresso Nacional, o que são as duas Câmaras Legislativas, são órgãos da maior seriedade, da maior gravidade, cumpridores das funções para as quais foram eleitos, que não estão aqui para brincadeiras, nem para pantomimas ou para serem criticados por pessoas sem conhecimento de causa, que não sabem o se passa no Poder Legislativo, nem do esforço que realizamos para desempenhar perfeitamente a missão que nos foi atribuída pela Constituição e pela população.

Tudo isso vem corroborar a definição clássica do poder inerme. Todos sabemos que o Poder Legislativo é o Poder desarmado, sujeito a ser esbordoado e a sofrer toda sorte de agressões por parte daqueles que se julgam os lobos poderosos dessa corrente que corre na direção do cordeiro, que, por sua vez, não tem o direito de beber a sua água, porque o lobo diz que ele está sujando a água dele, lobo, que está acima da corrente. Fatalmente, o Legislativo tende a ser devorado por aqueles que têm nas suas mãos poderes concretos, capazes de impedir e de manietar o mais nobre de todos os Poderes, que é justamente aquele que pensa para fazer as leis, aquele que prepara as decisões para serem cumpridas pelo Poder Executivo, submetidas, sem dúvida, à análise do Poder Judiciário, único capaz de anular ou tomar sem efeito as decisões promanadas desta Casa que aprovem ou rejeitem vetos porventura apostos pelo Executivo.

 

     

     A culpa é nossa. Há muito tempo, o Legislativo já devia ter o seu serviço de comunicação próprio, para que fosse exercido o direito de legítima defesa, defendendo-se adequadamente das acusações covardes que lhe são feitas. Há muito tempo, já devíamos ter um serviço de televisão do Poder Legislativo, para que o povo tomasse conhecimento do que se faz aqui e para que derrubássemos as aleivosias que são erigidas e assacadas contra a nossa atuação. Há muito tempo, devíamos ter o serviço de radiodifusão do Legislativo, para mostrar o desempenho diuturno dos trabalhos desta Casa, a fim de serem apreciados por todos aqueles que fazem parte da grande coletividade brasileira. Devíamos, também, ter o nosso órgão de divulgação escrita, para que o povo soubesse o que se faz, quem faz, onde faz e quando faz nas lutas diárias que encetamos para produzir leis.

     Este ano, o Congresso Nacional apresentou mais de oitocentas leis, elaboradas com cautela, serenidade, inteligência, com o pensamento voltado para os interesses da coletividade do povo brasileiro, do bem e do amor. No entanto, o Legislativo é massacrado por figuras, às vezes até obscenas, da comunicação brasileira que vêm, com as suas vozes gasguitas, dizer que aqui é uma Casa da vagabundos e de marginais, que o Poder Legislativo merecia ser corrido a pau, no meio da rua, porque um deputado ou um senador nada mais é do que um ladrão e inconseqüente.

     Vamos perguntar quanto ganha, por exemplo, uma mulher como a Hebe Camargo, que atacou este Poder. Ela deve ganhar, no mínimo, os seus 40 milhões de cruzeiros, se não ganha muito mais. Vamos perguntar quanto ganha o Sr. Boris Casoy, que é outro orientador de opinião e que, de vez em quando, faz questão de depreciar o Poder Legislativo. Quanto ganha o "Gordo", comentarista cuja inteligência reconhecemos mas que é, sem dúvida, um dos bem-remunerados da nossa televisão? Quanto ganham afinal todos aqueles que, no exercício das suas atividades profissionais, têm a ousadia de falar sobre o Legislativo sem conhecimento de causa, sem nunca terem vindo aqui? Nunca vi aqui a Hebe Camargo, o Jô Soares, o Boris Casoy; nunca vi esses profissionais, que, no entanto, profligam de orelhada o Poder Legislativo, na certeza de que estão prestando um serviço à Pátria, quando, em realidade, eles são os coveiros da democracia, porque estão jogando terra e lama sobre o Poder que representa, essencialmente, esse regime que não permite que um só venha a dominar e a governar os destinos de todos os seus patrícios.

     Até o Poder Judiciário agora está recebendo críticas, sanções e soveladas da parte dessas pessoas que não têm noção do que seja a organização de um Estado, os deveres da União, os sistemas políticos de um país, e se esquecem de que é o Poder Executivo o responsável pelo desnível salarial que vemos no Brasil.

     Os Srs. militares não deixam de ter razão de ficar espantados quando vêem que um Parlamentar quer ganhar mais do que 2 milhões de cruzeiros, que é quanto nós ganhamos. Os militares, por culpa exclusiva do Executivo, estão ganhando um salário de miséria. Um almirante, um capitão-de-mar-e-guerra, um capitão-de-corveta ou um coronel do Exército estão percebendo salários muito abaixo do que competia ao Poder Executivo atribuir a essas classes de trabalhadores armados que integram a sociedade brasileira. Daí o seu espanto quando vêem derrubar um veto destinado a cumprir e a dar uma situação incompatível com um Ministro, um membro do Poder Judiciário, com um Sr. Deputado ou até um Sr. Senador. Não podemos ganhar menos do que os trocadores de ônibus, do que os lixeiros, do que aqueles que fazem transações e com elas auferem mais do que estamos percebendo. O Parlamentares brasileiros estão percebendo dois milhões de cruzeiros por

mês. Esse dinheiro, que poderá ser considerado muito por um asfixiado funcionário, por um massacrado servidor, não é condigno com a função daquele que exerce um poder dentro da sociedade brasileira, como não é condigno, também, o ordenado miserável que se está pagando aos militares brasileiros, que foram relegados ao desprezo, abandonados pelo Poder Executivo e que têm também o seu direito de reivindicar o que lhes pertence.

     Tudo o que o Sr. Fernando Henrique pediu ao Congresso, o Congresso lhe deu, para formar, quem sabe, o seu renome de homem carismático, de salvador da pátria, de tapador do buraco em que a Nação foi posta. Quem sabe ele se julga, talvez, ungido pelos solares e misteriosos raios do sobrenatural, como eram outrora ungidos os reis e os imperadores que assim se julgavam chefes pelo direito divino.

     Ninguém lhe faltou, ninguém deixou de atender ao seu Plano, ninguém deixou de concordar com as suas ponderações, mas não venha ele meter o dedo naquilo que não lhe compete, porque inclusive a verba destinada ao aumento salarial, ao equilíbrio salarial do Poder Legislativo, comparada com o montante da verba global do Orçamento Nacional, é um pingo d'água no oceano, é um caroço de areia diante do Pão-de-Açúcar._

     Ne sutor ultra crepidam: não passe o sapateiro além do sapato; "Não suba além das sandálias, sapateiro." Que, portanto, o Poder Executivo faça a sua autocrítica, deixe de leviandades em relação ao Legislativo. Se está ansioso para inventar um Fujimori, que o faça, mas não venha jogar a culpa em cima de nós; não temos culpa de nada disso, somos os vocacionais da política, somos os profissionais do legislar; nós somos os que sabemos conduzir os povos, nós somos aqueles que têm a sua destinação dentro da sociedade, como cada um tem a sua vocação, tem a sua habilitação, tem o seu trabalho.

     Este Poder Legislativo tem sido autor de leis maravilhosas, de trabalhos espetaculares que não são aplaudidos pela imprensa. A imprensa só se lembra de nós quando a meia de um parlamentar está rasgada, quando um Deputado, porventura, mete o dedo no nariz, ou quando vem de paletó rasgado, por acaso, assistir a uma sessão. Aí, dá-se o maior destaque, apresenta-se nas manchetes, a televisão vibra e projeta esse parlamentar; mas quando ele apresenta um projeto, quando ele luta nos bastidores de uma comissão para aprovar essa proposição, quando ele emite um voto numa Comissão Técnica, quando ele batalha pelo engrandecimento do povo e do eleitorado que o elegeu, o silêncio é total, absoluto a respeito desse parlamentar. Nada se diz. Ele é apenas a parte horizontal de um mesmo mingau, que para eles só é interessante no momento em que produz borbulhas.

     Ora, Sr. Presidente, não veja na posição deste modesto caboclo de Rondônia, deste ínfimo amazonense que veio lá das beiradas do Rio Guaporé, uma increpação à sapiência, à lucidez dos pró-homens dessa República! Não, senhor, Sr. Presidente! Absolutamente, Srs. Parlamentares! Quem somos nós para opinar sobre a lucidez de um intelectual do porte do Bóris Casoy! Quem somos nós para duvidar da ciência e da erudição de uma Hebe Camargo! Quem somos nós para tentar nos opormos às decisões conclusivas e terminativas de um Jô Soares da República, de um Sílvio Santos do País, e dos donos da opinião nacional? São eles que orientam o povo. O povo está inerme, como se fosse um heliotrópio, um girassol, esperando os raios da verdade, capazes de fazer com que a sua mutação siga na direção do calor. E o calor vem da informação, o calor vem da palavra escrita que Gutemberg deixou para ser cumprida por aqueles que possuem, na mão, esse capital, esse órgão mecânico de pluralizar o pensamento.

     Nós, Parlamentares, temos aqui este recinto; temos o Diário do Congresso; temos a audiência dos funcionários da Casa. Aquilo que dissermos de verdadeiro, de bom em defesa do Congresso não é divulgado pelos órgãos de imprensa. Atacar-nos, ofender-nos, diminuir-nos, profligar-nos, fazer-nos menores do que as coisas menores, para isso, sim, os meios de comunicação aí estão ansiosos, querendo ver o sangue jorrar, querendo ver as cabeças caírem, querendo ver a guilhotina descer numa fantástica velocidade, para apontar que aquele deputado é ruim, que aquele senador é ladrão, que aquele parlamentar é bandido, não reconhecendo o esforço que o Congresso tem feito no auto-flagelamento, inclusive de processar colegas que executaram levianamente a sua atividade no Orçamento desta Casa, aplicando-lhes as punições que o Regimento permite e que são devidas; não tem dado reconhecimento a essas verdades, a esses fatos, a essas diligências que somente honram esta Casa do Legislativo. 

     Portanto, se o Poder Legislativo fala em aumentar vencimentos é porque vai machucar o calo ocidental do Sr. Fernando Henrique Cardoso que, pertencendo a esta Casa, pertence mais ao seu sonho de ser Presidente da República e de prestar serviço ao Poder Executivo nas suas mais variadas facetas.

     Não é realmente o Poder Legislativo aquele que merece o respeito e a consideração dos órgãos de comunicação deste País. Não é, mas deveria ser, porque é, aqui, nesta Casa, onde se exerce com maior dignidade a luta em defesa da sobrevivência democrática. Aqui, não há ditadores; aqui, cada cabeça não é uma sentença; aqui, as sentenças são produtos de várias cabeças, e as decisões são modificadas de acordo com os argumentos expendidos no decurso da apreciação das proposições.

     Que é isso, Sr. Presidente? Que isso, Srs. componentes do Poder Executivo? Que é isso, escalões menores do Poder Executivo? Então não se respeita mais um membro do Poder que legisla, do Poder que cria, do Poder que faz Direito?

     Estamos ameaçados de ser agredidos em praça pública, porque os condutores de opinião, descredenciados, as mulheres que fazem programas neste País, certos homens debochados e outros de trejeitos duvidosos dizem ao pobre povo, ao infeliz e analfabeto, em grande parte, povo, que nós somos usurpadores e uma quadrilha de moleques posta a serviço da indecência e da indignidade.

     Sr. Presidente, sou, como V. Exª sabe, um dos mais humildes desta Casa, humilde porque esta é a minha origem e porque este é o meu amor, o meu amor pelo pobre, pelo sofredor, por aquele que necessita de ajuda. Aqui, jamais um voto será proferido por este modesto Parlamentar visando obstaculizar ou prejudicar qualquer sofredor.

     O Sr. Jonas Pinheiro - Senador Aureo Mello, V. Exª me concede um aparte?

     O SR. AUREO MELLO - Pois não, nobre Senador Jonas Pinheiro.

     O SR. JONAS PINHEIRO - Estou aqui contemplando e apreciando esta justa indignação de V. Exª quando mostra, de forma incontida, a revolta que o domina, e, por que não dizer, a todos nós Parlamentares, Congressistas, vítimas dos comentários negativos, desairosos, desfavoráveis e sobretudo injustos, que vêm se acumulando de forma acelerada nos últimos tempos. E já não são só os jornais - agora é a própria televisão que se inclina sobre todos nós com poder de justiça -, arvorando-se como donos da verdade e fazendo críticas injustas, porque desconhecem a realidade, desconhecem o dia-a-dia da vida congressual. Pois já estão se postando - veja V. Exª que coisa absurda! - nos aeroportos, no aeroporto de Brasília principalmente, fiscalizando os parlamentares que vão e que vêm, tachando-os de gazeteiros. Não sabem que vivemos um drama em relação a isso. Se não comparecemos aos nossos Estados, às nossas bases, também de forma apressada dizem que depois de eleitos nos transformamos, desaparecemos, passamos a viver em Brasília nas nossas mordomias. É o que se apregoa, é o que diz a imprensa, é o que transmite a imprensa falada, escrita e televisionada à nossa população - que temos mordomias. Pois bem, se lá não vamos, por ficarmos aqui trabalhando, cumprindo nossos deveres, somos criticados. Se vamos, para estarmos presentes e darmos satisfação às bases, a televisão mostra os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal vazios. Ficamos, portanto, neste impasse: o que fazer? Ir às bases, para não perder o apoio dos nossos eleitores, para dar satisfação do que estamos fazendo e sermos criticados pela imprensa, ou ficarmos aqui e sermos censurados pelas bases? Não se leva isso em consideração. Num ano eleitoral, é mais do que claro que precisamos dispensar uma parcela de tempo às nossas bases, às campanhas que se avizinham e que não são feitas de um dia para outro. Os parlamentos do mundo inteiro fazem isso, recesso branco, fórmulas as mais diversas para possibilitar a quem pleiteia uma reeleição o entendimento com suas bases, com outros partidos políticos, conversas, a busca de coligações, o fortalecimento de seus sistemas eleitorais, para assegurar a volta ao exercício do mandato seguinte. De modo que eu me associo à preocupação e à revolta incontida de V. Exª, dando-lhe plena razão. Veja como se coloca a imprensa em relação à questão da votação do veto presidencial que possibilitava a equiparação dos salários dos Congressistas aos salários dos Ministros dos Tribunais Superiores, dando apressadamente como favas contadas, quando falta ainda a apreciação do Senado. Dizem, de forma maledicente, que os deputados já estão fazendo contas de quanto vão ganhar. Ora, isto não é verdade. Ainda falta a apreciação do Senado. Mas para a imprensa, o fato já está consumado. As revistas publicam os salários e fazem comparações com alguns parlamentos do mundo, dizendo que parlamentares de determinado país ganham 10 mil dólares, de outros países ganham 6 ou 8 mil dólares. Quando chega no Congresso Nacional, lá está escrito: no Brasil, os parlamentares percebem cerca de 6 mil dólares mensais, e colocam um asterisco. Lá embaixo, para explicar o asterisco, colocam "caso venha a ser aprovado o aumento". Isto é feito para confundir a população, para confundir o leitor, para transmitir de forma maledicente a impressão de que estamos percebendo 6 mil dólares. Como sabem que não é verdade, fazem a ressalva no rodapé da página dizendo "caso seja derrubado o veto presidencial". É, de certa forma, uma campanha insidiosa para desmoralizar o Congresso Nacional. Como bem disse V. Exª, em brilhantes passagens de sua oratória, há uma verdadeira campanha querendo destruir a imagem do Congresso. Não dão destaque aos fatos positivos, aos numerosos fatos positivos que são aqui vivenciados por todos nós, construídos pelo nosso trabalho e pela nossa ação, no dia-a-dia. Nobre Senador Aureo Mello, associo-me à indignação de V. Exª, louvando e elogiando a bravura de V. Exª, que vai à tribuna do Congresso defender a nossa Casa e o nosso Congresso Nacional.

     O SR. AUREO MELLO - Muito obrigado, nobre Senador Jonas Pinheiro.

     Pela palavra de V. Exª fala a mocidade, fala o espírito de justiça, fala a respeitabilidade do próprio Congresso Nacional, que agora se acha numa situação de não poder votar. Só falta dizer que se o Congresso votar a favor dos seus vencimentos, ele será fechado. E os seus componentes, sabe Deus o que acontecerá com eles! Já existe um memorial de senhores da reserva propondo que este Congresso seja imediatamente substituído por outro e os seus componentes - aqueles que aqui vieram - sejam proibidos de se candidatar a qualquer posto eletivo.

     Então, Presidente Chagas Rodrigues, para onde vai a dignidade de V. Exª, a luta de V. Exª, que apreciei e aprecio nas comissões? Onde vai a honestidade sem par de V. Exª, a dedicação de V. Exª a esta Casa? Onde vai o esforço e o trabalho de tantos Parlamentares aqui, que são verdadeiros monges da sagrada missão de exercer as suas atividades? Será esta uma caverna de Ali Babá, onde somente se encontram indivíduos de má-fé, decididos a acabar com a riqueza e com o erário?

     Como se explica que a atividade legislativa tenha sido aviltada de tal maneira? Como se explica, inclusive, que a legislação eleitoral brasileira seja de tal ordem que permite e estimula aos próprios eleitores a corromperem os Parlamentares, na ânsia da remuneração e na venda dos seus votos?

     Como se explica que, de uma certa época para cá, de um outro 31 de março para cá, tenha havido tanta alteração e tanta mudança nos costumes, que uma eleição majoritária tenha passado a ser o produto das doações das classes capitalistas privilegiadas, que, depois, se julgam no direito de vir cobrar atos legislativos que lhes são negados por este Poder e que geram campanhas difamatórias, inflexões injustas e odientas contra os que entraram na sua vocação política com a finalidade de fazer o bem, de ajudar os povos, de estender o progresso dos Estados, de fazer crescer a Nação, de erigir este País miscigenado, este País de misturas raciais, para o Primeiro Mundo, para servir de exemplo de amor e fraternidade diante de todas as nações do mundo, diante de todas as raças que compõem a grande coletividade mundial?

     Concluo, Sr. Presidente, acentuando e sublinhando: Por que não aumentam os vencimentos dos senhores militares? Por que não aumentam os vencimentos dos servidores civis? Por que não impedem que o comércio aumente dia-a-dia os preços dos produtos? Por que deixam que os salários sejam menores do que aquilo que é vendido a todos nós? Por que não forçam os oligopólios a ficarem dispersos para que não se unam a não venham a solapar esta sociedade? Por que o Executivo não cumpre o seu dever, mas não exigindo pobreza, miserabilidade e incompatibilidade do seu Poder Judiciário e do seu Poder Legislativo?

     Por que não se faz democracia com sinceridade, com honestidade, com dignidade, sem interferência de poderes externos, de modo coercitivo, contra os poderes constituídos? Por que se quer que votemos debaixo de coação e de ameaças, quando este é um templo sagrado, que não pode ser ameaçado quer com palavras, quer com ações?

     Por que, Sr. Presidente e Srs. Parlamentares, nós sempre fomos os cordeirinhos inertes bebendo a água dos lobos, que, no alto da colina, sujam a água que bebemos e nos acusam de sujá-las para eles?

     Nunca colocamos a nossa rádio, o nosso jornal ou a nossa televisão em ação, para que, agora, este meu discurso estivesse sendo irradiado para o País; para que o voto de um Sr. Parlamentar estivesse sendo lido com o intuito de que a Nação tomasse conhecimento dele; para que as rádios, de noite e nas madrugadas, fossem conhecidas pelos operários, que respeitariam os seus representantes ao invés de se orientarem pelas notícias degradantes, caluniosas e manchadas, as quais são distribuídas para que eles as aceitem como verdades.

     Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. (Muito bem! Palmas. )


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 15/09/1994 - Página 5210