Discurso no Senado Federal

EXTINÇÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • EXTINÇÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
Aparteantes
Magno Bacelar, Mauro Benevides.
Publicação
Publicação no DCN2 de 31/03/1994 - Página 1438
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, GOVERNO FEDERAL, EXTINÇÃO, APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO, APOSENTADORIA ESPECIAL, REFORMULAÇÃO, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL.

    A SRA. JUNIA MARISE (PDT- MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, estaremos analisando, em breve, no bojo dos trabalhos de Revisão Constitucional, a intrincada questão do sistema previdenciário, no qual avulta o candente tema das aposentadorias.

    Já no decorrer do ano passado, muito antes, portanto, de se iniciarem os trabalhos parlamentares da revisão de nossa Carta Magna, os meios de comunicação cederam espaço para a discussão do tema das aposentadorias dos trabalhadores brasileiros, deixando antever, desde então, quão polêmica e dissensual seria a análise dessa questão.

    De sua parte, o Governo antecipou as propostas que queria ver inseridas no corpo constitucional, afetas principalmente aos dispositivos constantes dos arts. 40 e 202. O art. 202, vale lembrar, dispõe sobre a aposentadoria no âmbito da Previdência Social; o art. 40 trata da aposentadoria dos servidores públicos civis. Assim, no início de dezembro, os jornais já anunciavam as sugestões listadas pelo Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, para serem encaminhadas em forma de propostas de emenda constitucional. Entre elas, destacavam-se as que passo a mencionar.

    Primeiro, fim da aposentadoria por tempo de serviço, substituindo-se o atual critério de concessão por um sistema misto, que somaria a idade do beneficiário ao tempo de contribuição para a Previdência. Essa proposta foi chamada de “fórmula 95’’, porque o pleiteante à aposentadoria necessitaria chegar à somatória de 95 pontos para usufruir do benefício.

    Segundo, extinção das aposentadorias especiais. Conquistas obtidas após duras batalhas, como a dos professores, que se aposentam com cinco anos a menos, ou seja, aos 25 anos de serviços prestados à educação, cairiam por terra.

    Terceiro, instituição do sistema de previdência universal, pelo qual o Estado se obrigaria à concessão de um determinado teto para todos os trabalhadores, estimado de cinco a dez salários mínimos. Acima desse limite máximo, haveria complementação por um sistema público ou privado, de adesão voluntária por parte do trabalhador.

    Na verdade, Sr. Presidente, as propostas de emenda à Constituição contemplaram um universo de amplitude bem maior do que esses três pontos mencionados e alcançaram números surpreendentes. Chegamos a contabilizar, apenas para os arts. 40 e 202, mais de cento e setenta propostas e mais de setecentas e trinta emendas às propostas apresentadas.

    Não nos foi dado a conhecer, até o momento, o teor do parecer da Relatoria da Revisão sobre o assunto. No entanto, o Deputado Nelson Jobim, em algumas ocasiões, manifestou à imprensa sua apreciação acerca de algumas delas, antecipando sua disposição de propor o fim das aposentadorias especiais, a instituição de um sistema único de previdência e, ainda, segundo o Jornal de Brasília de 5 de fevereiro último, a sua simpatia à “fórmula 95’’, do ex-Ministro da Previdência, Antônio Britto. Podemos antever, portanto, profundas mudanças no caminho da Previdência. Parodiando o poeta Drummond de Andrade, podemos antever pedras no meio do caminho dos que futuramente buscarão aposentar-se. É contra tais mudanças tão radicais e prejudiciais aos trabalhadores, trabalhadoras e professoras que me pronuncio neste momento.

    Meu pensamento e minhas convicções me fazem perfilar ao lado dos trabalhadores que não suportariam ver suas conquistas de tão longas batalhas e de tão duros entraves postas por terra peremptoriamente, sob a falsa alegação de que o apocalipse se abaterá sobre a Previdência, se mudanças não forem implantadas já. Aliás, já vimos esse filme vezes anteriores, quando se alardearam pelo País as várias “salvações nacionais’’. A cada época, se levantam bandeiras salvadoras que têm o poder mágico e supremo de tirar o País da crise, de livrar a economia da hiperinflação, de recuperar a capacidade de investimento do Estado, de promover o crescimento da economia, enfim, de resolver todas as mazelas nacionais. Foi assim com o Plano Cruzado, o Plano Collor e seus congêneres e, mais ultimamente, está sendo assim com a Revisão Constitucional. A fúria revisionista dá a ela o condão de trazer a felicidade geral à Nação, custe o que custar, doa a quem doer. Principalmente aos trabalhadores e assalariados, estes sim, os mais prejudicados.

    Se há pontos que é necessário rever, é bem verdade que há outros que são intocáveis, porque representam conquistas sociais. Mas a ânsia dos revisionistas extremados supera qualquer base de bom senso. Não fosse assim, não conseguiríamos explicar como os trabalhos da revisão sobreviveram a tantos problemas surgidos no seu percalço. Inicialmente, nos defrontamos com a exigüidade do tempo para executá-la: se a Constituinte consumiu dois anos de discussões, como promover a revisão em exíguos três ou quatro meses, ainda mais com a campanha eleitoral batendo à porta? Depois, caiu como um petardo sobre a atividade revisionista a instauração da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar denúncias de corrupção e manipulação das verbas do Orçamento. Hoje, não podemos dizer que navegamos em águas tranqüilas. Nos últimos dias, temos ouvido pronunciamentos contundentes a favor do fim dos trabalhos de revisão. Esta é a posição do meu partido - o PDT -, a minha posição e a da maioria da população que agora sabe que a Revisão não passa de um engodo para derrubar as conquistas sociais.

    No entanto, Sr. Presidente, cheguemos ou não ao fim da revisão em hora abreviada, ou a façamos em futuro, sinto-me compelida a manifestar minha posição clara e inequívoca pela manutenção do texto constitucional, no tocante ao direito da aposentadoria.

    Não concordo com o fim das aposentadorias por tempo de serviço. Também não concordo com o fim das aposentadorias especiais. Tampouco concordo em jogar todos os trabalhadores brasileiros na vala comum de uma Previdência que, salvo honrosos períodos, historicamente tem-se comportado como má pagadora, promovendo contínuos rebaixamentos nos benefícios, negando-se a cumprir as decisões judiciais favoráveis aos segurados, e que não tem controle do lamaçal de corrupção perpetrado à sua sombra.

    Desejo reportar-me particularmente aos trabalhadores pobres, de regiões subdesenvolvidas, da zona rural, das periferias das cidades. Esses brasileiros começam a trabalhar muito cedo, premidos pelas necessidades de sobrevivência da família, muitos ainda mal saídos da infância, muitos outros recém-evadidos dos bancos escolares, nos quais sequer concluíram a alfabetização. Porque começam a trabalhar muito cedo, mas precocemente, perdem a capacidade laborativa. Além do mais, sofrem de carências nutricionais, estão mais expostos a ambientes sem saneamento básico e se encontram à margem de uma adequada assistência médica e hospitalar. Para esses trabalhadores, a expectativa média de vida do brasileiro, que cresceu nos últimos anos para 66 anos, é uma miragem longínqua, que jamais alcançarão. Porque morrerão muito antes. Como não permitir a esse trabalhador que se aposente por tempo de serviço? Como impor a ele um sistema previdenciário baseado na média nacional, se participa dessa média exatamente puxando os números para baixo?

    O Sr. Magno Bacelar - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora?

    A SRA. JÚNIA MARISE - Ouço V. Exª com prazer, nobre Senador Magno Bacelar.

    O Sr. Magno Bacelar - Senadora Júnia Marise, ousaria dizer que na palavra de V. Exª está falando o povo de Minas, sobretudo o trabalhador, aquele que tem sofrido e pago por todos os desmandos, por toda a corrupção caracterizada na Previdência Social. Na verdade, nobre Senadora, lutamos contra a Revisão Constitucional neste momento, e está mais do que provado que, até agora, o que se votou foi um plano econômico que nada mais é do que o aumento de imposto, sobretudo para o trabalhador, e algumas questões políticas. Graças a Deus, conseguimos sair do grande escândalo da diminuição de tempo de desincompatibilização e da reeleição. Afora isso, se fizermos uma análise profunda e criteriosa, nada se tratou sobre os problemas mais graves do nosso País. E, para provar isso, a orquestração em favor da Revisão Constitucional é sempre do patrão, da classe mais privilegiada e daqueles que, ao longo desses anos, têm enriquecido à custa da miséria do nosso povo e que ainda se sentem prejudicados pela Constituição de 88. Se a modificarmos em determinados pontos, no entanto, estaremos diminuindo todas as conquistas sociais, como bem disse V. Exª. Parabéns pela coragem, parabéns por falar em nome do PDT. Tive a honra de aparteá-la para dizer que, como Líder, estou aqui para reforçar o seu discurso e dizer que o nosso Partido, mais uma vez, a exemplo do plebiscito para a escolha entre parlamentarismo e presidencialismo, está com a razão, está representando o sentimento popular, que é de revolta contra uma Revisão Constitucional que tem servido apenas para desgaste e desmoralização desta Casa. Agradeço a V. Exª

    A SRA. JÚNIA MARISE - Agradeço ao nobre Líder do PDT, Senador Magno Bacelar, o aparte, que mais uma vez enfatiza, com fidelidade e coerência, não apenas o seu passado político, mas, sobretudo, o do PDT, que se tem se posicionado fielmente à causa nacional e principalmente à causa dos trabalhadores ao longo de toda a sua história. Na mesma linha de pensamento, hoje também integrando o Partido Democrático Trabalhista, sinto-me inteiramente identificada com essa tese, a qual abracei no decorrer de minha vida política, e preocupada com o momento que vivemos. E é por isso que, a partir da próxima semana, o PDT de Minas Gerais estará denunciando ao povo mineiro, através de uma grande e ampla mobilização, as tentativas de estabelecer o retrocesso - que hoje certamente estão incorporadas, através das emendas apresentadas à Revisão Constitucional -, o retrocesso das conquistas dos trabalhadores, que, nessas últimas décadas, têm procurado não apenas lutar pela sua sobrevivência, mas principalmente pela garantia de seus direitos inalienáveis como cidadãos e como trabalhadores.

    O Sr. Mauro Benevides - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Júnia Marise?

    A SRA. JÚNIA MARISE - Com prazer, nobre Líder Mauro Benevides.

    O Sr. Mauro Benevides - Nobre Senadora, na visão globalizada da Revisão Constitucional, o PMDB, pela sua Direção Nacional e pelas suas Lideranças nas duas Casas, se manifestou favoravelmente a que se cumpra o preceito do art. 3° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que decorreu, inclusive, de iniciativa de um colega de V. Exª, de Minas Gerais, o nobre Senador Ronan Tito, autor que foi da inclusão desse dispositivo durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte. Diria a V. Exª que, oficialmente, o PMDB se manifestou a favor da Revisão, mas tivemos a cautela de deixar explícita a nossa posição contra qualquer iniciativa que significasse a conspurcação daquelas conquistas sociais que estão inseridas no texto da Lei Maior brasileira. Nobre Senadora, ao vê-Ia defender as conquistas do trabalhador, sobretudo na área previdenciária, desejo solidarizar-me com V. Exª e lhe dizer que, como Líder da bancada do PMDB no Senado, estaremos a postos para rechaçar qualquer tentativa que objetive nulificar aquelas conquistas que integram o texto da Lei Fundamental brasileira. Portanto, pode V. Exª transmitir aos mineiros, àqueles que irão participar dessa manifestação promovida pelo seu Partido, o PDT, a partir da próxima semana, em Minas Gerais, que ouviu de mim, Líder do PMDB no Senado Federal, a reiteração do compromisso de que, em termos de conquistas sociais, haveremos de preservar a nossa Carta de todas essas investidas que objetivam anulá-las, pois tais conquistas decorreram de um trabalho levado a efeito, com muita obstinação e pertinácia, durante a Assembléia Nacional Constituinte.

    A SRA. JÚNIA MARISE - Nobre Senador Mauro Benevides, a declaração enfática de V. Exª, neste momento, como Líder do maior Partido neste Congresso Nacional, de que estará vigilante na preservação das conquistas sociais já consagradas na Constituição de 1988, é um fato importante para o Brasil e para os trabalhadores.

    A nossa preocupação é exatamente em razão das emendas, cerca de 960, apresentadas à Revisão Constitucional, ampliando a idade para a aposentadoria e extinguindo a aposentadoria por tempo de serviço. Para nossa perplexidade, algumas delas estabelecem o somatório da idade do trabalhador com o tempo de serviço, com a obrigatoriedade de se totalizarem 95 pontos para a obtenção da aposentadoria; conseqüentemente, nenhum de nós alcançará a idade para chegar a esse somatório.

    Por isso, Senador Mauro Benevides, incorporo efusivamente o aparte de V. Exª a este pronunciamento, porque já é uma demonstração do seu Partido, principalmente da Liderança do PMDB do Senado - e outra coisa não esperaríamos -, essa manifesta solidariedade aos trabalhadores de todo o País.

    Continuando, Sr. Presidente, há outro aspecto que gostaria de mencionar. No meio urbano brasileiro, um trabalhador com 40 anos de idade já é considerado velho para o mercado de trabalho. Extinguindo-se a aposentadoria por tempo de serviço, qual a garantia de manutenção do emprego para pessoas dessa idade?

    E como pode o trabalhador brasileiro, na hipótese de unificação dos regimes previdenciários, extrair de seus parcos salários uma dupla contribuição, com uma parte para os cofres da Previdência estatal e outra para os planos de complementação? Novamente, os mais pobres serão os mais prejudicados. Sem mencionar a falácia costumeira dos fundos de pensão, que não honram os compromissos de complementação quando os trabalhadores deles mais necessitam, que é o momento de garantir uma velhice digna e ter a justa retribuição dos encargos pagos na atividade. O que podemos antever é a proliferação desses fundos de pensão, cuja maior preocupação é o resultado financeiro e operacional, e não a promoção da justiça social.

    O fim das aposentadorias especiais afetaria sobremaneira a sofrida e vilipendiada categoria dos professores. Quero lembrar aos meus colegas Senadores que foi árdua a luta dos professores para alcançar a aposentadoria aos 25 anos para as mulheres e aos 30 para os homens, em atividades de magistério. Lembro-me que, em 1981, como Deputada Federal, então na Câmara dos Deputados, defendi a Proposta de Emenda Constitucional n° 9, de minha autoria, para fazer justiça à penosa tarefa do magistério de um direito justo e merecido. Depois de 25 ou 30 anos de docência, não há professor ou professora que não apresente problemas de saúde. Devemos falar também que a atividade do magistério exige grande dose de paciência, tolerância e benevolência, atributos que a idade vai fazendo perder, mormente hoje, quando se aceitam cinqüenta alunos em uma sala de aula de 2° grau, para não mencionar as turmas de mais de cem de muitas escolas privadas. E o professor não enfrenta salas numerosas apenas algumas horas por dia. Ele as enfrenta em quase todas as horas de seu dia, porque, para compensar os baixos salários atuais, desdobra-se em muitas jornadas de trabalho, na maioria das vezes, em duas ou mais escolas.

    Gostaria de reproduzir aqui as palavras de José Maria de Almeida, Diretor da Central Única dos Trabalhadores, publicadas no jornal O Estado de S. Paulo, de 12 de dezembro de 1993. Disse ele:

    Num Brasil pobre, com mais de quarenta milhões de desempregados e subempregados, no qual as pessoas começam a trabalhar na faixa de treze a quinze anos na cidade e menos do que isso no campo, a fórmula 95 é profundamente injusta.

    Se realmente queremos alterar o sistema da Previdência Social, deveremos primeiro cuidar de estabelecer salvaguardas para não continuarem ocorrido indevidos prejuízos para os beneficiários do sistema. Digo isso com base no cálculo do advogado Adelino Rosani Filho, especialista em Direito Previdenciário, que acusa o achatamento salarial, mês a mês, de cerca de dois milhões de aposentados no País. Segundo ele, em matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo de 30 de novembro de 1993, os prejuízos podem chegar a 30%, em razão da aplicação da Lei nº 8.213 na correção dos vencimentos. Ou seja, se estiverem corretos os seus cálculos, estamos presenciando a indesejada situação de a Previdência manipular os índices a seu favor. Aliás, a história da Previdência no Brasil é pródiga em agregar perdas aos benefícios de seus segurados. Assim tem acontecido em todos os momentos de implantação dos planos de estabilização econômica, com resultados prejudiciais, aliás, não só aos segurados da Previdência, como a todas as demais categorias de trabalhadores assalariados.

    Em suma, Sr. Presidente, Srs. Senadores, precisamos estar vigilantes no momento em que nos for apresentado o parecer da Relatoria da Revisão Constitucional sobre a grave questão da Previdência Social brasileira. Os aposentados e pensionistas não podem mais suportar ônus algum.

    Igualmente atentos devem estar todos os trabalhadores do País, para que sua voz se faça ouvir no voto de cada parlamentar do Congresso Revisor!

    Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer. Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 31/03/1994 - Página 1438