Discurso no Senado Federal

TECENDO AS LINHAS GERAIS QUE DEVEM NORTEAR A REENGENHARIA DA ORDEM SOCIAL DO BRASIL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • TECENDO AS LINHAS GERAIS QUE DEVEM NORTEAR A REENGENHARIA DA ORDEM SOCIAL DO BRASIL.
Aparteantes
Ronan Tito.
Publicação
Publicação no DCN2 de 31/03/1994 - Página 1454
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, REFORMULAÇÃO, ORDEM SOCIAL, PAIS, LIMITAÇÃO, COBRANÇA, IMPOSTOS, GASTOS PUBLICOS, REGULAMENTAÇÃO, ECONOMIA, DESCENTRALIZAÇÃO, CONTROLE, POLITICA.

      O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, o conceito mais moderno em uso no momento empresarial é, sem dúvida alguma, o da reengenharia.

      Trata-se de uma poderosa noção que indica repensar os fundamentos do negócio, redesenhando seus processos, para obter dramáticas melhorias no desempenho, em termos de custo, qualidade, serviço e velocidade de produção.

      Reengenharia não significa reestruturar ou cortar custos. É muito mais do que isso! Uma reestruturação, uma redução nos custos, apenas indica que o empresário estará produzindo mais, a partir de um menor uso de recursos.

      A reengenharia significa fazer mais com menos recursos.

      Também não se pode confundir a reengenharia com o modismo da qualidade total. Os programas de qualidade partem da organização e processos que existem e tentam melhorá-los. Nesse sentido, essa é uma mudança suave, que envolve a idéia de continuidade, de mudança incremental.

      Contrariamente, o conceito de reengenharia envolve um padrão de substancial inovação, de descontinuidade.

      Todos esses esclarecimentos, Sr. Presidente e Srs. Senadores, são apropriados, de vez que me proponho a discorrer sobre desafio tão crucial com que a sociedade brasileira se confronta neste momento.

      De fato, um desafio que nós todos, brasileiros, temos adiado, indefinidamente, enfrentar.

      Trata-se do desafio de promover a reengenharia da ordem social do Brasil.

      Todas as tentativas feitas até aqui têm se concentrado na dimensão administrativa e econômica. E os planos governamentais têm sido, tão-somente, planos de qualidade total para a economia brasileira. Temos buscado melhorar o funcionamento da organização social ora existente, nada mais.

      É preciso, no momento, prepararmos nossa economia, nossa sociedade, para o século XXI, quando, ao que tudo indica, as mudanças serão ainda mais vertiginosas, na dimensão tecnológica dos processos de produção, da integração dos mercados e da promoção dos valores individuais.

      Como representantes da sociedade, como Senadores da República, é nosso dever contemplar todo esse futuro que está muito próximo, e nos perguntarmos se ele também está ao nosso alcance.

      Inquieta-me observar que nós, brasileiros, somos levados a persistir, olhando o passado e o presente, por pura falta de motivação para olharmos o futuro - tantas são as atribulações em que vivemos, que o futuro acaba diluído no diaa_dia.

      A elaboração de uma nova Constituição para o País é uma oportunidade de dotarmos a sociedade de regras e procedimentos que viabilizem uma trajetória de prosperidade. Em 1987-1988, o Brasil teve a ocasião de empreender sua reengenharia social, porém, a tarefa ficou inconcluída.

      Uma vez mais, temos essa oportunidade com a Revisão Constitucional. Não podemos desperdiçá-la.

      Mas também é o dia-a-dia da vida política que podemos atuar na promoção dessa reengenharia. Tendo a predisposição da mudança, saberemos encarar os problemas brasileiros de um modo mais adequado, encaminhando suas soluções de forma mais profunda.

      Após o desempenho econômico do início dos anos 70, que nos levou à taxa de crescimento per capita de até 11 % ao ano, iniciamos os anos 90 com uma sucessão de quedas na renda per capita: -6,2% em 1990, -1,0% em 1991 e -2,8% em 1993. Os 4,9% no crescimento do PIB no ano de 93 representaram muito pouco para servir de compensação a tanto declínio.

      O fato é que hoje estamos 8% reais abaixo do nível de desempenho per capita que exibíamos em 1980.

      Embora devamos lamentar toda essa evidência numérica, não espanta que isso tenha ocorrido. Afinal, nas duas últimas décadas, que atitude tivemos com relação à competitividade de nossas indústrias? Que estímulos estabelecemos à entrada e fixação do capital estrangeiro em nossos processos produtivos? Enfim, que estabilidade demos às regras mais relevantes no funcionamento da economia nacional: da proteção aos direitos de propriedade e dos termos contratuais, às garantias de que os planos governamentais não seriam um modismo entremeado de arbitrariedades?

      Na retórica oficial, transitamos de uma argumentação frouxa de que o Estado apenas ocupa espaços deixados vazios, pela aversão ao risco do empresariado privado, para a desculpa genérica de que a crise financeira internacional, iniciada no final de 1982, justifica a intervenção estatal: com seus desperdícios, seus déficits e suas profusas regulamentações.

      Sr. Presidente e Srs. Senadores, às vésperas do final do século XX, não podemos mais contemporizar com o atraso econômico e social em que vivemos, nem aceitar que alguns bons desempenhos isolados possam ser considerados substitutos satisfatórios para uma trajetória de intensa mudança social.

      Por certo que não terei aqui a pretensão de apresentar a solução dessa reengenharia em nossa sociedade. Todavia, insisto em chamar a atenção de todos para o ponto inicial dessa mudança: as soluções institucionais.

      Tais soluções se distribuem em três grandes classes de mudanças de motivações: Primeiramente, as limitações nos impostos e gastos públicos. Tais limitações são fundamentais para inibir a propensão dos ramos políticos em criar benefícios privados a um custo coletivo - propensão essa que na atualidade brasileira parece ter chegado a formas e proporções totalmente absurdas.

      Por outro lado, a racionalidade política que motiva o comportamento da legislatura seria preservada. Apenas que, agora, criar mais um programa ou uma política pública envolverá quase que necessariamente eliminar programas ou políticas já existentes. O sentido de prioridade ficará muito aguçado. Isso, igualmente, disciplinará os grupos organizados da sociedade que perceberão os maiores custos políticos envolvidos no atendimento às suas demandas.

      Subsidiariamente, estaremos eliminando, por motivos mais significativos e duradouros, uma potencial fonte do mecanismo inflacionário na economia brasileira.

      Uma segunda classe de mudanças tem o sentido de mudanças na regulamentação econômica.

      De fato, um efeito colateral de tentativas de limitar impostos e gastos públicos é a expansão da presença regulatória do Estado. Por exemplo, através de alterações nas regras e nos procedimentos do sistema fiscal, aumentam-se isenções e deduções, gerando mais ineficiência e maiores encargos tributários para a totalidade dos contribuintes não-beneficiados.

      Tudo isso tem um custo coletivo que, no entanto, é de difícil percepção e mensuração. Porém, há recursos que podem tornar essa regulamentação mais sujeita a controle. Por exemplo, a delimitação na legislação regulatória de um prazo de validade da vantagem ou prerrogativa concedida fará com que a legislatura possa negociar as bases do acordo com os grupos ou segmentos beneficiados pela regulamentação.

      Caberia igualmente ao Congresso Nacional redefinir grande parte da legislação regulatória, equacionando questões políticas que hoje têm sua solução delegada ao arbítrio da diversificada burocracia governamental. Tal recurso unificaria os critérios da regulamentação, muito contribuindo para o entendimento do interesse público, o que se constitui numa positiva alteração na motivação da atuação dos agentes públicos.

      Outra vez, ao transferir para o Congresso Nacional a resolução de questões políticas explicitadas na concessão de benefícios regulatórios, estaremos encorajando a oposição dos segmentos organizados da sociedade à produção de regulamentação que venha a acarretar benefícios privados.

      Uma terceira classe de mudanças institucionais envolve a descentralização do controle político. Essa descentralização envolve primeiramente a transferência de funções governamentais para as jurisdições em que os efeitos dessas funções se materializam. Isso é muito importante pois contribuirá para localizar os custos de programas e políticas públicas.

      Escolas, postos de saúde, estradas e regulamentações no Estado ou Município de São Paulo, por exemplo, são temas que devem ser tratados como adstritos a esse Estado ou Município, de modo que se possa eliminar ou reduzir substancialmente as possibilidades de que seus custos se transfiram para outros Estados e Municípios.

      Isso também determinará jurisdições de governo mais homogêneas, de modo que os eleitores-contribuintes estarão menos sujeitos a serem excluídos dos benefícios da provisão dos bens e serviços públicos.

      Por fim, vale lembrar que tal descentralização fomentará uma sadia competitividade entre as jurisdições de governo, em termos de preço e quantidade do que produzem desses bens e serviços públicos, como igualmente de processos pelos quais os produzem.

      Por fim, vale lembrar que tal descentralização fomentará uma sadia competitividade entre as jurisdições de governo, em termos de preço e quantidade do que produzem desses bens e serviços públicos, como igualmente de processos pelos quais os produzem.

      Por tudo isso, estaremos, efetivamente, revitalizando o federalismo brasileiro.

      Sr. Presidente, Srs. Senadores, essa é apenas uma ilustração do que rotulei, ao início dessa minha apresentação, de reengenharia da ordem social do Brasil.

      Trata-se, ao mesmo tempo, de mudar engrenagens fundamentais do processo decisório governamental e legislativo, e induzir comportamentos que fomentem a cooperação social e o interesse público.

      Estamos vivendo no Brasil momentos que são muito propícios à promoção de mudanças sociais e políticas. Por vezes, temos sido levados a entender que tais mudanças devem ocorrer, ainda que vigorem por um curto espaço de tempo.

      Contudo, a extensão e a profundidade das dificuldades por que passa, há longos anos, a economia brasileira sugere que devemos contemplar saídas mais duradouras.

      Não devemos persistir no erro de aceitar conviver com a essência dessa crise, porém livrando dos seus aspectos mais imediatos.

      Não devemos pensar que mágicas técnico-operacionais articuladas nas equipes técnicas dos Ministérios tenham eficácia garantida ou que sejam isentas de efeitos perversos. Sob esse aspecto, as experiências de planos econômicos nos ensinam uma dura porém proveitosa lição.

      Optemos, ao invés, pela mudança profunda, pelo rompimento com regras e procedimentos institucionais que não se mostram mais propensos a renderem bons resultados, desde que operados com zelo e competência.

      Há que proceder a uma reengenharia dessas instituições, Sr. Presidente e Srs. Senadores! Somente assim estaremos sinalizando a toda a sociedade com o rumo da prosperidade e com a firmeza de propósito de suas representações políticas.

      Somente assim, Sr. Presidente e Srs. Senadores, estaremos empreendendo uma ação que possa verdadeiramente saltar por cima de todas as vicissitudes por que vem passando a vida política nacional.

      Não precisamos, necessariamente, aguardar pela Revisão Constitucional para começarmos com essa reengenharia. É até muito produtivo que tenhamos esse foco previamente estabelecido, pois que assim tornaremos mais homogênea nossa visão quanto ao significado de uma Constituição para o Brasil.

      O Sr. Ronan Tito - Permite-me V. Exa um aparte?

      O SR. GILBERTO MIRANDA - Com muito prazer, nobre Senador Ronan Tito.

      O Sr. Ronan Tito - Nobre Senador Gilberto Miranda, infelizmente a nossa Casa hoje, nesta quarta-feira da Semana Santa, não está tão povoada quanto gostaríamos - de Parlamentares, evidente. No entanto, V. Exa não se furta de estar aqui e de trazer a sua colaboração sempre precisa, sempre oportuna, sempre judiciosa. Ousei pedir aparte a V. Exa justamente para cumprimentá-lo por essa noção que tem da obrigação de cumprir o dever. Não podemos faltar ao Brasil. Se nenhum brasileiro pode ou deve faltar ao Brasil, muito menos nós, Parlamentares, que recebemos o mandato eletivo, podemos faltar. E V. Exa - quero dar esse testemunho aqui - não tem faltado, com suas críticas, às vezes acres, agudas. Mas a democracia sem crítica é uma democracia de compadres, é uma democracia consentida; não é uma democracia viva, digna do nome que ela ostenta. E V. Exa tem dado vigor, força à democracia com sua crítica e, também, com sugestões judiciosas, com sugestões competentes, com idéias que sempre pôde ter na sua vida de empresário vitorioso, capaz, empreendedor; por isso mesmo, sabe e pode dar caminhos para este País. Parabenizo-o e me felicito por estar lá no meu gabinete sintonizado com o discurso de V. Exa Nesse breve período que V. Exa tem estado aqui conosco, no Senado Federal, tem dado muitas lições - a mim, pessoalmente: a lição da participação, da determinação, da luta permanente. Desta maneira, devo dizer-lhe que, da sua atuação e da sua determinação, tem V. Exa o meu apoio total ao discurso que ora pronuncia. Muito obrigado.

      O SR. GILBERTO MIRANDA - Agradeço o aparte do nobre Senador e amigo Ronan Tito.

      Eu queria dizer a V. Exa, Senador, que após um ano e três meses nesta Casa, praticamente, analisando o comportamento do Senhor Presidente da República, que foi Senador por muitos e muitos anos, fico assustado ao questionar como e por quais caminhos o brasileiro terá que passar neste final de Governo. Fico assustado, Senador, porque para nós, Senadores, está impossível, participando de comissões, participando da Revisão Constitucional... Graças a Deus que V. Exa colocou o art. 3°, dispondo que após cinco anos a Constituição seria revista, pois nenhum presidente conseguiu governar.

      Chamo todos os partidos, mais uma vez, para que participem e para que os grandes partidos se unam e não se deixem levar pelo PT e pelo PDT, que tomaram a frente nas discussões, praticamente, dominando o Plenário da Revisão Constitucional; que se unam em tomo do Relator, em torno do Brasil, para que, efetivamente, concluamos esta Revisão Constitucional, a fim de que o próximo presidente, seja ele do nosso ou de qualquer partido, até do PT, possa governar este País. De outra forma será impossível governar o Brasil.

      Mas me assusta, Senador Ronan Tito, que só neste ano o Presidente Itamar Franco tenha editado 63 medidas provisórias.

      O Sr. Ronan Tito - É o campeão!

      O SR. GILBERTO MIRANDA - Sua Excelência, realmente, vai passar para a História deste País como o campeão da omissão, como o que menos emprego gerou neste País - pelo contrário, só desemprego -, pelo campeão em inflação, pelo campeão na troca de Ministros da Agricultura e na troca de Ministros de todas as Pastas, que já passam de mais de 26 Ministros na sua gestão. É lamentável que não tenha vindo do Palácio do Planalto, que não tenha vindo, ainda, dos seus Ministérios - do Ministério do Planejamento - nada no sentido de redesenhar o Estado; gastar menos e fazer mais. Nada! Não vimos nada!

      Sabemos que os bancos ganham o que querem e quanto querem. E V. Exa, como combate ativamente o custo do dinheiro para a agricultura, sabe que o Presidente da República poderia fazer alguma coisa. Existem vários impasses até agora e nada é feito.

      Com relação às obras públicas, o Estado não analisa quanto custa, o que custa e como custa; ou seja, o Estado não faz nada por absolutamente nada. Vimos no início do Plano FHC II só um tipo, só uma classe de pessoas pagar a conta: a população pobre - esses cem milhões de habitantes deste País; esses que não têm emprego; esses que não têm salário; esses que ganham menos de um salário mínimo, quando ganham, e mais os catorze milhões de desempregados.

      Assusta-me que ainda, Srs. Senadores, faltam oito meses de governo. Assusta-me quantas medidas provisórias este Governo vai mandar. Assusta-me o nível de ministros que ainda ocuparão esses ministérios. E assusta-me a qualidade de vida, ainda, que a população brasileira vai ter que passar; e aqueles que ficarem doentes? Pelo amor de Deus! Não sei o que este Governo vai fazer para pagar em dia os hospitais, para gerar saúde, para gerar um atendimento médico, que é lamentável vermos no Brasil, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, essa pobreza, essa barbaridade por que passa.

      Mas o Presidente da República, Senador Ronan Tito, não sai do Palácio do Planalto, pouco viaja ao exterior para ver o que está acontecendo de mais moderno no mundo. Pelo jeito, também deve ler pouco e assistir pouco à televisão, porque, senão, estaria vendo o que se passa com a população brasileira, faminta. O preço dos mantimentos, nesses últimos meses, como se diz no interior, subiu uma brutalidade!

      Quem ganhou com isso? Só os ricos. Os pobres vão continuar povoando este País cada vez mais.

      Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs. Senadores.

      O SR. RONAN TITO - Sr. Presidente, peço a palavra.

      O SR. PRESIDENTE (Chagas Rodrigues) - Lembro aos Srs. Senadores que a presente sessão encerrar-se-á às 13h03min e que o Congresso Revisor está convocado para reunir-se às 14h.

      O SR. RONAN TITO - Era apenas para fazer um registro, mas aguardo o discurso do Senador Aluízio Bezerra e, em seguida, faço o meu registro.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 31/03/1994 - Página 1454