Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 28/03/1994
Discurso no Senado Federal
RESPONSABILIDADE DO MINISTRO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELAS DEFINIÇÕES AINDA PENDENTES DO PLANO, FHC-II, E PELO CONTROLE DO PROCESSO INFLACIONARIO. APREENSÃO DIANTE DA SAIDA DO MINISTRO DA ECONOMIA PARA DISPUTAR A SUCESSÃO PRESIDENCIAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PARECER DO DEPUTADO GONZAGA MOTTA A MEDIDA PROVISORIA 434.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- RESPONSABILIDADE DO MINISTRO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELAS DEFINIÇÕES AINDA PENDENTES DO PLANO, FHC-II, E PELO CONTROLE DO PROCESSO INFLACIONARIO. APREENSÃO DIANTE DA SAIDA DO MINISTRO DA ECONOMIA PARA DISPUTAR A SUCESSÃO PRESIDENCIAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PARECER DO DEPUTADO GONZAGA MOTTA A MEDIDA PROVISORIA 434.
- Aparteantes
- Magno Bacelar.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 29/03/1994 - Página 1409
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
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- APREENSÃO, ORADOR, ABANDONO, CARGO PUBLICO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MOTIVO, AUSENCIA, DEFINIÇÃO, NORMAS, IMPLANTAÇÃO, MOEDA, REAL, GARANTIA, CONTINUAÇÃO, PROGRAMA, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA.
- CRITICA, SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), CONGRESSO NACIONAL, IMPEDIMENTO, VOTAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), IMPLANTAÇÃO, UNIDADE REAL DE VALOR (URV), OBJETIVO, PROVOCAÇÃO, REEDIÇÃO, MOTIVO, DISCORDANCIA, PARECER, AUTORIA, GONZAGA MOTA, DEPUTADO FEDERAL.
- DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, CONCESSÃO, OPORTUNIDADE, CONGRESSO NACIONAL, UTILIZAÇÃO, PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO (PLV), INFLUENCIA, ALTERAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA.
- COMENTARIO, AVALIAÇÃO, GONZAGA MOTTA, DEPUTADO FEDERAL, OPORTUNIDADE, INCLUSÃO, CRIAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE, PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO (PLV), APOIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).
O SR. EDUARDO SUPLICY (PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Ministro Fernando Henrique Cardoso parece estar decidido a sair do Ministério da Fazenda. Não porque o Presidente da República esteja solicitando a sua demissão; não porque haja pressões para que S. Exa deixe o Ministério; ao contrário, as pesquisas de opinião pública no Brasil recomendam que o Ministro permaneça à frente do Ministério da Fazenda, em que pese o seu desempenho - no que diz respeito ao objetivo que considera principal, o de combate à inflação - não poder ser considerado como adequado, na medida em que, ao assumir o cargo de Ministro da Fazenda, o Ministro Fernando Henrique Cardoso encontrou uma inflação, em abril de 1993, na casa dos 23 ou 25% ao mês; agora, as pesquisas de índices de preços indicam que a inflação está na casa dos 44%, com tendência, mesmo, a alcançar a casa dos 50% ao mês - que, segundo muitos compêndios de economia, é aquela que define um estado de hiperinflação.
É bem verdade que, do ponto de vista do crescimento da economia, 1993 apresentou-se como um ano positivo em relação aos anos anteriores. Claro que a economia brasileira tem potencial e já o demonstrou, especialmente no período pós-guerra, de crescer, pelo menos, a taxas de 7, 8, e, às vezes, de 10%, tendo já chegado a 14% ao ano. No ano de 1993, houve uma certa recuperação e o crescimento do Produto Interno Bruto foi de 5%.
Quanto aos outros objetivos importantes, como o da melhoria da distribuição da renda, o desempenho do principal responsável pela economia pode ser considerado apenas sofrível. Aliás, poucas foram as iniciativas de grande profundidade na melhoria da distribuição da renda e da riqueza.
Houve, obviamente, o alerta e o sentido da conscientização do problema, mas, sem dúvida, o mérito cabe ao Presidente Itamar Franco, que, ao aceitar, por proposição de Lula, instituir um Conselho de Segurança Alimentar, instituiu também a Ação pela Cidadania, contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que vem sendo coordenada por Betinho e Dom Mauro Morelli. Esta ação, sem dúvida, conseguiu a mobilização de segmentos da população brasileira com o sentido da solidariedade.
Por exemplo, sábado à tarde, estive no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde fui testemunha de uma reunião de um comitê organizado contra a fome. Trabalhadores da Volkswagen e outros trabalhadores da região do ABC ali se reuniam não apenas para eleger um novo comitê de coordenação, mas também para fazer um balanço das atividades do ano que passou e para dar apoio a comunidades que se organizam com vistas a atacar o problema da população mais pobre.
Nesse caso, há uma iniciativa de trabalhadores em solidariedade a outros trabalhadores. E ali também estavam os trabalhadores discutindo sobre quais os instrumentos que poderiam ser ainda mais eficazes para que, no Brasil, contássemos com uma forma mais eficaz de combater a fome e a miséria.
O Ministro Fernando Henrique Cardoso tem todo o direito de se tornar candidato à Presidência, mas há uma responsabilidade, na medida em que S. Exa está no comando da economia, com a mão no leme de um barco navegando em mar bravio. Será que terá toda a confiança de que o seu projeto, o seu Programa, vai continuar da mesma maneira como havia previsto, como estava planejando que ocorresse?
É importante assinalar que o seu próprio Programa não está inteiramente definido. A fase terceira, crucial, a da introdução do Real em substituição à Unidade Real de Valor, ainda está por ser definida. O próprio Ministro, na última semana, presente à Comissão de Assuntos Econômicos, revelou que há assuntos pendentes. Não sabemos ainda em que medida o Real estará - se completa e definitivamente, ou se por um longo tempo - atrelado, ou não, a uma moeda estrangeira, o dólar.
O Ministro tem procurado dizer que vai haver flexibilidade, que o processo de introdução do Real não significará a dolarização da economia. Entretanto, comunicado do Fundo Monetário Internacional ressaltou que as autoridades econômicas estão prevendo, como próximo passo, que o Real estará fixado em relação ao dólar.
Temos aí, obviamente, que fazer algumas perguntas, como, por exemplo: Qual será o lastro do Real? Que definições regerão a emissão do Real? Quais serão as possíveis reservas, serão elas as reservas de divisas externas? Estará o Real lastreado em ativos domésticos? Qual será a forma de lastreamento do Real? Que experiências de outros países estarão sendo levadas em conta pelas autoridade econômico-financeiras?
O Ministro está saindo sem a definição clara desse ponto. Aquele que o suceder terá que tomar essa decisão. Será que o substituto tomará a mesma decisão que o Ministro Fernando Henrique Cardoso se este continuasse à frente do Ministério da Fazenda?
Na última semana, tivemos noticia de desavenças entre o Ministro Fernando Henrique Cardoso e o Presidente Itamar Franco com respeito ao impasse entre o Executivo e o Judiciário. O Ministro Fernando Henrique Cardoso está tentando um entendimento com o Presidente. Essa é uma questão que ainda não foi resolvida. Esse exemplo mostra como a presença do Ministro Fernando Henrique à frente do Ministério poderá ser crucial. Por outro lado, a sua ausência poderá fazer com que programas econômicos, que porventura tenha em mente implementar, sejam descaracterizados pela nova equipe que substituir a do atual Ministro.
O que fará o hoje Ministro e, logo mais, candidato à Presidência da República? Já não mais com as mãos no leme da economia, irá S. Exa dizer o que deve fazer o novo Ministro que o substituir? Terá S. Exa certeza de que o Plano irá seguir o que tinha em mente? Terá S. Exa suficiente confiança no Plano de sua autoria? Não estará, ao deixar o leme da economia, de alguma forma, dizendo que não está sendo capaz de levar adiante essa difícil tarefa? E se S. Exa estiver fora - nas ruas, em campanha, ou aqui, na tribuna do Senado Federal -, estará avaliando sempre como positivo o que estiver fazendo o Ministro da Fazenda ou, em virtude da sua condição de candidato à Presidência, estará criticando os procedimentos de quem o estiver substituindo?
Essa é outra situação, outro cenário, que poderá ocorrer. Se o Plano não estiver dando certo, os candidatos à Presidência da República estarão quase que competindo para ver quem faz a melhor avaliação crítica do procedimento do Ministro da Fazenda, da execução do Programa de Estabilização.
Outro problema que S. Exa deixa sem solução é o da Medida Provisória nº 434. O Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, perante a Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, ressaltou a importância da colaboração do Senado Federal, portanto, do Congresso Nacional, no acompanhamento de todo o acordo da dívida externa, dizendo quão importante foi o fato de o Senado Federal ter votado, nas diversas etapas, os acordos com os credores externos. O Senado examinou os acordos: a maioria aprovou; outros formularam críticas, como eu. Em nome do Partido dos Trabalhadores, ponderei que poderia ter sido diferente o enfoque do entendimento com os credores internacionais. Esse poderia ter sido no sentido de não pressionar tanto a economia brasileira com o serviço da dívida externa, dando-se maior fôlego à nossa economia para que houvesse um período mais longo de crescimento auto-sustentado, com passos efetivos de melhor distribuição da renda. O Ministro considerou importante a colaboração do Congresso. Obviamente, votar uma proposição do Governo é a função do Congresso Nacional e, no caso da dívida externa, do Senado.
O Ministro Fernando Henrique Cardoso, que durante longo tempo no Senado avaliou criticamente a forma de governar por meio de decretos-leis, como era antes, e mediante medidas provisórias, como é agora, deveria ser um dos primeiros a querer que essa medida provisória fosse apreciada, discutida, aprimorada e votada, na forma de um projeto de conversão, pelo Congresso Nacional.
Na semana passada, o Ministro Fernando Henrique fez um apelo ao Congresso Nacional para que não votasse a Medida Provisória nº 434. S. Exa havia recém-recebido a proposta do Deputado Gonzaga Mota, que elaborou o parecer. Numa análise preliminar, indicou que pelo menos alguns dos itens propostos pelo Deputado Gonzaga Mota não eram aceitáveis, porque, em sua avaliação, descaracterizariam o Programa de Estabilização.
É muito provável que o Governo queira reeditar a medida provisória, talvez com substituições, inclusive no que diz respeito a uma forma de dirimir o problema entre o Executivo e o Judiciário. Daí a importância de o Congresso Nacional, em especial a partir da sessão que hoje realizaremos, às 18h, caminhar na direção de apreciar a Medida Provisória nº 434. Cabe às Lideranças do Governo no Congresso Nacional explicitar com clareza o que é possível ser aceito e o que deve ser modificado no parecer do Deputado Gonzaga Mota.
O Sr. Magno Bacelar - Permite-me V. Exa um aparte?
O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, concedo o aparte a V. Exa.
O Sr. Magno Bacelar - Nobre Senador Eduardo Suplicy, temos acompanhado a atuação de V. EXa ao longo dessa crise que o Governo criou, ao confrontar-se com o Supremo Tribunal Federal e também com o Congresso Nacional, exatamente sobre essa medida provisória de que V. Exa fala. Acabo de ser informado que, até agora, no Supremo, o julgamento da liminar impetrada pelo SINDILEGIS está oito a zero a favor do Sindicato, isto é, que o Governo deve depositar os recursos e aguardar o julgamento do mérito. É uma maneira de contornar o problema, mas todos nós sabemos que o que está provado com tudo isso é que havia erro, sim, nessa medida provisória, e que pouco o Congresso poderá ajudar, já que o Governo editará nova medida a partir de amanhã. V. Exa tem razão e quero manifestar-lhe o meu apoio e a minha solidariedade, porque, na realidade, a mudança de Ministro a esta altura, no mínimo, tira toda a credibilidade desse grande Plano, que, no fundo, até agora, se resumiu a aumentar impostos e a diminuir o salário dos trabalhadores. Parabéns a V. EXa.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V. Exa, Senador Magno Bacelar, que nos dá a informação de que está quase concluída a decisão do Supremo Tribunal Federal, definindo que, em verdade, o Governo estava incorrendo em erro.
O Governo tem dito que vai acatar - não teria outra alternativa - a decisão do Supremo Tribunal Federal, mas pretende reeditar a medida provisória, redigindo-a com maior clareza.
Aumentará, então, a responsabilidade do Governo, interagindo com o Congresso Nacional, de permitir que a democracia funcione, porque, se o Governo ltamar Franco continuar a editar medidas provisória sobre essa matéria - já o fez em 27 de fevereiro, quando editou a Medida Provisória nº 434; deverá fazê-lo amanhã, dia 29, para ser publicada dia 30 -, acabaremos ingressando na terceira fase, outra vez, através de medida provisória.
Prevê-se para maio ou junho - mas o adequado, avalio, não deveria ser antes de 1º de junho, se possível dando mais tempo, até julho, para a entrada do Real -, mas, convenhamos, se o Governo não nos der a oportunidade de influenciar, modificar e aperfeiçoar, por intermédio do projeto de lei de conversão, estará retirando do Congresso Nacional aquilo que é a nossa responsabilidade, a nossa função maior: examinar os projetos de lei do Executivo, particularmente sobre questão tão fundamental quanto as relativas à economia, aos objetivos de estabilização.
Eu gostaria de ressaltar que, no Projeto de Conversão do Deputado Gonzaga Mota, há formas de prever a recuperação dos salários dos trabalhadores, que resultaram do diálogo com as centrais sindicais. Se o Governo avaliar que estão inadequadas essas formas, pode perfeitamente propor alguma alternativa.
O Deputado Gonzaga Mota, a partir do diálogo com empresários, com trabalhadores, com economistas, ao ser levantada a questão sobre como dever-se-ia estar atento, não apenas ao Programa de Estabilização, ao objetivo de acabar com a inflação, mas também ao objetivo de erradicar a miséria, avaliou como oportuno colocar, dentro do projeto de conversão, o art. 35, instituindo o Programa de Garantia de Renda Mínima, através de um imposto de renda negativo, por critérios a serem definidos em lei, a partir de 1º de janeiro de 1995.
O Assessor Especial do Ministro da Fazenda para a Política Econômica, Edmar Bacha, e o próprio Ministro concordaram com a inclusão desse programa no projeto de conversão. Sei que, da parte de alguns Parlamentares - se não me engano, da Liderança do PPR -, há pedido de destaque no sentido de que isso não seja incluído, porque não seria o objeto original do Programa de Estabilização. Mas é preciso ponderar que se trata de algo que o Relator considerou importante, a partir do diálogo com trabalhadores, empresários e economistas, para que o Programa Econômico tivesse urna outra preocupação, além de simplesmente estar estabilizando o preços. Portanto, adotou uma medida que, num médio prazo, a partir de 1995, estaria lidando com maior eficácia com o problema da pobreza em nosso País.
Assim, Sr. Presidente, quero aqui, de certa forma, chamar à responsabilidade o Ministro Fernando Henrique Cardoso para a importância da sua crucial decisão. Tem S. Exa e o seu Partido o direito de lançar a sua candidatura à Presidência da República. Em ocorrendo isso, será muito árdua a tarefa do novo Ministro. Se este for, como diz a imprensa, o Ministro Rubens Ricúpero, S. Exa terá que enfrentar situações extremamente difíceis.
Ressalto, como qualidade do Ministro Fernando Henrique Cardoso, a sua capacidade de tão bem interagir com o Congresso Nacional, com o Presidente da República e com os diversos segmentos da sociedade brasileira, inclusive aqueles que são seus adversários ou que estão na oposição a certos aspectos do seu Programa.
Entendo que não será fácil a tarefa, seja do Ministro Ricúpero, seja de Pedro Malan, Edmar Bacha, Pérsio Arida ou de quem quer que o substitua - talvez seja até outro nome. O que esperamos de quem vier a substituí-lo é que, além de estar à altura do Ministro que sai, tenha a vontade de dialogar com o Congresso Nacional e de ter um procedimento o mais democrático possível.
Muito obrigado, Sr. Presidente.