Discurso no Senado Federal

APELO AS AUTORIDADES COMPETENTES NO SENTIDO DE QUE SEJAM LIBERADOS CREDITOS AOS AGRICULTORES DE RONDONIA E IMPLEMENTADOS PROGRAMAS ECONOMICOS CAPAZES DE REDUZIR AS DESIGUALDADES REGIONAIS NO BRASIL.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • APELO AS AUTORIDADES COMPETENTES NO SENTIDO DE QUE SEJAM LIBERADOS CREDITOS AOS AGRICULTORES DE RONDONIA E IMPLEMENTADOS PROGRAMAS ECONOMICOS CAPAZES DE REDUZIR AS DESIGUALDADES REGIONAIS NO BRASIL.
Aparteantes
Aureo Mello.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/04/1994 - Página 1548
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, CAPACIDADE, PRODUÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONCESSÃO, CREDITO AGRICOLA, AGRICULTOR, ESTADO DE RONDONIA (RO), IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, INCENTIVO, AGRICULTURA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS.

    O SR. AMIR LANDO (PMDB-RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a respeito do monumento edificado pelo legislador francês que constitui a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirmava Lamartine que o constituinte não era francês, era universal; que ali se dispunham normas para a humanidade.

    Não há dúvida de que, com relação a essa idéia da grandeza constitucional, do momento da edificação de nações plasmadas nas constituições, podemos dizer que o nosso constituinte de 1988 legislou muito além dos redutos das suas representações, muito além das suas aldeias ou das questões paroquiais; olhou o Brasil imenso, grande como um todo, e dispôs normas de caráter universal para a Nação.

    Todavia, o que há de ruim nesta Constituição? Ouso afirmar que a Constituição de 1988 tem um grau de excelência sem precedentes na história constitucional nacional. Mas o que tem de ruim é exatamente a falta de execução, a ausência de vontade política de dar a força da ação governamental às normas da Constituição.

    O que falta não são normas, não são leis, não é a Constituição; o que falta, sim, é a visão do estadista no Poder Executivo, que coloque as suas ações não apenas para o presente, mas para as gerações futuras. O que é preciso, neste Brasil, para tornar a integração nacional uma realidade efetiva, é a existência de um Poder Executivo que olhe a imensidão brasileira e dê às suas ações a grandeza da dimensão territorial do País. O País, grande, imenso, teve pequenos e, sobretudo, caolhos executivos.

    É nessa perspectiva, Sr. Presidente, que leio o art. 3º, inciso III da Constituição da República:

    Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

..........................................................................................................................................................

    lII - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

    É evidente que nessa disposição existe mais do que um programa de governo: existe um compromisso de vários governos. No que se refere às desigualdades regionais, sobretudo, o Governo, cada vez mais, torna-se prisioneiro dos grandes centros populacionais do Brasil e governa a República a partir desses adensamentos políticos e populacionais. A Amazônia é relegada ao desprezo, ao desprezo secular, ao desprezo da gênese, porque ali ainda se escreve o último capítulo da geografia nacional. A Amazônia, cortada somente pelos cursos d'água, foi objeto de uma ocupação recente

    Lembro-me, Sr. Presidente, que em 1970, quando chegava a Rondônia, não existiam mais que 60 mil almas. Hoje, mais de 2 milhões de brasileiros fazem daquele pedaço do território nacional Brasil definitivamente, porque só a presença viva de brasileiros naqueles confins, naqueles ermos, naqueles páramos distantes, dá a essência da soberania nacional e da nacionalidade. É a presença viva dos brasileiros que constitui a afirmação da nação brasileira e faz Brasil esses pedaços de terras abandonados e vazios.

          No entanto, que tratamento se dá a essa gente pioneira que foi ocupar esses confins? O tratamento, mais um vez, do desprezo, o tratamento dos séculos, que sempre ignoraram a gente da Amazônia. É tratada a Amazônia de forma exótica, como se fosse algo diferente do resto do País. Ali, naqueles confins, além do Paralelo 13, começa a Amazônia, mais de 50% do território nacional.

    Agora, invocando a Constituição, faço um apelo especial ao Governo Federal, para que produza um plano de integração e de desenvolvimento regional, porque só o homem desenvolve, pelo seu esforço muitas vezes assistemático, pelo seu esforço individual.

    O Governo deve ao meu Estado de Rondônia um programa especial de desenvolvimento, tratando, sobretudo, das questões do subsolo. Temos ali a maior mina de cassiterita - o que representa Bom Futuro -, sem tratamento jurídico e administrativo; entrega-se o garimpeiro que a descobriu à sanha incontrolável das companhias de mineração, que querem devorar sempre o direito alheio, sobretudo o dos garimpeiros, que lançaram ali o seu trabalho, descobrindo esse mineral com o esforço pessoal, sem apoio do Governo e das multinacionais, exclusivamente pelo seu desejo de produzir bem-estar para as suas famílias.

    Hoje, mais do que nunca abandonado, nosso seringueiro é tratado como um pária; o garimpeiro, sempre condenado como um fora-da-lei, pode, a qualquer momento, ser chamado à punição.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, se trago uma questão regional para discussão neste fórum da República é porque o Brasil se forma exatamente de regiões, de particularidades que reclamam um tratamento da União; mas não se encontra sequer um vínculo de solidariedade, como estipula o inciso I do art. 3º da Constituição da República.

    Esse artigo estabelece os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que jazem no papel à espera de um governante que lhes dê vida e consistência, para dar ao País ao menos a dignidade de uma Nação justa e solidária.

    Efetivamente, temos de tentar aos poucos aparar as desigualdades regionais, mas isso ainda constitui um discurso sem efeito prático, porque o Poder Executivo olha mais para si, para as suas questões pessoais, do que propriamente para os interesses maiores da Nação.

    Isto posto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, faço um apelo também para a União, através do Banco do Brasil, contrariando definitivamente uma disposição da ainda Ministra Zélia, que proibia o financiamento para o setor agrícola acima do Paralelo 13, discriminando mais uma vez exatamente a Amazônia, dando um tratamento que contraria um princípio fundamental: o da igualdade, que diz a lei deve tratar a todos da mesma maneira; o princípio da isonomia, que está estipulado na essência, não da Constituição apenas, senão que no regime democrático republicano.

    Mas o colono de Rondônia não tem acesso ao crédito agrícola, ao financiamento da produção. No momento da colheita, sobretudo, não tem ele acesso ao crédito através da EGF ou da AGF. Está mais uma vez discriminado e aí tem que entregar o produto ao primeiro atravessador que passa, pagando 1/3, talvez no máximo 50% do preço mínimo, quando não 1/4 apenas do que está garantido pelo Governo Federal.

    Kautsky afirmava em A Questão Agrária que a desgraça do agricultor não estava exatamente relacionada com as dificuldades das intempéries, mas sobremodo com as dificuldades da comercialização. Era no momento da colheita farta que ameaçava a bancarrota ao agricultor. Se afirmou isso ainda no princípio do século, poderemos dizer que o mesmo ainda ocorre em Rondônia, porque lá o colono que produz está condenado à miséria no meio da fartura da produção, exatamente porque não há comercialização da safra agrícola.

    Fiz esse apelo por diversas vezes ao Presidente do Banco do Brasil, aos vários Ministros da Agricultura, mas tudo que se refere à Amazônia merece o silêncio desprezível do Governo Federal. Recentemente, estive com o Sr. Alcir Calliari, Presidente do Banco do Brasil, fazendo um apelo dramático para milhares de agricultores que estão em época de colheita, com a tulha cheia, mas o valor da produção está reduzido substancialmente, em termos do mínimo que o Governo deveria garantir, porque não existem mecanismos de aquisição nem de financiamento da produção.

    Por isso, evocando um direito fundamental da isonomia, sobretudo os princípios de solidariedade previstos no art. 3º da Constituição e à idéia de reduzir as desigualdades regionais, faço, desta Tribuna, um apelo dramático ao Presidente do Banco do Brasil para que ao menos estenda os benefícios daquela instituição financeira aos agricultores de Rondônia. Não é possível continuar com essa discriminação. Mais do que ao abandono, o povo trabalhador de Rondônia, que produz a riqueza nacional, é hoje condenado sem ter praticado nenhum crime.

    O Sr. Aureo Mello - Permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. AMIR LANDO - Com prazer ouço V. Exª.

    O Sr. Aureo Mello - Nobre Senador, é duplamente comovido que ouço as palavras de V. Exª. Em primeiro lugar, pelo fato de V. Exª estar defendendo uma área da Amazônia que, casualmente, é a terra onde nasci.

    O SR. AMIR LANDO - Com muita honra para os rondonienses.

    O Sr. Aureo Mello - Muito obrigado. V. Exª é muito gentil. Em segundo lugar, comove-me ver como V. Exª um catarinense gaúcho, integrou-se e integra-se àquela região e despeja amor do mais puro, do mais lídimo, cristalino e entusiástico em relação ao progresso da terra e aos interesses do povo daquela área. O discurso de V. Exª é muito brilhante! Bom seria que as autoridades incumbidas da distribuição das grandes dotações de orçamento que são colocadas por nós no documento magno, financeiro, deste País, atentassem para isso e se comovessem com palavras como essas que V. Exª está proferindo. Rondônia - saí de lá garoto ainda, deportado junto com meu pai, porque era ele um revolucionário de 32 e não foi mais suportado naquelas regiões, pois seus inimigos da ditadura assim não queriam - não é mais hoje o que era naquele tempo. Rondônia é hoje um Estado forte, poderoso, com cerca de 2 milhões de habitantes, segundo estou informado. Dois milhões de trabalhadores que não são apenas os nativos de lá, mas pessoas que vieram de todos os grupamentos sociais brasileiros e ali estão construindo, no contraforte da fronteira do Brasil com a Bolívia principalmente, um verdadeiro baluarte que deveria ser principalmente financeiro, para que pudesse proporcionar aos habitantes dali as condições satisfatórias que são a eles imprescindíveis e, ao mesmo tempo, viesse a se constituir na atração que foi e continua sendo, desde o instante em que eles se evadiram de suas terras para se solidarizarem com Rondânia. Receba V. Exª a minha emoção, a minha comoção, a minha sensibilidade, porque estou vendo um homem de pele branca, de cabelos louros, com pinta de galã de cinema, como V. Exª demonstrou naquela entrevista que fizemos em São Paulo... (Risos.) E V. Exª está aí igual a um caboclo remador da grande selva, igual a um lutador contra sucuris, igual a um combatente contra os sáurios e os animais terríveis da nossa região, com o maior entusiasmo, defendendo, postulando, apelando! V. Exª duplamente me comove... Comove-me até as lágrimas! V. Exª me comove e me faz sentir muito grato! Muito agradecido a V. Exª e a todos os patrícios, brasileiros e conterrâneos seus que foram até a Amazônia para ajudar a levantar aquele chão brasileiro integrando esta Pátria, que não pode, de maneira nenhuma, ser retaliada, porque é una e indivisível, mesmo sendo uma Federação. Meus sinceros parabéns, Senador Amir Lando.

    O SR AMIR LANDO - Nobre Senador Aureo Mello, consegui comover V. Exª que é um poeta; todavia, eu gostaria de ter a inspiração que sempre teve no trato das nossas questões amazônicas, no trato, sobretudo estético, das pessoas, das coisas e dos fatos daquela imensa região.

    V. Exª de quem tive oportunidade de ler vários poemas, mesmo antes de conhecer a Amazônia, iniciou-me no amor profundo àquela terra, que constitui ainda, como eu disse, um capítulo do Gênesis. Ali ainda vemos o florar das coisas novas, onde o homem ainda não botou as mãos ou os pés. Ali começa o capítulo do nascer da Terra e do fim do mundo.

    É por isso que, quando me encontro na imensidão da Amazônia e vejo o desprezo do Brasil por aquela região, como se fôssemos nós de segunda, terceira ou de última categoria, eu me rebelo, como se rebelam as águas nas cheias que levam tudo em frente, e um dia ainda faremos o Amazonas desembocar em Brasília para mostrar que a Amazônia é brasileira.

    Essa mesma força que traz a mim a energia dos jovens dias, eu a reencontrei na Amazônia, na memória dos meus ancestrais e pude, mais do que nunca, entender o começo das coisas, a pureza de um sistema de vivência harmônica com a natureza, que eram os seringais, onde o seringueiro era a sua própria comunidade: os seus parceiros, as coisas e os objetos de trabalho, os animais e as árvores. Era com eles que ele traçava o diário de cada dia na espinha dorsal das seringueiras. No risco cotidiano, ele ia escrevendo a própria história da Amazônia. Era o seringueiro que conversava com esses objetos de trabalho e, no silêncio abandonado da floresta, ia escrevendo uma história perdida, como se fossem estrelas de uma constelação distante.

    São essas verdades que a Amazônia me ensinou, verdades limpas como o látex, que se inscrevem nas estradas tortuosas de seringa verdades que o Brasil não conhece. Depois, veio o migrante, o homem que afirmou mais do que nunca a presença nacional naquelas regiões, que hoje é tratado com o mais absoluto desrespeito.

    Choro, sim, como choram as cordilheiras ao sol ardente, de onde vertem os rios que irrigam nossa terra. É da cordilheira que nasce o Mamoré, o Madre de Dios, o Beni, e também o Amazonas. Esses rios guardam a pureza das neves brancas.

    E é por isso que quando falo da Amazônia reencontro esse vigor dos jovens dias que só a juventude pode devolver-nos, porque a natureza é o princípio e o fim de tudo.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/04/1994 - Página 1548