Discurso no Senado Federal

AUDIENCIA MANTIDA POR S.EXA. COM O MINISTRO DA FAZENDA, SR. RUBENS RICUPERO, QUANDO SE TRATOU, DENTRE OUTROS TEMAS, DOS BENEFICIOS DA ADOÇÃO DO PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA. RELATORIO DA EXPERIENCIA VIVENCIADA PELA CARAVANA DA CIDADANIA E AS PROPOSTAS DELA DECORRENTES. RESPOSTA DO SR. PEDRO MALAN, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL, AS INDAGAÇÕES DE S.EXA. SOBRE O ACORDO DE RENEGOCIAÇÃO DA DIVIDA EXTERNA BRASILEIRA COM OS CREDORES INTERNACIONAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA PARTIDARIA. DIVIDA EXTERNA.:
  • AUDIENCIA MANTIDA POR S.EXA. COM O MINISTRO DA FAZENDA, SR. RUBENS RICUPERO, QUANDO SE TRATOU, DENTRE OUTROS TEMAS, DOS BENEFICIOS DA ADOÇÃO DO PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA. RELATORIO DA EXPERIENCIA VIVENCIADA PELA CARAVANA DA CIDADANIA E AS PROPOSTAS DELA DECORRENTES. RESPOSTA DO SR. PEDRO MALAN, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL, AS INDAGAÇÕES DE S.EXA. SOBRE O ACORDO DE RENEGOCIAÇÃO DA DIVIDA EXTERNA BRASILEIRA COM OS CREDORES INTERNACIONAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/04/1994 - Página 1552
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA PARTIDARIA. DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, APOIO, RUBENS RICUPERO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), PROGRAMA, GARANTIA, RENDA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • RELATORIO, VIAGEM, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), REALIZAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, ESTADO DO PIAUI (PI), ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DA PARAIBA (PB), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), CONHECIMENTO, SITUAÇÃO, REGIÃO, DIVULGAÇÃO, PROPOSIÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REGIÃO NORDESTE.
  • INFORMAÇÃO, RECEBIMENTO, RESPOSTA, PEDRO MALAN, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), INTERPELAÇÃO, ORADOR, ESCLARECIMENTOS, ACORDO, DIVIDA EXTERNA, BANCO COMERCIAL.

      O SR. EDUARDO SUPLICY (PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, há poucos instantes, em audiência junto ao Ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, que assumirá amanhã, substituindo o Senador Fernando Henrique Cardoso à testa do Ministério da Fazenda, externei a S. Exª, primeiramente, o desejo de que seja bem-sucedido na resolução dos problemas da economia brasileira e algumas preocupações no que se refere ao programa de estabilização da economia no sentido de que não esteja simplesmente como único objetivo do Governo; que haja, igualmente, a preocupação com a erradicação da miséria; a preocupação sobre o real, quando instituído, no sentido de que esteja respaldado em regras de emissão que levem em conta a necessidade de o Brasil ter uma moeda sinônimo de sua soberania; a preocupação com respeito aos acordos com os credores internacionais, que não sejam asfixiantes com respeito à nossa necessidade de retomada de crescimento com melhoria da distribuição da renda.

      Como o Ministro Rubens Ricupero demonstrou, ainda em diálogo, na última sexta-feira, a aceitação da idéia do Programa de Garantia de Renda Mínima, fiz uma longa exposição a S. Exª demonstrando como programas alternativos, hoje vigentes, e que constam do Orçamento da União, poderiam ser substituídos por uma forma direta de direito à cidadania - com o Imposto de Renda Negativo que justamente consta do Programa de Garantia de Renda Mínima.

      Sugeri ao Ministro Rubens Ricupero que o Programa de Garantia de Renda Mínima seja iniciado experimentalmente no segundo semestre de 1994, portanto, ainda no Governo Itamar Franco, num dos Estados ou numa das regiões mais pobres do País. O Programa de Garantia de Renda Mínima prevê a sua instituição com o mínimo de tempo para o seu planejamento. Se aprovado na forma já definida no âmbito do Senado Federal, ele será iniciado em janeiro de 1995, devendo o Orçamento de 1995, elaborado em 1994, realizar o remanejamento de despesas e colocar as dotações necessárias para a sua execução.

      Mas seria possível, ainda mais diante do fato de que o Governo Itamar Franco está encaminhando um novo Orçamento para 1994, prever a possibilidade de iniciarmos gradualmente este projeto e de forma experimental num dos Estados mais pobres do Brasil, como o Piauí, o Maranhão ou a Bahia, onde o número de indigentes é o maior dentre todos os Estados. Se fôssemos seguir o critério de maior pobreza relativa ou de renda per capita mais baixa, Piauí e Maranhão seriam os Estados indicados para iniciar a experiência. Depois se examinaria todos os efeitos possíveis, como seria, do ponto de vista dos trabalhadores, das empresas, um impacto econômico de grande relevância para a economia.

      O Ministro Rubens Ricupero mostrou simpatia pela proposição e reafirmou os termos da entrevista que deu na última sexta-feira a Antônio Carlos Ferreira, no TJ Brasil, quando, perguntado sobre se tinha preocupação com o ataque à miséria, mencionou que estava estudando diversas proposições, dentre as quais o Programa de Garantia de Renda Mínima, que institui um imposto de renda negativo.

      Toda pessoa cuja renda não atingisse um certo patamar teria direito a um complemento. Esta forma substituiria outros programas assistenciais menos eficazes de ataque à pobreza. Em termos de valor, hoje, o patamar poderia ser em torno de 250 Unidades Fiscais de Referência, ou seja, cerca de 130 mil cruzeiros reais. Aquele cidadão de 25 anos ou mais, cuja renda não atingisse esse patamar, teria direito a um complemento de renda da ordem de 30% sobre a diferença entre os 130 mil cruzeiros reais e a sua renda, podendo a alíquota ser aumentada para até 50%. Suponhamos alguém ganhando, hoje, 60 mil cruzeiros reais, pouco mais do que o salário mínimo. Essa pessoa estaria recebendo 70 mil cruzeiros reais menos que o patamar. Sendo a alíquota de 30%, ela teria direito a 21 mil cruzeiros reais a mais; sendo de 50%, teria direito a 35 mil cruzeiros reais a mais. Sua renda passaria, respectivamente, para 81 mil ou 95 mil cruzeiros reais.

      O Ministro Rubens Ricupero, que estava acompanhado de Winston Fritsch, Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, e de Sérgio Amaral, seu Secretário Executivo no Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia, disse que estudará, nos próximos dias, em detalhes, a proposta do Programa de Garantia de Renda Mínima.

      Quero dizer que coloquei minha equipe à disposição de todos os segmentos do Governo.

      Devo também dizer que tenho dialogado com o Presidente do BNDES, Pérsio Arida, a respeito da proposição. Tendo S. Sª me procurado na semana passada, marquei novo encontro para amanhã. O Presidente do BNDES tem refletido sobre esta proposição e está verificando a possibilidade da sua implementação, inclusive do ponto de vista operacional.

      Tenho também dialogado com o Secretário da Receita Federal, Osiris Lopes, que tem se disposto a estudar a matéria, pois a vê de forma positiva.

      Seria importante que a matéria fosse discutida por representantes da Secretaria do Planejamento, do IPEA, do Ministério da Fazenda, do Ministério da Previdência Social e do Ministério do Trabalho, para vermos como implementar esta proposta, que constitui, na minha opinião, uma forma eficaz de ataque aos problemas sociais do Brasil, problemas estes que têm sido objeto da atenção maior do Partido dos Trabalhadores e do candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

      No último dia 31, Lula concluiu a V Caravana da Cidadania, que começou no dia 19 de março de 1994, desta vez percorrendo os Estados do Piauí, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

      Eis o relatório preliminar de Lula e sua equipe, Ricardo Corte, dentre outros, sobre o que foi a experiência da V Caravana da Cidadania que teve a participação da ex-Prefeita Luiza Erundina de Sousa.

      De um ano para outro, a paisagem mudou. Em lugar da seca que castigava o chão e a vida quando atravessamos outros quatro Estados nordestinos há exatamente um ano (Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), na rota da I Caravana da Cidadania, desta vez pegamos um tempo de inverno bom. São José foi generoso.

      Começamos a viagem bem no dia do padroeiro da bonança, em Teresina, e a chuva nos acompanhou por sertões que há três anos clamavam por água. Por onde passamos, vimos o verde renascer na natureza e a esperança nos olhos das pessoas, mas a chuva não caiu para todos, como de costume.

      O abandono dos milhões de excluídos continuou do mesmo tamanho, diante de um Estado ausente, omisso. O único lugar onde se podia notar algum sinal da presença do Estado era nas Frentes de Emergência criadas no tempo da seca e sobreviventes no inverno por absoluta carência de políticas governamentais.

      Os flagelados continuam ganhando 8.200 cruzeiros reais por quinzena e, na maioria das cidades visitadas, os pagamentos encontravam-se atrasados há mais de dois meses. As cestas básicas, quando chegam a seu destino, trazem feijão duro, milho estragado e arroz com casca, que desmancha ao ser pilado.

      Nas bodegas do Rio Grande do Norte, junto a campos verdejantes e virgens de plantio, só se encontra feijão do Rio Grande do Sul. Em Soledade, na Paraíba, como em dezenas de outras cidades pequenos lavradores queixavam-se da falta de financiamento para a compra de sementes. Enquanto isso, na mesma semana, a SUDENE mudava seu critério de prioridades para aprovar dois projetos do FINOR nas áreas de cimento e reflorestamento, beneficiando dois dos maiores grupos privados nacionais, Votorantim e Odebrecht.

      Chuva não falta mais, dinheiro nunca faltou para os grandes. O que falta é vontade política, é governo voltado para os interesses da maioria da população, ou seja, inverter as prioridades e fazer a hora da grande mudança. Revolta-nos encontrar situações como a de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, que continua sem água, precariamente abastecida por carros-pipa, pois a barragem rompida em 1991 até hoje não foi reconstruída.

      Indigna-nos ainda mais encontrar professoras ganhando menos de um quarto do salário mínimo. Ao mesmo tempo, vimos

um Nordeste com um potencial fantástico para o desenvolvimento auto-sustentado, ainda convivendo com pragas de gafanhotos que dizimam as lavouras de feijão por falta de recursos para a compra de defensivos.

      No Ceará, foi triste ver o destino dado ao mais moderno parque têxtil do País, desenvolvido com recursos do FINOR, que deveria absorver uma das maiores riquezas da região - o algodão - e hoje é obrigado a importar 700 milhões de dólares de matéria-prima das antigas repúblicas soviéticas. Com o Centro Nacional de Pesquisas do Algodão totalmente abandonado, a praga do bicudo acabou com as lavouras de algodão e centenas de milhares de empregos, deixando ociosos sofisticados equipamentos e exportando miseráveis para o Sul.

      Para entender o contraste entre os excluídos, que pedem esmolas na beira das estradas ou nas cidades antes de pegar um pau-de-arara, e os carros importados diante das mansões de Fortaleza, basta citar estes números do total de recursos liberados pelo Fundo Constitucional do Nordeste, altamente subsidiados: 52% foram para as mãos dos grandes grupos econômicos, enquanto 95% de pequenos produtores rurais ficaram com 32%.

      De outro lado, vemos o sucesso dos programas de irrigação, quando bem administrados, que resultaram numa agricultura moderna e altamente lucrativa, tanto na produção de alimentos básicos como na de frutas tropicais para exportação. Este é o caminho: a parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada, sem privilégios nem "maracutaias", como fonte de geração de empregos e de rendas.

      Dois exemplos merecem destaque: os projetos de Jaguaribe-Apodi, no Ceará, e o perímetro de São Gonçalo, na Paraíba. Mas o que mais emocionou os integrantes da V Caravana da Cidadania foi ver o que aconteceu na pequena Icapuí, no litoral cearense. Antiga aldeia de pescadores, elevada à condição de município há apenas 10 anos, administrada pelo PT desde sua criação, Icapuí pode se orgulhar de não ter hoje uma única criança fora da escola, condição que lhe valeu recentemente um prêmio internacional concedido pelo UNICEF.

      Deu para sentir o que isso significa ao participar da grande festa que nos prepararam, um espetáculo de música e teatro apresentado e produzido por artistas da terra, onde já não se vê crianças nas ruas pedindo esmolas, mas uma gente de cabeça erguida, que contrasta com seus vizinhos.

      O empobrecimento generalizado, promovido pelas eternas oligarquias que mantêm o povo na miséria e ignorância para perpetuarem seu poder, pode, facilmente, ser notado nas feiras. Com exceção de uns poucos produtos extrativos e pequenos animais, o que se vende ali vem de São Paulo ou de outros centros produtores.

      Sem uma política agrícola de amparo ao pequeno e médio produtor, cresce o êxodo rural, abandonam-se as lavouras, incham-se as cidades com a multiplicação de favelas e indigentes. As chuvas de março nos mostraram que a seca não pode mais ser culpada por tudo. Chove no sertão, mas só dinheiro do Estado para os grandes, os eternos sócios do poder, donos de chão e de gente.

      O carinho e o entusiasmo do povo, apesar de tudo, que nos acompanhou em todas as regiões percorridas, a acolhida de bispos, padres e pastores de todas as igrejas, tudo isso fez aumentar a nossa certeza de que o Nordeste é viável, tem jeito sim e de que estamos chegando bem perto de dar uma virada histórica.

      Nos incontáveis debates que tivemos com representantes de todos os segmentos da sociedade - lavradores, irrigantes, religiosos, empresários, estudantes, aposentados e desempregados, professores e profissionais liberais -, pudemos sentir essa vontade de virar uma página e começar a escrever outra.

      Nesse sentido, a V Caravana da Cidadania cumpriu plenamente o seu objetivo de promover uma cruzada suprapartidária e pluralista, um verdadeiro arrastão democrático, o que ficou evidente na adesão espontânea de dezenas de prefeitos dos mais diferentes partidos.

      As praças, os salões, o ginásio de esportes e o cinema sempre carregados de gente, emoção e esperança nos indicaram que estamos no caminho certo: buscar as soluções junto ao povo, promovendo a descentralização do Governo e valorizando o poder local, criando um Estado social que dialoga com a sociedade civil, capaz de aliar as iniciativas populares com as ações do Poder Público, diferentemente do que é feito hoje.

      Não podemos mais conviver com os índices sociais alarmantes que encontramos nessa travessia nordestina: 36% de analfabetos; 23% das crianças de 7 a 14 anos fora da escola; 37% dos trabalhadores ganhando menos que um mínimo; 53% dos empregados sem carteira assinada; 2,6 milhões de lavradores sem terra, em uma região que apresenta uma das maiores taxas de concentração fundiária e de renda do mundo.

      Os 114 documentos entregues à Caravana da Cidadania por líderes da sociedade civil, nas 37 cidades visitadas, serão agora encaminhados aos companheiros que sistematizam as propostas para o Programa de Governo do PT a ser apresentado ao País no próximo dia 1º de maio.

      Trabalho e salário, terra e teto, comida e educação, saúde e cultura - as prioridades que nos forem indicadas ao longo dessa caravana não são diferentes da que encontramos no restante do País e serão incorporadas ao Programa de Governo, assim como a emergente indústria do turismo, que exerce um papel cada vez mais importante na economia nordestina. A chuva e o sol haverão de ser para todos e não mais apenas para os velhos e novos coronéis que privatizaram o Estado e jogaram na indigência 32 milhões de brasileiros.

      Diante disso, propomos para a região do Nordeste:

      1. O Governo Federal lançar mão de todos os recursos de que dispõe para, junto com os governos estaduais e municipais, resolver definitivamente o problema da água e reduzir o nível do desemprego, o êxodo rural e a crescente favelização das cidades;

      2. Criar pólos integrados de desenvolvimento, de modo a articular, no próprio município, a produção agrícola com agroindústria e a indústria de transformação, sobretudo visando a recuperação do setor têxtil;

      3. Resgatar o caráter público dos bens e dos recursos do Governo, aos quais devem ter acesso prioritário os pequenos e médios produtores, de modo a incrementar as atividades de produção e comércio;

      4. Incrementar as atividades turísticas centradas na proteção do meio ambiente, na valorização da cultura regional e na promoção humana e social da população local.

      Luiz Inácio Lula da Silva

      Presidente do PT e Coordenador da Caravana da Cidadania.

      Natal, 31 de março de 1994.

      Portanto, temos aqui, neste relatório, a situação de Estados como Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí, do qual V. Exª, Presidente Chagas Rodrigues, é originário, e justamente aquele que tem uma das menores, senão a menor, renda per capita em nosso País.

      As ações para responder ao flagelo da seca, que, felizmente, parece estar terminando, não foram suficientes. Mesmo os flagelados das frentes de trabalho estavam recebendo, neste mês de março, 8.200 cruzeiros reais por quinzena; as cestas básicas chegando com problemas; muitos são aqueles que recebem uma remuneração abaixo do salário mínimo.

      Ressalto estes dados: 37% dos trabalhadores ganhando menos de um salário mínimo; 23% das crianças de 7 a 14 anos fora da escola; 36% de analfabetos; 53% dos empregados sem carteira assinada; 2,6 milhões de lavradores sem terra numa região que apresenta uma das maiores taxas de concentração fundiária e de renda do mundo.

      Eu acrescentaria aqui, entre essas proposições, que poderia o Governo Itamar Franco, num passo de efetiva coragem, iniciar experimentalmente o Programa de Garantia de Renda Mínima no segundo semestre deste ano, exatamente em Estados como o Piauí, o Ceará, o Maranhão, a Paraíba, o Rio Grande do Norte, enfim, começando pelas regiões mais pobres do País.

      Sr. Presidente, eu gostaria de registrar, por se tratar de informação muito importante, um documento que me foi enviado pelo Presidente do Banco Central, Pedro Malan, em resposta às indagações que fiz na última reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, quando o Ministro Fernando Henrique Cardoso e o Dr. Pedro Malan vieram falar aos Senadores dos entendimentos com o Fundo Monetário Internacional e, em especial, do fato de estar o Governo adquirindo títulos do governo norte-americano.

      Naquela ocasião, formulei duas perguntas: À luz das modificações havidas na forma do Governo utilizar reservas para adquirir esses títulos, como é que ficaria o cálculo do desconto implícito sobre a dívida sujeita a desconto? E como é que, à luz das estimativas da capacidade de pagamento do setor público, ficariam os compromissos do Governo brasileiro perante os credores internacionais? Em que medida estaríamos obedecendo a Resolução nº 82/90, do Senado Federal, que diz não poder o Brasil estar pagando mais do que a capacidade de pagamento do setor público, definida como o superávit primário, a diferença entre receitas e despesas e mais o seigneuriage simplesmente necessário para financiar o crescimento não inflacionário da economia.

      Eis a resposta que me foi enviada, no dia 28 de março de 1994,pelo Presidente Pedro Malan.

      NOTA DEPEC: Acordo da Dívida com os Bancos Comerciais.

      Desconto Implícito e Capacidade de Pagamentos.

      Posição em 25.03.94.

      Em função das estimativas mais recentes da distribuição dos bancos entre os 5 instrumentos do Acordo da Dívida, o desconto implícito se situa em torno de 27% (Quadro 1) para o total da dívida de médio e longo prazos a credores externos, anteriores a 1988. O nível de desconto se deve ao fato de que se observa concentração nos bônus de Desconto (35%) e Par (33,5%), os quais produzem, respectivamente, desconto de 35% sobre o principal da dívida e redução equivalente de juros ao longo de 30 anos.

      Para a distribuição acima, a estimativa de pagamento de juros da dívida externa do setor público totaliza 0,75% e 0,99% do PIB para os anos de 1994 e 1995, respectivamente (Quadro 2). Esses valores são compatíveis com a capacidade de pagamento projetado do setor público decorrente do superávit primário de 4,5% e 2,76% do PIB para 1994 e 1995, respectivamente, necessários para o pagamento dos juros da dívida externa e interna do período de responsabilidade do setor público.

      E consta o Quadro 1, com o cálculo do desconto implícito sobre a dívida sujeita a desconto, resultando no desconto total estimado de 26,67% e com as diversas suposições. Peço que seja inserido este Quadro como parte do pronunciamento, bem como o Quadro 2, que mostra as estimativas da capacidade de pagamento do Setor Público, com as projeções para 1994 e 1995 em porcentagens do PIB.

      Para as fontes, temos, para 1994, 4,5% do PIB, e 1,94% do PIB, em 95; superávit primário, 4,5% do PIB em 94, 2,76% do PIB em 95; financiamento externo, 0,0% em 94 e -0,27% em 95; financiamento interno, 0,0% em 94 e -0,55% do PIB em 95.

      Usos: 5,83% do PIB em 94, e 2,94% do PIB em 1995; acumulação de reservas, 1,33% do PIB, em 1994; juros da dívida externa, 0,75% do PIB; juros da dívida interna, 3,75% do PIB.

      Usos: em 1995, 2,94%; acumulação de reservas, 0,17% do PIB; juros da dívida externa, 0,99%; juros da dívida interna, 1,78%.

      Emissão de moeda: será necessário 1,33%, em 1994; e 1% do PIB, em 1995. É ainda muito significativo estarmos emitindo 1 % do PIB em termos de moeda. Teremos que pensar bem em que medida 1,33% de emissão de moeda, em 1994, e 1% de emissão de moeda, em 1995, são considerados valores consistentes com o financiamento não inflacionário do crescimento da economia brasileira.

      Essa proporção de emissão de moeda em valores ainda bastante significativos resulta, sem dúvida, da necessidade de se estar pagando um serviço da dívida, tanto externa, quanto interna, muito acentuado.

      Observemos que, em termos de juros da dívida externa, vamos pagar, em 1994, 0,75% do PIB, e 0,99%, em 1995; de juros da dívida interna, 3,75% do PIB, em 1994, e 1,78%, em 1995.

      Para os credores da dívida interna e externa asseguram-se tais valores; para aqueles que estão em situação tão precária no Nordeste brasileiro e em outras regiões, onde há mais de trinta milhões de indigentes no Brasil, ainda estamos longe de assegurar, com a mesma tranqüilidade, a mesma prioridade.

      Por essa razão, Sr. Presidente, externei ao Ministro Ricupero a preocupação de que não se pode simplesmente ter a preocupação do equilíbrio com as contas fiscais, garantindo-se tanto para o serviço da dívida interna e externa, sem se dar prioridade devida àqueles que hoje são indigentes e que estão com um padrão, com um nível de rendimento abaixo do que se poderia prever como necessário para as suas necessidades mínimas e básicas.

      Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/04/1994 - Página 1552