Discurso no Senado Federal

ANALISE COMPARATIVA DO POSICIONAMENTO DO PSDB DE PARTICIPAÇÃO NO GOVERNO COLLOR E NO MOMENTO ATUAL, DE SUCESSÃO PRESIDENCIAL. A QUESTÃO DA COLIGAÇÃO DO PSDB E PFL E A PRESERVAÇÃO DA DOUTRINA DE CADA UM DESTES PARTIDOS.

Autor
Dirceu Carneiro (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SC)
Nome completo: Dirceu José Carneiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • ANALISE COMPARATIVA DO POSICIONAMENTO DO PSDB DE PARTICIPAÇÃO NO GOVERNO COLLOR E NO MOMENTO ATUAL, DE SUCESSÃO PRESIDENCIAL. A QUESTÃO DA COLIGAÇÃO DO PSDB E PFL E A PRESERVAÇÃO DA DOUTRINA DE CADA UM DESTES PARTIDOS.
Aparteantes
Cid Sabóia de Carvalho, Eduardo Suplicy, Odacir Soares.
Publicação
Publicação no DCN2 de 08/04/1994 - Página 1657
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ANTERIORIDADE, EPOCA, GOVERNO, FERNANDO COLLOR DE MELLO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RELAÇÃO, COMITE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTICIPAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, COMPARAÇÃO, PROPOSTA, ATUALIDADE, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), DISPUTA, ELEIÇÕES, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CONCLUSÃO, CRITICA, POSSIBILIDADE, UNIÃO, MOTIVO, DIVERSIDADE, IDEOLOGIA.

    O SR. DIRCEU CARNEIRO (PSDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho à tribuna do Senado Federal para tratar de uma questão que seria mais interna do meu Partido, o PSDB, mas que, de algum modo, atinge o País como um todo.

    Todos temos o conceito firmado de que a democracia precisa de partidos definidos, fortes, consistentes, para permitirem a governabilidade e exercerem este papel, que não considero o papel mais relevante, mais aprofundado dentro dos pactos sociais, mas que, sem dúvida nenhuma, tem relevância nesta faixa da representação.

    Considero que a sociedade tem um conjunto de pactos muito mais fortes do que a representação política. Eles são materializados nos sistemas produtivos, nas relações sociais e em um conjunto de atividades que estão na base da sociedade. Estes são pactos muito fortes. Também temos aqueles níveis da representação que estão articulados através das correntes de pensamentos: os partidos políticos e as organizações que trabalham e fazem esse papel.

    O Brasil não tem tradição de partidos políticos longevos. O Brasil tem histórias interrompidas de construção político-partidária, ao contrário até dos nossos vizinhos da América-Latina, para citar os mais próximos.

    Entretanto, recentemente, depois de superarmos o regime autoritário e de restabelecermos o Estado de Direito, algumas propostas, nesse sentido, surgiram, e me parece que provocaram grande expectativa na sociedade de que estávamos encontrando alguns caminhos interessantes e importantes nesse sentido. Cito dois aspectos que considero como os melhores desse período, evidentemente sem desfazer dos demais, apenas dentro do universo das minhas convicções.

    Essas duas propostas que surgiram após o regime autoritário, em termos de partido político, que considero uma tentativa bastante séria e com grande esforço no sentido de estabelecer uma diretriz confiável, limpa, ética, materializaram-se no PT e no PSDB, segundo a minha convicção.

    O PT tem uma linha, tem buscado uma coerência na sua trajetória, embora enfrentando grandes dificuldades, como um conjunto de facções que acabaram se definindo no seu seio, aspectos que acabaram de algum modo trazendo empecilhos para que essa proposta político-partidária ficasse bem clara perante a sociedade e, portanto, tendo coerência interna para que pudesse alcançar os níveis de respeitabilidade e acatamento por parte da própria sociedade.

    A outra proposta que quero analisar hoje é a do PSDB, corrente política que adotei. Essa foi uma tentativa, um propósito de alcançar a construção de um partido que exatamente suprisse aquele desgaste acumulado das agremiações tradicionais, particularmente aquelas compostas de várias frentes e que, por si só, são dificílimas de avançar numa linha de coerência.

    A socialdemocracia, que está sendo buscada através da organização do PSDB, é uma proposta, na nossa compreensão, bastante adequada ao perfil do Brasil, País de profundas injustiças sociais, de grandes desníveis regionais, de uma diversidade cultural bastante importante, na qual poder-se-ia encontrar as alternativas e as soluções que a sociedade brasileira reclama, do ponto de vista da representação política.

    E foi dentro desse caminho que buscamos construir um partido político que não só fosse coerente consigo mesmo, com a sua doutrina, mas que também fosse absolutamente fiel à sociedade e à sua representação, ao segmento que pretende representar que, como pluralista, é bastante variado.

    Evidentemente que um partido que deu os primeiros passos nesse sentido já despertou a cobiça de muitos, inclusive oportunistas, que encontraram no PSDB portas estreitas para passar. Outros lograram passar, mesmo pelas portas estreitas; mas sempre, dentro da agremiação política, há tendências que se materializam de um modo ou de outro, e o debate, o diálogo, a discussão acabam trazendo a diretriz média das posições políticas, ideológicas, e o Partido segue a sua trajetória com essa dinâmica.

    Nós, do PSDB, já enfrentamos alguns desafios bastante preocupantes, dentre os quais quero destacar uma tentativa de aliança com o Governo Collor, por insistentes convites de S. Exª a membros ilustres do PSDB, que resultou num debate interno sobre se devíamos ou não aceitar os convites e estabelecer uma cooperação política com aquele Governo.

    Neste plenário, fui um dos que debateram o assunto. Lembro que o Senador Mário Covas também o debateu bastante, assim como o Senador Jutahy Magalhães e outros. Ao examinarmos essa aliança, por mim denominada de "Aliança de Canapi" - achava apropriado o nome -, expusemos todo o risco que o Partido corria ao aceitar cooperar com um Governo que o tempo, logo em seguida, mostrou ao País o que era: um desastre! Nunca, em tão pouco tempo, um administrador público conseguiu fazer tantos estragos quanto o Presidente Collor: destruiu setores importantes da memória científica e tecnológica do País; destruiu setores históricos da burocracia estatal; cometeu uma sucessão de equívocos intermináveis, que talvez levemos décadas para resgatar.

    Mas o que salvou o PSDB daquela aliança espúria - "Aliança de Canapi" - foi o debate, foi o diálogo, foi a discussão interna. Depois de várias reuniões, o Partido entendeu inconveniente aquela decisão, agradeceu os insistentes convites do Presidente Collor e salvou a sua própria pele.

    Eis que passou o tempo, o Presidente Collor foi afastado do Poder, outro governo se instalou, novas circunstâncias políticas surgiram, o processo sucessório chegou e, novamente, o PSDB está diante de uma situação que guarda bastante semelhança com aquela, até alguns dos personagens são os mesmos, de um lado e de outro.

    Agora, diante do PSDB, não está o Presidente Collor fazendo o convite, mas um dos seus Ministros - aliás, o mais festejado, se assim me lembro -, o ex-Senador Jorge Bornhausen; e, do outro lado, do PSDB, está o nosso Presidente, Tasso Jereissati, que também era um entusiasta da aliança de Canapi.

    Essa aproximação traz muitas conseqüências. Primeiro, porque a social-democracia e os liberais se contrapõem, não se completam - como seria de se supor numa aliança. Há um choque de concepções. E, na concepção de um social-democrata, que vos fala neste momento, o liberalismo aplicado na sua doutrina - ainda mal discutida no Brasil e da forma como tem sido colocada - inviabiliza o País como Nação, como sociedade, devido a sua concepção dos mecanismos de mercado e sociais aplicada num país heterogêneo e socialmente injusto como o nosso, transformando-o num mercado, num bulício de fariseus.

    Nessa concepção, tida como liberal no mundo de hoje, o sistema tecnológico e produtivo está causando e produzindo esse perfil de unificação de mercados, de intensificação de trocas, na qual os liberais estão pegando carona.

    É um sistema econômico com agregados tecnológicos de altíssimo custo, que obrigam a expansão dos mercados. Os produtos não se viabilizam mais dentro das nações, pois necessitam de um território maior do que uma nação para se viabilizarem economicamente. E muitos produtos precisam do Planeta inteiro como mercado; caso contrário, não se viabilizam.

    Essa dinâmica, montada em sistemas produtivos de alta tecnologia, está rompendo as fronteiras dos países, intensificando as trocas e produzindo esse novo perfil que estamos vivendo agora. E os liberais, pegando carona, pensam que isso surge em decorrência de suas concepções doutrinárias. Mas não passam de caronas.

    O Sr. Odacir Soares  - Permite-me V. Exª um aparte, Senador?

    O SR DIRCEU CARNEIRO - Ouço com prazer V. Exª, nobre Senador Odacir Soares.

    O Sr. Odacir Soares - Deixando de lado as considerações de ordem doutrinária levantadas, solicitei este aparte a V. Exª para registrar que estamos de acordo no restante. Pelo PFL, tenho um candidato a Presidência da República, que se chama Silvio Santos. Esse pretenso acordo que se está tecendo nos bastidores ou nas cúpulas dos dois Partidos, na realidade, é prejudicial ao nosso Partido. O PFL é o segundo maior Partido do País, não apenas do ponto de vista do Congresso Nacional, mas também do ponto de vista da sua estrutura em todo o País, dos diretórios regionais, municipais, filiados, deputados estaduais e assim por diante. Penso que o PFL tem a obrigação de ter um candidato próprio a presidente da República. E esse candidato, pela sua presença no País, é o empresário e apresentador de TV Silvio Santos. O meu aparte tem exatamente o objetivo de fazer este registro, sem pretender discutir essas outras concepções. Se bem me lembro, nas eleições de 1989, o Senador Mário Covas - na época presidente do PSDB - fez aqui um discurso fixando-se no chamado choque do capitalismo. Discutir doutrinas é meio complicado, não sei se seria esse o nosso caminho; mas, no geral, estamos no mesmo ponto. Entendo que o PFL precisa ter um candidato próprio a presidente da República. Todas essas questões, quer no âmbito do Partido de V. Exª, quer no âmbito do meu Partido, serão dirimidas e acertadas, como manda a lei, nas nossas convenções. Agradeço a V. Exª a oportunidade.

    O SR. DIRCEU CARNEIRO - Eu que agradeço, Senador Odacir Soares, as suas observações.

    Ainda, ontem ouvi o Líder Marco Maciel, da sua Bancada no Senado, admitindo ser o PFL o maior Partido, mostrando cifras, como o número de governadores, de prefeitos, de vereadores, de filiados, quase convencendo os demais de que estava certo na sua afirmação. Não discuto a afirmativa do Líder Marco Maciel. Penso que o meu conterrâneo Jorge Bornhausen transformou o PFL num microcéfalo, ou melhor, um grande corpo sem cabeça. Se o Partido realmente buscasse uma linha de afirmação político-partidária, V. Exª estaria com toda a razão e o PFL deveria ter o seu candidato próprio.

    Aliás, quando votamos, por ocasião dos trabalhos da Constituinte, a questão dos dois turnos, nós o fizemos exatamente para que, no primeiro turno, todas as correntes políticas se apresentassem com candidatura própria. Foi discutida até a hipótese de que essa fosse uma condição compulsória, o que não foi aprovado. Contudo prevaleceu a possibilidade de se fazer coligações no primeiro turno. A partir daí, veio a distorção congênita desse processo, e os partidos acabaram se compondo antes de mostrarem que forças e legitimidade tinham perante a sociedade, e preferiram o "tapetão" ao campo aberto.

    O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. DIRCEU CARNEIRO - Com todo o prazer, Senador Cid Sabóia de Carvalho.

    O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Na verdade, Senador Dirceu Carneiro, V. Exª fala como maduro integrante do PSDB e o Senador Odacir Soares como experiente membro do Partido da Frente Liberal. Sendo eu integrante do PMDB, não teria, como não tenho, como interceder em toda essa história de que tratam V. Exªs, neste momento, no Senado Federal. Mas é bom louvar a coragem cívica de ambos, aqui expondo seus pontos de vista, cada um deles capaz de caracterizar exatamente a independência da doutrina de seu Partido e de entender, como é do espírito da própria Constituição - como bem analisa V. Exª - , que o fato de haver candidatos no primeiro turno serve para mostrar à sociedade, diante das estatísticas, diante dos números a serem coletados, qual a legitimidade, qual o povo, qual o eleitorado de que dispõe cada grêmio. Porque as coligações desfiguram - notadamente, no caso presidencial - essa força de que tão bem fala V. Exª Mas não posso dizer a V. Exª nada de mérito sobre alianças que não digam respeito ao meu Partido, que não toquem ao meu Partido. Evidentemente, seria uma intromissão indébita. Mas devo dizer que a palavra de V. Exª esta manhã, aqui no Senado Federal, está lembrando uma entrevista que assisti pela televisão, creio que há dois dias, concedida pelo Deputado Waldir Pires. E essa entrevista foi marcada exatamente pelo mesmo espírito de que dispõe V. Exª na análise que faz agora: essa mesma linha de conduta, essa mesma linha filosófica, a defesa de que os partidos devem ter coerência; uma coerência que pode se afetar, numa ou noutra coligação, para predominar o objetivo eleitoral antes do objetivo doutrinário. E nessa entrevista o Deputado Waldir Pires demonstrou uma maturidade que me levou a parabenizá-lo, ontem, no plenário do Congresso Revisor. Estou repetindo esses parabéns agora a V. Exª pela clarividência, sem tomar nenhum partido doutrinário, mas apenas porque estamos vendo que políticos sabem discutir com maturidade, com filosofia, com profundidade cultural, uma cultura política que deve ser vivida e exercida. Por exemplo, faz parte da cultura política o que ouvimos ontem do Senador Ney Maranhão: fidelidade demonstrada ao Presidente Fernando Collor, fidelidade que é também dos Senadores Odacir Soares e Aureo Mello. Não podemos examinar a razão da fidelidade, mas havemos de convir que essa fidelidade tem um valor cultural extraordinário para a vida política do País. O político não pode ser tomado como uma pessoa que ocasionalmente apóia para beneficiar-se. Quando uma pessoa cai e o apoio prossegue, a fidelidade se revela, demonstrando a altivez desses companheiros que estamos citando, Odacir Soares, Ney Maranhão, Aureo Mello, entre outros que guardam todo o apoio e toda a grandeza de conduta que tinham para com o Presidente Fernando Collor de Mello. V. Exª também traz essa grandeza cultural, não demonstra ser um oportunista, não raciocina em termos de obter mais ou um pouco menos de votos. V. Exª raciona dentro daquilo que o fez deixar o PMDB e ingressar no PSDB, crente de que seu grêmio era um, onde V. Exª depositaria sua fé, sua alma, seu espírito, sua crença e, enfim, seu credo político para, assim, prosseguir na luta política. Então, nem de leve posso dizer: deve ou não deve haver aliança, mas esclareço o que é verdade. O espírito da lei reserva ao segundo turno essas alianças, depois que os grêmios políticos revelem, em primeira etapa, de que forças dispõem, qual a legitimidade que conduz a existência desse partido, para não ser uma sigla, para ser, realmente, uma sociedade política, em ente político, um grêmio político, que conduza a um programa que leve a desejar o Governo para, no Governo, fazer cumprir os princípios expressos nessa peça indispensável a qualquer aglomerado político neste País. Por isso, estou felicitando V. Exª, nobre Senador Dirceu Carneiro, porque isso demonstra que o político não é aquele que aparece em listas - do jogo do bicho, do Orçamento -, que o político não é aquele que é imputável a qualquer momento por declarações levianas ocasionais. O político é, acima de tudo, uma pessoa de responsabilidade social, de responsabilidade doutrinária. A grandeza de V. Exª é enorme, principalmente nesta hora em que discorda. Muitos se aviltam para concordar e V. Exª se engrandece para discordar. Desculpe-me a intromissão entre dois partidos que não são meus, mas falo aqui, acima de tudo, como uma pessoa experiente na vida política e que entende que o clamor social é capaz de motivar procedimentos como estes que estamos presenciando hoje no Senado Federal. O aparte do Senador Pedro Simon - ex-Governador do Rio Grande do Sul - foi uma jóia de civismo; os esclarecimentos do Senador Eduardo Suplicy, bem como os do exGovernador do Paraná, José Richa, mostram a grandeza desta Casa. A presença de V. Exª na tribuna e o aparte do Senador Odacir Soares são de tanta sinceridade que fico comovido quando assisto V. Exªs neste diálogo, sem que tenha nenhuma interferência no desfecho da questão de que tratam neste momento.

    O SR. DIRCEU CARNEIRO - Senador Cid Sabóia de Carvalho, V. Exª não é do nosso partido, mas discute a democracia, que é nossa. O que queremos trazer aqui são reflexões que se inserem neste contexto democrático amplo e, portanto, podem ser generalizadas; não pretendem ser estreitas ao limite partidário.

    O Sr. Odacir Soares - Senador Dirceu Carneiro, gostaria de dizer a V. Exª que quando lhe solicitei o aparte o fiz tendo plena consciência de que o discurso de V. Exª não se dirige ao meu Partido, mas sim ao de V. Exª Fiz esta menção para reafirmar que as mesmas posições partidárias que V. Exª tem relativamente ao seu Partido eu tenho relativamente ao meu Partido. Era esse o objetivo do meu aparte.

    O SR. DIRCEU CARNEIRO - Perfeitamente, Senador Odacir Soares, eu estava exatamente compreendendo nessa linha e entendo absolutamente importante, coerente, que os partidos, principalmente os maiores, tenham as suas candidaturas próprias para aferirem junto à sociedade exatamente aquilo que o Senador Cid Sabóia de Carvalho discorreu com mais amplitude, mais aprofundamento do que as minhas referências passageiras sobre essa questão. De modo que estamos de pleno acordo.

    Trouxe essa reflexão porque, ao adotarmos a conduta de alianças neste nível e com esse conteúdo de contradição, acabamos interrompendo a idéia de construir partidos que tenham diretrizes claras, que tenham linhas e posturas políticas bem diferenciadas para que possam credenciar-se, perante a sociedade, para governar o País, para governar Estados, administrar municípios e construir, afinal, a finalidade maior dos partidos que é o bem-estar da sociedade e o interesse público.

    Quero criticar com todas as letras o comportamento do Presidente do meu Partido, Tasso Jereissati, juntamente com o Presidente do PFL, que não discutiu nada nas bancadas, quer da Câmara, quer do Senado, que não discutiu no Diretório Nacional do partido as questões das alianças, talvez pela experiência da frustrada aliança de Canapi, onde o debate e o diálogo esclareceram, impedindo que aquele ato espúrio fosse cometido. Agora o Presidente do meu Partido está escamoteando este fórum importantíssimo de discussão: os partidos, as bancadas e a sua estrutura político-partidária.

    Esta aliança que se está propondo tem uma característica muito peculiar, até de caricatura: se a outra era aliança de Canapi, esta é aliança da mala preta. Mala preta, porque foi desse modo que o Presidente do PFL, meu conterrâneo, articulou o partido lá. Foi com a mala preta do Ministério da Educação que se faziam obras públicas a troco de inscrição partidária e de filiação de prefeito, vereador e lideranças municipais. Logo, esta técnica de utilização do cofre público para construir partido é incompatível com aquela que é adotada pela política do PSDB. Portanto, o meu Partido não pode participar dessa aliança de menor conteúdo. O conteúdo maior seria quando estivesse em risco a democracia, as liberdades, ou qualquer coisa dessa ordem de grandeza. Se assim fosse, eu não estaria aqui contrariando a reunião de forças para combater o inimigo maior.

    Entretanto, quando a união ou a coligação é apenas para defender interesses eleitorais, eu os considero menores perante a liberdade e a democracia e, portanto, não se justifica aliança de contraditórios. Essa incoerência é tão grave dentro do PSDB que destrói o projeto político-partidário do Partido. Podemos enterrá-lo depois dessa aliança, porque não teremos mais razão para estar numa agremiação que procura ter uma postura, uma decência, um comportamento exemplar e não ter a dignidade de preservá-lo na condução eleitoral.

    De modo que quero deixar bem claro que não aceito essa aliança da forma como está proposta, de forma nenhuma, nesta etapa e nesta circunstância.

    O Sr. Eduardo Suplicy - Permite V. Exª um aparte?

    O SR. DIRCEU CARNEIRO - Pois não. Ouço, com todo prazer, o aparte de V. Exª nobre Senador Eduardo Suplicy.

    O Sr. Eduardo Suplicy - Nobre Senador, é interessante a maneira como V. Exª com tanta sinceridade, expressa o seu sentimento diante da coligação que se articula entre o PSDB e o PFL, a nível de algumas de suas principais figuras, em especial - conforme salienta -, a partir do próprio diálogo entre os Presidentes de ambos os Partidos: Tasso Jereissati e Jorge Bornhausen. O que V. Exª declara, demonstrando a dificuldade do relacionamento dessa aliança, de alguma maneira atinge, também, outros partidos. Como membro do Partido dos Trabalhadores, do nosso ponto de vista, gostaria de externar como a aliança entre o PSDB e o PFL não se afigura como o mais positivo para os destinos do País. Compreendemos que há diferenças importantes entre os nossos dois Partidos, o PT e o PSDB, mas entendemos que entre os nossos membros há traços comuns de grande relevância, inclusive nas duas últimas décadas de História do nosso País. Mas, eu poderia até dizer as últimas três décadas, porque aqueles que fundaram o PT há quatorze anos, em 1980, e o PSDB em 1988, os seus principais integrantes participaram de algumas lutas comuns, como a luta pela democratização do País, pela anistia, pelas eleições "Diretas Já", em 1984, para que tivéssemos o movimento pela ética na política, o movimento que resultou no impeachment e ações sempre em favor da democratização do País, da transparência dos atos e de movimentos em direção de maior participação popular nas decisões como, inclusive, a marcante gestão de V. Exª quando Prefeito da Cidade de Lages. Menciono esses pontos para dizer que, embora haja diferenças, há, também, pontos comuns e foram exatamente estes que fizeram com que muitos de nossos companheiros avaliassem que deveria haver um esforço na continuidade do diálogo entre nossos Partidos, ainda que respeitado o direito de o PT lançar à Presidência Luís Inácio Lula da Silva e o PSDB Fernando Henrique Cardoso. Gostaria de transmitir a V. Exª - já disse isso ao Ministro e agora Senador Fernando Henrique Cardoso -, que a minha avaliação seria - é até interessante para o Brasil que estejamos juntos no segundo turno das eleições presidenciais, se não um apoiando o outro, até mesmo um versus o outro -, mas avalio que muito melhor estará o PSDB. Por isso externo publicamente, ainda que não membro desse Partido, que essa aliança com o PFL descaracteriza em muito o PSDB naquilo que ele tem em comum com o PT na luta pela democratização, pela transparência, pela correção no trato da coisa pública.

    O SR. DIRCEU CARNEIRO - V. Exª em sua reflexão, trouxe esses pontos de identidade entre o PSDB e PT, por postura, aspectos, fatos. Trago, do mesmo modo, o testemunho com fatos muito concretos.

    Na eleição para Presidente da República, a primeira que disputamos após o regime autoritário, o Senador Mário Covas foi nosso candidato no primeiro turno; não alcançando participar do segundo turno, votei, então, no Lula. Isso foi público, pois declarei. Portanto, esse meu comportamento é um testemunho vivo das identidades as quais V. Exª acabou de fazer referência.

    Estou inteiramente de acordo com as observações de V. Exª Penso que realizar uma aliança com tal nível de contraditoriedade é realmente confundir os eleitores, a sociedade. Ou os partidos têm linhas bem claras, podendo, então, os eleitores dispor de oportunidade de discordar ou se identificar com as mesmas, ou teremos uma "geléia geral", onde as pessoas nunca saberão quem é quem e, por conseqüência, sempre têm a tendência de desconfiar antes de confiar. Portanto, não há possibilidade de construir uma democracia estável com tal nível de confusão na cabeça dos eleitores.

    Presumo que, depois da simbólica queda do Muro de Berlim, do fim da Guerra Fria - quando o debate se fazia entre capitalismo e comunismo, entre socialismo e capitalismo - hoje, o objeto do debate se encontra noutro patamar, ele se dá entre sociais democratas e liberais. Parece-me que esse é o confronto do final de século, principalmente aqui no Brasil e, quem sabe, para um bom pedaço do próximo século, é o debate entre as concepções liberais ou neoliberais da sociedade e as concepções sociais democratas e a sua aplicação, a sua serventia para o Brasil. Este, sim, parece-me o debate construtivo, orientador da sociedade, no sentido de que ela se posicione diante de uma, de outra ou de outras doutrinas.

    Quando se reúne esses pólos, esses potenciais contrários numa coligação de interesse menor - penso -, então, não haverá limpeza, clareza, transparência nesse quadro, e o Brasil perderá uma grande oportunidade de, pelo menos, oferecer mais do que uma opção para a sociedade, em termos de partido político.

    É com essa visão que quero combater essa "aliança da mala preta", é com essa contundência que quero me manifestar e combater, em todas as instâncias, porque ela não serve ao Brasil, não serve ao povo brasileiro, não serve à política e à democracia.

    Por isso quero combatê-la. Desejo que ela se frustre no seu nascedouro, porque está sendo feita pela cúpula, uma minoria que não debate, que não dialoga, que não traz à reflexão e à consideração mais ampla do ponto de vista partidário e da sociedade.

    O plano que o Ministro Fernando Henrique Cardoso propôs, os chamados FHCs foram democrática e abertamente discutidos com todos os segmentos da sociedade.

    Pois esse exemplo que se deu ao Executivo - e ele não se repetia desde 1964 para cá, nunca se pôs um plano à consideração da sociedade antes de sua implantação -, tinha que ser adotado pelo próprio partido a que pertence o Senador Fernando Henrique. Se este processo democrático fosse instalado dentro do partido talvez não cometêssemos tantos descaminhos como aqueles que são cometidos a partir das cúpulas, que têm, às vezes, muito mais interesses do que espírito público.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 08/04/1994 - Página 1657